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Anais do I Congresso do Núcleo de Estudos Nietzschianos
Fronteiras do perdão e da justiça
Curitiba, 08 e 09 de outubro de 2014
Anais do I Congresso do Núcleo de Estudos Nietzschianos
Fronteiras do perdão e da justiça
http://nucleodeestudosnietzschianos.blogspot.com.br/
Caderno de Resumos
CURITIBA, 08 e 09 de outubro de 2014
Organizador: Antonio Edmilson Paschoal
UFPR
Anais do I Congresso do Núcleo de Estudos Nietzschianos
Fronteiras do perdão e da justiça
Equipe:
Professores:
André de Macedo Duarte
Antonio Edmilson Paschoal
Diana Chao Decock
Vinícius Berlendis Figueiredo
Doutorandos:
Benito Eduardo Araujo Maeso
Sdnei Almeida Pestano
Thiago Fortes Ribas
Tiago Hercílio Baltazar
Victor Campos Silva
Mestrandos:
Carlos Kenji Koketsu
Ítalo Kiyomi Ishikawa
Waldirene Dal Molin
Curitiba, 08 e 09 de outubro de 2014
Comitê Científico do Congresso:
(em ordem alfabética):
Prof. Dr. Adriano Correia - UFGO
Prof. Dr. André de Macedo Duarte - UFPR
Prof. Dr. Antonio Edmilson Paschoal - UFPR
Prof. Dr. Daniel Omar Perez - UNICAMP
Prof. Dr. Ernani Pinheiro Chaves - UFPA
Prof. Dr. Horácio Lujan Martinez - PUCPR
Prof. Dr. Jorge Luiz Viesenteiner - UFES
Prof. Dr. Oswaldo Giacoia Junior - UNICAMP
Anais do I Congresso do Núcleo de Estudos Nietzschianos
Fronteiras do perdão e da justiça
Ficha catalográfica
ISSN:
Editoração: Sdnei Almeida Pestano
7
Curitiba, 08 e 09 de outubro de 2014
Apresentação:
O Núcleo de Estudos Nietzschianos da UFPR tem por finalidade o estudo, produção e
divulgação de trabalhos sobre o pensamento de Friedrich Nietzsche, o aprofundamento de
conceitos e problemas estudados pelo filósofo bem como de temas de filosofia moderna e
contemporânea interligados com sua obra. O campo de trabalho do Núcleo compreende a
pesquisa de autores estudados por Nietzsche e que influenciam seu pensamento; temas
pontuais da sua filosofia ou relacionados a ela; desdobramentos desses temas na filosofia dos
séculos XX e XXI. O grupo visa, assim, contribuir com a atual recepção do pensamento de
Nietzsche tanto no cenário nacional quanto internacional e também apresentar estudos críticos
que realizem a intersecção do pensamento do Filósofo com assuntos proeminentes da cultura
e da sociedade contemporânea.
Para a concretização desses objetivos o Núcleo de Estudos Nietzschianos realiza reuniões de
trabalho regulares com seus membros e promove uma série de atividades sobre o pensamento
de Nietzsche visando o estudo em conjunto, a troca de informações, o debate e a divulgação
de pesquisas realizadas. Nesse sentido, foi realizado no primeiro semestre de 2014 o "I
Colóquio Nietzsche da UFPR”, que inaugurou as atividades do Núcleo com a apresentação de
papers, resenhas críticas e com a realização de debates centrados em temas internos do
pensamento do filósofo e com o objetivo de objetivo de estabelecer os primeiros fundamentos
para as pesquisas do NEN-UFPR.
Por sua vez, o “I Congresso do Núcleo de Estudos Nietzschianos da UFPR” se propõe a
fomentar o debate sobre os temas da justiça e do perdão, tendo em vista situações limítrofes,
em que a noção de “equivalência” e de “retribuição” dificilmente poderiam ser aplicadas,
como se verifica em casos como o da ditadura militar experimentada no Brasil, ou da
Apartheid vivenciada pela população negra da África do Sul. O debate, que pretende tomar
como referência os trabalhos da Comissão Nacional da Verdade, deve se desenvolver a partir
das diferentes leituras que o fenômeno da violência recebeu por parte de filósofos como
Nietzsche, Foucault, Hannah Arendt, Paul Ricoeur, Derrida, entre outros.
Este evento se coloca no ponto de intersecção que tem, por um lado, a filosofia entendida
enquanto herdeira de um legado conceitual e, por outro, a sua vocação para debater questões
8
do tempo presente, considerando de forma especial as contribuições advindas daquele legado.
Nesse sentido, o congresso deve ampliar os debates sobre as situações extremas vivenciadas
no Brasil no período conhecido como “ditadura civil militar”, abordando conceitos como os
de justiça e de perdão, que ganham contornos paradoxais sempre que são pensados nessas
situações-limite em que o mal parece ganhar contornos de banalidade.
O Congresso, que reúne conferencistas e oportuniza a apresentação de comunicações de
pesquisas, deve ser o primeiro de uma serie voltada de forma especial para assuntos que
desdobrem o pensamento do filósofo e o explorem naquilo que pode oferecer de contribuição
para o debate com outros filósofos e para a análise de temas relevantes do “nosso tempo”.
Dessa forma, ele cumpre o objetivo de estabelecer a intersecção do pensamento do Filósofo
com assuntos proeminentes da cultura e da sociedade contemporânea.
Por fim, cabe ressaltar que os conferencistas são especialistas de renome internacional, tanto
no que diz respeito ao tema da justiça em sua correlação com o período militar no Brasil,
quanto em relação a autores clássicos da filosofia que debatem os temas do perdão e da justiça
submetidos a tais situações extremas. Entre os filósofos a serem tomados para o debate,
destacam-se: Friedrich Nietzsche, Hannah Arendt, Paul Ricoeur, Jacques Derrida, entre
outros.
Autor: Prof. Dr. Antonio Edmilson Paschoal
Índice
Apresentação: ............................................................................................................................. 7
Programação geral .................................................................................................................... 10
Programação das comunicações ............................................................................................... 11
Caderno de Resumos ................................................................................................................ 12
Programação geral
Programação das comunicações
Caderno de Resumos
13
Culpa em Nietzsche e Freud
Antonio Djalma Braga Junior1
Resumo
Pretende-se com o presente trabalho analisar e comparar as reflexões acerca da culpa
elaborada pelo filósofo alemão Friedrich Nietzsche e pelo pai da psicanálise Sigmund Freud.
Percebe-se que tanto o filósofo quanto o psicanalista concebem o ‘homem’ de uma forma
muito peculiar. Eles perceberam que este não é desde sempre um ser tão amigável, bonzinho e
dócil, que busca compreender o outro e viver fraternalmente dentro de uma comunidade, mas,
ao contrário, possui em si não só uma busca por satisfação e prazer a todo custo, como
também uma energia destrutiva, um instinto agressivo, que está interessado em sobreviver e
impor-se acima de tudo. Ora, para estes pensadores, o objetivo primário de todo homem é a
satisfação integral de suas necessidades. A partir do momento em que isso não ocorre, surge
um fenômeno interessante: os instintos voltam-se para trás, para o interior, para dentro do
próprio homem. A repressão dos instintos não os eliminam, mas os redirecionam: se eles não
obtiverem sucesso em sua evasão, serão introjetados, internalizados. É deste processo que
surge a culpa. Em Nietzsche, a culpa é uma doença oriunda da interiorização do homem – fato
que o torna um animal digno de interesse. Em Freud, ela é vista como um dos maiores
empecilhos para a cura de seus doentes. Este tema torna-se central tanto em Nietzsche quanto
em Freud: o primeiro relaciona a culpa à moralidade; o segundo a relaciona ao diagnóstico
das neuroses. Deste modo, procurar-se-á estabelecer as semelhanças e as dessemelhanças
sobre este conceito de culpa tanto no filósofo quanto no psicanalista.
Palavras-chave: culpa; doença; moralidade e neurose.
A crítica à moral em Nietzsche como uma crítica à perda da autenticidade
da cultura.
Cathiani Mara Bellé2
1 Mestre em Filosofia – UFPR e coordenador do Curso de Licenciatura em História EaD e Tutor da Pós
Graduação em Ensino de História e Geografia da UNINTER. 2 Mestranda em filosofia – UFPR.
14
Resumo
A pesquisa busca investigar a possibilidade de uma analogia entre a crítica feita por Friedrich
Nietzsche (1844-1900) à moral e à cultura como uma forma de restrição do comportamento e
da autenticidade. Com base na história e como a relação entre passado e presente pode afetar
o comportamento humano e a própria evolução do homem, buscamos identificar como é
possível caracterizar a moral como um empecilho ao enriquecimento da cultura e como a
noção de decadence descreve uma redenção do modo de viver no decorrer da história. Dessa
forma, a cultura transforma-se em um resgate da humanidade do que é imoral, um costume
que perdeu a sua personalidade a partir de padronizações delimitadas moralmente. Por
conseguinte, a avaliação racional do mundo assumiu as rédeas perante o comportamento
humano e isso reflete em uma cultura nivelada. Nietzsche observa que no Mundo Grego a
idéia da Tragédia instigava a observação do indivíduo e a partir dessa perspectiva eles
buscavam entender o homem em todas as suas atribuições. Assim, quando o mundo passa a
ser descrito como racional, e a moral padroniza o comportamento humano, caímos na
estagnação da cultura, uma vez que não é possível identificar parâmetros para um
comportamento único no homem. Na filosofia nietzschiana o homem não consegue viver o
momento presente se não conseguir se desvencilhar do passado. Dessa forma, a relação entre
passado e presente é o que delineia a história e descreve os traços do que a cultura identifica
no homem. O homem é um efeito do passado, caracterizado pela relação com o próprio
momento vivido e, nesse contexto, não é permitido uma moral que racionaliza e universaliza
o comportamento sem considerar o indivíduo e o tempo presente. Para Nietzsche, o homem é
o produto do seu próprio tempo, logo, se a moral racionalizar todo o comportamento sob um
mesmo parâmetro e a cultura perder sua identidade, não será mais possível entender a
complexidade humana.
Palavras-chave: Moral; cultura; história; razão.
Uma abordagem do problema do perdão e da justiça: reconhecimento,
reconciliação e sanção a partir dos humanismos filosófico e jurídico
Eliseu Raphael Venturi3
3 Mestre em direitos humanos e democracia – UFPR.
15
Resumo
As relações entre o perdão e a justiça são precipuamente complexas e tensas, eis que lidam
com as consequências esperadas ao perpetrador da transgressão à ordem normativa, moral ou
jurídica, ao compasso de determinarem os rumos do futuro da relação humana e social dos
envolvidos. Deste modo, ao mesmo tempo em que o perdão não pode redundar em
impunidade, condescendência com o mal ou violação do dever de memória, o exercício da
justiça (e sanção), além de dogmaticamente preciso (exemplo do instituto excludente de
punibilidade, o perdão judicial, art. 107, IX, CP), não pode reiniciar ou perpetuar um ciclo de
violência e de vingança. Disto, a centralidade de temas como: vedação de tratamentos
desumanos, degradantes e crueis; justiça restaurativa; humanização das penas; garantismo;
ampla proteção dos direitos humanos e fundamentais de todos (incluindo condenados, frise-
se); fomento da tolerância e vedação dos discursos de ódio, tão em uso na opinião pública e
mídias como sinal da incapacidade de compreender, de perdoar e de prosseguir. Conforme
Hannah Arendt (A Condição Humana; Origens do Totalitarismo; Eichmann em Jerusalém) o
perdão é condição da ação política, essencial à continuidade das relações comunitárias e
garantia do espaço político como um todo, pois sem o perdão os ofendidos ficariam
eternamente em rancor, ódio, sentimento de vingança, ressentimento; e os perpetrantes
definitivamente excluídos da convivência. Por fim, ainda segundo Arendt, os regimes
totalitários produziram o mal em dimensões inexplicáveis e imperdoáveis (tônica aos atuais
crimes contra a humanidade, ao plano do regime democrático ante o dever de memória e à
responsabilidade do Estado), ao compasso de a "banalidade do mal", decorrente da
incapacidade de pensar, ínsita à construção da lógica burocrática, também relançar o
problema de se compatibilizar tanto a justiça (correção das consequências) quanto o
reconhecimento da transgressão e a possível reconciliação (perdão).
Palavras-chave: perdão; justiça restaurativa; humanismo jurídico; reconhecimento;
reconciliação.
Sobre a origem do sentimento de justiça: uma incursão a partir dos escritos
de Paul Rée e Nietzsche
Flávio de Sousa4
4 Mestrando em Filosofia – PUCPR
16
Resumo
A proposta da presente comunicação é explorar a partir dos escritos de Paul Rée e Nietzsche a
argumentação a propósito da origem do sentimento de justiça, usando como base dois escritos
fundamentalmente distintos, mas que compartilham uma só atmosfera, intitulados Der
Ursprung der moralischen Empfindungen de 1877 e Menschliches, Allzumenschliches de
1878. A hipótese aqui apresentada é a de que a temática da justiça surge em Rée e em
Nietzsche a partir dos desdobramentos das abordagens do problema da moral e das
especulações pela origem (Ursprung). Ambos consideram que os conceitos de “bem” e “mal”
possuem sua origem em um sentimento comum de utilidade das ações “boas” e “más”, mas
que foram esquecidas ao longo história evolutiva dos homens que passaram a entendê-los
como valores em si. Ambos estavam de acordo que os juízos de valor sobre as ações humanas
são de todo injustificados, pois quando se julga uma ação se parte do princípio de que o
agente é livre para escolher ou não agir de outro modo. No entanto, as concordâncias entre
Nietzsche e Rée não segue além desse ponto: diante da realidade necessária de todas as ações,
isto é, diante do fato da não liberdade da vontade e da ação, como justificar a existência de
parâmetros normativos da ordem de uma moralidade universal ou de uma justiça punitiva?
Rée posiciona-se de modo pragmático diante do problema da punição, concluindo que ela é
um instrumento estatal necessário, não para punir o ato cometido, mas para prevenir e
dissuadir atos prejudiciais no futuro. Nesse sentido, a punição não seria justificável por um
“senso de justiça” que nasce, segundo o autor, depois da punição, mas a punição seria
justificável como meio de dissuasão das intenções maldosas. Nietzsche entenderá, no entanto,
a justiça enquanto equilíbrio ou equidade, que tem sua origem entre homens de
aproximadamente mesmo poder. A justiça seria, portanto, retribuição e intercâmbio sob o
pressuposto de um poderio mais ou menos igual, não precisando, ser mediada pelo estado.
Palavras-chave: Justiça; Punição; Origem; Nietzsche; Paul Rée.
Desujeição: a possibilidade do contradiscurso e da contraconduta no
interior da biopolítica
Giovanni Vidal Guaragni5
5 Acadêmico de Filosofia – PUCPR e Direito – UFPR
17
Resumo
O presente artigo inicialmente apresenta, de maneira breve, três dos principais conceitos
utilizados pelo filósofo Michel Foucault, em suas obras. Em seguida, aborda, à luz das obras
de Foucault, a passagem do modelo de vigilância disciplina (século XVI e XVII), para o
exercício do biopoder (século XVIII em diante), ressaltando os aspectos individualizantes e
generalizantes de cada técnica de poder, disciplinar e biopolítica. Afirmando que há, ao
contrário do que se pode pensar, uma continuidade entre disciplina e biopoder, o desfecho do
artigo nos incita a pensar quais as possibilidades de resistência ao biopoder, diante do fato de
que ele se alastra e exerce domínio sobre todos os âmbitos da vida do indivíduo, através de
tecnologias portáteis de vigilância e rastreamento. O caráter atual do biopoder exige sujeição
e conformidade a seu poder desmedido e extremamente dissolvido e impregnado na trama das
relações sociais de poder, ou permite que nos coloquemos firmes e resistentes a seus ditames
e exigências, utilizando-nos da nossa própria vida como ferramenta de reformulação e
transgressão dessa malha que tudo envolve?
Palavras-chave: Discurso; Biopolítica; Contraconduta; Poder; Desujeição.
O eterno retorno de Auschwitz
Gustavo Jugend 6
Resumo
O texto a ser apresentado tem como objetivo indagar a concepção de ética e justiça que
Giorgio Agamben conceitua a partir de sua retomada do tema nietzschiano do eterno retorno.
Em sua obra O Que Resta de Auschwitz, Agamben verifica, desde uma leitura de diversos
relatos dos internos de dos campos de concentração, o fenômeno de uma dessubjetivação
radical; o chamado muçulmano, frente o terror de sua condição, deixava-se entregar a uma
vergonha exponencial que tinha como conteúdo sua própria mortalidade. Para Agamben, o
dessubjetivado de Auschwitz, além de mostrar algo constitutivo do humano, impõe uma nova
tarefa filosófica: a de retomar o tema da ética tendo em vista esse novo e terrível dado. A
comunicação terá no seu horizonte a tentativa de responder às seguintes questões: Como é
6 Mestrando em filosofia – UFPR.
18
possível fundar uma ética a partir da vergonha sem recair na moralidade contra a qual o
pensamento de Nietzsche se volta? É possível tirar desse diagnóstico uma noção de justiça
que não se funde no remorso e no desejo de vingança? Como devemos entender a sentença de
Agamben, segundo a qual “Para além do bem e do mal não está a inocência do devir, porém
uma vergonha não só sem culpa, mas, por assim dizer, já sem tempo.”? (AGAMBEN, 2008,
p.106)
Palavras-chave: Ética; Auschwitz; Sujeito; Vergonha; Agamben.
Einverseelung e perdão: uma leitura da seção § 1 da segunda dissertação da
Genealogia da moral
Ítalo Kiyomi Ishikawa7
Resumo
Este artigo tem por objetivo analisar a seção § 1 da segunda dissertação da Genealogia da
Moral de Nietzsche a partir da noção de assimilação psíquica (Einverseelung) do passado.
Nietzsche atribui ao estômago do homem a capacidade de dar conta das experiências
malogradas de outrora, enquanto que sua falência, a incapacidade digestiva em dar conta das
experiências passadas contribui na formação de um tipo humano ressentido, inapto tanto ao
perdão quanto à vivência vigorosa do presente. Ao identificar o aparelho digestivo como o
responsável por organizar a assimilação do passado, Nietzsche embaralha as noções
tradicionais de corpo e alma e cria a ideia de um estômago espiritualizado que, ao dirigir as
vivências passadas, torna possível tanto o perdão quanto a abertura do homem ao presente em
vista do futuro.
Palavras-chave: assimilação psíquica; digestão; perdão; ressentimento.
Diferenças e semelhanças no agon para Nietzsche e Chantal Mouffe
João Francisco Hack Kamradt8
7 Mestrando em filosofia – UFPR. 8 Mestrando em Sociologia Política – UFSC.
19
Resumo
O conceito de agon vem sendo estudado por uma grande parcela dos teóricos que se debruçam
sobre a teoria democrática. O agon é utilizado para reafirmar um espaço que dê uma condição de
vida mais plural, que seria uma forma de recuperar o sentido original de uma democracia vibrante,
em que conceitos como a excelência entre os indivíduos nunca serão dados como estáveis.
Poderíamos diferenciar o agonismo do antagonismo da seguinte forma: antagonismo se refere
entre as diferenças que tornam as desavenças entre inimigos irreconciliáveis. Já o agonismo acaba
sendo uma forma depurada do conflito, em que os indivíduos se enxergam como adversários. É
neste terreno que este trabalho pretende analisar o agon no pensamento de Nietzsche e Chantal
Mouffe. Nietzsche utiliza o conceito de agonismo como uma valorização positiva da disputa entre
indivíduos e ideais. Para ele, esse espírito agonístico seria um dos elementos da ética dos gregos,
utilizado para valorizar o equilíbrio produtivo e tenso entre forças divergentes, contribuindo na
crítica que ele faz a razão e ao cristianismo. Assim, Nietzsche acredita que o caráter antagônico das
disputas pode ser superado desde que os indivíduos superem a moral de rebanho e o ressentimento que surge
entre os envolvidos seja deixado para trás. Por sua vez, Chantal Mouffe utiliza o conceito de agon, mas parte de
uma premissa que dá mais importância a dimensão antagônica dos conflitos do que a possibilidade de agonismo.
Para ela, todas as relações de poder são constituídas e produtoras do social e sempre estarão
presentes nos confrontos. O consenso sempre será provisório e sempre haverá antagonismo nas
disputas que tentam implantar um agonismo.
Palavras-chave: agon; antagonismo; Friedrich Nietzsche; Chantal Mouffe; hegemonia.
Memória não confiável e perdão impossível em Leite derramado, de Chico Buarque.
Lohana Machado9
A apresentação teria como objetivo geral aprofundar o entendimento da inconfiabilidade do
narrador de Leite derramado (2009), de Chico Buarque, ao explorar também a inconfiabilidade
apresentada por sua memória. Para tanto, no que se refere à memória, a apresentação se apoiará
principalmente no livro La mémoire, l’histoire, l’oubli (2000), de Paul Ricoeur, com o intuito de
apreciar se a ficcionalização da memória em Leite derramado é fatura positiva em relação à
análise de Ricoeur sobre a memória real. A discussão transitará menos no âmbito da personagem-
narrador que do autor implícito, pois é dele a mão mestra responsável pela ironia que rege a obra
9 Mestranda em Estudos Literários – UFPR.
20
entre os ditos, não ditos e implícitos da narrativa e os caprichos de uma memória centenária e
caduca. Para tal fim, a teoria utilizada procurará ser abrangente, dentro das dimensões cabíveis,
não se limitando à crítica literária. Ao final se proporá uma síntese através da percepção de uma
busca inconsciente do perdão pelo narrador, procurando-se nesse ponto nova aproximação com o
epílogo desta obra monumental de Ricoeur.
Palavras-chave: Memória; Perdão; Ironia; Leite Derramado; Chico Buarque.
Justiça e Raça na filosofia de Mogobe B. Ramose
Luís Thiago Freire Dantas10
Resumo
Este texto propõe refletir acerca da relação entre Justiça e Raça a partir da filosofia de
Mogobe Ramose, que analisa a implicação desses termos no projeto de colonização no
continente africano. Com isso, Ramose procura desconstruir o conceito de justiça europeia
através do conceito banto de Ubuntu, que considera o restabelecimento do equilíbrio pela lei
que, como experiência vivida, não pode alcançar um ponto de finalidade e no encontro com
uma injustiça que perdura na memória histórica dos sofridos não desaparece com o passar do
tempo. Por meio desse significado, o autor contrapõe a ideia colonial de que os africanos não
possuíam em si a ideia de justiça, que justificaria a sub-humanidade dos povos africanos e a
partir disso poderiam ser escravizados. Conforme Ramose explica, tal idealização é
proveniente do racismo que impõe aos povos diferentes de si mesmo como inferiores e como
deficiente de humanidade.
Dessa forma, o uso do conceito de Ubuntu é primordial não apenas para apresentar outra
compreensão de justiça, mas principalmente para afirmar a humanidade de povos
caracterizados como não humanos. Frente a isso, Ramose em sua filosofia discute sobre a
figura do Soberano e como através da lei apresenta a fronteira da justiça diante do caráter
racial.
Palavras-chave: Justiça; Lei; Raça; Ubuntu.
10 Doutorando em Filosofia – UFPR
21
A obra Genealogia da moral de Friedrich Nietzsche e as duas formas
contrapostas de avaliar: “bom e ruim” e “bom e mau”.
Mariane Gehlen Perin11
Resumo
Na obra Genealogia da Moral Nietzsche realiza uma crítica dos valores morais na qual o
próprio valor dos valores morais é colocado em questão. Em tal obra, o filósofo, movido pelo
“espírito histórico”, através da pesquisa filológica e etimológica visou determinar em que
condições e circunstâncias se originaram, se desenvolveram e se transformaram os valores
morais. Quando Nietzsche procura valorar nossos valores morais, ele está pretendendo
estabelecer uma hierarquia dos valores na qual a “fisiologia” servirá como base para os juízos
de valor nietzschianos. Na Primeira Dissertação da obra em questão, Nietzsche diz que ao
contrário do que se costuma pensar, as palavras “ruim” e “mau” são só aparentemente opostas
a um mesmo sentido de “bom”. A partir de uma investigação etimológica, Nietzsche diz que
desde a Grécia dos tempos de Homero até a Guerra dos Trinta Anos o termo “bom” era
oposto do termo “ruim”, por sua vez, ao tempo da Guerra dos Trinta Anos o termo “bom” será
oposto ao termo “mau”. Nietzsche diz que “nobre” no sentido social é o conceito básico a
partir do qual se derivou “bom” no sentido de “espiritualmente nobre”, tal desenvolvimento
corria paralelo ao desenvolvimento do termo “ruim” que tinha conotação de “espiritualmente
plebeu”. Mais tarde, com o advento do cristianismo, ocorre uma transformação conceitual na
qual o que significava “bom” (no latim: bonus) no mundo grego e romano, passa a ser
precisamente o “mau” – e, por isso, “culpado”, “pecador” – concebido pela nova forma de
valorar, e, por sua vez, o que no primeiro modo valorativo de que tratamos era o “ruim” (no
latim: malus) passa a ser precisamente o “bom” da nova forma valorativa: eis a tresvaloração
dos valores.
Palavras-chave: Nietzsche; Genealogia da Moral; "bom e mau"; "bom e ruim"; tresvaloração
dos valores.
A guerra às drogas e o racismo de estado: para uma compreensão da
justiça como possibilitadora do exercício do poder
11 Graduanda do curso de Filosofia (Bacharelado) – UFSM.
22
Mateus Siqueira Pacheco12
Natália Santos Lima Buenos Aires13
Stéfano Gonçalves Régis Toscano14
Resumo
Foucault ao observar as sociedades totalitárias que surgem no século XX termina por
considerar que sua atuação encontra-se pautada por um novo exercício do poder soberano que
também se exerce por meio da biopolítica. A possibilidade de coexistência de dois poderes tão
distintos, na medida em que este procura fazer viver e aquele gerar a morte, resultou do
surgimento do racismo de Estado. Com base no exposto a pesquisa busca analisar a
viabilidade da utilização do conceito do racismo de Estado para a compreensão de outras
situações paroxísticas, principalmente a da guerra às drogas. Demonstrando como esse
racismo não se caracteriza somente pela noção de raça como etnia mas, analogamente ao
Nazismo alemão e ao Stalinismo soviético, pauta-se principalmente na necessidade de gerar a
morte como forma de aumento da força vital de determinada população. Também se procura
através da análise da genealogia Nietzscheana e sua concepção política da história, na qual
subjacente a toda identidade só haveria o conflito de forças que desconstruiriam qualquer
forma essencial, chegar ao entendimento de Foucault acerca da sociedade como um eterno
conflito na qual dominadores e dominados estariam em constante disputa. Nessa sociedade as
relações de poder iriam gerar determinado saber que poderiam propiciar o exercício dos
diversos poderes, tendo o direito e a justiça como frutos dessas relações de poder-saber, a
função de garantir esses exercícios de poder. Revelando com isso como as concepções do
direito e da justiça moderna não são efeitos de um avanço na racionalidade propiciado por um
maior humanismo, mas ao contrário são formas de dominação e manutenção das relações de
poder encontradas em cada sociedade. Tal utilização da justiça, postula-se, é também passível
de observação no caso da guerra ás drogas.
Palavras-chave: Biopolítica; Direito; Poder Soberano; Modelo da guerra.
12 Graduando na Universidade Católica de Pernambuco. 13 Graduanda na Universidade Católica de Pernambuco. 14 Doutor em direito – UFPE. Professor na Universidade Católica de Pernambuco, na Universidade de Boa
Viagem e na Universidade Marista.
23
Breves considerações a respeito da problemática do neoliberalismo político
em Karl Popper
Nancy Nunes de Souza15
Resumo
A presente comunicação pretende estabelecer uma exposição da teoria popperiana do
neoliberalismo político. Para tal exercício vamos expor as características do pensamento do
filósofo, buscando ressaltar suas contribuições para o problema da política. A proposta política
liberalista que recebeu severas críticas das tradições hegelianas e marxistas é remoldada no
pensamento popperiano, como uma nova forma de se evitar o aparecimento de regimes
tirânicos, bem como qualquer tipo de totalitarismo político. A posição popperiana
neoliberalista, se deve a ideia de que a tradição política, cuja origem platônica, hegeliana e
marxista fundamentam a ascensão de regimes contrários ao ideal de uma sociedade aberta
onde se preze pela liberdade, o respeito mútuo da dignidade humana e a tolerância. Tal
posicionamento se vê pautado: a) na sua experiência com a sociedade vienense de sua época
com as duas grandes guerras mundiais, e b) pode ser entendida como consequência do seu
pensamento inovador no campo científico, que trouxe críticas não só à tradição racionalista
cartesiana como também a empirista baconiana, pois ambas não conseguiriam dar conta de
explicar o método científico. Desta forma, com o corte epistemológico de Popper o
pensamento científico se renova. A nossa hipótese é de que o método da falseabilidade que
preza pela revisão constante das teorias que se querem científicas, trazem contribuições
indispensáveis para o campo político, que advém de suas reflexões a respeito da ciência, além
trazer a tona seu principal mote por assim dizer, o racionalismo crítico. Portanto, vemos que a
política se torna um complemento de suas preocupações com a filosofia da ciência. Em suma
Popper se destaca como um filósofo não só preocupado com epistemologia, mas com política,
filosofia social e também ética.
Palavras-chave: Neoliberalismo; Karl Popper; Política. Racionalismo Crítico;
Falseabilidade.
15 Mestranda em Filosofia – PUCPR.
24
A perspectiva do imoralismo como transvaloração do homem no futuro nas
obras tardias de Nietzsche: uma possibilidade?
Pedro Moreira16
Resumo
Percebendo que a atitude imoralista, no que concerne também à política, já vem sendo
empregada para fins estabelecidos pelo ascetismo, tal como este se originou, segundo
Nietzsche, no contexto do judaísmo, e cujo produto mais tardio é a nossa cultura secularizada,
temos como pretensão mostrar que a perspectiva do imoralismo foi um dos métodos de que
Nietzsche se utilizou para tentar apontar um horizonte filosófico que possibilitaria
transvaloração do último homem, i. e., do homem burguês, filistino e massificado de nossos
dias, através de uma crítica radical ao discurso moral vigente. A comunicação procurará,
assim, mostrar que Nietzsche acaba por propor uma espécie de projeto político imoralista, que
visa delinear filosoficamente uma alternativa ao que se procurou desconstruir e que,
prenunciando o advento do filósofo do futuro, do espírito livre que atuará como um legislador
de um novo éthos, levará até as últimas consequências a experiência do niilismo e a crítica do
caráter humano ou antropomórfico dos valores. Este trabalho será dividido em três momentos:
em primeiro lugar, indicaremos o imoralismo nietzscheano como uma forma de desconstrução
filosófica do discurso moral tradicional; em seguida, mostraremos sua proposta de
transvaloração do homem neste projeto que ambiciona atingir o mesmo politicamente; para
finalmente, discutirmos a aparente inviabilidade dessa proposta no presente. Caberá a nós
estabelecer determinadas conexões, na medida em que isso for possível, sem prejuízo para o
trabalho, com alguns importantes autores da tradição, aos quais Nietzsche refere-se direta e
indiretamente para a construção deste suposto projeto, tais como Platão (por sua concepção do
filósofo como um legislador, médico da cultura e reformador político) e Maquiavel (pelo
próprio conceito do imoralismo, bem como pela ideia de virtù). Neste percurso, optamos por
tentar atermo-nos às discussões traçadas por Nietzsche em suas obras tardias, assumindo a
periodização (pedagógica) estabelecida por Kaufman, ainda que seja possível identificar a
presença do tema pesquisado em inúmeros momentos da obra do filósofo. Em nossa
exposição, recorreremo-nos também à leitura política de Nietzsche proposta por Donald
Dombowsky, professor da Bishop’s University, Canadá, em seu livro Nietzsche’s
Machiavellian Politics, por entendermos importantes as conexões por ele estabelecidas.
16 Mestrando em filosofia – UFPE.
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Palavras-chave: Imoralismo; Virtù; perspectivismo; transvaloração; projeto.
O cogito cartesiano como violência sobre à alteridade: considerações sobre
o outro em Merleau-Ponty
Renato dos Santos17
Resumo
“Para o pensamento objetivo, a existência de outrem representa dificuldade e escândalo”.
Com essa proposição Merleau-Ponty em sua obra Fenomenologia da Percepção (1945) aponta
as consequências que o pensamento objetivo, fruto do pensamento moderno e especificamente
do cogito cartesiano, realizou sobre a dimensão da alteridade. Para o fenomenólogo, o cogito
cartesiano ao considerar a realidade, que inclui o outro, a partir da constituição do seu poder
de julgar, impossibilita a alteridade, na medida em que é o cogito quem concede sentido a
outrem. O verdadeiro sujeito é sem um segundo sujeito no sentido em que uma consciência
ao constituir uma outra consciência deveria supor que essa também constituiria, e portanto eu
diante dessa consciência seria um objeto, ou vice-versa. Em outros termos, não há lugar para
uma pluralidade de culturas no pensamento cartesiano, uma vez que uma determinada cultura
destituiria as características próprias de outra, instaurando uma forma de violência tal como
ocorreu no início do século XX ao passo que uma determinada cultura se coloca como
“autêntica” e as demais “inautênticas”, outorgando assim até mesmo um “direito” de
exterminá-las. Com efeito, Merleau-Ponty, ao contrapor o cogito objetivo e instaurar um
cogito pré-reflexivo, possibilita a intersubjetividade, na medida em que o desvelamento de
outrem se dá pela corporeidade e pela camada pré-reflexiva. A percepção de outrem e de uma
pluralidade de consciências, ou de culturas, ocorre quando a percepção é concebida não mais
como uma constituição do objeto verdadeiro, mas a partir de sua imanência ao mundo das
coisas. Assim, poder-se-ia pensar em um multiculturalismo, na medida em que uma
determinada cultura não é absoluta, mas uma perspectiva da expressão do mundo.
Palavras-chave: Cogito cartesiano; Alteridade; Fenomenologia; Multiculturalismo.
17 PUCPR.
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Signos em disputa: o experimento da “encarnada declaração de guerra” e
do uso do “martelo” no texto de Nietzsche
Rodrigo Francisco Barbosa18
Resumo
A hipótese desse trabalho é a de demonstrar como a instrumentalização linguística de
Nietzsche, ou seja, sua discursividade, aparece como traço característico de um quadro
sofístico de disputa que coloca sua filosofia e “heterodoxias” no âmbito de uma “outra espécie
de poesia”, como ressalta Cassin, “uma poesia de gramáticos talvez, que se esforça em
desvelar os mecanismos da graça eficaz da linguagem”. Esse é o “pano de fundo” com a qual
nos movemos no âmbito de tentar explicitar de que maneira esse uso “violento” dos signos
em Nietzsche revela uma atuação performativa que implica um novo reconhecimento dos
mecanismos da linguagem e seu estatuto, em última instância, o estatuto sofístico da
linguagem. O desafio fundamental aqui é apresentar esses elementos discursivos
desvencilhando-se do aspecto pejorativo desse uso da linguagem considerado “literário”: a
regulação do discurso instituído pela Filosofia é colocada em questão uma vez que
pretendemos, com e a partir de Nietzsche “desvelar a graça eficaz” dessa linguagem trazendo
a tona sua potencialidade outrora confiscada. Nietzsche sofista com signos em disputa seria
apenas um começo da discussão dessa imensa tarefa.
Palavras-chave: Nietzsche; Sofistica; Discursividade; Declaração de guerra; Martelo; Cassin.
A dimensão humana da fé e do perdão em hannah arendt
Rodrigo Ponce Santos19
Resumo
Examinaremos aqui o modo como o perdão surge no pensamento de Hannah Arendt em um
viés especificamente político, sendo apropriado de um contexto religioso. Para isto,
18 Doutorando em Filosofia – PUCPR. 19 Doutorando em Filosofia – UFPR.
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analisaremos a aparição do tema em quatro momentos: a) duas anotações de seus cadernos de
pensamento (Denktagebuch) datadas de 1950 e 1953; b) o artigo “Compreensão e Política”,
publicado em 1954; c) o capítulo 33 de A Condição Humana, de 1958; d) a última questão da
entrevista concedida à Günter Gaus, em 1964. Neste caminho, devemos procurar esclarecer a
definição do perdão como preceito ou código moral, presente em A Condição Humana. Trata-
se de um mandamento, uma norma ou um dever? Temos a obrigação de perdoar? O que
significa, ainda, dizer que o perdão – assim como a promessa – estabelece princípios
orientadores no campo da ação política? Em que se baseiam tais princípios? Qual seu
fundamento? Nossa investigação conduz à apreciação de outro termo desviado da esfera
religiosa: a fé, compreendida por Arendt como pura confiança – sem garantia – entre os
próprios homens.
Palavras-chave: injustiça; perdão; reconciliação; fé; confiança.
O julgamento moral como semiótica em nietzsche
Romano Scroccaro Zattoni20
Resumo
A crítica de Nietzsche à moral é um movimento plurivalente, onde há uma série de
argumentos diferentes que podem ser distintamente percebidos em uma análise longitudinal
de sua filosofia. Uma das percepções base para compreender parte desta crítica de Nietzsche é
a de que ele desloca a moral de um âmbito universal e a situa como um fenômeno
exclusivamente humano; desta forma, tudo aquilo que causa efeito no humano tem sua
influência na construção da moral, por exemplo, o contexto, o tempo, o corpo, etc. Tal como
Nietzsche escreve em seu livro Crepúsculo dos Ídolos, no aforismo 1 do capítulo Os
Melhoradores da Humanidade: “não existem absolutamente fatos morais. [] moral é apenas a
interpretação de determinados fenômenos”. Portanto, para o filósofo o julgamento moral
passa a não possuir valor em si, mas apenas como uma “semiótica”. Aqui Nietzsche altera
completamente a perspectiva de raciocínio, sendo também possível perceber uma concepção
de ação moral diferenciada, pois já que a ação não é movida por razões metafísicas, seus
motivos devem se encontrar no interior da situação mesma em que se age. A partir disto
20 Graduação em Psicologia – PUCPR.
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Nietzsche argumenta que quando alguém estabelece um julgamento, o olhar não se deve
recair para aquilo que é julgado, mas sim para quem julga, de forma que o ato é uma
semiótica por meio da qual se pode enxergar “as mais valiosas realidades das culturas e
interioridades”. Na esteira deste deslocamento de perspectiva empregado por Nietzsche, pode-
se lançar o pensamento ao julgamento moral contemporâneo, que em muitos casos conserva a
ambição de universalidade presente na tradição filosófica criticada por Nietzsche. Um
exemplo seria a Comissão Nacional da Verdade, implantada pelo governo brasileiro em 2012,
com o objetivo de investigar violações graves dos direitos humanos ocorridas sobretudo no
regime militar brasileiro. Complementarmente a questão do ato de justiça, poderia-se
perguntar, quais as condições contextuais e subjetivas de surgimento referentes a este
julgamento poderiam ser percebidas caso este movimento fosse tomado como semiótica? O
que isto poderia revelar acerca do zeitgeist brasileiro atual?
Palavras-chave: Moral; Semiótica; Nietzsche; Crepúsculo dos Ídolos.
A violência pura como ultrapassamento das relações de poder em Foucault
Thiago Fortes Ribas21
Resumo
No começo da década de 1970 Foucault trabalha com a compreensão das relações de poder
como afrontamento belicoso de forças, sendo a violência pensada no universo de regras que
são estabelecidas de modo variável na história. Neste momento de seu pensamento, a ênfase é
colocada na violência repetida nas regras e se volta para o necessário caráter de ilegitimidade
e, consequentemente, de contingência de quaisquer relações de poder. Assim, a noção de
poder se confunde com as noções de afrontamento, batalha ou luta, sendo pensada através dos
jogos de dominação que abarcam todos os âmbitos da vida. A partir do momento em que
Foucault distingue as relações de poder, pensadas como ações sobre ações, das relações de
violência, definidas como ações diretas sobre um corpo ou uma coisa, observam-se também
diferenças na compreensão foucaultiana das noções de poder, liberdade e violência. Na
entrevista Le sujet et le pouvoir (1982), o domínio da violência pura é colocado fora das
relações de poder justamente por impossibilitar o exercício da liberdade. Liberdade e poder se
21 Doutorando em Filosofia – UFPR.
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correlacionam em um “agonismo” constante, onde um termo só existe com o outro. A
destruição da liberdade seria pensável somente pela violência pura, em face da qual nada seria
possível além da passividade. A comunicação visa explicitar a validade da distinção
foucaultiana entre relações de poder e relações de pura violência e, para isto, leva em
consideração os recentes depoimentos realizados na Comissão Nacional de Verdade sobre as
violências praticadas na ditadura militar brasileira.
Palavras-chave: Violência; Poder; Liberdade; Passividade; Agonismo.
Confrontando Nietzsche com Freud: civilização, moral, e vida dos instintos
Tiago Hercílio Baltazar22
Resumo
“Nossa civilização repousa, falando de modo geral, sobre a supressão dos instintos”, nos diz
Freud acerca de uma renúncia de inclinações agressivas que, segundo ele, tem
progressivamente aumentado com a evolução da civilização. “Cada nova conquista foi
sancionada pela religião, cada renúncia do indivíduo à satisfação instintual foi oferecida à
divindade como um sacrifício, e foi declarado ‘santo’ o proveito assim obtido pela
comunidade”. Ecoam aqui muitas teses de Nietzsche, sobretudo aquelas de Genealogia da
Moral, acerca de uma “interiorização do homem”, da origem da religião, da moral e do
ressentimento, ou de uma noção antirromântica acerca do contrato. Também a concepção do
funcionamento do aparelho psíquico, a partir de uma vida instintual conflitiva, é muito
próxima entre os dois autores. Não obstante estas “semelhanças”, há verdadeiros abismos:
Freud permanece fundamentalmente dualista no tocante à vida instintual (instintos sexuais
contra instintos de auto conservação; Eros contra instinto de morte), enquanto Nietzsche
pensa a vontade de poder de forma monista. Freud concebe um “princípio de estabilidade”
para a vida instintual, enquanto a vontade de poder em Nietzsche visa tão somente o
incremento de suas unidades. Freud parece aproximar a Trieb da coisa-em-si kantiana, o que
para Nietzsche certamente caracterizaria uma metafísica. Esta confrontação entre Nietzsche e
Freud deve nos auxiliar a matizar alguns aspectos importantes do pensamento de cada autor,
22 Doutorando em Filosofia – UFPR.
30
bem como, em seguida, apreender as implicações do pensamento nietzschiano onde quer que
este penetre a psicanálise freudiana.
Palavras-chave: vida dos instintos; afetos; conflito; medida da punição; satisfação.
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