apelaÇÃo cÍvel nº - home | tribunal de justiça do … · web viewÉ uma honra, senhor...
Post on 25-Jan-2019
217 Views
Preview:
TRANSCRIPT
ESTADO DO RIO GRANDE DO SULPODER JUDICIÁRIOTRIBUNAL DE JUSTIÇA 29/08/2016
CJUD
MIN. LUÍS ROBERTO BARROSO
PROJETO HORIZONTES DO CONHECIMENTO – 36ª
PALESTRA
TRABALHANDO COM UMA NOVA LÓGICA:
A Ascensão dos Precedentes no Direito Brasileiro
CERIMONIAL – Boa-tarde, senhoras e senhores. Nas
presenças dos Excelentíssimos Senhores Presidente do Tribunal de Justiça
do Estado, Desembargador Luiz Felipe Silveira Difini, e do Ministro do
Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso, damos início à palestra
Trabalhando com a Nova Lógica: a Ascensão dos Precedentes no Direito
Brasileiro.
Compõem a mesa Suas Excelências os Senhores Procurador-
Geral do Estado, Dr. Euzébio Ruschel, neste ato representando o
Excelentíssimo Senhor Governador do Estado, José Ivo Sartori;
Subprocurador-Geral de Justiça, Dr. Paulo Emílio Barbosa; Subdefensor
Público-Geral do Estado, Dr. Tiago Rodrigo dos Santos; Presidente da
Associação dos Magistrados Brasileiros – AMB, Dr. João Ricardo dos Santos
Costa; Coordenador do Centro de Estudos do Tribunal de Justiça, Des. Ney
Wiedmann Neto; Representante da Presidência da OAB/RS, Dr. Júlio Cesar
Caspani; e Des. Ingo Wolfgang Sarlet.
1
ESTADO DO RIO GRANDE DO SULPODER JUDICIÁRIOTRIBUNAL DE JUSTIÇA 29/08/2016
CJUD
MIN. LUÍS ROBERTO BARROSO
Também prestigiam este ato os Excelentíssimos Senhores
Ministro Ruy Rosado de Aguiar Júnior; Presidente do Tribunal Regional
Eleitoral, Desa. Liselena Schifino Robles Ribeiro; representando a
Procuradoria Regional Federal da 4ª Região, Dr. Fabiano Haselof Valcanover;
representando a Presidência do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região,
Des. Wilson Carvalho Dias; Presidente do Tribunal de Justiça Militar, Juiz
Doutor Fernando Guerreiro Lemos; Vice-Diretora do Foro da Justiça Federal
do Rio Grande do Sul, Juíza Federal Marciane Bonzanini; Presidente da
Associação dos Juízes do Estado do Rio Grande do Sul – AJURIS, Dr.
Gilberto Schaffer; Diretor da Escola Superior da Magistratura, Des. Cláudio
Luís Martinewski; senhores magistrados; servidores do Poder Judiciário;
representantes da imprensa; senhoras e senhores.
Neste momento, convidamos para fazer sua saudação o
Excelentíssimo Senhor Presidente do Tribunal de Justiça do Estado, Des. Luiz
Felipe Silveira Difini.
DES. LUIZ FELIPE SILVEIRA DIFINI (PRESIDENTE) –
Ministro Luís Roberto Barroso, Colegas aqui presentes, convido a fazer a
saudação ao nosso ilustre conferencista, Ministro Luís Roberto Barroso, em
nome do Tribunal de Justiça, o Des. Ingo Sarlet, a quem passo a palavra.
DES. INGO WOLFGANG SARLET – Muito boa-tarde a todos.
Em nome do Excelentíssimo Senhor Desembargador Luiz Felipe Difini, nosso
Excelentíssimo convidado especial, Ministro Luís Roberto Barroso, saúdo
todas as autoridades que compõem esta mesa, os demais integrantes de
Órgão Pleno do nosso Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, demais
autoridades e público presente.
2
ESTADO DO RIO GRANDE DO SULPODER JUDICIÁRIOTRIBUNAL DE JUSTIÇA 29/08/2016
CJUD
MIN. LUÍS ROBERTO BARROSO
É uma honra, Senhor Presidente Luiz Felipe Difini, poder fazer
a saudação ao Ministro Luís Roberto Barroso e pretendo fazer de uma forma
muito informal, como já o fiz hoje pela manhã, destacando três aspectos da
trajetória do nosso convidado especial.
Em primeiro lugar, até por ordem cronológica, a sua atuação
acadêmica, desde o início, comprometida com a doutrina da efetividade da
Constituição, momento em que a Constituição de 1988 havia sido
recentemente promulgada e que realmente faltava ao Brasil uma doutrina forte
e serena de colocar essa Constituição em prática, que pudesse cumprir as
promessas constitucionais. Ao longo desse tempo, também na produção
acadêmica, o Ministro Luís Roberto Barroso notabilizou-se pela criação de
uma Escola Jurídica altamente qualificada, influente, destacando-se aqui os
nomes de Daniel Sarmento, Ana Paula Barcellos, Rodrigo Brandão, Gustavo
Binenbojm, Jane Reis Gonçalves Pereira, todos autores consagrados,
professores ilustres, uma escola altamente influente no Direito Constitucional
brasileiro. Sua obra bibliográfica não é apenas restrita ao ambiente
acadêmico, mas uma obra altamente influente não só na formação de mais
uma geração de juristas, mas especialmente também na jurisprudência do
nosso Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça e demais
instâncias da Justiça ordinária.
Como advogado, Luís Roberto Barroso também teve uma
trajetória notável, especialmente como defensor de grandes causas, causas
polêmicas, causas representando os interesses de minorias e que, por sua
vez, levaram a uma mudança significativa e para melhor, mais progressista do
próprio Supremo Tribunal Federal. Cito aqui o caso das pesquisas com
células-tronco; o caso da ADPF 54, da anencefalia e o caso da união
homoafetiva, que são todos exemplos de causas em que o Ministro atuou,
comprometido com as causas das minorias e com o papel que tem cumprido
hoje no Supremo Tribunal Federal.
3
ESTADO DO RIO GRANDE DO SULPODER JUDICIÁRIOTRIBUNAL DE JUSTIÇA 29/08/2016
CJUD
MIN. LUÍS ROBERTO BARROSO
No STF, o Ministro também tem se notabilizado por decisões
serenas, comprometidas com a sociedade, com uma interpretação focada
realmente nos resultados sociais das decisões, com uma visão de
gerenciamento da Justiça inteligente e efetiva. Diria que uma posição liberal,
socialmente sensível, especialmente prudencial. No momento em que
estamos vivendo – falávamos antes isso no gabinete –, uma fase de
maniqueísmos, de polarizações, de sectarismos de toda ordem, uma voz
serena, prudencial realmente se faz necessária, especialmente no nosso
Pretório Excelso, para que tenhamos precedentes também nessa linha que
possam ser por nós aplicados.
Muito obrigado, mais uma vez, pela possibilidade de estar aqui
fazendo uso da palavra.
CERIMONIAL – Neste momento, convidamos o
Excelentíssimo Senhor Ministro Luís Roberto Barroso para proferir a sua
palestra, que abordará o tema Trabalhando com a Nova Lógica: a Ascensão
dos Precedentes no Direito Brasileiro.
MIN. LUÍS ROBERTO BARROSO – Prezado Presidente do
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Des. Luiz Felipe Silveira
Difini, eminentes autoridades presentes, representantes do Governador, do
Ministério Público, da Defensoria, saúdo o eminente Ministro Ruy Rosado, que
avisto daqui, tenho muito prazer e muita honra de estar aqui, de compartilhar
algumas ideias e algumas reflexões sobre este tema que propus: Trabalhando
com uma Nova Lógica: o Papel dos Precedentes no Direito Brasileiro.
Fui advogado por muitos anos e tinha certa alegria quando os
casos que me contratavam ou me convidavam para trabalhar eram na Justiça
do Estado do Rio Grande do Sul, e naquela tribuna, que agora não está ali,
mais de uma vez já estive sustentando.
4
ESTADO DO RIO GRANDE DO SULPODER JUDICIÁRIOTRIBUNAL DE JUSTIÇA 29/08/2016
CJUD
MIN. LUÍS ROBERTO BARROSO
O nosso tema envolve a questão dos precedentes. Antes de
ingressar nele propriamente dito, penso que seja de relevo destacar uma
singularidade do momento contemporâneo brasileiro, que envolve certa
judicialização da vida e certa juridicização do discurso em geral, e acho que
essa é uma característica que merece ser assinalada.
Na verdade, a judicialização não é um fenômeno brasileiro, ela
é, em ampla medida, um fenômeno mundial, que identifica certa ascensão do
Poder Judiciário e certa transferência de poder, que faz com que algumas das
grandes questões nacionais terminem sendo decididas no âmbito do Poder
Judiciário.
Essa judicialização é mundial e tem algumas causas gerais. A
primeira delas é que depois da Segunda Guerra Mundial o mundo se deu
conta de que um Judiciário forte e independente era um componente essencial
das democracias para a proteção dos direitos fundamentais e para o
resguardo das regras do jogo democrático. Portanto, o Judiciário, de certa
forma, deixou de ser um departamento técnico especializado para
progressivamente se tornar um poder político que ocupa um espaço relevante
no cenário nacional em diferentes partes do mundo.
A segunda causa dessa ascensão do Poder Judiciário, tal
como vejo, é que o mundo inteiro experimentou certo desencanto com a
política majoritária, com a política que se realiza basicamente voltada para
representantes eleitos e para as circunstâncias das votações majoritárias, e
muitas dessas questões acabaram não sendo enfrentadas adequadamente
pelas disfuncionalidades próprias da política e do Parlamento.
5
ESTADO DO RIO GRANDE DO SULPODER JUDICIÁRIOTRIBUNAL DE JUSTIÇA 29/08/2016
CJUD
MIN. LUÍS ROBERTO BARROSO
Em terceiro e último lugar, há matérias em relação às quais a
política majoritária não consegue produzir consenso, portanto não consegue
legislar, vazios nos quais o Judiciário tem que atuar, que vão desde união de
pessoas do mesmo sexo até eutanásia, passando por outras circunstâncias
complexas da vida. Este é um fenômeno mundial, portanto: a ascensão do
Judiciário, certa disfuncionalidade da política e dificuldade de consenso.
No Brasil, essa judicialização é potencializada por uma
Constituição extremamente abrangente, que cuida de muitos temas e o faz de
uma maneira detalhada. Levar uma matéria para a Constituição, em última
análise, é retirá-la, ao menos em parte, da política e trazê-la para o Direito. Na
medida em que a Constituição cuida do sistema tributário, do sistema
previdenciário, do meio ambiente, dos idosos, da criança e do adolescente, da
demarcação de terras indígenas, isso oferece um potencial de judicialização,
porque essas normas servem como fundamento para pretensões
judicializadas. Portanto, nesse universo, não é surpreendente que o Judiciário
decida de reforma da Previdência à importação de pneus, de pesquisas com
células-tronco até uma fascinante decisão do Superior Tribunal de Justiça de
que o colarinho do chope faz parte da bebida. É provavelmente o único país
do mundo em que há um acórdão de tribunal superior assim definindo.
6
ESTADO DO RIO GRANDE DO SULPODER JUDICIÁRIOTRIBUNAL DE JUSTIÇA 29/08/2016
CJUD
MIN. LUÍS ROBERTO BARROSO
E até a linguagem da vida trivial incorporou categorias do
Direito. Fui falar, há duas semanas, em São Paulo, na Fundação Educar, e
quando eu estava chegando àquele Hotel Renascença, havia uma placa num
poste que dizia assim: “Madame Gabriela. Amarração garantida. Pagamento
após o resultado”. Vejam a preocupação com o Código do Consumidor! Quer
dizer, as pessoas já se preocupam em não fazer propaganda enganosa. Eu
contava isso para a Secretária da 1ª Turma outro dia, e ela disse: “Puxa, perto
da minha casa tem um que diz assim: “Trago a pessoa amada em três dias.
Devolvo melhor do que era antes”. Eu disse: “Marca uma consulta com essa
mulher, pelo amor de Deus!” Portanto, há certa incorporação da terminologia
jurídica à vida de uma maneira geral.
E este nosso tema dos precedentes se torna, a meu ver,
especialmente importante, precisamente dentro desse ambiente que o
Judiciário ocupa, um espaço maior e mais relevante, porque, além dessas
mudanças filosóficas e estruturais a que me referi, o Brasil dos últimos anos
assistiu a um conjunto de transformações que incluem o surgimento de novas
ações, tanto ações objetivas como ações subjetivas; o surgimento de novos
direitos em áreas como consumidor e meio ambiente; a multiplicidade das
questões envolvendo o direito à saúde. Portanto, a jurisdição no Brasil se
expandiu e se massificou de uma maneira muito significativa.
Assim, aquele Juiz de antigamente, aquele Juiz que
trabalhava como um artesão, que tecia fio a fio cada uma das proposições da
sua decisão, para bem e para mal, esse Juiz já não existe mais. É claro que
todos nós temos as questões que merecem o estudo apartado, o estudo
analítico e o estudo detalhado, mas a vida hoje na prestação da jurisdição é
uma vida que envolve reprodução de decisões já tomadas, delegações a
assessores, benefício de pesquisas e avanços já feitos em outras partes, ou
seja, a vida contemporânea passou a exigir do Juiz a adoção de algumas
técnicas mais objetivas e fórmulas mais pragmáticas de atuar.
7
ESTADO DO RIO GRANDE DO SULPODER JUDICIÁRIOTRIBUNAL DE JUSTIÇA 29/08/2016
CJUD
MIN. LUÍS ROBERTO BARROSO
E não é assim por uma escolha filosófica ou ideológica, é
assim por uma inevitabilidade. Na medida em que as coisas se massificam, é
preciso encontrar mecanismos que permitam uma prestação jurisdicional a
tempo e à hora, sem sacrifício da qualidade mínima, mas capaz de atender às
demandas de massa, às demandas desses grandes volumes. Portanto, é
nesse universo que se situam os precedentes.
Os precedentes, como sabem, em um papel mais relevante da
jurisprudência, têm a sua origem mais típica no sistema do Common Law, no
sistema dos países anglo-saxões. Na verdade, há um fenômeno ocorrendo no
mundo de uma maneira geral, que é certa reaproximação ou certa
aproximação entre os dois grandes sistemas jurídicos do mundo: o sistema
romano-germânico, do Direito continental ou de Direito Civil; e do sistema do
Common Law, de Direito costumeiro ou do Direito anglo-saxão.
Como todos bem sabemos, a característica do sistema
romano-germânico é a existência de uma lei escrita, votada pelo Parlamento,
frequentemente inserida em códigos, e um modelo em que os precedentes
não são vinculantes, embora os operadores jurídicos sempre tentem dar uma
compreensão sistemática do todo; ao passo que nos sistemas do Common
Law as decisões judiciais é que são a principal fonte. Diz-se que o Direito é
costumeiro – mas é costumeiro tal como pronunciado pelas decisões judiciais
–, é um sistema de não codificação e de não sistematização de decisões mais
fragmentadas, e a grande característica do sistema do Common Law é
precisamente a vinculação aos precedentes, ao chamado stare decisis, as
decisões dos tribunais superiores vinculam os tribunais inferiores e assim
sucessivamente.
8
ESTADO DO RIO GRANDE DO SULPODER JUDICIÁRIOTRIBUNAL DE JUSTIÇA 29/08/2016
CJUD
MIN. LUÍS ROBERTO BARROSO
Mas dizia eu nos últimos anos, nas últimas décadas talvez,
que esses dois modelos se reaproximam e, consequentemente, nos países do
Common Law há cada vez mais a edição de legislação pelo Parlamento, de
legislação pelo Congresso, como no Reino Unido, por exemplo, leis
importantes, recentes, como a Human Rights Act, de 1998, a Reforma
Constitucional, de 2005, e, mais recentemente, uma ampla modernização na
Câmara dos Lordes, tudo trazido por ato do Parlamento, por decisão
normativa.
Nos Estados Unidos, uma das principais peças de legislação
nos últimos anos foi o grande plano de saúde conhecido como Obama Care,
que teve seu último capítulo na Suprema Corte, mas que também foi um ato
de criação legislativa.
Portanto, os países da tradição do Common Law já vêm
legislando amplamente, porém – e isso é o que mais nos interessa – os países
da tradição continental da qual somos herdeiros, países como Alemanha, Itália
e mesmo a França, vêm cada vez mais atribuindo um papel central aos
precedentes, à jurisprudência. E nessa matéria o Brasil vem sendo uma das
lideranças de atribuição progressiva de um papel mais relevante a
jurisprudências, aos precedentes judiciais, e é essa um pouco a trajetória que
vamos reconstituir hoje aqui.
Começo com essa evolução do papel dos precedentes do
Direito brasileiro. Essa evolução inicia, em primeiro lugar, pela expansão do
controle concentrado de constitucionalidade, pela expansão das ações diretas
de inconstitucionalidade. Quem observar a Constituição de 1988 verá que no
art. 103 ela contempla um largo elenco de órgãos, de entidades e de pessoas
com direito de propositura de ações diretas, com legitimação ativa para a
propositura de ações diretas. São nove incisos, mas, na verdade, são
centenas de legitimados na medida em que ali está prevista a legitimação para
as entidades de classe de âmbito nacional e para as confederações sindicais.
9
ESTADO DO RIO GRANDE DO SULPODER JUDICIÁRIOTRIBUNAL DE JUSTIÇA 29/08/2016
CJUD
MIN. LUÍS ROBERTO BARROSO
Portanto, isso também contribui para a judicialização, é
preciso que o interesse seja muito irrelevante, muito chinfrim, para que pelo
menos uma daquelas entidades ou órgãos não se disponha a levar a matéria
em ação direta para o Supremo Tribunal Federal, o que muitas vezes produz
um fenômeno de judicialização, que é muito típico no Brasil.
Em outros países, a judicialização se dá de baixo para cima,
mas, como o acesso ao Supremo Tribunal Federal no Brasil, por ação direta, é
relativamente singelo em razão dos legitimados do art. 103, no Brasil muitas
vezes a judicialização já começa no Supremo Tribunal Federal, e dali é que
ela se irradia para baixo, o que é uma singularidade brasileira.
Mas dizia eu que o controle concentrado se expande por força
dos legitimados ativos, por força da criação de novas ações constitucionais,
como ação declaratória de constitucionalidade e arguição de descumprimento
de preceitos fundamentais, até que em 1998, pela Lei nº 9.868, se atribui
efeito vinculante às decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal em
ações diretas de inconstitucionalidade. Portanto, este é o primeiro marco do
reconhecimento de precedente vinculante no Direito brasileiro: decisões da
Suprema Corte em controle concentrado.
Bem mais à frente, em 2004, vem a Emenda Constitucional nº
45, que cria uma nova categoria de precedente vinculante ou de vinculação,
que são as súmulas vinculantes criadas pela Emenda Constitucional nº 45.
Portanto, a vinculação a precedentes começa via controle concentrado de
constitucionalidade.
10
ESTADO DO RIO GRANDE DO SULPODER JUDICIÁRIOTRIBUNAL DE JUSTIÇA 29/08/2016
CJUD
MIN. LUÍS ROBERTO BARROSO
Em seguida, vem um conjunto de modificações introduzidas
no próprio Código de Processo Civil, o anterior, o de 73, com a valorização da
jurisprudência. E aí vem uma primeira lei, também de 1998, que passa a
permitir que o Relator do recurso possa negar provimento monocraticamente
ou dar provimento monocraticamente ao recurso de acordo com estar ele ou
não alinhado com a jurisprudência daquele Tribunal. Portanto, a jurisprudência
passa a ter um papel especial e diferenciado, que é o de permitir que decisões
não sejam sequer levadas ao colegiado, mas sejam tomadas
monocraticamente para alinhar a decisão inferior com a jurisprudência
dominante.
Depois vem o novo entendimento de que não é preciso levar
ao Órgão Especial ou ao Tribunal Pleno a questão de constitucionalidade se já
houver prévia manifestação sobre aquela matéria feita pelo colegiado. E
depois, também por lei, se previu que não haveria duplo grau obrigatório se a
decisão do 1º Grau estivesse alinhada com a jurisprudência. Posteriormente,
veio a ser introduzido o sistema de repercussão geral no Supremo e o sistema
de recursos repetitivos no STJ.
Assim foi caminhando a ascensão do papel da jurisprudência
no Direito brasileiro: começa com o controle concentrado, depois passa pelas
modificações no Código de Processo Civil, como essas que acabo de enunciar
aqui.
E aí vem o Novo Código de Processo Civil, esse de 2015.
Sabemos que estamos ficando velhos quando começamos a nos referir ao
Novo Código. Lembro-me de quando entrei para a faculdade, em 76, e o meu
pai, que era do Ministério Público do Estado do Rio, referia-se ao Código de
73, que era o único de que eu havia ouvido falar, como o Novo Código, e eu
pensava: “Esse sujeito é velho, é ultrapassado”. Hoje em dia quase tudo é
novo: o Novo Código Civil, o Novo Código de Processo, a Nova Constituição,
embora novo seja sempre um conceito relativo.
11
ESTADO DO RIO GRANDE DO SULPODER JUDICIÁRIOTRIBUNAL DE JUSTIÇA 29/08/2016
CJUD
MIN. LUÍS ROBERTO BARROSO
Há muitos anos, quando eu, o Prof. Dalmo Dallari e o Ministro
Carlos Mário Velloso participávamos de uma mesa, no Rio, o Prof. Dalmo
Dallari defendia que o Supremo Tribunal Federal devia sair de Brasília e
mudar para o Rio ou para Petrópolis. Ele dizia: “Tem que sair, tem que ficar
longe da política. Hoje em dia os parlamentares atravessam a Praça dos Três
Poderes, vão pedir o que não devem. Tem que sair e vir aqui para o Rio ou
para Petrópolis”, propunha o Professor Dalmo Dallari. Em seguida, falou o
Ministro Carlos Mário Velloso, com aquele senso de humor mineiro dele:
“Achei tão boa a proposta do Prof. Dallari, tão boa, mudar para o Rio”. Ele já
estava às vésperas da aposentadoria. Aí ele fala assim: “Apenas está me
lembrando da história de um Cônego que havia lá em Minas, onde eu
estudava. O Cônego já era nonagenário, e um dia veio um seminarista, muito
esbaforido, e falou: “Cônego, o Papa vai acabar com o celibato na Igreja”. E o
Cônego falou: “Mas agora?”” Então, a ideia de novo ou velho é sempre
relativa.
Pois bem, o Código de Processo Civil de 2015 irradicaliza um
pouco essa importante transformação, que, a meu ver, ocorre no Brasil na
direção da consolidação dos precedentes como uma fonte formal de direito
necessária para a boa aplicação das normas jurídicas em geral.
Pelo Novo Código de Processo Civil, art. 927, estabeleceu-se
que serão obrigatoriamente observadas pelas demais instâncias: 1. As
súmulas vinculantes. Portanto, as súmulas vinculantes configuram
precedentes ou proposições que devem necessariamente ser seguidas pelos
tribunais.
12
ESTADO DO RIO GRANDE DO SULPODER JUDICIÁRIOTRIBUNAL DE JUSTIÇA 29/08/2016
CJUD
MIN. LUÍS ROBERTO BARROSO
Em segundo lugar, o Novo Código de Processo Civil atribui a
força de precedente vinculante às decisões proferidas em controle
concentrado de constitucionalidade, tanto em ação direta de
inconstitucionalidade, declaratória de constitucionalidade ou arguição de
descumprimento de preceito fundamental. Depois atribui também o caráter de
precedente vinculante aos julgamentos em repercussão geral pelo Supremo e
dos recursos repetitivos pelo Superior Tribunal de Justiça. E também atribui
eficácia vinculante aos julgados dos tribunais proferidos em incidentes de
resolução de demanda repetitiva, figura nova criada pelo Código de Processo
Civil, e em incidentes de assunção de competência, sendo que nesses dois
últimos casos – incidente de demanda repetitiva e assunção de competência
–, atribuiu-se o caráter de precedente vinculante à atuação dos tribunais de 2º
Grau, e não necessariamente dos tribunais superiores.
A grande característica, do ponto de vista prático e do ponto
de vista processual, dos precedentes vinculantes é o fato de que, se
inobservados pelo tribunal ou juízo que esteja apreciando a demanda, desta
decisão que profiro, caberá reclamação per saltum e diretamente para o
Supremo Tribunal Federal. Portanto, a possibilidade de se remediar a não
observância do precedente de uma forma expedita, indo diretamente ao
Supremo ou ao Tribunal Superior, é uma grande característica do sistema.
Portanto – isso era o que eu queria assentar até aqui –, há
uma constante na evolução do sistema processual brasileiro rumo à
valorização dos precedentes, e essa história evolutiva tem o seu ponto
culminante no Código de Processo Civil de 2015. A verdade é que trabalhar
com precedentes é diferente do que trabalhar com a nossa lógica tradicional,
que opera a partir da lei dedutivamente, porque o precedente normalmente
opera a partir dos fatos relevantes e da tese jurídica indutivamente. Portanto
há, de certa forma, uma mudança na lógica pela qual nós vamos operar.
13
ESTADO DO RIO GRANDE DO SULPODER JUDICIÁRIOTRIBUNAL DE JUSTIÇA 29/08/2016
CJUD
MIN. LUÍS ROBERTO BARROSO
Fiz essa breve trajetória histórica e gostaria de fazer um breve
capítulo conceitual sobre as três modalidades de precedentes. Gosto sempre
de assentar um pouco os conceitos e ter certeza de que estamos todos
trabalhando na mesma página e sobre as mesmas bases teóricas.
Lembro-me sempre de uma história que era contada por um
grande Desembargador do Rio de Janeiro, que era professor de Direito
Constitucional, Nagib Slaibi, que ele dizia que havia uma Câmara de um
tribunal em que um Desembargador, toda vez que havia uma votação
importante – era daqueles Tribunais mais antigos, com aquelas mesas de
jacarandá com uma gavetinha –, abria a gavetinha, olhava um papelucho,
guardava o papelucho e trancava a gavetinha. Havia outro julgamento
importante, ele abria a gavetinha, olhava o papelucho, botava o papelucho de
volta e trancava a gavetinha. Assim ele fez seguidamente, ao longo dos anos.
Esse pobre homem, no entanto, faleceu ainda no exercício da judicatura, e os
seus Colegas, ínclitos e probos como eram todos, não resistiram, todavia, à
tentação, voaram na gavetinha, arrombaram a gavetinha e puxaram o
papelucho para saber o que dizia. E no papelucho dizia assim: “ex nunc, para
frente; ex tunc, para trás”. Cada um na vida sabe as dificuldades que carrega!
14
ESTADO DO RIO GRANDE DO SULPODER JUDICIÁRIOTRIBUNAL DE JUSTIÇA 29/08/2016
CJUD
MIN. LUÍS ROBERTO BARROSO
Existem três tipos de eficácia dos precedentes no Direito
brasileiro. A primeira eficácia, que é a menos relevante e é a que nós, de certa
forma, estamos acostumados, é denominada eficácia persuasiva, como era
desde quando eu saí da faculdade. Os precedentes eram invocados, e eles
tinham certa autoridade, certa autoridade moral, certa autoridade no sentido
de que alguém já pensou isso, mas não ia além de uma força puramente
persuasiva, puramente intelectual. Em seguida, com o controle concentrado,
vem o extremo oposto, que é o precedente vinculante, que é o precedente que
tem o caráter normativo, cuja observância é obrigatória e cuja inobservância
permite o ajuizamento de reclamação. Em terceiro lugar, vêm os precedentes
que se dizem intermediários, que são precedentes que não são propriamente
vinculantes, mas têm uma eficácia que vai além da eficácia persuasiva.
No Código de Processo Civil de 2015, são exemplos de
eficácia puramente persuasiva as decisões de 1º Grau e as decisões
ordinárias dos tribunais de 2º Grau, de uma maneira geral, quando não
proferidas em demandas repetitivas ou incidentes de assunção de
competência. Têm eficácia vinculante e, portanto, de observância obrigatória,
sob pena de reclamação, aqueles de que já falei: súmula vinculante, decisão
em controle concentrado, decisões em repercussão geral ou recursos
repetitivos, demandas repetitivas e assunção de competência. Por fim, têm
eficácia intermediária as súmulas simples de jurisprudência e as orientações
pacificadas dos tribunais. Por que digo que é intermediária? Porque elas não
são, em rigor, vinculantes, porque não permitem a reclamação, mas têm o
papel importante de permitir que o Relator, monocraticamente, faça valer
aquelas orientações diante do recurso que esteja apreciando. Portanto, estas
são as três modalidades de eficácia: persuasiva, vinculativa e intermediária.
15
ESTADO DO RIO GRANDE DO SULPODER JUDICIÁRIOTRIBUNAL DE JUSTIÇA 29/08/2016
CJUD
MIN. LUÍS ROBERTO BARROSO
Antes de chegar talvez à parte mais importante, quero dizer
por qual razão sou totalmente convencido, e de longa data – devo dizer que
há alguns anos, uns seis anos talvez, a convite do meu querido amigo Prof.
Ingo Sarlet, estivemos aqui no Ministério Público, lembro que foi um debate
com o Prof. Mark Tushnet, e eu já defendia a ideia –, de que deveríamos
trazer o conceito de precedente vinculante para dar certa racionalidade à
Justiça. Acho que há três razões que justificam e legitimam a adoção dos
precedentes vinculantes.
A primeira delas – e muito evidente – é a de segurança
jurídica. A observância dos precedentes vinculantes facilita a compreensão do
que seja o Direito. Quer dizer, as pessoas, as partes, as empresas, os
advogados e os Juízes têm mais convicção de qual é a lei que vai vigorar
naquela matéria se ele estiver vinculado a uma interpretação que já tenha sido
previamente fixada. Portanto, há um ganho para a segurança jurídica.
Há um segundo ganho, que me parece importante, que é um
ganho para a isonomia. Poucas coisas são piores num estado democrático de
direito do que pessoas que estejam diante da mesmíssima situação terem
soluções diferentes para o seu caso. Portanto, o respeito ao precedente, a
vinculação aos precedentes, acaba ou diminui o risco de tratamento não
isonômico entre partes e pessoas que estejam na mesma situação.
Em terceiro e último lugar, o precedente facilita o exercício da
jurisdição, torna a jurisdição mais eficiente, mais expedita: vale para mim, vale
para os senhores, vale para todos. Se já há um precedente, basta eu dizer
que a matéria tal já foi objeto de pronunciamento do tribunal, que assim
decidiu, e sigo a orientação. Com isso, você otimiza o tempo do tribunal. Um
pouco naquela linha do que falara inicialmente, que, em uma sociedade de
massas, o Juiz tem de encontrar fórmulas simplificadas para resolver
problemas que já aconteceram para ele não precisar produzir duas vezes uma
decisão de mesmo teor e ter um retrabalho.
16
ESTADO DO RIO GRANDE DO SULPODER JUDICIÁRIOTRIBUNAL DE JUSTIÇA 29/08/2016
CJUD
MIN. LUÍS ROBERTO BARROSO
Só para fazer um parêntese antes de encerrar esse tópico.
Uma das minhas maiores aflições no Supremo – e tento insistentemente
mudar esse sistema com conversas internas e em debates externos – é que o
Supremo vive uma incongruência, que é a seguinte: o recurso extraordinário
ou o recurso com agravo chega ao Supremo.
Como nós trabalhamos? Hoje em dia, para que um recurso
seja apreciado pelo Plenário, é preciso dar repercussão geral, é preciso que
ele seja um caso fora do bolo. O Supremo tem uma capacidade máxima de
julgar repercussões gerais, porque, como sustam os processos, você dá
repercussão geral demais, você vai atravancar a Justiça do País. Portanto,
cada Ministro olha no seu acervo o que entrou naquele semestre, o que ele vai
dar repercussão geral. Tenho proposto internamente – tenho feito assim – dar
duas por semestre, porque há um estoque de trezentos e vinte. Enquanto
você não julgar o estoque, não pode aumentar, senão você começa a
atravancar a Justiça. Pois bem, todo o mais, o Ministro faz uma de duas
coisas: ou ele vai modificar a decisão, porque ela não está alinhada com a
jurisprudência do Supremo, o que não é muito comum; ou ele vai
simplesmente manter a decisão. Mas ele já decidiu que ele não vai reapreciar
aquele processo, porque ele não separou para repercussão geral. Não
obstante isso, eu preciso produzir uma decisão artesanal em cada um dos
processos que eu não vou julgar. Se os senhores me entendem, todos os
processos em que vou manter a decisão de origem, tenho que produzir uma
decisão. Metade do meu gabinete está trabalhando nos casos em que vou
manter a decisão, o que é um absoluto contrassenso. Portanto, os casos não
selecionados para repercussão geral deveriam simplesmente transitar em
julgado sem a necessidade de se produzir uma decisão para cada um deles.
17
ESTADO DO RIO GRANDE DO SULPODER JUDICIÁRIOTRIBUNAL DE JUSTIÇA 29/08/2016
CJUD
MIN. LUÍS ROBERTO BARROSO
No fundo, no fundo, o que se faz é uma repercussão geral
oculta, uma negativa de repercussão geral oculta: tudo aquilo que não foi
selecionado, vai ser rejeitado. Só que, em vez de dizer que não foi
selecionado para repercussão geral porque não estava entre os mais
importantes daquela safra, temos que dizer que a matéria é infraconstitucional,
a matéria é de fato, a matéria não foi prequestionada. Dá um trabalhão para
não fazer transparentemente aquilo que se faz, que é dizer: “Este caso não
está entre os mais importantes desta safra e, portanto, não foi selecionado
para repercussão geral”, que é o que acontece.
Então, deveríamos criar um sistema mais transparente em que
se pudesse dizer: “O Tribunal tem uma capacidade máxima de trabalho,
portanto nós vamos dar repercussão geral a quarenta, cinquenta, sessenta,
cem – quantos se convencionar –, e tudo o que não for selecionado, transita
em julgado e ponto”. Às vezes o processo fica lá três, quatro, cinco anos.
Decidi 12 mil processos no ano passado. Fui recordista no
Supremo, mas não tenho nenhum orgulho – sou o único recordista que não
tem orgulho nesses períodos olímpicos –, porque ninguém pode ter orgulho de
decidir 12 mil processos pois evidentemente significa que alguma coisa não
está funcionando bem. Mas é que são os 12 mil para nos livrarmos daquilo
que já sei que não vou julgar.
Então, tínhamos que ter uma fórmula transparente de dizer:
“Não foi selecionado”. E veja, sem nenhuma consequência, porque, quando
dou repercussão geral, susta tudo, e a decisão que o Supremo produzir vai ter
efeitos vinculantes. Quando eu nego repercussão geral, também no Plenário
virtual, aquela matéria nunca mais vai subir. Estou propondo a criação de um
terceiro – “não selecionado para repercussão geral” –, que não produz
nenhum efeito além de transitar em julgado aquele processo das partes. Se a
mesma matéria chegar no ano que vem e tiver espaço para dar repercussão
geral, você pode dar repercussão geral.
18
ESTADO DO RIO GRANDE DO SULPODER JUDICIÁRIOTRIBUNAL DE JUSTIÇA 29/08/2016
CJUD
MIN. LUÍS ROBERTO BARROSO
Temos um sistema em que a maior parte do tempo dos
gabinetes é gasta com os processos que não serão apreciados – isso
provavelmente é válido para o Superior Tribunal de Justiça também, embora
eu não tenha a mesma experiência –, de modo que vivemos um pouco essa
ficção de que tudo é apreciado quando, na verdade, o que vai ser apreciado já
foi selecionado. Acho que era só uma questão de explicitar e demonstrar à
sociedade que é assim que funciona, convencer a sociedade de que os
processos devem acabar no 2° Grau de jurisdição. É assim no mundo inteiro.
Jurisdição extraordinária não é direito subjetivo da parte, o processo tem que
acabar no 2° Grau.
O problema é que, embora mais de 95% dos processos no
Supremo tenham uma decisão de origem mantida, até eu conseguir chegar a
eles, já se passaram dois, três, quatro, cinco anos. Outro dia, lá no meu
gabinete, houve uma pequena comemoração porque decidimos o último
processo do Ministro Moreira Alves. Ele se aposentou em 2003 e ainda havia
processo do Ministro Moreira Alves no meu gabinete porque eu herdei 9 mil
quando entrei. Portanto, acho que precisamos – e é um fenômeno cultural
brasileiro – reconhecer o que é possível, reconhecer o que não é possível e
administrar com absoluta transparência e franqueza o que não dá para fazer,
porque não dá para produzir 12 mil decisões, nenhum tribunal constitucional
do mundo opera assim.
19
ESTADO DO RIO GRANDE DO SULPODER JUDICIÁRIOTRIBUNAL DE JUSTIÇA 29/08/2016
CJUD
MIN. LUÍS ROBERTO BARROSO
A minha solução, se os senhores quiserem considerar e
guardar no fundo da cabeça e talvez ajudar a pensar, é um mecanismo pelo
qual o que não tenha sido selecionado para repercussão geral transite em
julgado, a decisão de origem transita em julgado sem nenhuma outra
consequência que não seja para as partes. Pode ser por decurso de prazo, se
não for selecionado em seis meses, ou pode ser por uma decisão simples,
não selecionado para repercussão geral, ponto. Acho que mudaríamos a vida
da jurisdição no País, pelo menos da jurisdição em nível superior. Depois
teríamos que enfrentar o grande congestionamento que está no 1° Grau. Ali
vamos ter que ter uma cultura de menos litigiosidade e de certa
desjudicialização da vida, mas esse seria outro capítulo.
Agora passo para o penúltimo tópico dessa minha exposição
para, em seguida, encerrar, que são categorias fundamentais para a operação
com precedentes, porque trabalhar com precedentes é diferente de trabalhar
com uma norma jurídica.
Quando se está trabalhando em um universo de precedentes,
a primeira ideia importante é a que se chama, em latim, ratio decidendi, que os
americanos chamam de holding e que acho que pode ser traduzida para o
português como tese jurídica do julgado. A primeira coisa a saber é a tese de
direito que foi formulada para resolver aquele caso concreto. Isso é mais difícil
do que parece, na prática.
20
ESTADO DO RIO GRANDE DO SULPODER JUDICIÁRIOTRIBUNAL DE JUSTIÇA 29/08/2016
CJUD
MIN. LUÍS ROBERTO BARROSO
Quem tem acompanhado ou teve a chance de acompanhar
alguma sessão do Supremo, deve ter percebido que eu, desde que entrei,
tenho defendido essa ideia, que tem prevalecido nos últimos tempos, de que
ao final de todo o julgamento o Tribunal anuncia qual foi a tese jurídica que
embasou aquela decisão. Muitas vezes é dificílimo identificar qual foi a tese
jurídica, porque as pessoas, às vezes, têm motivações diferentes para
chegarem ao mesmo resultado. Mas a pior coisa que havia no Supremo, pelo
menos no tempo em que eu advogava, era quando você pegava um acórdão,
às vezes um calhamaço de cento e cinquenta páginas, e o acórdão parecia
um filme do Monte Python, em que havia uma corrida de 100 metros rasos,
dava-se o tiro da largada, e corria cada um para um lado; você nunca vai
saber quem ganhou. E ali acontecia, você não sabia qual tinha sido o
argumento comum que aglutinava as pessoas que produziram aquela decisão.
Portanto, o dispositivo tinha tido maioria, julgado procedente
ou julgado improcedente, mas a tese jurídica... Basta pegar a ADPF 130, que
é da liberdade de imprensa, para olhar um julgado em que ninguém sabe o
que foi decidido exatamente. O que se decidiu é que a Lei de Imprensa não foi
recepcionada, agora, por que, cada um tinha o seu fundamento. Portanto,
assentar a tese jurídica, em certos casos – e vou dar um exemplo logo adiante
–, pode ser mais difícil do que parece, porém a ideia de teses jurídicas é coisa
do tipo “pessoa jurídica tem direito a dano moral”. Essa é uma tese jurídica.
Outra de um caso recentemente decidido pelo Supremo: não é
possível abrir novo concurso durante o prazo de validade do concurso
anterior. Essa é uma tese jurídica.
21
ESTADO DO RIO GRANDE DO SULPODER JUDICIÁRIOTRIBUNAL DE JUSTIÇA 29/08/2016
CJUD
MIN. LUÍS ROBERTO BARROSO
Então, o que é vinculante é a tese jurídica, e o tribunal inferior
ou o Juiz de 1° Grau tem que saber a que ele está vinculado: ou ele vai ter
que extrair do julgado qual é a tese vinculante, sem ninguém ter anunciado, o
que pode ser muito problemático; ou o julgado vai ter que explicitar qual foi a
tese, o que acho que é muito melhor, embora possa ser difícil. Se é difícil, com
11 Ministros, imagino como poderá ser difícil com 140 Desembargadores
firmar uma tese no Tribunal do Pleno, mas acho que, em última análise, isso
acaba sendo indispensável e necessário. Sem tese, não há precedente
vinculante, porque o que vincula é a tese.
22
ESTADO DO RIO GRANDE DO SULPODER JUDICIÁRIOTRIBUNAL DE JUSTIÇA 29/08/2016
CJUD
MIN. LUÍS ROBERTO BARROSO
Um conceito distinto desse de tese jurídica ou de ratio
decidendi é o de obiter dictum. Juízes com frequência dizem nos seus
julgados mais do que a decisão puramente dita. Há a fundamentação e um
comentário puramente lateral que ele faz. Evidentemente o que é obiter dictum
não faz parte do precedente vinculante. Para dar um exemplo concreto, ao
julgar o caso de uniões homoafetivas, há uns anos, um dos Ministros do
Supremo disse: “Todas as modalidades de família previstas na Constituição
têm o mesmo valor, não há hierarquia entre elas”. Essa foi uma frase dita
incidentalmente no julgamento. Agora, nesta semana, na quarta-feira, por
acaso, o Supremo vai decidir um caso em que eu mesmo sou o Relator – os
senhores já devem ter decidido isso aqui – que é para saber se é legítimo ou
não o Código Civil desequiparar entre a esposa e a companheira em união
estável para fins de sucessão hereditária, que é uma discussão importante e
relevante. Evidentemente esta frase “não há hierarquia entre famílias” dita
incidentalmente nas uniões homoafetivas não controla o julgamento deste
caso, porque não era isso que estava sendo decidido. Foi um comentário
puramente lateral, porque, se controlasse, já estava resolvido. Não pode
hierarquizar. Então, muitas coisas que são ditas incidentalmente
evidentemente não integram a tese jurídica vinculante. Portanto, tem-se a ratio
decidendi, ou tese jurídica; e tem-se o tradicional, a expressão latina obiter
dictum, no singular, ou obiter dicta, no plural, que são comentários incidentais.
23
ESTADO DO RIO GRANDE DO SULPODER JUDICIÁRIOTRIBUNAL DE JUSTIÇA 29/08/2016
CJUD
MIN. LUÍS ROBERTO BARROSO
A terceira e penúltima categoria importante é a da distinção
entre casos, distinguishing do inglês, porque a lógica do precedente significa
identificar qual foi o caso anteriormente julgado cujos fatos são semelhantes o
suficiente e cuja tese jurídica é semelhante o suficiente para que eu
transplante a mesma solução para este caso. A distinção ou o distinguishing é
basicamente o trabalho do advogado, e eventualmente do Juiz, de demonstrar
que o caso dele não se amolda ao precedente A, mas, sim, ao precedente B,
portanto governado não por essa lógica, mas por aquela. A capacidade de
fazer a distinção passa a ser muito importante e libertadora para o Juiz,
porque, se eu achar que a tese do precedente vinculante não faz a Justiça no
meu caso concreto, eu preciso ser capaz de demonstrar por qual aspecto
relevante o meu caso se distingue a legitimar a não aplicação daquela tese.
Por fim, o último conceito dos que eu selecionei para
conversarmos é o da superação do precedente ou, no inglês, overruling, que é
quando o tribunal decide mudar a orientação que ele próprio firmou. Só o
próprio tribunal pode mudar a sua orientação. É uma mudança que vem de
cima para baixo, mas o tribunal pode entender que mudou a realidade fática, o
tribunal pode entender que mudou a percepção do direito em relação a uma
determinada matéria.
24
ESTADO DO RIO GRANDE DO SULPODER JUDICIÁRIOTRIBUNAL DE JUSTIÇA 29/08/2016
CJUD
MIN. LUÍS ROBERTO BARROSO
Foi precisamente o que o Supremo fez – e vai reapreciar
possivelmente ainda esta semana – na questão da possibilidade de execução
penal depois da decisão em 2º Grau. Como os senhores terão conhecimento,
depois do início de vigência da Constituição de 88 prevaleceu a jurisprudência
anterior de que recurso especial e recurso extraordinário não tinham efeito
suspensivo e que consequentemente era possível dar execução provisória à
condenação. Em 2009, num acórdão da relatoria do Ministro Eros Grau, o
Supremo muda esse entendimento para afirmar que só é possível a execução
da pena depois do trânsito em julgado. As consequências desse novo
entendimento – não é este o tema aqui – foram devastadoras para o sistema
de Justiça e estava simplesmente desmoralizando a Justiça Criminal do País.
Portanto, o Supremo recentemente mudou essa orientação para voltar ao
entendimento de que é possível executar, sim, a decisão condenatória depois
do 2ª Grau.
Então, a realidade demonstrou que aquela nova solução não
funcionava bem, e a sociedade mudou a sua percepção em relação ao que
era justo e desejável em matéria de execução penal. Quando isso acontece,
muda-se a jurisprudência. Acho que ela ainda não se firmou. Na próxima
quinta-feira, é o primeiro da pauta, não tenho certeza se deve ser julgado,
julga-se uma ação declaratória de constitucionalidade de um dispositivo do
Código de Processo Penal que cuida disso, e aí a maioria que venha a se
formar terá efeito vinculante.
25
ESTADO DO RIO GRANDE DO SULPODER JUDICIÁRIOTRIBUNAL DE JUSTIÇA 29/08/2016
CJUD
MIN. LUÍS ROBERTO BARROSO
Ainda há uma convicção dos Juízes brasileiros em geral, e no
Supremo, inclusive, contra a minha posição de que decisão em processo
individual ou em processo subjetivo não produz efeitos vinculantes. Em
qualquer tribunal constitucional do mundo uma decisão do Plenário, uma que
seja, já criou a jurisprudência, mas, nesse caso concreto, como terão
acompanhado, alguns Ministros que não concordaram com a jurisprudência e
ainda movidos pela lógica tradicional de que cada Juiz faz o que acha que
deve fazer no processo, não seguiram o precedente do Plenário. Porém, se
ele for firmado em ação direta de inconstitucionalidade, penso que segui-lo é
um imperativo do sistema jurídico.
E a verdade vale para o Supremo, vale para o STJ, vale para
todos os tribunais. Para que a jurisprudência seja valorizada e prestigiada, é
preciso que os tribunais valorizem e prestigiem a sua própria jurisprudência. A
jurisprudência, como regra geral, mantém com um mínimo de estabilidade e
com um mínimo de oscilação possível. A verdade é que incorporamos essa
novidade dos precedentes no Brasil nos últimos anos, e a cultura brasileira
ainda é de um certo individualismo judicial. Evidentemente que temos que
operar com paciência e persistência na mudança de valores culturais e
respeitar o prazo razoável de adaptação que as pessoas precisam, mas dando
um incentivo certo, que pode ser o cabimento da reclamação, um certo tipo de
inconformismo social.
26
ESTADO DO RIO GRANDE DO SULPODER JUDICIÁRIOTRIBUNAL DE JUSTIÇA 29/08/2016
CJUD
MIN. LUÍS ROBERTO BARROSO
Somos, na vida, movidos por incentivos. Gosto de dar um
exemplo real, não é jurídico. Tenho um amigo cujo sogro mora no Interior,
ficou doente e precisava ser removido para a Capital, mas ele não tinha
condições de ser removido de ambulância, pois ele estava inconsciente, e a
situação era grave. Esse meu amigo era Diretor de uma caixa de assistência
de advogados, então ele conseguiu uma UTI aérea para ir buscar o sogro. Foi
lá o avião, pegaram o sogro, botaram o sogro na maca, o sogro, inconsciente,
mal abria os olhos, levaram o pobre homem para dentro da aeronave, mas,
quando ele entrou na aeronave, ele teve uma intuição de que alguma coisa
estranha estava acontecendo. Então, ele abriu os olhos, viu que estava dentro
de um avião particular e falou assim: “Quem é que está pagando por isso?”
Com o estímulo certo, o homem quase ressuscitou. Assim funciona a vida,
temos que ter um estímulo certo. Acho que vamos ter que criar uma cultura de
estímulos, de respeitar os precedentes.
Há dois pontos para encerrar.
O primeiro. Há um conceito que terá que voltar à discussão. O
Supremo já discutiu, já decidiu – nem penso que tenha decidido com muita
felicidade – e vai voltar à questão dos efeitos transcendentes das decisões ou
dos motivos determinantes das decisões.
O Supremo considera tradicionalmente que o que vincula é o
dispositivo e não a tese jurídica. Portanto, se alguém disser: “É
inconstitucional a cobrança de IPTU progressivo sem lei específica”. No caso
do Município de Porto Alegre, se viesse uma nova ação cuidando da matéria
em Fortaleza, o Supremo admitiria a ação, processaria a ação e discutiria tudo
de novo quando, no entanto, já havia uma tese fixada aqui. Mas o
entendimento era de que os motivos determinantes à tese não vinculavam, só
o dispositivo, e o dispositivo era: “Declara inconstitucional a lei número tal do
Município de Porto Alegre”. Portanto, isso não vale para o de Fortaleza. Não
tem muita lógica isso.
27
ESTADO DO RIO GRANDE DO SULPODER JUDICIÁRIOTRIBUNAL DE JUSTIÇA 29/08/2016
CJUD
MIN. LUÍS ROBERTO BARROSO
E agora o Novo Código de Processo Civil diz que cabe
reclamação pela inobservância da tese jurídica. Por isso acho que a teoria dos
motivos determinantes vai voltar, e agora vai voltar com o suporte de um
dispositivo normativo expresso.
A outra e última questão, para não amolá-los além do
razoável, é uma questão envolvendo a extensão da tese jurídica. Falamos um
pouco antes da dificuldade de extrair a tese jurídica, e agora gostaria de
compartilhar, para encerrar, a extensão da tese jurídica.
Vejam os senhores um caso concreto julgado pelo Supremo
recentemente. Um caminhão de uma empresa particular bateu em um veículo
de titularidade da União Federal e causou grave dano. Anos depois, por
razões burocráticas X, Y ou Z, a União entra com uma ação de reparação de
dano contra a empresa proprietária do caminhão para ser indenizada pelo
dano que foi causado. A empresa argúi, em sua defesa, prescrição; já se
passaram mais de cinco anos. Há um dispositivo na Constituição que permite
uma inteligência de que os danos causados ao Erário são imprescritíveis,
portanto essa era a discussão.
28
ESTADO DO RIO GRANDE DO SULPODER JUDICIÁRIOTRIBUNAL DE JUSTIÇA 29/08/2016
CJUD
MIN. LUÍS ROBERTO BARROSO
O Relator era o meu querido amigo, grande Juiz, fez sua
carreira aqui, o Ministro Teori Zavascki. Era uma ação de reparação de danos
causados em acidente de veículo. A primeira tese possível era ação de
reparação de dano por acidente de veículo integrante, pertencente ao Erário,
prescreve em cinco anos. A tese era: uma ação por acidente de veículo é
prescritível. Mas Teori achou que era próprio fazer uma tese um pouco maior
e disse: “A ação por ato ilícito causado contra bem da União é prescritível,
salvo caso de improbidade”. E esse foi o debate no julgamento. Digo eu:
“Concordo com a primeira parte. A ação de reparação de danos contra a
União por ato ilícito prescreve em cinco anos”. Teori pergunta: “Mas, no caso
de improbidade, você acha que é prescritível?” Eu disse: “Não sei, mas eu não
discuti isso neste caso. Não teve contraditório, não teve debate, não é o caso
que está em discussão. Pode ser que a tese esteja correta, mas não tenho
certeza, tenho sérias dúvidas de considerar qualquer coisa imprescritível, mas,
sobretudo, tenho sérias dúvidas de afirmar uma tese fora da situação concreta
que foi trazida a julgamento e objeto efetivamente de debate, de modo que
proponho uma tese menor: em vez de dizer que é prescritível, salvo
improbidade, vou só dizer que é prescritível. Em um próximo caso, vamos
discutir improbidade, e aí eu vou estudar improbidade, porque eu não estudei
improbidade para discutir acidente de veículo, não estou nem preparado para
assentar uma posição sobre isso agora”. Foi esse o meu entendimento que
prevaleceu, e a tese ficou menor, o que não quer dizer que a tese dele
estivesse imprecisa, apenas era uma tese mais larga do que o que havia sido
discutido.
29
ESTADO DO RIO GRANDE DO SULPODER JUDICIÁRIOTRIBUNAL DE JUSTIÇA 29/08/2016
CJUD
MIN. LUÍS ROBERTO BARROSO
Às vezes, se você fizer a tese estreita demais, você também
resolve problema de menos. Se eu tivesse dito que era só acidente de veículo,
não; qualquer ato ilícito, em princípio. Só para dizer que a extensão da tese
também vai passar a fazer parte importante das nossas vidas. Em algum
casopi já propus uma tese mais larga, mas Marco Aurélio sempre resistia a
isso, e acho que ele tinha razão, acho que ele tem razão. A tese deve ser o
mais parecida possível com o caso concreto que foi debatido, porque aquilo é
o que foi objeto de contraditório, portanto aquilo é o que você tem certeza que
você está decidindo. O mais pode ser ou pode não ser, é preciso esperar
acontecer um caso real e um caso concreto para efetivamente permitir um
juízo adequado.
Acho que essas ideias vão ajudar a criar uma cultura de uma
Justiça um pouco mais ágil. Quem vive no meio em que vivemos sempre vive
certa frustração de a Justiça não tem a velocidade que gostaríamos. Justiça
rápida mesmo houve em um caso que meu amigo me contou que ocorreu na
Índia. Ele disse que ele estava num táxi, o sujeito avançou o sinal e ficou
parado embaixo do sinal. Aí veio o guarda de trânsito, mandou ele abaixar a
janela e deu um cascudo, deu uma biaba no motorista e falou assim: “Agora
pode ir”. Ele autuou, julgou, condenou e executou. Em 30 segundos estava
tudo resolvido, mas a vida civilizada exige um pouco mais.
30
ESTADO DO RIO GRANDE DO SULPODER JUDICIÁRIOTRIBUNAL DE JUSTIÇA 29/08/2016
CJUD
MIN. LUÍS ROBERTO BARROSO
Tenho um sonho de consumo, uma fantasia que eu gostaria
de compartilhar com os senhores. É um tipo de processo – acho que um dia
vamos conseguir – em que o Juiz, ao receber a inicial, seja um processo cível
ou criminal, manda para a defesa ou para contestação. Quando ele receber a
contestação ou a defesa, ele terá uma ideia da complexidade do processo
com que ele está lidando. Aí ele vai despachar assim: “Este processo irá
concluso para sentença no dia...” – e ele vai marcar daqui a três meses, daqui
a seis meses ou, se muito complexo, daqui a nove meses. “Produzam as
partes as provas que desejarem até então”. No dia aprazado, ele levará o
processo e produzirá uma decisão.
Acho que isso ajudará a enfrentar uma cultura procrastinatória
que se apoderou do Judiciário no Brasil. O Judiciário hoje, no cível e no crime
– no crime nem se fala, mas no cível também –, passou a ser um espaço da
procrastinação, o Judiciário passou a ser um espaço bom pra quem não tem
razão, porque você consegue prolongar aquilo indefinidamente. E nós
estamos aceitando, por circunstâncias da nossa vida – mas vamos superar –,
que os processos levem três, cinco, oito, dez anos. Isso é um absurdo, isso é
uma negação de justiça. Um processo tem que levar seis meses, nove meses,
um ano, se for muito complexo tem que levar um ano e meio. Mais do que
isso, é justiça mal prestada.
31
ESTADO DO RIO GRANDE DO SULPODER JUDICIÁRIOTRIBUNAL DE JUSTIÇA 29/08/2016
CJUD
MIN. LUÍS ROBERTO BARROSO
Sei que é difícil, mas acho que esta passa a ser a nossa nova
meta: uma Justiça que seja capaz de derrotar essas processualidades que
nos acostumamos. Sou Relator da Ação Penal 470, quando veio o caso de um
réu que se evadiu para a Itália e aí se requereu a extradição. Aí eu vi lá na
Itália: julgou a primeira vez, indeferiu; depois julgou a segunda, deferiu; depois
a terceira, indeferiu. Quando estava na quinta instância, eu disse: “Meu Deus,
é daí que herdamos esse sistema!” É feito para não funcionar. A vida tem que
ser mais simples, mais rápida, mais barata, mais eficiente. É bom para todo o
mundo, e acho que esses talvez sejam os compromissos que temos que
encampar.
Evidentemente essas são as minhas ideias. Sei que isso não
é um debate, e estou longe de ser uma pessoa que fala de cátedra ou que
viaja pela vida com uma mochila de certezas ou de verdades. Essas são
algumas ideias que trago para reflexão com os senhores que atuam em um
Tribunal pelo qual tenho especial admiração, desde o meu tempo de
advocacia – é muito sincero –, mas são ideias, ideias para amadurecermos e
tentarmos criar um sistema de Justiça um pouco melhor.
32
ESTADO DO RIO GRANDE DO SULPODER JUDICIÁRIOTRIBUNAL DE JUSTIÇA 29/08/2016
CJUD
MIN. LUÍS ROBERTO BARROSO
Às vezes, quando temos um tempo determinado, acabamos
falando de uma forma muito axiomática e propositiva, mas não sou uma
dessas pessoas cheias de certezas não, gosto de ouvir também a opinião dos
outros, ninguém é o centro do Universo, embora, às vezes, demos uma
derrapada na vida. Esses dias eu vinha de Florianópolis, de um evento, e o
avião pousou no Rio – estava com a minha Chefe de Gabinete como
testemunha. Estava pegando a minha mala, e veio uma jovem na minha
direção com uma camiseta, e a camiseta dizia assim: “Meu coração é do
Senhor”. E eu, quando olhei aquilo, me deu uma alegria e disse: “Puxa, eu
nem conheço essa moça”. Mas, uma fração de segundo depois, dei-me conta
de que evidentemente não era comigo! Portanto, ninguém é o centro do
Universo, estamos em um projeto coletivo de tentar criar um País melhor e
uma Justiça que funcione melhor. Muito obrigado.
CERIMONIAL – Agradecemos pela presença de todos e
damos por encerrado este ato. Tenham todos uma boa-tarde.
(TRANSCRIÇÃO E REVISÃO REALIZADAS PELO DEPARTAMENTO DE
TAQUIGRAFIA E ESTENOTIPIA DO TJRS.)
33
top related