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O presente artigo introduz o tema da análise econômica do direito do consumidor. Buscou-se descrever, com base nos panoramas legal e institucional atualmente vigentes, alguns dos efeitos distorcivos causados pela interpretação exclusivamente paternalista das normas consumeristas brasileiras, de forma a demonstrar que a inclusão do enfoque institucional-econômico como parâmetro interpretativo é indispensável à eficácia do Código de Defesa do Consumidor e ao seu alcance como uma das normas corretivas do ordenamento jurídico brasileiro.

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IV Congresso Anual da Associação Mineira de Direito e Economia

ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO DO CONSUMIDOR: O CÓDIGO DE

DEFESA DO CONSUMIDOR COMO NORMA CORRETIVA NO ORDENAMENTO

JURÍDICO BRASILEIRO

LUIS EDUARDO BRITO SCOTON1

RESUMO

O presente artigo introduz o tema da análise

econômica do direito do consumidor.

Buscou-se descrever, com base nos

panoramas legal e institucional atualmente

vigentes, alguns dos efeitos distorcivos

causados pela interpretação exclusivamente

paternalista das normas consumeristas

brasileiras, de forma a demonstrar que a

inclusão do enfoque institucional-econômico

como parâmetro interpretativo é

indispensável à eficácia do Código de Defesa

do Consumidor e ao seu alcance como uma

das normas corretivas do ordenamento

jurídico brasileiro.

Palavras-chave: análise econômica do

direito; direito do consumidor; normas

distorcivas; normas corretivas.

ABSTRACT

This article introduces the topic of the

economic analysis of consumer law. We

sought to describe, based on legal and

institutional panoramas currently in effect,

some of the distorting effects caused by the

purely partenalistic interpretation of the

brazilian consumer law. It intend to

demonstrate that the inclusion of the

institutional-economic approach as a

parameter to the juridical interpretation of the

consumer law is essential to the effectiveness

of the Code of Consumer Protection and their

scope as a corrective rule on the Brazilian

legal system.

Key-words: economic analisys of law;

consumer law; distorcive rules; corrective

rules.

1 Universidade de São Paulo (USP), Faculdade de Direito de Ribeirão Preto, Av. Bandeirantes, 3900 – Monte

Alegre, Ribeirão Preto-SP – CEP 14040-906, E-mail: luis.scoton@usp.br

IV Congresso Anual da Associação Mineira de Direito e Economia

1. A ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO: BREVES NOTAS

Ao longo do século XX, os estudos nas áreas de economia e direito enfrentaram novos e

grandes desafios. Assim se deu, por exemplo, com os embates ocorridos no campo do direito

a partir do surgimento do positivismo jurídico, que agitaram todo o início daquele século - e

que atingem a Teoria Geral do Direito até hoje -. Assim também ocorreu no período entre

guerras, quando as avassaladoras crises econômicas provocaram uma releitura do liberalismo

econômico, provocando alvoroço entre os economistas neoclássicos.

Não obstante a efervescência científica das primeiras décadas, a segunda metade do século,

em especial, representou verdadeira quebra de paradigma frente à antiga epistemologia

adotada pelos doutrinadores de ambas as ciências. Esta quebra foi motivada pelos estudos

realizados por doutrinadores adeptos à escola da análise econômica do direito.

Esses estudos demonstraram a necessidade de se construir uma relação interdisciplinar

entre os campos econômico e jurídico, comprovando não haver mais espaço para análises que

excluam os resultados econômicos, das decisões jurídicas, e vice-versa. Essa teoria, mais

conhecida como análise econômica do direito, subdivide-se em várias vertentes, distinguindo-

se, a princípio, duas escolas principais.2

A Escola de Chicago - também denominada Law & Economics -, de viés utilitarista, busca

aplicar as teorias econômicas neoclássicas ao direito. Procura descrever, ou prever, como as

normas legais influenciam a alocação dos recursos e os resultados econômicos. Para tanto,

toma a premissa de que o comportamento humano se baseia na maximização de bem-estar.

Para essa corrente, o jurista deve atuar de forma eficiente (melhor custo-benefício), de

modo a maximizar satisfações (maximizar riquezas) através de contratos, leis ou decisões

judiciais. A melhor decisão seria aquela que reduzisse ao máximo as incertezas do mercado e

gerasse maior satisfação econômica. O melhor arranjo contratual seria aquele que definisse

claramente os direitos de propriedade e que prescrevesse soluções baratas, rápidas e eficazes

para os impasses surgidos. Nesta escola, destacam-se os trabalhos de Richard Posner.

De acordo com Pinheiro e Saddi,

2 Além das escolas abordadas, pode-se citar a Escola da Escolha Pública (Public Choice), a Escola

Institucionalista, o Movimento dos Estudos Críticos, entre outras. Embora divirjam na abordagem e

interpretação, o instrumental abordado por estas escolas é um só, qual seja, a intrínseca relação entre direito e

economia.

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“Ao sobrepor à superestrutura legal as suposições tradicionais da análise

econômica, a escola de Direito & Economia é capaz de utilizar o ferramental

econômico não apenas para teorizar e analisar o impacto do direito sobre a

economia, mas também para avaliar a própria qualidade dos instrumentos

legais, de acordo com métricas econômicas predefinidas.” 3

Já a Escola da Nova Economia Institucional (NEI), promove uma pequena quebra com

relação aos economistas neoclássicos, construindo a Teoria dos Custos de Transação. Para os

autores da NEI, tanto as macroinstituições (as instituições criadas pela sociedade ou as

instituições de Estado), quanto as microinstituições (as pequenas instituições existentes no

interior das firmas e organizações) importam para as análises econômicas. 4

O direito interfere na economia, e é influenciado por esta, na medida em que atua como

regulador e indutor destas instituições. Ao jurista caberá observar os efeitos econômicos de

determinado instituto jurídico, dado o arranjo institucional presente. Destacam-se as obras de

Oliver Williamson e Douglas North.

As duas escolas tiveram como base os trabalhos de Ronald Coase, catedrático da

Universidade de Chicago, e ganhador do Prêmio Nobel em Economia de 1992. Em 1937, ao

publicar “The nature of the firm”, seu trabalho precursor, Coase lançou um novo conceito

para a firma, que veio a revolucionar o modo como os juristas e economistas viam o instituto

até então.

A partir dos estudos do autor, a firma deixou de ser considerada um simples fator de

produção para se tornar um “feixe de contratos” que estabelecem direitos de propriedade entre

agentes econômicos. Ele complementa que essa ampla gama de contratos comportam relações

presentes e futuras, formais ou informais, entre os agentes, reduzindo o custo envolvido na

realização das atividades econômicas. 5

Já em 1960, ao lançar “The problem of social cost“, Coase estabeleceu as bases do que

posteriormente chamou-se de “Teorema de Coase”. Em linhas gerais, o autor prelecionou que

- diferentemente da previsão neoclássica de que a economia era capaz de organizar-se sem

custos ou influências externas - o mundo real apresenta fricções causadas por assimetrias de

informação. Estas fricções, denominadas “custos de transação”, impedem que os direitos de

3 PINHEIRO, Armando Castelar; SADDI, Jairo. Direito, economia e mercados. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005,

p.83. 4 ZYLBERSTAJN, Décio; STAJN, Rachel. Análise econômica do direito e das organizações. In:

ZYLBERSTAJN, D.; STAJN, R. (Orgs.). Direito e economia. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005, p 1-15. 5 COASE, Ronald. The nature of the firm in Economica, New Series, Vol. 4, No. 16. (Nov., 1937), pp. 386-405.

IV Congresso Anual da Associação Mineira de Direito e Economia

propriedade sejam negociados a custo zero, o que influi, como conseqüência, na alocação dos

recursos econômicos, na teoria dos direitos de propriedade e na organização dos mercados.6

Na prática, a “descoberta” dos custos de transação ocasionou a quebra do pressuposto da

economia neoclássica segundo o qual os agentes poderiam negociar direitos,

independentemente da sua distribuição inicial, a nenhum custo, de modo a sempre se chegar à

sua alocação eficiente.7 Conforme Pinheiro e Saddi: “Quando direitos de propriedade são bem

definidos e o custo de transação é igual a zero, a solução final do processo de negociação entre as

partes será eficiente, independentemente da parte a que se assinalam os direitos de propriedade”.8

Entretanto, as inovações não pararam por aí. Desde os trabalhos precursores de Coase,

baseados no estudo da firma e dos custos de transação, até o surgimento e desenvolvimento

das diferentes escolas doutrinárias, a análise econômica do direito adentrou os mais variados

campos científicos. Os acréscimos mais inovadores ficaram a cargo dos autores da NEI.

Williamson foi o responsável pela criação da Teoria dos Custos de Transação. Além de

defender que as instituições influenciam na intensidade destes tipos custos, o autor acrescenta

que existem problemas potenciais nos contratos firmados pelas firmas. Tais problemas são

causados pelo comportamento oportunista dos contratantes, que não olvidam em aproveitar

brechas contratuais para maximizar lucros. Por isto, os contratos devem ser bem construídos,

prevendo graves sanções em caso de inadimplemento (enforcement).

Além disso, o doutrinador inovou ao incorporar as organizações (microinstituições) como

objeto das análises. Também foi pioneiro ao introduzir a Teoria da Racionalidade Limitada,

de Herbert Simon (segundo a qual o ser humano é dotado de racionalidade limitada, sendo

portanto incapaz de prever todos os arranjos econômicos e custos de transação), como

pressuposto teórico-epistemológico das análises.9

North, a seu turno, investigou a origem e a evolução das instituições, desde as trocas

locais, em vilarejos, até a especialização internacional e a divisão do trabalho. O autor define

as instituições como mecanismos ou restrições formais (constituições, leis, direitos de

propriedade, etc.) e informais (sanções sociais, tabus, costumes, tradições e códigos de

conduta) previamente criados pelo homem para estruturar as relações políticas, econômicas e

sociais. 10

6 COASE, Ronald. The problem of social cost. Journal of Law and Economics, n.3,outubro, 1960.

7 Op. Cit. Nota 4 supra.

8 Op. Cit. Nota 3 supra, p.105.

9 WILLIAMSON, Oliver. The New Institutional Economics: Taking Stock, Looking Ahead in Journal of

Economic Literature, Vol. 38, No. 3. (Sep., 2000), p. 595-613. 10

NORTH, Douglass. Institutions in The Journal of Economic Perspectives, Vol. 5, No. 1. (Winter, 1991), p.

IV Congresso Anual da Associação Mineira de Direito e Economia

Para o autor, as normas jurídicas, que compõem a ciência do direito, são espécies de

instituições criadas para estruturar as relações políticas e sociais. Ressalte-se que as leis

garantem ao Estado – outra espécie de instituição – o estabelecimento do convívio entre os

cidadãos e a manutenção da paz social.

Já no campo econômico, as instituições atuam de modo a reduzir incertezas nas trocas, e a

minorar custos de transação e produção. Através desse novo enfoque, os estudos de North

consolidaram o entendimento de que as instituições realmente importam à economia. Para o

autor, o mercado é análogo a um jogo. As instituições representariam as regras desse jogo.

2. NORMAS CORRETIVAS E NORMAS DISTORCIVAS

É a partir dos distintos conceitos desenvolvidos pelas correntes doutrinárias

anteriormente expostas que surge a análise econômica do direito (AED). De modo geral, a

AED busca aplicar o arcabouço teórico da economia para investigar os efeitos e a eficácia

das leis e decisões judiciais.

De acordo com Ivo Gico Júnior,

“A Análise Econômica do Direito nada mais é que a aplicação do

instrumental analítico e empírico da economia, em especial da

microeconomia e da economia do bem-estar social, para se tentar

compreender, explicar e prever as implicações fáticas do ordenamento

jurídico, bem como da lógica (racionalidade) do próprio ordenamento

jurídico. Em outras palavras, a AED é a utilização da abordagem econômica

para tentar compreender o direito no mundo e o mundo no direito.”11

A grande justificativa para a utilização da abordagem econômica-institucional é a de

que a economia, por constituir-se como uma das ciências cuja essência é o próprio

comportamento humano, poderá fornecer ao direito uma metodologia capaz de prever

quais os efeitos que determinada norma irradiará sobre o comportamento dos agentes

sociais.

Todavia, economia e direito nem sempre são ciências compatíveis entre si. Enquanto a

economia é uma ciência ontológica (voltada para o conhecimento da realidade, para o que

97-112. 11

GICO JÚNIOR, Ivo. Metodologia e epistemologia da análise econômica do direito. Disponível em: <

http://www.iders.org/textos/Ivo_Gicco_Metodologia_Epistemologia_da_AED.pdf>. Acesso em: 23.mai.2011.

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“é”), constituída por regras positivas (disposições objetivas, descritivas da realidade), o

direito é uma ciência deontológica (voltada para o dever-ser, para o alcance do ideal),

composta por regras normativas (disposições prescritivas e sancionatórias).12

e 13

Dessa forma, caberá ao legislador - no momento de confecção da lei – e ao jurista – no

momento de interpretação da lei e aplicação da AED – ter sempre em mente esta

dicotomia. Se por um lado as normas jurídicas devem ser programáticas e valorativas -

não sendo compostas meramente por disposições descritivas, mantenedoras do status-quo

-, por outro lado as normas que fugirem demasiadamente da realidade do mundo - e que

dispensarem as forças do comportamento humano esperado - estarão desde já

predestinadas ao fracasso.

Utilizando-se da classificação construída por Persio Arida14

, incumbirá ao legislador,

pois, a confecção de normas corretivas, ou seja, de normas que, lastreadas nas regras reais

do jogo econômico e no comportamento esperado dos agentes, atuem para sanar e corrigir

as falhas do mercado. É nesse sentido que deverá caminhar toda interpretação realizada

pelo jurista.

Não deve o legislador editar normas distorcivas, que fujam do alcance da realidade, e

que não levem em conta as regras básicas de economia, como a livre concorrência, o

ótimo de pareto, os elementos demanda e oferta, entre outros.

Em verdade, grande parte das normas distorcivas são resultado da ignorância de

noções básicas de economia por parte do seu autor. De fato, muitas vezes o legislador,

apesar de bem intencionado, ao atuar para corrigir uma falha do mercado, acaba criando

entraves ao desenvolvimento econômico e social, atingindo efeitos diversos do

inicialmente pretendido, incorrendo na grave prática da causalidade reversa.

3. A ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO DO CONSUMIDOR

Os preceitos básicos desenvolvidos pelos teóricos das distintas correntes da análise

econômica do direito suscitaram novos estudos que ocasionaram mudanças de abordagem e

interpretação em vários campos jurídicos. No direito privado, a abordagem econômica passou

a ser indispensável, sobretudo quando tratadas matérias relacionadas ao direito dos contratos e

12

MANKIW, N. Gregory. Introdução à economia. Tradução de Allan Vidigal Hastings. São Paulo: Thomson

Learning Edições, 2006. 13

FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito. 17.ed. São Paulo:Atlas, 2007. 14

ARIDA, Pérsio. Direito e economia in Revista Direito GV, v.1, n.1, (mai.2005), p. 11-22.

IV Congresso Anual da Associação Mineira de Direito e Economia

aos direitos de propriedade.

No direito penal, a seu turno, os estudos sobre as motivações econômicas do homo delicti

promoveram importantes modificações na teoria do delito. No direito público, por fim, a

racionalidade econômica passou a ser indispensável sob vários aspectos: à regulação dos

serviços públicos, à teoria do interesse público, às leis de concorrência, entre outros.

Com o direito do consumidor não é diferente. Embora existam poucas análises econômicas

incidentes sobre o tema - sobretudo no Brasil-, as análises institucionais-econômicas têm

muito a contribuir para a melhoria das relações de consumo. Destaque-se que a perspectiva

econômica do direito do consumidor assume cada vez maior valor, principalmente em tempos

de comércio eletrônico, globalização econômica e integração de mercados.

Não estranha o fato de, no Brasil, a defesa do consumidor ter sido elevada pela

Constituição Federal a princípio da ordem econômica (artigo 170, inciso V). O constituinte

entendeu a importância socioeconômica da formulação de Políticas de Proteção ao

Consumidor. Concluiu que estas deveriam ser nacionais, e garantidas pelo Estado, e por isso

estabeleceu também no artigo 5º, inciso XXXII, que o Estado promoverá, na forma da lei, a

proteção do consumidor.

Ademais, o constituinte procurou ampliar a proteção do consumidor a partir da legislação

ordinária: do artigo 48 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias prescreveu a

ordem dirigente que resultou no Código Brasileiro de Defesa do Consumidor (CDC). De fato,

a Lei 8.078/90, que instituiu o CDC brasileiro, é o grande marco institucional da proteção do

consumidor no Brasil. Cabe, aqui, descrever as vantagens de se interpretar o instituto sob a

ótica da análise econômica do direito e, mais precisamente, da nova economia institucional.

Uma das pioneiras a tratar da análise econômica do direito do consumidor foi a professora

estadunidense Brooke Overby. Em seu artigo intitulado “An Institutional Analysis of

Consumer Law”, a autora discute os pontos negativos e positivos da derrogação, pela

legislação dos estados membros da federação, de grande parte da legislação federal atinente às

relações de consumo, editada ao longo das décadas de 1960-70 pelo Congresso dos EUA.

Nesse contexto, Overby também analisa as pressões institucionais exercidas por alguns órgãos

pelo tratamento da relação de consumo a partir da uniformização das leis comerciais

estadunidenses.15

Para a autora,

15

OVERBY, A. Brooke. An institutional analysis of consumer Law. Disponível em: < Erro! A referência de

hiperlink não é válida..edu /publications/journal-of-transnational-law/archives/volume-35-number-1/download.

aspx?id=2000>. Acesso em: 23.mai.2011.

IV Congresso Anual da Associação Mineira de Direito e Economia

“Consumer law has acquired an increasing transnational and international

dimension as a result of economic integration and technological

developments such as e-commerce. This suggests that the traditional roles

played by legal organizations in consumer lawmaking perhaps ought to be

questioned in light of increasing globalization. The impact of globalization

on domestic U.S. contract law is often overlooked or de-emphasized.

(…)

Consumer law in the future most likely will play out on a field vastly

different from that which showcased the liberal, rights-oriented consumer

debate decades ago(…) the reordering of federal and state priorities in the

United States, increasing internalization, and the potential transformation of

consumer issues from matters of local concerns to matters of some global

import all indicate that a radical reinterpretation of consumer law may

eventually emerge. In the United States, this reinterpretation will raise broad

issues regarding the state uniform laws process, consumer rights, and

economic justice – which provide the source for much of the argument to

date- but also much more subtle questions of institutional design,

organizational competence, federalism, law and technology, and the global

economy.”

Podemos dizer que, de certo modo, as questões centrais que motivam mudanças na

legislação sobre consumo nos EUA são semelhantes às que demandam novas interpretações

dos juristas brasileiros. São exemplos: a globalização econômica e o surgimento de novas

tecnologias. Estas interpretações demandarão análises inovadoras, baseadas no panorama

institucional específico do Brasil.

Como Douglas North demonstrou, modelos legais não devem ser importados ou copiados

de outros países. Deverão os juristas brasileiros, pois, encontrar soluções pontuais para as

controvérsias surgidas, com base no sistema institucional brasileiro. A título de exemplo, não

caberá a adaptação para o Brasil do sistema consumerista estadunidense, pois este é

amplamente baseado em fatores atinentes ao modelo federalista norte-americano, à cultura da

liberdade negocial, à relativa paridade econômica existente entre os cidadãos, entre outras

características peculiares ao ambiente institucional dos EUA.

Para Overby, de modo geral, as novas análises teóricas que incidem sobre o direito do

consumidor tendem a recair em três categorias gerais: a) a criação de políticas contra as falhas

de mercado, ou seja, fomentadoras de mercados eficientes para o consumo de bens e serviços;

IV Congresso Anual da Associação Mineira de Direito e Economia

b) o avanço ético; c) a proteção paternalista do consumidor.16

De acordo com os que defendem a proteção do mercado, o governo deveria intervir nas

transações privadas apenas quando existirem falhas de mercado, e quando os benefícios desta

intervenção legal excederem os custos (intervenção de máxima eficiência). Para os defensores

da corrente ética, a lei deveria se basear em teorias de justiça - tais como a justiça distributiva,

os valores sociais, a autonomia individual, a dignidade e o respeito - que justifiquem a

intervenção nas relações de consumo.

Já os paternalistas, por sua vez, pregam que o Estado intervenha para impossibilitar a

contratação do consumidor em qualquer situação de disparidade entre este e o fornecedor. A

autora salienta que esta última posição não coaduna com a tradição liberal ocidental, pois

sugere a anulação da preferência individual do consumidor pela imposição do Estado.

Tem razão a autora quando aponta para os perigos da interpretação exclusivamente

paternalista do direito do consumidor. Há alguns sérios exemplos na jurisprudência brasileira

de decisões de caráter paternalista que implicaram em efeitos danosos para o próprio

consumidor, causando a distorção da tutela protetiva conferida pelo CDC e apontado para

efeitos da perigosa causalidade reversa, anteriormente citada.

Um desses exemplos é a questão da etiquetagem unitária dos produtos expostos em

prateleiras e gôndolas. Anteriormente à Lei 10.962, de 11 de outubro de 2004, que pacificou a

questão, eram comuns as decisões judiciais no sentido de obrigar o comerciante a etiquetar os

produtos expostos, um a um, de modo a - de certa forma - facilitar o acesso à informação do

preço pelo consumidor.

Os magistrados baseavam essas decisões nos artigos 6º e 31 do CDC, porém não

analisavam, todavia, que havia um custo na operação de etiquetagem, e que, por regra

positiva, todo esse custo era automaticamente repassado ao consumidor, a partir do aumento

do preço da própria mercadoria. Atente-se ao seguinte trecho do voto proferido pelo Ministro

Garcia Vieira, relator do MS 5986, julgado pela 1a Seção do STJ em 13/10/99:

“EMENTA – MANDADO DE SEGURANÇA – DIREITO DO

CONSUMIDOR – FIXAÇÃO DE PREÇO EM MERCADORIA –

LEGALIDADE.

1.Para atender o estabelecido pelo CDC, além do código de barras e do preço

nas gôndolas, os estabelecimentos comerciais devem fixar os preços

16

Op. Cit., Nota supra.

IV Congresso Anual da Associação Mineira de Direito e Economia

diretamente nas mercadorias. Precedentes do STJ.

2.Remessa necessária e apelação providas.

No Brasil ainda existe uma porcentagem muito grande de pessoas humildes,

analfabetas ou semi-analfabetizadas para as quais ainda é muito difícil ou

mesmo impossível a consulta rápida e eficiente a um terminal de computador

para verificar o preço do produto, no código de barras. Estas pessoas ficam

impedidas de verificar o preço do produto que está adquirindo na hora de

pagá-los, no caixa. Como se trata de várias mercadorias, no caixa, o

consumidor não vai lembrar o preço de todas elas e não terá como verificar

os preços pelos quais estão os produtos sendo registrados. É muito comum

nos supermercados o registro da mercadoria por preço superior ao que consta

das prateleiras, das gôndolas.”17

Em outro caso recente, a terceira turma da segunda seção do STJ, ao decidir pela

impossibilidade do repasse ao consumidor, pelo comerciante, das taxas de serviços cobradas

pelas operadoras das máquinas de cartões de débito e crédito, acabou emitindo uma decisão

que tolheu a liberdade de contratar.

Ao impossibilitar o repasse do custo de transação do cartão, pelo comerciante, o

consumidor ficou impossibilitado de negociar o desconto ou o abatimento da respectiva taxa

nas compras com pagamento à vista. Mais uma vez, o que era um ato que visava a proteção

paternalista do consumidor, acabou por afetar o indivíduo na liberdade e nos bolsos,

restringindo também o mercado.18

Outro exemplo de atuação paternalista negativa na proteção do consumidor é a

interpretação restritiva do inciso VIII, do artigo 51 do CDC. Tal interpretação leva muitos

juízes a declarar de ofício a nulidade de qualquer cláusula de arbitragem nos contratos de

consumo, antes mesmo de qualquer análise quanto à conveniência das partes em celebrar tal

cláusula. De outro lado,há consenso entre os estudiosos do direito arbitral quanto à validade

da cláusula arbitral, desde que expressamente aceita pelo consumidor. Assim, a decretação da

nulidade de cláusula arbitral sem a anterior análise de mérito trata-se, sem dúvida, de um

retrocesso ao princípio da liberdade de contratar, e de um claro óbice à economia processual.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS: O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

(CDC) COMO NORMA CORRETIVA NO ORDENAMENTO JURÍDICO

BRASILEIRO

17

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (STJ).Mandado de Segurança nº 5.986, de 13/10/99. Primeira seção. 18

BLIACHERIENE, A. C. A cédula e o crédito in Jornal a Cidade, Aracaju/SE, p. B-11, (12 abr. 2010).

IV Congresso Anual da Associação Mineira de Direito e Economia

Apesar das interpretações negativas, que causam distorção na aplicação do CDC, há de se

ressaltar a importância da proteção que o Código confere tanto aos consumidores, quanto aos

fornecedores e à relação de consumo. O fato é que a edição do CDC representou verdadeiro

avanço para a economia, vez que o regramento diminuiu a desigualdade que havia entre

consumidores e fornecedores, o que trouxe maior fluidez ao comércio e uma maior segurança

aos contratantes. Nesse sentido, o CDC constitui-se como verdadeira norma corretiva no

ordenamento jurídico brasileiro.

Destaque-se o papel do princípio da informação, elencado no artigo 6º, inciso III do CDC,

e a aplicação do código no combate à assimetria de informações do mercado. As regras

econômicas indicam que a disponibilidade de informações contribui para a diminuição dos

custos de transação, o que é bom para o mercado, para consumidor (que obtém a redução nos

preços) e para o fornecedor (que tem o cliente satisfeito, e à certeza dos fatores que

motivaram a compra).

A uniformização dos padrões dos produtos e serviços, conseqüência da edição do CDC, é

outro fator de destaque, pois permitiu aos fornecedores brasileiros o desenvolvimento da

competitividade necessária para o acesso a mercados externos, mercados estes fundamentais

para o seu crescimento econômico.

Por fim, a ampliação do acesso à justiça, promovida pelo julgamento das causas de

consumo pelos Juizados Especiais e iniciada pelo CDC, e a inversão do ônus da prova, foram

fatores importantes no combate ao que a doutrina denomina de “dano eficiente”. Esse seria

aquele dano sobre o qual o consumidor não pleiteia reparação, mas que é contabilizado como

um ativo para a empresa, tendo-se em vista que esta não gastou para a sua restituição,

repassando os custos do vício do produto.

Com a inversão do ônus da prova o consumidor se viu muito mais incentivado a pleitear

na justiça qualquer direito decorrente de dano provocado por produto ou serviço oriundo de

acidente de consumo. Dessa forma, os fornecedores se viram obrigados a aumentar o controle

de qualidade de seus produtos e serviços, ampliando-se a boa-fé e combatendo-se a fraude.

Aqui, mais que disposição econômica positiva, o CDC ganha valor como regra normativa

deontológica.

5. BIBLIOGRAFIA

ARIDA, Pérsio. Direito e economia in Revista Direito GV, v.1, n.1, (mai.2005), p. 11-22.

IV Congresso Anual da Associação Mineira de Direito e Economia

BLIACHERIENE, A. C. A cédula e o crédito in Jornal a Cidade, Aracaju/SE, p. B-11, (12

abr. 2010).

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (STJ).Mandado de Segurança nº 5.986, de 13/10/99.

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