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CEP e Metrologia: contribuindo efetivamente para o sucesso das indústrias brasileiras

MSc. Eng. Crhistian Raffaelo Baldo

Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Engenharia Mecânica, Universidade Federal de

Santa Catarina, Florianópolis/SC

cb@labmetro.ufsc.br

Dr. Eng. Gustavo Daniel Donatelli

Professor do Programa de Pós-Graduação em Metrologia Científica e Industrial da Universidade

Federal de Santa Catarina e Gerente Técnico do Centro de Metrologia e Instrumentação da

Fundação CERTI, Florianópolis/SC

www.posmci.ufsc.br, donatelli@labmetro.ufsc.br

Quim. Cacídio Girardi

Diretor Industrial da Electro Aço Altona S/A, Blumenau/SC

www.altona.com.br

Resumo

Este artigo relata uma experiência de sucesso na aplicação de ferramentas estatísticas para

induzir a melhoria da qualidade de peças fundidas e usinadas de médio e grande porte. O

trabalho foi desenvolvido no contexto da perdurável parceria entre a Electro Aço Altona de

Blumenau/SC e o Laboratório de Metrologia e Automatização (Labmetro) da Universidade

Federal de Santa Catarina (UFSC).

Ao longo do texto descreve-se a abordagem usada pelos autores para implantar de forma simples

e efetiva o uso dos gráficos de controle no setor de usinagem da empresa, bem como as

providências que foram tomadas para garantir a qualidade dos dados fornecidos pelos sistemas

de medição. Apresentam-se também, brevemente, os resultados obtidos após seis meses de

atuação no processo e a solução de gestão desenvolvida pelos parceiros para garantir a

qualidade dos produtos, processos e medições na Electro Aço Altona.

1. O CEP no contexto da garantia da qualidade

Ao longo dos anos distintas estratégias foram utilizadas pelas empresas para garantir a qualidade

de seus produtos. Até o início do século XX, a qualidade era obtida principalmente através da

inspeção seletiva, seguida da segregação e eventual retrabalho dos produtos que não atendiam

os requisitos. Já em 1924, nos laboratórios da Bell Telephone, Walter Shewhart sentou as bases

do controle estatístico de processos e da melhoria contínua da qualidade num memorando de

aproximadamente uma página [1]. Nele, Shewhart afirmava que o contínuo ajuste dos processos

em resposta às não-conformidades só aumentava a variação do produto e sugeria focar todos os

esforços para reduzir a variação. O documento também incluía um diagrama que atualmente

reconheceríamos como um gráfico de controle esquemático. Hoje, entende-se que a qualidade

não pode ser obtida somente por meio da inspeção e do controle, mas que é necessário construí-

la através do desenvolvimento integrado de produto e processo, num ambiente de engenharia

simultânea e com aplicação dos métodos da garantia da qualidade preventiva [2,3]. Essa é a

estratégia que permite reduzir o nível de defeitos até partes por milhão, ou seja, alcançar o status

de qualidade de classe mundial.

No entanto, a ênfase na prevenção de defeitos não dispensa a necessidade de operar os

processos “no alvo e com variação mínima”. Para que esse ideal se torne possível, as causas

especiais de variação devem ser identificadas e removidas, e os operadores devem receber

informação de tipo e formato adequado, que lhes permita ajustar os processos de forma

consistente. Há ainda a necessidade de gerar informação sobre o desempenho dos processos,

que possa ser usada além da linha de produção para suporte a decisões de alto impacto no caixa

da empresa, tais como definir investimentos em retrofittings ou aquisição de novos equipamentos.

O controle estatístico de processos (CEP) é uma resposta idônea para ambas as necessidades

acima.

Mais de 80 anos se passaram desde o memorando de Shewhart. Nesse período, inúmeros

artigos de divulgação e científicos foram publicados, propondo novos e cada vez mais complexos

tipos de gráficos de controle e indicadores de capacidade, ou discutindo aspectos técnicos e de

gestão relativos ao CEP (maiores informações em [4,5]). Milhares de empresas tentaram

implantar CEP nos seus processos, particularmente na área de produção. Algumas recuperaram

com folga o investimento realizado, mas muitas só conseguiram usar superficialmente as

ferramentas, obtendo mínimo retorno no melhor dos casos. Em geral, o fracasso na implantação

de CEP acontece quando alguns aspectos essenciais para uma aplicação bem sucedida não são

compreendidos e praticados. Alguns desses aspectos são apresentados na seqüência.

Aspectos de gestão:

• Compreensão por parte da gerência dos benefícios da melhoria contínua da qualidade e

comprometimento em suportar financeiramente às ações de implantação e manutenção

do CEP.

• Estrutura de gestão da qualidade que permita aproveitar e potencializar o conhecimento

gerado pelo CEP. Para isso, as barreiras entre os setores produtivos e as áreas de

suporte precisam ser eliminadas, facilitando o fluxo de informação e o trabalho em equipe.

Aspectos humanos:

• Todos os envolvidos na implantação do CEP devem ser sensibilizados sobre os

benefícios do CEP e treinados no uso das ferramentas estatísticas. Treinamentos

deveriam ser focados nas necessidades de cada um e orientados à ação.

• A resistência à mudança deve ser considerada como uma variável de peso no plano de

implantação. O medo, um dos principais motores dessa resistência, pode ser minimizado

mantendo as pessoas informadas e criando desafios alternativos para aqueles que

sentem que podem perder sua posição caso o CEP atinja os objetivos.

Aspectos operacionais:

• Adequada escolha dos pontos de implantação do CEP. O objetivo não é emplastrar as

paredes de gráficos de controle, mas colocá-los onde possam agregar valor. Deve-se

pensar sempre no custo de manutenção e nos investimentos demandados pelas

melhorias apontadas pelo CEP. Quantos mais gráficos sejam implantados, menos tempo

sobrará para identificar e aproveitar as oportunidades de melhoria e maior será o recurso

necessário para manter o sistema funcionando.

• Adequação das ferramentas estatísticas implantadas aos processos da empresa, mas

também às capacidades das pessoas envolvidas. Quanto menor seja a diversidade e

complexidade das ferramentas, tanto menores serão os custos de treinamento e as

barreiras à implantação e mais rapidamente serão alcançados os resultados esperados.

Um CEP efetivo tem, como um de seus alicerces, medições adequadas. A busca incessante por

resultados de medição suficientemente confiáveis e, conseqüentemente, por equipamentos e

dependências adequadas, é fundamental para o sucesso.

Há vários aspectos mais que dependem de cada caso e que não serão tratados por extenso

neste artigo. Enfim, o realmente importante é estar convencido do valor do CEP para a empresa e

criar as condições para “fazer direito da primeira vez”. Para isso, um bom planejamento da

implantação é imprescindível: sempre será mais difícil ter que insistir na implantação do CEP num

ambiente onde já fracassaram esforços anteriores.

2. A metrologia de produção

A figura 1 mostra como a qualidade produzida, aquela que terá relação direta com a satisfação do

cliente, é percebida através dos dados brutos gerados pelos sistemas de medição e como esses

dados são transformados em informação apta para segregação de produto não-conforme e

controle de processsos, por meio das ferramentas da qualidade que operam na produção.

Figura 1: Qualidade percebida através dos dados gerados pelos sistemas de medição e seu impacto nas técnicas estatísticas e na inspeção seletiva

É evidente que quanto maior for a diferença entre a qualidade produzida e a qualidade percebida

através dos dados, menor será a exatidão das decisões tomadas com apoio das técnicas de

transformação de dados. No caso particular do CEP, a capacidade dos gráficos de controle para

detectar mudanças no processo é diretamente afetada pela repetitividade e resolução das

medições [6,7]. Erros sistemáticos também precisam ser minimizados, para evitar que os

processos operem ocultamente fora do alvo. A avaliação da capacidade dos processos pode

também ser afetada por efeitos aleatórios e sistemáticos associados às medições, resultando em

índices de capacidade que não descrevem com fidelidade o processo produtivo [8]. Cabe ainda

salientar que erros de medição também afetam a avaliação da conformidade de produtos (p.ex.

inspeção 100%). Parece claro então que o sucesso de uma implantação de CEP depende

fortemente de medições confiáveis. Por isso, no planejamento da qualidade, e particularmente no

processo de implantação de CEP, é necessário refletir sobre os aspectos metrológicos aplicáveis

aos sistemas de medição relacionados.

Nas empresas brasileiras certificadas pela norma ISO 9001:2000, a calibração dos equipamentos

de medição tornou-se uma prática padrão, bastante aceita e difundida. Entretanto, a calibração

de um sistema de medição em intervalos periódicos, embora necessária, não garante que todas

as medições realizadas com ele no dia-a-dia de trabalho sejam rastreáveis. Ainda mais, a

calibração não diz respeito à adequação do sistema de medição ao uso pretendido. Para que um

sistema de medição seja adequado, outros aspectos devem ser atendidos, alguns dos quais

familiares às empresas certificadas pela ISO/TS 16949:2002. Esses aspectos, assim como a

forma de avaliá-los, é o tema central do Manual de Referência de Análise dos Sistemas de

Medição (MSA) [9]. De forma simplificada, o MSA estabelece que:

• A resolução com que se registram os dados deve ser adequada quando comparada com a

tolerância da característica ou a variação natural do processo de fabricação;

• O processo de medição deve estar sob controle estatístico;

• A tendência e a linearidade devem ser estatisticamente não-significativas;

• A variação total do processo de medição, denominada repetitividade e reprodutibilidade

(R&R), deve ser pequena quando comparada com a tolerância da característica;

• A variação total do processo de medição, R&R, deve ser pequena quando comparada

com a variação natural do processo de fabricação.

No segundo item da lista acima, observa-se que a medição é referenciada como um processo. De

fato, as ferramentas estatísticas propostas pelo MSA para analisar os processos de medição são

semelhantes às usadas para controlar e melhorar os processos de manufatura. Isso é altamente

vantajoso, pois diminui a diversidade de técnicas em que as pessoas que lidam com a qualidade

na produção precisam ser treinadas.

Há vários fatores que determinam a eficácia e eficiência da metrologia industrial em uma

empresa. Entre eles, destaca-se a capacidade do setor metrologia para analisar criticamente os

processos de medição. Sem a análise dos processos existentes é impossível gerar os

conhecimentos necessários para adquirir e operar sistemas de medição com a melhor relação

custo-benefício. No entanto, deve-se lembrar que os próprios estudos também representam um

custo não desprezível e não podem ser realizados de forma arbitrária. Em geral, a falta de

critérios bem definidos sobre quando e onde os estudos estatísticos do MSA são realmente

necessários tem implicado a execução de inúmeros estudos, muitos redundantes ou

desnecessários, que são ainda repetidos numa base periódica. No pior caso, estudos em

sistemas de medição que realmente demandam uma atenção especial não são conduzidos e

analisados de forma apropriada, ou simplesmente não são conduzidos. Somam-se ainda os

ajustes realizados no dia-a-dia pelo pessoal da metrologia ou da produção que, sem um critério

consistente, provocam um aumento da variação atribuível aos sistemas de medição.

Contudo, a barreira mais difícil de remover parece estar enraizada na subestimação da

metrologia, que é considerada um processo não produtivo pela maioria dos gestores industriais:

prevalece o paradigma da metrologia como custo. Esse pensamento fica evidente ao analisar

como são tratadas as solicitações de investimento em metrologia na maioria das empresas

brasileiras: a primeira reação é negar o recurso, seguida logo pela instrução de minimizar a

despesa, sem analisar profundamente o efeito que essa limitação possa ter sobre a confiabilidade

metrológica. Assim, o fator principal na escolha de equipamentos de medição e serviços de

calibração é o preço. Algo parecido acontece quando se trata de recursos humanos para a

metrologia: o setor é sempre enxuto e seus colaboradores estão preparados apenas para

satisfazer as necessidades operacionais da empresa.

A realidade acima afeta indiretamente o sucesso do CEP, através do atendimento ao requisito de

“medições adequadas”. A seguir será brevemente apresentado como esse e outros desafios

foram tratados pelos parceiros durante a implementação de CEP na Electro Aço Altona.

3. Uma experiência de sucesso

A implantação do CEP na Electro Aço Altona foi primariamente incentivada por um dos maiores

clientes da empresa, consumidor de peças de meio porte, fundidas em aço e usinadas. Antes do

início da cooperação com o Labmetro, algumas iniciativas foram tomadas pelo próprio pessoal da

Altona a fim de satisfazer a demanda do cliente, porém, sem resultados animadores. O problema

residia nos chamados aspectos de gestão, pois os esforços realizados focavam apenas os

cálculos e a interpretação dos gráficos de controle, com pouca ou nenhuma ênfase à

implementação de fato. Como conseqüência natural dos magros resultados preliminares,

aspectos humanos (p.ex. resistência a mudanças) passaram a interferir na aplicação. Um

diagnóstico preliminar efetuado ainda no início da cooperação evidenciou o uso de gráficos de

controle inapropriados para a aplicação, o treinamento insuficiente de operadores e do pessoal de

apoio, e a não observância de questões metrológicas chaves [10,11]. É preciso destacar que as

dificuldades acima são muito comuns em empresas dos mais diversos ramos que estão iniciando

no CEP e, inclusive, em empresas que já possuem um CEP supostamente consolidado.

Defrontados com essa situação, os responsáveis pela implantação decidiram limitar o escopo da

mesma, visando maximizar a relação impacto-esforço e minimizar os investimentos iniciais.

Focou-se o processo de usinagem de uma única peça que apresentava bom potencial de

melhoria e certa importância no faturamento da empresa. A peça era típica, facilitando a posterior

extensão do CEP a outros produtos com pouco trabalho adicional. Dessa forma foi possível

aumentar a probabilidade de sucesso e diminuir o risco de investimentos inaceitáveis.

3.1 Melhorando o processo de fabricação com CEP

A formação de uma equipe de trabalho e a realização de uma palestra de sensibilização para as

pessoas chaves da empresa foram as primeiras ações após o diagnóstico inicial. A equipe de

trabalho atuou então no desenvolvimento de uma sistemática para colocar o CEP em atividade. O

primeiro ponto dessa sistemática envolveu a definição das características (no caso,

características dimensionais usinadas) a serem incorporadas ao CEP, feita em comum acordo

com a empresa-cliente. De posse dessa informação e das propriedades do processo de

produção, pôde-se selecionar o gráfico de controle apropriado para o caso. Por se tratar de um

processo com tempo de produção longo (aprox. 30 min para cada peça), gráficos de controle de

valores individuais e amplitudes móveis foram escolhidos. A disponibilidade de tempo para

realizar as medições implicou a escolha de uma freqüência de amostragem de 100%.

Após as decisões acima mencionadas, uma solução customizada de implementação foi proposta,

baseada em três fases seqüenciais. A primeira fase compreende o uso de gráficos de

conformidade (com limites de especificação), com os quais a avaliação de conformidade e a

coleta de dados sobre o comportamento dos processos de fabricação e medição são feitas.

Posterior à aquisição dos dados, análises são conduzidas com o auxílio dos gráficos previamente

definidos. Essa primeira análise permite formar uma base de conhecimento inexistente até então

e detectar fragilidades em ambos os processos de fabricação e medição.

No decorrer desta fase foi observado que vários instrumentos possuíam resolução inadequada

para o controle de processo (muito embora adequada para a avaliação de conformidade). Um dos

casos identificados na Electro Aço Altona é ilustrado na figura 2. Como menos de quatro pontos

distintos estão situados entre os limites de controle do gráfico de amplitudes móveis, pode-se

afirmar que a resolução com que os dados foram obtidos mascara consideravelmente a variação

do processo de fabricação. O problema foi corrigido antes de se passar para a fase seguinte de

implantação, através da aquisição de instrumentos de melhor resolução para substituir os

existentes. Do contrário, seria impossível estimar fielmente os limites de controle para os gráficos.

Infelizmente, em muitas empresas esse problema persiste mesmo nas fases seguintes. Isso

abala a credibilidade do CEP, pois os limites de controle não refletem a variação inerente ao

processo e o gráfico aponta freqüentes sinais falsos de fora de controle.

Figura 2: Exemplo de um gráfico de controle de valores individuais e amplitudes móveis afetado por uma resolução inadequada do sistema de medição

A segunda fase da implantação se caracteriza pelo uso preliminar dos gráficos de valores

individuais e amplitudes móveis pelo próprio operador de máquina. Os limites superior e inferior

desses gráficos são estimados usando os dados da primeira fase, os quais permitem, sendo

respeitadas algumas condições, direcionar as ações dos operadores e detectar em tempo real

algumas causas especiais. Muito embora esses limites sejam baseados em um processo instável

(ou marginalmente estável), eles podem ser considerados o ponto de partida para uma

operacionalização eficiente do CEP no ambiente de produção. A fim de auxiliar o operador no

ajuste e manutenção do processo o mais próximo possível do alvo, os gráficos de valores

individuais foram centralizados no nominal. Nesta fase, reduções substanciais na variação do

processo já podem ser verificadas, especialmente em virtude da eliminação da prática de

sobreajuste (ou ajuste desnecessário do processo pelo operador).

A terceira fase também emprega gráficos de controle na máquina, porém com limites de controle

mais bem definidos. Isso porque eles foram estimados com base nos dados da fase anterior,

provenientes de um nível mais avançado de conhecimento sobre o processo de produção. A

redução da variação de um dos processos sob CEP é ilustrada na figura 3 (usinagem de um furo

de diâmetro 50,698 mm ± 0,02 mm). A parte esquerda da figura mostra um extrato do processo

ainda na primeira fase (após a troca do sistema de medição); a parte direita um extrato do

processo no decorrer da terceira fase. É bem aparente a redução da variação após as três fases

da sistemática de implantação, sendo digno de nota que os investimentos para tanto foram

mínimos. A parte direita do gráfico de valores individuais mostra claramente a deriva causada

pelo desgaste da ferramenta de corte. Essa deriva não é evidente na parte esquerda do gráfico,

por estar ocultada pelas causas especiais e pelo sobreajuste, embora também contribuísse para

a variação naquele momento.

Figura 3: Gráfico de valores individuais e de amplitudes móveis ilustrando a redução da variação graças às ações de melhoria em ambos os processos de fabricação e medição

As melhorias evidenciadas pelo processo da figura 3 não foram isoladas. Resultados similares

foram obtidos para as outras características e produtos. A figura 4 ilustra a evolução do índice de

capacidade de processo Cpk ao longo do projeto. É interessante observar que a evolução da

capacidade do processo para as cotas 1, 2 e 3 foi gradativa, entanto que a melhoria de

capacidade da cota 4 veio só depois de vários meses de trabalho. A princípio, o processo de

usinagem dessa cota mostrava-se sob controle, mas com excessiva variação. Muitos estudos

foram conduzidos, incluindo testes de ferramentas e parâmetros de corte, até que a condição

observada na figura 4 fosse atingida. Com o aumento da capacidade dos processos houve

reduções dos índices de refugo e retrabalho a níveis insignificantes, com a conseqüente

diminuição de custos e melhoria da imagem da empresa frente ao cliente.

Figura 4: Evolução da capacidade dos processos (índice Cpk) para algumas características dimensionais usinadas

Quando computadores não estão prontamente disponíveis para a entrada de dados pelos

operadores, gráficos em papel surgem como a opção mais convidativa. A simplicidade torna-se

então um elemento chave. Como o gráfico de amplitudes móveis não revela, em tempo real, nada

além daquilo informado pelo gráfico de valores individuais, aquele pode ser suprimido dos

gráficos em papel. O diário de bordo, tão importante para um correto direcionamento de ações de

melhoria, deve ser o mais intuitivo possível. É comum que os operadores esqueçam o registro de

mudanças efetuadas no processo, prejudicando sobremaneira as análises feitas posteriormente.

Os diários de bordo podem ser customizados com base no conhecimento angariado do processo.

Por exemplo, as causas especiais mais freqüentes podem ser adicionadas ao gráfico, de maneira

tal que o operador precise apenas assinalar qual foi a ocorrência em um determinado ponto do

processo.

Os parágrafos anteriores mostraram como que o CEP, através de um plano de trabalho bem

delineado, pode ser realmente efetivo para uma empresa. O correto direcionamento das ações de

melhoria surge como uma das conseqüências naturais da sistemática exposta. Por ser o CEP

uma técnica baseada em dados, a qualidade destes governa a efetividade daquele. Assim, a

melhoria dos processos de fabricação e a metrologia caminham lado a lado. A seção seguinte

ilustra um conjunto de atividades realizadas no contexto da metrologia para garantir que as

análises se baseiem em dados com qualidade.

3.2. Validação e controle do processo de medição

De forma semelhante ao que acontece com o CEP, o desafio aqui reside em gerar e operar um

sistema de gestão da qualidade das medições, que permita identificar que estudos precisam ser

aplicados a cada um dos sistemas de medição envolvidos em tarefas de avaliação de

conformidade de produtos e controle de processos. É necessário focalizar os esforços do pessoal

da metrologia, senão, dada a infinidade de equipamentos de medição existentes numa empresa,

a gestão dos estudos tornar-se-ia impraticável e pouco tempo sobraria para gerar conhecimento a

partir da análise crítica de seus resultados. Esse modelo de gestão é denominado pelos autores

deste trabalho de “Sistema de Garantia da Qualidade das Medições” (GQM).

Um modelo de GQM foi também implantado na Electro Aço Altona, inicialmente esboçado para

atender as necessidades urgentes do CEP, porém hoje atuando de forma mais abrangente e

sistemática. Esse modelo foi desenvolvido para suprir as seguintes necessidades:

• Atender os requisitos da ISO/TS 16949:2002, no que diz respeito à confirmação de

instrumentos e análise estatística dos processos de medição;

• Adequar-se à grande diversidade de meios e técnicas de medição próprios da atividade

de fundição (por ex. medição dimensional manual e em máquinas tridimensionais, ensaios

mecânicos, ensaios químicos, ensaios metalográficos, etc.);

• Fornecer confiabilidade às medições de rotina, mas também atuar na prevenção e

melhoria da metrologia industrial;

• Manter enxuto o número de colaboradores da metrologia, repassando parte das

responsabilidades da confiabilidade metrológica na rotina para o setor de produção.

O modelo de GQM tem como base o plano de controle. Dele são derivadas todas as ações de

garantia da qualidade das medições, incluindo alguns dos estudos estatísticos recomendados

pelo MSA e outros métodos necessários para aplicações específicas e controle na rotina. Assim,

a formação e a prática documentada do modelo de GQM são por si só suficientes para satisfazer

a primeira necessidade da lista acima.

Para isso, os processos de medição referenciados no plano de controle devem demonstrar

necessariamente conformidade com os requisitos metrológicos específicos para uma dada

aplicação. Essa demonstração se realiza em dois estágios, sendo o primeiro a confirmação

metrológica do equipamento de medição, no sentido da norma ISO 10012:2003 [12]. A

confirmação se baseia na comparação dos resultados da calibração com valores predefinidos. O

segundo estágio consiste em demonstrar que o processo de medição é adequado para uma dada

aplicação, para o qual é preciso verificar o atendimento aos requisitos listados na seção 2 deste

artigo. Os estudos estatísticos recomendados pelo MSA, se realizados adequadamente sob

condições as mais próximas possíveis às de utilização, permitem suprir essa necessidade. Por

exemplo, a divergência de uma técnica de medição no ambiente produtivo com relação a uma de

referência pode ser detectada através de um estudo de tendência. A concordância entre

medições de diferentes operadores, assim como a eficácia dos treinamentos, pode ser avaliada

através de estudos de R&R. Estudos de repetitividade (que podem tomar as mais distintas

formas) podem ser usados para avaliar a capacidade de sistemas de medição automáticos.

Os estudos a serem realizados são definidos durante o desenvolvimento do processo de

fabricação de cada peça, no contexto do planejamento avançado da qualidade. Em cada caso as

decisões são tomadas considerando: a tolerância e a criticidade da característica da qualidade a

controlar, a capacidade do processo de fabricação, a interferência direta ou não dos operadores,

o local onde a mesma é realizada, etc. Em muitos casos, condições de similaridade podem ser

aplicadas a fim de evitar a repetição e condensar o número de estudos.

A fim de manter o sistema enxuto, no sistema de GQM da Electro Aço Altona não é definida uma

periodicidade para os estudos estatísticos dos processos medição. Considera-se que a repetição

de estudos numa base periódica caracteriza uma prática dispendiosa, ineficaz e que não agrega

valor algum, e que os estudos, uma vez conduzidos, não precisam ser repetidos a menos que

ocorram mudanças no sistema de causas do processo de medição. Surgiu então a necessidade

de gerar uma solução que permitisse monitorar a confiabilidade metrológica no dia-a-dia de

trabalho, adequada ao agressivo ambiente da produção. Por isso, o modelo de GQM emprega o

conceito de C3M (Contínuo Monitoramento de Meios de Medição), baseado no PMAP [13]. O

C3M pode ser entendido com uma extensão do CEP para medições. Verificações periódicas

contra padrões são realizadas pelos próprios operadores no ambiente real de uso do instrumento,

e os valores medidos comparados com os limites de controle. Sistemas de medição

condicionados ao C3M não sofrem com a carência de informação peculiar dos instrumentos

submetidos apenas a calibrações de rotina. Conseqüentemente, a aplicação do C3M fornece

subsídios para determinar quando a recalibração de um instrumento de medição é realmente

necessária (figura 5).

Figura 5: Extrato de um gráfico do C3M indicando a necessidade urgente de manutenção ou troca do instrumento de medição (à esquerda, o instrumento operando de forma regular; à direita, a evidência de degradação com o tempo)

O conceito de C3M tem sido gradativamente integrado ao sistema de GQM da Electro Aço

Altona. Um aspecto importante para o sucesso do C3M, assim como do CEP, é a seleção dos

sistemas de medição candidatos à aplicação. Aspectos como a existência e disponibilidade de

padrões calibrados, a possibilidade de os operadores efetuarem as medições sem comprometer a

produção, o fato de os equipamentos serem dedicados ao controle de uma única característica e

a criticidade da aplicação devem ser ponderados durante as fases de planejamento. Instrumentos

de medição dimensionais e não-dimensionais têm sido alvos do C3M. Por ser realizado pelos

próprios operadores, estudos de tendência e R&R tornam-se redundantes. O uso de padrões tem

permitido a otimização dos intervalos de calibração dos instrumentos de medição sem perda

alguma de confiabilidade.

Atualmente as aplicações do sistema de GQM na Electro Aço Altona, são as mais diversas, de

instrumentos dimensionais simples a máquinas de medição por coordenadas, de máquinas de

ensaio de resistência à tração a espectrômetros de emissão óptica. As conseqüências dos

estudos realizados são também variadas, da validação de um método de medição já existente,

passando por ações de melhoria simples, até a aquisição de novos equipamentos. Assim, desde

que o sistema de GQM foi implantado, foi possível formar uma base de conhecimento sobre os

processos de medição até então inexistente.

4. Algumas reflexões sobre a gestão do CEP e da metrologia

O aumento dos tempos e custos e a geração de gargalos de produção são alguns dos efeitos

usualmente atribuídos à metrologia. Esse negativismo é sobremaneira agravado pelo fato de os

profissionais da metrologia dificilmente conseguirem demonstrar o valor agregado por ações e

aportes no setor. Estratégias para mudar esse paradigma foram descritas neste artigo, as quais

permitem que os metrologistas consigam exercer seu papel com eficiência, fundamentalmente

através da provisão de informações de valor agregado para as mais variadas decisões tomadas

em uma organização.

A participação efetiva da metrologia no âmbito do CEP permite que não apenas dados confiáveis

sejam gerados, mas também que os dados sejam usados para solidamente compreender e

melhorar os processos. A formatação de um sistema de GQM propicia ainda à metrologia um

salto de um estado meramente passivo, de valor agregado minimamente questionável, para uma

condição de integração com os processos e de extrema importância para o sucesso da

organização. Assim, as sistemáticas descritas e exemplificadas possibilitam mostrar aos gerentes

o retorno de investimento em metrologia na forma de melhores produtos, de processos operando

de maneira ótima e de redução de indicadores da má qualidade.

Quando uma estratégia como a descrita acima é implantada numa empresa, torna-se crítico

desenvolver uma estrutura de gestão que seja capaz de somar as competências técnicas

instaladas nos diferentes departamentos da empresa com as competências em métodos

estatísticos e metrologia. No caso da Electro Aço Altona, foi criada uma solução de gestão

baseada na integração das competências de métodos estatísticos e metrologia numa única

unidade, denominada de Núcleo de Estatística e Metrologia e Industrial (NEMI).

O NEMI possui uma gestão centralizada, tempo integral, que se dedica à harmonização e difusão

dos métodos estatísticos e práticas da metrologia, assim como ao relacionamento da empresa

com fornecedores de produtos e serviços de apoio e com universidades e centros de tecnologia.

Há também integrantes do NEMI pertencentes a cada um dos setores da empresa, que estão

diretamente envolvidos em atividades produtivas específicas. Esses integrantes são selecionados

pelo seu conhecimento dos processos de cada setor. Assim, eles trazem para o NEMI a

competência técnica específica, necessária para analisar as causas dos problemas e atuar na

melhoria. De sua atuação no NEMI, eles levam para os setores produtivos o conhecimento de

metrologia e métodos estatísticos, difundindo-o através das aplicações. A figura 6 esquematiza a

forma idealizada de operacionalização do NEMI, ainda em fase de implantação na Electro Aço

Altona.

Figura 6: Esquema de atuação de uma estrutura de gestão em metrologia e métodos estatísticos, da integração com os setores produtivos à interação com elementos externos

Sendo um dos termômetros da competitividade de uma empresa a qualidade dos produtos e

processos, e tendo os métodos estatísticos e a metrologia como elementos essenciais para a

melhoria contínua, formar uma estrutura de gestão e conhecimento como a exemplificada é, na

opinião dos autores deste artigo, uma iniciativa nobre para que experiências de sucesso como a

descrito na seção 3 não sejam isolados dentro de uma organização, e para que valores por ora

conquistados não se percam no tempo.

Referências

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