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UNICAMPUniversidade Estadual de Campinas

Elaborado pela Assessoria de Imprensa da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Perio-dicidade semanal. Correspondência e sugestões Cidade Universitária “Zeferino Vaz”, CEP 13081-

970, Campinas-SP. Telefones (0xx19) 3788-5108, 3788-5109, 3788-5111. Fax (0xx19) 3788-5133. Homepage http://www.unicamp.br/imprensa. E-mail imprensa@unicamp.br. Coordenador de imprensa Eustáquio Gomes. Assessor Chefe Clayton Levy. Editor ÁlvaroKassab. Redatores Antonio Roberto Fava, Carmo Gallo Netto, Isabel Gardenal, Jeverson Barbieri, Luiz Sugimoto, Manuel Alves Filho, MariaAlice da Cruz, Nadir Peinado, Raquel do Carmo Santos, Roberto Costa e Ronei Thezolin. Fotografia Antoninho Perri, Neldo Cantanti.Edição de Arte Oséas de Magalhães. Diagramação Andre Luis Amarantes Pedro, Luis Paulo Silva. Ilustração Phélix. Arquivo AntonioScarpineti. Serviços Técnicos Dulcinéia B. de Souza,Edison Lara de Almeida e Hélio Costa Júnior. Impressão Prisma Printer Gráfica eEditora Ltda (19) Fone/Fax: 3229-7171. Publicidade JCPR Publicidade e Propaganda: (0xx19) 3295-7569. Assine o jornal on line:www.unicamp.br/assineju

Reitor Carlos Henrique de Brito Cruz.Vice-reitor José Tadeu Jorge.Pró-reitor de Desenvolvimento Universitário Paulo Eduardo Moreira Rodrigues da Silva.Pró-reitor de Extensão e Assuntos Comunitários Rubens Maciel Filho.Pró-reitor de Pesquisa Fernando Ferreira Costa.Pró-reitor de Pós-Graduação Daniel Hogan. Pró-reitor de Graduação José Luiz Boldrini.

Universidade Estadual de Campinas – 22 a 28 de novembro de 20042

ANDRÉ ARGOLLO

Idealizações e realizaçõesQuando eu tinha 18 anos, imagina-va-me escrevendo. O meu modo deenxergar e sentir reflete-se atualmen-te na minha atividade de pesquisa: ar-quitetura rural, patrimônio cultural, en-genharia de empreendimentos.

É bom respirar a arte, a cultura ea arquitetura desta maravilhosa ci-dade que tem muito a ver com a nos-sa Cidade Maravilhosa. Em Barcelona,a grande marca de cerveja é a Damm,fabricante da Estrella Damm, que a-presenta na TV uma propagandamuito bonita, com o vídeo o tempotodo dividido: metade a cores, me-tade em sépia, dando um ar de ima-gem dos primeiros tempos do cine-ma. As cenas, que se misturam emcada tomada, remetem ao final doséculo 19, sugerindo a existência debons apreciadores de cerveja; e, aomesmo tempo, ao século 21, com osbons apreciadores numa balada. Amúsica é contemporânea. Num cer-to momento o cara do século 19 seencontra com o do século 21, ambospegando uma cerveja no balcão, pa-ra voltar � cada um ao seu tempo eà sua festa. Eles se olham, e estranhamo encontro surreal, mas se reconhe-cem e brindam como bons apreciado-res de cerveja devem sempre fazer.

Hoje resolvi escrever até de ma-drugada (o que não é novidade).Então, tive de preparar algo de bompara comer, e nestes casos, nada me-lhor do que... Macarrão! E para a-companhar? Isso! Uma cervejinhagelada. Deparei-me com uma incon-gruência em relação ao que eu ima-ginava há 20 anos. O cenário era per-feito: eu, desenvolvendo um trabalhoao meu gosto, numa noite fria do ou-tono europeu, mas quando vou to-mar um gole de cerveja � pasmem!Era Damm � não a Estrella Damm e sima Xibeca! Isso mesmo! Xibeca! Comoposso querer desempenhar um papelimportante tomando Xibeca?!

Faz sentido ouvir Chico BuarqueMoro num apartamento (ou � piso)

na esquina da Carrer d�Aldana com aRonda Sant Pau, esta, uma rua movi-mentada que começa na AvingudaParal·lel e depois do Mercat Sant An-toni passa a se chamar Carrer Comted�Urgell, cruzando a Gran Via e se-guindo até a Plaça de Francesc Maciàna Avinguda Diagonal. Barcelona écortada por dois grandes eixos: aAvenida Diagonal e a Gran Via de lesCorts Catalanes, que se encontram naPlaça de les Glòries Catalanes.

Meu apartamento fica próximo à

Avinguda Paral·lel, que liga a PlaçaDrassanes à Plaça Espanya. A esqui-na onde moro fica numa pontinhado Eixample, um bairro planejado;mas ao atravessar a Ronda Sant Pau,estou no Raval, um bairro antigo dacidade. Seguindo a pé em linha reta,atravesso o Raval, hoje um reduto deimigrantes. O Raval é muito bonitocom seu casario antigo e ruas estrei-tas. O bairro possui muitos pontosde atração cultural: museus, edifíci-os históricos, entidades públicas,igrejas, bares, terminando em LasRamblas (que divide o Raval e o BarriGòtic). O Bairro Gótico também éantigo e cheio de atrativos culturais.

O Eixample, em catalão � ou En-sanche, em castelhano (�dilatación,extensión. Terreno dedicado a nuevasedificaciones en las afueras de una po-blación�, cf. Diccionario Manual Ilus-trado de la Lengua Española, Ed. Bi-bliograf) � resultou dos planos tra-çados por Ildefons Cerdà. O bairroé composto por uma trama de ruaslargas perpendiculares e paralelasao mar; blocos de edifícios implan-tados em quadras quadradas de es-quinas facetadas. Em 1860 começa-ram as obras de expansão urbana, ouextensión (enshanche, ou ainda: ei-xample) conforme o plano de Cerdà,amarrado por três grandes avenidas� a Diagonal, a Gran Via, e a Meridiana� que convergem para a Plaça de lesGlòries Catalanes compondo o cora-ção geográfico da cidade nova.

Mas voltando ao meu pequeno eaconchegante apartamento (ou � piso)na Carrer d�Aldana esquina com a Ron-da Sant Pau (esquina facetada, confor-me o plano de Cerdà), trabalho mui-tas vezes até tarde numa rede da salacom meu notebook no colo, ouvindomúsica brasileira. Adoniran Barbosa,Noel Rosa e, agora mesmo � ou aramateix, como dizem os catalães � ChicoBuarque de Hollanda.

Meu! (...) � como faz sentido ouviro Chico neste instante! Quero dizerque toca ouvir o Chico! Assim comoé bom iniciar uma conversa mencio-

nando Caetano e ser interrompido� �claro, Caetano Veloso�. Eles maisGilberto Gil compõe uma tríade fa-bulosa que minha geração cresceuouvindo.

Temos no Brasil grandes arquite-tos. Temos Oscar Niemayer. E temosuma arquitetura distinta. Nossa. Nãopodemos no entanto negar a imensaqualidade da arquitetura de outraslocalidades do globo, como por e-xemplo Barcelona, que respeita o tra-balho de seus grandes arquitetos � dopassado, de um passado recente, e dopresente; incentivando assim seusgrandes arquitetos do futuro.

Mas em termos de música não tempra ninguém! Desculpem-me a �pa-triotada�, já falei que meu texto seriamais emocional do que racional. Nu-ma outra crônica mencionei os gran-des nomes de Gaudí, Dalí, Miró e Pi-casso � Ótimo! E para mencionar 4nomes da nossa música? Chico, Cae-tano, Gil e quem? (...) Quem se habi-lita a propor tríades da nossa música?Tom Jobin, João Gilberto e Vinícius?Egberto Gismonti, Sivuca e NanáVasconcelos? Carlinhos Brown, Ma-risa Monte e Arnaldo Antunes ou Ar-mandinho, Dodô e Osmar? Raul Sei-xas e Paulo Coelho! Não. Não estoufalando de duplas. Prometo que nãofalarei de duplas... � Villa Lobos? Car-los Gomes?

Tanto futebol como músicaOuvir Chico Buarque estando lon-

ge do Brasil. É claro que o contexto éoutro, mas as letras de algumas can-ções remetem a tempos em que mui-tos brasileiros sentiam saudade doBrasil. Algo desse sentimento foi mui-to bem retratado pelo Chico. E já queestas crônicas que escrevo registramuma certa �trilha musical�... Vai meuirmão / pega esse avião / você tem razão/ de fugir assim desse frio mais besta / Omeu Rio de Janeiro... � de fato os tem-pos são outros! E, além disso, nuncaimaginei que fosse sentir tanto calorna Europa. Barcelona no verão asse-melha-se ao Rio de Janeiro em feverei-

Barcelona: cultura, arquitetura e futebol

ro (...) tem carnaval / eu tenho um fuscae um violão / sou Flamengo e tenho umanega chamada Tereza...

Devemos lembrar que o Forum dasCulturas foi aberto em grande esti-lo por Carlinhos Brown arrastandouma multidão pela avenida Passeigde Gràcia atrás do seu trio. Estão ven-do?! Tem carnaval.

Trio! Cabe fazer uma referência àstríades de que falávamos em pará-grafo anterior, pois Dodô e Osmar(depois Armandinho) foram os cri-adores do trio elétrico, uma das mui-tas invenções brasileiras que fazemsucesso mundo afora.

E já que falamos de Chico Buarque� que é Fluminense � e de Jorge Benque é Flamengo e tem uma nega chama-da Tereza, podemos falar algo maissobre futebol. Pois não é novidadepra ninguém que o Chico adora umapelada. Pelada com os amigos, umapartida de futebol sem muito com-promisso. Eu também gosto de umabela pelada, quem não gosta? Todobrasileiro gosta. Vai meu irmão / pegaesse avião... � Mas sou Timão!

E meu irmão, como eu, corinthiano.Roxo não: P&B. O coração corinthianoé preto e branco, mas no escudo doCorinthians há o vermelho que repre-senta o sangue que em fluxo intensopassa pelo coração que afinal é P&Bmas bomba o sangue do povão.

Pombo sem asaQuem, como eu, gosta de futebol,

sabe que a expressão �pombo semasa� refere-se à bola disparada porum violento e certeiro chute que, noscasos mais felizes, vai direto ao gole morre nas redes que chacoalhamesfuziantes para o delírio da galera.Nestes casos, a bola quase não seenxerga. Daí a expressão pombo semasa � de fato é possível imaginar arelação entre uma coisa e outra, ouseja, a velocidade que a bola adqui-re após um violento e certeiro chu-te, com um pombo em vôo rasante.

Será que não existe um predadornatural dos pombos? Outro dia vi um

André Argollo é engenheiro civil, mestre em engenharia agrícola, doutor em arquitetura e urbanismo e professor livre docente da Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urba-nismo da Unicamp. Assumiu uma cátedra junto ao Departamento de Urbanisme i Ordenaciò del Territori da Escola Tècnica Superior d’Arquitectura de Barcelona - Universitat Politècnicade Catalunya (ETSAB-UPC), onde ficará até dezembro, desenvolvendo trabalhos sobre “Arquitetura Rural”, pelo Programa Cátedras Unicamp & Universidades Espanholas.

�ca...� � defecando (como posso dizerde maneira mais respeitosa? Talvez:fazendo suas necessidades...) em ci-ma da cabeça do pobre do Comen-dador Frederich Soler (El Tiparra), ofundador do teatro catalão. Ele, im-passível, imóvel há anos como umaestátua, imortalizado que foi, olhavaresignado às pessoas que passavamindiferentes ao seu passado e insen-síveis ao seu destino. A imagem eraa de um homem culto que paradoxal-mente só tinha �m...� na cabeça! Euquase o podia ouvir pedindo-me pa-ra espantar os pombos que faziam desua cabeça o seu sanitário � esta aveque entope as praças!

O Comendador Frederich Soler eos pombos que o utilizam como po-leiro ficam de fronte ao Teatre Princi-pal porém na calçada oposta, tendoa Rambla de Santa Mònica (uma das 5que compõem Las Ramblas) entre eles.De lá podem ver o suntuoso prédioque outrora deve ter sido palco depeças memoráveis, mas que hoje seencontra abandonado e abriga umclube de bilhar. Projetado pelo arqui-teto Francesc Molina (1812-1867), foiinaugurado em 1847. Merece regis-tro, como muitos outros em Barcelo-na. Deverá ser restaurado.

Voltando aos pombos, noutro diaem plena Plaça Catalunya um deles,em vôo rasante, veio em minha dire-ção! O filho da pomba desviou em cima,meio que tirando sarro do susto quelevei. Passou perto. Neste instantecompreendi em sua plenitude a me-táfora pombo sem asa usada por mui-tos radialistas esportivos para descre-ver um chute forte em direção ao gol.

De fato acho que estou sendo meiochato em relação aos pombos. Afi-nal, as crianças e a maioria das pes-soas de bem parecem apreciar essasverdadeiras pestes espalhadas pelascidades do mundo todo. Mas se ascrianças gostam, então, ponto posi-tivo para os pombos. As crianças emsua inocência sempre me fazem pen-sar e, quase sempre, reformular meupensamento.

Recolho-me, pois, à minha insigni-ficante posição de observador incon-formado com a sujeira que esses ani-mais fazem, emporcalhando as cida-des, principalmente os monumentospúblicos.

Quem?! Os pichadores? Não. Refi-ro-me aos pombos, outros animais i-gualmente irracionais. Taí! Essa é boa.Os pombos são como os pichadores aemporcalharem as cidades, principal-mente os monumentos públicos.

Digam-me: como vai o Carlos Go-mes?

Pombos nomonumentoao ComendadorSoler, fundadordo teatrocatalão:pragaurbana

À direita,vista do

TeatrePrincipal,

LasRamblas,

Barcelona

Fotos: André Argollo

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