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LLLLLA PRA PRA PRA PRA PROOOOO FACHADAS & MONUMENTOS12
t e n d ê n c i a s
A Luz dosMonumentos
Urbanos Por José Canosa Miguez
Foto
: S
tock
Pho
tos
s monumentos e sítios históricos, culturais, pai-
sagísticos e sentimentais – patrimônio importante
e memória das cidades – são objetos arquitetu-
rais ou naturais, claramente reconhecíveis, que ca-
racterizam a silhueta de uma cidade.
É normal que as comunidades locais e os go-
vernantes estejam sempre interessados na elabo-
ração de projetos de iluminação para estes mo-
numentos, intervenções que sempre geram im-
pacto visual e emocional, com grande reper-
cussão nas mídias e na imagem das cidades.
Ao longo dos últimos 20 anos, com equi-
pamentos tecnologicamente mais desenvol-
vidos, a decisão de iluminar os monumen-
tos e edificações urbanas relevantes se
tornou freqüente em todos os países. No
A Visão Francesa
O Brasil, durante a década de 90, a ação pioneira da
Rioluz, a companhia responsável pela iluminação do
Rio de Janeiro, iluminou dezenas de monumentos e
edifícios importantes da cidade, no âmbito de um pro-
grama conjunto com a Secretaria de Cultura e inte-
grado com a Secretaria de Urbanismo. Outras cida-
des brasileiras seguiram o exemplo carioca e pro-
moveram ações semelhantes, buscando a revitali-
zação e o destaque de seu patrimônio.
A França detém atualmente indiscutível lide-
rança na iluminação urbana de qualidade e a
abordagem extremamente cuidadosa e integra-
da de seus projetos tem produzido exemplos
primorosos. Desta escola francesa, que se
irradiou por diversos países da Europa e
da Ásia, escolhemos alguns conceitos e
A Luz dosMonumentos
UrbanosA Visão Francesa
Por José Canosa Miguez
LLLLLA PRA PRA PRA PRA PROOOOO FACHADAS & MONUMENTOS12
FACHADAS & MONUMENTOS LLLLLA PRA PRA PRA PRA PROOOOO 13
observações interessantes sobre a evolução da ilu-
minação dos monumentos e centros históricos.
Os personagensOs personagensOs personagensOs personagensOs personagens
São diversos os personagens e entidades que
participam dos processos de iluminação do patri-
mônio histórico e artístico das cidades:
● os organismos governamentais especializados,
instituídos nas esferas municipais, estaduais e fe-
derais na forma de Conselhos ou Institutos, que
mantêm sob a sua guarda oficial os monumentos
tombados. Seus profissionais são especializados e
emitem pareceres consultivos sobre quaisquer tipos
de projetos de iluminação para os bens tombados;
● os governantes e seus órgãos especializados
na problemática urbana, em todas as escalas de
poder – federal, estadual e municipal.
● o clero, no caso dos templos e imagens de qual-
quer religião (catedrais, igrejas, abadias, mosteiros,
etc.), que também avalia a intervenção luminosa;
● os serviços técnicos de iluminação das cida-
des (a EDF em Paris, a Rioluz no Rio de Janeiro, o
ILUME em São Paulo, etc.);
● lighting designers, que atuam por concurso ou
consultoria;
● escritórios técnicos de arquitetura, iluminação,
eletricidade e energia;
● fabricantes de equipamentos de iluminação;
● equipes multidisciplinares (no caso de projetos
de reestruturação urbana).
Esta pluralidade de interlocutores coloca em
evidência a questão da competência técnica em
assuntos de iluminação externa e valorização notur-
na dos monumentos.
A concepção clássicaA concepção clássicaA concepção clássicaA concepção clássicaA concepção clássica
As primeiras iluminações de monumentos con-
sistiram, e este ainda é o caso mais freqüente, em
simplesmente iluminar o edifício com a ajuda de al-
guns projetores dispostos nas imediações, sem a
preocupação com uma valorização particular e muito
menos com qualquer intenção de ordem estética.
Denominadas pelos franceses como illuminations,
nascem da vontade, um pouco paradoxal, de repro-
duzir o melhor possível, a imagem diurna do monu-
mento, e o objetivo é tão somente destacar a edifi-
cação durante a noite. Predomina o princípio lumi-
notécnico da uniformidade de brilho para o conjun-
to, com os projetores instalados em função de um
ponto de contemplação das fachadas principais.
Como o objetivo é se destacar da iluminação públi-
ca viária, a luminância média do monumento acaba
sendo maior que a do entorno.
O desejo de copiar a imagem diurnaO desejo de copiar a imagem diurnaO desejo de copiar a imagem diurnaO desejo de copiar a imagem diurnaO desejo de copiar a imagem diurna
A aspiração de criar uma imagem “solar” do
monumento se explica em parte pela vontade dos
órgãos responsáveis pelo patrimônio de tentar resti-
tuir à arquitetura durante a noite a sua mesma leitura
As primeirasiluminaçõesde monumentosconsistiramem simplesmenteiluminar o edifíciocom a ajuda de algunsprojetores dispostosnas imediações,sem preocupaçãocom uma valorizaçãoparticular ou intençãode ordem estética.
Castelo de Vaduzem Liechtenstein
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ão
Em projetos mais elaborados, o branco-azulado do vapor metálico eo branco-alaranjado do vapor de sódio são utilizados para sublinharfacilmente os diferentes planos ou volumes do monumento.
Fórum Rui Barbosa – Salvador – BAIluminação: CitéluzProj. Iluminação: Fabiano Xavier e Alain Maitre
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urta
do
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variam em intensidade e sua direção é freqüente-
mente determinada pelas possibilidades físicas de
implantação dos projetores nas fachadas ou em
postes próximos. É quase impossível posicionar os
projetores a uma altura capaz de reproduzir as som-
bras solares: seriam necessários postes tão altos
que desfigurariam irremediavelmente a paisagem e
a imagem do monumento.
d) A luz solar provoca uma sombra pouco defi-
nida do monumento: o sol aparece como uma úni-
ca fonte pontual, situada a uma distância infinita em
relação à posição do observador. Em contrapartida,
a iluminação artificial exige um determinado núme-
ro de projetores, definidos por ângulos de abertura
limitados e determinando o desejado nível de ilumi-
namento. A cada grupo de projetores corresponde
uma direção específica e, mesmo que muitos proje-
tores sejam agrupados, cada um provoca uma som-
bra diferenciada ou um grupo de sombras suaves,
tendo em vista a pouca distância entre a fonte e o
objeto iluminado.
e) A tonalidade da luz solar em um dia claro
com céu azul é, paradoxalmente, muito fria (5.200ºK
a 6.000º K). O espectro cromático do sol é muito
rico - contém todas as cores do arco-íris - e seu Ín-
dice de Reprodução de Cores é, por definição, per-
feito: 100%. Mas a luz artificial não é tão branca como
a luz solar, pois possui uma cor dominante, o que
altera a nossa percepção da cor dos objetos. As
fontes artificiais de tonalidade fria apresentam um
espectro muito pobre e, em geral, um I.R.C. bem
menor que o do sol.
A presunção desta aspiração - imitar o efeito
da luz solar - despertou em muitos iluminadores a
real consciência do caráter eminentemente artificial
da iluminação. Assumido este caráter, surgiram os
projetos contemporâneos, pensados e concebidos
como valorizações noturnas específicas. E a ilumi-
nação da Torre Eiffel, com o primeiro projeto criado
por Pierre Bideau e inaugurada na última noite de
1985, é considerada como um dos gestos funda-
mentais desta nova atitude.
Observações quanto à terminologiaObservações quanto à terminologiaObservações quanto à terminologiaObservações quanto à terminologiaObservações quanto à terminologia
Cabe aqui observar que duas diferentes expres-
sões francesas para os termos referentes ao gesto
de iluminar a arquitetura mostram diferenças muito
importantes:
diurna, da melhor maneira possível e também pelo
receio de descaracterização do monumento com uma
iluminação inadequada. Mas será que este desejo é
realista ou pelo menos tecnicamente realizável?
Vamos analisar a questão por etapas:
a) A visão diurna de um monumento é global: a
luz do sol envolve os acessos ao monumento e o
integra ao seu ambiente. A iluminação artificial, ao
contrário, é restritiva: ela diferencia e destaca pela
luz um monumento do seu entorno, muitas vezes
isolando-o de seu contexto urbano.
b) A potência da luz solar é fenomenal. Já a ilu-
minação artificial é limitada em potência e ilumina
cada parte do objeto de maneira parcial e distinta. A
iluminância sobre uma fachada em um dia de sol
claro é da ordem de 70.000 a 100.000 luxes e de
30.000 a 40.000 em um dia muito nebuloso; esta
mesma fachada em noite de lua cheia terá um ilu-
minamento na ordem de 1 lux. A maior parte dos
projetos estabelece níveis entre 30 e 200 luxes, no
máximo. Além disso, na maioria dos casos, os pro-
jetos de iluminação dos monumentos não contem-
plam os acessos ao edifício.
c) A luz solar tem uma direção bem conhecida
e suas sombras são uniformes e idênticas, evoluin-
do lentamente em intensidade e se deslocam ao rit-
mo do dia e das estações do ano. Já a luz artificial é
quase sempre fixa, suas sombras geralmente não
A Françadetém, atualmente,indiscutível liderançana iluminação urbanade qualidade.
Paris – FR
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ão
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● illumination – iluminação sem contrastes, cha-
pada, expressão clássica ultrapassada (assumiu
sentido depreciativo);
● mettre en lumière – iluminar como expressão ar-
tística, evidenciar, destacar, valorizar pela luz.
A abordagem contemporânea:A abordagem contemporânea:A abordagem contemporânea:A abordagem contemporânea:A abordagem contemporânea:por uma outra leitura do monumentopor uma outra leitura do monumentopor uma outra leitura do monumentopor uma outra leitura do monumentopor uma outra leitura do monumento
Illumination qualifica os projetos de luz cal-
cados na abordagem clássica, que busca uma có-
pia da imagem diurna do monumento. Já a mise en
lumière contemporânea é pensada de maneira ori-
ginal e autônoma, longe de qualquer referência à
imagem diurna e abstraindo-se de certos princípios
que no passado foram considerados como dogmas.
Diferentemente da iluminação chamada clássi-
ca, a mise en lumière contemporânea traduz uma
intenção e a visão sensível do seu criador. Autori-
zando uma ou mais leituras do monumento, ela
transforma a imagem arquitetural, procurando não
descaracterizá-la, para destacar aspectos desta
mesma arquitetura, de acordo com o sentimento e
as opções do lighting designer.
A escolha e o posicionamento dos projetores,
os níveis de iluminamento, as tonalidades de cor das
lâmpadas são estudados em função da intenção de
“mettre en lumière” – valorizar pela luz – e não mais
do simples volume arquitetônico a destacar.
As opções para o partido do projeto de ilumina-
ção podem variar: ressaltar as linhas de força das
estruturas, o princípio construtivo da arquitetura, in-
corporar o retorno da luz dos interiores, destacar
detalhes das fachadas ou o que a criatividade do
lighting designer determinar.
Os aparelhos e as técnicas, estas provenientes
muitas vezes da iluminação cênica, podem permitir
viabilizar mise en lumière evolutivas ao longo do tem-
po. A iluminação pode então ser dinâmica, progra-
mável, e os níveis podem variar ao longo da noite.
Os ritmos de animação são flexíveis, podendo ser
regulados no local, e modificados em função de um
ajuste, de um evento ou uma celebração particular.
Em busca de uma perspectiva históricaEm busca de uma perspectiva históricaEm busca de uma perspectiva históricaEm busca de uma perspectiva históricaEm busca de uma perspectiva histórica
Em que pesem as grandes diferenças entre as
cidades do velho e do novo mundo, os edifícios que
contam a história das cidades foram construídos
durante longos períodos históricos e o crescimento
urbano progressivamente os absorveu. Um monu-
mento não é somente um conjunto de fachadas. Ele
é também o testemunho de uma época, uma verda-
deira referência estilística e temporal. Mas a ilumi-
nação dos monumentos históricos nunca conside-
rou os diferentes estilos arquitetônicos: castelos
medievais, catedrais góticas, pousadas do século
XVIII, mercados do século XIX, fontes art déco são
ainda hoje iluminados segundo os mesmos princí-
pios “clássicos”.
Seria interessante provocar uma reflexão junto
aos estudiosos da história da arte sobre o papel que
a luz pode desempenhar na identificação e valoriza-
ção de um estilo arquitetônico, sobre o simbolismo
da luz nos diferentes períodos históricos, sobre o
sentido da luz e da iluminação na época em que o
monumento foi construído. Estes estudos poderiam
determinar novas opções para o partido da ilumina-
ção levando em conta o contexto histórico do mo-
numento; permitiriam também a criação de mobiliá-
rios de iluminação originais e criativos que propori-
am uma interpretação contemporânea das antigas
lâmpadas e luminárias.
Um estilo arquitetônico é expresso por formas,
volumes, ornamentos, materiais e cores. Uma mise
en lumière histórica pode se apoiar nestas caracte-
rísticas e se imbuir do espírito da época, sem no
entanto ser redundante ou cair no pastiche.
Em complemento à valorização noturna do edi-
fício a iluminação pode igualmente comprometer-
se com o clima de época do monumento ou do sítio
histórico: a luz pode criar atmosferas estranhas, misFoto
: D
ivul
gaç
ãoProjetores, níveis
de iluminamento etonalidades de cor
das lâmpadassão estudados em
função do conceitode “mise en lumière”
e não maisdo simples volume
arquitetônicoa destacar.
Ilha Fiscal – RJ
Iluminação:J. C. Miguez / Rioluz
L U M E A R Q U I T E T U R A 66
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