caminhos para cidades sustentÁveis: a participaÇÃo … · caminhos para cidades sustentáveis :...
Post on 23-Jul-2020
0 Views
Preview:
TRANSCRIPT
FACULDADE MERIDIONAL - IMED
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM DIREITO – PPGD
CURSO DE MESTRADO EM DIREITO
CAMINHOS PARA CIDADES SUSTENTÁVEIS: A PARTICIPAÇÃO
SOCIAL NA LEGITIMAÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE
MOBILIDADE URBANA
DANIELA DOS SANTOS
Passo Fundo, 05 de outubro de 2015
COMPLEXO DE ENSINO SUPERIOR MERIDIONAL - IMED
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM DIREITO – PPGD
CURSO DE MESTRADO EM DIREITO
CAMINHOS PARA CIDADES SUSTENTÁVEIS: A PARTICIPAÇÃO
SOCIAL NA LEGITIMAÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE
MOBILIDADE URBANA
DANIELA DOS SANTOS
Dissertação submetida ao Curso
de Mestrado em Direito do
Complexo de Ensino Superior
Meridional – IMED, como
requisito parcial à obtenção do
Título de Mestre em Direito.
Orientadora: Professora Doutora Salete Oro Boff
Passo Fundo, 05 de outubro de 2015
CIP – Catalogação na Publicação
S237c Santos, Daniela dos
Caminhos para cidades sustentáveis : a participação social na legitimação das políticas públicas de mobilidade urbana / Daniela dos Santos. – 2015.
121 f. : il. ; 30 cm.
Dissertação (Mestrado em Direito) – Faculdade Meridional – IMED, Passo Fundo, 2015.
Orientação: Professora Doutora Salete Oro Boff.
1. Política pública. 2. Política urbana. 3. Sustentabilidade. 4. Mobilização social. I. Boff, Salete Oro, orientadora. II. Título.
CDU: 342
Catalogação: Bibliotecária Angela Saadi Machado - CRB 10/1857
DEDICATÓRIA
Dedico esse trabalho a você, César, companheiro no amor, na vida e
nos sonhos, que sempre me apoiou nas horas difíceis e compartilhou comigo as
alegrias, não poupando esforços para que essa etapa fosse concluída.
A minha “Bela”, que mesmo pequenina soube compreender minhas
ausências.
Vocês são o que tenho de mais precioso.
AGRADECIMENTOS
Registro meus agradecimentos a todos os que compartilharam o trilhar
de mais esse caminho percorrido, contribuindo, direta e indiretamente, para que
eu realizasse esta pesquisa, auxiliando-me e dando-me forças nos momentos em
que eu mais precisava.
Aos meus pais, Odone e Gislaine, agradeço pela vida, por acreditarem
nos meus sonhos, pelo entusiasmo diante dos meus objetivos e por estarem
presentes me apoiando e ajudando com a pequena Isabela.
Aos meus sogros, João Carlos e Vilma, por estarem sempre presentes
cuidando e dando suporte emocional para nossa pequena; esse apoio foi
essencial para que essa conquista fosse possível.
Agradeço ao meu amor, César, por estar sempre presente nesses dois
anos de Mestrado, por aguentar e entender meus momentos de ansiedade e
estresse. Muitas foram as provações nesse período, mas a melhor constatação é
que o amor vale a pena. Obrigada por ser meu amor, obrigada por me amar.
A minha orientadora, Dra. Salete Oro Boff, quero agradecer por ter
aceitado com entusiasmo orientar-me nesta e em outras pesquisas científicas, por
ter compartilhado seu profundo conhecimento, o que me possibilitou
“aprendizagens únicas”, sempre atenta às minhas falhas e compreensiva com as
minhas limitações, apontando o melhor caminho a ser seguido.
A minha ‘primeira orientadora’, Dra. Gisela Maria Bester, que tive o
prazer de conhecer neste Programa de Mestrado e que, mesmo de longe, sempre
se fez presente. Obrigada por ter ficado ao meu lado durante esses dois anos, sei
que a amizade que sinto é recíproca e verdadeira.
Ao Dr. Carlos Alberto Lunelli (PPGD-UCS) e ao Dr. Fausto Santos de
Morais, pelos apontamentos na banca de qualificação, que me possibilitaram um
novo olhar ao tema da pesquisa.
As colegas Mayara Pellenz, Ana Cristina Bacega De Bastiani e
Marianna Martini Motta Loss: a amizade é o sentimento mais sublime que
podemos ter, vocês foram únicas.
Aos demais colegas, obrigada pela convivência nesses dois anos, pelo
apoio e pela alegria.
Aos Professores do Programa Mestrado, agradeço por me mostrarem
novos caminhos até então desconhecidos.
A todos, muito obrigada!
“Só a ação é prerrogativa exclusiva do homem; nem um animal nem
um deus é capaz de ação, e só a ação depende inteiramente da
constante presença de outros”. Hannah Arendt
RESUMO
A presente dissertação está inserida na Linha de Pesquisa Mecanismos de
efetivação da democracia sustentável, do Programa de Pós-Graduação em Direito
IMED. A sua composição teórica descreve as possibilidades de democratização
dos modos de deslocamentos nas cidades, pela gestão participativa nas políticas
públicas de mobilidade urbana, voltadas à sustentabilidade. Considera-se que o
crescimento das cidades não foi acompanhado por um planejamento urbano
adequado. A urbanização acelerada, aliada à falta ou inadequação de recursos
públicos e às questões políticas, impediram que esses problemas fossem
solucionados à medida que as cidades cresciam. Diante dessa realidade, a
Política de Desenvolvimento Urbano no Brasil, na última década, vivencia um
contexto de mudanças significativas, por meio de um processo de construção e
implementação da política de desenvolvimento urbano, fundamentada no princípio
constitucional da Democracia Participativa, ou seja, da participação conjunta entre
o governo e a Sociedade para a elaboração e execução das políticas urbanas
como direitos dos cidadãos. A lei n. 12.587/12 é um instrumento da política de
desenvolvimento urbano que objetiva a integração entre os diferentes modos de
transporte e a melhoria da acessibilidade e mobilidade das pessoas e cargas no
território dos Municípios. Um grande passo foi dado com a aprovação dessa Lei,
demostrando que o Brasil incluiu em sua agenda governamental a mobilidade
urbana sustentável e a participação política. Ainda cabe destacar a Emenda
Constitucional 90/15, que reconheceu o transporte como um direito fundamental
social. Portanto, vive-se um momento propício para redesenhar as cidades com o
emprego de modais de deslocamentos diferenciados e sustentáveis, visando
também alcançar a cidadania social e a consolidação da democracia plena. Os
métodos utilizados no desenvolvimento do trabalho foram o dedutivo e
monográfico e a técnica de pesquisa bibliográfica baseou-se em fontes
secundárias.
Palavras-chave: Democracia Participativa; Gestão Democrática; Mobilidade
Urbana Sustentável; Participação Social; Políticas Públicas.
ABSTRACT
This work is embedded in the research guideline - Mechanisms of Awareness in
Sustainable Democracy, of the Post-Graduation Program in Law by IMED. Its
theoretical structure describes the possibility of democratization of the
displacement models in cities, the participatory management in public policies for
urban mobility, aiming sustainability. It’s considered that the city’s growth was not
supported by an adequate urban planning. The fast urbanization, the lack or
inadequacy of public resources and political predicaments have prevented these
problems of being tackled as the cities were growing. Due to this reality, the Urban
Development Policy in Brazil in the last decade, experienced a context of
significant changes, through a process of creation and implementation of a urban
development policy, based on the constitutional principle of a participatory
democracy, in other words, joint participation between the government and the
general public for the development and implementation of urban policies as a
citizen’s right. The 12.587/12 law is an instrument of the urban development policy
that aims the integration between all the different modes of transportation,
improving people’s and goods’ mobility and the accessibility in the territory of
Municipalities. A major step was taken with this law approval, showing that Brazil
includes in its government agenda the sustainable urban mobility and public
political participation. Still it is worth mentioning the Constitutional Amendment
90/15, which recognizes transport as a social fundamental right. Therefore, it is a
good moment to redesign cities with the use of differentiated and sustainable
models of displacement in order to achieve social citizenship and the consolidation
of a full democracy. The methods used to develop this work were the deductive
and monographic and the bibliographic research technique was based on
secondary sources.
Key-words: Participatory Democracy; Democratic Management; Sustainable
Urban Mobility; Social Participation; Public Policies.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ANFAVEA Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos
Automotores
COFINS Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social
CF/88 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988
INOVAR AUTO
Programa de Incentivo à Inovação Tecnológica e
Adensamento da Cadeia Produtiva de Veículos
Automotores
ICMS
IPI
Imposto sobre Operações relativas à Circulação de
Mercadorias e Prestação de Serviços de Transporte
Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação
Imposto sobre Produtos Industrializados
ONU
PEC
Organização das Nações Unidas
Proposta de Emenda à Constituição
PIS/Pasep Programa de Integração Social e do Programa de
Formação do Patrimônio do Servidor Público
PL Projeto de Lei
PLC Projeto de Lei da Câmara
PLS Projeto de Lei do Senado
PLANMOB Plano de Mobilidade Urbana
PROCONVE Programa de Controle da Poluição do Ar por Veículos
Automotores
REITUP Regime Especial de Incentivos para o Transporte Coletivo
Urbano e Metropolitano de Passageiros
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................................. 10
CAPÍTULO 1 .................................................................................... 14
EVOLUÇÃO E GESTÃO DAS POLÍTICAS DE MOBILIDADE URBANA .......................................................................................... 14
1.1 A EVOLUÇÃO DA URBANIZAÇÃO MUNDIAL E BRASILEIRA: A CONSTRUÇÃO DE CIDADES PARA OS CARROS ............................................ 14
1.2 A REGULAMENTAÇÃO DA GESTÃO DEMOCRÁTICA NO PLANEJAMENTO
DA MOBILIDADE URBANA ................................................................................. 28
1.3 ESPAÇO PÚBLICO DA POLÍTICA DE MOBILIDADE URBANA .................. 37
CAPÍTULO 2 .................................................................................... 42
A DEMOCRATIZAÇAO DAS CIDADES PELA PARTICIPAÇÃO SOCIAL ............................................................................................ 42
2.1 DIMENSÕES DA DEMOCRACIA PARTICIPATIVA ...................................... 45 2.2 PARTICIPAÇÃO POPULAR E CONTROLE SOCIAL COMO MEIO DE
EFETIVAÇÃO DA CIDADANIA ............................................................................ 52
2.3 ESTATUTO DA CIDADE E LEI 12.587/12: DEMOCRATIZAÇÃO DAS CIDADES PELA PARTICIPAÇÃO SOCIAL ......................................................... 65
CAPÍTULO 3 .................................................................................... 72
MOBILIDADE URBANA SUSTENTÁVEL: A PARTICIPAÇÃO SOCIAL NA CONSTRUÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS ........... 72
3.1 AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE MOBILIDADE URBANA SUSTENTÁVEIS: CIDADES PARA AS PESSOAS ........................................................................... 73 3.2 O RECONHECIMENTO DO TRANSPORTE COMO DIREITO FUNDAMENTAL
SOCIAL E AS IMPLICAÇÕES DE SUA EFETIVAÇÃO NAS CIDADES
SUSTENTÁVEIS ................................................................................................... 85
CONCLUSÃO ................................................................................. 106
REFERÊNCIAS .............................................................................. 109
10
INTRODUÇÃO
O tema da presente dissertação é a gestão democrática por meio da
participação popular nas políticas públicas de mobilidade urbana voltadas à
sustentabilidade.
Tem-se como objetivo geral demonstrar como a gestão democrática
pela participação popular nas políticas públicas de mobilidade urbana contribui
para a implementação de modais de deslocamentos mais humanos e
sustentáveis. E para chegar a tal fim, pretende-se contextualizar a urbanização
brasileira; analisar a gestão democrática a partir da Constituição Federal de 1988,
do Estatuto da Cidade (Lei 10.257/01) e da Lei 12.587/2012, que institui as
diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana; identificar no plano da teoria
política o espaço público legitimador da gestão democrática; estudar o regime
democrático adotado pelo Brasil, a partir da redemocratização de 1988, as formas
de participação popular e o controle social como meios de efetivação da cidadania
e sua previsão no Estatuto da Cidade e na Lei 12.587/12; identificar as
possibilidades de implementação de espaços sustentáveis e democráticos pelas
políticas públicas de mobilidade urbana e apresentar o transporte como direito
fundamental social, conforme o ordenamento jurídico brasileiro, e suas
implicações na efetivação nas cidades sustentáveis.
Analisando a Constituição Federal de 1988, o Estatuto da Cidade e a
Lei 12.587/12, em específico sobre a promoção da gestão democrática pela
participação popular e pelo eixo da sustentabilidade, o problema de pesquisa
busca responder como a gestão democrática pela participação popular nas
políticas públicas de mobilidade urbana contribui para a implementação de
modais de deslocamentos mais humanos e sustentáveis.
A hipótese desse estudo é de que a gestão democrática pela
participação popular legitima as políticas públicas de mobilidade urbana, uma vez
que é pelo espaço dado à Sociedade para participar que se possibilita novos
olhares, gera-se conhecimento, quebram-se paradigmas, evita-se a corrupção e a
mercantilização de direitos.
11
Para justificar o estudo, parte-se dos processos de urbanização sem
nenhum planejamento, da falta de investimentos em infraestrutura, conjugados
com o aumento expressivo da frota de veículos e o desinteresse do Poder Público
pela mobilidade, o que ocasionou sérios problemas à Sociedade brasileira.
Primeiramente, destaca-se o grande número de acidentes com mortes e
sequelas, que são enfrentados diariamente. São cenários de horror: milhares de
famílias destroçadas pela desgraça de perder seus entes queridos e centenas de
crianças órfãs, fazem com que a violência no trânsito se torne um problema sério
de saúde pública e cause grande prejuízo aos cofres públicos.
Considera-se que o transporte público é ineficiente e caro, que as vias
são de má qualidade e sem manutenção, fazendo com que haja no país uma
política de incentivo ao uso do automóvel. Essa condição se comprova com os
incentivos fiscais dados às montadoras, bem como a facilitação nos
financiamentos e créditos à população. As cidades brasileiras foram
transformadas em “mares” de asfalto, o meio ambiente degradado, os espaços
públicos diminuídos, e as áreas citadinas em que há investimentos por parte do
Poder Público são de poucos e para poucos.
Diante desse cenário fez-se necessário (re)pensar os modelos de
mobilidade urbana e o desenho das cidades, buscando soluções sustentáveis,
principalmente para os modais de deslocamento das pessoas, uma vez que
necessitam da mobilidade para a efetivação dos seus direitos sociais como o
trabalho, educação, lazer, entre outros.
Além da Constituição Federal de 1988, que inovou ao trazer um
capítulo específico de Política Urbana, o arcabouço legal é novo, representado
pela Lei n. 10.257/01, a qual instituiu o Estatuto da Cidade. Essa lei é um
instrumento de gestão democrática das cidades e pela Lei n. 12.587/12, que
instituiu as diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana em consonância
com o inciso XX do artigo 21 e artigo 182 da Constituição Federal. Essa última,
constituindo-se em um instrumento da política de desenvolvimento urbano,
objetivou a integração entre os diferentes modos de transporte e a melhoria da
acessibilidade e mobilidade das pessoas e cargas no território dos Municípios.
12
Além disso, a novel Emenda Constitucional n. 90/15, reconheceu o transporte
como direito fundamental social.
Observa-se que o Brasil avançou ao ter assegurado um conjunto de
normas sistematizadas e de informações sobre elementos que constituem o
planejamento da mobilidade, porém, a articulação do poder público com os
diferentes segmentos sociais, num processo de trabalho participativo e
democrático, é imprescindível. Parte-se do princípio de que as ações humanas
implicam diretamente na promoção da gestão democrática e auxiliam o Poder
Público na (re)construção de cidades sustentáveis e orientadas para as pessoas.
No Capítulo primeiro, a pesquisa se destinará ao estudo da evolução
da urbanização brasileira frente à crise da mobilidade urbana, seguindo com a
regulamentação da gestão democrática no seu planejamento, especialmente
pelos preceitos constitucionais, pelo Estatuto da Cidade e pela Lei 12.587/12. Na
sequência, apresenta-se no plano da teoria política o espaço público como
pressuposto da participação popular. Nesse capítulo, as pesquisas
fundamentaram-se nas teorias de Jürgen Habermas, Hannah Arendt e Liszt
Vieira, entre outros.
O Capítulo segundo trata da possibilidade de democratização das
cidades pela participação popular. Para tanto, realiza-se uma abordagem das
dimensões da democracia participativa, bem como a consagração constitucional
brasileira desse modelo como garantia do direito de participação. Segue-se com a
análise do papel da participação popular e do controle social como formas de
efetivar a cidadania e finaliza-se com a abordagem dos instrumentos de
participação popular previstos no Estatuto da Cidade e na Lei 12.587/12. Para
fundamentar o estudo desse capítulo, utilizou-se como marco teórico Konrad
Hesse, Norberto Bobbio, Paulo Bonavides, entre outros.
O terceiro Capítulo será dividido em dois itens. O primeiro dedica-se a
apresentar qual o papel das políticas públicas de mobilidade urbana para a
implementação de espaços de deslocamentos democráticos e sustentáveis,
fazendo uma análise sobre a efetividade de tais políticas e como a ação dos
gestores públicos repercute nos modelos priorizados e excluídos. E, no segundo,
13
devido à aprovação, em 15 de setembro de 2015, da Emenda Constitucional n.
90/15, optou-se em lançar algumas considerações sobre o reconhecimento do
transporte como direito fundamental social. Tal temática está intimamente ligada à
pesquisa dessa dissertação; assim, será realizada uma abordagem histórica da
constitucionalização dos direitos fundamentais sociais, para adentrar
pontualmente na aprovação da emenda constitucional em tela e suas implicações.
Utilizou-se como marco teórico nesse capítulo Salete Oro Boff, Juarez Freitas,
Ingo Wolfgang Sarlet, entre outros.
Os métodos que serão adotados para esse estudo será o dedutivo e
monográfico e a técnica de pesquisa é bibliográfica, em fontes secundárias.
Saliente-se que o tema em estudo é complexo e dinâmico e que o
presente estudo não possui a pretensão de encerrar o debate sobre o tema, mas
sim apresentar subsídios de possibilidades para impulsionar a discussão e o
aprofundamento da questão.
14
CAPÍTULO 1
EVOLUÇÃO E GESTÃO DAS POLÍTICAS DE MOBILIDADE
URBANA
Num primeiro momento será realizado um estudo historiográfico da
urbanização mundial e brasileira, trazendo subsídios ao leitor de como as cidades
foram se transformando e quais processos e decisões influenciaram os modelos
das cidades do século XXI.
A gestão democrática1 será analisada especialmente a partir dos
preceitos constitucionais relacionados à matéria, pelo Estatuto da Cidade (Lei
10.257/2001) e pela Lei 12.587/2012, que instituiu as diretrizes de Política
Nacional de Mobilidade Urbana.
O espaço público será exposto no plano da teoria política de
Habermas2 e Arendt3, dialogando com outros autores como Vieira4 e Hamel5.
1.1 A EVOLUÇÃO DA URBANIZAÇÃO MUNDIAL E BRASILEIRA: A
CONSTRUÇÃO DE CIDADES PARA OS CARROS
Primeiramente, faz-se necessário contextualizar o que se entende por
cidade. Pode-se afirmar que cidade é um aglomerado de casas, prédios, ruas,
viadutos, pessoas, carros e outros meios de transporte; local onde se mora, se
trabalha, se estuda, se diverte; onde se encontram os serviços (públicos e
privados) e bens para o consumo.
1 Gestão Democrática é resultante da participação popular no poder decisório. GUIMARÃES,
Geraldo Spagno. Comentários à Lei de Mobilidade Urbana – Lei nº 12.587/2012: essencialidade, sustentabilidade, princípios e condicionantes do direito à mobilidade. Belo Horizonte: Fórum, 2012, p. 99.
2 HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade, volume II. 2.ed. Tradução Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003.
3 ARENDT, Hannah. A condição humana. Tradução de Roberto Raposo. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007.
4 VIEIRA, Liszt. Os argonautas da cidadania. Rio de Janeiro: Record, 2001. 5 HAMEL, Marcio Renan. A política deliberativa em Habermas: uma perspectiva para o
desenvolvimento da democracia brasileira. Passo Fundo, (RS): Méritos, 2009.
15
Entretanto, pertinente se torna uma definição a partir da sua evolução.
As primeiras cidades tiveram sua origem provavelmente perto de 3500 a.C., na
Mesopotâmia (área compreendida pelos rios Tigre e Eufrates), e, posteriormente,
no vale do Nilo (3100 a.C.), no vale do rio Indo (2500 a.C.) e no rio Amarelo (1550
a.C.). Observa-se que essas cidades surgiram em regiões com predomínio de
clima semiárido. Por esse motivo, houve a necessidade de se fixarem perto de
rios, pois era preciso repartir a água, os escassos pastos e, em conjunto,
aproveitar as planícies inundáveis propícias ao desenvolvimento da agricultura6.
Segundo Serafini Junior7, as cidades são o resultado do trabalho
coletivo de uma Sociedade, em que está materializada a história de povos que ali
se reuniram em atividades econômicas, sociais, culturais e políticas.
O progresso científico e tecnológico ocorrido nos últimos duzentos
anos trouxe grandes avanços, que modificaram profundamente as cidades. Essas
mudanças deram-se tanto nas atividades comerciais responsáveis pela circulação
de bens/serviços e de produtos agrícolas, no exercício das diversas atividades
econômicas, bem como no setor secundário (indústrias), mas, também,
originaram problemas como a segregação social e a degradação ambiental.
O crescimento da população urbana em ritmo acelerado tem impulso a
partir do século XVIII, com a Revolução Industrial, quando ainda a maioria das
pessoas viviam no campo8. Esse processo possibilitou a oferta de melhores
empregos e salários, bem como o acesso a vários serviços. Ocasionou, ainda,
grandes fluxos migratórios do campo para as cidades.
Durante o século XIX houve o aumento do número das cidades, bem
como o crescimento das já existentes. Citam-se como exemplos Londres, Paris,
6 SPOSITO, Maria Encarnação. Capitalismo e urbanização. São Paulo: Contexto, 1988, p. 18. 7 SERAFINI JUNIOR, Sérgio. A cidade ideal versus a real. Conhecimento Prático – Geografia. n.
42. Escala Educacional, 2012. Disponível em: <http://geografia.uol.com.br/geografia/mapas-demografia/42/a-cidade-ideal-versus-a-real-em-2011-o-252457-1.asp>. Acesso em: 03 ago. 2015.
8 MOREIRÃO, Fábio Bonna. Ser Protagonista: geografia, 2º. ano: ensino médio. 2. ed. São Paulo: Edições SM, 2013, p. 226.
16
Berlim e Nova York, que já contavam então com um milhão de habitantes e
tiveram um processo de urbanização acelerado, principalmente pelo êxodo rural9.
Foi na segunda metade do século XIX que apareceram as primeiras
políticas públicas voltadas ao planejamento urbano, resultado dos movimentos
operários para a reivindicação de melhorias trabalhistas e sociais. No início do
século XX, somente 2% (dois por cento) da população vivia nas cidades, sendo a
urbanização um fenômeno típico dos países desenvolvidos e industrializados. Em
1950, Nova York, Londres, Paris e Tóquio já eram consideradas as cidades mais
populosas do mundo; nesse contexto, em 1940, o Brasil apresentava apenas 31%
de população urbana.10
No século XX, os países subdesenvolvidos tiveram ampliada a sua
urbanização; a América Latina foi a primeira a passar por esse processo e, em
todo o continente latino-americano, esse fenômeno ocorreu de forma muito
acelerada. Os países como o Brasil, a Argentina e o México, que tiveram o
processo de industrialização bastante célere, a partir da década de 1950 também
compartilharam o processo de urbanização na mesma velocidade. A
industrialização exerceu um forte atrativo para a população que vivia no campo. A
pobreza e a falta de empregos foram fatores decisivos para o esvaziamento da
área rural em poucas décadas e o rápido crescimento das cidades11.
Segundo Garcia12, a população urbana mundial, que era apenas 2,4%
nos primeiros anos da Revolução Industrial, chegou, em 2010, a 50,7%. No Brasil,
de 1950 até 2010, ocorreu uma inversão das porcentagens das populações rural
e urbana: “em 1950 elas eram, respectivamente, 63,8% e 36,2% do total; segundo
o censo de 2010, passaram, respectivamente, para 15,6% e 84,4%”.
O rápido crescimento da urbanização no Brasil gerou novos problemas
como o êxodo rural, a favelização e demais formas de moradia precárias, levando
à segregação social, às questões ambientais (poluição atmosférica, ilhas de calor,
9 MOREIRÃO, Fábio Bonna. Ser Protagonista: geografia, 2º. ano: ensino médio. p. 227. 10 MOREIRÃO, Fábio Bonna. Ser Protagonista: geografia, 2º. ano: ensino médio. p. 227. 11 MOREIRÃO, Fábio Bonna. Ser Protagonista: geografia, 2º. ano: ensino médio. p. 227. 12 GARCIA, Helio Carlos. Geografia Global 2. 3.ed. São Paulo: Escala Educacional, 2013, p. 225.
17
efeito estufa, entre outros) e à crise da mobilidade urbana13, ocasionada pelo
aumento do uso do transporte motorizado privado14, bem como pela falta de
investimentos em obras de infraestrutura para o transporte público coletivo15.
Nesse contexto, observa-se que os grandes investimentos na área de
energia e transporte ocorreram no governo Juscelino Kubitschek (1956-1961), por
meio do Plano de Metas. Com 73% (setenta e três por cento) dos investimentos
nessas áreas, foram pavimentados 14.970 km (quatorze mil, novecentos e
setenta quilômetros). Merece ser citado o expressivo ingresso de capital
estrangeiro, responsável pelo crescimento da produção industrial no setor
automobilístico, instalando-se, a política do automóvel. Verifica-se que foi nesse
período que se inaugurou a primeira cidade planejada, Brasília, em 1960, sendo
nessa época reconhecida como a capital federal16.
O que se observa é que, principalmente nos países subdesenvolvidos,
o crescimento das cidades não foi acompanhado por um planejamento adequado.
A urbanização acelerada, aliada à falta ou inadequação de recursos públicos e a
questões políticas, impediram que esses problemas fossem solucionados à
medida que as cidades cresciam. Instalou-se o caos urbano, trazendo sérias
consequências e prejuízos para a qualidade de vida das pessoas. Além da
13 Conceito legal de mobilidade urbana conforme artigo 4º, II da Lei 12.587/12: “condição em que
se realizam os deslocamentos de pessoas e cargas no espaço urbano”. BRASIL. Lei 12.587/2012. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12587.htm>. Acesso em: 03 jul. 2015.
Numa concepção sumária, mobilidade Urbana “é a facilidade real ou efetiva das condições de deslocamento, realizada por qualquer modo em via pública, que leva em conta as necessidades dos citadinos”. GUIMARÃES, Geraldo Spagno. Comentários à Lei de Mobilidade Urbana – Lei nº 12.587/2012: essencialidade, sustentabilidade, princípios e condicionantes do direito à mobilidade. p. 91.
14 Transporte motorizado privado conforme artigo 4º, X, da Lei 12.587/12: “meio de transporte de passageiros utilizado para a realização de viagens individualizadas por intermédio de veículos particulares”. BRASIL. Lei 12.587/2012. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12587.htm>. Acesso em: 03 jul. 2015. Para o presente trabalho será utilizado como sinônimo de transporte individual o automóvel e a motocicleta.
15 Transporte público coletivo conforme artigo 4º, VI, da Lei 12.587/12: “serviço público de transporte de passageiros acessível a toda a população mediante pagamento individualizado, com itinerários e preços fixados pelo poder público”. BRASIL. Lei 12.587/2012. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12587.htm>. Acesso em: 03 jul. 2015.
16 SENE, Eustáquio de. Geografia geral e do Brasil: espaço geográfico e globalização. Eustáquio de Sene, João Carlos Moreira. São Paulo: Scipione, 1998, p. 202-203.
18
política de incentivo ao uso do automóvel, a mobilidade urbana nunca foi pensada
pelos governantes como um direito do cidadão.
Observa-se que um marco importante foi a promulgação da
Constituição Federal de 1988, a qual, em seu artigo 6º, elencou uma série de
direitos sociais como educação, saúde, lazer e trabalho; porém, o “direito meio”
(mobilidade urbana) não foi reconhecido e nem implementado, para que pudesse
atender as necessidades do cidadão, aliadas ao interesse coletivo.
Como resultado, tem-se o transporte público coletivo e a infraestrutura
ineficientes e caros. As políticas de incentivos fiscais para as grandes montadoras
de automóveis, bem como a facilitação de crédito para sua aquisição, mostraram
ao Brasil o lado negativo dessa combinação, em meio a cotidianos acidentes,
mortes e sequelas irreversíveis. A violência no trânsito é a segunda causa de
mortes violentas no Brasil, o que se tornou um sério problema de saúde pública,
trazendo altos custos aos cofres do governo.
As vias e a infraestrutura continuam quase as mesmas desde 1960 e o
excesso de veículos agrava a poluição do ar e cria congestionamentos, fazendo
com que a população perca cada vez mais tempo no trânsito. Segundo Raquel
Rolnik17:
As cidades sempre foram pensadas para privilegiar a mobilidade de poucos. Transporte coletivo era coisa de pobre, era uma política de quinta e que servia somente como extração de renda para os concessionários. Interessava como negócio, nunca como serviço. Na hora em que é ampliado o acesso ao mercado, os automóveis e motocicletas começaram a disputar o mesmo espaço que os 30% de quem tinha carro no início dos anos 2000. Como o alto número de carros congestionou tudo, se criou a crise da mobilidade, que expôs o modelo segregado e excludente de cidade. Diante disso, a tarifa e o transporte são a ponta do iceberg, que coloca nu um modelo de cidade que bloqueia o acesso à cidade18.
Nos meses de junho e julho de 2013, os protestos dos movimentos
sociais em prol de transporte público coletivo de qualidade, com tarifas justas
17 Urbanista, Relatora especial da ONU para o Direito a moradia adequada. 18 BRASIL DE FATO. Disponível em: <http://www.brasildefato.com.br/node/31184>. Acesso em:
29 jun. 2015.
19
(Manifestação dos 20 centavos19), demostraram que as pessoas estão envolvidas
e querendo modificações nos modelos estabelecidos. Para Rolnick20, iniciativas
como a faixa exclusiva de ônibus e as ciclofaixas21 mudam completamente a
relação das pessoas com as cidades, e a prioridade para o transporte coletivo é
uma revolução urbanística. A cidade passa a ser muito mais suporte para a vida
coletiva do que para o usufruto individual. Esse processo é lento, porque se tem
uma cidade pensada para o contrário disso, mas pode significar uma mudança
muito importante.
O Poder Público incentivou esse modelo. Os incentivos fiscais às
montadoras e as práticas facilitadoras de financiamento e crédito para a
população não preveem o crescimento físico das cidades, que se tornou sem
controle e sem planejamento. Quase a totalidade das cidades brasileiras é
espontânea22, pouquíssimas são planejadas23.
Somam-se ainda a esses fatores os interesses econômicos, o que no
Brasil se observa pelo desenho das cidades: o centro é o local onde a maior parte
dos investimentos públicos é incorporada, é onde se localizam o comércio, os
bancos, as escolas, os serviços públicos, onde se encontram as ofertas de
emprego e os locais públicos de lazer como praças, parques e outros. Já nas
periferias, nos bairros afastados e pobres, existem poucos investimentos em
19 “Em junho de 2013 o Governo Federal autorizou os Estados e os Municípios a elevarem as
tarifas dos transportes públicos (metrô, trem e ônibus) em todo o País. O que se viu foi um levante contrário ao aumento protagonizado por toda a nação, e que foi capitaneado por um grupo de jovens denominados “Movimento do Passe Livre” que conseguiu mobilizar o povo que marchou pela bandeira de redução de tarifa, e ao término de alguns dias de protestos populares, conseguiram o que almejavam”. SILVA, Aarão Miranda da. A revolta dos 20 centavos e o poder no Brasil. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XVI, n. 115, ago. 2013. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=13549&revista_caderno=24>. Acesso em: 03 ago. 2015.
20 BRASIL DE FATO. Disponível em: <http://www.brasildefato.com.br/node/31184>. Acesso em: 29 jun. 2015.
21 Conforme o Anexo I do CTB: Ciclofaixa é parte da pista de rolamento destinada à circulação exclusiva de ciclos, delimitada por sinalização específica. BRASIL. Lei 9.503/97. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9503Compilado.htm>. Acesso em: 16 ago. 2015.
22 “De acordo com sua origem, uma cidade pode ser classificada como espontânea se surgiu, cresceu e se expandiu sem nenhum plano prévio de urbanização. GARCIA, Helio Carlos. Geografia Global 2. p. 226.
23 Cidades Planejadas são as “construídas segundo um plano previamente elaborado, com certa ordenação interna e distribuição racional das atividades no espaço por setores, a exemplo de Brasília (DF), [...] e Camberra (Austrália)”. GARCIA, Helio Carlos. Geografia Global 2. p. 226.
20
infraestrutura e mobilidade urbana, ocasionando problemas como a segregação
social.
Ao analisar a segregação social, o que se deve identificar é a
intervenção do Estado nas cidades, o investimento do Poder Público no espaço,
como refere Rolnik: “Quando falamos em regiões nobres e regiões pobres, nos
referimos a espaços equipados com o que há de mais moderno em matéria de
serviços urbanos e espaços, e onde o Estado investe pouquíssimo na
implantação desses equipamentos”24.
As cidades não foram pensadas para as pessoas, segundo Santos25, já
que a evolução das cidades depende de uma conjunção de fatores políticos e
econômicos. Foi a partir do século XVIII que o urbanismo começou a se
desenhar, e “[...] a casa da cidade torna-se a residência mais importante do
fazendeiro ou do senhor de engenho, que só vai à sua propriedade rural no
momento do corte e da moenda da cana”26.
O Brasil, por muito tempo, foi formado por subespaços ditados por suas
relações com o mundo exterior; porém, a partir da segunda metade do século
XIX, quando São Paulo se torna polo pela produção do café, esse quadro é
relativamente quebrado, devido às mudanças tanto nos sistemas de engenharia
quanto no sistema social27. Para Santos28 se, por um lado, há implementação de
melhorias como estradas de ferro, modernização dos portos e criação dos meios
de comunicação, por outro, se instalam influxos do comércio internacional,
impondo as formas capitalistas de produção, trabalho, intercâmbio e consumo.
Todavia, essa integração é limitada no espaço e no mercado, pois participa dela
apenas uma parcela da população.
Essa realidade não é diferente nos dias de hoje, pois nas áreas mais
ricas há certa continuidade no crescimento, com culturas modernas e espaços
24 ROLNIK, Raquel. O que é cidade. São Paulo: Brasiliense, 1995, p. 52. 25 SANTOS, Milton. A urbanização brasileira. 2. ed. São Paulo: HUCITEC, 1994, p. 17. 26 SANTOS, Milton. A urbanização brasileira. p. 19. 27 SANTOS, Milton. A urbanização brasileira. p. 26. 28 SANTOS, Milton. A urbanização brasileira. p.27.
21
equipados, enquanto as periferias e as favelas continuam sem o mínimo de
dignidade. Nesse sentido destaca Santos29:
Com diferença de grau e de intensidade, todas as cidades brasileiras exibem problemáticas parecidas. O seu tamanho, tipo de atividade, região em que se inserem, etc. São elementos de diferenciação, mas em todas elas problemas como os de emprego, da habitação, dos transportes, do lazer, da água, dos esgotos, da educação e saúde, são genéricos e revelam enormes carências. Quanto maior a cidade, mais visíveis se tornam as mazelas. [...] Isso era menos verdade na primeira metade deste século [XX], mas a urbanização corporativa, isto é, empreendida sob o comando dos interesses das grandes firmas, constitui um receptáculo das consequências de uma expansão capitalista devorante dos recursos públicos, uma vez que estes são orientados para os investimentos econômicos, em detrimento dos gastos sociais.
Após 1964, com as exigências de inserção do Brasil na nova ordem
econômica mundial e com o processo de concentração da economia pujante e
rápida, o mercado se amplia sob o comando de um reduzido número de grupos
de posições dominantes no mercado, os quais exercem, papel de controle do
território, via produção e consumo, especialmente por meio das Empresas
internacionais30.
A partir da expansão de empresas corporativas nos países latino-
americanos, aparece um novo modelo de organização, de produção, de
concorrência e controle interno das economias dependentes dos interesses
externos que representam o capitalismo corporativo ou monopolista, apoderando-
se de posições de liderança pelos mecanismos financeiros, pela corrupção ou
ainda pela associação com sócios locais31.
A imposição do capitalismo monopolista, que ocorreu de forma maciça,
aliada à utilização dos recursos públicos para o processo produtivo e sua
circulação interna, fez as cidades dotarem-se de infraestruturas custosas, bem
como de uma rede de transportes que assegurasse a circulação externa. Tais
29 SANTOS, Milton. A urbanização brasileira. p. 95. 30 SANTOS, Milton. A urbanização brasileira. p. 101. 31 SANTOS, Milton. A urbanização brasileira. p. 102.
22
processos ocorreram junto à centralização dos recursos públicos nas mãos do
Governo Federal, que os dispunham conforme suas próprias ações32.
Segundo Santos33, essa ideologia desenvolvimentista dos anos 1950 e
o posterior crescimento do Brasil como potência vêm justificar e legitimar os
gastos públicos em benefício de grandes empresas, pois permitia aumentar suas
exportações e assim equipar-se mais depressa e melhor. A partir dessas
ideologias, priorizaram-se os “investimentos em capital geral do interesse de
poucas empresas, em lugar de canalizar os dinheiros obtidos para dar respostas
aos reclamos sociais”. Foi o regime autoritário que contribuiu, profundamente,
para a manutenção desse esquema, e a prática da modernização no Brasil
conduziu o país a enormes mudanças econômicas, sociais, políticas e culturais.
Nas palavras de Jean-Michel Roux apud Santos34, “as transformações
do território [...] não apenas resultam de uma pressão imperiosa do sistema
socioeconômico. Elas também são fruto de modelos ideológicos sobre
‘desenvolvimento’ e a ‘modernidade’ que se impõem aos detentores do poder”.
Assim, o próprio Poder Público torna-se o criador da escassez, pois atua de forma
direta e indireta na geração dos problemas urbanos, investindo dinheiro público e
equipando as cidades, calcado nos fatores econômicos. “É um equívoco pensar
que problemas urbanos podem ser resolvidos sem solução da problemática
social. É esta que comanda e não o contrário35”.
O processo de urbanização e o intenso crescimento populacional foram
componentes essenciais para as disparidades de oportunidades de vida
oferecidas à população, devido aos processos de geração de desigualdades e
assimetrias causados pelas forças do mercado e pelas ações de distintos grupos
sociais. “O espaço urbano foi construído para atender aos interesses imediatos de
32 SANTOS, Milton. A urbanização brasileira. p. 102. 33 SANTOS, Milton. A urbanização brasileira. p. 103. 34 SANTOS, Milton. A urbanização brasileira. p. 108. 35 SANTOS, Milton. A urbanização brasileira. p. 113.
23
cada grupo social e aos interesses de acumulação de capital [...]36”. Ensina
Vasconcellos37 que:
A população de renda mais baixa localizou-se em áreas periféricas, frequentemente por meio de invasão, e em áreas indesejadas por seus riscos ambientais, como os morros e à beira de rios e córregos. As classes médias – cerca de 20% da população – localizaram-se, predominantemente, em áreas mais centrais já dotadas de equipamentos urbanos de boa qualidade, ou então em novos empreendimentos imobiliários que garantiam sua reprodução social e econômica nos moldes desejados. As elites – cerca de 5% da população – localizaram-se em bairros muito bem definidos espacialmente ou em empreendimentos novos construídos de forma totalmente isolada do restante da cidade. [...] esse processo de reorganização urbana pode ser denominado “formação das cidades da classe média” [...], feitas para acomodar as necessidades de reprodução da nova classe média formada no período autoritário e que era filha do processo de concentração de renda: os novos espaços surgem como expressão física e simbólica da distribuição de poder inédita que surge com o nascimento dessa nova classe média. (grifo do autor)
Esses processos viabilizaram as renovações urbanas conforme as
necessidades que se criavam. As elites, com residências e empreendimentos
distantes, tiveram que priorizar o uso do automóvel, enquanto a população de
renda mais baixa dependia do transporte público para seus deslocamentos,
devido às ocupações periféricas e de longas distâncias38.
Sobre a problemática, o autor ressalta a falta de controle do poder
público na implementação de grandes projetos como os conjuntos habitacionais,
os centros de compras e os chamados polos geradores de viagens. Esses
equipamentos urbanos causam grandes impactos à mobilidade nas cidades, uma
vez que aumentam radicalmente os deslocamentos de pessoas e veículos e,
como consequência, os congestionamentos, os acidentes de trânsito e a emissão
de poluentes, por exemplo39.
36 VASCONCELLOS, Eduardo Alcântara de. Políticas de Transporte no Brasil: a construção da
mobilidade excludente. Barueri, SP: Manole, 2013, p. 15. 37 VASCONCELLOS, Eduardo Alcântara de. Políticas de Transporte no Brasil: a construção da
mobilidade excludente. p. 15. 38 VASCONCELLOS, Eduardo Alcântara de. Políticas de Transporte no Brasil: a construção da
mobilidade excludente. p. 16. 39 VASCONCELLOS, Eduardo Alcântara de. Políticas de Transporte no Brasil: a construção da
mobilidade excludente. p. 19.
24
Apesar de o Estado possuir instrumentos como o plano diretor
municipal, Vasconcellos40 alerta que não se observou uma atitude de controle real
desses processos, já que a regra foi “[...] o descaso, a leniência e a prática
sistemática da anistia formal ou por simples abandono do tema para a maioria dos
usos e ocupações ilegais, seja dos grupos de baixa renda, seja da classe média e
da elite”.
Outro aspecto importante foi o aumento do índice de motorização
privada no país. Segundo a ANFAVEA41, na década de 1980, a indústria
automobilística já produzia quase um milhão de automóveis por ano e, em 2009,
chegou a três milhões. A produção foi multiplicada por sessenta no período de
1960 a 2009, enquanto na produção de ônibus o índice foi oito vezes maior no
mesmo período42.
Em 1940, o automóvel tinha participação ínfima; os habitantes do Rio
de Janeiro, capital da República até 1960, usavam três formas de deslocamento
motorizados: trens, bondes e ônibus. Foi na década de 1970 que começaram a
ocorrer as primeiras grandes transformações: desapareceram os bondes e os
ônibus passaram a ocupar situação privilegiada como principal meio de transporte
público coletivo, pois o modelo predominante ainda era o coletivo43.
Em 2005, o transporte individual praticamente se iguala ao transporte
coletivo. Ensina Vasconcellos: “[...] entre 1940 e 2005, o uso do transporte público
40 VASCONCELLOS, Eduardo Alcântara de. Políticas de Transporte no Brasil: a construção da
mobilidade excludente. p. 19. 41 Fundada em 15 de maio de 1956, a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos
Automotores – ANFAVEA – é a entidade que reúne as empresas fabricantes de autoveículos (automóveis, comerciais leves, caminhões e ônibus) e máquinas agrícolas (tratores de rodas e de esteiras, colheitadeiras e retroescavadeiras) com instalações industriais e produção no Brasil. Entre as principais atribuições da entidade estão: estudar temas da indústria e do mercado de autoveículos e máquinas agrícolas automotrizes, coordenar e defender os interesses coletivos das empresas associadas, participar, patrocinar ou apoiar em caráter institucional eventos e exposições ligadas à indústria e compilar e divulgar dados de desempenho do setor. ANFAVEA. Disponível em: <http://www.anfavea.com.br/index.html>. Acesso em: 10 ago. 2015.
42 VASCONCELLOS, Eduardo Alcântara de. Políticas de Transporte no Brasil: a construção da mobilidade excludente. p. 20.
43 VASCONCELLOS, Eduardo Alcântara de. Políticas de Transporte no Brasil: a construção da mobilidade excludente. p. 23.
25
caiu de 451 para 149 viagens por habitantes por ano, ao passo que o uso do
automóvel aumentou de 32 para 137 viagens por habitante por ano”44.
Para Vasconcellos45, o incentivo ao uso do automóvel ocorreu por
medidas diretas46 e indiretas47, perpetradas pela ideologia do autoveículo como
progresso, acomodando projetos úteis ou benéficos à economia e à equidade no
uso dos recursos públicos, como a construção de um sistema viário caro e de
baixa produtividade.
A popularização do automóvel teve seu início entre 1961 e 1987. No
final da década de 1970 foram vendidas oitocentas mil unidades contra sessenta
mil de 1961, o que veio a se repetir em 1990, com a criação do automóvel 1.0.
Com a redução do custo dos automóveis, o governo implementou medidas que
vieram a consolidar o uso dessa forma de deslocamento no Brasil. Em 1993, o
IPI48 de carros 1.0 (um ponto zero) foi reduzido de 20% para 0,1%, e, em 1997,
tornou-se líder de vendas até 2011. Para que se tenha uma noção, a venda da
indústria automobilística passou de seiscentas mil unidades em 1992 para um e
meio milhões em 199749.
Outra medida de popularização do deslocamento individual iniciou em
1994, com a massificação do uso da motocicleta. Vasconcellos50 destaca que a
frota brasileira de 1991 era de um e meio milhões de unidades e se expandiu
44 VASCONCELLOS, Eduardo Alcântara de. Políticas de Transporte no Brasil: a construção da
mobilidade excludente. p. 23. 45 VASCONCELLOS, Eduardo Alcântara de. Políticas de Transporte no Brasil: a construção da
mobilidade excludente. p. 38. 46 São medidas diretas aquelas relacionadas ao apoio à indústria automobilística, as facilitações
para aquisição do automóvel e a criação de infraestrutura viária para seu uso. VASCONCELLOS, Eduardo Alcântara de. Políticas de Transporte no Brasil: a construção da mobilidade excludente. p. 38.
47 As medidas indiretas, por sua vez, referem-se à liberdade irrestrita de circulação, à gratuidade de estacionamento nas vias públicas, licenciamentos com valores irrisórios, bem como a deficiência na fiscalização dos comportamentos no trânsito. VASCONCELLOS, Eduardo Alcântara de. Políticas de Transporte no Brasil: a construção da mobilidade excludente. p. 38.
48 No período de 1997 a 2012, várias foram as ações do Governo referentes ao Imposto sobre produtos Industrializados dos carros 1.0. Vasconcellos esclarece que no período de 1997 a 2012 o IPI variou de 0,1% até 12% sendo a metade do valor cobrado de outros veículos, e em 2012 novamente o governo eliminou o IPI. VASCONCELLOS, Eduardo Alcântara de. Políticas de Transporte no Brasil: a construção da mobilidade excludente. p. 40.
49 VASCONCELLOS, Eduardo Alcântara de. Políticas de Transporte no Brasil: a construção da mobilidade excludente. p. 40.
50 VASCONCELLOS, Eduardo Alcântara de. Políticas de Transporte no Brasil: a construção da mobilidade excludente. p. 81.
26
rapidamente para cinco milhões em 2002 e dezessete milhões de motocicletas
em 2012.
Foram os apoios políticos e fiscais à indústria automobilística e as
autorizações da venda desses veículos por consórcio que tornaram a motocicleta
acessível, colocando no mercado uma nova tecnologia popular, a “[...] motocicleta
de baixa cilindrada”, que por custar mais barato, atingiu a população de baixa
renda51.
Observa-se que a falta de controle do Poder Público e sua inércia
diante da expansão das cidades, bem como o apoio ao modelo de deslocamento
individual, com a popularização e a redução de custo do automóvel e,
posteriormente, da motocicleta, geraram altos custos para os cofres públicos na
construção e manutenção de cidades desenhadas para os carros. Aliada a esses
fatores, a comodidade e o menor tempo de deslocamento fez com que esse
modelo fosse aclamado, o que provocou o declínio do transporte público coletivo
e de outros modelos de deslocamento.
No entanto, os modelos de deslocamento predominantes trouxeram à
população brasileira grandes prejuízos e um lado funesto, “a primeira fase de
nossa motorização caracterizou-se pela apropriação de espaço viário por grupos
selecionados com acesso ao automóvel e com poder de pressão sobre o setor
público responsável pelo trânsito”. Nesse período, houve um grande número de
mortes no trânsito. Já na segunda fase, com a introdução irresponsável da
motocicleta, o número de mortes e feridos só aumentou. O que diferencia as duas
fases é que os grupos sociais que participam agora são os de baixa renda52. E
salienta Vasconcellos53:
51 VASCONCELLOS, Eduardo Alcântara de. Políticas de Transporte no Brasil: a construção da
mobilidade excludente. p. 82. 52 VASCONCELLOS, Eduardo Alcântara de. Políticas de Transporte no Brasil: a construção da
mobilidade excludente. p. 141. 53 VASCONCELLOS, Eduardo Alcântara de. Políticas de Transporte no Brasil: a construção da
mobilidade excludente. p. 141.
27
Embora essa segunda fase de motorização venha ocorrendo em um ambiente de democracia formal (ao contrário da primeira fase), a ignorância historicamente construída no seio da sociedade permanece a mesma, abrindo espaço para propostas demagógicas e oportunistas, baseadas no populismo e na retórica irresponsável. As motocicletas, assim como aconteceu com os automóveis 50 anos atrás, são habilmente trabalhadas como símbolos de progresso e liberdade, e os riscos evidentes de sua utilização são tratados como destino, vontade divina ou preço inevitável do progresso.
Esses processos precisam ser revistos, pois os atores no trânsito
carecem da ampliação do sistema viário, uma vez que os deslocamentos nas
cidades se manifestam de várias formas e apresentam necessidades
diferenciadas. Outro ponto importante são os deslocamentos dos mais
vulneráveis, como os pedestres e ciclistas, sendo esses as maiores vítimas da
violência no trânsito.
Mundialmente, observam-se movimentos na tentativa de superar os
problemas da mobilidade urbana; os modelos estão sendo repensados e
reestruturados devido ao grande número de mortes no trânsito, bem como pela
sustentabilidade do meio ambiente, uma vez que os veículos motorizados utilizam
combustíveis fósseis que são responsáveis pelos gases de efeito estufa. Para
tanto, será preciso não somente o engajamento do Poder Público, mas, também,
da Sociedade ao repensar seus modelos de deslocamentos, a partir das
dimensões econômicas, ambientais e sociais e transformando as cidades de
asfalto em cidades sustentáveis para as pessoas.
A participação popular é essencial para a mudança paradigmática que
se apresenta, seja por audiências públicas, plebiscitos, participação em ONGs ou
grupos de ativistas, mas essencialmente pela conscientização de que suas ações
individuais afetam o meio ambiente e as formas de deslocamento em sua cidade.
28
1.2 A REGULAMENTAÇÃO DA GESTÃO DEMOCRÁTICA NO
PLANEJAMENTO DA MOBILIDADE URBANA
Num primeiro momento, analisa-se a participação popular na visão de
Arendt54 para, posteriormente, abordar os ditames constitucionais do Estado
Democrático de Direito, a previsão legal da Gestão Democrática e o controle
social no planejamento da mobilidade urbana.
O ser humano é um ator social, mas houve uma evolução histórica em
sua convivência para que chegasse a essa posição, uma vez que nem sempre
conviveu da maneira como hoje. No processo civilizatório, são as suas ações que
vão conduzir o futuro do Planeta, influenciando diretamente este processo; assim,
cabe ao homem agir com consciência diante desta realidade55.
Arendt56 explica que “a condição humana compreende algo mais que
as condições nas quais a vida foi dada ao homem. Os homens são seres
condicionados: tudo aquilo com o qual eles entram em contato torna-se
imediatamente uma condição de sua existência”.
Assim, a relação entre a ação e a vida do homem é o que o faz o Zoon
Politikon. Traduzido por Aristóteles como o “animal político” ou aquele que trata
dos interesses gerais, para os latinos se traduzia no “animal social”, aquele que
trata dos interesses particulares. Nessa conjectura, Tomás de Aquino coloca que
“o homem é, por natureza, político, isto é, social”57.
A referida autora concebe a humanidade enquanto ser e apresenta os
atributos que a igualam e a diferenciam de outros seres vivos; assim, destacam-
se as explicações sobre o papel do ser humano em relação ao mundo e a si
próprio, pois suas ações são determinantes para a sua sobrevivência, da espécie
54 ARENDT, Hannah. A condição humana. 55 BASTIANI, Ana Cristina Bacega de; SANTOS, Daniela dos. A condição humana e o respeito à
dignidade na proteção do direito ao meio ambiente saudável previsto pelo artigo 225 da Constituição Federal. Revista Eletrônica Direito e Política, Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Ciência Jurídica da UNIVALI, Itajaí, v.10, n.1, edição especial de 2015. Disponível em: <www.univali.br/direitoepolitica - ISSN 1980-7791>. Acesso em: 05 ago. 2015, p. 280.
56 ARENDT, Hannah. A condição humana. p. 17 57 ARENDT, Hannah. A condição humana. p. 32.
29
humana, da Sociedade e também para a promoção de seus direitos e a afirmação
da Democracia58.
Diante desse argumento, cabe ressaltar as ideias de Bobbio59 sobre o
processo de democratização na modernidade. Esclarece o autor que esse
processo origina a expansão do poder ascendente, e que não se trata da
substituição da democracia representativa para a democracia direta, mas sim “da
democracia política (sentido estrito) para a democracia social”.
Ainda nesse sentido, o autor60 afirma que a esfera política deve ser
vista numa esfera muito mais ampla: “a Sociedade”, uma vez que não existe
decisão política que não seja determinada ou tomada a partir do que acontece na
Sociedade Civil.
Para Bobbio61, o desenvolvimento democrático de um país não leva em
consideração o número de votantes, mas, sim, o espaço dado para as pessoas
exercerem o direito de voto e sua participação política.
Em 1986, o Brasil tomou parte da Declaração sobre o Direito ao
Desenvolvimento, que previa que toda a pessoa estava habilitada a participar do
desenvolvimento econômico, social, cultural e político, assegurando a todos a sua
participação de forma equitativa, tanto na distribuição de seus benefícios, quanto
na igualdade de oportunidades para o acesso aos recursos básicos, saúde,
educação, entre outros62.
Nesse sentido, a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 1º63
intitula o Brasil como um Estado Democrático de Direito e, no parágrafo único do
58 ARENDT, Hannah. A condição humana. 59 BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia: uma defesa das regras do jogo. Tradução Marco
Aurélio Nogueira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986, p. 54. 60 BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia: uma defesa das regras do jogo. p. 55. 61 BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia: uma defesa das regras do jogo. p. 55. 62 LEAL, Rogério Gesta. História da norma e seu evolver. In: CANOTILHO, J.J. Gomes. MENDES,
Gilmar Ferreira. SARLET, Ingo Wolfgang. STRECK, Lênio Luiz. Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 1864.
63 Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição. BRASIL. Constituição República Federativa
30
artigo indicado, proclama que o poder emana do povo e que poderá ser exercido
por representantes ou diretamente, sendo assim a participação política condição
para a Democracia (grifo nosso).
Em consonância com o parágrafo único do artigo 1º da Constituição
Federal de 1988, cabe ressaltar a regra do parágrafo 3º, do artigo 3764 que trata
do controle social da Administração Pública direta ou indireta como um dos
fundamentos primeiros do Estado brasileiro.
Apesar de estar bem delineada na Carta Constitucional, o que se
observa é a quase inexistência de participação política da Sociedade e, como
bem advertiu Schwartz65, é preciso que o cidadão tenha a consciência de seus
deveres e busque seus direitos, pois um dos “[...]princípios do Estado democrático
de direito é a busca da justiça social” (grifo do autor).
Desta forma, tem o Estado o dever de implantar condições de efetivar
este direito fundamental. No entanto, as pessoas não podem ficar passivas, já
que como agente transformador da Sociedade tem um papel neste mundo e
precisa exercê-lo com a devida consciência.
Para que haja a ampliação da Democracia, faz-se necessário o
exercício pleno dos direitos e deveres colacionados na Carta Magna brasileira.
do Brasil. Promulgada em 5 de outubro de 1988, atualizada até a emenda constitucional nº 90. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 21 set. 2015.
64 Art. 37 [...] § 3º A lei disciplinará as formas de participação do usuário na administração pública direta e indireta, regulando especialmente: I - as reclamações relativas à prestação dos serviços públicos em geral, asseguradas a manutenção de serviços de atendimento ao usuário e a avaliação periódica, externa e interna, da qualidade dos serviços; II - o acesso dos usuários a registros administrativos e a informações sobre atos de governo, observado o disposto no art. 5º, X e XXXIII; III - a disciplina da representação contra o exercício negligente ou abusivo de cargo, emprego ou função na administração pública. BRASIL. Constituição República Federativa do Brasil. Promulgada em 5 de outubro de 1988, atualizada até a emenda constitucional nº 90. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 21 set. 2015.
65 SCHWARTZ, Germano André Doederlein. GLOECKNER, Ricardo Jacobsen. Gestão Compartida sanitária no Brasil possibilidade de efetivação do direito à saúde. In: SCHWARTZ, Germano (Org.). A saúde sob os cuidados do direito. Passo Fundo, (RS): Universidade de Passo Fundo, 2003, p.122.
31
Conforme leciona Campos66, “o cidadão, como ator principal da democracia,
qualifica sua participação na vida social através da cidadania”. Os direitos
derivados da cidadania não se esgotam em votar ou ser votado, mas, também, o
direito de opinar sobre o governo, sobre a eleição das políticas públicas a serem
implementadas e de ser ouvido pelos representantes.
A autora67 traz a participação como um novo desafio, o nascedouro do
fenômeno chamado democracia participativa, que visa ao aprimoramento da
democracia pela participação política, ao impedir o uso do Poder Público para
privilégios e abusos e legitimando o exercício do poder pela afirmação dos direitos
civis e sociais de todos.
Em 1987, por ocasião do processo de conquista da nova Constituição
Brasileira, foi criado o Fórum pela Reforma Urbana, com o objetivo de unificar as
iniciativas dos movimentos urbanos que, na época, faziam suas reivindicações
porém de forma fragmentada.
O Movimento Nacional de Reforma Urbana, que contava com
movimentos sociais (moradia, transporte, saneamento), associação de
profissionais (arquitetos, advogados, sanitaristas, assistentes sociais,
engenheiros), entidades sindicais, entidades acadêmicas e de pesquisa, ONGs,
além de outros como a Igreja Católica, Prefeitos e parlamentares progressistas,
constituiu uma agenda com proposta de Emenda Popular ao Projeto
Constitucional por iniciativa Popular, assinada por cento e trinta e um mil eleitores
e, pela primeira vez na história do Brasil, um capítulo da Constituição Federal
passou a ser dedicado às cidades e incorporou a função social da cidade e da
propriedade.68
Nesse sentido, em 1992 (ECO-92), foi elaborado o Tratado sobre as
cidades, vilas e povoados sustentáveis, traçando princípios que devem nortear
as políticas públicas urbanas, como direito à cidadania pela participação dos
66 CAMPOS, Franciele de. O paradigma da participação popular no planejamento urbano. In:
VASQUES, André Cardoso. Urbanismo, Planejamento Urbano e Direito Urbanístico: caminhos legais para cidades sustentáveis. Uberaba: CNEC Edigraf, 2014, p. 82.
67 CAMPOS, Franciele de. O paradigma da participação popular no planejamento urbano. p. 83. 68 BRASIL. Ministério das Cidades. The City Statute Of Brasil: A Commentary. São Paulo:
Ministério das Cidades: Aliança das Cidades, 2010, p. 16.
32
habitantes das cidades; gestão democrática da cidade pelo controle e
participação da Sociedade Civil do planejamento do espaço urbano e a função
social da cidade e da propriedade69.
Apesar da Constituição Federal de 1988 inovar ao trazer um capítulo
específico de Política Urbana e elencar instrumentos jurídicos e urbanísticos, bem
como princípios e diretrizes a serem perseguidos para amenizar o quadro atual,
foi somente após 13 (treze) anos de sua promulgação que o legislador aprovou a
Lei 10.257/2001, batizada de Estatuto da Cidade, prevendo como diretriz geral o
pleno desenvolvimento social das cidades pela Gestão Democrática (artigo 2º,
inciso II70).
Para Vasconcellos71, oportunizou-se significativo avanço com a
aprovação do Estatuto da Cidade, em 2001, pois esse instrumento veio a romper
com a inércia legislativa federal, propondo mudanças significativas na
organização do espaço urbano. Salienta que o grande desafio é que esse
documento legal está limitado às estruturas físicas definidas e consolidadas, além
dos obstáculos políticos e econômicos que lhe opõe.
Observa-se que, apesar das limitações físicas e desses obstáculos, o
legislador, ao promulgar o Estatuto da Cidade, contemplou de forma enfática a
Democracia Participativa, incluindo a Sociedade tanto na formulação como na
execução e no controle dos planos, programas e projetos. Nesse sentido, cabe
analisar outros artigos da referida Lei, como o artigo 4º, inciso III, alínea “f”72, que
trata do planejamento municipal, trazendo a figura do orçamento participativo, e
69 LEAL, Rogério Gesta. História da norma e seu evolver. p. 1864. 70 Art. 2º. A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais
da cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes gerais: II- gestão democrática por meio da participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade na formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano. BRASIL. Lei 10.257/2001. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10257.htm>. Acesso em: 03 jul. 2015.
71 VASCONCELLOS, Eduardo Alcântara de. Políticas de Transporte no Brasil: a construção da mobilidade excludente. p. 20.
72 Art. 4o Para os fins desta Lei, serão utilizados, entre outros instrumentos: III – planejamento municipal, em especial: f) gestão orçamentária participativa; BRASIL. Lei 10.257/2001. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10257.htm>. Acesso em: 03 jul. 2015.
33
vai mais além, pois inclui o “referendo e o plebiscito” como instrumentos de
participação, elencados na alínea “s”73 do inciso V, do artigo 4º.
Ainda o artigo 4º, em seu parágrafo 3º74, inclui o controle social como
garantia da participação da comunidade, dos movimentos e entidades da
Sociedade Civil, sempre que houver dispêndio de recursos públicos por parte do
Poder Público Municipal. A participação política mostra-se uma garantia expressa
em lei. Não obstante o Estatuto da Cidade traçar de forma destacada a Gestão
Democrática pela participação popular, em 2012 foi promulgada a Lei 12.587, que
instituiu as diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana. Esse arcabouço
legal, em consonância com o Estatuto da Cidade, também veio a contemplar a
participação como forma de Gestão Pública.
Ao examinar o artigo 2º75, o artigo 5º, inciso V76, o artigo 7º, inciso V77,
o artigo 14, inciso II78 e os incisos do artigo 1579 da referida lei, observa-se que o
73 Art. 4o [...]
V – institutos jurídicos e políticos: s) referendo popular e plebiscito; BRASIL. Lei 10.257/2001. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10257.htm>. Acesso em: 03 jul. 2015.
74 Art. 4o [...] § 3o Os instrumentos previstos neste artigo que demandam dispêndio de recursos por parte do Poder Público municipal devem ser objeto de controle social, garantida a participação de comunidades, movimentos e entidades da sociedade civil. BRASIL. Lei 10.257/2001. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10257.htm>. Acesso em: 03 jul. 2015.
75 Art. 2o A Política Nacional de Mobilidade Urbana tem por objetivo contribuir para o acesso universal à cidade, o fomento e a concretização das condições que contribuam para a efetivação dos princípios, objetivos e diretrizes da política de desenvolvimento urbano, por meio do planejamento e da gestão democrática do Sistema Nacional de Mobilidade Urbana. BRASIL. Lei 12.587/2012. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12587.htm>. Acesso em: 03 jul. 2015.
76 Art. 5o A Política Nacional de Mobilidade Urbana está fundamentada nos seguintes princípios: V - gestão democrática e controle social do planejamento e avaliação da Política Nacional de Mobilidade Urbana; BRASIL. Lei 12.587/2012. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12587.htm>. Acesso em: 03 jul. 2015.
77 Art. 7o A Política Nacional de Mobilidade Urbana possui os seguintes objetivos: V - consolidar a gestão democrática como instrumento e garantia da construção contínua do aprimoramento da mobilidade urbana. BRASIL. Lei 12.587/2012. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12587.htm>. Acesso em: 03 jul. 2015.
78 Art. 14. São direitos dos usuários do Sistema Nacional de Mobilidade Urbana, sem prejuízo dos previstos nas Leis nos 8.078, de 11 de setembro de 1990, e 8.987, de 13 de fevereiro de 1995: II - participar do planejamento, da fiscalização e da avaliação da política local de mobilidade urbana; BRASIL. Lei 12.587/2012. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12587.htm>. Acesso em: 03 jul. 2015.
34
legislador teve como objetivo a consolidação de uma Gestão Democrática como
instrumento e garantia do aprimoramento da mobilidade urbana, bem como o
controle social do planejamento e a avaliação das políticas implementadas como
um direito dos usuários do Sistema Nacional de Mobilidade Urbana; e foi além,
incorporando ao texto da lei as formas de participação: por órgãos colegiados
(com a participação da Sociedade Civil), por ouvidorias nas instituições
responsáveis pela gestão do Sistema, por audiências e consultas públicas e,
ainda, por procedimentos sistemáticos de comunicação, de avaliação da
satisfação dos cidadãos e dos usuários e de prestação de contas públicas.
Diante dessa realidade, a Política de Desenvolvimento Urbano, no
Brasil, vivenciou na última década um contexto de mudanças significativas. O
processo de construção e implementação da Política Municipal, Estadual e
Nacional de desenvolvimento urbano está fundamentado no princípio
constitucional da Democracia Participativa, ou seja, da participação conjunta entre
o governo e a Sociedade para a elaboração e execução das políticas como
direitos dos cidadãos. Para Vieira80, a cidadania apresenta quatro elementos:
pertença, participação, lei e igualdade formal.
79 Art. 15. A participação da sociedade civil no planejamento, fiscalização e avaliação da Política
Nacional de Mobilidade Urbana deverá ser assegurada pelos seguintes instrumentos: I - órgãos colegiados com a participação de representantes do Poder Executivo, da sociedade civil e dos operadores dos serviços;
II - ouvidorias nas instituições responsáveis pela gestão do Sistema Nacional de Mobilidade Urbana ou nos órgãos com atribuições análogas;
III - audiências e consultas públicas; e IV - procedimentos sistemáticos de comunicação, de avaliação da satisfação dos cidadãos e dos
usuários e de prestação de contas públicas. BRASIL. Lei 12.587/2012. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12587.htm>. Acesso em: 03 jul. 2015.
80 VIEIRA, Liszt. Os argonautas da cidadania. p. 35.
35
Por pertença a um Estado-nação entende-se o estabelecimento de uma personalidade em um território geográfico. [...] Quanto ao segundo elemento [...] pode-se dizer que a cidadania é constituída tanto por direitos passivos de existência, legalmente limitados, como por direitos ativos que propiciam a capacidade presente e futura de influenciar o poder político. A terceira ideia-força [...] necessariamente devem ser direitos universais promulgados em lei e garantidos a todos. Pessoas e coletividades podem possuir seus próprios imperativos morais, costumes ou mesmo direitos específicos, mas estes só se tornarão direitos de cidadania se forem universalmente aplicados e garantidos pelo Estado. O quarto elemento envolve a ideia de que a cidadania é uma afirmação de igualdade, equilibrando-se direitos e deveres dentro de certos limites. A igualdade é formal, garantindo a possibilidade de acesso aos tribunais, legislaturas e burocracias. Não se trata de igualdade completa, mas em geral garante-se aumento nos direitos dos subordinados em relação às elites dominantes.
Nesse sentido, Habermas81 conclui que “[...] uma ordem jurídica é
legítima quando assegura por igual a autonomia de todos os cidadãos”, mas os
cidadãos somente serão autônomos e autores do direito se livres para
participarem dos processos legislativos realizados e cumpridos sob tais formas de
comunicação; todos têm que entender que essas regras firmadas merecem
concordância geral e foram motivadas pela razão.
Observa-se que o Brasil avançou muito na regulação, tem-se um
arcabouço legal forte, com propostas efetivas e formas reais de participação nas
Políticas Públicas de Mobilidade Urbana; porém, o que se vislumbra é que o
processo de participação popular ainda caminha a passos lentos e de forma
tímida. Há movimentos sociais, como o que ocorreu em 2013 pelo transporte
coletivo, porém de forma fragmentada e sem integração.
Analisando o contexto brasileiro pode-se afirmar que essa inércia
ocorre por vários fatores: a) a falta de cultura de participação; b) não há no país
educação para cidadania e meio ambiente; c) as pessoas encontram-se apáticas,
esperando ações de seus representantes; d) a política está desacreditada por
conta da onda de corrupção; e) a crise econômica que assola o país; f) a falta de
transparência por parte do Estado, mas, principalmente, por não existir interesse
dos entes políticos na efetiva participação popular ao utilizarem os instrumentos
81 HABERMAS, Jürgen. A inclusão do Outro: estudos de teoria política. São Paulo: Loyola, 2002,
p.242.
36
previstos em lei, como as audiências públicas, meras formalidades e não espaços
públicos de participação.
Pires82 reflete que “[...] uma das questões concretas do sistema
democrático é a forma como as instâncias governamentais lidam com as
diferenças dos sujeitos”. É necessário examinar a complexidade introduzida nas
relações Estado-subjetividades-organizações-políticas-organizações-civis, pois
“são instâncias que não precisam necessariamente estar em confronto”.
Para a autora83, a preponderância do direito de propriedade sobre os
direitos civis, políticos, culturais, econômicos e sociais, o modelo de Estado-nação
que não questiona a forma de acumulação de capital, bem como uma
governabilidade que não se compromete com a motivação participativa dos
cidadãos, faz criar no imaginário social esse vazio ético como o grande
argumento para a não participação.
Na continuidade da reflexão de Pires84, os espaços públicos de
governabilidade são gerenciados na sua forma estatal, conduzidos por
concepções de uma economia centrada nos interesses arrecadatórios do Estado-
gerente. As políticas públicas beneficiam apenas alguns grupos partidários e/ou
empresariais, que se servem da coisa pública sem se preocupar com o bem
público. Nessa linha de pensamento, “[...] a vida boa e justa para todos fica para
alguns, e aí não tem situação de igualdade para ninguém, no que diz respeito aos
interesses públicos, pois estão submetidos a interesses privados”.
Esses fatores, por sua vez, acarretam sérias consequências, como o
afastamento das pessoas da política. Sem a participação de todos não se pode
falar em Gestão Democrática, o que impossibilita a deliberação sobre intervir ou
não na eleição de programas, projetos e políticas públicas de mobilidade urbana a
serem implementados em suas cidades, ocasionando o esvaziando da
democracia.
82 PIRES, Cecilia. Democracia contemporânea: quais impasses? In: AZAMBUJA, Celso Candido;
HELFER, Inácio (Orgs.). Política e liberdade no século XXI. Nova Petrópolis: Nova Harmonia, 2011, p. 34.
83 PIRES, Cecilia. Democracia contemporânea: quais impasses? p. 35. 84 PIRES, Cecilia. Democracia contemporânea: quais impasses? p. 36.
37
A ampla participação faz-se necessária e urgente para a (re)construção
de cidades mais justas, humanas e sustentáveis. As pessoas precisam se
apropriar de suas cidades e criar vínculos, pois é na cidade que se promove, se
expande e se fortalece a democracia pelo acesso universal ao espaço público.
1.3 ESPAÇO PÚBLICO DA POLÍTICA DE MOBILIDADE URBANA
A participação na política urbana requer novos papéis e espaços a
serem experimentados por seus atores; para tanto, há necessidade do
alargamento do conceito de democracia e da ampliação dos direitos de cidadania.
Vieira85corrobora dizendo: “[...] A esfera pública, [...] é a instância geradora de
decisões coletivas e legitimadora da democracia”.
O espaço público é o lugar ideal da participação, mas, para tanto, tem
que ser reconhecido como um mecanismo de cidadania, oportunizando a todos o
seu acesso. No Brasil, apesar das garantias constitucionais de participação
popular e, mais especificamente, da Gestão Democrática previstas no Estatuto da
Cidade e na Lei 12.587/12 da Política Urbana, o que se observa é a utilização
desses mecanismos apenas para cumprir exigências legais e não como um
espaço para se discutir, debater, problematizar e tomar decisões coletivas.
Para Vieira86, é preciso ampliar o conceito de espaço público, pois este
não pode ser apenas o estatal, deve ser independente das instituições do
governo, ou seja, “[...] não pode mais se limitar à visão liberal de um mercado de
opiniões em que diversos interesses organizados buscam influenciar os
processos decisórios”. Para tanto, a cidadania democrática deve se tornar o
elemento central de uma cultura compartilhada e não apenas um status
meramente legal. “É sempre por intermédio do debate político que as questões
se tornam públicas, possibilitando que os cidadãos exerçam a função de crítica e
controle sobre o Estado”.
85 VIEIRA, Liszt. Os argonautas da cidadania. p. 65. 86 VIEIRA, Liszt. Os argonautas da cidadania. p. 87-89.
38
Na continuidade da reflexão do autor87, os espaços públicos não-
estatais são os locais onde devem ocorrer as negociações entre as instituições
políticas e as demandas coletivas, mas para tanto esses ambientes necessitam
da representação e da participação, já que esses mecanismos vêm a garantir a
democracia como “a expressão de vontade política dos cidadãos, e não apenas o
interesse do mercador ou o desejo do príncipe”.
Diante da realidade brasileira, onde a maioria da população foi excluída
das decisões políticas devido ao clientelismo político e a participação política
única das elites, em nenhum momento da história - da Colônia à
redemocratização, se visualizou a deliberação política em nível do discurso e do
consenso como idealizado por Habermas88.
Nesse sentido, Habermas89 afirma que é o espaço público a instância
formadora da vontade coletiva, é o local adequado para o encontro e debate dos
diversos atores da Sociedade. O modelo discursivo de Habermas de espaço
público amplia o âmbito da atividade política, pois são os influxos comunicativos e
a pluralidade da Sociedade Civil que vêm possibilitar as decisões coletivas e
legitimadoras da democracia90.
O ponto de partida da democracia é a própria Sociedade vista como a
origem do poder, portanto, “[...] um espaço público democrático é aquele que
garante que os influxos democratizantes gerados na Sociedade Civil se tornem
fontes de democratização do poder” 91.
Para Arendt92, é o espaço público, “[...] o local adequado para a
excelência humana”, visto que não há elementos em outras áreas que o substitua,
pois, “toda atividade realizada em público pode atingir uma excelência jamais
87 VIEIRA, Liszt. Os argonautas da cidadania. p. 89. 88 HAMEL, Marcio Renan. A política deliberativa em Habermas: uma perspectiva para o
desenvolvimento da democracia brasileira. p. 120. 89 HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade, volume II. p. 93. 90 VIEIRA, Liszt. Os argonautas da cidadania. p. 65. 91 VIEIRA, Liszt. Os argonautas da cidadania. p. 78. 92 ARENDT, Hannah. A condição humana. p. 58-59.
39
igualada na intimidade”. A realidade do mundo depende da presença dos outros
que veem o que vemos e ouvem o que ouvimos93.
Nem tudo é relevante para o espaço público, pois existem assuntos
que somente sobrevivem na esfera privada. O espaço público, enquanto mundo
comum, não deve ser confundido com os espaços limitados aos movimentos e
condições gerais da vida dos homens, mas, sim, como um lugar de convívio,
como um intermediário, pois o mundo ao mesmo tempo em que separa também
estabelece uma relação entre os homens94.
Mesmo que o mundo seja o terreno comum dos homens, esses
ocupam lugares e posições diferentes, e é o espaço público que permite ver e ser
visto, falar e ser ouvido, ressonando diferentes visões sobre determinado assunto.
“O mundo comum acaba quando é visto somente sob um aspecto e só se lhe
permite uma perspectiva”95.
Habermas96 ensina que, além de uma estrutura comunicacional, o
espaço público, na perspectiva da teoria da democracia, não pode se limitar a
apenas perceber e identificar os problemas, mas deve “[...] tematizá-los,
problematizá-los e dramatizá-los de modo convincente e eficaz, a ponto de serem
assumidos e elaborados pelo complexo parlamentar”.
Esse espaço, segundo o modelo discursivo habermasiano, “[...] atua
como instância mediadora entre os impulsos comunicativos gerados na
Sociedade Civil (no ‘mundo da vida’) e as instâncias que articulam,
institucionalmente, as decisões políticas (parlamento, conselhos)”. Assim, as
forças comunicativas da Sociedade influenciam as instâncias decisórias 97.
Segundo Hamel98, é numa perspectiva emancipatória que se deve
promover a reconstrução do espaço público. Permite-se aos diversos atores
sociais um consenso comunicativo, revalorizando as práticas sociais. Portanto, o
93 ARENDT, Hannah. A condição humana. p. 60. 94 ARENDT, Hannah. A condição humana. p. 62. 95 ARENDT, Hannah. A condição humana. p. 68. 96 HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade, volume II. p. 91. 97 VIEIRA, Liszt. Os argonautas da cidadania. p. 87. 98 HAMEL, Marcio Renan. A política deliberativa em Habermas: uma perspectiva para o
desenvolvimento da democracia brasileira. p. 125.
40
espaço público deve ser visto como “[...] a arena de discurso, autônoma em
relação ao sistema político, como um local onde se realiza a interação
intersubjetiva de cidadãos conscientes, solidários e participativos”. A cidadania
como valor propicia a participação política, pois a democracia não deve se reduzir
ao mero ato de votar. A autonomia do espaço público liberta a Sociedade Civil
dos controles burocráticos e das imposições econômicas do mercado99.
Corrobora Sen100:
A racionalidade requer que os indivíduos tenham a vontade política de ir além dos limites de seus próprios interesses específicos. Mas ela também impõe exigências sociais para ajudar um discernimento justo, inclusive o acesso a informação relevante, a oportunidade de ouvir pontos de vista variados e exposição a discussões e debates públicos abertos.
Assim “[...] o espaço público é visto democraticamente como criação de
procedimentos pelos quais todos os afetados por normas sociais gerais e
decisões políticas possam participar de sua formulação e adoção101”. As normas
vigentes, que regulamentam a implementação das Políticas Públicas de
Mobilidade Urbana, trazem em seus textos legais mecanismos de participação
popular e demonstram que o legislador teve como princípio a Gestão Democrática
das cidades, porém na prática isso não vem sendo aplicado. O modelo
democrático brasileiro é o representativo, porém este já não comporta as
demandas da Sociedade, sendo necessária a reativação do espaço público pela
democracia participativa.
Cabe enfatizar outro aspecto trazido por Arendt102, a necessária
transcendência do espaço público. Alega a autora que esse não pode ser criado e
planejado apenas para uma geração, deve ser permanente, “[...] o mundo comum
é aquilo que adentramos ao nascer e que deixamos para trás quando morremos.
Transcende a duração de nossa vida tanto no passado quanto no futuro:
preexistia à nossa chegada e sobreviverá à nossa breve permanência.” A política
(no sentido restrito do termo), como a esfera pública, só são possíveis com a
99 VIEIRA, Liszt. Os argonautas da cidadania. p. 64. 100 SEN, Amartya. As pessoas em primeiro lugar: a ética e desenvolvimento e os problemas do
mundo globalizado. Tradução Bernardo Ajzemberg, Carlos Eduardo Lins da Silva. São Paulo: Companhia das Letras, 2010, p. 54.
101 VIEIRA, Liszt. Os argonautas da cidadania. p. 59. 102 ARENDT, Hannah. A condição humana. p. 65.
41
presença pública, pois “[...] é o caráter público da esfera pública que é capaz de
absorver e dar brilho através dos séculos a tudo o que os homens venham a
preservar da ruína natural do tempo”.
No que se refere à transcendência do espaço público e de sua
imortalidade terrena, pode-se afirmar que, no caso brasileiro, tais espaços
encontram-se adormecidos. Nesse sentido, Vieira103 esclarece, “[...] a prática da
cidadania depende de fato da reativação da esfera pública, em que indivíduos
podem agir coletivamente e se empenhar em deliberações comuns sobre todos
os assuntos que afetam a comunidade política”.
Para a efetiva participação popular na Política Urbana brasileira, será
necessária a ampliação da democracia, com a reativação de um espaço público
que possibilite debates e discussões dos diversos atores envolvidos, para que,
em conjunto, o Estado e a Sociedade, encontrem soluções mais humanas e
sustentáveis para as cidades e legitima-se a gestão democrática.
103 VIEIRA, Liszt. Os argonautas da cidadania. p. 72.
42
CAPÍTULO 2
A DEMOCRATIZAÇÃO DAS CIDADES PELA PARTICIPAÇÃO
SOCIAL
A democratização das cidades será abordada sob dois aspectos: pela
participação popular e pela democratização dos espaços de deslocamentos.
Nesse capítulo, será abordada a democratização dos processos decisórios e
também o controle social na implementação das políticas de mobilidade urbana,
enquanto a segunda forma será abordada no terceiro capítulo.
Após vinte e cinco anos de ditadura militar, o processo de
redemocratização do país possibilitou ampla discussão na elaboração e na
promulgação da Magna Carta. Segundo Sarlet104, o processo constituinte
deflagrado no governo José Sarney resultou na instalação da Assembleia
Nacional Constituinte, em 1º. de fevereiro de 1987, vindo a proporcionar um
debate sem precedentes na história nacional sobre o que viria a ser o conteúdo
da Constituição vigente.
A Assembleia foi presidida pelo Deputado Ulysses Guimarães, o
anteprojeto elaborado pela Comissão de Sistematização, presidida pelo então
Deputado Bernardo Cabral, continha 501 (quinhentos e um) artigos e atraiu cerca
de 20.700 (vinte mil e setecentas) emendas. O projeto também foi objeto de 122
(cento e vinte e duas) emendas populares, subscritas por no mínimo 30.000 (trinta
mil) eleitores.
Barroso105 entende que foi nesse ambiente de discussão prévia, de
convocação, de participação popular na elaboração e promulgação da Carta
Magna de 1988 que ocorreu o renascimento do Direito Constitucional, que passou
“[...] da desimportância ao apogeu em menos de uma geração”.
104 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos
fundamentais na perspectiva constitucional. 11.ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012, p. 63.
105 BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 268.
43
O constituinte de 1988 elegeu o regime da participação política
democrática106 e elencou como um dos fundamentos do Estado Democrático de
Direito a cidadania107. Além da Constituição Federal, há um arcabouço legal
vigente que prioriza a participação popular. O Estatuto da Cidade e a Lei
12.587/12 trazem em seus textos instrumentos de gestão democrática, impondo
ao Estado o cumprimento do direito da participação cidadã nos planos de
mobilidade urbana.
Apesar de o Brasil ter uma das Constituições mais modernas do mundo
e ampla legislação vigente, o que se visualiza é que os mecanismos de
participação não são utilizados da forma que deveriam, nem pelos cidadãos, nem
pelo Estado, vindo a esvaziar os preceitos democráticos colacionados na lei
fundamental e nos demais arcabouços legais.
A cidadania108 não é exercida, e um dos fatores dessa desídia é o
descrédito nas instituições democráticas e em seus representantes, uma vez que
os discursos políticos das campanhas não coincidem em nada com as ações
quando eleitos; outro fator é a falta de autonomia e de conhecimento sobre os
106 Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e
Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição. BRASIL. Constituição República Federativa do Brasil. Promulgada em 5 de outubro de 1988, atualizada até a emenda constitucional nº 90. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em: 21 set. 2015.
107 Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: II - a cidadania. BRASIL. Constituição República Federativa do Brasil. Promulgada em 5 de outubro de 1988, atualizada até a emenda constitucional nº 90. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em: 21 set. 2015.
108 Segundo Demo, é a educação a condição necessária para a formação da cidadania. Fazem parte do projeto de cidadania tais componentes: a) a noção de formação, não de adestramento, pois parte da potencialidade do educando, assumindo-o como interessado primeiro do processo; b) a noção de participação, de autopromoção, de autodefinição, ou seja, o conteúdo central da política social, entendida como realização da sociedade participativamente desejada; c) a noção de sujeito social, não objeto, de paciente, de cliente, de elemento; d) a noção de direitos e de deveres, sobretudo os fundamentais [...]; e) a noção de democracia, como forma de organização sócio-econômica e política mais capaz de garantir a participação como processo de conquista; f) a noção de liberdade, igualdade, comunidade, que leva à formação de ideologias comprometidas com processos de redução de desigualdade social e regional [...]; g) a noção de acesso à informação e ao saber, como instrumentos de crescimento da economia e da sociedade, bem como de participação política; [...]. DEMO, Pedro. Participação é conquista: noções de política social participativa. São Paulo: Cortez, 1999, p. 52-53.
44
valores democráticos e o significado de cidadania e que ocasiona o afastamento
dos cidadãos das decisões de interesse coletivo.
Ainda, cabe trazer o papel do Estado. O direito à informação está
colacionado na Carta Constitucional e é importante para a transparência dos atos
da administração pública, uma vez que a autonomia e o conhecimento do cidadão
estão ligados a esse direito. Outro ponto é que o Estado não tem oportunizado o
“espaço público” adequado para a participação social, utilizando-se desses
mecanismos (como as audiências públicas) apenas para cumprir com a
legislação. Segundo Corrêa109:
[...] a cidadania é fundamentalmente o processo de construção de um espaço público que propicie os espaços necessários de vivência e de realização de cada ser humano, em efetiva igualdade de condições, mas respeitadas as diferenças próprias de cada um.
Esse processo de construção de um espaço público precisa ser
reavivado para possibilitar aos cidadãos o exercício pleno da cidadania. O
caminho foi traçado, mas é preciso que a gestão democrática das cidades seja
real e não apenas simbólica.
Para tanto, nesse capítulo será abordada, primeiramente, a
necessidade da interação democrática entre Estado e Sociedade, visando ao
fortalecimento do regime político democrático adotado pela Carta Magna de 1988.
No segundo item, será focalizada a participação popular e o controle social como
meio de efetivação da cidadania, para num terceiro momento apresentar os
instrumentos de participação popular previstos no Estatuto da Cidade e na Lei
12.587/12, como possibilidades de democratização das cidades.
109 CORRÊA, Darcísio. A construção da cidadania: reflexões histórico-políticas. 3.ed. Ijuí, (RS):
UNIJUÍ, 2002, p. 221.
45
2.1 DIMENSÕES DA DEMOCRACIA PARTICIPATIVA
O modelo de democracia representativa já não comporta as aspirações
e as necessidades da Sociedade brasileira. Segundo Bobbio110, no modelo
representativo as deliberações “[...] dizem respeito à coletividade inteira, são
tomadas não diretamente por aqueles que dela fazem parte, mas por pessoas
eleitas para esta finalidade”.
Para Alarcón111, o modelo representativo está longe de ser considerado
democrático, pois a maioria não exerce efetivamente o poder, uma vez que não
resolve os problemas reais do governo, “sua influência é intermitente, pálida até,
pois se limita, em muitos casos, unicamente à eleição de governantes”. Nessa
linha de pensamento, o mandato perdeu suas características republicanas, por
excesso de continuidade e renovação indefinidas e se “[...] reveste cada vez mais
de um teor usurpatório, de confisco da vontade popular e de transmutação da
chamada democracia representativa em simulacro de governo popular”112.
O modelo representativo fez nascer os chamados políticos de
profissão; esses se utilizam do discurso e do convencimento para chegar ao
poder, porém suas ações não coincidem em nada com suas promessas. Ao olhar
para o desenho das cidades brasileiras, observa-se que aqueles que representam
o povo não levaram em consideração suas necessidades; as políticas de
desenvolvimento urbano foram implementadas de forma desigual e para uma
pequena parcela da população. As cidades viraram “mares” de asfalto, os
equipamentos urbanos são poucos e para poucos e o transporte coletivo é
ineficiente, de má qualidade e caro.
110 BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia: uma defesa das regras do jogo. p. 44. 111 ALARCÓN, Pietro de Jesús Lora. A democracia semidireta na Constituição de 1988. Revista
de Direito Constitucional e Internacional. vol. 33/2000. p. 141–173. Out-Dez/2000. Disponível em: <http://www.revistadostribunais.com.br/maf/app/widgetshomepage/resultList/document?&src=rl&srguid=i0ad6007a0000014f84a7be561f02b527&docguid=I420a41a0f25311dfab6f010000000000&hitguid=I420a41a0f25311dfab6f010000000000&spos=1&epos=1&td=930&context=9&startChunk=1&endChunk=1>. Acesso em: 30 ago. 2015.
112 BONAVIDES, Paulo. Teoria Constitucional da Democracia Participativa (Por um Direito Constitucional de luta e resistência, por uma nova hermenêutica, por uma repolitização da legitimidade). São Paulo: Malheiros, 2001, p. 26.
46
Bobbio113 alerta que há na modernidade uma exigência do alargamento
da democracia representativa, mas esclarece que essa situação não pode ser
substituída pelo modelo de democracia direta, uma vez que é impossível na
Sociedade moderna todos decidirem sobre tudo. Não há um divisor de águas
entre os dois modelos, “[...] é um gênero anfíbio, porque entre a forma extrema de
democracia representativa e a forma extrema de democracia direta existem um
continuum”, tais modelos se comunicam, são compatíveis e portanto se
integram114 (grifo do autor) .
A ampliação do processo democrático não se resume “na passagem da
democracia representativa para a democracia direta”115, mas sim na
democratização da Sociedade.
A democratização da Sociedade contribui para a qualidade de vida e o
bem-estar social, pois, é na cidade que se concretizam as necessidades básicas
da população, a ampla participação na elaboração das políticas de mobilidade
urbana, bem como o direito de ocupar o espaço público e de conviver
socialmente, o que deve ser estendido a todos. Nesse sentido, ensina Bobbio116:
Que historicamente o advento da democracia política tenha precedido o advento da democracia social é fácil de compreender, se por esfera política entendermos aquela na qual são tomadas as deliberações de mais relevante interesse coletivo. Uma vez conquistada a democracia política, percebe-se que a esfera política está por sua vez incluída numa esfera muito mais ampla que é a esfera da sociedade no seu todo e que não existe decisão política que não seja condicionada ou até mesmo determinada por aquilo que acontece na sociedade civil.
Sob semelhantes argumentos de Bobbio, Vieira117 expõe que o
processo de democratização tem sido examinado “[...] em função da mudança de
atitude no comportamento dos atores sociais, e não apenas a partir das relações
entre Estado e o sistema político”, passando a ser um processo de “mudança na
cultura política, nas práticas sociais e nas formas de ação coletiva”. Com efeito,
113 BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia: uma defesa das regras do jogo. p. 42. 114 BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia: uma defesa das regras do jogo. p. 52. 115 BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia: uma defesa das regras do jogo. p. 54. 116 BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia: uma defesa das regras do jogo. p. 55. 117 VIEIRA, Liszt. Os argonautas da cidadania. p. 77.
47
Pires118 esclarece que “[...] para a cultura democrática, é imprescindível
considerar os sujeitos portadores de todos os direitos”. E, na continuidade da
reflexão de Pires119, “[...]uma das formas da governabilidade se realizar é a forma
democrática, com tudo que ela contém de avanço e de limite”. A questão da
democracia na Sociedade requer o entendimento do Estado de que é possível
equacionar as reivindicações dos cidadãos na esfera da governabilidade.
A autora conclui que, no cenário das jovens repúblicas latino-
americanas de democracia representativa, faz-se necessário equacionar as
questões da democracia com as de governabilidade, e que esse modelo
necessita de uma razão ética “[...] como uma experiência de compromisso e
responsabilidade civil e política”, para viabilizar “[...] a inclusão social num modelo
democrático de menor engessamento nas colunas do Estado. Há uma urgência
de ocupação de espaços na interlocução civilizada com os diferentes atores
sociais”.120
Nesse sentido, Vieira121 sopesa que, para além da governabilidade122 é
o conceito de governança123, a qual legitima a ação estatal. “A ação estatal
desvinculada das noções de interesse público, bem comum, responsabilidade
pública, perde legitimidade”. Para dirimir os conflitos atuais e o descrédito no
modelo representativo, faz-se necessário aumentar a eficácia do Estado, porém a
reforma democrática exige melhores condições de governança, “[...] redefinindo
as relações com a Sociedade Civil mediante a criação e articulação de canais de
negociação entre a Sociedade e o Estado”. Tais canais devem ser permanentes,
118 PIRES, Cecília. O argumento filosófico sobre a democracia. In: TRINDADE, André Karam;
ESPINDOLA, Angela Araujo da Silveira; BOFF, Salete Oro. Direito, Democracia e Sustentabilidade: Anuário do Programa de Pós-Graduação da Faculdade Meridional. Passo Fundo, (RS): IMED, 2013. p. 29.
119 PIRES, Cecilia. Democracia contemporânea: quais impasses? p. 33. 120 PIRES, Cecilia. Democracia contemporânea: quais impasses? p. 41. 121 VIEIRA, Liszt. Os argonautas da cidadania. p. 86. 122 Governabilidade se refere, às condições sistêmicas mais gerais sob as quais se dá o exercício
do poder numa sociedade, como os regimes políticos (democrático ou autoritário), as formas de governo (parlamentarismo ou presidencialismo), as relações entre os poderes, os sistemas partidários, o sistema de intermediação de interesses, etc. VIEIRA, Liszt. Os argonautas da cidadania. p. 85.
123 Governança, se refere à capacidade governativa em sentido amplo, sendo a capacidade de ação do Estado tanto na implementação de políticas quanto na consecução das metas coletivas. É o conjunto de mecanismos e procedimentos para lidar com a dimensão participativa e plural da sociedade. VIEIRA, Liszt. Os argonautas da cidadania. p. 85.
48
permitindo a institucionalização da participação dos cidadãos nas decisões
governamentais. Diante da profunda crise de legitimidade da democracia
contemporânea, Vieira124 ensina que:
[...] enfrentar os desafios de aperfeiçoar os instrumentos de governabilidade e criar novas estruturas de governança são requisitos necessários para superar a crise atual da democracia representativa. A recuperação da legitimidade do Estado depende da democratização de suas instituições.
Pode-se afirmar que o regime democrático participativo mostra-se
compatível com a ampliação a que Vieira se refere. Para Pont125, a democracia
participativa permite à Sociedade desvendar e gerir o Estado, pelo seu potencial
mobilizador e conscientizador.
A legitimidade democrática é central na teoria discursiva de
Habermas126. Para o autor, “[...] a criação legítima do direito depende de
condições exigentes, derivadas dos processos e pressupostos da comunicação,
onde a razão, que instaura e examina, assume uma figura procedimental”.
Vieira127 assinala que o modelo discursivo desenvolvido pela teoria ética de
Habermas,
Vislumbra o diálogo normativo como argumentação e justificação que ocorrem em uma ‘situação ideal de fala’, que, por sua vez, expressa uma reciprocidade igualitária: todos os participantes têm chances iguais de iniciar e continuar a comunicação, de fazer comentários, recomendações e explanações e de expressar desejos e sentimentos; devem ser livres para tematizar as relações de poder que, em contextos ordinários normais, constrangeria a livre articulação de opiniões e posições.
A teoria habermasiana equaliza a política e o direito, “[...] a proposta de
uma democracia procedimental por meio de uma política deliberativa não pode
124 VIEIRA, Liszt. Os argonautas da cidadania. p. 88. 125 PONT, Raul. Democracia representativa e democracia participativa. In: FISCHER, Nilton
Bueno; MOLL, Jaqueline. Por uma nova esfera pública: a experiência do orçamento participativo. Petrópolis, (RJ): Vozes, 2000, p. 34.
126 HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade, volume II. p.9. 127 VIEIRA, Liszt. Os argonautas da cidadania. p. 60.
49
ser articulada sem a plena participação do direito moderno”, uma vez ser este o
mediador para a institucionalização dos procedimentos democráticos128.
A democracia participativa possibilita a deliberação dos problemas e
das demandas públicas entre os cidadãos e direciona o Estado à resolução das
questões discutidas por meio de procedimentos deliberativos.129 “A opinião
pública, transformada em poder comunicativo, segundo processos democráticos,
não pode ‘dominar’ por si mesma o uso do poder administrativo; mas pode, de
certa forma, direcioná-lo”. (grifo do autor)130
Oliveira131, a partir desse argumento, sustenta que os princípios
jurídicos do Estado Constitucional são a resposta à questão posta sobre como
institucionalizar a política deliberativa, e afirma que “não há democracia sem
constitucionalismo”. Para tanto, a Constituição do Estado Democrático de Direito
deve ser compreendida,
[...] da perspectiva de um processo constituinte permanente de aprendizado social, [...] que se dá ao logo do tempo histórico e que atualiza, de geração em geração, o sentido performativo do ato de fundação da sociedade política, em que os membros do povo se comprometem, uns com os outros, com o projeto, aberto ao futuro, de construção de uma república de cidadãos livres e iguais. Tal projeto deve ser levado adiante de forma reflexiva e por isso envolve a defesa de um patriotismo constitucional. (grifos do autor)132
Pela abertura constitucional de um processo público e plural de
interpretação jurídica em que os próprios cidadão participem das definições e do
128 SANTIN, Janaina Rigo; HAMEL, Marcio Renan. Relações sociais e sociedades pós-
convencionais: reconfiguração do espaço público e redimensão do poder jurídico-político. Revista Justiça do Direito. Vol. 9, n. 9. Passo Fundo, (RS): Universidade de Passo Fundo, 1996, p.12.
129 SANTIN, Janaina Rigo; HAMEL, Marcio Renan. Relações sociais e sociedades pós-convencionais: reconfiguração do espaço público e redimensão do poder jurídico-político. p. 14.
130 HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade, volume II. p. 23. 131 OLIVEIRA, Marcelo Andrade Cattoni. Direito, Política e Filosofia: Contribuições para uma
teoria discursiva da constituição democrática no marco do patriotismo constitucional. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 41.
132 OLIVEIRA, Marcelo Andrade Cattoni. Direito, Política e Filosofia: Contribuições para uma teoria discursiva da constituição democrática no marco do patriotismo constitucional. p. 43-44.
50
alcance das políticas, bem como pela garantia de igual oportunidades de acesso
e informação, é que se estará diante do Estado Democrático de Direito133.
Alerta Oliveira134 que seria até ingenuidade achar que o texto
constitucional, por si só, irá transformar a realidade, ou que uma emenda
constitucional irá resolver os problemas e as crises sociais. É preciso que haja um
compromisso com os princípios colacionados na Carta constitucional, bem como
uma prática política real e igualitária, “a fim de romper reflexivamente com toda
uma tradição anticonstitucional e antidemocrática de exclusão social e política”135.
Nessa linha de pensamento, Hesse136 ensina que são os “[...] fatores
reais de poder que formam a Constituição real do país”, uma vez que as questões
constitucionais não são originariamente questões jurídicas, mas, sim, políticas. No
entanto, para que a Constituição não se torne apenas um pedaço de papel, ou
somente a vontade do poder, a verdadeira vontade de Constituição é
imprescindível,
[...] a compreensão da necessidade e do valor de uma ordem normativa inquebrantável, que projeta o Estado contra o arbítrio desmedido e disforme. Reside, igualmente, na compreensão de que essa ordem constituída é mais do que uma ordem legitimada pelos fatos (e que, por isso, necessita de estar em constante processo de legitimação). Assenta-se também na consciência de que, ao contrário do que se dá com uma lei do pensamento, essa ordem não logra ser eficaz sem o concurso da vontade humana. Essa ordem adquire e mantém sua vigência através de atos de vontade. [...] todos nós estamos permanentemente convocados a dar conformação à vida do Estado.
É preciso que a Sociedade assuma sua história e que compreenda o
seu papel de cidadão. A Constituição, por sua vez, apresenta as condições para
institucionalizar as formas comunicativas e as condições procedimentais para a
133 OLIVEIRA, Marcelo Andrade Cattoni. Direito, Política e Filosofia: Contribuições para uma
teoria discursiva da constituição democrática no marco do patriotismo constitucional. p. 43. 134 OLIVEIRA, Marcelo Andrade Cattoni. Direito, Política e Filosofia: Contribuições para uma
teoria discursiva da constituição democrática no marco do patriotismo constitucional. p. 48. 135 OLIVEIRA, Marcelo Andrade Cattoni. Direito, Política e Filosofia: Contribuições para uma
teoria discursiva da constituição democrática no marco do patriotismo constitucional. p. 74. 136 HESSE, Konrad. A Força Normativa Da Constituição. Tradução Gilmar Ferreira Mendes.
Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1991, p. 19-20.
51
efetivação do processo democrático137. Em outras palavras, “[...] a soberania
popular interpretada constitucionalmente deve garantir que [...] os cidadãos
tornem-se os coautores dos seus próprios direitos e deveres”138.
Nas palavras de Bonavides139, “[...] todo o regime constitucional que se
estabelecer sem a efetiva participação do povo em grau de soberania será tão-
somente formalismo, simbolismo, nominalismo; nunca realidade, fato, substância”.
A democracia participativa faz soberano o “cidadão-povo, o cidadão-governante, o
cidadão-nação, o cidadão titular efetivo de um poder invariavelmente superior e,
não raro, supremo e decisivo”140.
No contexto brasileiro, apesar de consagrados constitucionalmente os
modelos de democracia representativa e participativa, vive-se numa situação de
delegação de poder e a participação caminha a passos lentos. O fomento à
participação é responsabilidade de todos e “[...] é uma evolução da Sociedade,
compreendendo-se como ator no processo de ação política e construção das
escolhas públicas para todos”141.
Nesse sentido, Resende142 afirma que a democracia participativa
garante o exercício livre do diálogo sobre temas relevantes para o constante
desenvolvimento social, econômico e político do país. A Sociedade e o Governo
precisam ampliar sua relação e atuação, para possibilitar uma melhor
compreensão daquilo que representa a mobilidade para o desenvolvimento
urbano.
137 OLIVEIRA, Marcelo Andrade Cattoni. Direito, Política e Filosofia: Contribuições para uma
teoria discursiva da constituição democrática no marco do patriotismo constitucional. p. 75. 138 HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Rio de Janeiro:
Tempo Brasileiro, 1997, p. 113. 139 BONAVIDES, Paulo. Teoria Constitucional da Democracia Participativa (Por um Direito
Constitucional de luta e resistência, por uma nova hermenêutica, por uma repolitização da legitimidade). p. 49.
140 BONAVIDES, Paulo. Teoria Constitucional da Democracia Participativa (Por um Direito Constitucional de luta e resistência, por uma nova hermenêutica, por uma repolitização da legitimidade). 34.
141 BOFF, Salete Oro. Democracia deliberativa na tomada de decisão das políticas públicas. “no prelo”, p. 17.
142 RESENDE, Cianni Lara. A interação democrática entre Estado e sociedade civil – fortalecimento da democracia participativa. In: XIMENES, Julia Maurmann. Federalismo e Democracia Participativa. Brasília: IDP, 2012, p. 40.
52
Indicam-se os mecanismos dialógicos entre Estado e Sociedade como
procedimentos garantidores da soberania popular, o que possibilitará a
democratização das cidades. Cabe ainda ressaltar que tais mecanismos
encontram-se positivados, porém, como ensina Hesse143, faz-se necessário
transformar os direitos escritos nos textos constitucionais em vontades da
Constituição.
2.2 PARTICIPAÇÃO POPULAR E CONTROLE SOCIAL COMO MEIO DE
EFETIVAÇÃO DA CIDADANIA
Diante do modelo de democracia participativa cabe, primeiramente,
esboçar, ainda que brevemente, o que se entende por participação. Demo144
ensina que “participação é conquista”, no sentido de que é um processo
infindável, pois não existe participação suficiente, nem acabada, “[...] participação
que se imagina completa, nisto mesmo começa a regredir”.
Ainda, para o autor, participação não pode ser eliminação ou ausência
do poder, mas sim outra forma de poder145. Ao mesmo tempo, participação não é
dádiva, nem concessão ou algo preexistente,
Não pode ser entendida como dádiva, porque não seria produto de conquista, nem realizaria o fenômeno fundamental da autopromoção; seria de todos os modos uma participação tutelada e vigente na medida das boas graças do doador, que delimita o espaço permitido. Não pode ser entendida como concessão, porque não é fenômeno residual ou secundário da política social, mas um dos seus eixos fundamentais; [...]. Não pode ser entendida como algo preexistente, porque o espaço de participação não cai do céu por descuido, nem é o passo primeiro.146 (grifos do autor)
A partir do pensamento de Demo, pode-se afirmar que a participação
popular é um direito tutelado pela carta constitucional, que tem como fundamento
143 HESSE, Konrad. A Força Normativa Da Constituição. 144 DEMO, Pedro. Participação é conquista: noções de política social participativa. p. 18. 145 DEMO, Pedro. Participação é conquista: noções de política social participativa. p. 20. 146 DEMO, Pedro. Participação é conquista: noções de política social participativa. p. 18.
53
a soberania do povo147, uma vez que as tomadas de decisões pressupõem a
participação de todos aqueles que tenham relações com a temática em questão e,
por fim, encontra no espaço público o local adequado para a prática da cidadania.
Para Bonavides148 a soberania constitucional é a pedra angular da
democracia participativa. Nesse sentido, cabe destacar que a Constituição
Federal de 1988 estabeleceu instrumentos jurídicos de participação social, como
o planejamento público149, a ação popular150, o atendimento aos direitos da
criança e adolescentes151, os colegiados de órgãos públicos152, a promoção
147 Importante ressaltar o conceito jurídico de povo segundo Bonavides, “o povo exprime o
conjunto de pessoas vinculadas de forma institucional e estável a um determinado ordenamento jurídico. [...] Fazem parte do povo tanto os que se acham no território como fora deste, no estrangeiro, mas presos a um determinado sistema de poder ou ordenamento normativo, pelo vínculo de cidadania”. BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 81.
148 BONAVIDES, Paulo. Teoria Constitucional da Democracia Participativa (Por um Direito Constitucional de luta e resistência, por uma nova hermenêutica, por uma repolitização da legitimidade). p. 42.
149 Art. 29. O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes preceitos: XII - cooperação das associações representativas no planejamento municipal. BRASIL. Constituição República Federativa do Brasil. Promulgada em 5 de outubro de 1988, atualizada até a emenda constitucional nº 90. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em: 21 set. 2015.
150 Art. 5º [...] LXXIII - qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência BRASIL. Constituição República Federativa do Brasil. Promulgada em 5 de outubro de 1988, atualizada até a emenda constitucional nº 90. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em: 21 set. 2015.
151 Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. § 7º No atendimento dos direitos da criança e do adolescente levar-se- á em consideração o disposto no art. 204. Art. 204. As ações governamentais na área da assistência social serão realizadas com recursos do orçamento da seguridade social, previstos no art. 195, além de outras fontes, e organizadas com base nas seguintes diretrizes: II - participação da população, por meio de organizações representativas, na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis. BRASIL. Constituição República Federativa do Brasil. Promulgada em 5 de outubro de 1988, atualizada até a emenda constitucional nº 90. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em: 21 set. 2015.
152 Art. 10. É assegurada a participação dos trabalhadores e empregadores nos colegiados dos órgãos públicos em que seus interesses profissionais ou previdenciários sejam objeto de
54
cultural153, a denúncia de irregularidade ou ilegalidade154, a gestão democrática
do ensino público155, os direitos políticos156, a política agrícola157, a gestão
discussão e deliberação BRASIL. Constituição República Federativa do Brasil. Promulgada em 5 de outubro de 1988, atualizada até a emenda constitucional nº 90. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em: 21 set. 2015.
153 Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: § 1º O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação. BRASIL. Constituição República Federativa do Brasil. Promulgada em 5 de outubro de 1988, atualizada até a emenda constitucional nº 90. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em: 21 set. 2015.
154 Art. 74. Os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário manterão, de forma integrada, sistema de controle interno com a finalidade de: § 2º Qualquer cidadão, partido político, associação ou sindicato é parte legítima para, na forma da lei, denunciar irregularidades ou ilegalidades perante o Tribunal de Contas da União BRASIL. Constituição República Federativa do Brasil. Promulgada em 5 de outubro de 1988, atualizada até a emenda constitucional nº 90. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em: 21 set. 2015.
155 Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: VI - gestão democrática do ensino público, na forma da lei; BRASIL. Constituição República Federativa do Brasil. Promulgada em 5 de outubro de 1988, atualizada até a emenda constitucional nº 90. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em: 21 set. 2015. “Admite-se, em caráter genérico, a gestão democrática do ensino público, remetendo-se à lei sua regulamentação”. TENÓRIO, Fernando G. Cidadania e desenvolvimento local, Ijuí, (RS): UNIJUÍ, 2007, p. 126.
156 Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante: I - plebiscito; II - referendo; III - iniciativa popular BRASIL. Constituição República Federativa do Brasil. Promulgada em 5 de outubro de 1988, atualizada até a emenda constitucional nº 90. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em: 21 set. 2015. Plebiscito: “consulta popular semelhante ao referendo. Difere deste à medida que se trata de submeter previamente à aprovação popular um projeto de lei, antes de leva-lo à apreciação do poder Legislativo”. Referendo: “forma de consulta popular em que projetos de lei aprovados pelo Legislativo devem ser submetidos à aprovação popular para que possam entrar em vigor”. Iniciativa popular: “meio de exercer a soberania popular, com a participação no processo legislativo, mediante apresentação de projetos de lei para apreciação do poder Legislativo. No caso da União, o projeto popular deve ser subscrito por, no mínimo 1% (um por cento) do eleitorado nacional distribuído pelo menos em cinco Estados, com não menos de 0,3% do eleitorado de cada um deles. No caso dos municípios, deverá ser subscrita por no mínimo 5% (cinco por cento) do eleitorado. Não existe iniciativa popular em matéria constitucional”. TENÓRIO, Fernando G. Cidadania e desenvolvimento local. p. 126.
157 Art. 187. A política agrícola será planejada e executada na forma da lei, com a participação efetiva do setor de produção, envolvendo produtores e trabalhadores rurais, bem como dos setores de comercialização, de armazenamento e de transportes, levando em conta, especialmente: BRASIL. Constituição República Federativa do Brasil. Promulgada em 5 de outubro de 1988, atualizada até a emenda constitucional nº 90. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em: 21 set. 2015.
55
administrativa da seguridade social158. Esses direitos são exemplos da
possibilidade concreta da participação e do exercício da cidadania na gestão
pública, pois é por meio dela que se pode romper com políticas impositivas e
clientelistas que criaram a crise atual da mobilidade urbana.
Alarcón159 esclarece que o direito de participação deve ser observado
como “direito fundamental de todo indivíduo, na sua condição de povo de
determinado Estado, de expressar sua vontade, para interferir nos processos de
poder do Estado e na governabilidade dos destinos da Sociedade da qual
participa”. (grifos do autor).
Os direitos políticos e civis básicos conduzem a capacidades de
participação política e social, aumentando o grau das reivindicações das pessoas
diante de suas necessidades160. Esses direitos oportunizam a exigência de uma
ação pública eficaz. É a parte instrumental da democracia e das liberdades
políticas que possibilitam que as pessoas participem, “a resposta do governo ao
sofrimento intenso do povo frequentemente depende da pressão exercida sobre
esse governo, e é nisso que o exercício dos direitos políticos (votar, criticar,
protestar etc.) pode realmente fazer a diferença” 161.
Esses direitos requerem, ainda, comunicação e diálogo para a
formação dos valores de uma Sociedade. Para tanto, são imprescindíveis a
158 Art. 194. A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos
Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social. Parágrafo único. Compete ao Poder Público, nos termos da lei, organizar a seguridade social, com base nos seguintes objetivos: VII - caráter democrático e descentralizado da administração, mediante gestão quadripartite, com participação dos trabalhadores, dos empregadores, dos aposentados e do Governo nos órgãos colegiados. BRASIL. Constituição República Federativa do Brasil. Promulgada em 5 de outubro de 1988, atualizada até a emenda constitucional nº 90. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em: 21 set. 2015. “Determina o caráter democrático e descentralizado da gestão administrativa da seguridade social, ou seja, dos direitos relativos à saúde, previdência e assistência social. O aspecto democrático remete à participação da comunidade, em especial dos trabalhadores, empresários e aposentados na gestão, conforme dispuser a lei de organização de cada setor”. TENÓRIO, Fernando G. Cidadania e desenvolvimento local. p. 126.
159 ALARCÓN, Pietro de Jesús Lora. A democracia semidireta na constituição de 1988. 160 SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. Tradução Laura Teixeira Motta. São Paulo:
Companhia das Letras, 2000, p. 175. 161 SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. p. 178.
56
liberdade política e os “incentivos políticos que atuam sobre os governos e sobre
as pessoas e grupos que detêm o poder”162. Nesse sentido, afirma Sen163:
Os direitos políticos e civis, especialmente os relacionados à garantia de discussão, debate, crítica e dissensão abertos, são centrais para os processos de geração de escolhas bem fundamentadas e refletidas. Esses processos são cruciais para a formação de valores e prioridades, e não podemos, em geral, tomar as preferências como dadas independentemente de discussão pública, ou seja, sem levar em conta se são ou não permitidos debates e diálogos.
Logo, a democracia precisa ser praticada, uma vez que é a criadora de
um conjunto de oportunidades, as quais devem ser aproveitadas positivamente
para que se obtenha o efeito desejado, “[...] uma característica básica das
liberdades em geral – muito depende do modo como elas são realmente
exercidas” 164.
Apesar de reconhecer a importância das instituições democráticas,
estas não devem ser vistas como dispositivos mecânicos. O papel da Sociedade
é extremamente importante nesse contexto e as instituições democráticas estão
“[...] condicionados por nossos valores e prioridades e pelo uso que fazemos das
oportunidades de articulação e participação disponíveis”165. Que é importante
salientar a necessidade da democracia não há dúvidas, mas é crucial
salvaguardar as condições e circunstâncias que garantem a amplitude e a
abrangência do processo democrático166.
Para que esse processo se torne efetivo é necessária a participação
popular. Para Sen167, são as deliberações e debates públicos, permitidos pela
liberdade política e pelos direitos civis, que vêm a desempenhar papel
fundamental na formação de valores. “Não só a força da discussão pública é um
dos correlatos da democracia, com um grande alcance, como também seu cultivo
pode fazer com que a própria democracia funcione melhor”.
162 SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. p. 180. 163 SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. p. 181. 164 SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. p. 183. 165 SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. p. 186. 166 SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. p. 186. 167 SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. p. 186.
57
Ainda sobre as formas de participação popular previstas na
Constituição federal de 1988, cabe salientar o controle social previsto no artigo
37, parágrafo 3º168, da Magna Carta. Para Ruaro e Curvelo169, o controle social é
um dos mecanismos mais promissores da democracia moderna. Por certo que a
aludida participação necessita de disciplina legal, de acordo com o setor de
prestação de serviço, mas deve ser entendido como o exercício da função
administrativa perante os usuários dos serviços públicos.
A noção de controle social não deve ser apenas a de vigilância da
Sociedade, mas sim de uma visão prospectiva, de formulação conjunta de
diretrizes e metas; em segundo lugar, deve ter uma visão crítica no que se refere
à justiça social, exigindo-se assim uma compreensão alargada da realidade, das
possibilidades e responsabilidades; e, por fim, o controle social é “palavra-gêmea
de participação”, uma vez que o sujeito deve assumir seu lugar no desafio de
trabalhar em conjunto no processo social170.
Contudo, a concretização do controle social se dá pela capacidade da
Sociedade de interferir na gestão pública. Essa condição se viabiliza
coletivamente pela apropriação dos processos deliberativos e pela fiscalização-
avaliação-crítica das ações do Estado, o que vem a (re)orientar as ações e
prioridades estatais e possibilitar políticas públicas mais eficazes em termos de
168 Art. 37 [...]
§ 3º: A lei disciplinará as formas de participação do usuário na administração pública direta e indireta, regulando especialmente: I - as reclamações relativas à prestação dos serviços públicos em geral, asseguradas a manutenção de serviços de atendimento ao usuário e a avaliação periódica, externa e interna, da qualidade dos serviços; II - o acesso dos usuários a registros administrativos e a informações sobre atos de governo, observado o disposto no art. 5º, X e XXXIII; III - a disciplina da representação contra o exercício negligente ou abusivo de cargo, emprego ou função na administração pública. BRASIL. Constituição República Federativa do Brasil. Promulgada em 5 de outubro de 1988, atualizada até a emenda constitucional nº 90. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em: 21 set. 2015.
169 RUARO, Regina Linden. CURVELO, Alexandre Schubert. Contextualização do tema: a participação como instrumento de eficácia na prestação dos serviços públicos; considerações gerais. In: CANOTILHO, J.J. Gomes. MENDES, Gilmar Ferreira. SARLET, Ingo Wolfgang. STRECK, Lênio Luiz. Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 890-891.
170 PEDRINI, Dalila Maria. ADAMS, Telmo. SILVA, Vini Rabassa da. Controle social e fortalecimento da democracia participativa. In: PEDRINI, Dalila Maria. ADAMS, Telmo. SILVA, Vini Rabassa da. Controle social de políticas públicas: caminhos, descobertas e desafios. São Paulo: Paulus, 2007, p. 225.
58
bens e serviços públicos. Outro ponto importante é o espaço dado para o controle
social, uma vez que a sua qualidade depende do nível do ambiente democrático e
das condições de participação popular171.
O que se observa no contexto brasileiro é que houve a burocratização
e o engessamento desses espaços. O Estado tem utilizado essas instâncias para
legitimar suas políticas. O Poder Público comanda essas instâncias, gerando
assim a subordinação, a dependência, a centralização do poder e a obediência
por parte da Sociedade172.
Esse fenômeno decorre da falta de conhecimento por parte dos
representantes da Sociedade sobre controle social e as formas de participação,
incluindo desde a terminologia usada até a organização, os programas, os
serviços, as formas de financiamento e o orçamento público. Aliadas a essas
dificuldades, pode-se apontar a participação passiva da Sociedade que, em
virtude de sua desarticulação e mentalidade de receptores não assumem seu
papel de protagonistas das políticas173.
Para superar tais dificuldades e melhorar a capacidade das pessoas no
que diz respeito às políticas de mobilidade urbana, é preciso avançar na
educação política, capaz de romper com a submissão da Sociedade ao poder
burocrático. Pedrini, Adams e Silva174 traçam algumas estratégias: a) há
necessidade de maior visibilidade e protagonismo dos setores populares na
formulação, execução, monitoramento e avaliação da política; b) criação de
estratégias de enfrentamento à estrutura estatal e de concepção de hegemonia
do poder do capital que acabam por impossibilitar uma maior participação da
Sociedade na política econômica; c) a articulação com outras formas de
participação previstas na legislação e na Constituição federal; d) bem como a
garantia da autonomia da Sociedade.
171 PEDRINI, Dalila Maria. ADAMS, Telmo. SILVA, Vini Rabassa da. Controle social e
fortalecimento da democracia participativa. p. 226. 172 SILVA, Vini Rabassa. Controle social de políticas públicas. In: PEDRINI, Dalila Maria. ADAMS,
Telmo. SILVA, Vini Rabassa da. Controle social de políticas públicas: caminhos, descobertas e desafios. São Paulo: Paulus, 2007, p. 189.
173 SILVA, Vini Rabassa. Controle social de políticas públicas. p. 190. 174 PEDRINI, Dalila Maria. ADAMS, Telmo. SILVA, Vini Rabassa da. Controle social e
fortalecimento da democracia participativa. p. 235-236.
59
Nesse sentindo, outro ponto importante a destacar é o direito à
informação. É por meio da informação e da transparência do Estado que as
pessoas têm condições de exigirem seus direitos, pois a informação proporciona
a constituição do conhecimento e possibilita a verificação do que está
acontecendo ou o que poderá acontecer, podendo discutir e interferir quando
necessário.
A Constituição Federal, em seu artigo 5º, XIV175 assegura a todos o
acesso à informação e, no inciso XXXIII176 do referido artigo, indica o direito a
receber informações, atribuindo aos órgãos públicos o dever de informar. Para
Machado177, “[...] o comando constitucional é no sentido de que os órgãos
públicos sejam ativos no dever de informar”.
Coloca o autor que a Administração Pública deve agir com
“publicidade”, conforme preceitua o artigo 37178 da Carta Magna, pois este
mandamento está intimamente ligado ao dever de informar. A Administração
Pública não deve ficar passiva diante desse direito, devendo os órgãos públicos ir
ao encontro dos cidadãos, pois esses têm o direito de solicitar informações,
175 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: XIV - é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional; BRASIL. Constituição República Federativa do Brasil. Promulgada em 5 de outubro de 1988, atualizada até a emenda constitucional nº 90. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em: 21 set. 2015.
176 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: XXXIII - todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado; BRASIL. Constituição República Federativa do Brasil. Promulgada em 5 de outubro de 1988, atualizada até a emenda constitucional nº 90. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em: 21 set. 2015. .
177 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito à informação ambiental e qualidade do ar. São Paulo: Instituto de Energia e Meio Ambiente, 2009, p.18.
178 Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: BRASIL. Constituição República Federativa do Brasil. Promulgada em 5 de outubro de 1988, atualizada até a emenda constitucional nº 90. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em: 21 set. 2015.
60
quando necessário. E corrobora Bester179: é fundamental à boa Administração a
transparência, que implica evitar a opacidade (princípio da publicidade).
Segundo Heidemann180, “[...] a eficácia e a qualidade dos serviços
dependem muito da relação direta e transparente entre os prestadores de
serviços e os respectivos beneficiários”. Desse modo, a transparência é um
sistema para deixar a Administração Pública visível a qualquer hora e em
qualquer momento, e não deve visar mostrar só o que é bom e esconder o que é
mau ou sofrível181.
Para Machado182, a solidificação de um modelo democrático necessita
que as informações produzidas sejam sistematizadas e colocadas à disposição de
todos. Ensina o autor que a informação é um registro do que existe ou está em
processo de existir, permitindo às pessoas o conhecimento de assuntos que
digam respeito a sua existência.
Em 18 de novembro de 2011 foi promulgada a Lei 12.527183, que
regula o acesso a informações, o que está previsto no inciso XXXIII do art. 5o, no
inciso II do § 3o do art. 37 e no § 2o do art. 216 da Constituição Federal. Essa
regra entrou em vigor em 16 de maio de 2012 e cria mecanismos de acesso a
informações públicas de órgãos e entidades.
Cabe destacar os principais aspectos da lei: a) divulgação máxima de
informações, uma vez que o acesso é a regra; b) limitação de exceções, ou seja,
as hipóteses de sigilo são legalmente estabelecidas; c) o cidadão não precisa
motivar seu pedido de informação; d) é gratuito; e) vale para os três Poderes da
União, Estados, Distrito Federal e Municípios, inclusive aos Tribunais de Conta e
179 BESTER, Gisela Maria. Contratações públicas sustentáveis no Brasil a partir de 2010: a
regulamentação do artigo 3º da lei n. 8.666/1993 e seus impactos no âmbito da administração pública federal em termos de desenvolvimento nacional sustentável. In: TRINDADE, André K. [et al.]. Direito, Democracia e Sustentabilidade: Anuário do Programa de Pós-Graduação da Faculdade Meridional. Passo Fundo, (RS): IMED, 2013, p. 312.
180 HEIDEMANN, Francisco G. Do sonho do progresso às políticas de desenvolvimento. In: HEIDEMANN, F.G; SALM, J.F. (org.). Políticas públicas e desenvolvimento: Bases epistemológicas e modelos de análise. Brasília: UDUNB, 2009, p. 37.
181 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito à informação ambiental e qualidade do ar. p.19. 182 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito à informação ambiental e qualidade do ar. p.7. 183 Brasil. Lei 12.527/2011. Disponível em:
<http://www.acessoainformacao.gov.br/assuntos/conheca-seu-direito/a-lei-de-acesso-a-informacao/mapa-da-lai>. Acesso em: 13 set. 2015.
61
Ministério Público. Entidades privadas sem fins lucrativos também são obrigadas
a dar publicidade a informações referentes ao recebimento e à destinação dos
recursos públicos por elas recebidos.
Por conseguinte, para que o Estado Democrático de Direito possa ser
permanentemente construído, é imprescindível o acesso à informação, esse
entendido como um direito à cidadania. A informação serve para o processo de
educação da Sociedade, mas visa também à participação; uma vez informada, a
pessoa tem a chance de tomar posição e pronunciar-se sobre a matéria184.
Para a efetiva participação popular, faz-se necessário também analisar
as ações humanas no sentido da consciência de suas ações reflexivas, pois o ser
humano deve estar atento à sua participação, que é fundamental no processo de
construção do modelo de Estado que se vivencia e se quer cada dia mais
consolidado. Nesse sentido, a cidadania, vista pelos princípios da democracia,
estabelece espaços sociais de luta na definição de instituições permanentes de
expressão política, proporcionando conquistas e consolidação social185.
Os movimentos sociais186 desempenham papel fundamental na
construção do espaço público, uma vez que possibilitam a incorporação de novos
temas na agenda política do Estado187. Nessa perspectiva, Vieira188 afirma:
Papel de particular importância cabe aos movimentos sociais, que podem contribuir para a democratização dos sistemas políticos pela mudança nas regras de procedimento e nas formas de participação política, pela difusão de novas formas de organização e, sobretudo, pela ampliação dos limites da política, politizando temas que até então eram considerados da esfera privada [...].
Esses movimentos possibilitam representações simbólicas afirmativas
por meio de discussões e práticas. Criam em grupos antes dispersos e
184 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2014,
p. 123. 185 VIEIRA, Liszt. Cidadania e globalização. Rio de Janeiro: Record, 2002, p. 40. 186 Partindo da concepção de Gohn, movimentos sociais são ações sociais coletivas de caráter
sociopolítico e cultural que viabilizam distintas formas da população se organizar e expressar suas demandas. GOHN, Maria da Glória. Movimentos sociais no início do século XXI: antigos e novos atores sociais. Rio de Janeiro: Vozes, 2003, p. 13.
187 VIEIRA, Liszt, Os argonautas da cidadania. p. 73. 188 VIEIRA, Liszt, Os argonautas da cidadania. p. 77.
62
desorganizados identidades e sentimentos de pertencimento social189. Gohn190
destaca que esses movimentos ajudam na construção de um novo padrão
civilizatório orientado para o ser humano e com vistas ao resgate do sentido de
coisa pública, espaços, instituições, entre outros. Eles reivindicam a ética na
política, orientando a população para os desvios dos bens públicos como, por
exemplo, a má gerência dos impostos arrecadados. Esses movimentos
estabeleceram um entendimento diferenciado sobre autonomia191, pois afirmam
que ter autonomia é “[...] priorizar a cidadania, construindo-a onde não existe,
resgatando-a onde foi corrompida”.
A fundamentação desses movimentos encontra-se na participação
cidadã192, que se funda num conceito amplo de cidadania, ou seja, não apenas no
cidadão que vota, mas naquele que participa da construção de seus direitos
baseados em valores éticos universais e impessoais. Ainda, a participação cidadã
objetiva uma concepção democrática participativa e visa fortalecer a soberania
popular para que a Sociedade construa uma nova realidade social, sem
desigualdades e exclusões de qualquer natureza193.
Muitas são as experiências, no mundo todo, de lutas por meio de
movimentos sociais, os quais buscam uma nova forma de governança que
priorize cidades justas, humanas, sustentáveis e democráticas. No Brasil, a partir
do processo de democratização do país, diversas organizações não
governamentais e movimentos populares, entre outros grupos, adotaram a
189 GOHN, Maria da Glória. Movimentos sociais no início do século XXI: antigos e novos atores
sociais. p. 15. 190 GOHN, Maria da Glória. Movimentos sociais no início do século XXI: antigos e novos atores
sociais. p. 15-17. 191 Fundamentalmente, ter autonomia é ter projetos e pensar os interesses dos grupos envolvidos
com autodeterminação; é ter planejamento estratégico em termos de metas e programas; é ter a crítica, mas também a proposta de resolução para o conflito que estão envolvidos; é ser flexível para incorporar os que ainda não participam, mas têm o desejo de participar, de mudar as coisas e os acontecimentos da forma como estão; é tentar sempre dar universalidade às demandas particulares, fazer política vencendo os desafios dos localismos. GOHN, Maria da Glória. Movimentos sociais no início do século XXI: antigos e novos atores sociais. p. 17.
192 Destaca-se que nos anos 1990 foram construídos novos conceitos como o de uma cidadania planetária, sustentabilidade democrática, participação cidadã. Esses conceitos preconizam o respeito às diferenças culturais – os valores, hábitos e comportamentos de grupos e indivíduos pertencentes a uma sociedade globalizada. GOHN, Maria da Glória. Movimentos sociais no início do século XXI: antigos e novos atores sociais. p. 19.
193 GOHN, Maria da Glória. Movimentos sociais no início do século XXI: antigos e novos atores sociais. p. 18.
63
plataforma de reforma urbana, buscando mudar a realidade das cidades
brasileiras194.
Essa plataforma denominada Fórum Nacional de Reforma Urbana foi a
responsável pela emenda popular que teve como conquista o capítulo da política
urbana na Magna Carta, a lei 10.257/01, conhecida como Estatuto da Cidade, a
criação do Ministério das Cidades, entre outras conquistas, como a primeira
Conferência Nacional das Cidades, em 2003 (dois mil e três), que objetivou
estabelecer as diretrizes e metas das políticas nacionais de desenvolvimento
urbano, habitação, saneamento ambiental, transporte e mobilidade urbana, e a
implementação do Conselho Nacional das Cidades195 como órgão consultivo do
Ministério das Cidades196.
Ainda, a plataforma evidenciou o reconhecimento do direito à cidade.
Saule Júnior197 ensina que a concepção do direito à cidade, no direito brasileiro,
avançou, ao ser instituído com objetivos e elementos próprios, configurando-se
como um novo direito humano. O reconhecimento do direito à cidade contribuiu
para sua internacionalização, na ECO-92, com as contribuições do Fórum
Nacional de Reforma Urbana e da organização internacional Habitat Internacional
Coalition, quando foi construído o Tratado intitulado de “Por cidades, Vilas e
Povoados, Justos, Democráticos e Sustentáveis”.
O Tratado inclui vários direitos, entre eles o direito à cidadania, este
entendido como forma de participação popular; inclui também o direito ao
transporte público, o direito à informação e à gestão democrática das cidades.
Nesse sentindo, foi no Fórum Social Mundial que um conjunto de atores sociais,
ocupados com as questões urbanas, elaboraram a Carta Mundial do Direito à
194 SAULE JÚNIOR, Nelson. O Direito à Cidade como paradigma da governança urbana
democrática. Disponível em: <www.institutoapoiar.org.br/imagens/bibliotecas/O-Direito-a-cidade-como-paradigma-da-governançaurbana-democratica.pdf>. Acesso em: 10 ago. 2015.
195 Em abril de 2004 o Conselho Nacional das Cidades foi criado e composto por diversos segmentos do poder público e da Sociedade Civil.
196 SAULE JÚNIOR, Nelson. O Direito à Cidade como paradigma da governança urbana democrática.
197 SAULE JÚNIOR, Nelson. O Direito à Cidade como paradigma da governança urbana democrática.
64
Cidade198. Esse documento teve como subsídio o Tratado “Por cidades, Vilas e
Povoados, Justos, Democráticos e Sustentáveis199” e a Carta Europeia dos
Direitos Humanos na Cidade200. O seu objetivo foi difundir a concepção do direito
à cidade como direito humano, visando à modificação da realidade urbana.
Também queria o reconhecimento das Nações Unidas e de outros organismos
regionais, ansiando por formas democráticas de governança das políticas
públicas urbanas globais, regionais e nacionais, a fim de reverter as
desigualdades sociais nas cidades201.
No que tange à mobilidade urbana, os movimentos sociais não
ocorreram de forma permanente e articulada. O movimento de maior expressão
foi o de protesto pelas más condições do transporte coletivo (tarifa x renda dos
usuários) entre 1940 e a metade dos 1980. O vale transporte obrigatório foi criado
em 1987 e, em 2013, houve o movimento dos 20 (vinte) centavos. Destacam-se
ainda outras mobilizações, como dos motoboys e dos parentes de vítimas da
violência no trânsito, mas nenhuma iniciativa popular relevante com relação aos
problemas de mobilidade, somente reivindicações de entidades civis e de
associações em defesa de interesses específicos202.
Entretanto, o movimento mais relevante ocorreu na defesa do uso do
automóvel; não foi um movimento social, já que comandado pelas elites
econômicas e políticas, com interesses evidentes em relação à Sociedade do
automóvel, como os setores da construção de infraestrutura viária e da
construção civil. O Estado atuou de forma automática e permanente na defesa e
no incentivo desse modelo, desvalorizando os outros modos de deslocamentos203.
198 CARTA MUNDIAL PELO DIREITO À CIDADE. Disponível em:
<http://normativos.confea.org.br/downloads/anexo/1108-10.pdf>. Acesso em: 10 set. 2015. 199 Plataforma brasileira do direito à cidade e a reforma urbana. SAULE JÚNIOR, Nelson. O
Direito à Cidade como paradigma da governança urbana democrática. 200 Elaborada pelo Fórum de Autoridades Locais, em Sainte Dennis em maio de 2000. SAULE
JÚNIOR, Nelson. O Direito à Cidade como paradigma da governança urbana democrática. 201 SAULE JÚNIOR, Nelson. O Direito à Cidade como paradigma da governança urbana
democrática. 202 VASCONCELLOS, Eduardo Alcântara de. Políticas de Transporte no Brasil: a construção da
mobilidade excludente. p. 211. 203 VASCONCELLOS, Eduardo Alcântara de. Políticas de Transporte no Brasil: a construção da
mobilidade excludente. p. 231.
65
Percebe-se que os instrumentos de participação popular são muitos,
que a legislação se encontra em consonância com o Estado Democrático de
Direito e que a Sociedade está se articulando a fim de vivenciar e efetivar a
cidadania, porém segundo Maricato204 ainda existem “[...] forças que resistem à
implementação dos marcos legais conquistados”. A informação é primordial para
a articulação dos atores sociais e o diálogo entre Sociedade e Estado é essencial
para a implementação de políticas públicas eficientes no campo da mobilidade.
Portanto, será pelo comprometimento entre Sociedade e Estado, um trabalho em
conjunto e dialógico como Habermas205 propõe em sua teoria da ação
comunicativa, que será possível a democratização das cidades.
2.3 ESTATUTO DA CIDADE E LEI 12.587/12: DEMOCRATIZAÇÃO DAS
CIDADES PELA PARTICIPAÇÃO SOCIAL
Este item procura integrar o modelo de democracia participativa,
abordada anteriormente, com os instrumentos de participação popular previstos
no Estatuto da Cidade, Lei n.º 10.257/01 e na Lei n.º 12.587/12, como formas de
democratização das cidades. Para tanto, serão destacados tais documentos
legais como referenciais normativos políticos.
O Estatuto da Cidade constitui-se em marco legal referencial da gestão
democrática das cidades, tendo como objetivo ordenar o pleno desenvolvimento
das funções sociais da cidade. Entre as diretrizes de política urbana206 prevê a
gestão democrática por meio da participação popular, tanto na formulação,
204 Maricato afirma que entender a resistência em aplicar a legislação significa entender a
sociedade brasileira. “É preciso lembrar sempre da distância imensa que separa discurso da prática, [...] o que favorece alguns é realizado, o que contraria é ignorado”. Está na hora do enfrentamento das forças resistentes, incluindo especialmente o judiciário, o legislativo, o executivo, o Ministério Público, etc. MARICATO. Ermínia. Nunca fomos tão participativos. Debate aberto. 3ª. Conferência Nacional das Cidades. Disponível em: <nute.ufsc.br/moodle/biblioteca_virtual/admin/files/erminia_-_nunca_fomos_t+uo_participativos.pdf>. Acesso em: 05 ago. 2015.
205 HABERMAS, Jürgen. Teoria do agir comunicativo, 2: sobre a crítica da razão funcionalista. Tradução Flávio Beno Siebeneichler. São Paulo: Martins Fontes, 2012.
206 A política urbana se constitui de um conjunto de estratégias e ações que visam ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana. CARVALHO FILHO, José dos Santos. Comentários ao estatuto da cidade. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2013, p. 27.
66
execução e acompanhamento de planos, como em programas e projetos de
desenvolvimento urbano.
Como instrumentos de participação social, a Lei n.º 10.257/01 prevê a
gestão orçamentária participativa207, o referendo popular e o plebiscito208 e
quando houver dispêndio de recursos públicos municipais para a garantia de tais
instrumentos, o controle social209.
Carvalho Filho210 analisa os objetivos enunciados pelo Estatuto da
Cidade, em consonância com o artigo 182211 da Constituição Federal, e esclarece
que apesar do legislador não ter repetido no artigo 2º212 do Estatuto a garantia ao
bem-estar dos habitantes da cidade, ao preconizar o pleno desenvolvimento das
funções sociais da cidade incluiu tal garantia, uma vez que o desenvolvimento
social tem o intuito de proporcionar e garantir o bem-estar dos habitantes.
Ao apresentar as diretrizes da política urbana, o legislador trouxe um
mandamento especial aos Municípios, uma vez serem esses os grandes
responsáveis pela execução de políticas urbanas. Essas diretrizes representam
uma verdadeira carta e também princípios para os governos, já que suas ações e
estratégias somente poderão ser consideradas legítimas se estiverem em
consonância com as diretrizes gerais213.
Entre as diretrizes gerais encontra-se a participação da Sociedade Civil
na formulação, execução e acompanhamento dos planos, programas e projetos
de desenvolvimento urbano. A formulação é o estágio inicial das ações e
207 Lei 10. 257/2001, artigo 4º, inciso III, alínea “f”. 208 Lei 10. 257/2001, artigo 4º, inciso V, alínea “s”. 209 Lei 10. 257/2001, artigo 4º, parágrafo 3º. 210 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Comentários ao estatuto da cidade. p. 19. 211 Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal,
conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes. BRASIL. Constituição República Federativa do Brasil. Promulgada em 5 de outubro de 1988, atualizada até a emenda constitucional nº 90. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em: 21 set. 2015.
212 Art. 2o A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes gerais. BRASIL. Lei 10.257/2001. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10257.htm>. Acesso em: 03 jul. 2015.
213 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Comentários ao estatuto da cidade. p. 27-28.
67
estratégias, já a execução é a fase que as ações serão implementadas e o
acompanhamento ocorre no curso da execução, para se verificar a adequação
entre formulação e execução. Entende-se por planos os instrumentos básicos que
darão suporte aos programas e projetos e o plano diretor Municipal é exemplo. Os
programas comportam uma particularização setorial integrante dos planos como,
por exemplo, os programas habitacionais; por sua vez, os projetos indicam
desígnios, de modo que sua exteriorização vai integrar os planos e programas214.
Outra observação que se impõe é que o legislador se preocupou
especialmente pela questão dos gastos públicos na execução da política urbana
pelo Município e elencou como instrumento o controle social, porém, segundo
Carvalho Filho215, o controle social deve ter maior amplitude, “[...] deve alcançar
também as atividades públicas e privadas que estejam dissonantes das diretrizes
gerais e dos objetivos a serem perseguidos com a utilização dos instrumentos
urbanísticos”.
O Estatuto da Cidade ampliou a visão unilateral e autoritária do
processo impositivo de urbanização. A participação não é mais uma faculdade
jurídica das autoridades governamentais, mas um dever jurídico216. Os artigos
43217, 44218 e 45219 do Estatuto apresentam os instrumentos de garantia da gestão
democrática, como os órgãos colegiados de política urbana, debates, audiências
214 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Comentários ao estatuto da cidade. p. 49-50. 215 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Comentários ao estatuto da cidade. p. 84. 216 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Comentários ao estatuto da cidade. p. 386. 217 Art. 43. Para garantir a gestão democrática da cidade, deverão ser utilizados, entre outros, os
seguintes instrumentos: I – órgãos colegiados de política urbana, nos níveis nacional, estadual e municipal; II – debates, audiências e consultas públicas; III – conferências sobre assuntos de interesse urbano, nos níveis nacional, estadual e municipal; IV – iniciativa popular de projeto de lei e de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano; BRASIL. Lei 10.257/2001. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10257.htm>. Acesso em: 03 jul. 2015.
218 Art. 44. No âmbito municipal, a gestão orçamentária participativa de que trata a alínea f do inciso III do art. 4o desta Lei incluirá a realização de debates, audiências e consultas públicas sobre as propostas do plano plurianual, da lei de diretrizes orçamentárias e do orçamento anual, como condição obrigatória para sua aprovação pela Câmara Municipal. BRASIL. Lei 10.257/2001. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10257.htm>. Acesso em: 03 jul. 2015.
219 Art. 45. Os organismos gestores das regiões metropolitanas e aglomerações urbanas incluirão obrigatória e significativa participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade, de modo a garantir o controle direto de suas atividades e o pleno exercício da cidadania. BRASIL. Lei 10.257/2001. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10257.htm>. Acesso em: 03 jul. 2015.
68
e consultas públicas, conferências, projetos de lei de iniciativa popular, programas
e projetos de desenvolvimento urbano e o orçamento participativo. Segundo
Carvalho Filho220, gestão democrática da cidade significa:
[...] a coordenação e o planejamento das atividades urbanísticas, incluindo-se aí a administração dos problemas e interesses urbanos mediante ações implementadas pelo Poder Público para atendimento aos verdadeiros anseios das comunidades locais, obtidos por meio de debates, consultas e audiências públicas, em permanente regime de parceria para a harmonização dos interesses público e privado existentes na cidade.
Em consonância com o Estatuto da Cidade, a Lei 12.587/12221,
sancionada em 03 de janeiro de 2012, após 17 anos de tramitação no Congresso
Nacional (PL 694/1995 – PL 1.687/2007), prevê a gestão democrática nas
políticas de mobilidade urbana como meio de acesso universal à cidade e ao
efetivo desenvolvimento urbano.
Ao analisar a referida lei, observa-se que o legislador incorporou em
vários artigos a participação popular. O artigo 5º222, inciso V, apresenta como
princípios fundamentais da Política Nacional de Mobilidade Urbana a gestão
democrática e o controle social; já o artigo 7º, inciso V, traz como objetivo a
consolidação do modelo de gestão democrática, sendo esse instrumento
garantidor da construção da mobilidade urbana.
É no capítulo III que a participação aparece como um direito dos
usuários. O inciso II do artigo 14223 prevê a participação no planejamento, na
220 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Comentários ao estatuto da cidade. p. 387. 221 Art. 2o A Política Nacional de Mobilidade Urbana tem por objetivo contribuir para o acesso
universal à cidade, o fomento e a concretização das condições que contribuam para a efetivação dos princípios, objetivos e diretrizes da política de desenvolvimento urbano, por meio do planejamento e da gestão democrática do Sistema Nacional de Mobilidade Urbana. BRASIL. Lei 12.587/12. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12587.htm>. Acesso em: 03 jul. 2015.
222 Art. 5o A Política Nacional de Mobilidade Urbana está fundamentada nos seguintes princípios: V - gestão democrática e controle social do planejamento e avaliação da Política Nacional de Mobilidade Urbana; BRASIL. Lei 12.587/12. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12587.htm>. Acesso em: 03 jul. 2015.
223 Art. 14. São direitos dos usuários do Sistema Nacional de Mobilidade Urbana, sem prejuízo dos previstos nas Leis nos 8.078, de 11 de setembro de 1990, e 8.987, de 13 de fevereiro de 1995:
69
fiscalização e na avaliação da política local de mobilidade urbana e o artigo 15224
apresenta os instrumentos que asseguram a participação.
Para Guimarães225o reconhecimento da participação como direito pela
Lei n.º 12.587/12 é um grande avanço legislativo, pois vem conferir efetividade
aos mandamentos constitucionais. Não se pode olvidar que se trata de legislação
nova, e que sua efetividade só se verificará futuramente. A lei prevê que os
planos de mobilidade deveriam ser apresentados pelos municípios com mais de
20.000 (vinte mil) habitantes até abril de 2015; porém, há um Projeto de Lei n.º
7898/14, de iniciativa do deputado Carlos Bezerra, o qual propõe a prorrogação
dos prazos por mais três anos. Nas palavras do deputado “[...] concordamos com
a exigência para que os planos de mobilidade fossem elaborados com prioridade.
Mas a escassez de pessoal para realizar o trabalho, aliada a problemas
financeiros, tem trazido uma imensa dificuldade para os municípios”226.
Nessa linha de pensamento, Leal227 enfatiza que, apesar do Estatuto
fornecer os parâmetros ao executivo e legislativo para a elaboração e execução
de suas ações no campo urbanístico, nem sempre esses contam com pessoal
técnico ou com condições financeiras para elaborar e efetivar estas normas.
II - participar do planejamento, da fiscalização e da avaliação da política local de mobilidade urbana; BRASIL. Lei 12.587/12. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12587.htm>. Acesso em: 03 jul. 2015.
224 Art. 15. A participação da sociedade civil no planejamento, fiscalização e avaliação da Política Nacional de Mobilidade Urbana deverá ser assegurada pelos seguintes instrumentos: I - órgãos colegiados com a participação de representantes do Poder Executivo, da sociedade civil e dos operadores dos serviços; II - ouvidorias nas instituições responsáveis pela gestão do Sistema Nacional de Mobilidade Urbana ou nos órgãos com atribuições análogas; III - audiências e consultas públicas; e IV - procedimentos sistemáticos de comunicação, de avaliação da satisfação dos cidadãos e dos usuários e de prestação de contas públicas. BRASIL. Lei 12.587/12. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12587.htm>. Acesso em: 03 jul. 2015.
225 GUIMARÃES, Geraldo Spagno. Comentários à Lei de Mobilidade Urbana – Lei nº 12.587/12: essencialidade, sustentabilidade, princípios e condicionantes do direito à mobilidade. p. 196.
226 BRASIL. Congresso Nacional. Câmara de Deputados. Municípios poderão ter maior prazo para criar plano de mobilidade urbana. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/CIDADES/479307-MUNICIPIOS-PODERAO-TER-PRAZO-MAIOR-PARA-CRIAR-PLANO-DE-MOBILIDADE-URBANA.htm>. Acesso em: 18 set. 2015.
227 LEAL, Rogério Gesta Leal. A cidade democrática de direito no Brasil: marcos regulatórios. Revista Eletrônica de Direito do Estado. n. 15. Salvador: 2008. Disponível em: <http://www.direitodoestado.com/revista/REDE-15-JULHO-2008-ROGERIO%20GESTA%20LEAL.pdf>. Acesso em: 15 jul. 2015, p. 4.
70
Não obstante, apesar de positivada a gestão democrática
constitucionalmente, no Estatuto da Cidade e na Lei n.º 12.587/12 observa-se que
sua aplicação é quase nula. As dificuldades são muitas, como a falta de
orçamento e de pessoal técnico, a gestão desarticulada entre os órgãos
administrativos, o clientelismo, as forças resistentes e a apatia da Sociedade;
porém, tais dificuldades precisam ser enfrentadas. Para Silva228, faz-se
necessária a implementação de estratégias visando à superação dos problemas e
a consolidação das conquistas, “[...] ampliando-as para todos os municípios, a fim
de serem efetivadas, não como especificidades de um tipo de gestão municipal,
mas, sim, como característica da gestão pública”.
Numa Sociedade plural como a brasileira é natural que existam
conflitos de interesses, mas estes não devem obstar o processo democrático;
pelo contrário, a participação multifacetada da Sociedade frutifica a gestão
democrática das cidades. Quanto à dificuldade de sensibilização da população
para participar, é uma questão de publicidade e vontade política. A administração
pública deve assumir seu papel de gestora dos interesses coletivos e deixar de
lado antigos ranços, como a verticalização de suas decisões e ações229.
Nesse sentido, adverte Leal230, “[...] o legislador constituinte outorgou à
Administração Pública municipal a crucial tarefa de execução da política de
desenvolvimento urbano e submeteu-a às diretrizes gerais fixadas em lei”.
Portanto, não há por parte da entidade federativa a opção de observar ou não as
diretrizes, pois se tratam de verdadeiros princípios jurídicos ordenadores das
ações urbanísticas231.
Observa-se que não se trata de tarefa fácil; os primeiros passos foram
dados pelos marcos regulatórios, porém será pela articulação do Estado com os
demais atores sociais, num processo de integração, diálogo e expansão do
espaço público, o qual possibilitará a transformação das cidades e garantirá a
todos o acesso universal ao espaço urbano. A participação popular é um dos
228 SILVA, Vini Rabassa. Controle social de políticas públicas. p.200. 229 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Comentários ao estatuto da cidade. p. 400. 230 LEAL, Rogério Gesta Leal. A cidade democrática de direito no Brasil: marcos regulatórios. p. 5. 231 LEAL, Rogério Gesta Leal. A cidade democrática de direito no Brasil: marcos regulatórios. p. 9.
71
caminhos para a efetivação do Estado Democrático de Direito e, por conseguinte,
da cidadania.
72
CAPÍTULO 3
MOBILIDADE URBANA SUSTENTÁVEL: A PARTICIPAÇÃO
SOCIAL NA CONSTRUÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS
Cerca de 85% (oitenta e cinco por cento) da população brasileira vive
nos centros urbanos, e essa condição justifica a necessidade de soluções para o
crescimento sustentável e democrático das cidades. A Lei 12.587/12, em
consonância com o Estatuto da Cidade, trazem possibilidades de avanços,
impondo ao Poder Público e à Sociedade um novo olhar para as formas de
deslocamento e de gestão das cidades. A gestão democrática é condição
essencial para a democratização desses espaços, mas sua real efetivação se dá
pelas políticas públicas.
A partir desse contexto, no primeiro momento deste capítulo, será
realizada uma abordagem sobre as possibilidades de implementação de espaços
sustentáveis e democráticos pelas políticas de mobilidade urbana, com previsão
na Lei 12.587/12 e em consonância com o Estatuto da Cidade e com a
Constituição Federal.
Para o segundo item, diante da recente Emenda Constitucional nº.
90/15, que reconheceu o transporte como um direito fundamental social, optou-se
por lançar algumas considerações sobre a temática. Para a melhor compreensão
do tema proposto, será realizado, primeiro, um resgate da historicidade e da
constitucionalização dos direitos fundamentais sociais, para após abordar o
reconhecimento do transporte como um direito fundamental social.
Importante frisar que será tratado o “transporte” em sentido amplo,
como sinônimo de mobilidade urbana. A Lei 12.587/12, em seu artigo 4º, inciso II,
conceitua mobilidade urbana como a condição em que se realizam os
deslocamentos de pessoas e cargas no espaço urbano e, no parágrafo 1º. do
artigo 3º232 encontram-se os modos de transporte, de serviços e de infraestrutura
232 Art. 3o O Sistema Nacional de Mobilidade Urbana é o conjunto organizado e coordenado dos
modos de transporte, de serviços e de infraestruturas que garante os deslocamentos de pessoas e cargas no território do Município.
73
para a garantia dos deslocamentos das pessoas e cargas no território do
Município, contemplando a mobilidade urbana em todas as formas de transporte.
3.1 AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE MOBILIDADE URBANA SUSTENTÁVEIS:
CIDADES PARA AS PESSOAS
Considerando a crise atual da mobilidade urbana, faz-se necessária a
busca de soluções democráticas e sustentáveis no que se refere aos modais de
deslocamento nas cidades brasileiras.
Para Grimone233, a urbanização no Brasil não modificou apenas o perfil
da população, que passou de rural para urbana, mas também ocasionou o
consumo de mais recursos naturais e serviços públicos. O desenho das cidades
brasileiras, evidenciado pelo modelo do transporte individual motorizado
(automóveis), bem como os incentivos fiscais às montadoras e as facilidades de
financiamentos, corroboraram para o aumento da frota de veículos e, como
consequência, para a emissão de gases de efeito estufa devido à utilização de
§ 1o São modos de transporte urbano: I - motorizados; e II - não motorizados. § 2o Os serviços de transporte urbano são classificados: I - quanto ao objeto: a) de passageiros; b) de cargas; II - quanto à característica do serviço: a) coletivo; b) individual; III - quanto à natureza do serviço: a) público; b) privado. § 3o São infraestruturas de mobilidade urbana: I - vias e demais logradouros públicos, inclusive metroferrovias, hidrovias e ciclovias; II - estacionamentos; III - terminais, estações e demais conexões; IV - pontos para embarque e desembarque de passageiros e cargas; V - sinalização viária e de trânsito; VI - equipamentos e instalações; e VII - instrumentos de controle, fiscalização, arrecadação de taxas e tarifas e difusão de informações. BRASIL. Lei 12.587/2012. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12587.htm>. Acesso em: 03 jul. 2015.
233 GRIMONE, Marcos Ângelo. O conceito jurídico de direito sustentável no Brasil. Curitiba: Juruá, 2012, p. 138.
74
combustíveis fósseis, o que ocasionou impactos ambientais e a diminuição na
qualidade de vida das pessoas.
Diante desse cenário, os gestores públicos buscam soluções
inovadoras para os problemas do desenvolvimento urbano, transporte e
circulação. Paralelamente, a Sociedade, impactada pelos problemas do dia a dia,
inclina-se por modelos de gestão política de mobilidade urbana orientados para as
pessoas.
A mobilidade urbana passou a fazer parte da agenda do Estado.
Segundo Serafim234, “a agenda pode ser entendida como o “espaço problemático”
de uma Sociedade. Um determinado tema é incorporado à agenda quando é
identificado como problema passível de se converter em política pública”.
O legislador foi mais além ao publicar o Estatuto da Cidade (Lei
10.257/01), sendo esse um instrumento de gestão democrática das cidades,
trazendo grandes benefícios à Sociedade. Dentre os inúmeros instrumentos
previstos no Estatuto, cabe ressaltar o enfoque ao pleno desenvolvimento das
funções sociais das cidades, como a garantia de que todos os cidadãos tenham
acesso aos serviços, aos equipamentos urbanos e a toda e qualquer melhoria
realizada pelo poder público. Nesse sentido, Grimone235 ressalta que o Estatuto
da Cidade estabelece a implementação de política pública urbana, voltada para o
desenvolvimento sustentável, e que estes se constituem em instrumentos
capazes de proporcionar a busca pelas cidades sustentáveis.
Para tanto, o Ministério do Meio Ambiente, em parceria com a Agenda
21 (vinte e um), traçou propostas estratégicas para se alcançar o
desenvolvimento sustentável, dentre as quais, destaca-se a “promoção de
planejamento e de gestão democrática da cidade, incorporando no processo a
234 SERAFIM, Milena Pavan; DIAS, Rafael de Britto. Análises de políticas: uma revisão da
literatura. Revista do Centro Interdisciplinar de Desenvolvimento e Gestão Social - CIAGS & Rede de Pesquisadores em Gestão Social – RGS, vol.3, n. 1, jan/jun – 2012, p 121 a 134, p. 123
235 GRIMONE, Marcos Ângelo. O conceito jurídico de direito sustentável no Brasil. p. 140.
75
dimensão ambiental urbana e assegurando a efetiva participação da
Sociedade”236.
Da mesma forma, o Ministério das Cidades apresenta o Plano de
Mobilidade Urbana (PlanMob), que introduz conceitos e diretrizes de inclusão
social, de sustentabilidade ambiental, gestão participativa e de democratização do
espaço público.
Em 03 de janeiro de 2012 foi promulgada a Lei nº 12.587, que instituiu
as diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana, em consonância com o
inciso XX do artigo 21 e artigo 182 da Constituição Federal. Trata-se de um
instrumento da política de desenvolvimento urbano, que objetiva a integração
entre os diferentes modos de transporte e a melhoria da acessibilidade e
mobilidade das pessoas e cargas no território dos municípios.
A referida Lei determina um novo modelo de mobilidade urbana e traça
como princípio o desenvolvimento sustentável das cidades, tanto nas dimensões
socioeconômicas quanto nas ambientais (artigo 5º, II); como diretriz prioriza o
transporte não motorizado sobre o motorizado e o coletivo sobre o individual, a
mitigação dos custos ambientais, sociais e econômicos dos deslocamentos, bem
como o fomento ao desenvolvimento científico-tecnológico e ao uso de energias
renováveis e menos poluentes (artigo 6º, II, IV e V); e ainda, como objetivo,
propõe a promoção do desenvolvimento sustentável com a mitigação dos custos
ambientais e socioeconômicos dos deslocamentos de pessoas e cargas nas
cidades, demonstrando estar em consonância com os preceitos constitucionais de
desenvolvimento sustentável.
Apesar de não estar positivado na Constituição Federal, em seu artigo
225237 encontra-se previsto o princípio do desenvolvimento sustentável, visando à
236 GRIMONE, Marcos Ângelo. O conceito jurídico de direito sustentável no Brasil. p. 140. 237 Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum
do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. Constituição República Federativa do Brasil. Promulgada em 5 de outubro de 1988, atualizada até a emenda constitucional nº 90. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em: 21 set. 2015.
76
harmonia entre a economia e o meio ambiente. As primeiras discussões sobre as
dimensões do desenvolvimento e o meio ambiente têm suas origens na
Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano de 1972, em
Estocolmo, que foi precedida pelo encontro Founex, em 1971, implementado
pelos organizadores da Conferência. Vinte anos depois ocorreu o Encontro da
Terra no Rio de Janeiro e esses movimentos vieram a influenciar o pensamento
sobre o desenvolvimento. Segundo Sachs238, “à ética imperativa da solidariedade
sincrônica com a geração atual somou-se a solidariedade diacrônica com as
gerações futuras” e, ainda, a responsabilidade com o futuro de todas as espécies
vivas na Terra. O texto constitucional brasileiro (artigo 225) deixa clara essa
imposição ética protecionista que Sachs239 fala, uma vez que preconiza o meio
ambiente sadio e equilibrado como um direito fundamental para as presentes e
futuras gerações.
Observa-se que o Brasil avançou nesse tema ao ter assegurado um
conjunto de normas sistematizadas e de informações sobre elementos que
constituem o planejamento e a implementação da mobilidade urbana sustentável;
porém, a expansão desordenada das cidades, a falta de fomento para novas
tecnologias, bem como a supervalorização do transporte motorizado individual,
em detrimento dos deslocamentos coletivos e não poluidores, são importantes
fatores que dificultam o exercício pleno do desenvolvimento sustentável de
mobilidade urbana.
O paradigma da sustentabilidade está no desafio da humanidade
adequar suas condutas a um desenvolvimento coletivo, em que seja possível a
conservação do meio ambiente e de uma Sociedade mais justa, solidária e
humana. Freitas240, ao propor um conceito de sustentabilidade, afirma que é
primordial estar incluída no mesmo a faceta multidimensional de bem-estar,
238 SACHS, Ignacy. Caminhos para o desenvolvimento sustentável. Rio de Janeiro: Garamond,
2009, p. 48-49 239 SACHS, Ignacy. Caminhos para o desenvolvimento sustentável. 240 FREITAS, Juarez. Sustentabilidade: direito ao futuro. 2 ed. Belo Horizonte: Fórum, 2012, p.
49.
77
[...] é o princípio constitucional que determina, com eficácia direta e imediata, a responsabilidade do Estado e da sociedade pela concretização solidária do desenvolvimento material e imaterial, socialmente inclusivo, durável e equânime, ambientalmente limpo, inovador, ético e eficiente, no intuito de assegurar, preferencialmente de modo preventivo e precavido, no presente e no futuro, o direito ao bem-estar241.
Destaca-se ainda da conceituação de Freitas242 a responsabilidade,
pois o autor propõe que esta não seja exclusiva do Estado, impondo à Sociedade
também esse dever. Nesse sentido, Ferrer243 esclarece que a resposta está num
conceito mais amplo e global, que favoreça a integração e a inclusão das pessoas
e as estimule a participar das decisões globais com responsabilidade, tendo a
consciência de que pertencem a um todo e que devem compartilhar suas
responsabilidades para a manutenção da vida humana e do planeta.
O ser humano participa da transformação da vida, e agir com
responsabilidade é exercer a cidadania em uma era de ações sustentáveis. Na
atualidade, a humanidade parece estar realmente cientificando-se de que, embora
sua ânsia de viver o individualismo, é preciso criar um sentimento de
pertencimento a uma coletividade. A participação é o caminho para o exercício da
cidadania. O homem, a partir da consciência destas concepções e ciente da crise
atual, pode modificar o rumo de seu desenvolvimento, por meio de ações mais
conscientes do destino comum compartilhado por todos. Este sim, é um espaço
de cidadania sustentável, em que as decisões são tomadas a partir das
deliberações de todos os atores, pelo compartilhamento de informações,
influenciando as ações e as políticas públicas244.
241 FREITAS, Juarez. Sustentabilidade: direito ao futuro. p. 50. 242 FREITAS, Juarez. Sustentabilidade: direito ao futuro. 243 FERRER, Gabriel Real. Calidad de vida, médio ambiente, sostenibilidad y ciudadanía ¿
construimos juntos el futuro?. Novos Estudos Jurídicos, v. 17, n. 3, Dez. 2012. ISSN 2175-0491. Disponível em: <http://siaiweb06.univali.br/seer/index.php/nej/article/view/4202>. Acesso em 02 Fev. 2014, p. 324.
244 PELLENZ, Mayara. SANTOS, Daniela. A responsabilidade da pessoa humana pela preservação ambiental e melhoria da vida: reflexões constitucionais. Revista Eletrônica Direito e Política, Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Ciência Jurídica da UNIVALI, Itajaí, v.10, n.1, edição especial de 2015. Disponível em: <www.univali.br/direitoepolitica - ISSN 1980-7791>. Acesso em: 05 ago. 2015, p. 310.
78
Aquino245 ensina que a sustentabilidade denota verdadeiro critério de
vida global, uma vez que reivindica dos seres humanos ações responsáveis em
sua relação com o planeta. Ter a consciência de que todos compartilham um
destino comum demonstra ser um importante fator para a proteção do meio
ambiente e de cidadania. Nesta perspectiva, Medeiros e Petterle246 explicam que:
Essa terceira dimensão dos direitos fundamentais está assentado o consequente direito a uma ética solidária e fraterna, não concentrada somente na proteção individual, de um grupo ou de um determinado Estado. A esses, agregam-se os deveres fundamentais como obrigações positivas perante a comunidade, além de parcela inerente às ações sociais e individuais dessa mesma sociedade. Traduz-se, aqui, a mobilização do cidadão para realização do bem comum, constituindo-se como posições jurídicas passivas, autônomas, subjetivas, individuais, universais, permanentes e essenciais como um dever jurídico condicionante ao viver e conviver (grifo do autor).
Para Bester247, o desenvolvimento sustentável é ao mesmo tempo um
direito fundamental, um princípio do Direito Ambiental brasileiro e um dever de
todos. A autora apresenta um novo princípio do desenvolvimento nacional
sustentável e, ao explicar o novel princípio, a constitucionalista defende que esse
possui status de princípio materialmente constitucional, ainda que não esteja
escrito formalmente na Carta Magna, mas em normas infraconstitucionais. Tem
como norte o artigo 225 da Constituição Federal, uma vez que a defesa ao meio
ambiente é um direito e um dever que visa a concretização do princípio
fundamental da dignidade humana e do direito fundamental à vida plena e com
sadia qualidade de vida.
Nesse sentido, o princípio do desenvolvimento nacional sustentável
tem como objetivo a intervenção do Estado no domínio econômico, uma vez que
deve nortear as formas de licitações, as contratações públicas brasileiras e a
produção nacional. Sobre a produção nacional, seja ela de veículos automotores,
245 AQUINO, Sérgio Ricardo Fernandes de. Elogio à Semiologia da Sustentabilidade. Disponível
em: <http://emporio-do-direito.jusbrasil.com.br/noticias/207911873/elogio-a-semiologia-da-sustentabilidade-por-sergio-ricardo-fernandes-de-aquino>. Acesso em: 03 out. 2015.
246 MEDEIROS, Fernanda Luiza Fontoura de; PETTERLE, Selma Rodrigues. Biodiversidade: uso inclusivo e sustentável do ambiente. In: Revista Magister de Direito Ambiental e Urbanístico. Porto Alegre: Magister, 2005, p.7-8.
247 BESTER, Gisela Maria. Contratações públicas sustentáveis no Brasil a partir de 2010: a regulamentação do artigo 3º da lei n. 8.666/1993 e seus impactos no âmbito da administração pública federal em termos de desenvolvimento nacional sustentável. p. 328-329.
79
elétricos, de infraestrutura, de tecnologia, ou outra, deve ser estimulada a buscar
um equilíbrio entre o vértice econômico, ambiental e social. O Estado brasileiro
deve também priorizar bens, serviços e obras sustentáveis em suas contratações
e licitações e, desse modo, contribuir para a criação de novos mercados,
fomentando as inovações tecnológicas que visem novos produtos e serviços,
induzindo a processos produtivos com redução de emissões de poluentes e,
consequentemente, a preservação dos recursos naturais não renováveis, o que
pode ser chamado de desenvolvimento nacional sustentável.248 “O que importa é
a sustentabilidade nortear o desenvolvimento, não o contrário”. A determinação
ético-jurídica constitucional estatui “sopesar os benefícios, os custos diretos e as
externalidades, ao lado dos custos de oportunidade, antes de cada
empreendimento” 249.
Freitas250 sugere uma ampla agenda da sustentabilidade e propõe uma
transformação imediata mitigadora das externalidades: os combustíveis fósseis,
por exemplo, mesmo que suas fontes sejam abundantes, são responsáveis por
inúmeros malefícios para a saúde e para o clima. Sob o ângulo da
sustentabilidade, esses combustíveis precisam ser substituídos, haja vista tanta
inovação tecnológica. Os países devem investir em energias renováveis e menos
poluidoras; “[...] se o enxofre, liberado pelo diesel mineral, à diferença do diesel
vegetal, mata milhares de pessoas por ano, elimine-se esse veneno o quanto
antes”. Nos sistemas elétricos, os compostos químicos, como os policloretos, são
os principais causadores de variados tipos de câncer, sendo responsabilidade do
Estado, na linha da Convenção de Estocolmo, abandoná-los. Ainda nesse
sentido, Freitas251 propõe que um novo urbanismo, o das cidades sustentáveis,
com o cumprimento enérgico do Estatuto da Cidade e da Lei 12.587/12, seja outra
providência a ser tomada a partir da sustentabilidade.
Essa última expressão é o caminho para a construção de cidades para
as pessoas. A Lei nº 12.587/12 prioriza os deslocamentos não motorizados sobre
248 BESTER, Gisela Maria. Contratações públicas sustentáveis no Brasil a partir de 2010: a
regulamentação do artigo 3º da lei n. 8.666/1993 e seus impactos no âmbito da administração pública federal em termos de desenvolvimento nacional sustentável. p. 330-331.
249 FREITAS, Juarez. Sustentabilidade: direito ao futuro. p. 32-33. 250 FREITAS, Juarez. Sustentabilidade: direito ao futuro. p. 36. 251 FREITAS, Juarez. Sustentabilidade: direito ao futuro. p. 37.
80
os motorizados e o transporte público coletivo sobre o individual. A Política
Nacional de Mobilidade Urbana inverteu a dinâmica dos deslocamentos nas
cidades, ao visar à sustentabilidade e a democratização dos espaços urbanos: em
primeiro lugar está o pedestre; em segundo, os ciclistas; em terceiro, o transporte
público coletivo; em quarto, o transporte de carga e, em quinto, os veículos
particulares. Esse será um grande desafio para as cidades, uma vez que foram
construídas e equipadas pela lógica contrária.
Como referido acima, esse será um desafio, principalmente para os
gestores municipais, já que a Constituição Federal252 atribui aos Municípios a
competência de organizar e prestar (mesmo que indiretamente) os serviços
públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo. Ainda nesse sentido,
a Lei 12.587/12253 prevê como atribuições dos Municípios o planejamento, a
execução e avaliação das políticas de mobilidade urbana, bem como a
regulamentação dos serviços de transporte público urbano.
Não se pode olvidar que o Governo Federal254 é o principal
responsável pelas políticas urbanas voltadas ao desenvolvimento sustentável. A
252 Art. 30. Compete aos Municípios:
V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial; Constituição República Federativa do Brasil. Promulgada em 5 de outubro de 1988, atualizada até a emenda constitucional nº 90. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em: 21 set. 2015.
253 Art. 18. São atribuições dos Municípios: I - planejar, executar e avaliar a política de mobilidade urbana, bem como promover a regulamentação dos serviços de transporte urbano; II - prestar, direta, indiretamente ou por gestão associada, os serviços de transporte público coletivo urbano, que têm caráter essencial; III - capacitar pessoas e desenvolver as instituições vinculadas à política de mobilidade urbana do Município. BRASIL. Lei 12.587/2012. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12587.htm>. Acesso em: 03 jul. 2015.
254 Art. 21. Compete à União: XX - instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação, saneamento básico e transportes urbanos; Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: IX - diretrizes da política nacional de transportes; XI - trânsito e transporte; Parágrafo único. Lei complementar poderá autorizar os Estados a legislar sobre questões específicas das matérias relacionadas neste artigo. Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: VI - proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas; Constituição República Federativa do Brasil. Promulgada em 5 de outubro de 1988, atualizada até a
81
União possui um conjunto de instrumentos que, em conjunto com os Estados e os
Municípios, formam um rico arsenal para a efetivação da Política Nacional de
Mobilidade Urbana Sustentável. A democratização dos espaços com a inclusão
de todos os modos de deslocamento; o planejamento integrado de transporte e o
uso do solo urbano, possibilitando o acesso a bens e serviços a todos,
viabilizando a redução de viagens motorizadas; a melhoria do transporte coletivo
urbano; o uso racional do veículo individual e a eficiência energética são alguns
exemplos das ações que devem permear as políticas de mobilidade urbana.
Não se trata de tarefa fácil; segundo Boff255, nos ciclos das políticas
públicas, constata-se o “[...] embate entre ideias e interesses, cooperação, limites,
governo, instituições e participação democrática”. Outro fator é que no Brasil,
tradicionalmente, as decisões são tomadas exclusivamente por aqueles que
foram eleitos para esses cargos, pois a democracia participativa, ainda que
constitucionalmente prevista, não foi incorporada pelos três poderes e pela
Sociedade.
A democracia exercida de forma sustentável “deixa de ser fruto da
dominação carismática”, e as políticas públicas devem ser escolhidas pela
Sociedade bem informada. A política da sustentabilidade deve ter nova
roupagem, distinta da atual; não se trata de desconhecer a política atual, mas de
fazer diferente, “sem os vícios corrosivos do patrimonialismo, do omissivismo, do
mercenarismo e do tráfico de influências” 256. Para Freitas257, a democracia
participativa precisa ser entendida como um procedimento sustentável ao
contrário do autoritarismo centralizador e não cooperativo atual.
A Lei nº 12.587/12258 prevê como direito dos usuários do Sistema
Nacional de Mobilidade Urbana a participação social no planejamento, na
emenda constitucional nº 90. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em: 21 set. 2015.
255 BOFF, Salete Oro. Democracia deliberativa na tomada de decisão das políticas públicas. “no prelo”, p. 3.
256 FREITAS, Juarez. Sustentabilidade: direito ao futuro. p. 188-189. 257 FREITAS, Juarez. Sustentabilidade: direito ao futuro. p. 194. 258 Art. 14. São direitos dos usuários do Sistema Nacional de Mobilidade Urbana, sem prejuízo dos
previstos nas Leis no. 8.078, de 11 de setembro de 1990 e 8.987, de 13 de fevereiro de 1995:
82
fiscalização e na avaliação da política local de mobilidade urbana. Diante desse
mandamento legal, um ponto a ser analisado é o papel do Plano de Mobilidade
Urbana previsto no artigo 24259, pois se trata do instrumento de “efetivação” das
políticas de mobilidade urbana; porém, não garante que tudo que está previsto no
plano será objeto de políticas públicas, ou seja, a efetividade vai depender de
outros fatores, como: provisão e recursos financeiros, disputas e oposições dos
diversos atores envolvidos na temática, obrigações legais e também pela ação
dos gestores públicos. Ao realizar uma análise sobre as políticas públicas,
II – participar do planejamento, da fiscalização e da avaliação da política local de mobilidade urbana. BRASIL. Lei 12.587/2012. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12587.htm>. Acesso em: 03 jul. 2015.
259 Art. 24. O Plano de Mobilidade Urbana é o instrumento de efetivação da Política Nacional de Mobilidade Urbana e deverá contemplar os princípios, os objetivos e as diretrizes desta Lei, bem como: I - os serviços de transporte público coletivo; II - a circulação viária; III - as infraestruturas do sistema de mobilidade urbana; IV - a acessibilidade para pessoas com deficiência e restrição de mobilidade; V - a integração dos modos de transporte público e destes com os privados e os não motorizados; VI - a operação e o disciplinamento do transporte de carga na infraestrutura viária; VII - os polos geradores de viagens; VIII - as áreas de estacionamentos públicos e privados, gratuitos ou onerosos; IX - as áreas e horários de acesso e circulação restrita ou controlada; X - os mecanismos e instrumentos de financiamento do transporte público coletivo e da infraestrutura de mobilidade urbana; e XI - a sistemática de avaliação, revisão e atualização periódica do Plano de Mobilidade Urbana em prazo não superior a 10 (dez) anos. § 1o Em Municípios acima de 20.000 (vinte mil) habitantes e em todos os demais obrigados, na forma da lei, à elaboração do plano diretor, deverá ser elaborado o Plano de Mobilidade Urbana, integrado e compatível com os respectivos planos diretores ou neles inserido. § 2o Nos Municípios sem sistema de transporte público coletivo ou individual, o Plano de Mobilidade Urbana deverá ter o foco no transporte não motorizado e no planejamento da infraestrutura urbana destinada aos deslocamentos a pé e por bicicleta, de acordo com a legislação vigente. § 3o O Plano de Mobilidade Urbana deverá ser integrado ao plano diretor municipal, existente ou em elaboração, no prazo máximo de 3 (três) anos da vigência desta Lei. § 4o Os Municípios que não tenham elaborado o Plano de Mobilidade Urbana na data de promulgação desta Lei terão o prazo máximo de 3 (três) anos de sua vigência para elaborá-lo. Findo o prazo, ficam impedidos de receber recursos orçamentários federais destinados à mobilidade urbana até que atendam à exigência desta Lei. BRASIL. Lei 12.587/2012. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12587.htm>. Acesso em: 03 jul. 2015.
83
Serafim e Dias260 colocam que essas não podem ser apenas aquilo que o Estado
faz, mas também aquilo que ele deixa de fazer261.
Howlett262 expõe que quando se está falando de políticas públicas,
sempre a referência é para as iniciativas aprovadas pelo governo, que podem ser
de fazer ou deixar de fazer algo a respeito do problema; porém, essas decisões
positivas ou negativas devem ser deliberadas. Para o autor, trata-se de um
processo aplicado de resolução de problemas por um conjunto de decisões
governamentais conscientes e deliberadas na busca de objetivos que determinam
os meios para alcançá-los. Outro fator importante é a capacidade que o governo
tem de implementar as políticas públicas, essas entendidas como as limitações do
Estado (orçamentária, de pessoal, resistência, poder), pois afetam diretamente o
tipo de ação que o governo levará em conta.
Nesse sentido, Boff263 afirma que “[...] as relações de poder permeiam
as disputas nas fases264 de elaboração das políticas públicas, desde a
identificação e a proposição da agenda, até a formulação, a implementação e a
avaliação”. E esclarece que, para evitar o desequilíbrio nas relações de poder,
faz-se necessária a prática e o aperfeiçoamento do debate e da deliberação
pública, possibilitando maior participação da Sociedade em espaços de
argumentação, articulação e negociação, influenciando o governo a implementar
260 SERAFIM, Milena Pavan; DIAS, Rafael de Britto. Análises de políticas: uma revisão da
literatura. p. 124. 261 Essa análise parte da definição de políticas públicas dada por Thomas Dye, em sua obra
Understanding Public Policy. SERAFIM, Milena Pavan; DIAS, Rafael de Britto. Análises de políticas: uma revisão da literatura.
262 HOWLETT, Michel. Política pública: seus ciclos e subsistemas: uma abordagem integradora. Rio de Janeiro: Elsevier, 2013, p. 6-9.
263 BOFF, Salete Oro. Democracia deliberativa na tomada de decisão das políticas públicas. “no prelo”. p.6 .
264 Em relação às fases das políticas públicas, Boff ensina: “a primeira é a identificação e formação da questão a ser resolvida, enfrentamento de um problema e a busca de solução. A segunda fase compreende a superação das disputas, competição pela definição da prioridade e a formação da agenda, transformando-se em problema público. Após, passa-se à formulação, momento de embate de forças, resultando na escolha das alternativas disponíveis para resolver os problemas levantados. Na próxima fase, a implementação a articulação dos atores é importante para o sucesso das políticas públicas. E, na fase da avaliação, alguns mecanismos são representativos, como o voto nos processos eleitorais, como forma de aprovação ou não das ações políticas desenvolvidas pelo governo, além da participação ativa dos cidadãos no decorrer da implementação das políticas públicas em outros fóruns (como nos conselhos gestores), visando à solução problemas identificados durante o ciclo e também o controle de sua execução”. BOFF, Salete Oro. Democracia deliberativa na tomada de decisão das políticas públicas. “no prelo”. p.6-7.
84
políticas que, de outra maneira, não implementaria. Em sua teoria do agir
comunicativo Habermas265 ensina:
Qualquer passo dado além do horizonte de uma determinada situação abre o caminho para um novo contexto de sentido carente de explicação, porém já conhecido intuitivamente. O que até então era “autoevidente” transforma-se num saber cultural que pode ser utilizado para definições de novas situações e ser exposto a um teste no agir comunicativo.
A participação social no planejamento, na fiscalização e na avaliação
da política local de mobilidade urbana possibilitará novos olhares para os espaços
de deslocamentos dentro das cidades. As políticas públicas nesse setor não
podem mais ser implementadas de forma unilateral, pois o resultado dessa forma
de gestão foi a prevalência de espaços para o transporte individual,
congestionamentos, poluição, degradação ambiental, violência no trânsito,
segregação e desigualdades de oportunidades. A democratização dos espaços
de deslocamento é a forma mais genuína de devolver as cidades para as
pessoas.
Apesar da Lei nº 12.587/12 prever a obrigatoriedade da apresentação
do Plano de Mobilidade Urbana em conjunto com o Plano Diretor apenas para os
Municípios que tenham mais de vinte mil habitantes, entende-se que pelo preceito
constitucional do desenvolvimento sustentável, os objetivos, as diretrizes e os
princípios do Estatuto da Cidade e da Política Nacional de Mobilidade Urbana
devem permear o desenvolvimento de todas as cidades brasileiras.
O desenvolvimento democrático e sustentável da mobilidade urbana
dependerá prioritariamente da vontade dos gestores em efetivarem os objetivos,
as diretrizes e os princípios previstos constitucional e infraconstitucionalmente. A
implementação de espaços de diálogos, a transparência do governo e as
informações ao alcance de todos possibilitarão um processo democrático das
políticas de mobilidade urbana sustentáveis.
Os modos de deslocamento estão intimamente ligados à efetivação
dos direitos sociais. A forma como as cidades foram se formando, junto à falta ou
265HABERMAS, Jürgen. Teoria do agir comunicativo, 2: sobre a crítica da razão funcionalista. p.
244.
85
a ineficiência de políticas de mobilidade urbana, ocasionaram problemas
socioambientais sérios. Os deslocamentos são os meios para se chegar aos fins;
para se ter educação, precisa-se chegar à escola; para se efetivar o direito ao
trabalho, precisa-se efetivar o mais novo direito social, o transporte; portanto,
torna-se urgente o enfrentamento dessas questões.
A efetivação de tais direitos depende de políticas públicas adequadas,
que viabilizem as vivências e as convivências. A integração entre o planejamento
e o controle do solo urbano, o que inclui a descentralização das atividades
essenciais da cidade, reduz a necessidade de viagens motorizadas; a priorização
do transporte coletivo e dos não motorizados, a fim de mitigar as emissões dos
gases de efeito estufa é uma alternativa ambientalmente mais adequada; o
fomento a inovações tecnológicas para o controle de emissão de poluentes de
veículos, como o Pro-Álcool266, criado na década de 1970 e, em 2012, a criação
do Inovar Auto267, são algumas medidas que possibilitaram a democratização dos
espaços e a sustentabilidade das cidades.
3.2 O RECONHECIMENTO DO TRANSPORTE COMO DIREITO
FUNDAMENTAL SOCIAL E AS IMPLICAÇÕES DE SUA EFETIVAÇÃO NAS
CIDADES SUSTENTÁVEIS
Em 15 de setembro de 2015 foi aprovada a emenda constitucional
90/15, que reconheceu o transporte como direito fundamental social. Diante do
novel constitucional, optou-se em lançar algumas considerações sobre essa
266 Desde a década de 1970, com a criação do Pro-Álcool, o País tem ofertado etanol – anidro e
hidratado – para o uso em automóveis, e conta com um Programa de Controle da Poluição do Ar por veículos Automotores – o Proconve. BRASIL. Ministério das Cidades. PlanMob – Caderno de referência para a elaboração de Plano de Mobilidade urbana. Disponível em: <http://www.cidades.gov.br/images/stories/ArquivosSE/planmob.pdf>. Acesso em 28 set 2015. p. 97.
267 O Governo Federal estabeleceu o Programa de Incentivo à Inovação Tecnológica e Adensamento da Cadeia Produtiva de Veículos Automotores, trata-se de um regime fiscal especial, para montadoras que cumprirem com um conjunto de requisitos, como por exemplo o atingimento de metas de eficiência energética para veículos leves até 2017, além de incentivos para os veículos híbridos e elétricos. BRASIL. Ministério das Cidades. PlanMob – Caderno de referência para a elaboração de Plano de Mobilidade urbana. Disponível em: <http://www.cidades.gov.br/images/stories/ArquivosSE/planmob.pdf>. Acesso em 28 set 2015. p. 97
86
temática. Primeiramente, será realizado um resgate da historicidade e da
constitucionalização dos direitos fundamentais sociais, para então abordar o
reconhecimento do transporte como um direito fundamental social pelo
ordenamento jurídico brasileiro, e suas implicações.
As origens dos direitos fundamentais não é matéria pacífica entre os
historiadores; porém, vislumbra-se que o nascedouro não ocorreu na Antiguidade,
mesmo havendo quem defenda ainda esta posição, mas para o tema proposto a
margem temporal se travará pelas Declarações de direito do final do século XVIII.
Foram as Declarações do final do século XVIII as responsáveis por
enunciarem e garantirem direitos fundamentais. A Bill off Rights (Declaração de
Direito da Virginia, 1776) proclamou direitos como a liberdade, a proteção à vida,
a igualdade, entre outros. Na França, apesar de não ter a alma individualista das
declarações norte-americanas, na Declaração dos Direitos do Homem e do
Cidadão, de 1789, também foram reconhecidos os direitos à liberdade, à
igualdade e à propriedade268.
Não se trata de dar paternidade aos direitos fundamentais, mas sim de
se vislumbrar as principais diferenças e como estas influenciaram o
constitucionalismo moderno. Ao fazer a análise, Sarlet269 coloca que o marco da
declaração norte-americana foi “[...] a transição dos direitos de liberdade legais
ingleses para os direitos fundamentais”; enquanto a francesa foi “fruto da
revolução que provocou a derrocada do antigo regime e a instauração da ordem
burguesa na França”.
Destaca o referido autor270 algumas diferenças entre a Declaração de
1789 e os direitos e liberdades do constitucionalismo americano, sustentando que
enquanto o processo constitucional americano iniciou com a independência das
13 Colônias e, consequentemente, em uma nova Constituição, a francesa possuía
268 DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria geral dos direitos fundamentais. 5. ed. São
Paulo: Atlas, 2014, p. 12 269 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos
fundamentais na perspectiva constitucional. p. 43. 270 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos Direitos Fundamentais: uma teoria geral dos direitos
fundamentais na perspectiva constitucional. p. 44.
87
maior conteúdo democrático e social, sendo decisiva para o processo de
constitucionalização dos direitos fundamentais das Constituições do Século XIX.
Dessa maneira, pode-se afirmar que a Declaração de Direitos da
Virginia estava ligada às noções de liberdade individual e autonomia, enquanto a
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão fazia referência à noção de
igualdade formal e material existente na Europa naquele período.
Apesar das diferenças, foram as particularidades dessas Declarações
que acabaram influenciando o desenvolvimento do sistema jurídico de cada país,
bem como o reconhecimento dos direitos fundamentais. Em 1803, a Corte
Suprema Americana estabeleceu que o “texto da Constituição é superior a
qualquer outro dispositivo legal, ainda que criado pelo legislador federal”, quando
decidiu o célebre caso271 Marbury vs Madison.272
A Constituição, instituída pelos Estados norte-americanos,
fundamentava o poder soberano e restringia o parlamento, garantindo a liberdade
do cidadão frente ao poder estatal, enquanto o contexto social europeu foi
marcado por lutas, turbulências e rupturas que resultaram na consagração da
legalidade e na prevalência da lei.
Dimoulis e Martins273 fazem uma comparação entre o
constitucionalismo dos Estados norte-americanos e o francês: no caso americano,
a grande maioria dos cidadãos era britânica e submetida às leis do Parlamento do
Reino Unido, este mesmo que democraticamente legitimado poderia criar normas
que prejudicassem as minorias. O documento jurídico (Constituição) surgido com
a independência das 13 colônias teve como principal objetivo a garantia da
liberdade individual em face de todos os poderes estatais. Na França, o principal
271 Caso Marbury vs Madison: “Constituem enfaticamente tarefa e dever do Poder Judiciário dizer
o que é o direito. Aqueles que aplicam a norma aos casos concretos devem necessariamente expor interpretar a norma [...]. Se uma lei contraria a Constituição, e tanto a lei como a Constituição forem aplicáveis no caso concreto, então a Corte deve decidir o caso conforme a lei, desconsiderando a Constituição, ou conforme a Constituição, desconsiderando a lei [...]. Se as Cortes devem respeitar a Constituição e a Constituição é superior a qualquer ato ordinário do Legislativo, é a Constituição e não o ato ordinário que deve regular o caso no qual ambos se aplicam”. DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria geral dos direitos fundamentais. p. 13.
272 DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria geral dos direitos fundamentais. p. 13. 273 DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria geral dos direitos fundamentais. p. 14-16.
88
alvo foram os aparatos da Administração e da Justiça, preocupando-se com a
prevalência da lei, devido ao fato desta ter sido uma “[...] luta da ascendente
classe burguesa contra os privilégios estamentais dos quais se beneficiavam a
nobreza”.
Os avanços no tocante ao constitucionalismo nos dois continentes
viabilizaram a supremacia dos direitos fundamentais e influenciaram o direito
constitucional contemporâneo. Barcellos274 rememora que a Constituição
Americana de 1787, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789
(artigo 16) e as primeiras Constituições europeias do século XIX, consagravam
dois conteúdos básicos, a saber: a separação e organização dos poderes e a
limitação do Poder Público de atuar nas liberdades individuais.
Não obstante as diferenças entre o constitucionalismo norte-americano
e o continental-europeu, há, também, semelhanças em ambos os casos. No
último quarto do século XVIII foram redigidas as declarações de direitos
fundamentais, sendo esses direitos cada vez mais reconhecidos como
fundamento da ordem estatal-constitucional, tendo o legislador comum, a
Administração e os tribunais que reconhecê-los e respeitá-los275.
A positivação dos direitos fundamentais culminou com o início do
chamado Estado de Direito ou Estado Liberal, que foi determinante para a
clássica concepção de primeira dimensão276 (geração) dos direitos
fundamentais277. Foi no fim do século XIX e início do século XX que direitos
tipicamente sociais ou de segunda dimensão (geração) foram introduzidos nos
274 BARCELLOS, Ana Paula de. A Eficácia Jurídica dos Princípios Constitucionais: O Princípio
da Dignidade da Pessoa Humana. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p.19-20. 275 DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria geral dos direitos fundamentais. p. 20. 276 [...] desde o seu reconhecimento pelas primeiras Constituições os direitos fundamentais se
transformaram, tanto no seu conteúdo, na sua titularidade, na efetivação e na sua eficácia. Assim doutrinadores costumam falar da existência de três, quatro e até mesmo uma quinta e sexta geração de direitos, porém o processo de reconhecimento dos direitos tem um caráter cumulativo e de complementariedade e não de alternância como o termo “geração” propõe, tal termo poderá gerar entendimento equivocado de que tais direitos se substituem ao longo do tempo, assim juntamente com a mais moderna doutrina, prefiro utilizar o termo “dimensões dos direitos fundamentais” que produzem a ideia de que tais direitos se encontram em permanente processo de expansão, cumulação e fortalecimento. SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos Direitos Fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. p. 45.
277 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos Direitos Fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. p. 45.
89
textos constitucionais, mas cabe esclarecer que os direitos sociais já apareciam,
mesmo que timidamente, nas primeiras Constituições e Declarações de direitos
do século XVIII e início do século XIX, e a Constituição Francesa de 1791 já
previa a assistência a crianças abandonadas, indigentes e enfermos, além do
dever estatal de oferecer empregos e gratuidade no ensino fundamental. Nesse
sentido, a Constituição do Império (brasileira) previa dois direitos sociais: os
socorros públicos e a instrução primária gratuita278.
A primeira Constituição a prever os direitos sociais foi a Mexicana, de
1917 e, diferentemente da linha liberal que marcou as Declarações norte-
americana e francesa, a proclamação da “Declaração dos direitos do povo
trabalhador e explorado”, escrita no âmbito da Revolução Russa de 1917 e
promulgada em 1918, proclamou as questões sociais como problemas
jurídicos279. Dimoulis e Martins280 esclarecem que essa Declaração destoou em
substância do desenvolvimento do constitucionalismo ocidental,
[...] marcado pelo que se passou a chamar de “economia de mercado” e sua ênfase da autonomia e propriedade privada: declarou abolida a propriedade privada e a possibilidade de exploração do trabalho assalariado (Capítulo II), em completa ruptura com as anteriores Constituições e Declarações de Direitos que garantiam a propriedade privada como elemento central; estabeleceu um tratamento diferenciado dos titulares de direitos de acordo com a classe social, restringindo os direitos dos integrantes da classe burguesa (Capítulo IV); proclamou um dever fundamental: o trabalho obrigatório para todos (Capítulo I, 4). Essas inovações foram confirmadas e completadas pela primeira Constituição soviética de 10 de julho de 1918, que introduziu uma série de direitos sociais (arts. 14-17).
Foi a Revolução Russa que apresentou alternativa ao modelo de
Estado Liberal, trazendo inovações que serviram de modelo para as demais
Constituições soviéticas. Essa Revolução afastou radicalmente a concepção de
direitos fundamentais como direitos contra o Estado, pois esta visão seria
contraditória ao novo Estado proletário de transição para o socialismo e para o
comunismo. Assentava-se na concepção de que o Estado se encontrava nas
“mãos dos próprios titulares dos direitos sociais”, numa comunhão do cidadão
278 DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria geral dos direitos fundamentais. p. 23. 279 DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria geral dos direitos fundamentais. p. 20. 280 DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria geral dos direitos fundamentais. p. 21.
90
trabalhador com o seu Estado, divergindo assim do Estado burguês e de seus
clássicos ideais de liberdade281.
No fim da Primeira Guerra Mundial, na Alemanha, foi firmado entre a
burguesia e as demais forças sociopolíticas282 da época um pacto social: a
Constituição de Weimar. O texto constitucional positivou os direitos fundamentais
de forma extensa, dividindo os “Direitos e deveres fundamentais dos Alemães” em
cinco títulos: 1) indivíduo; 2) ordem social; 3) religião e sociedades religiosas; 4)
educação e formação escolar; 5) ordem econômica. Observa-se que os dois
primeiros títulos se referem às garantias liberais clássicas enquanto os dois
últimos tratam da esfera social e econômica283.
Esta foi a base para as primeiras Constituições de Estado de Direito
Social284, e afirma Novais285 que o Estado democrático representou a alternativa
ao modelo soviético,
[...] direitos sociais sim, porque também o novo Estado social e democrático de Direito assumiria os ideais de solidariedade, igualdade e justiça social, mas também direitos de liberdade, porque era também na garantia dos valores de liberdade e da autonomia individual que esse tipo de Estado se legitimava.
Tal alternativa demonstrou que os direitos sociais não deveriam fundar-
se no ideal de construção de uma Sociedade superior, mas agora como norma
programática para a realização de uma Sociedade mais justa e ratificou valores
281 NOVAIS. Jorge Reis. Direitos Sociais: teoria jurídica dos direitos sociais enquanto direitos
fundamentais. Coimbra: Coimbra, 2010, p.18. 282 “Como resultado do processo de industrialização acelerado por Bismarck desde 1871, formou-
se uma numerosa classe operária que gradualmente organizou-se em sindicatos e partidos políticos”. DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria geral dos direitos fundamentais. p. 21.
283 DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria geral dos direitos fundamentais. p. 22. 284 “A adjectivação “social” não tem, portanto, como por vezes se admite, sobretudo em alguma
doutrina brasileira, um sentido de socialização ou coletivização tomado em contraposição a “individual” ou a “privado”, mas antes um sentido diretamente político, relativo à evolução constitucional clássica de Estado de Direito liberal para Estado de Direito social, portanto, um sentido que se pode tomar como politicamente referido à assunção, por parte do Estado, do comprometimento com os fins de resolução da chamada questão social. Com esse alcance, o “social” deriva de uma concepção de Estado que se contrapõe ou sucede a uma outra “liberal” e, no mesmo sentido, os direitos sociais se contrapõe aos direitos de liberdade como fruto da nova concepção do Estado e do seu relacionamento com os indivíduos que estão sob sua jurisdição. NOVAIS. Jorge Reis. Direitos Sociais: teoria jurídica dos direitos sociais enquanto direitos fundamentais. p. 20.
285 NOVAIS. Jorge Reis. Direitos Sociais: teoria jurídica dos direitos sociais enquanto direitos fundamentais. p. 20.
91
como a dignidade da pessoa humana e a solidariedade, contribuindo para a
emancipação das parcelas excluídas da Sociedade286.
Observa-se que a História tem influência direta na proteção de novos
direitos. À medida que o tempo passa, faz-se necessária maior proteção e
garantias aos direitos dos cidadãos. Nesse sentido, ensina Steinmetz287:
Evidentemente, o acúmulo contínuo de gerações e funções dos direitos fundamentais é impulsionado pelas transformações sociais processadas com grande intensidade e velocidade nos séculos XIX e XX. Dizendo de outro modo, a ampliação e a multifuncionalização dos direitos fundamentais são uma exigência do desenvolvimento social cada vez mais veloz.
Nessa perspectiva, Bobbio288 afirma que os direitos do homem, “[...] por
mais fundamentais que sejam, são direitos históricos, nascidos em certas
circunstâncias, caracterizadas por lutas em defesa de novas liberdades contra
velhos poderes, e nascidos de modo gradual, não todos de uma vez e nem de
uma vez por todas”.
Ao conceituar os direitos sociais, Silva289 ensina que os direitos sociais
como dimensão dos direitos fundamentais do homem são prestações positivas
realizadas direta ou indiretamente pelo Estado e proclamadas pela Carta Magna,
com o intuito de realizar a igualização de situações sociais desiguais, ou seja,
“direitos que se ligam aos direitos de igualdade”.
Estes direitos não são meros poderes de agir e sim de reclamar uma
contrapartida da Sociedade por meio do Estado. Tratam-se dos meios de
exigência dos serviços ditos públicos, das satisfações positivadas na Carta
Magna, dos serviços essenciais (transporte) primordiais, como a garantia de
286 NOVAIS. Jorge Reis. Direitos Sociais: teoria jurídica dos direitos sociais enquanto direitos
fundamentais. p.22. 287 STEINMETZ, Wilson Antonio. A vinculação dos particulares aos direitos fundamentais.
São Paulo: Malheiros, 2004, p. 96. 288 BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Tradução Carlos Nelson Coutinho. 6. ed. Rio de
Janeiro: Elsevier, 2004, p. 5. 289 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 37. ed. São Paulo:
Malheiros, 2014, p. 288.
92
trabalho, educação, sustento na velhice, saúde, etc. “São “créditos” de que cada
um seria possuidor em relação ao todo social”290.
Os direitos fundamentais sociais, além de exigirem ações positivas e
prestacionais do Estado, seja através de políticas públicas, serviços essenciais ou
até mesmo de abstenções por parte desse, constituem também garantias aos
indivíduos, uma vez que são núcleos norteadores de todo o ordenamento jurídico
vigente. O reconhecimento do transporte como um direito fundamental social foi
um grande avanço.
Os direitos fundamentais de segunda dimensão “traduzem uma etapa
de evolução na proteção da dignidade humana291”. Enquanto os de primeira se
preocupavam com a liberdade contra o arbítrio do Estado, os direitos
fundamentais sociais encontram-se em um nível mais evoluído: “o homem, liberto
do jugo do Poder Público, reclama agora uma nova forma de proteção da sua
dignidade [...], a satisfação das necessidades mínimas para que se tenha
dignidade e sentido na vida humana”292.
Ao explanar sobre o conteúdo jurídico da dignidade e dos direitos
sociais, Barroso293 ensina que para se alcançar a autonomia, tanto pública quanto
privada, um de seus pressupostos é a satisfação do mínimo existencial294,
290 FERREIRA FILHO. Manoel Gonçalves. Princípios fundamentais de direito constitucional: o
estado da questão no início do século XXI, em face ao direito comparado e, particularmente, do direito positivo brasileiro. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 100.
291 “A dignidade humana tem seu berço secular na filosofia, onde pensadores inovadores como Cícero, Picco della Mirandola e Immanuel Kant construíram ideias como antropocentrismo (uma visão de mundo que reserva ao ser humano um lugar e um papel centrais no universo), o valor intrínseco de cada pessoa e a capacidade individual de ter acesso à razão, de fazer escolhas morais e determinar seu próprio destino. Tendo suas raízes na ética, na filosofia moral, a dignidade humana é, em primeiro lugar, um valor, em conceito vinculado à moralidade, ao bem, à conduta correta e à vida boa. Ao longo do século XX, principalmente no período após a Segunda Guerra Mundial, a ideia de dignidade humana foi incorporada ao discurso político das potências que venceram o conflito e se tornou uma meta política”. BARROSO, Luís Roberto. A dignidade da pessoa humana: direito constitucional contemporâneo. Belo Horizonte: Fórum, 2013, p. 61.
292 ARAUJO. Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional. 18. ed. São Paulo: Verbatim, 2014, p. 159.
293 BARROSO, Luís Roberto. A dignidade da pessoa humana: direito constitucional contemporâneo. p. 276.
294 Sobre o mínimo existencial, Leivas apresenta a definição de Corinna Treisch: o mínimo existencial é a parte do consumo corrente de cada ser humano, seja criança ou adulto, que é necessário para a conservação de uma vida humana digna, o que compreende a necessidade
93
[...] para poder ser livre, igual e capaz de exercer plenamente a sua cidadania, todo indivíduo precisa ter satisfeitas as necessidades indispensáveis à sua existência física ou psíquica. O mínimo existencial corresponde ao núcleo essencial dos direitos fundamentais sociais e seu conteúdo equivale às pré-condições para o exercício dos direitos individuais e políticos, da autonomia privada e pública.
Nesse sentido, Barcellos295 pondera que em “condições de pobreza
extrema [...], e na ausência de níveis básicos de educação e informação, a
autonomia do indivíduo para avaliar, refletir e participar conscientemente do
processo democrático estará amplamente prejudicada”.
Os direitos fundamentais sociais são os garantidores do mínimo
existencial e possibilitam que todos os indivíduos tenham condições de
desenvolvimento e uma vida digna. Nessa senda, a dignidade trata-se de
fundamento, garantia e balizamento previstos na Constituição brasileira de 1988:
o inciso III do artigo 1º prevê como fundamento da República Federativa do Brasil
a “dignidade da pessoa humana” e como baliza o princípio “a prevalência dos
direitos humanos” (inciso II do artigo 4º, CF/88).
É da proteção à dignidade humana que se reconhece o caráter de
fundamentalidade dos direitos sociais e, por estarem positivados
constitucionalmente, diz-se que são dotados de aplicabilidade e exigência.
Steinmetz296 afirma que “[...] os direitos fundamentais são direitos positivos,
constitucionalizados”.
O exame realizado até o momento permite asseverar que, por meio da
proteção dos direitos fundamentais sociais, resguarda-se a dignidade da pessoa
humana, já que essa possibilita coerência e unidade a todos os direitos, ou seja,
de vida física, como a alimentação, vestuário, moradia, assistência de saúde, etc. (mínimo existencial físico) e a necessidade espiritual-cultural, como educação, sociabilidade, etc. Compreende a definição do mínimo existencial, tanto a necessidade física como também cultural-espiritual, então se fala de um mínimo existencial cultural. LEIVAS, Paulo Gilberto Cogo. Teoria dos direitos fundamentais sociais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006, p. 135.
295 BARCELLOS, Ana Paula de. Constitucionalização das políticas públicas em matéria de direitos fundamentais: o controle político-social e o controle jurídico no espaço democrático. In: SARLET, Ingo Wolfgang. Direitos Fundamentais, orçamento e ‘reserva do possível’. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013, p. 109.
296 STEINMETZ, Wilson Antonio. Colisão de direitos fundamentais e princípio da proporcionalidade. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 19.
94
quando há a violação dos direitos fundamentais sociais também se viola, mesmo
sem intenção, a proteção à dignidade297.
No Brasil, foi com a promulgação da Constituição de 1934 que se
consagrou a terceira grande época constitucional, traçando uma nova corrente de
princípios, que inauguraram um novo pensamento em matéria de direitos
fundamentais da pessoa, ressaltando o aspecto social. O que se observa é que
os textos constitucionais brasileiros de 1934, 1946 e a atual Constituição tiveram
grande influência do constitucionalismo alemão, principalmente do sentido social
dos novos direitos positivados na Constituição de Weimar e também na Lei
Fundamental de Bonn de 1949298.
A importância do social no constitucionalismo brasileiro não findou nos
textos de 1934 e 1946; em 1988, com a promulgação da Constituição Federal do
Brasil, inauguram-se seus primeiros capítulos com os direitos e garantias
fundamentais, incorporando novamente a tradição germânica em dar prevalência
ao social299. Os direitos sociais encontram-se positivados no capítulo II do título II
da Constituição de 1988, no título concernente aos direitos fundamentais. Nesse
capítulo encontram-se inseridos os artigos 6º ao 11º, mas existem outros direitos
sociais dispersos no texto constitucional, como os previstos no Título VIII “Da
Ordem Social”. Assim, a cláusula de previsão dos direitos fundamentais,
individuais e sociais é aberta, ou seja, a enumeração desses direitos previstos na
carta constitucional não é exaustiva e nem limitada ao Título II300.
O que se vislumbra é que as relações sociais se transformam e novos
direitos surgem necessitando de proteção jurídica; assim, o rol dos direitos
fundamentais sociais na carta constitucional de 1988 não é exaustivo. Sob essa
perspectiva, a Constituição Federal de 1988, em relação aos direitos
fundamentais sociais, mantém o posicionamento de um conceito materialmente
297 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na
Constituição Federal de 1988. 5. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 62. 298 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 26. ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p.
367. 299 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. p. 370. 300 AWAD. Fahd Medeiros. Crise dos Direitos Fundamentais Sociais em decorrência do
Neoliberalismo. Passo Fundo, (RS): Universidade de Passo Fundo, 2005, p. 67.
95
aberto, o que significa afirmar que o texto do artigo 5º, parágrafo 2º301 aponta para
a existência desses direitos em outras partes da constituição e até mesmo de
reconhecimento de direitos fundamentais não-escritos, implícitos nas normas da
Carta Magna, bem como decorrentes do regime e dos princípios da
Constituição302.
Sarlet303 afirma que reconhecendo a existência de um sistema dos
direitos fundamentais, esse necessariamente será aberto e flexível, receptivo a
novos conteúdos e desenvolvimentos, integrado ao restante da ordem
constitucional, além de sujeito aos influxos do mundo circundante.
Nesse sentido, em 29 de setembro de 2011 foi apresentada a PEC
90/2011304, pela Deputada Luiza Erundina, que propunha nova redação ao artigo
6º da Constituição Federal de 1988. Essa proposta trazia como novidade a
inclusão do transporte no rol dos direitos sociais previstos no artigo indicado.
Justificou a Deputada que esse artigo enumera aspectos essenciais da vida em
Sociedade, sendo estes elementos centrais das políticas públicas necessárias
para amenizar as desigualdades sociais, bem como forma de garantia de
desenvolvimento, erradicação da pobreza e promoção do bem comum, conforme
preceitua o artigo 3º da Carta Magna de 1988. Ainda na justificação explanou que:
301 § 2º. Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes
do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. (grifo nosso). BRASIL. Constituição República Federativa do Brasil. Promulgada em 5 de outubro de 1988, atualizada até a emenda constitucional nº 90. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 21 set. 2015.
302 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. p. 70-71.
303 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. p 72.
304 BRASIL. Congresso Nacional. Câmara de Deputados. PEC 90/2011. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/atividade/materia/getPDF.asp?t=143047&tp=1>. Acesso em: 27 fev. 2015.
96
[...] o transporte, notadamente o público, cumpre função social vital, uma vez que o maior ou menor acesso aos meios de transporte pode tornar-se determinante à própria emancipação social e ao bem-estar daqueles segmentos que não possuem meios próprios de locomoção305.
Erundina306 ressaltou que o entendimento jurídico no sentido de alegar
a inconstitucionalidade, mediante o inciso IV do parágrafo 4º do artigo 60 da
Constituição Federal de 1988, deve levar em conta emendas que tentem abolir
qualquer cláusula pétrea, o que não é o caso, uma vez que a proposta não altera
o núcleo essencial da matéria, apenas a modifica e traz os exemplos das
emendas 26/2000 e 64/2010 que acresceram a moradia e a alimentação,
respectivamente, como direitos fundamentais sociais.
Em 25 de abril de 2014 foi publicado o Parecer 335/14, no Diário do
Senado Federal, através dos Relatores Senador Álvaro Dias e Senador Aloysio
Nunes Ferreira. Em análise da constitucionalidade da matéria, alegaram não
encontrarem óbices no conteúdo da referida proposta de alteração constitucional,
uma vez não ferir cláusula pétrea e nem se tratar de matéria rejeitada ou
prejudicada naquela sessão legislativa. Cabe expor as razões dos relatores:
305 BRASIL. Congresso Nacional. Câmara de Deputados. PEC 90/2011. Disponível em:
<http://www.senado.gov.br/atividade/materia/getPDF.asp?t=143047&tp=1>. Acesso em: 27 fev. 2015.
306 BRASIL. Congresso Nacional. Câmara de Deputados. PEC 90/2011. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/atividade/materia/getPDF.asp?t=143047&tp=1>. Acesso em: 27 fev. 2015.
97
No mérito não há como deixar de tomar como base o Preâmbulo da Constituição Cidadã, que afirma que o Estado se destina “a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna”. Como ocorre em toda a sociedade industrial, a geografia brasileira se caracteriza pela especialização dos usos do solo. Por isso, sem transporte não há educação, não há saúde, não há trabalho, não há alimentação e não há lazer, salvo aqueles eventualmente produzidos nas próprias residências, e que a sociedade não pode tomar por base. Sem transporte, a liberdade de ir e vir também fica gravemente comprometida. Impor aos mais pobres uma condenação à imobilidade, seja pelas distâncias, seja pelas tarifas, ao mesmo tempo em que os proprietários de veículos podem usufruir de todos os espaços urbanos, é irreconciliável com a ideia de igualdade. [...] Em conclusão, o “esquecimento” do transporte, especialmente do transporte dos mais pobres, é o oposto do que aconteceria na sociedade fraterna e justa preconizada pela nossa Carta Magna. E, portanto, é algo que necessita de correção urgente, que se dará na forma da aprovação da PEC em análise307.
Na data de 15 de setembro do corrente ano foi promulgada a Emenda
Constitucional 90/15, alterando o texto do artigo 6º da Carta Magna, que passará
a vigorar com a seguinte redação: “Art. 6º São direitos sociais a educação, a
saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança,
a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos
desamparados, na forma desta Constituição”. (grifo nosso)
Esse reconhecimento foi uma grande conquista, e a história e a
realidade das cidades demonstram que o transporte nunca foi prioridade para os
gestores públicos. Destaca-se, ainda, que os grandes movimentos sociais
relativos à mobilidade urbana foram no sentido de melhorias no setor de
transporte público. Assim, um dos principais efeitos jurídicos será a inclusão do
transporte nos orçamentos da União, dos Estados e dos Municípios, entre outros
efeitos jurídicos. Para a Deputada Luiza Erundina:
307 BRASIL. Congresso Nacional. Câmara de Deputados. PEC 90/2011. Disponível em:
<http://www.senado.gov.br/atividade/materia/getPDF.asp?t=143047&tp=1>. Acesso em: 27 fev. 2015.
98
Saúde e educação, por exemplo, têm recursos vinculados orçamentariamente. Com isso, a União, os municípios e estados não podem deixar de destinar um percentual específico em lei para essas áreas. No caso do transporte, reconhecido como direito social pela Constituição, pode acontecer o mesmo, já que o novo texto gera um direito que o Estado é obrigado a atender, por meio de uma política pública que o assegure a todos os cidadãos308.
Esse, porém, foi apenas o primeiro passo. Cabendo, agora, ao
legislativo regular esse direito para sua real efetividade. Nesse sentido,
Marques309 afirma: “[...] não há alteração imediata, mas dá respaldo para o Estado
ser responsável por políticas públicas de abrangência universal”.
O reconhecimento do transporte como direito fundamental social
também possibilita à Sociedade impelir o legislativo e o executivo a cumprirem o
mandamento constitucional via mandado de injunção310. E afirma Marques311 que
o reconhecimento do transporte pode ser o “impulso político” que faltava para a
efetivação dos planos de mobilidade urbana previstos na Lei 12.587/12, mas
alerta que tais políticas não deve se limitar a um meio de locomoção específico,
pois as cidades precisam de uma rede ampla de deslocamentos e também de
melhorias na infraestrutura viária, para que se efetive o novo direito social.
Cabe salientar ainda algumas propostas que tramitam no Congresso.
Nesse sentido, a PLC 310/2009, que já foi aprovada pelas duas casas
legislativas, encontra-se na Câmara dos Deputados e cria o Regime Especial de
308 AGENCIA BRASIL. Erundina: incluir transporte entre direitos sociais é conquista da sociedade.
Disponível em: <http://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2015-09/erundina-incluir-transporte-entre-direitos-sociais-e-conquista-da-sociedade>. Acesso em: 22 set. 2015.
309 Paulo César Marques, professor da Universidade de Brasília, especialista em mobilidade urbana. BRASIL. Congresso Nacional. Senado. Garantido na Constituição, transporte é caminho para os demais direitos. Disponível em: <http://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2015/09/22/garantido-na-constituicao-transporte-e-caminho-para-os-demais-direitos>. Acesso em: 24 set. 2015.
310 O artigo 5º, LXXI da Constituição federal refere que se concederá “mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania”. Trata-se de instrumento que, conjuntamente com a ação direita de inconstitucionalidade por omissão, visa a tutelar a pessoa diante das omissões inconstitucionais do estado. SARLET, Ingo Wolfgang. MARINONI, Luiz Guilherme. MITIDIERO, Daniel. Curso de direito constitucional. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 841.
311 BRASIL. Congresso Nacional. Senado. Garantido na Constituição, transporte é caminho para os demais direitos. Disponível em: <http://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2015/09/22/garantido-na-constituicao-transporte-e-caminho-para-os-demais-direitos>. Acesso em: 24 set. 2015.
99
Incentivos para o Transporte Coletivo Urbano e Metropolitano de Passageiros
(REITUP). Esse regime visa à redução das tarifas em troca de incentivos fiscais
para as empresas prestadoras dos serviços; uma das medidas é a redução a zero
do PIS/Pasep e da Cofins na aquisição de óleo diesel para ônibus, de energia
elétrica para operação de metrôs e de veículos, entre outros benefícios312.
A concessão dos serviços deve ser por licitações; ainda, os estados e
municípios deverão se comprometer a implementar regime de bilhetagem única e
promover a participação da Sociedade Civil nos conselhos de transporte. Outro
benefício proposto é um desconto mínimo de 75% nas tarifas de energia elétrica
consumida pelos metrôs, trens metropolitanos e trólebus313.
Outro projeto originário da Câmara é o PLC 50/2013, que ainda não
passou pelo julgamento do Senado. Este projeto visa tornar obrigatória a
divulgação das planilhas que fundamentam os reajustes e revisões tarifárias de
transporte público coletivo. Se aprovado, será mais um mecanismo de
transparência, pois a divulgação dos dados possibilita à Sociedade discutir com a
gestão pública sobre as implicações das melhorias nos serviços de transporte314.
A participação social é peça fundamental da democracia. Em 2013, o
protesto dos “vinte centavos” motivou o Senador Renan Calheiros a apresentar o
PLS 248/2013, que garante o passe livre estudantil. Muitos estados e municípios
já realizam cobrança diferenciada aos estudantes como descontos, mas o PLS
viria a unificar esse sistema315.
312 BRASIL. Congresso Nacional. Senado. Garantido na Constituição, transporte é caminho
para os demais direitos. Disponível em: <http://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2015/09/22/garantido-na-constituicao-transporte-e-caminho-para-os-demais-direitos>. Acesso em: 24 set. 2015.
313 BRASIL. Congresso Nacional. Senado. Garantido na Constituição, transporte é caminho para os demais direitos. Disponível em: <http://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2015/09/22/garantido-na-constituicao-transporte-e-caminho-para-os-demais-direitos>. Acesso em: 24 set. 2015.
314 BRASIL. Congresso Nacional. Senado. Garantido na Constituição, transporte é caminho para os demais direitos. Disponível em: <http://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2015/09/22/garantido-na-constituicao-transporte-e-caminho-para-os-demais-direitos>. Acesso em: 24 set. 2015.
315 BRASIL. Congresso Nacional. Senado. Garantido na Constituição, transporte é caminho para os demais direitos. Disponível em: <http://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2015/09/22/garantido-na-constituicao-transporte-e-caminho-para-os-demais-direitos>. Acesso em: 24 set. 2015.
100
Esses projetos visam ampliar as melhorias para o setor, porém são as
políticas públicas advindas do Poder Executivo que têm o condão de efetivar os
direitos fundamentais sociais, agora incluído o transporte. A melhoria da
qualidade de vida aos mais necessitados seria a maior prova de concretização
dos direitos dos cidadãos, corresponderia ao efetivo respeito às disposições
constitucionais, mas a realidade brasileira encontra-se distante desse cenário.
O Brasil, como leciona a Constituição Federal de 1988, em seu artigo
1º, constitui-se Estado Democrático de Direito; assim, considera-se que “[...] entre
os direitos fundamentais e a democracia se verifica uma relação de
interdependência e reciprocidade [já que os] [...] direitos fundamentais podem ser
considerados simultaneamente pressuposto, garantia e instrumento do princípio
democrático”316.
Para a existência da Democracia, porém, é preciso que os direitos
estejam positivados e sejam experimentados pelos sujeitos integrantes deste
regime democrático317. Sob semelhante argumento, afirma-se que a Democracia
alude que os direitos estejam expressamente declarados e conhecidos pelos
homens, pois “[...] a constitucionalização de direitos está entre as expressões da
maturidade democrática”318.
Os direitos fundamentais sociais são pressupostos, garantias e
instrumentos da Democracia, da autodeterminação dos indivíduos, seja por meio
do reconhecimento do direito de igualdade, de um espaço de liberdade real, ou
316 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos
fundamentais na perspectiva constitucional. p. 61. 317 Bobbio afirma que “[...] quem não se deu conta de que por sistema democrático entende-se
hoje preliminarmente um conjunto de regras procedimentais, das quais a regra da maioria é a principal mas não a única, não compreendeu nada e continua a não compreender nada a respeito da Democracia”. BOBBIO, Norberto. O futuro da Democracia: uma defesa das regras do jogo. p. 65.
318 BORTOLOTI, José Carlos Kraemer; ZAMBAM, Neuro José. A Democracia, os Direitos Fundamentais e o Desenvolvimento Sustentável. In: BORTOLOTI, José Carlos Kraemer; TRINDADE, André Karam (orgs). Direitos Fundamentais e Democracia Constitucional. Florianópolis: Conceito, 2013, p. 216.
101
ainda por meio do direito de participação na conformação da comunidade e do
processo político319.
O Brasil tem uma das Constituições mais completas e modernas em
termos de direitos fundamentais. Como já abordado, a Carta Magna foi
promulgada em um momento histórico de redemocratização (1988) do país e foi
nesse cenário que teve o constituinte o ideário de proteção dos direitos dos
cidadãos, além de limitar a atuação do ente estatal e também de legitimar a
competência dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Segundo Faria320:
Ao contrário da maioria dos direitos individuais tradicionais, cuja proteção exige apenas que o Estado jamais permita sua violação, os direitos sociais não podem simplesmente ser atribuídos aos cidadãos; cada vez mais elevados à condição de direitos constitucionais, os direitos sociais requerem do Estado um amplo rol de políticas públicas dirigidas a segmentos específicos da sociedade.
No entanto, o que se verifica em termos de mobilidade urbana é que o
Executivo não vem cumprindo com suas obrigações; as políticas são ineficientes,
pois incapazes de promover a inclusão e o bem estar da Sociedade. A
implementação de políticas igualitárias são prerrogativas do Estado Democrático
de Direito, uma vez que “a democracia não é apenas a regra da maioria; é,
também, a garantia dos direitos fundamentais”321.
Krell322 afirma que a problemática da eficiência e da suficiência de
instrumentos jurídicos que disponibilizem a plena realização dos direitos
fundamentais sociais tem suscitado grandes controvérsias. Trata-se de
significativo paradoxo, pois se o Brasil se encontra entre os dez países com maior
economia mundial e possui uma das mais modernas e avançadas Constituições
319 AWAD. Fahd Medeiros. Crise dos Direitos Fundamentais Sociais em decorrência do
Neoliberalismo. p. 57. 320 FARIA, José Eduardo. Direitos humanos direitos sociais e justiça. São Paulo: Malheiros,
1998, p. 104. 321 AWAD. Fahd Medeiros. Crise dos Direitos Fundamentais Sociais em decorrência do
Neoliberalismo. p. 91. 322 KELL, Andreas J. Realização dos direitos fundamentais sociais mediante controle judicial da
prestação dos serviços públicos básicos (uma visão comparativa). In: Revista de Informação Legislativa. n. 144. Brasília: 1999, p. 239.
102
(direitos fundamentais), de outro lado 30 (trinta) milhões de seus habitantes
continuam vivendo abaixo da linha da pobreza. Para o autor323:
[...] o texto legal supremo, para muita gente, representa apenas uma “categoria referencial bem distante. [...] a eficácia social reduzida dos direitos fundamentais sociais não se deve à falta de leis ordinárias; o problema maior é a não-prestação real dos serviços sociais básicos pelo Poder Público. A grande maioria das normas para o exercício dos direitos sociais já existe. O problema parece estar na formulação, implementação e manutenção das respectivas políticas públicas e na composição dos gastos nos orçamentos da União, dos Estados e Municípios.
O que se vislumbra é que mesmo diante de um conjunto de normas
garantidoras, como o Estatuto da Cidade, a Lei nº 12.587/12 e a Magna Carta, a
efetividade do novel direito fundamental social é quase nula.
Nesse sentido, cabe ressaltar o compromisso firmado entre os 193
(cento e noventa e três) estados-membros das Nações Unidas, inclusive o Brasil,
que no documento intitulado “Transformando Nosso Mundo: a Agenda 2030324
323 KELL, Andreas J. Realização dos direitos fundamentais sociais mediante controle judicial da
prestação dos serviços públicos básicos (uma visão comparativa). p. 242. 324 Entre os dias 25 e 27 de setembro, mais de 150 (cento e cinquenta) líderes mundiais estiveram
na sede da ONU, em Nova York, para adotar formalmente uma nova agenda de desenvolvimento sustentável. Esta agenda é formada pelos 17 (dezessete) Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), que devem ser implementados por todos os países do mundo durante os próximos 15 anos, até 2030. Objetivo 1: Acabar com a pobreza em todas as suas formas, em todos os lugares; Objetivo 2: Acabar com a fome, alcançar a segurança alimentar e melhoria da nutrição e promover a agricultura sustentável; Objetivo 3: Assegurar uma vida saudável e promover o bem-estar para todos, em todas as idades; Objetivo 4: Assegurar a educação inclusiva, equitativa e de qualidade, e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos; Objetivo 5: Alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas; Objetivo 6: Assegurar a disponibilidade e gestão sustentável da água e saneamento para todos; Objetivo 7: Assegurar o acesso confiável, sustentável, moderno e a preço acessível à energia para todos; Objetivo 8: Promover o crescimento econômico sustentado, inclusivo e sustentável, emprego pleno e produtivo e trabalho decente para todos; Objetivo 9: Construir infraestruturas resilientes, promover a industrialização inclusiva e sustentável e fomentar a inovação; Objetivo 10: Reduzir a desigualdade dentro dos países e entre eles; Objetivo 11. Tornar as cidades e os assentamentos humanos inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis; Objetivo 12. Assegurar padrões de produção e de consumo sustentáveis; Objetivo 13. Tomar medidas urgentes para combater a mudança climática e seus impactos; Objetivo 14. Conservação e uso sustentável dos oceanos, dos mares e dos recursos marinhos para o desenvolvimento sustentável; Objetivo 15. Proteger, recuperar e promover o uso sustentável dos ecossistemas terrestres, gerir de forma sustentável as florestas, combater a desertificação, deter e reverter a degradação da terra e deter a perda de biodiversidade; Objetivo 16. Promover sociedades pacíficas e inclusivas para o desenvolvimento sustentável, proporcionar o acesso à justiça para todos e construir instituições eficazes, responsáveis e inclusivas em todos os níveis; e Objetivo 17. Fortalecer os meios de implementação e revitalizar a parceria global para o desenvolvimento sustentável. ONU. Agenda 2030. Disponível em: <http://nacoesunidas.org/conheca-os-novos-17-objetivos-de-desenvolvimento-sustentavel-da-onu/>. Acesso em: 03 out. 2015.
103
para o Desenvolvimento Sustentável” se comprometeram a proporcionar
transporte seguro, sustentável e a preço acessível para todos até 2030325. Dentre
os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentáveis da Agenda 2030, pelo menos
10 estão ligados à mobilidade urbana, alguns diretamente e outros indiretamente.
Observa-se que os documentos legais estão postos, porém o grande paradigma é
a efetividade dos direitos.
Hesse326 ensina que “a Constituição adquire força normativa na medida
em que logra realizar essa pretensão de eficácia”. É pela força ativa que se
concretiza a vontade de Constituição, uma vez que o documento escrito, por si só,
não realiza nada, mas impõe tarefas que devem ser efetivadas. Essa vontade de
Constituição não logra ser eficaz sem o concurso da vontade humana.
Segundo Arendt327, nem os animais nem os Deuses participam da
política, essa é uma condição humana. Foram as escolhas políticas feitas pelas
vontades humanas que transformaram as cidades em “mares” de asfalto com
todos os seus problemas e desigualdades. Portanto, será pela vontade de
mudança que se viabilizará a gestão democrática das políticas urbanas.
O reconhecimento do transporte como um direito fundamental social foi
um avanço para a Sociedade brasileira, mas será pela sua real efetivação que as
pessoas poderão usufruir dos demais direitos sociais. A vontade do legislador
está clara, garantindo nos textos legais a gestão democrática pela participação
social nas políticas urbanas e pelo reconhecimento da mobilidade urbana como
um direito fundamental social, mas essa vontade necessita de efetividade.
Logo, para a concretização do novo direito fundamental social será
necessário que os três Poderes cumpram com suas funções: seja o Judiciário,
pelos instrumentos processuais que dispõe para a correção das omissões do
Legislativo e do Executivo; seja do Legislativo ao proporcionar condições legais
para as ações do Executivo e este agindo positivamente, instituindo e mantendo
325 O IMPARCIAL. ONU inclui segurança no trânsito na Agenda 2030. Disponível em:
<http://www.oimparcial.com.br/_conteudo/2015/09/ultimas_noticias/brasil_e_mundo/181106-onu-inclui-seguranca-no-transito-na-agenda-2030.html>. Acesso em: 03 out. 2015.
326 HESSE, Konrad. A força normativa da constituição. p. 16-20 327 ARENDT, Hannah. A condição humana. p. 31.
104
políticas públicas em conjunto com a Sociedade, para a efetivação da mobilidade
urbana sustentável e não apenas com o intuito de cumprir com a legislação.
Vasconcellos328 faz uma análise das políticas urbanas adotadas no
Brasil, sob o ponto de vista dos grupos sociais, e esclarece que essas
privilegiaram os extratos de renda média e alta pela construção dos espaços para
os automóveis. Esse uso foi permanentemente incentivado pelos formuladores e
operadores das políticas urbanas que, na sua maioria, pertencem a esses
extratos. Em função dos papéis que as pessoas desempenham no trânsito,
conclui que os mais simples, como andar a pé ou de bicicleta foram totalmente
ignorados pelos gestores públicos, demonstrando que esses modelos não foram
considerados formas legitimas de mobilidade. Já os papéis que requerem o uso
de veículos motorizados (usuário do automóvel e usuário do transporte público)
obtiveram atenção do poder político, porém de forma distinta: o transporte coletivo
público, apesar de mencionado nos textos jurídicos como prioritário, está longe de
ser realidade, enquanto o uso do automóvel moldou as políticas urbanas que
adaptaram as cidades para seu uso. Essa condição decorre de fatores políticos e
econômicos, como afirma Vasconcellos329:
[...] o grande poder ideológico e de influência das classes médias dependentes do automóvel e a relevância econômica da indústria, tanto para a movimentação da economia, quanto à arrecadação de impostos do governo. Na prática, o Estado tornou-se sócio e refém da indústria: em 2009, ele recebeu R$ 37,8 bilhões em tributos (IPI, ICMS, PIS, Confins).
Diante dessa realidade nada promissora, a Sociedade e o governo
precisam reconhecer que as condições atuais de mobilidade urbana precisam ser
modificadas e, consequentemente, recurso legais, materiais e financeiros
precisam ser mobilizados para adotar as ações necessárias330.
O ponto central é a participação efetiva da Sociedade, pois essa
precisa ser ouvida, uma vez que os impactos das más políticas se refletem no
328 VASCONCELLOS, Eduardo Alcântara de. Políticas de Transporte no Brasil: a construção da
mobilidade excludente. p. 252 329 VASCONCELLOS, Eduardo Alcântara de. Políticas de Transporte no Brasil: a construção da
mobilidade excludente. p. 255 330 VASCONCELLOS, Eduardo Alcântara de. Políticas de Transporte no Brasil: a construção da
mobilidade excludente. p. 256
105
povo. Habermas331 coloca que é imperioso que as decisões portadoras da prática
comunicativa não se alimentem de um acordo normativo já materializado no
passado, mas surjam dos próprios processos de interpretação cooperativos,
assinalando o potencial racional do agir comunicativo.
Para Guimarães332, a mobilidade urbana deve ser encarada de forma
mais ampla e racional; o foco deve ser na expansão dos modais de deslocamento
e tudo deve fluir por meio de uma rede multimodal, mas alerta que tudo será em
vão se não for acompanhado de forte conscientização da população para a
mobilidade urbana participativa.
A participação popular nas políticas de mobilidade urbana confirma o
modelo democrático brasileiro e o empoderamento da Sociedade. Se o poder
emana do povo, conforme a “vontade de Constituição”333, este deve ser chamado
a cumprir com o seu dever; para tanto, precisa-se quebrar com o modelo
autoritário e unilateral com que as políticas públicas vêm sendo implementadas no
país, e a gestão democrática vem legitimar tal processo. Os espaços públicos
precisam ser reativados, as informações postas de forma transparente, as
políticas urbanas precisam ser discutidas por todos os atores, possibilitando
novos olhares e o exercício da cidadania. A ampla participação promove o
sentimento de pertencimento e cria vínculos, o que possibilita a construção de
cidades mais justas, humanas e sustentáveis.
A mobilidade urbana sustentável é um direito de todos e para todos, e
a participação popular é um dos caminhos para a efetivação do Estado
Democrático de Direito e, por conseguinte, da cidadania.
331 HABERMAS, Jürgen. Teoria do agir comunicativo, 2: sobre a crítica da razão funcionalista. p.
265. 332 GUIMARÃES, Geraldo Spagno. Comentários à Lei de Mobilidade Urbana – Lei nº 12.587/12:
essencialidade, sustentabilidade, princípios e condicionantes do direito à mobilidade. p. 228 333 Expressão utilizada por Konrad Hesse em sua obra A força normativa da constituição.
106
CONCLUSÃO
Os fundamentos teóricos apresentados nesta dissertação objetivaram
demonstrar como a gestão democrática, pela participação popular nas políticas
públicas de mobilidade urbana, contribuem para a implementação de modais de
deslocamentos mais humanos e sustentáveis.
A investigação desenvolveu-se na Linha de Pesquisa Mecanismos de
efetivação da democracia sustentável, do Programa de Pós-Graduação em Direito
IMED.
O estudo justificou-se a partir da análise dos processos de urbanização
sem planejamento e de políticas implementadas de forma unilateral, a partir de
interesses mercantilistas e da visão desenvolvimentista dos anos 50, o que veio a
ocasionar os problemas de mobilidade atuais. Em vista do impacto causado pelo
caos urbano, o Governo Federal vem, na última década, buscando soluções
inovadoras para os problemas de desenvolvimento urbano.
O constituinte inovou, prevendo na Constituição Federal de 1988 um
capítulo específico de Política Urbana, elencando instrumentos jurídicos e
urbanísticos, bem como princípios e diretrizes a serem perseguidos pelos
gestores públicos. Em 03 de janeiro de 2012 foi promulgada a lei 12.587, que
institui as diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana, visando a dotar os
Municípios de instrumentos para melhorar as condições de mobilidade urbana em
seus territórios.
O artigo 24 da referida Lei apregoa que “o Plano de Mobilidade Urbana
é o instrumento de efetivação da Política Nacional de Mobilidade Urbana e deverá
contemplar os princípios, os objetivos e as diretrizes desta Lei”. Dentre os
objetivos da lei está o desenvolvimento de mecanismos de mobilidade urbana
sustentáveis, ou seja, a diminuição de emissão de gases de efeito estufa. Para
que essa situação seja possível, é necessária uma política efetiva na diminuição
do transporte individual motorizado e sua integração com outros modelos de
deslocamentos como o transporte coletivo público, os deslocamentos a pé e de
bicicleta. Ainda, as cidades precisam ser dotadas de equipamentos urbanos em
107
toda a sua extensão, calçadas adequadas que possibilitem a acessibilidade,
ciclofaixas e ciclovias, bicicletários. Os espaços precisam ser divididos para
possibilitar o acesso igualitário a todos os integrantes da cidade.
O Governo Federal tem grande responsabilidade para o sucesso dessa
implementação; primeiramente, cobrando dos municípios com mais de 20.000
habitantes o cumprimento dos prazos previstos na lei. Em segundo lugar,
fiscalizando a aplicação dos recursos, os prazos previstos, se os objetivos estão
em consonância com o Plano Nacional, se há verdadeira preocupação com o
meio ambiente, já que a Lei prioriza os deslocamentos mais sustentáveis e menos
poluentes. Em terceiro lugar, é necessária a integração das políticas entre
Governo Federal, Estadual e Municipal. Se os Municípios e Estados cumprirem
suas obrigações, o Governo Federal terá que repensar a política de incentivos
fiscais às montadoras, os financiamentos em longo prazo para a aquisição de
automóveis, bem como o fomento a novas tecnologias que farão toda a diferença
para as mudanças esperadas.
Outro ponto de extrema importância é a participação popular nas
políticas públicas de mobilidade urbana. Para tanto, a Constituição Federal de
1988, o Estatuto da Cidade e a Lei 12.587/12 incluíram em seus textos legais a
gestão democrática pela participação popular, tanto na elaboração, na execução
e na fiscalização dos programas, como em projetos e Planos de Mobilidade
Urbana. No entanto, o que se observa são movimentos fragmentados e uma
Sociedade apática diante da realidade política econômica brasileira, fatores que
se desencontram dos objetivos e pressupostos de uma verdadeira Democracia
Participativa.
A Sociedade Civil, em conjunto com o Governo, precisa ampliar sua
relação e atuação para disseminar, discutir, identificar e contribuir para a
construção de uma gestão articulada, criando condições de mobilidade
(deslocamentos) para todos e não apenas para poucos. A segregação espacial, a
pobreza, o descaso do Poder Público diante da triste realidade que assola os
municípios brasileiros vêm demonstrar o quão é imperioso que se efetivem
políticas públicas nesse setor. Os Planos de Mobilidade Urbana deverão ter
108
previsões não somente para as partes centrais dos municípios, mas também
sugerirem soluções para as áreas afastadas e consideradas irregulares.
Cabe ressaltar, ainda, a importância da convivência comunitária, o que
contribui para a qualidade de vida e bem-estar social ao possibilitar a apropriação
dos espaços públicos com a efetiva presença das pessoas nas ruas e praças,
tendo as mesmas possibilidades de deslocamentos. O direito de ocupar o espaço
público e de conviver socialmente deve ser estendido a todos, uma vez que falar
em mobilidade urbana pressupõe a acessibilidade e a inclusão social.
Por fim, o reconhecimento do transporte como direito fundamental
social reveste-se de importância ímpar, uma vez que vem legitimar e fortalecer os
instrumentos da gestão democrática e de mobilidade urbana sustentável. Os
caminhos estão delineados, porém será pelas ações de uma Sociedade
conectada com seu Estado que será possível efetivar tal direito.
A hipótese dessa pesquisa foi confirmada, ou seja, a gestão
democrática legitima as políticas públicas de mobilidade urbana. A democracia
participativa foi contemplada pela Carta constitucional e pela legislação vigente; o
modelo atual de gestão precisa ser substituído, espaços públicos que possibilitem
deliberações entre os vários atores da Sociedade e do Estado devem ser
reativados e as políticas públicas de mobilidade urbana efetivadas.
O momento é de redesenhar as cidades com o emprego de modais
diferenciados e sustentáveis, que se enquadrem na realidade de cada município,
mas também é necessária a participação ativa da Sociedade como forma de
alcançar a cidadania social e a consolidação da democracia plena.
109
REFERÊNCIAS
AGENCIA BRASIL. Erundina: incluir transporte entre direitos sociais é conquista
da sociedade. Disponível em:
<http://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2015-09/erundina-incluir-
transporte-entre-direitos-sociais-e-conquista-da-sociedade>. Acesso em: 22 set.
2015.
ALARCÓN, Pietro de Jesús Lora. A democracia semidireta na Constituição de
1988. Revista de Direito Constitucional e Internacional. vol. 33/2000. p. 141 –
173. Out - Dez/2000. Disponível em:
<http://www.revistadostribunais.com.br/maf/app/widgetshomepage/resultList/docu
ment?&src=rl&srguid=i0ad6007a0000014f84a7be561f02b527&docguid=I420a41a
0f25311dfab6f010000000000&hitguid=I420a41a0f25311dfab6f010000000000&sp
os=1&epos=1&td=930&context=9&startChunk=1&endChunk=1>. Acesso em: 30
ago. 2015.
ANFAVEA. Disponível em: <http://www.anfavea.com.br/index.html>. Acesso em:
10 ago. 2015.
AQUINO, Sérgio Ricardo Fernandes de. Elogio à Semiologia da
Sustentabilidade. Disponível em: <http://emporio-do-
direito.jusbrasil.com.br/noticias/207911873/elogio-a-semiologia-da-
sustentabilidade-por-sergio-ricardo-fernandes-de-aquino>. Acesso em: 03 out.
2015.
_____. Rumo ao desconhecido: inquietações filosóficas e sociológicas sobre o
direito na pós-modernidade. Itajaí, (SC): Universidade do Vale do Itajaí, 2011.
ARAUJO. Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito
Constitucional. 18. ed. São Paulo: Verbatim, 2014.
ARENDT, Hannah. A condição humana. Tradução de Roberto Raposo. 10. ed.
Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007.
110
AWAD. Fahd Medeiros. Crise dos Direitos Fundamentais Sociais em
decorrência do Neoliberalismo. Passo Fundo, (RS): Universidade de Passo
Fundo, 2005.
BARCELLOS, Ana Paula de. A Eficácia Jurídica dos Princípios
Constitucionais: O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Rio de Janeiro:
Renovar, 2002.
_____. Constitucionalização das políticas públicas em matéria de direitos
fundamentais: o controle político-social e o controle jurídico no espaço
democrático. In: SARLET, Ingo Wolfgang. Direitos Fundamentais, orçamento e
‘reserva do possível’. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013.
BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo:
conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva,
2013.
_____. A dignidade da pessoa humana: direito constitucional contemporâneo.
Belo Horizonte: Fórum, 2013.
BASTIANI, Ana Cristina Bacega de; SANTOS, Daniela dos. A condição humana e
o respeito à dignidade na proteção do direito ao meio ambiente saudável previsto
pelo artigo 225 da Constituição Federal. Revista Eletrônica Direito e Política,
Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Ciência Jurídica da UNIVALI,
Itajaí, v.10, n.1, edição especial de 2015. Disponível em:
<www.univali.br/direitoepolitica - ISSN 1980-7791>. Acesso em: 05 ago. 2015, p.
227-295.
BESTER, Gisela Maria. Contratações públicas sustentáveis no Brasil a partir de
2010: a regulamentação do artigo 3º da lei n. 8.666/1993 e seus impactos no
âmbito da administração pública federal em termos de desenvolvimento nacional
sustentável. In: TRINDADE, André K. [et al.]. Direito, Democracia e
Sustentabilidade: Anuário do Programa de Pós-Graduação da Faculdade
Meridional. Passo Fundo, (RS): IMED, 2013. p. 307-341.
111
BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia: uma defesa das regras do jogo.
Tradução Marco Aurélio Nogueira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986.
______. A Era dos Direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. 6. ed. Rio de
Janeiro: Elsevier, 2004.
BOFF, Salete Oro. Direito e cidadania: multiculturalismo e novas formas de
solução de conflitos. Santo Ângelo: EDIURI, 2004.
_____. TEIXEIRA, A. H. . Políticas públicas para as inovações tecnológicas como
meio de fomento ao desenvolvimento nacional. In: Jorge Renato dos Reis;
Rogerio Gesta Leal: Marli Marlene Costa: Monia Clarissa Hennig Leal. (Org.).
Políticas públicas no constitucionalismo contemporâneo - Tomo 3. Santa
Cruz do Sul: EdUNISC, 2011.
_____. Inovações em energias renováveis para a sustentabilidade: a
necessária conciliação entre direitos intelectuais e interesses sociais. Passo
Fundo, (RS): EdIMED, 2013.
_____. LIPPSTEIN, D. (Org.); KAUFMANN, P. T. F. (Org.). Novas Tecnologias,
Direitos Intelectuais e Políticas Públicas. São Paulo: Letras Jurídicas, 2015.
_____. Democracia deliberativa na tomada de decisão das políticas públicas.
“no prelo”.
BONAVIDES, Paulo. Teoria Constitucional da Democracia Participativa (Por
um Direito Constitucional de luta e resistência, por uma nova hermenêutica, por
uma repolitização da legitimidade). São Paulo: Malheiros, 2001.
_____. Ciência Política. São Paulo: Malheiros, 2011.
_____. Curso de Direito Constitucional. 26. ed. São Paulo: Malheiros, 2011.
BORTOLOTI, José Carlos Kraemer; ZAMBAM, Neuro José. A Democracia, os
Direitos Fundamentais e o Desenvolvimento Sustentável. In: BORTOLOTI, José
Carlos Kraemer; TRINDADE, André Karam (orgs). Direitos Fundamentais e
Democracia Constitucional. Florianópolis: Conceito, 2013.
112
BRASIL DE FATO. Disponível em: <http://www.brasildefato.com.br/node/31184>.
Acesso em: 29 jun. 2015.
BRASIL. Constituição República Federativa do Brasil. Promulgada em 5 de
outubro de 1988, atualizada até a emenda constitucional nº 90. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>.
Acesso em: 21 set. 2015.
_____. Lei 9.503/97. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9503Compilado.htm>. Acesso em: 16
ago. 2015.
_____. Lei 10.257/2001. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10257.htm>. Acesso em 03
jul. 2015.
_____. Lei 12.527/2011 Disponível em:
<http://www.acessoainformacao.gov.br/assuntos/conheca-seu-direito/a-lei-de-
acesso-a-informacao/mapa-da-lai>. Acesso em: 13 set. 2015.
_____. Lei 12.587/2012. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12587.htm>.
Acesso em: 03 jul. 2015.
_____. Congresso Nacional. Câmara de Deputados. PEC 90/2011. Disponível
em: <http://www.senado.gov.br/atividade/materia/getPDF.asp?t=143047&tp=1>.
Acesso em: 27 fev .2015.
_____. Congresso Nacional. Câmara de Deputados. Municípios poderão ter
maior prazo para criar plano de mobilidade urbana. Disponível em:
<http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/CIDADES/479307-
MUNICIPIOS-PODERAO-TER-PRAZO-MAIOR-PARA-CRIAR-PLANO-DE-
MOBILIDADE-URBANA.htm>. Acesso em: 18 set. 2015.
113
_____. Congresso Nacional. Senado. Garantido na Constituição, transporte é
caminho para os demais direitos. Disponível em:
<http://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2015/09/22/garantido-na-
constituicao-transporte-e-caminho-para-os-demais-direitos>. Acesso em: 24 set.
2015.
_____. Ministério das Cidades. PlanMob – Caderno de referência para a
elaboração de Plano de Mobilidade urbana. Disponível em:
<http://www.cidades.gov.br/images/stories/ArquivosSE/planmob.pdf>. Acesso em:
28 set. 2015.
_____. Ministério das Cidades. The City Statute Of Brasil: A Commentary. São
Paulo: Ministério das Cidades: Aliança das Cidades, 2010.
CAMPOS, Franciele de. O paradigma da participação popular no planejamento
urbano. In: VASQUES, André Cardoso. Urbanismo, Planejamento Urbano e
Direito Urbanístico: caminhos legais para cidades sustentáveis. Uberaba: CNEC
Edigraf, 2014.
CARTA MUNDIAL PELO DIREITO À CIDADE. Disponível em:
<http://normativos.confea.org.br/downloads/anexo/1108-10.pdf>. Acesso em: 10
set. 2015.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Comentários ao estatuto da cidade. 5.
ed. São Paulo: Atlas, 2013.
CORRÊA, Darcísio. A construção da cidadania: reflexões histórico-políticas.
3.ed. Ijuí, (RS): UNIJUÍ, 2002
DEMO, Pedro. Participação é conquista: noções de política social participativa.
São Paulo: Cortez, 1999.
DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria geral dos direitos
fundamentais. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2014.
FARIA, José Eduardo. Direitos humanos direitos sociais e justiça. São Paulo:
Malheiros, 1998.
114
FERREIRA FILHO. Manoel Gonçalves. Princípios fundamentais de direito
constitucional: o estado da questão no início do século XXI, em face ao direito
comparado e, particularmente, do direito positivo brasileiro. 3. ed. São Paulo:
Saraiva, 2012.
FERRER, Gabriel Real. Calidad de vida, médio ambiente, sostenibilidad y
ciudadanía ¿ construimos juntos el futuro?. Novos Estudos Jurídicos, v. 17, n.
3, Dez. 2012. ISSN 2175-0491. Disponível em:
<http://siaiweb06.univali.br/seer/index.php/nej/article/view/4202>. Acesso em: 02
fev. 2014.
FREITAS, Juarez. Sustentabilidade: direito ao futuro. 2 ed. Belo Horizonte:
Fórum, 2012.
GARCIA, Helio Carlos. Geografia Global 2. 3.ed. São Paulo: Escala Educacional,
2013.
GOHN, Maria da Glória. Movimentos sociais no início do século XXI: antigos e
novos atores sociais. Rio de Janeiro: Vozes, 2003.
GRIMONE, Marcos Ângelo. O conceito jurídico de direito sustentável no
Brasil. Curitiba: Juruá, 2012.
GUIMARÃES, Geraldo Spagno. Comentários à Lei de Mobilidade Urbana – Lei
nº 12.587/2012: essencialidade, sustentabilidade, princípios e condicionantes do
direito à mobilidade. Belo Horizonte: Fórum, 2012.
HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Rio de
Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997.
_____. Direito e democracia: entre facticidade e validade, volume II. 2.ed.
Tradução Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003.
_____. A inclusão do Outro: estudos de teoria política. São Paulo: Loyola, 2002.
_____. Teoria do agir comunicativo, 2: sobre a crítica da razão funcionalista.
Tradução Flávio Beno Siebeneichler. São Paulo: Martins Fontes, 2012.
115
HAMEL, Marcio Renan. A política deliberativa em Habermas: uma perspectiva
para o desenvolvimento da democracia brasileira. Passo Fundo, (RS): Méritos,
2009.
HEIDEMANN, Francisco G. Do sonho do progresso às políticas de
desenvolvimento. In: HEIDEMANN, F.G; SALM, J.F. (org.). Políticas públicas e
desenvolvimento: Bases epistemológicas e modelos de análise. Brasília:
UDUNB, 2009.
HESSE, Konrad. A Força Normativa Da Constituição. Tradução Gilmar Ferreira
Mendes. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1991.
HOWLETT, Michel. Política pública: seus ciclos e subsistemas: uma abordagem
integradora. Rio de Janeiro: Elsevier, 2013.
KELL, Andreas J. Realização dos direitos fundamentais sociais mediante controle
judicial da prestação dos serviços públicos básicos (uma visão comparativa). In:
Revista de Informação Legislativa. n. 144. Brasília: 1999.
LEAL, Rogério Gesta. História da norma e seu evolver. In: CANOTILHO, J.J.
Gomes. MENDES, Gilmar Ferreira. SARLET, Ingo Wolfgang. STRECK, Lênio
Luiz. Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 1862-
1867.
_____. A cidade democrática de direito no Brasil: marcos regulatórios. Revista
Eletrônica de Direito do Estado. n. 15. Salvador: 2008. Disponível em:
<http://www.direitodoestado.com/revista/REDE-15-JULHO-2008-
ROGERIO%20GESTA%20LEAL.pdf>. Acesso em: 15 jul. 2015.
LEIVAS, Paulo Gilberto Cogo. Teoria dos direitos fundamentais sociais. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2006.
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito à informação ambiental e qualidade
do ar. São Paulo: Instituto de Energia e Meio Ambiente, 2009.
_____. Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2014.
116
MARICATO. Ermínia. Nunca fomos tão participativos. Debate aberto. 3ª.
Conferência Nacional das Cidades. Disponível em:
<nute.ufsc.br/moodle/biblioteca_virtual/admin/files/erminia_-
_nunca_fomos_t+uo_participativos.pdf>. Acesso em: 05 ago. 2015.
MEDEIROS, Fernanda Luiza Fontoura de; PETTERLE, Selma Rodrigues.
Biodiversidade: uso inclusivo e sustentável do ambiente. In: Revista Magister de
Direito Ambiental e Urbanístico. Porto Alegre: Magister, 2005, p. 5-35.
MOREIRÃO, Fábio Bonna. Ser Protagonista: geografia, 2º. ano: ensino médio.
2. ed. São Paulo: Edições SM, 2013.
NOVAIS. Jorge Reis. Direitos Sociais: teoria jurídica dos direitos sociais
enquanto direitos fundamentais. Coimbra: Coimbra, 2010.
_____. Direitos fundamentais e justiça constitucional em estado de direito
democrático. Coimbra: Coimbra, 2012.
O IMPARCIAL. ONU inclui segurança no trânsito na Agenda 2030. Disponível
em:
<www.oimparcial.com.br/_conteudo/2015/09/ultimas_noticias/brasil_e_mundo/181
106-onu-inclui-seguranca-no-transito-na-agenda-2030.html>. Acesso em: 03 out.
2015.
OLIVEIRA, Marcelo Andrade Cattoni. Direito, Política e Filosofia: Contribuições
para uma teoria discursiva da constituição democrática no marco do patriotismo
constitucional. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007.
ONU. Agenda 2030. Disponível em: <http://nacoesunidas.org/conheca-os-novos-
17-objetivos-de-desenvolvimento-sustentavel-da-onu/>. Acesso em: 03 out. 2015.
PEDRINI, Dalila Maria. ADAMS, Telmo. SILVA, Vini Rabassa da. Controle social e
fortalecimento da democracia participativa. In: PEDRINI, Dalila Maria. ADAMS,
Telmo. SILVA, Vini Rabassa da. Controle social de políticas públicas:
caminhos, descobertas e desafios. São Paulo: Paulus, 2007.
117
PELLENZ, Mayara. SANTOS, Daniela. A responsabilidade da pessoa humana
pela preservação ambiental e melhoria da vida: reflexões constitucionais. Revista
Eletrônica Direito e Política, Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em
Ciência Jurídica da UNIVALI, Itajaí, v.10, n.1, edição especial de 2015. Disponível
em: <www.univali.br/direitoepolitica - ISSN 1980-7791>. Acesso em: 05 ago.
2015. p. 296-315.
PIRES, Cecilia. Democracia contemporânea: quais impasses? In: AZAMBUJA,
Celso Candido; HELFER, Inácio (Orgs.). Política e liberdade no século XXI.
Nova Petrópolis: Nova Harmonia, 2011.
_____. O argumento filosófico sobre a democracia. In: TRINDADE, André Karam;
ESPINDOLA, Angela Araujo da Silveira; BOFF, Salete Oro. Direito, Democracia
e Sustentabilidade: Anuário do Programa de Pós-Graduação da Faculdade
Meridional. Passo Fundo, (RS): IMED, 2013.
PONT, Raul. Democracia representativa e democracia participativa. In: FISCHER,
Nilton Bueno; MOLL, Jaqueline. Por uma nova esfera pública: a experiência do
orçamento participativo. Petrópolis, (RJ): Vozes, 2000.
RESENDE, Cianni Lara. A interação democrática entre Estado e sociedade civil –
fortalecimento da democracia participativa. In: XIMENES, Julia Maurmann.
Federalismo e Democracia Participativa. Brasília: IDP, 2012.
ROLNIK, Raquel. O que é cidade. São Paulo: Brasiliense, 1995.
RUARO, Regina Linden. CURVELO, Alexandre Schubert. Contextualização do
tema: a participação como instrumento de eficácia na prestação dos serviços
públicos; considerações gerais. In: CANOTILHO, J.J. Gomes. MENDES, Gilmar
Ferreira. SARLET, Ingo Wolfgang. STRECK, Lênio Luiz. Comentários à
Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 890-894.
SACHS, Ignacy. Caminhos para o desenvolvimento sustentável. Rio de
Janeiro: Garamond, 2009.
118
SANTIN, Janaina Rigo; HAMEL, Marcio Renan. Relações sociais e sociedades
pós-convencionais: reconfiguração do espaço público e redimensão do poder
jurídico-político. Revista Justiça do Direito. Vol. 9, n. 9. Passo Fundo, (RS):
Universidade de Passo Fundo, 1996.
SANTOS, Milton. A urbanização brasileira. 2. ed. São Paulo: HUCITEC, 1994.
SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos
fundamentais na Constituição Federal de 1988. 5. ed. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2007.
_____. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos
fundamentais na perspectiva constitucional. 11. ed. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2012.
_____. MARINONI, Luiz Guilherme. MITIDIERO, Daniel. Curso de direito
constitucional. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014.
SAULE JÚNIOR, Nelson. O Direito à Cidade como paradigma da governança
urbana democrática. Disponível em:
<www.institutoapoiar.org.br/imagens/bibliotecas/O-Direito-a-cidade-como-
paradigma-da-governançaurbana-democratica.pdf>. Acesso em: 10 ago. 2015.
SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. Tradução Laura Teixeira
Motta. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
_____. As pessoas em primeiro lugar: a ética e desenvolvimento e os
problemas do mundo globalizado.Tradução Bernardo Ajzemberg, Carlos Eduardo
Lins da Silva. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.
SENE, Eustáquio de. Geografia geral e do Brasil: espaço geográfico e
globalização. Eustáquio de Sene, João Carlos Moreira. São Paulo: Scipione,
1998.
119
SERAFIM, Milena Pavan; DIAS, Rafael de Britto. Análises de políticas: uma
revisão da literatura. Revista do Centro Interdisciplinar de Desenvolvimento e
Gestão Social - CIAGS & Rede de Pesquisadores em Gestão Social – RGS,
vol.3, n. 1, jan/jun – 2012, p 121 a 134.
SERAFINI JUNIOR, Sérgio. A cidade ideal versus a real. Conhecimento Prático
– Geografia. n. 42. Escala Educacional, 2012. Disponível em:
<http://geografia.uol.com.br/geografia/mapas-demografia/42/a-cidade-ideal-
versus-a-real-em-2011-o-252457-1.asp>. Acesso em: 03 ago. 2015.
SILVA, Aarão Miranda da. A revolta dos 20 centavos e o poder no Brasil.
In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XVI, n. 115, ago 2013. Disponível em:
<http://www.ambito-
juridico.com.br/site/index.php/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=13549&re
vista_caderno=24>. Acesso em: 03 ago. 2015.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 37. ed. São
Paulo: Malheiros, 2014.
SILVA, Vini Rabassa. Controle social de políticas públicas. In: PEDRINI, Dalila
Maria. ADAMS, Telmo. SILVA, Vini Rabassa da. Controle social de políticas
públicas: caminhos, descobertas e desafios. São Paulo: Paulus, 2007.
SPOSITO, Maria Encarnação. Capitalismo e urbanização. São Paulo: Contexto,
1988.
SCHWARTZ, Germano André Doederlein. GLOECKNER, Ricardo Jacobsen.
Gestão Compartida sanitária no Brasil possibilidade de efetivação do direito à
saúde. In: SCHWARTZ, Germano (Org.). A saúde sob os cuidados do direito.
Passo Fundo, (RS): Universidade de Passo Fundo, 2003. p. 108-162.
STEINMETZ, Wilson Antonio. A vinculação dos particulares aos direitos
fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2004.
_____. Colisão de direitos fundamentais e princípio da proporcionalidade.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001.
120
TENÓRIO, Fernando G. Cidadania e desenvolvimento local. Ijuí, (RS): UNIJUÍ,
2007.
VASCONCELLOS, Eduardo Alcântara de. Políticas de Transporte no Brasil: a
construção da mobilidade excludente. Barueri, (SP: Manole, 2013.
VIEIRA, Liszt. Os argonautas da cidadania. Rio de Janeiro: Record, 2001.
_____. Cidadania e globalização. Rio de Janeiro: Record, 2002.
121
122
top related