barcelona: cultura, arquitetura e futebol · edição de arte oséas de magalhães. diagramação...

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UNICAMP Universidade Estadual de Campinas Elaborado pela Assessoria de Imprensa da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Perio- dicidade semanal. Correspondência e sugestões Cidade Universitária “Zeferino Vaz”, CEP 13081- 970, Campinas-SP. Telefones (0xx19) 3788-5108, 3788-5109, 3788-5111. Fax (0xx19) 3788-5133. Homepage http://www.unicamp.br/ imprensa. E-mail [email protected]. Coordenador de imprensa Eustáquio Gomes. Assessor Chefe Clayton Levy. Editor Álvaro Kassab. Redatores Antonio Roberto Fava, Carmo Gallo Netto, Isabel Gardenal, Jeverson Barbieri, Luiz Sugimoto, Manuel Alves Filho, Maria Alice da Cruz, Nadir Peinado, Raquel do Carmo Santos, Roberto Costa e Ronei Thezolin. Fotografia Antoninho Perri, Neldo Cantanti. Edição de Arte Oséas de Magalhães. Diagramação Andre Luis Amarantes Pedro, Luis Paulo Silva. Ilustração Phélix. Arquivo Antonio Scarpineti. Serviços Técnicos Dulcinéia B. de Souza,Edison Lara de Almeida e Hélio Costa Júnior. Impressão Prisma Printer Gráfica e Editora Ltda (19) Fone/Fax: 3229-7171. Publicidade JCPR Publicidade e Propaganda: (0xx19) 3295-7569. Assine o jornal on line: www.unicamp.br/assineju Reitor Carlos Henrique de Brito Cruz. Vice-reitor José Tadeu Jorge. Pró-reitor de Desenvolvimento Universitário Paulo Eduardo Moreira Rodrigues da Silva. Pró-reitor de Extensão e Assuntos Comunitários Rubens Maciel Filho. Pró-reitor de Pesquisa Fernando Ferreira Costa. Pró-reitor de Pós-Graduação Daniel Hogan. Pró-reitor de Graduação José Luiz Boldrini. Universidade Estadual de Campinas – 22 a 28 de novembro de 2004 2 ANDRÉ ARGOLLO Idealizaçıes e realizaçıes Quando eu tinha 18 anos, imagina- va-me escrevendo. O meu modo de enxergar e sentir reflete-se atualmen- te na minha atividade de pesquisa: ar- quitetura rural, patrimônio cultural, en- genharia de empreendimentos. É bom respirar a arte, a cultura e a arquitetura desta maravilhosa ci- dade que tem muito a ver com a nos- sa Cidade Maravilhosa. Em Barcelona, a grande marca de cerveja Ø a Damm, fabricante da Estrella Damm, que a- presenta na TV uma propaganda muito bonita, com o vídeo o tempo todo dividido: metade a cores, me- tade em sØpia, dando um ar de ima- gem dos primeiros tempos do cine- ma. As cenas, que se misturam em cada tomada, remetem ao final do sØculo 19, sugerindo a existŒncia de bons apreciadores de cerveja; e, ao mesmo tempo, ao sØculo 21, com os bons apreciadores numa balada. A mœsica Ø contemporânea. Num cer- to momento o cara do sØculo 19 se encontra com o do sØculo 21, ambos pegando uma cerveja no balcªo, pa- ra voltar cada um ao seu tempo e à sua festa. Eles se olham, e estranham o encontro surreal, mas se reconhe- cem e brindam como bons apreciado- res de cerveja devem sempre fazer. Hoje resolvi escrever atØ de ma- drugada (o que nªo Ø novidade). Entªo, tive de preparar algo de bom para comer, e nestes casos, nada me- lhor do que... Macarrªo! E para a- companhar? Isso! Uma cervejinha gelada. Deparei-me com uma incon- gruŒncia em relaçªo ao que eu ima- ginava hÆ 20 anos. O cenÆrio era per- feito: eu, desenvolvendo um trabalho ao meu gosto, numa noite fria do ou- tono europeu, mas quando vou to- mar um gole de cerveja pasmem! Era Damm nªo a Estrella Damm e sim a Xibeca! Isso mesmo! Xibeca! Como posso querer desempenhar um papel importante tomando Xibeca?! Faz sentido ouvir Chico Buarque Moro num apartamento (ou piso) na esquina da Carrer dAldana com a Ronda Sant Pau, esta, uma rua movi- mentada que começa na Avinguda Paral•lel e depois do Mercat Sant An- toni passa a se chamar Carrer Comte dUrgell, cruzando a Gran Via e se- guindo atØ a Plaça de Francesc Macià na Avinguda Diagonal. Barcelona Ø cortada por dois grandes eixos: a Avenida Diagonal e a Gran Via de les Corts Catalanes, que se encontram na Plaça de les Glòries Catalanes. Meu apartamento fica próximo à Avinguda Paral•lel, que liga a Plaça Drassanes à Plaça Espanya. A esqui- na onde moro fica numa pontinha do Eixample, um bairro planejado; mas ao atravessar a Ronda Sant Pau, estou no Raval, um bairro antigo da cidade. Seguindo a pØ em linha reta, atravesso o Raval, hoje um reduto de imigrantes. O Raval Ø muito bonito com seu casario antigo e ruas estrei- tas. O bairro possui muitos pontos de atraçªo cultural: museus, edifíci- os históricos, entidades pœblicas, igrejas, bares, terminando em Las Ramblas (que divide o Raval e o Barri Gòtic). O Bairro Gótico tambØm Ø antigo e cheio de atrativos culturais. O Eixample, em catalªo ou En- sanche, em castelhano (dilatación, extensión. Terreno dedicado a nuevas edificaciones en las afueras de una po- blación, cf. Diccionario Manual Ilus- trado de la Lengua Espaæola, Ed. Bi- bliograf) resultou dos planos tra- çados por Ildefons Cerdà. O bairro Ø composto por uma trama de ruas largas perpendiculares e paralelas ao mar; blocos de edifícios implan- tados em quadras quadradas de es- quinas facetadas. Em 1860 começa- ram as obras de expansªo urbana, ou extensión (enshanche, ou ainda: ei- xample) conforme o plano de Cerdà, amarrado por trŒs grandes avenidas a Diagonal, a Gran Via, e a Meridiana que convergem para a Plaça de les Glòries Catalanes compondo o cora- çªo geogrÆfico da cidade nova. Mas voltando ao meu pequeno e aconchegante apartamento (ou piso) na Carrer dAldana esquina com a Ron- da Sant Pau (esquina facetada, confor- me o plano de Cerdà), trabalho mui- tas vezes atØ tarde numa rede da sala com meu notebook no colo, ouvindo mœsica brasileira. Adoniran Barbosa, Noel Rosa e, agora mesmo ou ara mateix, como dizem os catalªes Chico Buarque de Hollanda. Meu! (...) como faz sentido ouvir o Chico neste instante! Quero dizer que toca ouvir o Chico! Assim como Ø bom iniciar uma conversa mencio- nando Caetano e ser interrompido claro, Caetano Veloso. Eles mais Gilberto Gil compıe uma tríade fa- bulosa que minha geraçªo cresceu ouvindo. Temos no Brasil grandes arquite- tos. Temos Oscar Niemayer. E temos uma arquitetura distinta. Nossa. Nªo podemos no entanto negar a imensa qualidade da arquitetura de outras localidades do globo, como por e- xemplo Barcelona, que respeita o tra- balho de seus grandes arquitetos do passado, de um passado recente, e do presente; incentivando assim seus grandes arquitetos do futuro. Mas em termos de mœsica nªo tem pra ninguØm! Desculpem-me a pa- triotada, jÆ falei que meu texto seria mais emocional do que racional. Nu- ma outra crônica mencionei os gran- des nomes de Gaudí, Dalí, Miró e Pi- casso Ótimo! E para mencionar 4 nomes da nossa mœsica? Chico, Cae- tano, Gil e quem? (...) Quem se habi- lita a propor tríades da nossa mœsica? Tom Jobin, Joªo Gilberto e Vinícius? Egberto Gismonti, Sivuca e NanÆ Vasconcelos? Carlinhos Brown, Ma- risa Monte e Arnaldo Antunes ou Ar- mandinho, Dodô e Osmar? Raul Sei- xas e Paulo Coelho! Nªo. Nªo estou falando de duplas. Prometo que nªo falarei de duplas... Villa Lobos? Car- los Gomes? Tanto futebol como mœsica Ouvir Chico Buarque estando lon- ge do Brasil. É claro que o contexto Ø outro, mas as letras de algumas can- çıes remetem a tempos em que mui- tos brasileiros sentiam saudade do Brasil. Algo desse sentimento foi mui- to bem retratado pelo Chico. E jÆ que estas crônicas que escrevo registram uma certa trilha musical... Vai meu irmªo / pega esse aviªo / vocŒ tem razªo / de fugir assim desse frio mais besta / O meu Rio de Janeiro... de fato os tem- pos sªo outros! E, alØm disso, nunca imaginei que fosse sentir tanto calor na Europa. Barcelona no verªo asse- melha-se ao Rio de Janeiro em feverei- Barcelona: cultura, arquitetura e futebol ro (...) tem carnaval / eu tenho um fusca e um violªo / sou Flamengo e tenho uma nega chamada Tereza... Devemos lembrar que o Forum das Culturas foi aberto em grande esti- lo por Carlinhos Brown arrastando uma multidªo pela avenida Passeig de Gràcia atrÆs do seu trio. Estªo ven- do?! Tem carnaval. Trio! Cabe fazer uma referŒncia às tríades de que falÆvamos em parÆ- grafo anterior, pois Dodô e Osmar (depois Armandinho) foram os cri- adores do trio elØtrico, uma das mui- tas invençıes brasileiras que fazem sucesso mundo afora. E jÆ que falamos de Chico Buarque que Ø Fluminense e de Jorge Ben que Ø Flamengo e tem uma nega chama- da Tereza, podemos falar algo mais sobre futebol. Pois nªo Ø novidade pra ninguØm que o Chico adora uma pelada. Pelada com os amigos, uma partida de futebol sem muito com- promisso. Eu tambØm gosto de uma bela pelada, quem nªo gosta? Todo brasileiro gosta. Vai meu irmªo / pega esse aviªo... Mas sou Timªo! E meu irmªo, como eu, corinthiano. Roxo nªo: P&B. O coraçªo corinthiano Ø preto e branco, mas no escudo do Corinthians hÆ o vermelho que repre- senta o sangue que em fluxo intenso passa pelo coraçªo que afinal Ø P&B mas bomba o sangue do povªo. Pombo sem asa Quem, como eu, gosta de futebol, sabe que a expressªo pombo sem asa refere-se à bola disparada por um violento e certeiro chute que, nos casos mais felizes, vai direto ao gol e morre nas redes que chacoalham esfuziantes para o delírio da galera. Nestes casos, a bola quase nªo se enxerga. Daí a expressªo pombo sem asa de fato Ø possível imaginar a relaçªo entre uma coisa e outra, ou seja, a velocidade que a bola adqui- re após um violento e certeiro chu- te, com um pombo em vôo rasante. SerÆ que nªo existe um predador natural dos pombos? Outro dia vi um AndrØ Argollo é engenheiro civil, mestre em engenharia agrícola, doutor em arquitetura e urbanismo e professor livre docente da Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urba- nismo da Unicamp. Assumiu uma cátedra junto ao Departamento de Urbanisme i Ordenaciò del Territori da Escola Tècnica Superior d’Arquitectura de Barcelona - Universitat Politècnica de Catalunya (ETSAB-UPC), onde ficará até dezembro, desenvolvendo trabalhos sobre “Arquitetura Rural”, pelo Programa Cátedras Unicamp & Universidades Espanholas. ca... defecando (como posso dizer de maneira mais respeitosa? Talvez: fazendo suas necessidades...) em ci- ma da cabeça do pobre do Comen- dador Frederich Soler (El Tiparra), o fundador do teatro catalªo. Ele, im- passível, imóvel hÆ anos como uma estÆtua, imortalizado que foi, olhava resignado às pessoas que passavam indiferentes ao seu passado e insen- síveis ao seu destino. A imagem era a de um homem culto que paradoxal- mente só tinha m... na cabeça! Eu quase o podia ouvir pedindo-me pa- ra espantar os pombos que faziam de sua cabeça o seu sanitÆrio esta ave que entope as praças! O Comendador Frederich Soler e os pombos que o utilizam como po- leiro ficam de fronte ao Teatre Princi- pal porØm na calçada oposta, tendo a Rambla de Santa Mònica (uma das 5 que compıem Las Ramblas) entre eles. De lÆ podem ver o suntuoso prØdio que outrora deve ter sido palco de peças memorÆveis, mas que hoje se encontra abandonado e abriga um clube de bilhar. Projetado pelo arqui- teto Francesc Molina (1812-1867), foi inaugurado em 1847. Merece regis- tro, como muitos outros em Barcelo- na. DeverÆ ser restaurado. Voltando aos pombos, noutro dia em plena Plaça Catalunya um deles, em vôo rasante, veio em minha dire- çªo! O filho da pomba desviou em cima, meio que tirando sarro do susto que levei. Passou perto. Neste instante compreendi em sua plenitude a me- tÆfora pombo sem asa usada por mui- tos radialistas esportivos para descre- ver um chute forte em direçªo ao gol. De fato acho que estou sendo meio chato em relaçªo aos pombos. Afi- nal, as crianças e a maioria das pes- soas de bem parecem apreciar essas verdadeiras pestes espalhadas pelas cidades do mundo todo. Mas se as crianças gostam, entªo, ponto posi- tivo para os pombos. As crianças em sua inocŒncia sempre me fazem pen- sar e, quase sempre, reformular meu pensamento. Recolho-me, pois, à minha insigni- ficante posiçªo de observador incon- formado com a sujeira que esses ani- mais fazem, emporcalhando as cida- des, principalmente os monumentos pœblicos. Quem?! Os pichadores? Nªo. Refi- ro-me aos pombos, outros animais i- gualmente irracionais. Taí! Essa Ø boa. Os pombos sªo como os pichadores a emporcalharem as cidades, principal- mente os monumentos pœblicos. Digam-me: como vai o Carlos Go- mes? Pombos no monumento ao Comendador Soler, fundador do teatro catalão: praga urbana À direita, vista do Teatre Principal, Las Ramblas, Barcelona Fotos: André Argollo pag02.pmd 08/08/04, 08:01 1

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UNICAMPUniversidade Estadual de Campinas

Elaborado pela Assessoria de Imprensa da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Perio-dicidade semanal. Correspondência e sugestões Cidade Universitária “Zeferino Vaz”, CEP 13081-

970, Campinas-SP. Telefones (0xx19) 3788-5108, 3788-5109, 3788-5111. Fax (0xx19) 3788-5133. Homepage http://www.unicamp.br/imprensa. E-mail [email protected]. Coordenador de imprensa Eustáquio Gomes. Assessor Chefe Clayton Levy. Editor ÁlvaroKassab. Redatores Antonio Roberto Fava, Carmo Gallo Netto, Isabel Gardenal, Jeverson Barbieri, Luiz Sugimoto, Manuel Alves Filho, MariaAlice da Cruz, Nadir Peinado, Raquel do Carmo Santos, Roberto Costa e Ronei Thezolin. Fotografia Antoninho Perri, Neldo Cantanti.Edição de Arte Oséas de Magalhães. Diagramação Andre Luis Amarantes Pedro, Luis Paulo Silva. Ilustração Phélix. Arquivo AntonioScarpineti. Serviços Técnicos Dulcinéia B. de Souza,Edison Lara de Almeida e Hélio Costa Júnior. Impressão Prisma Printer Gráfica eEditora Ltda (19) Fone/Fax: 3229-7171. Publicidade JCPR Publicidade e Propaganda: (0xx19) 3295-7569. Assine o jornal on line:www.unicamp.br/assineju

Reitor Carlos Henrique de Brito Cruz.Vice-reitor José Tadeu Jorge.Pró-reitor de Desenvolvimento Universitário Paulo Eduardo Moreira Rodrigues da Silva.Pró-reitor de Extensão e Assuntos Comunitários Rubens Maciel Filho.Pró-reitor de Pesquisa Fernando Ferreira Costa.Pró-reitor de Pós-Graduação Daniel Hogan. Pró-reitor de Graduação José Luiz Boldrini.

Universidade Estadual de Campinas – 22 a 28 de novembro de 20042

ANDRÉ ARGOLLO

Idealizações e realizaçõesQuando eu tinha 18 anos, imagina-va-me escrevendo. O meu modo deenxergar e sentir reflete-se atualmen-te na minha atividade de pesquisa: ar-quitetura rural, patrimônio cultural, en-genharia de empreendimentos.

É bom respirar a arte, a cultura ea arquitetura desta maravilhosa ci-dade que tem muito a ver com a nos-sa Cidade Maravilhosa. Em Barcelona,a grande marca de cerveja é a Damm,fabricante da Estrella Damm, que a-presenta na TV uma propagandamuito bonita, com o vídeo o tempotodo dividido: metade a cores, me-tade em sépia, dando um ar de ima-gem dos primeiros tempos do cine-ma. As cenas, que se misturam emcada tomada, remetem ao final doséculo 19, sugerindo a existência debons apreciadores de cerveja; e, aomesmo tempo, ao século 21, com osbons apreciadores numa balada. Amúsica é contemporânea. Num cer-to momento o cara do século 19 seencontra com o do século 21, ambospegando uma cerveja no balcão, pa-ra voltar � cada um ao seu tempo eà sua festa. Eles se olham, e estranhamo encontro surreal, mas se reconhe-cem e brindam como bons apreciado-res de cerveja devem sempre fazer.

Hoje resolvi escrever até de ma-drugada (o que não é novidade).Então, tive de preparar algo de bompara comer, e nestes casos, nada me-lhor do que... Macarrão! E para a-companhar? Isso! Uma cervejinhagelada. Deparei-me com uma incon-gruência em relação ao que eu ima-ginava há 20 anos. O cenário era per-feito: eu, desenvolvendo um trabalhoao meu gosto, numa noite fria do ou-tono europeu, mas quando vou to-mar um gole de cerveja � pasmem!Era Damm � não a Estrella Damm e sima Xibeca! Isso mesmo! Xibeca! Comoposso querer desempenhar um papelimportante tomando Xibeca?!

Faz sentido ouvir Chico BuarqueMoro num apartamento (ou � piso)

na esquina da Carrer d�Aldana com aRonda Sant Pau, esta, uma rua movi-mentada que começa na AvingudaParal·lel e depois do Mercat Sant An-toni passa a se chamar Carrer Comted�Urgell, cruzando a Gran Via e se-guindo até a Plaça de Francesc Maciàna Avinguda Diagonal. Barcelona écortada por dois grandes eixos: aAvenida Diagonal e a Gran Via de lesCorts Catalanes, que se encontram naPlaça de les Glòries Catalanes.

Meu apartamento fica próximo à

Avinguda Paral·lel, que liga a PlaçaDrassanes à Plaça Espanya. A esqui-na onde moro fica numa pontinhado Eixample, um bairro planejado;mas ao atravessar a Ronda Sant Pau,estou no Raval, um bairro antigo dacidade. Seguindo a pé em linha reta,atravesso o Raval, hoje um reduto deimigrantes. O Raval é muito bonitocom seu casario antigo e ruas estrei-tas. O bairro possui muitos pontosde atração cultural: museus, edifíci-os históricos, entidades públicas,igrejas, bares, terminando em LasRamblas (que divide o Raval e o BarriGòtic). O Bairro Gótico também éantigo e cheio de atrativos culturais.

O Eixample, em catalão � ou En-sanche, em castelhano (�dilatación,extensión. Terreno dedicado a nuevasedificaciones en las afueras de una po-blación�, cf. Diccionario Manual Ilus-trado de la Lengua Española, Ed. Bi-bliograf) � resultou dos planos tra-çados por Ildefons Cerdà. O bairroé composto por uma trama de ruaslargas perpendiculares e paralelasao mar; blocos de edifícios implan-tados em quadras quadradas de es-quinas facetadas. Em 1860 começa-ram as obras de expansão urbana, ouextensión (enshanche, ou ainda: ei-xample) conforme o plano de Cerdà,amarrado por três grandes avenidas� a Diagonal, a Gran Via, e a Meridiana� que convergem para a Plaça de lesGlòries Catalanes compondo o cora-ção geográfico da cidade nova.

Mas voltando ao meu pequeno eaconchegante apartamento (ou � piso)na Carrer d�Aldana esquina com a Ron-da Sant Pau (esquina facetada, confor-me o plano de Cerdà), trabalho mui-tas vezes até tarde numa rede da salacom meu notebook no colo, ouvindomúsica brasileira. Adoniran Barbosa,Noel Rosa e, agora mesmo � ou aramateix, como dizem os catalães � ChicoBuarque de Hollanda.

Meu! (...) � como faz sentido ouviro Chico neste instante! Quero dizerque toca ouvir o Chico! Assim comoé bom iniciar uma conversa mencio-

nando Caetano e ser interrompido� �claro, Caetano Veloso�. Eles maisGilberto Gil compõe uma tríade fa-bulosa que minha geração cresceuouvindo.

Temos no Brasil grandes arquite-tos. Temos Oscar Niemayer. E temosuma arquitetura distinta. Nossa. Nãopodemos no entanto negar a imensaqualidade da arquitetura de outraslocalidades do globo, como por e-xemplo Barcelona, que respeita o tra-balho de seus grandes arquitetos � dopassado, de um passado recente, e dopresente; incentivando assim seusgrandes arquitetos do futuro.

Mas em termos de música não tempra ninguém! Desculpem-me a �pa-triotada�, já falei que meu texto seriamais emocional do que racional. Nu-ma outra crônica mencionei os gran-des nomes de Gaudí, Dalí, Miró e Pi-casso � Ótimo! E para mencionar 4nomes da nossa música? Chico, Cae-tano, Gil e quem? (...) Quem se habi-lita a propor tríades da nossa música?Tom Jobin, João Gilberto e Vinícius?Egberto Gismonti, Sivuca e NanáVasconcelos? Carlinhos Brown, Ma-risa Monte e Arnaldo Antunes ou Ar-mandinho, Dodô e Osmar? Raul Sei-xas e Paulo Coelho! Não. Não estoufalando de duplas. Prometo que nãofalarei de duplas... � Villa Lobos? Car-los Gomes?

Tanto futebol como músicaOuvir Chico Buarque estando lon-

ge do Brasil. É claro que o contexto éoutro, mas as letras de algumas can-ções remetem a tempos em que mui-tos brasileiros sentiam saudade doBrasil. Algo desse sentimento foi mui-to bem retratado pelo Chico. E já queestas crônicas que escrevo registramuma certa �trilha musical�... Vai meuirmão / pega esse avião / você tem razão/ de fugir assim desse frio mais besta / Omeu Rio de Janeiro... � de fato os tem-pos são outros! E, além disso, nuncaimaginei que fosse sentir tanto calorna Europa. Barcelona no verão asse-melha-se ao Rio de Janeiro em feverei-

Barcelona: cultura, arquitetura e futebol

ro (...) tem carnaval / eu tenho um fuscae um violão / sou Flamengo e tenho umanega chamada Tereza...

Devemos lembrar que o Forum dasCulturas foi aberto em grande esti-lo por Carlinhos Brown arrastandouma multidão pela avenida Passeigde Gràcia atrás do seu trio. Estão ven-do?! Tem carnaval.

Trio! Cabe fazer uma referência àstríades de que falávamos em pará-grafo anterior, pois Dodô e Osmar(depois Armandinho) foram os cri-adores do trio elétrico, uma das mui-tas invenções brasileiras que fazemsucesso mundo afora.

E já que falamos de Chico Buarque� que é Fluminense � e de Jorge Benque é Flamengo e tem uma nega chama-da Tereza, podemos falar algo maissobre futebol. Pois não é novidadepra ninguém que o Chico adora umapelada. Pelada com os amigos, umapartida de futebol sem muito com-promisso. Eu também gosto de umabela pelada, quem não gosta? Todobrasileiro gosta. Vai meu irmão / pegaesse avião... � Mas sou Timão!

E meu irmão, como eu, corinthiano.Roxo não: P&B. O coração corinthianoé preto e branco, mas no escudo doCorinthians há o vermelho que repre-senta o sangue que em fluxo intensopassa pelo coração que afinal é P&Bmas bomba o sangue do povão.

Pombo sem asaQuem, como eu, gosta de futebol,

sabe que a expressão �pombo semasa� refere-se à bola disparada porum violento e certeiro chute que, noscasos mais felizes, vai direto ao gole morre nas redes que chacoalhamesfuziantes para o delírio da galera.Nestes casos, a bola quase não seenxerga. Daí a expressão pombo semasa � de fato é possível imaginar arelação entre uma coisa e outra, ouseja, a velocidade que a bola adqui-re após um violento e certeiro chu-te, com um pombo em vôo rasante.

Será que não existe um predadornatural dos pombos? Outro dia vi um

André Argollo é engenheiro civil, mestre em engenharia agrícola, doutor em arquitetura e urbanismo e professor livre docente da Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urba-nismo da Unicamp. Assumiu uma cátedra junto ao Departamento de Urbanisme i Ordenaciò del Territori da Escola Tècnica Superior d’Arquitectura de Barcelona - Universitat Politècnicade Catalunya (ETSAB-UPC), onde ficará até dezembro, desenvolvendo trabalhos sobre “Arquitetura Rural”, pelo Programa Cátedras Unicamp & Universidades Espanholas.

�ca...� � defecando (como posso dizerde maneira mais respeitosa? Talvez:fazendo suas necessidades...) em ci-ma da cabeça do pobre do Comen-dador Frederich Soler (El Tiparra), ofundador do teatro catalão. Ele, im-passível, imóvel há anos como umaestátua, imortalizado que foi, olhavaresignado às pessoas que passavamindiferentes ao seu passado e insen-síveis ao seu destino. A imagem eraa de um homem culto que paradoxal-mente só tinha �m...� na cabeça! Euquase o podia ouvir pedindo-me pa-ra espantar os pombos que faziam desua cabeça o seu sanitário � esta aveque entope as praças!

O Comendador Frederich Soler eos pombos que o utilizam como po-leiro ficam de fronte ao Teatre Princi-pal porém na calçada oposta, tendoa Rambla de Santa Mònica (uma das 5que compõem Las Ramblas) entre eles.De lá podem ver o suntuoso prédioque outrora deve ter sido palco depeças memoráveis, mas que hoje seencontra abandonado e abriga umclube de bilhar. Projetado pelo arqui-teto Francesc Molina (1812-1867), foiinaugurado em 1847. Merece regis-tro, como muitos outros em Barcelo-na. Deverá ser restaurado.

Voltando aos pombos, noutro diaem plena Plaça Catalunya um deles,em vôo rasante, veio em minha dire-ção! O filho da pomba desviou em cima,meio que tirando sarro do susto quelevei. Passou perto. Neste instantecompreendi em sua plenitude a me-táfora pombo sem asa usada por mui-tos radialistas esportivos para descre-ver um chute forte em direção ao gol.

De fato acho que estou sendo meiochato em relação aos pombos. Afi-nal, as crianças e a maioria das pes-soas de bem parecem apreciar essasverdadeiras pestes espalhadas pelascidades do mundo todo. Mas se ascrianças gostam, então, ponto posi-tivo para os pombos. As crianças emsua inocência sempre me fazem pen-sar e, quase sempre, reformular meupensamento.

Recolho-me, pois, à minha insigni-ficante posição de observador incon-formado com a sujeira que esses ani-mais fazem, emporcalhando as cida-des, principalmente os monumentospúblicos.

Quem?! Os pichadores? Não. Refi-ro-me aos pombos, outros animais i-gualmente irracionais. Taí! Essa é boa.Os pombos são como os pichadores aemporcalharem as cidades, principal-mente os monumentos públicos.

Digam-me: como vai o Carlos Go-mes?

Pombos nomonumentoao ComendadorSoler, fundadordo teatrocatalão:pragaurbana

À direita,vista do

TeatrePrincipal,

LasRamblas,

Barcelona

Fotos: André Argollo

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