artigo: critica de jonh locke ao inatismo
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CRÍTICA AO INATISMO DE JONH LOCKE: POR QUE A MENTE HUMANA É INCAPAZ DE POSSUIR PRINCÍPIOS INATOS
Faustino dos Santos*
RESUMOEsse artigo tem a finalidade de discorrer a cerca do pensamento humano, mais precisamente sobre a sua capacidade de entender. Detêm-se, portanto, a partir do pensamento de John Locke, na crítica ao inatismo, ou seja, discordando da linha racionalista que prega que a mente humana nasce dotada de princípios e ideias inatas. John Locke comparando a mente como uma tábula rasa apresenta argumentos contrários e prováveis que a mente não possui qualquer conhecimento desde o seu nascimento.
Palavras-chave: Entendimento. Mente Humana. Inatismo. John Locke. Empirismo.
1 O ENTENDIMENTO HUMANO
John Locke, considerado um dos precursores do empirismo inglês se
interessa sobre como se dá o processo de produção do conhecimento humano,
elabora, portanto um estudo sobre o entendimento humano. Ressalta desde o inicio
de sua obra que é essa capacidade de conhecer que permite ao homem grande
vantagem sobre os outros seres e é por isso que tamanha capacidade merece
trabalho de investigação. Mas diante mão, ele estabelece alguns possíveis
empecilhos para tal feito investigador, diz que, assim como o olho, que embora
possa ver todas as coisas, ele não consegue ver-se a si mesmo. O entendimento
humano não se vê a si, para tornar-se seu próprio objeto o entendimento precisa
distanciar-se, e mesmo que não consiga muita coisa nessa investigação mesmo o
pouco adquirido será bem vindo.
* Redator em ciência e tecnologia formado pelo departamento de extensão da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), graduando trancado do curso de Turismo da UFAL e graduando em Licenciatura Plena em Filosofia pelo Instituto Salesiano de Filosofia (INSAF).Email: faustinosantos17@yahoo.com.br
É nesse desenrolar que John Locke começa seu ensaio a cerca do
entendimento humano, e sua intenção com isso é “considerar as faculdades
discernentes do homem, e como elas são empregas sobre os objetos que lhe dizem
respeito”, e isso é tão claro para ele que talvez como justificativa ele afirma:
Sendo meu propósito investigar a origem, certeza e extensão do conhecimento humano, juntamente com as bases e graus de crença, opinião e assentimento, não me ocuparei agora com o exame físico da mente; nem me inquietarei em examinar no que consiste sua essência; nem por quais movimentos de nossos espíritos, ou alterações de nossos corpos, chegamos a ter alguma sensação mediante nossos órgãos, ou quaisquer ideias em nossos entendimentos; e se, em sua formação, algumas daquelas ideias, ou todas dependem ou não da matéria. Embora tais especulações sejam curiosas e divertidas, rejeitá-las-ei por estarem fora do caminho no qual estou agora empenhado. (LOCKE, 1999 p. 29)
Locke considera importante desenvolver um estudo acerca do
entendimento humano e por isso diz que será gratificante se ao menos esse método
puder dar alguma contribuição sobre como o nosso entendimento alcança as noções
das coisas, e ainda se puder estabelecer alguma certeza e conhecimento, essa
certeza é dada justamente pela própria verdade, único lugar capaz de produzir
conhecimentos certos.
Para desenvolver tal ensaio Locke se utiliza de um método que possui
três passos que em linhas gerais tem a finalidade de pesquisar os limites entre a
opinião e o conhecimento e examinar e moderar nosso assentimento e persuasão a
cerca das coisas que não temos certeza. Ainda afirma a importância de saber a
extensão do nosso entendimento, pois sabendo qual a sua natureza, até onde vai,
quais as coisas para os quais estão suas destinações, suas deficiências, isso será
importante para:
Persuadir a ocupada mente do homem e usar mais cautela quando se envolve com coisas que excedem sua compreensão, parar quando o assunto é muito extenso para suas forças e permanecer em silenciosa ignorância acerca dessas coisas que o exame revelou estarem fora do alcance de nossas capacidades. (LOCKE, 1999 p. 30)
Afirma que sabendo sobre a extensão do entendimento, até onde suas
faculdades podem atingir a certeza e em quais casos pode apenas adivinhar e
julgar, será mais simples se contentar com o atingível em cada situação.
Locke sob a influência de John Owen aprendeu as leis da tolerância
religiosa além de ter possuído uma educação religiosa do puritanismo anglicano.
Esse dado é pertinente uma vez que ele deixa no seu Ensaio a cerca do
entendimento humano vestígios da sua influência religiosa quando, fazendo um
paralelo a incapacidade do entendimento apreender todas as coisas, escreve que
mesmo assim devemos glorificar o Autor da vida por nos ter dado tal porção e grau
de conhecimento que é superior a qualquer outro ser vivente.
Os homens têm razão para estar satisfeitos com o que Deus pensou que lhes era adequado, pois ele lhes deu, como diz São Paulo pánta pròs zoèn Kaì eusébeian, tudo o que é necessário para as conveniências da vida e informação da virtude, e colocou ao alcance de sua descoberta provisão suficiente para esta vida e o meio que leva para uma melhor. (LOCKE, 1999 p. 31)
Locke trata dessa questão justificando que o homem não pode ter
conhecimento de todas as coisas, mas apenas o suficiente para saber sobre o
conhecimento do seu Criador (Deus) e a observação das suas obrigações. Essa
justificativa é importante, dirá ele, por que sabendo até onde vai nossa capacidade
de entender saberemos conduzir essa nossa faculdade sem criar expectativas que
lhe são superiores à compreensão.
Essa sua preocupação com o que possibilitava e no constituía o processo
de produção de conhecimento parece que estava vinculada também as ideias
políticas e à consequente tentativa de desvendar objetivamente os processos
envolvidos na vida pública, uma vez que era um político liberalista influenciador de
muitas revoluções surgidas em seu tempo, e ainda na posteridade.
Enfim, o propósito do empirista é “investigar os nossos próprios
entendimentos, examinar nossos próprios poderes e ver para que coisas eles estão
adaptados” (Idem, p. 32).
Antes de adentrar na profundidade da sua crítica e a sua exposição
contrária a ideia de que há princípios e ideias inatas, é preciso entendermos o que
significa ideia para Locke. Ele dirá que ideia é “(...) qualquer coisa que consiste no
objeto do entendimento quando o homem pensa, (...) qualquer coisa que pode ser
entendida como fantasma, noção, espécie, ou tudo o que pode ser empregado pela
mente pensante”. (LOCKE 1999, p. 32-33)
Em termos simples a ideia é a forma que imprimimos em nossa mente
quando entramos em contato sensível com o objeto, embora não seja o próprio
objeto é a imagem que formamos dele em nossa mente.
2 A MENTE HUMANA NÃO POSSUI PRINCÍPIOS INATOS
Sendo assim, Locke não concorda com a afirmação que a mente possui
qualquer conhecimento preestabelecido nela, compara-a com uma “tábula rasa”, ou
um papel em branco onde somente pela experiência sensível são impressos as
ideias. Locke afirmava que tudo o que conhecemos, que todas as ideias que temos,
eram formadas no espírito e que não eram inatas.
Ele expõe, contrariamente a afirmativa que a mente possui princípios
inatos, algumas objeções. Primeiro criticava que a concordância universal fosse
prova da existência de princípios inatos. Depois criticava que as ideias só se
revelam pelo uso da razão, ou seja, que as ideias inatas estariam impressas na
mente, mas que só se desenvolveriam quando se desenvolvesse a razão. Refutava,
portanto, de que se algumas ideias eram evidentes, claras e distintas para o homem,
então eram inatas.
O primeiro contra argumento de que a concordância universal fosse prova
da existência de princípios inatos diz que se para demonstrar a ocorrência de ideias
inatas, seria preciso demonstrar a universalidade de tais ideias. Isso pode ser
facilmente negado se olharmos, por exemplo, para as crianças que não possuem
qualquer desses princípios e só os adquire com o tempo, ou ainda se levarmos em
consideração os povos que nunca desenvolveram a ideia de Deus.
Não se encontram naturalmente impressas na mente por que não são conhecidas pelas crianças, idiotas, etc. (...) é evidente que não só todas as crianças, como os idiotas, não possuem delas menor apreensão do pensamento. Esta falha é suficiente para destruir o assentimento universal que deve ser necessariamente concomitante com todas as verdades inatas, parecendo-me quase uma contradição afirmar que há verdades impressas na alma que não são percebidas ou entendidas, já que imprimir, se isto significa algo, implica apenas fazer com que certas verdades sejam percebidas. Supor algo impresso na mente sem que ela o perceba, parece-me pouco inteligível. Se, portanto, as crianças e os idiotas possuem almas, possuem mentes dotadas destas impressões, devem inevitavelmente percebê-las, e, necessariamente conhecer e assentir com estas verdades; se, ao contrário, não o fazem, tem-se como evidente que estas impressões não existem. (LOCKE, 1999, p. 38)
Ao argumento que as ideias inatas estariam impressas na mente pode ser
rejeitado, pois diz que há o uso da razão antes mesmo que se reconheçam as ideias
inatas, ademais, se o uso da razão fosse necessário para o reconhecimento de uma
ideia inata não se teria como distinguir as ideias inatas das não inatas, ou seja,
àquelas que são derivadas das inatas. Outra opção seria supor que todas as ideias
são inatas, mas percebemos ser muito fraca tal afirmação.
Se essas noções (ideias) não estão impressas naturalmente, como podem ser inatas? E se são noções não estão impressas, como podem ser desconhecidas? Afirmar que uma noção está impressa na mente e, ao mesmo tempo afirmar que a mente a ignora e jamais teve dela conhecimento, implica reduzir estas impressões a nada. Não se pode afirmar que qualquer proposição esta na mente sem ser jamais conhecida e que jamais se tem disso consciência. (LOCKE, 1999, p. 38)
Aprofundando a questão criticada por Locke sobre o argumento utilizado
por muitos que diz que o homem só tem conhecimento das ideias que lhe são inatas
pelo uso da razão, ou seja, tal argumento diz que:
(...) logo que os homens começam a usar a razão, estas supostas inscrições nativas passam a ser por eles conhecidas e observadas, ou que o uso e exercício da razão dos homens os auxilia na descoberta deste princípio, fazendo com que estes, certamente, se tornem conhecidos para eles. (LOCKE, 1999, p. 39)
É interessante a crítica de Locke a esse argumento por que ele se usa
dele próprio (do argumento) para provar que é falso, pois, uma vez tendo a
capacidade de raciocinar, ou seja, fazer uso da razão para inferir algo, o sujeito pode
conhecer qualquer coisa, pois, é justamente a racionalidade que permite ao homem
conhecer o desconhecido, e se assim fosse, seria correto afirmar que todas a
inteligibilidade feita pelo sujeito é inata. Locke diz que “por este meio, não haverá
diferença entre as máximas dos matemáticos e os teoremas deduzidos delas,
devendo tudo ser igualmente inato” (LOCKE, 1999, p. 39).
Concordar com essa questão apresentada, ou seja, que a razão tem a
capacidade de conhecer as ideias inatas é concordar que ela só faz o favor ao
homem de mostrar a ele o que já lhe era conhecido é estranho, pois, estamos
concordando com a afirmação “que os homens, ao mesmo tempo, as conhecem e
não as conhecem” (LOCKE, 1999, p. 40)
Aqui, chega-se num ponto de acordo e prova que o conhecimento mental
de algumas verdades independe de inscrição natural ou do uso da razão. Locke
afirma que isso “consiste numa falsidade porque é evidente que estas máximas não
se encontram na mente tão cedo quanto o uso da razão, e, portanto, a posse do uso
da razão é falsamente assinalada como o instante de sua descoberta”. (Idem p. 40-
41).
Por fim Locke afirma decididamente a impossibilidade de a mente
humana possuir ideias ou princípios inatos:
Concedo que os homens não chegam ao conhecimento destas verdades gerais e mais abstratas, que são tidas como inatas, antes de atingirem o uso da razão, e acrescento, nem então tampouco. Isto é assim porque, mesmo após terem atingido o uso da razão, estas ideias gerais abstratas não estão formadas na mente, sobre as quais são formadas estas máximas gerais, que são equivocadamente consideradas princípios inatos, mas são realmente descobertas feitas e verdades introduzidas e levadas à mente pelo mesmo modo, e descobertas pelos mesmos passos, como várias outras proposições, que ninguém jamais foi tão extravagante para supô-las inatas. (LOCKE, 1999, p. 41)
Locke com essas palavras objetiva a sua contra argumentação e já dá
margem à reflexão a cerca da sua teoria do conhecimento que é basicamente
empirista. Embora a finalidade desse trabalho não seja tratar sobre isso (a forma
como acreditava que se chegava ao conhecimento das coisas), mas sobre o que já
foi tratado até agora, ou seja, suas refutações a cerca da afirmação que as ideias
são inatas.
Mas é difícil falar de Locke e não tratar de um dos seus grandes trabalhos
presente na sua obra Ensaio a cerca do entendimento humano, nas considerações
finais, que é o tópico que procede, citarei como sendo a finalidade dessas suas
objeções sobre o inatismo.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Toda essa objeção tem no fundo uma intenção que é apresentar a
maneira que Locke acredita que o conhecimento é apreendido pelo entendimento.
Como falado no início Locke é totalmente contra a ideia de que o ser humano já
nasce com ideias pré-estabelecidas. Essa sua crítica se atribui de uma forma ou de
outra aos racionalistas e de modo especial a Descartes, considerado o pai da
modernidade que a creditava que a razão é a responsável pelo conhecimento das
coisas e ainda que ela (a razão) possui estruturas primeiras de compreensão da
realidade.
Esses pontos apresentados têm por finalidade dizer que a mente humana
é como um papel em branco, ou seja, não possui nada impresso nela e que é
somente pelo contato sensível que se apreende alguma coisa, e assim, por meio
desse empirismo é que esse papel vai sendo preenchido com informações.
Locke apresenta para explicar esse processo de apreensão alguns
passos nos quais a mente alcança as verdades. De um modo geral ele diz que os
sentidos entram em contato com ideias particulares, a partir daí, do início do
processo de preenchimento mental, a mente seleciona as ideias do seu interesse e
as guarda na sua memória, depois vai assimilando e apreendendo o uso dos seus
nomes, assim, a mente acumula ideias e vai enriquecendo-se com a linguagem, e,
portanto, por meio desses materiais (ideia e linguagem) a razão vai ampliando seu
campo abrangente de uso.
Locke destaca que há ideias mais simples de serem compreendidas e
outras mais complicadas, mas isso não quer dizer que por ser mais simples ela é a
priori, ou inata. Concorda que existe evidência por si mesmo, ou seja, são
apreensíveis imediatamente quando o sujeito entra em contato, mas isso não
depende das impressões inatas.
Locke no seu ensaio ainda discorre longamente, e com muitos exemplos
prova que a mente realmente é incapaz de possuir princípios ou ideias inatas, seu
trabalho é importante porque contribui para aprofundamentos na ciência
especulativa e para os diversos ramos do empirismo moderno emergente no seu
tempo.
ABSTRACTThis article aims to discuss about human thought, more precisely on its ability to understand. Have, therefore, from the thought of John Locke, the critique of innateness, or disagreeing with the rationalist line that preaches that the human mind is born endowed with innate principles and ideas, John Locke compared the mind as a tabula rasa has counterarguments and probable that the mind has no knowledge since birth.
Keywords: Understanding. Human Mind. Innateness. John Locke. Empiricism.
BIBLIOGRAFIA
LOCKE, John. Ensaio a cerca do entendimento humano. 5. Ed. Tradução de Anoar
Aiex. São Paulo: Nova Cultura, 1999. (Os Pensadores)
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