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A FORMAÇÃO DOCENTE E A PRÁTICA DE ENSINO COM CRIANÇAS EM
AMBIENTE HOSPITALAR: REFLEXÕES QUE DESAFIAM A PEDAGOGIA
Maria José Albuquerque Santos1
RESUMO
O presente texto tem como objetivo: refletir, de forma questionadora, a respeito da
formação de professores e professoras e sua atuação responsável e competente em
espaços não escolares, especificamente, no atendimento escolar hospitalar, na Unidade
Materno Infantil, do Hospital Universitário da Universidade Federal do Maranhão –
HUUFMA. Discute - se ainda a formação do pedagogo e pedagoga para atuar em
contextos não escolares e como essa questão passa pela responsabilidade da
Universidade, além de se colocar como um desafio a ser superado e/ou enfrentado pela
temática docentes. Uma outra temática discutida é a profusão de termos com que se
discute os aspectos pedagógicos inseridos numa nomenclatura vasta. Busca-se os aportes
teóricos de estudiosos que discutem a legislação brasileira, a formação do pedagogo,
pedagoga e as questões inerentes ao ambiente hospitalar: Arosa (2011), Bauman (2010),
Foucault (1984), entre outros. O objetivo declarado foi atingido, a partir do momento que
se usa a observação como etapa primeira do método cientifico e pode-se então refletir
criticamente acerca do que se levantou como problemática a ser analisada. Obteve-se os
seguintes resultados: as questões discutidas carecem de mais profundidade, mais
pesquisas que consigam mudar o cenário, que consigam atender uma demanda cada vez
mais presente em nossa sociedade e efetivar na prática o que a legislação brasileira
garante como direito à educação de qualidade a todos e todas, independente do contexto
onde se encontra, atendendo as necessidades de crianças e adolescentes em situação de
adoecimento.
Palavras chave: Educação Escolar. Educação Não Escolar. Formação de Pedagogo (a).
1 INTRODUÇÃO
A sociedade em que vivemos apresenta mudanças vertiginosas, e a cada
momento nos deparamos com novas demandas. As atividades docentes pedagógicas
seguem esse mesmo curso, mas, de forma menos impactante. Nesse sentido, a atuação de
professores e professoras não se restringe tão somente à sala de aula convencional, como
a concebemos, um lócus específico de aprendizagens, de crianças saudáveis, etc. Há,
neste contexto, múltiplas situações em que o docente/ professor/professora e/ou
1Professora Doutora do Departamento de Educação I, da Universidade Federal do Maranhão-
maze59@ufma.br
Didática e Prática de Ensino na relação com a Sociedade
EdUECE - Livro 300388
pedagogo/pedagoga pode atuar, que são os espaços não escolares. Em quaisquer dessas
situações, a atuação dos docentes perpassa pela questão da formação na Universidade,
seu campo de atuação escolar e não escolar, atendendo as novas demandas, cuja prática
pedagógica se insere no atendimento escolar hospitalar, para que de fato e de direito,
possa contribuir com a aprendizagem de milhares de crianças em situação de
adoecimento, espalhadaspelo Brasil afora e especificamente as crianças do Estado do
Maranhão, oriundas do interior, que em sua maioria pertence a fatia da população mais
desprovida de privilégios, usuários do Sistema Único de Saúde – SUS, como
consequência do fator doença, essas crianças e adolescentes afastam-se da escola ou
nunca lá estiveram, causando uma ruptura no curso normal da vida cotidiana desses
sujeitos e exigindo um comprometimento maior por parte da sociedade civil e poderes
públicos constituídos.
Em virtude dessa problemática, a nossa preocupação centra-se em primeiro
plano, numa breve discussão no que diz respeito à profusão de termos em que se
estabelecem as discussões da área do atendimento de crianças em espaços não escolares
e de que forma isto atinge de perto os atores envolvidos. A discussão é profícua, mas a
questão mais premente se insere no formato com que são preparados os profissionais da
educação que precisam atuar nessa nova demanda e que a nosso ver, não é tão simples
assim. Com isso apontamos a responsabilidade social de professores e professoras, das
Universidades, como instituições responsáveis pela formação pedagógica desses sujeitos.
A Universidade como instituição promotora dos saberes academicamente produzido,
precisa atentar para o fato de que as pesquisas em relação à formação de professores e
professoras, o aparato legal que preconiza de que forma as instituições devem se
organizarem, não dão conta qualitativamente da problemática anunciada. As pesquisas se
partem e se repartem e o professor e a professora continua no “olho do furacão”.
A Universidade enquanto instituição promotora, divulgadora, e formadora de
novas subjetividades desde tempos passados, ainda não fornece os subsídios necessários
a essa nova situação em que se encontra o professor e a professora, que é o mundo do
trabalho globalizado, com novas exigências, não mais mercado de trabalho, mas, as
relações como escreve Baumann (2010), se inserem numa modernidade líquida, e que as
relações que aí se travam são cada vez mais descartáveis.
Destarte, a criança em situação de adoecimento e o trabalho pedagógico no
ambiente escolar hospitalar, não carece de uma ação descartável e nem tão pouco fica à
mercê de discussões tardias ou no mínimo, descontextualizadas. Infelizmente, crianças
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EdUECE - Livro 300389
enfermas não vão deixar de existir e localizando global e local o problema, estamos longe
de atingir um patamar de qualidade. Retornamos ao local, porque nos referimos ao
Maranhão, um estado sem autonomia política, financeiramente desgastado,
inseguramente mantido por conta da falta de políticas públicas de alto teor de resolução
(FARIAS, 1994). Deduzimos que não bastam as discussões teóricas acerca de
nomenclaturas, deste ou de outros termos ( pedagogia hospitalar, classe hospitalar,
atendimento escolar hospitalar), óbvio que são termos que nasceram nos respectivos
contextos históricos, contribuem para o avanço das pesquisas, ainda assim, o impasse
persiste: Como deve ser a formação de professores para atuar na “pedagogia hospitalar”,
“classe hospitalar”, “brinquedoteca hospitalar” ou “atendimento escolar hospitalar”? A
atuação pedagógica será a mesma desde que provida de uma formação teórica,
metodológica que dê conta de atender as necessidades específicas de crianças e
adolescentes em situação de internação hospitalar temporária ou não. O cerne da questão
reside no fato desse docente chegar ao lócus do atendimento e se perguntar: Como fazer?
Pergunta inaugurada por Comenius (1647) em sua Didática Magna e que é feita até hoje
por quem exerce a docência. Na outra reflexão situamos Foucault, (1977, p. 241, grifo do
autor), quando escreve: “temo que sob o pretexto de ‘denúncias sistemáticas’, se instale
um ecletismo acolhedor”.
Isto posto, discutimos a profusão de termos que repercute diretamente na
atuação pedagógica em ambientes não escolares, em que se localiza a pedagogia. A
riqueza de nomenclatura atende a quem em particular? Reconhecemos que essa questão
advém do contexto histórico, o aparto legal e as pesquisas desenvolvidas no âmbito social
e acadêmico nos quais foram produzidas. Por outro lado, mostra que as pesquisas estão
preocupas com um aspecto até então relegado a segundo plano, e, por outro, movimenta
discussões e grupos de pesquisas que se mesclam nas atividades acadêmicas, gerando
para o mundo do trabalho aberturas em setores anteriormente fechados, exclusivos, como
é o caso da saúde e as crianças em situação de adoecimento, que requerem não só cuidados
médicos, como outros aspectos amparados legalmente. Nesta discussão, indicamos o
objetivo precípuo do presente texto que é: refletir, de forma questionadora, a respeito da
formação de professores e professoras e sua atuação responsável e competente em
espaços não escolares, especificamente, no atendimento escolar hospitalar, na Unidade
Materno Infantil, do Hospital Universitário da Universidade Federal do Maranhão –
HUUFMA.
Didática e Prática de Ensino na relação com a Sociedade
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2 UM POUCO DE HISTÓRIA
Sabemos que a Pedagogia, tradicionalmente entendida como uma área que
trabalha com o conhecimento, de forma sistematizada pedagogicamente, e que para atuar
nessa mediação entre o conhecimento e o aluno, a didática comeniana e o pedagogo/a
seria o mais apto para agir em conformidade com leis, programas oficias e a própria
escola. Portanto, essa nova exigência (o atendimento escolar hospitalar) não se insere
nesse formato em virtude da recente demanda.
Na década de 50 do século XX, teve início no Rio de Janeiro, no Hospital
Escola Menino de Jesus, o atendimento às crianças hospitalizadas, (CNDCA, 1995),
serviço que até hoje é mantido, fazendo um resgate da criança ou adolescente que se
encontra num ambiente que gera muitas vezes, dor, sofrimento e morte, além de tirar essa
criança, esse adolescente do contexto escolar, mantem o elo entre a realidade atual e a
vida cotidiana desses seres humanamente fragilizados.
O profissional que atua na pedagogia hospitalar, embora o termo exija
reflexão e cuidados, tem a formação de educador, mas, que precisa para além dessa, a
consciência filosófica de atuar por meio de atividades lúdicas, da psicomotricidade,
enfim, atividades diversas para acompanhar, intervir no processo de aprendizagemdesses
pequenos e pequenas e tidos como futuros cidadãos, cidadãs. Essas atividades
desenvolvidas não podem deixar o aspecto da humanização no âmbito hospitalar, além
de deixar claro aos pacientes e familiares o direito de exercerem a sua cidadania exigindo
dos poderes públicos constituídos, o direito a continuidade da escolarização de seus filhos
e filhas com a mediação do professor/a e/ou pedagogo/a. Conforme rege a Constituição
Federal de 1988, especificamente no Título VIII – Da Ordem Social, Capítulo III – Da
Educação, da Cultura e do Desporto, Seção I, artigo 205: a educação é direito de todos e
dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da
sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para exercício da
cidadania e sua qualificação para o trabalho. Entendemos que esse direito garantido em
lei, é de todos e para todos, cabendo às instâncias públicas o cumprimento em qualquer
situação ou espaço que os cidadãos se encontrem e necessitem. A legislação brasileira
reconhece o direito de crianças e adolescentes hospitalizados ao acompanhamento
pedagógico-educacional. (BRASIL, 1994).
A Classe Hospitalar refere-se à escola no ambiente hospitalar, nas
circunstâncias de internação temporária ou permanente, garantindo o vínculo com a
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escola e/ou favorecendo, posteriormente ao momento hospitalar o ingresso ou o retorno
ao seu grupo escolar educativo. A necessidade de criação de Classes Hospitalares, advém
dos direitos da criança hospitalizada estabelecido na Resolução nº 41 de outubro de 1995,
no item 9, em que declara para a criança, o direito de desfrutar de alguma forma de
recreação, programas de educação, para a saúde, acompanhamento do currículo escolar
durante sua permanência hospitalar (BRASIL, 1995).
Dentre essas concepções de atendimento fora do âmbito escolar, ainda existea
Brinquedoteca Hospitalar e a Recreação Hospitalar. A Brinquedoteca Hospitalar é
amparada pela Lei de nº 11.104/2005, determinando aos hospitais que oferecem
atendimento pediátrico, a existência e manutenção desse espaço recreativo. E a recreação
hospitalar também faz coro às discussões ora praticadas. A partir deste ponto se faz
necessário colocar o foco deste texto em termo de objetivo, a disposição empírica, para
que as argumentações sejam iluminadas com a força da teoria.
3 INDUÇÃO E PLAUSIBILIDADE
A caracterização metodológica deste trabalho, passa pela breve descrição
interpretativa do espaço supracitado, onde aconteceu e acontece a empiria, denominada
fisicamente como uma sala, na Unidade Materno Infantil, do Hospital Universitário, da
Universidade Federal do Maranhão-HUUFMA, carinhosamente chamada pelos pequenos
e pequenas usuários, de “salinha”, com espaço muito reduzido geograficamente para
atender a demanda de crianças e adolescentes internados. Esse olhar que nos inquieta
desde a instalação dos trabalhos, em 2007, a priori, incipientes, mas providos do desejo
de fazer algo por aquele universo tão distante do que fazer pedagógico tradicional e que
ganha força, visibilidade e conhecimento teórico a partir de 2009, quando o Projeto de
Extensão “Estudar uma ação saudável: construindo uma pedagogia hospitalar”,
aprovado pela Resolução nº 665-CONSEPE, Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão
da Universidade Federal do Maranhão, em 09 de janeiro de 2009, na gestão do atual reitor,
Prof. Dr. Natalino Salgado Filho, presidente deste egrégio Conselho.
O referido projeto tem como objetivo geral o seguinte: Possibilitar a
continuidadedo processo educativo à criança e ao jovem que se encontram afastados da
escola por motivo de doença, hospitalizados, tratamento ou convalescença, sobretudo
como garantia de direito estabelecido na Resolução 41 de 1995. Na implementação
teórica e prática dessa finalidade teleológica, o projeto se mantém até hoje no mesmo
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ambiente, embasado pelos estudos empreendidos pela equipe que se dedica a esta
temática. Imbuída de um espírito acadêmico e possibilitando aos futuros pedagogos e
pedagogas uma visão mais ampla da prática pedagógica em situação não escolar, a equipe
trabalha com os acadêmicos do curso de Pedagogia, efetuando ações de incentivo à
pesquisa, à formação continuada, à participação em eventos científicos no âmbito do
atendimento pedagógico não escolar, para além da pedagogia tradicional, ainda visa
subsidiar, com base nas discussões atuais, a viabilização prática da Classe Hospitalar,
onde está inserido o projeto, corrigindo assim a defasagem de um direito garantido por
lei e negado tão sutilmente a quem de fato necessita, as crianças enfermas.
Outro aspecto metodológico da discussão presente é o peso da observação,
como etapa primeira e necessária do método científico, que como diz Lima, (2012, p. 62):
Ver, olhar, reparar, verbos que se complementam carregando uma
dimensão gradativa e que remetem ao que chamamos “olhar de
observação” (grifos da autora), direcionando por uma intencionalidade
pedagógica. O que observar na escola em movimento? Estamos falando
de uma postura atenta, para além das paredes e demais estruturas físicas,
objetos, estatísticas e documentos da instituição. É o olhar demorado
sobre os fatos, nexos e relações que se estabelecem no movimento das
pessoas para descobrir os fenômenos embutidos nos fatos
aparentemente corriqueiros ou comuns as particularidades e detalhes do
fenômeno estudado.
Com essa explicitação tão oportuna, observamos que as exigências, acima
apontadas, são mui rapidamente atendidas, mas desqualificando o binômio quantidade
versus qualidade. Esclarecendo esse binômio, no que se refere à brinquedoteca, a Unidade
onde o Projeto de Extensão age, encontra-se encastelada uma placa com o título de “
Brinquedoteca”, que a priori, nada indica que seja o verdadeiro espaço para tal fim e
somente com o olhar de pesquisador, pesquisadora se pode fazer a crítica pertinente. O
espaço físico existe, mas, o funcionamento com profissionais qualificados, horários
estabelecidos, socialização de atividades recreativas, não faz parte do cotidiano das
crianças e adolescentes usuárias daquela unidade hospitalar. As atividades pedagógicas
sistematizadas só acontecem com a ação das bolsistas e voluntárias que atuam no projeto.
4 POSSIBILIDADES UTÓPICAS E VIÁVEIS
A relação teoria e prática deixa de ser algo que assuma a devida importância,
quando se trata de profissionais sem a devida qualificação, contribuindo assim para a
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banalização das ações pedagógicas e do trabalho do professor/a que tem sua formação
voltada para esse público. Partindo desse pressuposto, defendemos a permanência dos
pedagogos e pedagogas no atendimento escolar hospitalar e ao mesmo denunciamos a
inexistência da assunção por parte dos governos municipal e estadual, ou o
desconhecimento, de que há uma demanda para que os egressos do curso de Pedagogia,
possam assumir esse novo campo de atuação, não como mercado de trabalho e nem como
exigênciado mundo do trabalho por inúmeras, ambas concepções se apoiam numa
mercadorização do trabalho humano, ou seja, no neoliberalismo.
É preciso que o educador/a que adentre esse espaço, compreenda, sobretudo,
a necessidade da humanização nas dependências hospitalares e a faceta do brincar, da
ludicidade inerente ao cotidiano infantil. O ato de brincar proporciona à criança e
adolescente com a saúde abalada, o desenvolvimento dos aspectos biopsicossociais, de
maneira efetiva, comprovadas e divulgadas em pesquisas. Como a brinquedoteca
necessariamente, seria um espaço provido de brinquedos, jogos educativos,
consequentemente facilitaria o trabalho pedagógico. A crítica que fazemos como fruto de
observações participantes, é que a quantidade existe, mas, não é acompanhada da devida
qualidade. Essa quantidade seria um fator favorável, não obstante, como não é subsidiada
por uma reflexão teórica, em nada favorece o desenvolvimento da criatividade, da
imaginação e da socialização das brincadeiras.
Nesse amálgama de concepções, surge um termo mais ou menos novo, o atendimento
escolar hospital que destina-se a um mesmo público. A questão permanece a mesma: a
atuação profissional do pedagogo/a no hospital. Que saberes serão necessários a esse fazer
docente tirado de contexto. Segundo Imbernón destaca que:
A especificidade dos contextos em que se educa adquire cada vez mais
importância: a capacidade de se adequar metodologicamente, a visão de
um ensino não tão técnico, como transmissão de conhecimento acabado
e formal, e sim como um conhecimento em construção e não imutável,
que analisa a educação como um compromisso prenhe de valores éticos
e morais [...] tudo isso nos leva a valorizar a grande importância que
tem para a docência, a aprendizagem da relação, a convivência, a
cultura do contexto e o desenvolvimento da capacidade de interação de
cada pessoa com o resto do grupo, com seus iguais e com a comunidade
que envolve a educação (IMBERNÓN, 2006, p. 14 ).
Essa formação a que se refere o autor, também se aplica aos educadores que
se inserem em ambientes não escolares, e que contribui para a aprendizagem de vários
atores envolvidos nesse processo.
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O século XXI, com suas rápidas transformações requer com urgência que se
debata cada vez mais o campo profissional do pedagogo, pedagoga, que tradicionalmente,
é visto depois de formado, como aquele alguém que se preparou especificamentepara a
sala de aula da escola. E nesta linha de pensamento deixa de ser inserido em outros
ambientes, que necessitam da mediação desse profissional que possa acompanhar
crianças e adolescentes que precisam de processos amplos de aprendizagem. A
Universidade precisa encontrar formas de incentivar a formação continuada desse
egresso, demonstrando dessa forma, a responsabilidade social com o profissional que é
lançado na sociedade.
Uma outra faceta importante desse processo e como última etapa da
observação, nos remete as relações interpessoais que se travam no ambiente hospitalar
entre os profissionais das várias áreas que atuam de forma direta ou indireta no processo
de recuperação da saúde das crianças e adolescentes. Pela observação feita em vários
momentos, um dado nos chamou bastante a atenção, o fato de que as crianças e seus
familiares perdem sua identidade humana e passam integrar um rol de números
correspondentes aos leitos que assim se denominam na linguagem da saúde, “paciente de
nº x”, ” mãe do paciente do leito x” , deixando em aberto para questionamentos, o que
acontece com a linguagem na saúde. Economia de palavras ou distanciamento necessário
ao bom desempenho do tratamento? Ou apenas a questão da humanização? Foucault,
quando escreve sobre O nascimento do Hospital, 1984, nos possibilitou um pouco mais
de entendimento, quando esclarece sobre a origem dos hospitais:
Da Idade Média até o século XVIII, hospital era local de assistência aos
pobres, bêbados e ladrões, visto como morredouro ou obra de
caridade. Os hospitais eram regidos por pessoas religiosas e tinham
função de recolhimento dos menos abastados e desfavorecidos da
sociedade, para dar os últimos cuidados antes da morte, salvar a alma,
ou simplesmente afastá-los da sociedade. É importante notar que neste
período a função médica não aparece, o hospital é uma instituição não-
médica e a medicina, por sua vez, é uma prática não-hospitalar. A
medicina dos séculos XVII e XVIII era individualista, a formação dos
médicos era baseada no conhecimento de textos, transmissão de receitas
secretas e publicas e observação do doente e da doença, mas não tinha
formação hospitalar. Nesta época, a doença era vista como fenômeno
da natureza e, na “luta entre a natureza e a doença o médico devia
observar a doença desde seus primeiros sinais até o momento de crise,
prever a evolução, ver de qual lado estaria a vitória e favorecer, na
medida do possível, a vitória da saúde e da natureza sobre a doença”. O
médico era, portanto, basicamente, um prognosticador e árbitro aliado
da natureza contra a doença (FOCAULT, 1984, p.102).
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Segundo o mesmo autor, (1984) a introdução dos mecanismos disciplinares
é o que possibilita a medicalização do hospital, com a função de assegurar o
esquadrinhamento e a vigilância do paciente. Transformar as condições do meio hospitalar
com a distribuição interna do hospital e a individualização dos leitos, por exemplo, que
ofereceu maior autonomia funcional médica, como a possibilidade de regulação da
temperatura para cada paciente. Isso levou à percepção de que o hospital é um meio de
intervenção sobre o doente e deve ser medicalizado em sua função e em seus efeitos, e que
a arquitetura do hospital deve ser fator e instrumento de cura. Dessa forma compreende que
em sua raiz histórica o hospital com objetivos que não é propriamente o da cura e que os
médicos detiveram esse saber poder. A formação se deu na prática, com amplas discussões
e que por este lado o hospital seja um local tão insípido, tão amorfo, necessitando desenraizar
esse resquício de disciplinarização e implantar mais humanização.
Neste emaranhado de palavras e discussões chegamos parcialmente aos
resultados e discussões provenientes da busca incessante pelo olhar observador,
permeado pelo tripé acadêmico, o ensino, a pesquisa e a extensão nas ações extensionistas
do projeto “Estudar uma ação saudável: construindo uma pedagogia hospitalar” que
incessantemente procura contribuir com a formação dos novos pedagogos inserindo-os
no ambiente hospitalar que também se configura como um lócus de formação. Todas as
discussões aqui iniciadas à luz de autores que se preocupam com a formação do educador
e o atendimento escolar hospitalar que ainda carecem de mais pesquisas e mais políticas
públicas no que diz respeito a inserção e absorção dos egressos do Curso de Pedagogia e
a responsabilidade colocada como um desafio ao trabalho pedagógico.
Outra inquietação apontada, refere-se a riqueza de nomenclatura discutida e
ampliada acerca do que deve ou não deve se chamar: pedagogia hospitalar, classe
hospitalar, atendimento escolar hospitalar, conforme as observações feitas, em nada
favorece a responsabilidade pela formação do pedagogo e a absorção deste enquanto
profissional e, para tantas perguntas, levantamento de hipóteses ainda não se pode nomear
com segurança a que patamar chegarão as discussões. Todavia, fica claro, que em
qualquer termo adotado, a formação desse docente continua a exigir um perfil afinado
com a humanização e a ludicidade. Embora não tenha havido uma hipótese elaborada, em
relação ao desconforto que observamos no travamento das relações interpessoais no
âmbito hospitalar que por vezes se mostram meio desconectadas tanto no que diz respeito
à equipe multiprofissional, quanto a relação paciente e linguagem médica e que tão bem
Foucault nos fornece pistas quando e em quais circunstâncias nascem os hospitais.
Didática e Prática de Ensino na relação com a Sociedade
EdUECE - Livro 300396
As inquietações permanecerão como norte para o aguçamento desse olhar
pesquisador e consequentemente se voltará para esse lócus tão discutido. Nesse sentido,
a prática de ensino em ambiente não escolar, dá mostras de muito mais possibilidades,
haja vista esse profissional necessite ter uma formação bastante sólida em termos de teoria
e prática voltadas aos aspectos biopsicossociais das crianças e adolescentes em situação
de internação prolongada ou não. Uma questão se faz presente: o currículo do curso de
Pedagogia, em seu desenvolvimento curricular, precisa abrir espaços nos ambientes não
escolares, a validade e viabilidade da inserção dos estágios em Educação Infantil e Séries
Iniciais do Ensino Fundamental.Segundo Charlot, quando fala da relação com o saber e
enfatiza o fracasso escolar:
Várias disciplinas podem contribuir para uma teoria da relação com o
saber. Cada uma escolherá sua abordagem, mas todas elas devem ter
presente a totalidade dos dados do problema. Qualquer que seja a
disciplina, ela deve levar em consideração: um sujeito, em relação com
outros sujeitos, presa da dinâmica do desejo, falante, atuante,
construindo-se em uma história, articulada com a de uma família, de
uma sociedade, da própria espécie humana, “engajado” (grifos do autor)
em um mundo no qual ocupa uma posição e onde se inscreve em
relações sociais. (CHARLOT, 2000, p. 88)
É nesse sentido que compreendemos a formação inicial dos pedagogos e
pedagogase que as ciências da educação estão intrinsicamente ligadas como base de
sustentação da prática pedagógica dos docentes que atuarão em espaços não escolares.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir do que se propôs este texto, chegamos no momento da não conclusão,
considerando que as inquietações permanecem e coexistem, mas com o firme propósito
de ir em busca de melhores respostas ancoradas nas discussões teóricas e práticas que se
avolumam cada vez mais em torno da temática aqui discutida. Reiteramos a necessidade
da implantação de políticas públicas na área do atendimento escolar hospitalar e a
inserção desse futuro pedagogo e pedagoga. Continuamos na linha de pensamento de que
as discussões em prol desta daquela nomenclatura não favorece a problemática desse
novo contexto e como finalização, apontamos a necessidade da formação continuada e da
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EdUECE - Livro 300397
inserção no ensino, pesquisa e extensão, bases nas quais se assentam o pensamento
acadêmico. A prática educativa segundo Libâneo (1994), ou seja, o trabalho docente é
parte integrante do processo educativo mais global pelo qual os membros da sociedade
são preparados para a participação na vida social e isso se aplica a qualquer cidadão,
considerando que a prática educativa, em todos os tempos é um fenômeno universal e
social.
REFERÊNCIAS
AROSA, Armando C.; SCHILKE, Ana Lúcia; NUNES, Lauande B.; (organizadores).
Atendimento escolar hospitalar: saberes e fazeres. Niterói: Intertexto, 2011.
BAUMAN, Zygmaunt. Capitalismo Parasitário. Rio de Janeiro: Zahar, 2010.
BRASIL. Lei nº 11.104 de 21 de março de 2005. Dispõe sobre a obrigatoriedade de
instalação de brinquedotecas nas unidades de saúde que ofereçam atendimento
pediátrico em regime de internação. Diário Oficial da União, Brasília, DF, Seção I, p.1.
CHARLOT, Bernard. Da relação com o saber: elementos para uma teoria. Porto
Alegre: Artmed, 2000.
CNDCA. CONSELHO NACIONAL DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO
ADOLESCENTE. Resolução nº 41 de 13 de outubro de 1995. Diário Oficial da União,
Brasília, DF, seção I, p.1, 1995.
FOUCAULT, Michel. O nascimento do hospital. In: Microfísica do poder. Rio de
Janeiro: Graal, 1984.
IMBERNÓN, Francisco. Formação docente e profissional: Formar-se para a mudança
e a incerteza. São Paulo: Cortez, 2006.
LIBÂNEO, José Carlos. Didática. São Paulo: Cortez, 1994.
LIMA, Maria do Socorro Lucena. Estágio e Aprendizagem: da profissão docente.
Brasília: Líber Livro, 2012.
Didática e Prática de Ensino na relação com a Sociedade
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