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A FORMAÇÃO DOCENTE E A PRÁTICA DE ENSINO COM CRIANÇAS EM AMBIENTE HOSPITALAR: REFLEXÕES QUE DESAFIAM A PEDAGOGIA Maria José Albuquerque Santos 1 RESUMO O presente texto tem como objetivo: refletir, de forma questionadora, a respeito da formação de professores e professoras e sua atuação responsável e competente em espaços não escolares, especificamente, no atendimento escolar hospitalar, na Unidade Materno Infantil, do Hospital Universitário da Universidade Federal do Maranhão HUUFMA. Discute - se ainda a formação do pedagogo e pedagoga para atuar em contextos não escolares e como essa questão passa pela responsabilidade da Universidade, além de se colocar como um desafio a ser superado e/ou enfrentado pela temática docentes. Uma outra temática discutida é a profusão de termos com que se discute os aspectos pedagógicos inseridos numa nomenclatura vasta. Busca-se os aportes teóricos de estudiosos que discutem a legislação brasileira, a formação do pedagogo, pedagoga e as questões inerentes ao ambiente hospitalar: Arosa (2011), Bauman (2010), Foucault (1984), entre outros. O objetivo declarado foi atingido, a partir do momento que se usa a observação como etapa primeira do método cientifico e pode-se então refletir criticamente acerca do que se levantou como problemática a ser analisada. Obteve-se os seguintes resultados: as questões discutidas carecem de mais profundidade, mais pesquisas que consigam mudar o cenário, que consigam atender uma demanda cada vez mais presente em nossa sociedade e efetivar na prática o que a legislação brasileira garante como direito à educação de qualidade a todos e todas, independente do contexto onde se encontra, atendendo as necessidades de crianças e adolescentes em situação de adoecimento. Palavras chave: Educação Escolar. Educação Não Escolar. Formação de Pedagogo (a). 1 INTRODUÇÃO A sociedade em que vivemos apresenta mudanças vertiginosas, e a cada momento nos deparamos com novas demandas. As atividades docentes pedagógicas seguem esse mesmo curso, mas, de forma menos impactante. Nesse sentido, a atuação de professores e professoras não se restringe tão somente à sala de aula convencional, como a concebemos, um lócus específico de aprendizagens, de crianças saudáveis, etc. Há, neste contexto, múltiplas situações em que o docente/ professor/professora e/ou 1 Professora Doutora do Departamento de Educação I, da Universidade Federal do Maranhão- [email protected] Didática e Prática de Ensino na relação com a Sociedade EdUECE - Livro 3 00388

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A FORMAÇÃO DOCENTE E A PRÁTICA DE ENSINO COM CRIANÇAS EM

AMBIENTE HOSPITALAR: REFLEXÕES QUE DESAFIAM A PEDAGOGIA

Maria José Albuquerque Santos1

RESUMO

O presente texto tem como objetivo: refletir, de forma questionadora, a respeito da

formação de professores e professoras e sua atuação responsável e competente em

espaços não escolares, especificamente, no atendimento escolar hospitalar, na Unidade

Materno Infantil, do Hospital Universitário da Universidade Federal do Maranhão –

HUUFMA. Discute - se ainda a formação do pedagogo e pedagoga para atuar em

contextos não escolares e como essa questão passa pela responsabilidade da

Universidade, além de se colocar como um desafio a ser superado e/ou enfrentado pela

temática docentes. Uma outra temática discutida é a profusão de termos com que se

discute os aspectos pedagógicos inseridos numa nomenclatura vasta. Busca-se os aportes

teóricos de estudiosos que discutem a legislação brasileira, a formação do pedagogo,

pedagoga e as questões inerentes ao ambiente hospitalar: Arosa (2011), Bauman (2010),

Foucault (1984), entre outros. O objetivo declarado foi atingido, a partir do momento que

se usa a observação como etapa primeira do método cientifico e pode-se então refletir

criticamente acerca do que se levantou como problemática a ser analisada. Obteve-se os

seguintes resultados: as questões discutidas carecem de mais profundidade, mais

pesquisas que consigam mudar o cenário, que consigam atender uma demanda cada vez

mais presente em nossa sociedade e efetivar na prática o que a legislação brasileira

garante como direito à educação de qualidade a todos e todas, independente do contexto

onde se encontra, atendendo as necessidades de crianças e adolescentes em situação de

adoecimento.

Palavras chave: Educação Escolar. Educação Não Escolar. Formação de Pedagogo (a).

1 INTRODUÇÃO

A sociedade em que vivemos apresenta mudanças vertiginosas, e a cada

momento nos deparamos com novas demandas. As atividades docentes pedagógicas

seguem esse mesmo curso, mas, de forma menos impactante. Nesse sentido, a atuação de

professores e professoras não se restringe tão somente à sala de aula convencional, como

a concebemos, um lócus específico de aprendizagens, de crianças saudáveis, etc. Há,

neste contexto, múltiplas situações em que o docente/ professor/professora e/ou

1Professora Doutora do Departamento de Educação I, da Universidade Federal do Maranhão-

[email protected]

Didática e Prática de Ensino na relação com a Sociedade

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pedagogo/pedagoga pode atuar, que são os espaços não escolares. Em quaisquer dessas

situações, a atuação dos docentes perpassa pela questão da formação na Universidade,

seu campo de atuação escolar e não escolar, atendendo as novas demandas, cuja prática

pedagógica se insere no atendimento escolar hospitalar, para que de fato e de direito,

possa contribuir com a aprendizagem de milhares de crianças em situação de

adoecimento, espalhadaspelo Brasil afora e especificamente as crianças do Estado do

Maranhão, oriundas do interior, que em sua maioria pertence a fatia da população mais

desprovida de privilégios, usuários do Sistema Único de Saúde – SUS, como

consequência do fator doença, essas crianças e adolescentes afastam-se da escola ou

nunca lá estiveram, causando uma ruptura no curso normal da vida cotidiana desses

sujeitos e exigindo um comprometimento maior por parte da sociedade civil e poderes

públicos constituídos.

Em virtude dessa problemática, a nossa preocupação centra-se em primeiro

plano, numa breve discussão no que diz respeito à profusão de termos em que se

estabelecem as discussões da área do atendimento de crianças em espaços não escolares

e de que forma isto atinge de perto os atores envolvidos. A discussão é profícua, mas a

questão mais premente se insere no formato com que são preparados os profissionais da

educação que precisam atuar nessa nova demanda e que a nosso ver, não é tão simples

assim. Com isso apontamos a responsabilidade social de professores e professoras, das

Universidades, como instituições responsáveis pela formação pedagógica desses sujeitos.

A Universidade como instituição promotora dos saberes academicamente produzido,

precisa atentar para o fato de que as pesquisas em relação à formação de professores e

professoras, o aparato legal que preconiza de que forma as instituições devem se

organizarem, não dão conta qualitativamente da problemática anunciada. As pesquisas se

partem e se repartem e o professor e a professora continua no “olho do furacão”.

A Universidade enquanto instituição promotora, divulgadora, e formadora de

novas subjetividades desde tempos passados, ainda não fornece os subsídios necessários

a essa nova situação em que se encontra o professor e a professora, que é o mundo do

trabalho globalizado, com novas exigências, não mais mercado de trabalho, mas, as

relações como escreve Baumann (2010), se inserem numa modernidade líquida, e que as

relações que aí se travam são cada vez mais descartáveis.

Destarte, a criança em situação de adoecimento e o trabalho pedagógico no

ambiente escolar hospitalar, não carece de uma ação descartável e nem tão pouco fica à

mercê de discussões tardias ou no mínimo, descontextualizadas. Infelizmente, crianças

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enfermas não vão deixar de existir e localizando global e local o problema, estamos longe

de atingir um patamar de qualidade. Retornamos ao local, porque nos referimos ao

Maranhão, um estado sem autonomia política, financeiramente desgastado,

inseguramente mantido por conta da falta de políticas públicas de alto teor de resolução

(FARIAS, 1994). Deduzimos que não bastam as discussões teóricas acerca de

nomenclaturas, deste ou de outros termos ( pedagogia hospitalar, classe hospitalar,

atendimento escolar hospitalar), óbvio que são termos que nasceram nos respectivos

contextos históricos, contribuem para o avanço das pesquisas, ainda assim, o impasse

persiste: Como deve ser a formação de professores para atuar na “pedagogia hospitalar”,

“classe hospitalar”, “brinquedoteca hospitalar” ou “atendimento escolar hospitalar”? A

atuação pedagógica será a mesma desde que provida de uma formação teórica,

metodológica que dê conta de atender as necessidades específicas de crianças e

adolescentes em situação de internação hospitalar temporária ou não. O cerne da questão

reside no fato desse docente chegar ao lócus do atendimento e se perguntar: Como fazer?

Pergunta inaugurada por Comenius (1647) em sua Didática Magna e que é feita até hoje

por quem exerce a docência. Na outra reflexão situamos Foucault, (1977, p. 241, grifo do

autor), quando escreve: “temo que sob o pretexto de ‘denúncias sistemáticas’, se instale

um ecletismo acolhedor”.

Isto posto, discutimos a profusão de termos que repercute diretamente na

atuação pedagógica em ambientes não escolares, em que se localiza a pedagogia. A

riqueza de nomenclatura atende a quem em particular? Reconhecemos que essa questão

advém do contexto histórico, o aparto legal e as pesquisas desenvolvidas no âmbito social

e acadêmico nos quais foram produzidas. Por outro lado, mostra que as pesquisas estão

preocupas com um aspecto até então relegado a segundo plano, e, por outro, movimenta

discussões e grupos de pesquisas que se mesclam nas atividades acadêmicas, gerando

para o mundo do trabalho aberturas em setores anteriormente fechados, exclusivos, como

é o caso da saúde e as crianças em situação de adoecimento, que requerem não só cuidados

médicos, como outros aspectos amparados legalmente. Nesta discussão, indicamos o

objetivo precípuo do presente texto que é: refletir, de forma questionadora, a respeito da

formação de professores e professoras e sua atuação responsável e competente em

espaços não escolares, especificamente, no atendimento escolar hospitalar, na Unidade

Materno Infantil, do Hospital Universitário da Universidade Federal do Maranhão –

HUUFMA.

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2 UM POUCO DE HISTÓRIA

Sabemos que a Pedagogia, tradicionalmente entendida como uma área que

trabalha com o conhecimento, de forma sistematizada pedagogicamente, e que para atuar

nessa mediação entre o conhecimento e o aluno, a didática comeniana e o pedagogo/a

seria o mais apto para agir em conformidade com leis, programas oficias e a própria

escola. Portanto, essa nova exigência (o atendimento escolar hospitalar) não se insere

nesse formato em virtude da recente demanda.

Na década de 50 do século XX, teve início no Rio de Janeiro, no Hospital

Escola Menino de Jesus, o atendimento às crianças hospitalizadas, (CNDCA, 1995),

serviço que até hoje é mantido, fazendo um resgate da criança ou adolescente que se

encontra num ambiente que gera muitas vezes, dor, sofrimento e morte, além de tirar essa

criança, esse adolescente do contexto escolar, mantem o elo entre a realidade atual e a

vida cotidiana desses seres humanamente fragilizados.

O profissional que atua na pedagogia hospitalar, embora o termo exija

reflexão e cuidados, tem a formação de educador, mas, que precisa para além dessa, a

consciência filosófica de atuar por meio de atividades lúdicas, da psicomotricidade,

enfim, atividades diversas para acompanhar, intervir no processo de aprendizagemdesses

pequenos e pequenas e tidos como futuros cidadãos, cidadãs. Essas atividades

desenvolvidas não podem deixar o aspecto da humanização no âmbito hospitalar, além

de deixar claro aos pacientes e familiares o direito de exercerem a sua cidadania exigindo

dos poderes públicos constituídos, o direito a continuidade da escolarização de seus filhos

e filhas com a mediação do professor/a e/ou pedagogo/a. Conforme rege a Constituição

Federal de 1988, especificamente no Título VIII – Da Ordem Social, Capítulo III – Da

Educação, da Cultura e do Desporto, Seção I, artigo 205: a educação é direito de todos e

dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da

sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para exercício da

cidadania e sua qualificação para o trabalho. Entendemos que esse direito garantido em

lei, é de todos e para todos, cabendo às instâncias públicas o cumprimento em qualquer

situação ou espaço que os cidadãos se encontrem e necessitem. A legislação brasileira

reconhece o direito de crianças e adolescentes hospitalizados ao acompanhamento

pedagógico-educacional. (BRASIL, 1994).

A Classe Hospitalar refere-se à escola no ambiente hospitalar, nas

circunstâncias de internação temporária ou permanente, garantindo o vínculo com a

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escola e/ou favorecendo, posteriormente ao momento hospitalar o ingresso ou o retorno

ao seu grupo escolar educativo. A necessidade de criação de Classes Hospitalares, advém

dos direitos da criança hospitalizada estabelecido na Resolução nº 41 de outubro de 1995,

no item 9, em que declara para a criança, o direito de desfrutar de alguma forma de

recreação, programas de educação, para a saúde, acompanhamento do currículo escolar

durante sua permanência hospitalar (BRASIL, 1995).

Dentre essas concepções de atendimento fora do âmbito escolar, ainda existea

Brinquedoteca Hospitalar e a Recreação Hospitalar. A Brinquedoteca Hospitalar é

amparada pela Lei de nº 11.104/2005, determinando aos hospitais que oferecem

atendimento pediátrico, a existência e manutenção desse espaço recreativo. E a recreação

hospitalar também faz coro às discussões ora praticadas. A partir deste ponto se faz

necessário colocar o foco deste texto em termo de objetivo, a disposição empírica, para

que as argumentações sejam iluminadas com a força da teoria.

3 INDUÇÃO E PLAUSIBILIDADE

A caracterização metodológica deste trabalho, passa pela breve descrição

interpretativa do espaço supracitado, onde aconteceu e acontece a empiria, denominada

fisicamente como uma sala, na Unidade Materno Infantil, do Hospital Universitário, da

Universidade Federal do Maranhão-HUUFMA, carinhosamente chamada pelos pequenos

e pequenas usuários, de “salinha”, com espaço muito reduzido geograficamente para

atender a demanda de crianças e adolescentes internados. Esse olhar que nos inquieta

desde a instalação dos trabalhos, em 2007, a priori, incipientes, mas providos do desejo

de fazer algo por aquele universo tão distante do que fazer pedagógico tradicional e que

ganha força, visibilidade e conhecimento teórico a partir de 2009, quando o Projeto de

Extensão “Estudar uma ação saudável: construindo uma pedagogia hospitalar”,

aprovado pela Resolução nº 665-CONSEPE, Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão

da Universidade Federal do Maranhão, em 09 de janeiro de 2009, na gestão do atual reitor,

Prof. Dr. Natalino Salgado Filho, presidente deste egrégio Conselho.

O referido projeto tem como objetivo geral o seguinte: Possibilitar a

continuidadedo processo educativo à criança e ao jovem que se encontram afastados da

escola por motivo de doença, hospitalizados, tratamento ou convalescença, sobretudo

como garantia de direito estabelecido na Resolução 41 de 1995. Na implementação

teórica e prática dessa finalidade teleológica, o projeto se mantém até hoje no mesmo

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ambiente, embasado pelos estudos empreendidos pela equipe que se dedica a esta

temática. Imbuída de um espírito acadêmico e possibilitando aos futuros pedagogos e

pedagogas uma visão mais ampla da prática pedagógica em situação não escolar, a equipe

trabalha com os acadêmicos do curso de Pedagogia, efetuando ações de incentivo à

pesquisa, à formação continuada, à participação em eventos científicos no âmbito do

atendimento pedagógico não escolar, para além da pedagogia tradicional, ainda visa

subsidiar, com base nas discussões atuais, a viabilização prática da Classe Hospitalar,

onde está inserido o projeto, corrigindo assim a defasagem de um direito garantido por

lei e negado tão sutilmente a quem de fato necessita, as crianças enfermas.

Outro aspecto metodológico da discussão presente é o peso da observação,

como etapa primeira e necessária do método científico, que como diz Lima, (2012, p. 62):

Ver, olhar, reparar, verbos que se complementam carregando uma

dimensão gradativa e que remetem ao que chamamos “olhar de

observação” (grifos da autora), direcionando por uma intencionalidade

pedagógica. O que observar na escola em movimento? Estamos falando

de uma postura atenta, para além das paredes e demais estruturas físicas,

objetos, estatísticas e documentos da instituição. É o olhar demorado

sobre os fatos, nexos e relações que se estabelecem no movimento das

pessoas para descobrir os fenômenos embutidos nos fatos

aparentemente corriqueiros ou comuns as particularidades e detalhes do

fenômeno estudado.

Com essa explicitação tão oportuna, observamos que as exigências, acima

apontadas, são mui rapidamente atendidas, mas desqualificando o binômio quantidade

versus qualidade. Esclarecendo esse binômio, no que se refere à brinquedoteca, a Unidade

onde o Projeto de Extensão age, encontra-se encastelada uma placa com o título de “

Brinquedoteca”, que a priori, nada indica que seja o verdadeiro espaço para tal fim e

somente com o olhar de pesquisador, pesquisadora se pode fazer a crítica pertinente. O

espaço físico existe, mas, o funcionamento com profissionais qualificados, horários

estabelecidos, socialização de atividades recreativas, não faz parte do cotidiano das

crianças e adolescentes usuárias daquela unidade hospitalar. As atividades pedagógicas

sistematizadas só acontecem com a ação das bolsistas e voluntárias que atuam no projeto.

4 POSSIBILIDADES UTÓPICAS E VIÁVEIS

A relação teoria e prática deixa de ser algo que assuma a devida importância,

quando se trata de profissionais sem a devida qualificação, contribuindo assim para a

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banalização das ações pedagógicas e do trabalho do professor/a que tem sua formação

voltada para esse público. Partindo desse pressuposto, defendemos a permanência dos

pedagogos e pedagogas no atendimento escolar hospitalar e ao mesmo denunciamos a

inexistência da assunção por parte dos governos municipal e estadual, ou o

desconhecimento, de que há uma demanda para que os egressos do curso de Pedagogia,

possam assumir esse novo campo de atuação, não como mercado de trabalho e nem como

exigênciado mundo do trabalho por inúmeras, ambas concepções se apoiam numa

mercadorização do trabalho humano, ou seja, no neoliberalismo.

É preciso que o educador/a que adentre esse espaço, compreenda, sobretudo,

a necessidade da humanização nas dependências hospitalares e a faceta do brincar, da

ludicidade inerente ao cotidiano infantil. O ato de brincar proporciona à criança e

adolescente com a saúde abalada, o desenvolvimento dos aspectos biopsicossociais, de

maneira efetiva, comprovadas e divulgadas em pesquisas. Como a brinquedoteca

necessariamente, seria um espaço provido de brinquedos, jogos educativos,

consequentemente facilitaria o trabalho pedagógico. A crítica que fazemos como fruto de

observações participantes, é que a quantidade existe, mas, não é acompanhada da devida

qualidade. Essa quantidade seria um fator favorável, não obstante, como não é subsidiada

por uma reflexão teórica, em nada favorece o desenvolvimento da criatividade, da

imaginação e da socialização das brincadeiras.

Nesse amálgama de concepções, surge um termo mais ou menos novo, o atendimento

escolar hospital que destina-se a um mesmo público. A questão permanece a mesma: a

atuação profissional do pedagogo/a no hospital. Que saberes serão necessários a esse fazer

docente tirado de contexto. Segundo Imbernón destaca que:

A especificidade dos contextos em que se educa adquire cada vez mais

importância: a capacidade de se adequar metodologicamente, a visão de

um ensino não tão técnico, como transmissão de conhecimento acabado

e formal, e sim como um conhecimento em construção e não imutável,

que analisa a educação como um compromisso prenhe de valores éticos

e morais [...] tudo isso nos leva a valorizar a grande importância que

tem para a docência, a aprendizagem da relação, a convivência, a

cultura do contexto e o desenvolvimento da capacidade de interação de

cada pessoa com o resto do grupo, com seus iguais e com a comunidade

que envolve a educação (IMBERNÓN, 2006, p. 14 ).

Essa formação a que se refere o autor, também se aplica aos educadores que

se inserem em ambientes não escolares, e que contribui para a aprendizagem de vários

atores envolvidos nesse processo.

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O século XXI, com suas rápidas transformações requer com urgência que se

debata cada vez mais o campo profissional do pedagogo, pedagoga, que tradicionalmente,

é visto depois de formado, como aquele alguém que se preparou especificamentepara a

sala de aula da escola. E nesta linha de pensamento deixa de ser inserido em outros

ambientes, que necessitam da mediação desse profissional que possa acompanhar

crianças e adolescentes que precisam de processos amplos de aprendizagem. A

Universidade precisa encontrar formas de incentivar a formação continuada desse

egresso, demonstrando dessa forma, a responsabilidade social com o profissional que é

lançado na sociedade.

Uma outra faceta importante desse processo e como última etapa da

observação, nos remete as relações interpessoais que se travam no ambiente hospitalar

entre os profissionais das várias áreas que atuam de forma direta ou indireta no processo

de recuperação da saúde das crianças e adolescentes. Pela observação feita em vários

momentos, um dado nos chamou bastante a atenção, o fato de que as crianças e seus

familiares perdem sua identidade humana e passam integrar um rol de números

correspondentes aos leitos que assim se denominam na linguagem da saúde, “paciente de

nº x”, ” mãe do paciente do leito x” , deixando em aberto para questionamentos, o que

acontece com a linguagem na saúde. Economia de palavras ou distanciamento necessário

ao bom desempenho do tratamento? Ou apenas a questão da humanização? Foucault,

quando escreve sobre O nascimento do Hospital, 1984, nos possibilitou um pouco mais

de entendimento, quando esclarece sobre a origem dos hospitais:

Da Idade Média até o século XVIII, hospital era local de assistência aos

pobres, bêbados e ladrões, visto como morredouro ou obra de

caridade. Os hospitais eram regidos por pessoas religiosas e tinham

função de recolhimento dos menos abastados e desfavorecidos da

sociedade, para dar os últimos cuidados antes da morte, salvar a alma,

ou simplesmente afastá-los da sociedade. É importante notar que neste

período a função médica não aparece, o hospital é uma instituição não-

médica e a medicina, por sua vez, é uma prática não-hospitalar. A

medicina dos séculos XVII e XVIII era individualista, a formação dos

médicos era baseada no conhecimento de textos, transmissão de receitas

secretas e publicas e observação do doente e da doença, mas não tinha

formação hospitalar. Nesta época, a doença era vista como fenômeno

da natureza e, na “luta entre a natureza e a doença o médico devia

observar a doença desde seus primeiros sinais até o momento de crise,

prever a evolução, ver de qual lado estaria a vitória e favorecer, na

medida do possível, a vitória da saúde e da natureza sobre a doença”. O

médico era, portanto, basicamente, um prognosticador e árbitro aliado

da natureza contra a doença (FOCAULT, 1984, p.102).

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Segundo o mesmo autor, (1984) a introdução dos mecanismos disciplinares

é o que possibilita a medicalização do hospital, com a função de assegurar o

esquadrinhamento e a vigilância do paciente. Transformar as condições do meio hospitalar

com a distribuição interna do hospital e a individualização dos leitos, por exemplo, que

ofereceu maior autonomia funcional médica, como a possibilidade de regulação da

temperatura para cada paciente. Isso levou à percepção de que o hospital é um meio de

intervenção sobre o doente e deve ser medicalizado em sua função e em seus efeitos, e que

a arquitetura do hospital deve ser fator e instrumento de cura. Dessa forma compreende que

em sua raiz histórica o hospital com objetivos que não é propriamente o da cura e que os

médicos detiveram esse saber poder. A formação se deu na prática, com amplas discussões

e que por este lado o hospital seja um local tão insípido, tão amorfo, necessitando desenraizar

esse resquício de disciplinarização e implantar mais humanização.

Neste emaranhado de palavras e discussões chegamos parcialmente aos

resultados e discussões provenientes da busca incessante pelo olhar observador,

permeado pelo tripé acadêmico, o ensino, a pesquisa e a extensão nas ações extensionistas

do projeto “Estudar uma ação saudável: construindo uma pedagogia hospitalar” que

incessantemente procura contribuir com a formação dos novos pedagogos inserindo-os

no ambiente hospitalar que também se configura como um lócus de formação. Todas as

discussões aqui iniciadas à luz de autores que se preocupam com a formação do educador

e o atendimento escolar hospitalar que ainda carecem de mais pesquisas e mais políticas

públicas no que diz respeito a inserção e absorção dos egressos do Curso de Pedagogia e

a responsabilidade colocada como um desafio ao trabalho pedagógico.

Outra inquietação apontada, refere-se a riqueza de nomenclatura discutida e

ampliada acerca do que deve ou não deve se chamar: pedagogia hospitalar, classe

hospitalar, atendimento escolar hospitalar, conforme as observações feitas, em nada

favorece a responsabilidade pela formação do pedagogo e a absorção deste enquanto

profissional e, para tantas perguntas, levantamento de hipóteses ainda não se pode nomear

com segurança a que patamar chegarão as discussões. Todavia, fica claro, que em

qualquer termo adotado, a formação desse docente continua a exigir um perfil afinado

com a humanização e a ludicidade. Embora não tenha havido uma hipótese elaborada, em

relação ao desconforto que observamos no travamento das relações interpessoais no

âmbito hospitalar que por vezes se mostram meio desconectadas tanto no que diz respeito

à equipe multiprofissional, quanto a relação paciente e linguagem médica e que tão bem

Foucault nos fornece pistas quando e em quais circunstâncias nascem os hospitais.

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As inquietações permanecerão como norte para o aguçamento desse olhar

pesquisador e consequentemente se voltará para esse lócus tão discutido. Nesse sentido,

a prática de ensino em ambiente não escolar, dá mostras de muito mais possibilidades,

haja vista esse profissional necessite ter uma formação bastante sólida em termos de teoria

e prática voltadas aos aspectos biopsicossociais das crianças e adolescentes em situação

de internação prolongada ou não. Uma questão se faz presente: o currículo do curso de

Pedagogia, em seu desenvolvimento curricular, precisa abrir espaços nos ambientes não

escolares, a validade e viabilidade da inserção dos estágios em Educação Infantil e Séries

Iniciais do Ensino Fundamental.Segundo Charlot, quando fala da relação com o saber e

enfatiza o fracasso escolar:

Várias disciplinas podem contribuir para uma teoria da relação com o

saber. Cada uma escolherá sua abordagem, mas todas elas devem ter

presente a totalidade dos dados do problema. Qualquer que seja a

disciplina, ela deve levar em consideração: um sujeito, em relação com

outros sujeitos, presa da dinâmica do desejo, falante, atuante,

construindo-se em uma história, articulada com a de uma família, de

uma sociedade, da própria espécie humana, “engajado” (grifos do autor)

em um mundo no qual ocupa uma posição e onde se inscreve em

relações sociais. (CHARLOT, 2000, p. 88)

É nesse sentido que compreendemos a formação inicial dos pedagogos e

pedagogase que as ciências da educação estão intrinsicamente ligadas como base de

sustentação da prática pedagógica dos docentes que atuarão em espaços não escolares.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir do que se propôs este texto, chegamos no momento da não conclusão,

considerando que as inquietações permanecem e coexistem, mas com o firme propósito

de ir em busca de melhores respostas ancoradas nas discussões teóricas e práticas que se

avolumam cada vez mais em torno da temática aqui discutida. Reiteramos a necessidade

da implantação de políticas públicas na área do atendimento escolar hospitalar e a

inserção desse futuro pedagogo e pedagoga. Continuamos na linha de pensamento de que

as discussões em prol desta daquela nomenclatura não favorece a problemática desse

novo contexto e como finalização, apontamos a necessidade da formação continuada e da

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inserção no ensino, pesquisa e extensão, bases nas quais se assentam o pensamento

acadêmico. A prática educativa segundo Libâneo (1994), ou seja, o trabalho docente é

parte integrante do processo educativo mais global pelo qual os membros da sociedade

são preparados para a participação na vida social e isso se aplica a qualquer cidadão,

considerando que a prática educativa, em todos os tempos é um fenômeno universal e

social.

REFERÊNCIAS

AROSA, Armando C.; SCHILKE, Ana Lúcia; NUNES, Lauande B.; (organizadores).

Atendimento escolar hospitalar: saberes e fazeres. Niterói: Intertexto, 2011.

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