a mÍstica e a identidade da juventude camponesa: …
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A MÍSTICA E A IDENTIDADE DA JUVENTUDE CAMPONESA: uma proposta de estudo na Unidade Escolar Roseli Nunes – Lagoa Grande do Maranhão/MA.
Yasmin Pereira de Santana e Silva1
Resumo Este artigo integra um projeto de pesquisa monográfica do Curso de Serviço Social da Universidade Federal do Maranhão – UFMA. Objetiva analisar a mística enquanto estratégia político pedagógica na construção da identidade da juventude camponesa e referencia-se empiricamente na escola Roseli Nunes, localizada no Assentamento Cigra em Lagoa Grande Maranhão/MA. Para isso, aponta algumas considerações teóricas sobre a juventude camponesa, identidade e mística, a fim de compreender o papel desta última na formação da identidade dos jovens camponeses, neste caso, os estudantes da Escola Roseli Nunes.
Palavras-chave: Mística; Identidade; Juventude Camponesa.
Abstract This article integrates a monographic research project of the Social Service Course of the Federal University of Maranhão - UFMA. It aims to analyze the mystic as a political pedagogical strategy in the construction of the identity of peasant youth and is empirically referenced Roseli Nunes school, located at the Cigra Settlement in Lagoa Grande do Maranhão/MA. In order to do so, it points out some theoretical considerations about peasant youth, identity and mystic, in order to understand the role of peasant youth in the identity formation of young peasants, in this case Roseli Nunes School students.
Keywords: Mystic; Identity; Peasant Youth.
1 Graduanda em Serviço Social. Universidade Federal do Maranhão – UFMA. yasmin_pereira15@hotmail.com
I. INTRODUÇÃO
O presente artigo integra uma proposta de projeto de pesquisa monográfico do
curso de Serviço Social da Universidade Federal do Maranhão e tem como objeto de
pesquisa as contribuições da mística na construção da identidade da juventude camponesa
a partir da Unidade Escolar Roseli Nunes, localizada no município de Lagoa Grande do
Maranhão/MA.
Pensar em juventude do campo é refletir acerca de jovens que, em regra, têm
seus direitos violados, sofrem com a falta de políticas públicas e são afetados por inúmeras
expressões da questão social. No entanto, ainda que sonhem com um futuro mais oportuno,
diante dessa realidade exposta e da necessidade de sobreviver materialmente, a maioria
acaba reproduzindo os passos dos pais: abandonam os estudos para trabalhar no campo e
deixam de lado seus objetivos traçados.
Nessa direção, há uma parcela dessa juventude que não se conforma com essa
realidade e, por isso, luta e resiste: são os jovens organizados em movimentos e
organizações sociais, neste caso a ser estudado, os que vivem em assentamentos do
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST. Uma juventude que apresenta
elementos de uma forte consciência política e social.
Sabe-se que mobilizar uma juventude para assuntos, os quais, a priori, não lhes
dizem respeito, não é uma tarefa muito fácil, faz-se necessário algo que vá além de
palestras, necessita de momentos que sejam dinâmicos e que ao mesmo tempo contribuam
para sua formação pessoal e profissional. E é com base nesta perspectiva que, para
construir uma identidade política na juventude, o MST utiliza vários mecanismos e
estratégias de formação político-pedagógica. Neste trabalho, propõe-se estudar,
especificamente, sobre a mística: um instrumento de formação que educa, politiza, mobiliza
e contribui para a consolidação da identidade coletiva dos sujeitos sociais, fortalecendo-os
para a luta por uma nova ordem social através de expressões, principalmente, da cultura e
da arte.
Neste sentido, a escola Roseli Nunes constitui-se como campo empírico desta
pesquisa por apresentar jovens que estão no Ensino Médio e que possuem um
posicionamento político e social bem fundamentado. Por sua vez, são atuantes na
organização do assentamento, conscientes de sua realidade, sabedores do que precisa ser
feito para modificá-la, a fim de garantir seus direitos e alcançar o que almejam.
Para a construção desse projeto, fez-se necessário um levantamento
bibliográfico acerca das categorias presentes na temática (identidade, juventude camponesa
e mística), bem como algumas visitas ao campo empírico, a escola Roseli Nunes localizada
no Assentamento Cigra, na Comunidade Agrovila Kênio, em Lagoa Grande do
Maranhão/MA. Vale apontar que essas visitas possibilitaram uma maior aproximação com o
tema através de observações e conversas informais com a juventude, a direção pedagógica
da escola e militantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST.
Sendo assim, o presente artigo está estruturado em quatro seções. Além desta,
na segunda seção são apresentados certas considerações acerca da juventude e a
identidade. Na terceira, apresenta-se a mística como importante elemento formador da
identidade da juventude camponesa, e por fim, apresentam-se as considerações finais do
estudo.
II. JUVENTUDE E IDENTIDADE: algumas indicações
Inserido em um cenário de problemas sociais, políticos e territoriais que datam
desde a chegada dos portugueses em solo brasileiro com a distribuição desigual das terras,
até os dias atuais com a presença dos grandes latifundiários e do agronegócio, a questão da
terra no Brasil é uma temática bastante debatida e que gera luta e resistência por parte dos
camponeses organizados, principalmente, em assentamentos rurais estruturados por
movimentos sociais, na tentativa de modificar o quadro de grande concentração fundiária
nas mãos de poucos, bem como, a questão da exploração dos trabalhadores no campo.
Nessa discussão sobre o campo e sua problemática, observa-se o papel de
movimentos sociais, como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e sua
dinâmica de resistência gerada através da organização e reprodução dos assentamentos
rurais de reforma agrária, que têm como objetivo “[...] lutar pela terra, pela Reforma Agrária
e pela construção de uma sociedade mais justa, sem explorados nem exploradores”
(CALDART, 2001).
Ainda nesse enfoque, é interessante pensar o que Souza (2016) discute como
sucessão geracional da família camponesa, com destaque para os que darão “continuidade
dos assentamentos, para os movimentos sociais camponeses, para a continuidade da
reforma agrária e para a democratização da terra, pois não se trata apenas de sucessão da
posse das propriedades agrícolas” (2016, pág. 21), ou seja, os jovens, tendo em vista que
são esses novos sucessores que se tornarão as novas lideranças e dirigentes dos
movimentos, assim serão os responsáveis pela reprodução social e política do campo.
Com isso nos deparamos com a temática juventude e percebemos que este
grupo se trata de um sujeito social de suma relevância para a reprodução social e ideológica
da resistência camponesa e luta pela terra. No entanto, devemos pensar em como que o
MST organiza esta juventude camponesa para que os jovens sejam as próximas lideranças
do Movimento, do assentamento, a nível municipal, estadual ou federal, em um momento
que é crescente o número de jovens que, devido à falta de atenção dada pelo poder público,
migram para os centros urbanos em busca de melhores condições de vida.
Isto posto, é de suma importância definir a juventude, uma categoria debatida
desde o século XIX, mas que tem uma maior visibilidade no campo acadêmico e político
entre o final do século XX e início do século XXI. Muitos estudiosos desta temática apontam
para vários conceitos acerca desta categoria que varia desde a classificação etária até a
questão psicossocial.
Inicialmente o termo jovem era utilizado apenas para elucidar o momento de
transição entre a adolescência e o mundo adulto, passando a ser definido pelo corte etário
de 15 a 24 anos, como aponta Castro e outros (2009), e esta classificação adotada por
organismos internacionais, como Unesco e OMS, pretende
[...] homogeneizar o conceito de juventude a partir de limites mínimos de entrada no mundo do trabalho, reconhecidos internacionalmente, e limites previstos de término da escolarização formal (básico, médio e superior). (CASTRO e outros, 2009, pág. 41)
No entanto, esta base de classificação tem sido cada vez mais alvo de
discussões, uma vez que não abarcam outros fatores essenciais nesta definição. Castro e
outros (2009) elucidam que alguns autores discordam desta definição, como por exemplo,
Levi e Schmitt (1996, citados por CASTRO e outros, 2009, p. 41), ao afirmarem que “idade
como classificadora é transitória e só pode ser analisada em uma perspectiva histórica de
longa duração”.
Nesta perspectiva, encontramos outros estudiosos que analisam a juventude
como construção social e a associam a uma categoria vanguardista, que questiona e pode
até mesmo transformar, contudo, “jovem também é adjetivado como em formação,
inexperiente, sensível” (FORACCHI, 1972, p. 161 citado por CASTRO e outros, 2009, p. 41),
associando-o a problemas sociais como a delinquência juvenil e a violência. Esta
perspectiva aponta que esta categoria necessita ser orientada para que possa cumprir o seu
papel de transformadora, como indicada anteriormente.
Contudo, devemos pensar a juventude em uma visão bem mais ampla do que
apenas a partir da classificação etária ou de características sociais. É de suma relevância
levar em conta todo um conjunto de fatores históricos e estruturais que constroem a sua
representação social, uma vez que esta categoria é socialmente construída, como bem
explicita Dayrell e Reis (2007) ao afirmarem que a juventude,
Ganha contornos próprios em contextos históricos, sociais distintos, e é marcada pela diversidade nas condições sociais, culturais, de gênero e até mesmo geográficas, dentre outros aspectos. Além de ser marcada pela diversidade, a juventude é uma categoria dinâmica, transformando-se de acordo com as mutações sociais que vem ocorrendo ao longo da história. Na realidade, não há tanto uma juventude e sim jovens, enquanto sujeitos que a experimentam e sentem segundo determinado contexto sociocultural onde se inserem. (DAYRELL; REIS, 2007, p. 4)
Ao partirmos para uma discussão a nível nacional, nota-se que este debate
ainda é mais recente no Brasil, datando das décadas de 1980 e 1990, trazendo o olhar da
diversidade para analisar esta categoria juvenil, como apresenta Souza (2016, p. 69) que
para fugir de uma visão homogênea da juventude se baseia em Novaes (1998), “o qual nos
mostra que para além dos cortes etários, falamos agora de juventudes, olhar mais amplo e
que foge da tentativa de universalizar o que é particular e ao mesmo tempo diverso”, ou
seja, nos deparamos com uma pluralidade de grupos de jovens, que ao mesmo tempo em
que tem a mesma faixa etária, possuem formas de pensar, modos de viver e ideários
diferentes, como por exemplo, as juventudes urbana, negra, LGBT, camponesa, dentre
outros.
Atualmente, o poder público utiliza o recorte etário de 15 a 29 anos para
classificar a população jovem. Desse modo, com base no Censo Demográfico de 2010,
(Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2010), a população jovem no Brasil
representa um quarto da população do país, o que significa 51,3 milhões de jovens. Estes
estão situados tanto na área urbana quanto na rural do nosso país, e em relação a isso, os
dados apontam que 15,2 % dessa população encontram-se no campo. Podemos pensar que
são poucos jovens, no entanto, estamos tratando de cerca de 8 milhões de jovens.
O termo “jovem camponês”, “jovem rural” ou “jovem do campo”, segundo Castro
(2012), vem sendo utilizado desde o século XX para “designar filhos de camponeses que
ainda não se emanciparam da autoridade paterna – geralmente solteiros que vivem com os
pais” (CASTRO citado por CALDART (org.), 2012, p. 441). Esta juventude, como aponta
Wanderley (2003) citado por Souza (2016), deve ser analisada a partir de um duplo
enquadramento,
[...] enquanto jovens e rurais, de um lado essa juventude enfrenta os preconceitos do imaginário urbano acerca do mundo rural, são associados ao atraso, ao arcaico, ao caipira preguiçoso, do outro lado, na relação com os pais enfrentam o preconceito por serem muito urbanos. (WANDERLEY, 2003 citado por SOUZA, 2016, p. 72)
Indubitavelmente, nota-se que tem havido um maior interesse acadêmico, bem
como, aproximação das ações governamentais e do terceiro setor para com a juventude,
mas, essa categoria tem um enfoque apenas na área urbana. Ainda não são extensos os
estudos sobre políticas públicas e sociais que abarcam os jovens da zona rural e suas
particularidades, quando há essa aproximação, em sua maioria são estudos que associam o
tema com a migração e invisibilidade social.
O jovem do campo encontra-se imerso em um contexto muito maior de perdas e
retiradas de direitos do que o jovem urbano, tanto que na maioria dos casos o que um jovem
rural mais almeja é sair do campo e estudar ou trabalhar na “cidade grande”, com o objetivo
de obter melhores condições de vida, pois, de modo geral, existe no imaginário popular de
que a vida urbana é melhor que a do campo.
Ao trazermos este debate para o contexto dos assentamentos rurais
organizados pelo MST, observamos a preocupação, por parte das lideranças do Movimento,
no que se refere à sucessão geracional da família camponesa, ou seja, com que estratégias
e mecanismos a organização política pode alcançar esta juventude, no sentido de fazer com
que os jovens construam uma identidade política e social; que compreendam a dinâmica de
luta e resistência do campesinato contra os grandes latifundiários e todo um sistema
capitalista e dê continuidade ao processo de construção do campo.
Nessa lógica, abarcamos outra categoria a ser estudada: a identidade, a qual, de
maneira bem sucinta, podemos descrever como uma autoimagem, representação de si ou
conceito de si, que o indivíduo faz, tendo como base a realidade de um determinado
contexto social, através de suas experiências, observações e reflexões. É interessante
observamos que para a formação desta identidade, o indivíduo procura referências, sejam
elas boas ou ruins, realçando o papel do “outro” nesse processo social.
A juventude é caracterizada como um processo de transição para a fase adulta e
é neste processo que estes indivíduos constroem sua autoimagem, e para isso, se baseia
no “outro”, no adulto. Neste processo de formação, o jovem se insere e é moldado por várias
instituições, como a escola, família, Estado, grupos sociais e meios de comunicação, sendo
este último, objeto que exerce grande influência sobre a juventude. Viana (2009) aponta
para a busca que o jovem tem pelo adulto-padrão, o que “toma o jovem como um ser
incompleto, um ser transitório que deve chegar ao modelo ideal, sem questionar se tal
modelo corresponde à realidade, se é adequado [...]” (VIANA, 2009, p.151).
Vale apontar que nem todos os jovens seguem este padrão citado acima, muitos
questionam e contestam, reinterpretando e reformulando a imagem do adulto, criando uma
identidade diferente da usual, sendo atribuído a eles a característica de rebeldes por não
seguirem o dito como padrão. Contudo, sabemos que isto varia de acordo com a cultura,
teor político e classe de cada grupo social, uma vez que as relações sociais contribuem para
esta formação da identidade dos jovens.
É neste contexto que se inserem os jovens do campo, que por serem “invisíveis”
ou negligenciados pelas políticas públicas, acabam por terem seus pais e os adultos da sua
comunidade como metas a serem alcançadas. No entanto, podemos observar que nesta
realidade também há os que fogem às regras, como por exemplo, os jovens inseridos em
assentamentos rurais organizados, neste caso, pelo MST. Esta juventude, muitas vezes, por
possuir uma formação educacional e política que possibilite uma compreensão crítica da
realidade, tendo como base, adultos revolucionários, lutadores e resistentes, e por
enxergarem um mundo além do que lhes é posto pelos meios conservadores de
comunicação de massa, acabam construindo uma identidade que constitui referência
político ideológica mundial.
Nesse sentido, é fundamental destacarmos o papel que o MST possui na
formação política dos trabalhadores rurais do campo e suas famílias, reconhecendo a
cultura, a realidade e o modo de vida destes, buscando uma maior consciência de classe e
os incentivando a lutar, persistir e resistir pelos seus direitos enquanto seres humanos,
trabalhadores e camponeses.
Para tanto, Sales (2006, p.179) aponta que há vários locais em que acontece a
formação dos militantes, como por exemplo, em cursos, congressos, encontros, marchas e
etc. Essas formações também são feitas em escolas que compartilham da mesma ideologia
do Movimento, como a Escola do Campo, onde se prima pela educação popular,
respeitando a cultura e o saber dos assentados, em busca de uma transformação social.
No que tange à formação da juventude, esse trabalho tem uma perspectiva mais
ampla. A todo o momento esses jovens estão em formação, tanto em suas casas quanto na
escola, e sempre há condições para deslocamento, estadia e alimentação, o Movimento
possibilita a participação de jovens em encontros e cursos fora do assentamento, na
perspectiva de enriquecer o conhecimento e a militância destes, e, assim que retornam,
auxiliam na militância dentro do seu assentamento, como afirma Sales (2006) ao apontar
que,
Os iniciantes vão se tornando militantes e passam a contribuir no próprio assentamento, trabalhando junto aos grupos de jovens, orientando os estudos de textos e livros sobre a realidade rural, sobre a vida e a luta de líderes revolucionários e camponeses, e sobre o MST. (SALES, 2006, p. 182)
A formação pensada na perspectiva político organizativa do MST não se
restringe a espaços ou atividades, podendo ser observada em todos os movimentos
realizados pelo MST. Cabe destacar que em todas as suas atividades, assumindo caráter
especial de formação, é realizada a mística, que assume função estratégica no processo
tanto formativo, como já dito, quanto de identidade. Sobre a mística, trataremos a seguir.
III. A MÍSTICA COMO ELEMENTO DE FORMAÇÃO DE IDENTIDADE DA JUVENTUDE
CAMPONESA
A mística é compreendida como adjetivo de mistério como apontam vários
autores (Bogo (2012); Boff (1998)), e esta pode ser explicada tanto pelas conotações
religiosas como pelas ciências políticas e movimentos populares. Muitos apontam que não
há como explicá-la, pois ela é atribuída, nesta perspectiva, com algo mais sentimental, algo
a ser vivido mais do que a ser definido, como aponta Boff (1998) ao expor que a mística
[...] não possui um conteúdo teórico, mas está ligada à experiência religiosa, nos ritos de iniciação. A pessoa é levada a experimentar através de celebrações, cânticos, danças, dramatizações e realização de gestos rituais, uma revelação ou uma iluminação conservada por um grupo determinado e fechado. Importa enfatizar o fato de que o mistério está ligado a essa vivência/experiência globalizante (BOFF, 1998, p. 24).
No entanto, além de expor a vivência que a mística representa para quem dela
se “alimenta”, nos debruçaremos para explicitar um pouco sobre a mística segundo os
movimentos populares, presentes na formação política e de militância dos assentados,
nesse caso. Para isso, os estudos de Boff (1998), nos ajudam a compreender a mística no
seu sentido sociopolítico. O autor caracteriza a mística como:
[...] o conjunto de convicções profundas, as visões grandiosas e as paixões fortes que mobilizam as pessoas e movimentos na vontade de mudança ou que inspiram práticas capazes de afrontar quaisquer dificuldades ou sustentam a esperança face aos fracassos históricos. [...] A mística é, pois, o motor secreto de todo o compromisso, aquele entusiasmo que anima permanentemente o militante, aquele fogo interior que alenta as pessoas dentro da monotonia das tarefas quotidianas [...] (BOFF, 1998, p. 37; 38).
Na mesma linha de pensamento de Boff, Bogo (2012 citado por CALDART
(org.), 2012), que além de apresentar nos seus estudos dimensões que se encontram na
mística, ele aponta a importância que esta possui na militância e o quanto ela é complexa
para ser explicada, uma vez que a melhor forma de compreendê-la é vivenciando-a. Ou
seja,
A mística na militância é como a força de germinação que existe dentro das sementes. Assim como saem da dormência as gêmulas das sementes, despertam os militantes para a história como sujeitos conscientes de suas funções sociais. Descobrem as potencialidades das mudanças adormecidas nos contextos sociopolíticos e desvendam, na penumbra dos processos, possibilidades de agregar elementos diferenciadores que impulsionam as mudanças sociais (BOGO, citado por CALDART (org.), 2012, p. 477).
Em outras palavras, a mística aparece a todo o momento para motivar e
apresentar aos militantes, acampados, assentados e a todo o Movimento, a necessidade de
continuarem persistentes na luta e resistência por uma sociedade socialista, na qual todos
os trabalhadores tenham seus direitos garantidos. Ela está presente em todos os eventos
organizados pelo MST e cada dia é escolhida uma temática a ser objeto de reflexão, de
acordo com o contexto e a realidade daquele momento, possuindo, assim, uma
intencionalidade no seu fazer, ou seja, tem sempre um sentido e uma mensagem a ser
transmitida.
Ressalta-se a riqueza simbólica que encontramos na mística, uma vez que ela é
composta por música, teatro, poesia, dramatização, gesticulação, dentre outros meios de
expressão que a torna mais dinâmica, tendo em vista a heterogeneidade do público para o
qual ela é apresentada. A mística aparece como um mecanismo de formação de
consciência e identidade, apresentando, principalmente, aos camponeses, a história do
Movimento, os saberes necessários para que eles alcancem sua emancipação enquanto
seres humanos dotados de direitos, e apresentar a experiência de homens e mulheres que
participam do MST para que, além de exemplo, sirvam de inspiração e referência para estes
sujeitos.
Deste modo, podemos analisar a importância deste mecanismo para a formação
da juventude camponesa que vive em assentamentos organizados pelo MST e o quanto isto
representa para a entrada deles na militância. Sales (2006) ao estudar e pesquisar acerca
da juventude no campo político no Projeto de Assentamento (P. A.) Antônio Conselheiro/CE
percebeu que:
[...] conversando com jovens de assentamento de vários estados, que, embora a mística carregue um sentido religioso e ideológico muito forte, muitas vezes ela pode ser utilizada como uma forma de criar seu próprio espaço. Os jovens vão se aprimorando na forma de planejar e apresentar a mística e, nesse aprendizado, vão ampliando sua finalidade [...] (SALES, p. 228, 2006).
Nota-se que a finalidade da incorporação da mística pelo MST na formação
política da juventude é ultrapassada e alcança outras proporções que interferem na
identidade dessa juventude, além da formação política, há a formação humana. É nessa
perspectiva e para compreender como isso é alcançado que o projeto monográfico está
sendo construído. Para tanto, utiliza-se como realidade empírica a juventude camponesa da
Unidade Escolar Roseli Nunes, localizada no P.A Cigra, da Comunidade Agrovila Kênio, no
município de Lagoa Grande do Maranhão/MA.
O Assentamento Cigra é fruto da luta do MST e dos camponeses que residiam
na região, os quais, na década de 1990, alcançaram seus objetivos e conseguiram assentar
centenas de famílias, cada uma com cerca de 30 hectares de terra. A partir desse momento,
o Movimento passou a organizar o assentamento e formar cada vez mais as famílias
assentadas, no sentido de que elas busquem, sempre, assegurar seus direitos. Vale apontar
que, para além da reforma agrária, da distribuição de terras, faz-se necessária um conjunto
de políticas públicas que garantam os direitos básicos desses camponeses, como por
exemplo: saúde, educação e infraestrutura.
Neste contexto, compreendendo a necessidade de um modelo educacional
baseado na Educação do Campo, a qual valoriza os saberes dos camponeses e que os
emancipem, é que por meados de 2006 os assentados conseguiram através de várias
mobilizações e articulações garantir mais um direito da população camponesa: o ensino
médio no campo, o que resultou na escola Roseli Nunes, uma escola do campo de nível
médio integrando a educação profissionalizante ao curso técnico em agropecuária, sendo a
única escola de ensino médio localizada em área de assentamento na região e que atende
todas as comunidades camponesas desta.
A proposta pedagógica de educação do campo desta escola está baseada na
Pedagogia do Movimento Sem Terra, e funciona como metodologia a pedagogia da
alternância, a qual as atividades pedagógicas se dividem em dois tempos: o tempo escola e
o tempo comunidade, para que atenda às necessidades dos jovens agricultores e faça com
que eles articulem o conhecimento adquirido com suas realidades, como bem ressalta
Santos (2012) ao apontar que:
Os tempos educativos divididos em dois períodos – tempo escola e tempo comunidade – asseguram, nos projetos, a dimensão da indissociabilidade entre os conhecimentos sistematizados no ambiente escolar e/ou acadêmico e os conhecimentos presentes e historicamente construídos pelos camponeses, nos seus processos de trabalho de organização das condições de reprodução da vida no campo e nos processos organizativos de classe. Os espaços educativos da escola/universidade e do campo são duas particularidades de uma mesma totalidade que envolve o ensino, a pesquisa e as práticas, em todas as áreas do conhecimento e da vida social (SANTOS citado por CALDART (org.), p. 634, 2012).
Nesta perspectiva, a escola Roseli Nunes, atualmente, possui duas turmas de
nível médio com cerca de 60 jovens entre 15 e 20 anos, na maioria filhos de assentados,
que compreendem sua realidade e atuam criticamente para modificá-la. Vale ressaltar que
apesar de ser uma escola estadual, o poder público não cumpre com seu papel enquanto
dirigente da unidade escolar, falta estrutura física e pedagógica na escola, demonstrando a
fragilidade da garantia da política de educação do campo. Enfatiza-se, ainda, que a escola
conta com o apoio de terceiros para manter-se e que, após muitos embates, o
assentamento conseguiu um novo espaço físico para realocar a escola, no entanto, ainda
não foi entregue, pois sua construção caminha a passos lentos.
Um dos pontos interessantes desta escola é que, por ser organizada pelo MST e
acompanhar a sua pedagogia, os alunos vivenciam momentos enriquecedores para sua
formação política, e dentre esses momentos podemos citar a mística, que é feita todo dia
antes de iniciarem suas atividades. Em uma primeira aproximação com estes jovens, eles
afirmaram que um dos melhores momentos do dia para eles é quando fazem a mística e
quando a preparam para o dia seguinte, uma vez que tem todo um estudo acerca da
temática que apresentarão.
Desse modo, a questão central que orienta este estudo é: como que a mística
contribui para a formação da identidade dos jovens alunos da Unidade Escolar Roseli
Nunes? No entanto, fazem-se necessárias outras questões para melhorar estruturar o
estudo, a citar: o que é juventude camponesa? Como que se forma a identidade desta
juventude? O que é mística? Qual contexto histórico e social da mística no MST? Qual o
significado da mística para os jovens alunos da escola Roseli Nunes e como que ela se
constrói nesta escola?
Por fim, ressalta-se que é com base nesses questionamentos que se pretende
desenvolver tanto a pesquisa teórica quanto a empírica. Utilizando-se como aporte teórico o
materialismo histórico dialético, tendo em vista que se busca apreender a realidade social
considerando as relações sócio-históricas de sua construção, através de um viés crítico e
reflexivo da análise das relações sociais, observando para além da aparência dada.
III. CONCLUSÃO
Diante do exposto, o propósito deste artigo foi refletir brevemente acerca da
contribuição da mística na construção da identidade da juventude camponesa organizada
pelo MST, entendendo este mecanismo como instrumento de formação política ideológica. A
hipótese inicial é que a mística possui um papel fundamental na formação da identidade da
juventude camponesa, neste caso, dos jovens estudantes da escola Roseli Nunes.
A relevância da temática para o Serviço Social está em compreender que uma
das atribuições do assistente social é estar, junto à classe trabalhadora, na mobilização,
luta, defesa e resistência, a fim de construir um novo modelo de sociedade e auxiliar na
formação de seres emancipados e conscientes de sua realidade. Destaca-se, ainda, para o
papel pedagógico que este profissional carrega consigo, relacionando com o teor educativo
que há na construção e efetivação da mística.
Em síntese, não se propõe aqui o esgotamento da temática ou ainda a criação
de um estudo definitivo sobre a contribuição da mística na formação da identidade da
juventude camponesa, pois compreende-se que este assunto é de profunda complexidade.
Salienta-se que este é um trabalho incompleto e que se constitui como uma proposta de
projeto de pesquisa monográfico em fase de construção, logo, há muito que ser descoberto
e analisado, enriquecendo este trabalho.
REFERÊNCIAS
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