a noÇÃo de linguagem em schopenhauer
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LINGUAGEM COMO UMA REPRESENTAÇÃO DO MUNDO NA
FILOSOFIA DE SCHOPENHAUER
Leonardo Bruno Vieira Santos
RESUMO
Este artigo tem como objetivo apresentar a concepção de linguagem segundo
Schopenhauer. A linguagem enquanto uma forma de representar o mundo. Neste
sentido, tornou-se necessário apresentar a distinção entre representações intuitivas
e abstratas, com o objetivo de evidenciar o papel da linguagem como instrumento
necessário da razão.
PALAVRAS CHAVE: Linguagem, intuição, razão, conceito, representação.
ABSTRACT
This article aims to present the conception of language according to
Schopenhauer. Language as a way of representing the world. In this sense, it
became necessary to make the distinction between intuitive and abstract
representations, aiming to highlight the role of language as a necessary instrument of
reason.
KEY WORDS: Language, intuition, reason, concept, representation.
INTRODUÇÃO
O presente artigo se propõe a apresentar, de modo geral, a concepção de
linguagem na filosofia de Schopenhauer. Assim, uma vez que o filósofo concebe o
mundo sendo de um lado totalmente representação e do outro totalmente vontade,
para cumprir o nosso propósito levaremos em consideração apenas o lado da
representação, ou melhor, o mundo como representação. Entretanto, devemos
2
deixar claro que em nada compromete a compreensão do presente artigo o fato de
não abordarmos a questão da vontade.
Os limites que nos são impostos pelo rigor da metodologia das produções
cientificas exige economia de espaço e objetividade. Por isso, toda a argumentação
do presente texto tem como base o livro um da obra O mundo como vontade e como
representação. O livro três desta obra, embora também aborde o mundo enquanto
representação, o objetivo deste livro é apresentar a metafísica do belo de
Schopenhauer, não havendo espaço para este tipo idéia.
Assim, a linguagem para Schopenhauer é apenas um instrumento da razão.
Neste sentido apresentaremos os dois tipos em que as representações são
divididas, ou seja, intuitivas e abstratas. A linguagem se insere no contexto das
representações abstratas e como tais é privilégio dos seres humanos. Com base
nisso Schopenhauer constrói todo um edifício teórico tendo como base sua noção de
conceito.
Aqui cabe fazer uma diferenciação que deverá estar clara mais adiante, ou
seja, idéia e conceito:
O CONCEITO é abstrato e, discursivo, completamente indeterminado
no interior de sua esfera, determinado apenas segundo seus próprios
limites, alcançável e apreensível por qualquer um que tem razão,
comunicável por palavras sem ulterior intermediação, esgotável por
inteiro em sua definição. A IDÉIA, ao contrário, embora se possa defini-
la como representante adequada do conceito, é absolutamente intuitiva
e, apesar de representar uma multidão infinita de coisas isoladas, é,
todavia, inteiramente determinada, nunca sendo conhecida pelo
simples indivíduo enquanto tal, mas apenas por quem se destituiu de
todo querer e de toda individualidade1.
1 SCHOPENHAUER, 2005, p. 310 – 1.
3
Para Schopenhauer, devemos acrescentar, “é o saber geral do procedimento
da razão expresso em forma de regras, obtido pela auto-observação da razão por
abstração de qualquer conteúdo” 2.
Desse modo, tentaremos expor a argumentação de Schopenhauer relevante
para o nosso propósito.
O MUNDO COMO REPRESENTAÇÃO
O ponto de partida da Filosofia de Schopenhaauer está expresso no primeiro
parágrafo de sua obra O mundo como vontade e como representação: “O mundo é
minha representação”:
Esta é uma verdade que vale em relação a cada ser que vive e conhece,
embora apenas o homem possa trazê-la à consciência refletida e abstrata. E
de fato o faz. Então nele aparece a clarividência filosófica. Torna-se-lhe claro
e certo que não conhece sol algum e terra alguma, mas sempre apenas um
olho que vê um sol, uma mão que toca uma terra.3
É interessante ressaltar que ao conceber o mundo como representação para
um sujeito, Schopenhauer procura afasta sua filosofia das posições teóricas que
estavam em destaque em sua época, ou seja, o realismo que parte do objeto e o
idealismo que parte do sujeito. Mas poderia ser levantada a seguinte questão: ao
conceber o mundo como dependente das intuições intelectuais do sujeito,
Schopenhauer não estaria assumindo uma postura realista? A resposta é não, pois
o sujeito não existiria sem o objeto e o objeto não existiria sem o sujeito. Na
perspectiva de Schopenhauer não há prioridade nem do sujeito nem do objeto.
SUJEITO E OBJETO
2 SCHOPENHAUER, 2005, p. 93.
3 SCHOPENHAUER, 2005, p. 43.
4
Este mundo como representação pode ser dividido em duas partes distintas
que, entretanto, são dependentes. Sujeito e objeto, eis as duas metades do mundo
enquanto representação. Assim, o limite do sujeito é o objeto e o limite do objeto é o
sujeito.
Para Schopenhauer o sujeito é aquele que tudo conhece sem, no entanto ser
conhecido. Este sujeito não está presente nem no espaço nem no tempo e não está
sujeito as leis da causalidade:
Este é, por conseguinte, o sustentáculo do mundo, a condição universal e
sempre pressuposta de tudo o que aparece de todo objeto, pois tudo o que
existe, existe para o sujeito. Cada um encontra-se a si mesmo como esse
sujeito, todavia, somente na medida em que conhece, não na medida em que
é objeto do conhecimento.4
O sujeito é o suporte do mundo, que existe para ele. Se o sujeito inexistisse,
do mesmo modo, o mundo enquanto representação não existiria. Este sujeito não
está nem no tempo, nem no espaço e também não está sujeito à causalidade. Outra
característica deste sujeito é o fato de ele não ser nem uno nem conter a pluralidade
que está relacionada aos objetos. Cada indivíduo em particular é este sujeito na
medida em que conhece e não na medida em que é objeto do conhecimento.
O sujeito, na concepção de Schopenhauer, não é físico, mas aqui não se
deve concluir que esse sujeito é um fantasma que está inserido no mundo sem ter
qualquer relação com ele. O sujeito se relaciona com o mundo por meio de seu
corpo, que é objeto imediato. Não há qualquer relação causal entre sujeito e objeto.
Esta relação ocorre entre objeto imediato e mediato.
O corpo é um conjunto de sensações dos sentidos que sofrem a ação de
outros corpos. Como dito acima, o sujeito conhece apenas aquilo que sua mão toca
e o que seus olhos vêem, é através dos efeitos produzidos em seu corpo que o
sujeito intui. A forma do objeto é espaço e tempo e sua essência é o efeito que
produz sobre o objeto imediato. Estas formas a priori do objeto (tempo, espaço e
causalidade) podem ser intuídas independentemente deste objeto, pois elas estão
4 SCHOPENHAUER, 2005, p. 45.
5
de modo a priori na consciência, se não fosse desse modo não poderia haver
intuição.
REPRESENTAÇÕES INTUITIVAS
Schopenhauer divide todas as nossas representações em duas classes:
intuitivas e abstratas. As representações intuitivas “abrangem todo o mundo
visível, ou a experiência inteira, ao lado das suas condições de possibilidade”. Estas
representações intuitivas não advêm da observação da repetição de eventos da
experiência. De acordo com Schopenhauer a experiência é quem tem certa
dependência deste tipo de representação, pois propriedades como espaço e tempo
que são conhecidas a priori mediante a intuição, são leis que se aplicam a toda
experiência possível e esta mesma experiência jamais pode violar tais leis, uma vez
que os objetos trazem em si características destas duas leis.
De acordo com Schopenhauer a única função do entendimento é ter
conhecimento da causalidade, pois esta existe para o entendimento:
A primeira e mais simples aplicação, sempre presente, do entendimento é a
intuição do mundo efetivo. Este é, de fato, conhecimento da causa a partir do
efeito; por conseguinte, toda intuição é intelectual. Todavia, jamais se poderia
chegar a tal intuição se algum tipo de efeito não fosse conhecido
imediatamente, servindo assim de ponto de partida. Este, contudo, é o efeito
sobre os corpos animais.5
REPRESENTAÇÕES ABSTRATAS: LINGUAGEM
Até agora consideramos apenas as representações intuitivas, tendo em vista
o objetivo proposto, passaremos agora a considerar as representações abstratas
que, segundo Schopenhauer, são privilégio dos seres humanos e produto da razão.
Assim, a linguagem é “o primeiro produto e instrumento necessário da razão” 6, que
5 SCHOPENHAUER, 2005, p.53.
6 SCHOPENHAUER, 2005, p. 83.
6
tem como função exclusiva a produção de conceitos. Estes conceitos servem para
que o ser humano pense, mas não tem qualquer papel no momento da intuição.
A linguagem, na perspectiva de Schopenhauer, parece adquirir um caráter
meramente comunicativo, na medida em que é por meio dela que cada um
comunica seus pensamentos. A linguagem é um conjunto de conceitos e como tal,
representação abstrata do mundo, portanto não se aplica a ela as leis do tempo,
espaço ou causalidade, visto que tais leis só têm efeito sobre a matéria.
Para Schopenhauer:
Somente com a ajuda da linguagem a razão traz a bom termo suas mais
importantes realizações, como a ação concordante de muitos indivíduos, a
cooperação planejada de muitos milhares de pessoas, a civilização, o Estado,
sem contar a ciência, a manutenção de experiências anteriores, a visão
sumária do que é comum num conceito, a comunicação da verdade, a
propagação do erro, o pensamento e a ficção, os dogmas e as superstições.7
Por meio da linguagem os seres humanos constroem e edificam sua
comunidade. Devemos ressaltar que uma linguagem é compreensível por se tratar
de um produto e instrumento da razão. Neste sentido, poderíamos dizer que é a
razão que fala à razão. Assim, como enumerado acima, a linguagem se apresenta
não como um mero diferencial entre os animais racionais e irracionais. A linguagem
é, em essência, parte fundamental da vida dos seres humanos. A edificação de
Estados, os avanços científicos todos esses exemplos servem para ressaltar a
importância da linguagem no âmbito da vida humana.
A linguagem, assim como todos os outros fenômenos que se originam na
razão, pode ser especificada com base em seu único e simples elemento
constituinte: “os conceitos veiculados por palavras, conceitos que são
representações abstratas e universais, não individuais, não intuitivas, numa palavra,
representações de representações” 8.
7 SCHOPENHAUER, 2005, p. 83-4.
8 BARBOZA, 2005, p. 130.
7
De acordo com Schopenhauer, “embora, pois, os conceitos sejam desde o
fundamento diferente das representações intuitivas, ainda assim se encontram numa
relação necessária com estas, sem as quais nada seriam” 9. Os conceitos podem ser
abstracta, quando se referem ao conhecimento intuitivo não imediatamente, mas
por intermédio de um ou muitos conceitos e concreta, quando o seu fundamento
advém diretamente do mundo intuitivo. Como exemplo do primeiro tipo podemos
citar conceitos como relação, virtude e investigação, como exemplo do segundo tipo
podemos citar conceitos como homem, pedra e cavalo.
A generalidade do conceito tem sua origem não no fato de ser abstraído de
muitos objetos, tal generalidade, a não determinação do particular, é essencial a
esse conceito como representação abstrata da razão:
(...) cada conceito, justamente porque é representação abstrata e não intuitiva
e, precisamente por isso, não absolutamente determinada, possui aquilo que
se denomina uma circunferência ou esfera, mesmo no caso em que exista
apenas um único objeto real que lhe corresponde. Freqüentemente
observamos que a esfera de um conceito tem algo em comum com as esferas
de outros conceitos, ou seja, que em parte é nele pensado a mesma coisa
que é pensada nos outros, e vice-versa.10
Por exemplo:
9 SCHOPENHAUER, 2005, p. 87.
10 SCHOPENHAUER, 2005, p. 89.
animal
cavalo
8
A verdade entra em cena, dentro desta perspectiva apresentada por
Schopenhauer, somente quando a consciência passa a considerar os conceitos. Em
um primeiro momento, ou melhor, enquanto está voltada para as representações
intuitivas a verdade não tem qualquer importância, visto que o entendimento não faz
uso da linguagem, que é necessária somente a razão. “Quando essa imediatez da
intuição é suprimida e a consciência se ocupa com conceitos, por conseguinte
refletimos com juízos formados, desfaz-se a ingenuidade. A razão destrói o ter-àmão
o objeto, substituindo no intelecto o trabalho do entendimento”11.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A noção de linguagem proposta por Schopenhauer trás em si uma dupla
conseqüência. De um lado é de fundamental importância para a razão, sem a qual
seria um mero adereço para os seres humanos, na medida em que não haveria
como se transmitir conhecimentos, o que seria um obstáculo para o
desenvolvimento de toda a comunidade humana em suas várias manifestações, seja
ela social, cultural, científica ou política.
Por outro lado, a linguagem enquanto uma forma de representar o mundo,
não consegue representá-lo em sua essência. A linguagem é uma representação
superficial do mundo. Nesse sentido a linguagem se insere em um contexto
exclusivamente humano, auxiliando na transmissão de sua cultura.
REFERÊNCIA BIBLIOGRAFIA
SCHOPENHAUER, Arthur. O mundo como vontade e como representação, 1º tomo.
Trad. Jair Barbosa. São Paulo: Editora UNESP, 2005.
BARBOZA, Jair. A metafísica do belo de Arthur Schopenhauer. São Paulo:
Humanitas/FFLCH/USP, 2001.
11
BARBOZA, 2005, p. 131.
9
________. Os limites da expressão. Linguagem e realidade em Schopenhauer.
Veritas. Veritas. Porto alegre, n. 1, vol. 50, p. 127-135.
JANAWAY, Christopher. The Cambridge Companion to Schopenhauer. Cambridge:
Cambridge University Press, 2006.
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