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Clara Megumi Akutsu Patrícia Luciano
A CORRELAÇÃO ENTRE LINGUAGEM E ALIMENTAÇÃO NA SÍNDROME DE PRADER-WILLI
Trabalho de Conclusão de Curso
PUC - São Paulo 2007
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Clara Megumi Akutsu Patrícia Luciano
A CORRELAÇÃO ENTRE LINGUAGEM E ALIMENTAÇÃO NA SÍNDROME DE PRADER-WILLI
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Banca Examinadora como exigência parcial para obtenção do título de Bacharel em Fonoaudiologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo sob orientação da Profª. Dra. Ruth Ramalho Ruivo Palladino.
Trabalho de Conclusão de Curso
PUC - São Paulo 2007
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Dedicamos nosso trabalho aos portadores
da Síndrome de Prader-Willi e a todos que
juntos lutam para maior aprendizado e
conquistas.
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AGRADECIMENTOS
Aos meus queridos pais, que me incentivaram, acreditaram e se dedicaram à mim. Agradeço
por tudo o que sou e tenho.
Aos meus irmãos, pelos momentos de compreensão e alegria.
Ao meu amor, por acreditar em mim, e estar sempre ao meu lado em todos os momentos.
Obrigada por compreender meus momentos de ausência.
À Patrícia Luciano, companheira e amiga, por todas as nossas conquistas durante a vida
acadêmica.
Às nossas amigas de classe, por compartilhar nossos anseios, frustrações, alegrias e
conquistas ... principalmente às queridas Fernanda Garbelotti e Natália do Val.
Às minhas queridas amigas, Tamy, Liane, Lie, Isa, Gabi e Kaori pela amizade eterna.
Às mães e profissionais que contribuíram para a nossa pesquisa.
À Profa. Dra. Ruth Ramalho Ruivo Palladino, nossa orientadora, meu profundo
agradecimento pela dedicação, carinho, compreensão, e preciosa contribuição no meu
aprendizado e formação acadêmica.
OBRIGADA À TODOS!!!
Clara Megumi Akutsu
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AGRADECIMENTOS
Ao meu Senhor Jesus Cristo, porque os teus planos e teus sonhos são maiores que os meus.
Aos meus queridos pais Domingos e Florice, que de forma especial e carinhosa me deu força
e coragem, me apoiando nos momentos de dificuldades. Obrigada, amo vocês.
Aos meus irmãos Diego e Felipe e minhas cunhadas Gisele e Priscila, pelo apoio e por terem
suportado e compartilhado as minhas crises de choro.
À minha família, pelas orações, incentivo e cobranças pela ausência.
À Clara Megumi Akutsu, por ter se tornando uma grande amiga e por termos compartilhado
todas as dificuldades e conquistas nesta nossa vida acadêmica.
Às nossas amigas de classe, por compartilhar nossas frustrações, alegrias e conquistas.
Principalmente às queridas Fê Garbelotti, Na do Val, Dani Moreira, Pati Amaral e Rouge.
Aos meus amigos, por fazerem da minha vida uma grande festa.
Às mães e profissionais que contribuíram para a nossa pesquisa.
À profa. Dra. Ruth Ramalho Ruivo Palladino, que me auxiliou em todas as etapas desse
trabalho e teve grande paciência e dedicação.
Patrícia Luciano
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SUMÁRIO
Resumo _______________________________________________________________p.7
I. Introdução____________________________________________________________p.8
Alimentação e linguagem: do cortical ao simbólico
I.1- A estrutura cerebral hipotalâmica__________________________________p.13
I.2- O hipotálamo e o mecanismo alimentar _____________________________p.15
I.3- A alimentação como gesto simbólico_______________________________ p.17
II. Metodologia__________________________________________________________p.21
III. Discussão___________________________________________________________ p.22
IV. Conclusões__________________________________________________________ p.28
V. Referências Bibliográficas_______________________________________________p.29
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RESUMO
A correlação entre linguagem e alimentação na Síndrome de Prader Willi
As crianças acometidas pela Síndrome de Prader-Willi apresentam uma alteração na função
da alimentação que, inicialmente, é determinada por uma hipotonia muscular, e,
posteriormente, se potencializa numa hiperfagia, em função de distúrbios hipotalâmicos.
Além dos problemas alimentares há também um atraso na aquisição da linguagem. Na
tradição do campo fonoaudiológico, estes problemas alimentares e de linguagem são tidos
como resultantes de fatores que casualmente co-ocorrem e, nesta medida, são entendidos e
tratados em separado. Mas, há estudos recentes que, diferentemente, postulam uma
determinação simbólica para os problemas de linguagem e de alimentação, fazendo suposta aí
uma implicação que pode ser plantada na intersecção entre a questão da elaboração da
saciedade e a questão da inserção da criança na linguagem. Assim, o objetivo deste artigo é
discutir a relação entre problemas de linguagem e de alimentação sob a ótica do registro
simbólico, utilizando a síndrome de Prader-Willi como cenário para esta reflexão. A
metodologia utilizada foi a do levantamento bibliográfico. Pode-se concluir que a Síndrome
de Prader-Willi nos aponta questões interessantes que esclarecem a necessidade de novos
conceitos e novas técnicas a serem desenvolvidos no campo fonoaudiológico.
Palavras-chave: Síndrome de Prader-Willi; Alimentação; Linguagem; Desenvolvimento da
Linguagem.
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I. INTRODUÇÃO
A Síndrome de Prader-Willi (SPW) é um distúrbio neurocomportamental descrito pela
primeira vez por Prader, Labhart e Willi em 1956. É uma anormalidade genética de herança
paterna, potencialmente letal e está associada à deleção do cromossomo 15. Ocorre em cerca
de 1/10.000 nascimentos vivos (Koiffmann CP e Gonzalez, 1991; Fridman et al, 2000).
Os sinais apresentados pelos portadores da síndrome resultam de uma insuficiência na leitura
dos indicadores cerebrais das diversas funções ligadas a esta área cortical. O fenótipo clássico
dessa síndrome, conjunto de sinais considerados importantes mais o conjunto de sinais
complementares, está, portanto, ligado basicamente a transtornos (Butler, 1990; Holm et al,
1993).
Os sinais importantes ou fundamentais são:
- hipotonia generalizada, que se expressa inicialmente na capacidade de se alimentar,
isto é, por falta de tônus a criança não suga adequadamente e, assim, é submetida a
uma alimentação alternativa, por sonda nasogástrica. Entretanto, por volta do sexto
mês começa uma melhora desta hipotonia (quer dizer, o corpo ganha tônus) e a
criança passa gradativamente a se alimentar normalmente;
- hiperfagia compulsiva, pelo transtorno hipotalâmico, que pode ser detectada
precocemente, e conseqüente obesidade que se expressa a partir do segundo ano de
idade; e
- atipicidades físicas: baixa estatura, mãos e pés pequenos, genitália externa pequena.
Os sinais considerados complementares, são:
- comprometimento intelectual;
- hipopigmentação (uma quantidade anormalmente baixa de pigmento);
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- hipoplasia (diminuição da atividade formadora dos tecidos orgânicos) de esmalte
dentário, favorecendo a cárie dental grave e precoce;
- hiper tolerância à dor e instabilidade na percepção de temperatura;
A partir desta descrição, pode-se destacar que as crianças acometidas pela SPW apresentam
dois importantes problemas que interessam ao campo fonoaudiológico.
Por um lado, manifestam uma alteração na função da alimentação. Logo após o nascimento,
elas são alimentadas por sonda nasogástrica em função da hipotonia muscular que caracteriza
o bebê com SPW e seguem com problemas posteriores, que se potencializam em uma
hiperfagia que nelas se instala, ou seja, na compulsão a comer, determinada pela não
sinalização cerebral da saciedade, o que promove obesidade (Fridman, 1997).
Koiffmann C. (2005, p.27), em seus escritos, trata da dificuldade dos pais destas crianças em
lidar com estas duas situações alimentares que, apesar de antagônicas, os conduzem a um
mesmo estado de angústia e frustração. A autora aponta que na “primeira fase, as mães
apresentam elevado grau de frustração e culpa, percebendo-se inaptas na atividade de cuidar
e alimentar seus filhos. A culpa se intensifica na segunda fase da síndrome quando, entre os
dois e os quatro anos, a criança apresenta uma constante e incontrolável fome que passa a
dominar sua vida, acarretando na aquisição rápida de peso acessível, com obesidade central
(concentrada na região abdominal). Pela própria característica da síndrome, o
comportamento exploratório da criança acaba se voltando assencialmente para a busca
incessante do alimento, que se torna sua razão de viver”.
Por outro lado, além do problema alimentar, estas crianças podem, também, apresentar atraso
de aquisição de linguagem, explicado tanto pela questão da hipotonia, que cria transtornos
articulatórios, quanto pela questão de um déficit cognitivo que pode caracterizar estes casos.
Na tradição do campo fonoaudiológico estes problemas alimentares e de linguagem são tidos
como resultantes de fatores que casualmente co-ocorrem. O de alimentação, é abordado
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inicialmente enquanto transtorno disfágico determinado pela hipotonia e, depois, enquanto
transtorno alimentar por disfunção hipotalâmica, fundamental nesta síndrome. O de
linguagem, como um atraso determinado pela deficiência mental que quase sempre está
presente e, talvez também, caracterizado por um distúrbio articulatório pela mesma hipotonia
que, no começo, gerou o distúrbio de alimentação.
Além da diversidade etiológica considerada, que justifica a casualidade da co-ocorrência dos
problemas, note-se que a questão das dificuldades parentais na lida com a criança portadora
da SPW não costuma ser posta em relação determinante nem com um nem com outro
problemas apontados.
Em virtude deste estado da arte, pode apresentar-se como pertinente uma leitura distinta desta
tradicionalmente feita sobre os fatos, qual seja: 1) o problema de alimentação como transtorno
disfágico pela hipotonia, no início, e posteriormente, como transtorno alimentar, em função da
hiperfagia determinada pela não informação cerebral da saciedade e 2) o problema de
linguagem como apenas resultante de um quadro cognitivo e/ou de motricidade oral.
Na tradição, vale a pena insistir, os estudos das áreas da função da deglutição e de linguagem
colocam o falar e o comer perfilados, pois ambos são tidos como produtos do funcionamento
adequado de um certo aparato anátomo-fisiológico que caracteriza o homem. O produto
comer é anterior ao produto falar, que exige mais sofisticação das estruturas e funções, bem
como exige a participação de produtos de outros aparatos. Ambos podem se alterar por
desvios anatômicos, funcionais ou anátomo-funcionais, sendo que outras questões sempre
terão caráter secundário, como por exemplo, a dificuldade dos pais em lidar com questões do
desenvolvimento, qualquer que seja o seu fator desencadeador.
Mas, há estudos recentes que, diferentemente, postulam “uma determinação simbólica para
os problemas de linguagem e alimentação, fazendo suposta aí uma implicação” (Palladino et
al 2004;2007) e, assim, a co-ocorrência entre eles não é mais entendida como circunstancial.
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Portanto, o falar e o comer podem ser perfilados porque são acontecimentos simbólicos e,
nesta medida, fatos humanos. Em realidade, reconhecer a implicação entre os problemas de
linguagem e de alimentação supõe identificar uma relação de sobredeterminação simbólica
entre eles e, para tanto, esta síndrome é exemplar. Isso porque o problema a ser aqui
discutido, qual seja: a relação constante entre dificuldades no comer e a dificuldades no falar,
pode ser plantado na intersecção entre duas questões que são a da elaboração da saciedade e a
da inserção na linguagem.
Ensina Freud (1905/1969, p.621-629) que é do registro da satisfação que se ergue a ordem
simbólica, ou seja, a linguagem só emerge quando o bebê está inscrito na ordem do desejo.
Ele considera que no caso das crianças, só há interrupção de um estímulo pela intervenção de
um outro, fato que vai transferir as necessidades naturais para outra ordem, a do desejo, ou
seja, tal fato vai lhes inscrever uma condição simbólica. Ele esclarece que o desejo é um
movimento “com vistas a repetir a vivência de satisfação”, um caminho que parte “do
desprazer e aponta para o prazer”. Assim, se forma o desejo inconsciente que “exerce uma
força compulsiva sobre todas as tendências anímicas posteriores”. E será sob a força do
desejo que a criança vai funcionar defensivamente.
Ora, as crianças com Síndrome de Prader-Willi não têm, ou parecem não ter, um registro da
saciedade bem elaborado do ponto-de-vista cerebral. É clara a importância do substrato
anátomo-funcional (ou funcionamento do hipotálamo para marcas da saciedade ou
interrupção da energia que estimula) para o registro da satisfação, mas, se há um transtorno no
substrato orgânico, representado por uma leitura química de saciedade ineficiente, como a
ordem psíquica pode, sem transtorno, tramitar? Não haverá uma questão na inscrição da
memória do prazer tal como esclareceu Freud? Note-se que o bebê precisa de um outro que se
considera convocado (pelo seu choro, pela sua inquietude motora) e a ele enuncia, oferecendo
o seio. Um outro que continua convocado (pelo seu sono, pela sua quietude) e a ele
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novamente enuncia, retirando o seio. Quer dizer, o bebê precisa de um outro para nomear sua
fome e sua saciedade numa seqüência que lhe propiciona tanto uma vivência de satisfação (ou
registro do prazer), quanto uma certa modulação temporal para seu funcionamento global.
Para expandir um pouco mais este argumento, aqui é possível incluir mais dois pontos além
deste do registro da satisfação. O primeiro se refere ao fato destas crianças terem experiências
de desprazer logo no início de vida, em virtude da dificuldade de sucção pela hipotonia que
acomete seu corpo. E o segundo, ao fato delas vivenciarem uma certa atemporalidade
instalada pela alimentação alternativa a que são, na seqüência, submetidas.
Em outras palavras, vivências de desprazer se apresentam de imediato, pela impossibilidade
de uma adequada sucção, mesmo que apenas por um breve período. De fato, tal período de
desprazer é logo interrompido pela instalação da sonda nasogástrica, mas isso traz um outro
ponto problemático, qual seja: problemas na elaboração da temporalidade, importante questão
para a linguagem, processo do qual a alimentação é pedra angular.
A modulação da temporalidade no caso do alimento alternativo, de certa forma, prescinde da
participação da criança porque independe de sua sinalização na marcação do ritmo comer/não
comer. É verdade, esta sinalização é arbitrariamente tomada e interpretada pelo adulto, já que
pode se dar a partir de qualquer manifestação da/na criança. Mas, note-se que o adulto
imaginariamente cria um ciclo entre manifestação na/da criança/ e sua interpretação (ou
reconhecimento de um signo e não de uma conduta fisiológica), sempre a partir de alguma
coisa que tem suporte no real (um choro, uma inquietação, gritos). Daí tanto um quanto outro
serem imprescindíveis para o processo. No caso das sondas nasogástricas, isso não se dá e
resta, assim, polêmica e questão da elaboração de um ritmo de temporalidade erigido
exatamente na dinâmica de um laço que se dá entre adulto e criança.
Em suma, a SPW é um lugar muito promissor para se discutir tantas e tão variadas questões.
Entre elas, esta aqui escolhida, a que concerne a implicação entre alimentação e linguagem.
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Alimentação e linguagem: do cortical ao simbólico
I. 1- A estrutura cerebral hipotalâmica: formas e funções
O hipotálamo* é constituído fundamentalmente de substância cinzenta que se agrupa em
núcleos, às vezes de difícil individualização (Machado, 1977). É a parte do diencéfalo que se
estende da região do quiasma óptico até a borda central caudal dos corpos mamilares,
localiza-se nas paredes do III ventrículo, abaixo do sulco hipotalâmico. Apresenta também
algumas formações anatômicas visíveis na face inferior do cérebro e que são, de diante para
trás, o quiasma óptico, o tuber cinério, o infundíbulo e os corpos mamilares. Região esta que
comunica-se extensamente com grande número de regiões do sistema nervoso central (SNC);
comunica-se com diversos órgãos periféricos através do sistema nervoso autônomo (SNA) e
do sistema endócrino e recebe informações de todos os órgãos que controla (Bear et al, 2002).
Percorrendo-o existem, ainda, sistemas variados de fibras, como o fórnix, que percorre de
cima para baixo cada metade do hipotálamo, terminando no respectivo corpo mamilar. O
fórnix permite dividir o hipotálamo em uma área medial e outra lateral. A área medial do
hipotálamo situada entre o fórnix e o III ventrículo é rica em substância cinzenta e pobre em
fibras. A área lateral situada lateralmente ao fórnix é rica em fibras mielínicas de direção
longitudinal e neurônios mais ou menos dispersos que são chamados de núcleos tuberais
(Machado, op.cit.).
* Ver ilustração pg. 13.
14
I - Secção Transversal do cérebro de um rato, mostrando a localizações de regiões do
hipotálamo, que exercem funções no controle da alimentação e do metabolismo. (livro:
Fisiologia do Comportamento- CARLSON NR)
O hipotálamo é uma estrutura cerebral com as mais numerosas e importantes funções
relacionadas à regulação das atividades viscerais, no sentido da manutenção da constância
[química] do meio interno (ibid). Este processo acontece pois o hipotálamo estabelece
conexões com outras regiões do cérebro que controlam os estado motivacionais, os
comportamentos correspondentes, os sistemas neurais e humorais, assim como o sistema
nervoso autônomo, o sistema endócrino e o imunitário. (Bear et al, op.cit.). O hipotálamo,
pode-se dizer, é responsável pela equilibração somática que implica na relação do organismo
com o meio. Tal implicação tem como efeito a criação de processos de proteção que o corpo
desenvolve para não restar capturado pelos estímulos internos/externos: proteção térmica
(frio/calor) / proteção à dor (dor/analgésia) / proteção nutricional (fome/sede) / proteção
dérmica (hipopigmentação) / proteção dentária (hipoplasia do esmalte). Em outras palavras,
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pode-se dizer que o hipotálamo é responsável pelo corpo no seu funcionamento defensivo, na
medida em que ele busca um estado de constância protetora.
I. 2 - O hipotálamo e o mecanismo alimentar
O mecanismo alimentar é um dos mais importantes sistemas de defesa do corpo e o
hipotálamo se responsabiliza integralmente por seu funcionamento.
“Os núcleos laterais do hipotálamo constituem o que se denomina centro da fome ou centro
da alimentação” (Guyton, 1993, p.317), e têm a função de controlar: 1) o mecanismo da
alimentação que consiste em salivar, lamber os lábios, mastigar o alimento e deglutir e 2) a
definição da quantidade da ingestão alimentar, porque o comer resulta de um déficit
nutricional, ou seja, da diminuição das reservas metabólicas e de outros nutrientes disponíveis
no organismo. Há um processo inverso a esse responsável pela informação da saciedade, que
se dá nos núcleos ventromediais denominados centro da saciedade. Estes centros, quando
estimulados, causam ausência completa do desejo por alimento.
Para o mesmo autor, “o mecanismo de controle da alimentação do corpo se adequa ao estado
nutricional do corpo, isto é, quando a disponibilidade de qualquer um dos três principais
tipos de alimento diminui, a pessoa automaticamente aumenta sua ingestão, o que, por fim,
restabelece as concentrações sanguíneas (glicose, aminoácidos e lipídeos) dos metabólitos
aos níveis normais, e assim surge a informação da saciedade”.
Contudo, vale notar que o hipotálamo também recebe informações sensoriais do sistema
límbico que medeiam o processamento do olfato, paladar, sede, fome, raiva, medo e impulso
sexual (Carlson, 2002; Cambraia, 2004). Essas informações do centro límbico a que o
hipotálamo tem acesso transformam, de certa forma, o próprio mecanismo alimentar que
passa a ficar ainda mais complexo. Isto porque, a leitura dos indicadores da fome não é feita
16
apenas a partir de informações químicas (como a redução de nutrientes no corpo: sangue e
músculos), mas inclusive a partir de informações límbicas, como as memórias olfativas e de
paladar, entre outras, ligadas ao mecanismo alimentar. É por isso que há diversos fatores de
outras ordens, não só as informações neuroquímicas sobre baixas proteico-calóricas, que
propiciam o início da alimentação: são os estímulos ambientais e hábitos humanos que vão
desde a imagem de alimentos apetitosos, o cheiro da comida, a companhia de pessoas que
estejam comendo ou simplesmente uma frase que indique a ação de comer.
Isto equivale a dizer que a alimentação humana é um gesto simbólico, isto é, comer ou não
comer está determinado não só pela informação neuro-química, mas, também e sobretudo, por
circunstâncias subjetivas. A relação necessidade-satisfação é simbolicamente marcada porque
é mediada pelo outro (Outro), e é por isso que fome/saciedade está determinada pela atividade
cerebral e pela memória do prazer/desprazer, como tantos autores apontam.
Neste intervalo entre química e signo é que se pode entender a diferença entre fome e apetite,
diferença que merece um pequeno comentário, pois para os homens o termo apetite é o mais
utilizado.
O primeiro termo, fome, refere-se a sensações objetivas, como contrações estomacais, e, o
segundo, a sensações subjetivas, como vontade por um determinado alimento. As sensações
objetivas teriam uma natureza fisiológica e, as subjetivas, psíquicas, ligadas à formulação de
sentidos e à memória. Porém, vale notar que, por exemplo, após remoções de estômago, as
sensações de contração permanecem e isto realça a questão da memória no esquema da
alimentação, ainda que se trate de sensações objetivas que a ele se liguem. Em suma, a
memória marca a percepção da fome, ou seja, o registro das sensações de prazer (desprazer)
reescreve a informação neuro-química.
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I. 3 - A alimentação como gesto simbólico
A idéia de que a alimentação humana não é só um comportamento fisiológico, mas também e
sobretudo, um gesto simbólico (Gusmão, 2002), advém de um fato principal, um fato
absolutamente humano, que concerne a questão do preparo dos alimentos para a sua ingestão
(Levi-Strauss, 1971).
Apenas os humanos dispõem de rituais (que implicam em espaços, utensílios e regras) de
alimentação e isso certamente se instalou porque o filhote humano depende radicalmente do
outro para lidar com suas necessidades fisiologicamente determinadas, em destaque a fome.
Tal dependência instala a equação necessidade-satisfação como sendo resolvida apenas na
instância da linguagem, já que a relação da criança com o meio será sempre mediada pelo
outro [que está na linguagem].
Movimentos corporais visíveis/audíveis do bebê (descargas motoras, como por exemplo o
choro), são interpretados pela mãe como sinais de necessidade. Mais do que supor que a
criança está com fome, supõe que ela lhe está endereçando um apelo, uma convocação e é a
isto que responde, oferecendo o seio. Igualmente, movimentos corporais (como aquietamento
e sono) são lidos como declarações sobre a saciedade a ela dirigidas, que, então, interrompe a
amamentação. Assim é que o equilíbrio fome/saciedade se monta desde a interpretação do
outro: a necessidade é entendida e tomada como uma convocação e por isso o esquema
necessidade-satisfação é atravessado e passa a ser sustentado pelo outro, o que faz da cena de
alimentação uma cena simbólica. A idéia de que na alimentação humana está sempre
implicado o preparo se representa desde esse período da amamentação. A mãe, num certo
sentido, se prepara, ou seja, só vai responder à motilidade da criança como um apelo, se
estiver tomando-a como sujeito, um ser da linguagem. E um sujeito, para sê-lo, é um que
enuncia uma convocação, que é efeito da ordem do desejo.
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Aqui se instala uma situação inédita, qual seja: a necessidade, para ser satisfeita, depende de
um outro, o que promove uma condição existencial singular, a simbólica (Mariotto, 2003).
Não é por outro motivo que essa cena, a de alimentação, é fundante da relação mãe-criança.
Note-se que não é esse um mecanismo fisiologicamente sustentado, ele o é, também e por
princípio, simbolicamente determinado.
O amamentar/ ser amamentado cria um idílio/nascimento, um laço entre mãe e bebê
representado, por um lado, por descargas motoras, e por outro, por gestos interpretativos que
farão aquelas descargas ganharem sentido e passarem a movimentos simbólicos. Em outros
termos, a mãe, além de assegurar a satisfação da necessidade fisiológica, organiza esta
necessidade como fato subjetivo. Coriat (2000, p.16) lembra que “não há futuro para uma
criança se o desejo da mãe não é o que organiza as ações de sua criação”. Por isso a relação
fome/saciedade ou apetite fica como uma memória de prazer/desprazer, que depende
fundamentalmente da mediação do outro.
A noção de memória como fator determinante na cena de alimentação ganhou de Freud
(1920/1969, p.594) os primeiros contornos, pois quando um bebê está com fome ele grita ou
dá pontapés e esta excitação se dá por uma necessidade interna e por uma força continuada de
ação e não por uma força de impacto momentâneo. E só ocorre uma mudança quando se
consegue chegar a vivência de satisfação que põe fim ao estímulo interno. “Um componente
essencial dessa ‘vivência de satisfação’ é uma percepção específica cuja imagem mnêmica
fica associada, daí por diante, ao traço mnêmico da excitação produzida pela necessidade”.
É no bojo desta idéia que surge a indicação da boca como espaço erógeno, um efeito de um
funcionamento dito pulsional. Freud (1905/1969, p.159) esclarece o conceito de pulsão como
o “representante psíquico de uma fonte endossomática de estímulo que flui continuamente” e,
assim, acaba definindo o corpo como um conjunto sintático de zonas erógenas ou de órgãos
que são fontes somáticas da pulsão. A zona oral é uma das zonas erógenas constituintes do
19
espaço corporal e, portanto, a estimulação que ali insiste só pode ser interrompida na e pela
linguagem, já que a pulsão é, por princípio, indeterminada. “A princípio, a satisfação desta
zona erógena deve ter-se associado com a necessidade de alimento” (ibid, p.171), ele diz,
esclarecendo os registros iniciais de prazer. Como o que o sujeito busca é a vivência de
satisfação, qualquer outro objeto poderá entrar neste circuito, ficando dissociada a vivência
com a necessidade de alimento. Aí é que se pode entender a questão das palavras e da própria
alimentação. Assim é que a boca se torna lugar do falar e do comer, espaço da oralidade. É
um lugar de prazer onde se cruzam a palavra e o alimento.
Golse e Guinot (2004) explicitam que o crescimento e a maturação da psyquê na criança,
dependem da intersecção corpo/ambiente e no bojo desta idéia sugerem o conceito de
oralidade, em que a boca é uma região do corpo qualificada pela demarcação progressiva
entre o registro da necessidade e o registro do desejo, constituindo-se, portanto, como espaço
de sentidos.
Palladino et al (2004; 2007), discutindo os transtornos da oralidade, argumentam que, “na
ordem do desejo, a boca é lugar de reenvio do significante, e o sintoma vem como uma
fixação significante do desejo, como se o movimento de reenvio pudesse interromper-se,
tendo sido fixado por um significante. Quando é assim, a zona oral sempre exibirá uma
espécie de mélange sintomática: uma desorganização da palavra, da deglutição, da
respiração; funções que estão em cena desde os primórdios da constituição simbólica, do
nascimento do sujeito”.
Em tal conceito, o da oralidade, a linguagem surge como o que transmuta um aparato
anátomo-fisiológico (a boca) em espaço significativo, o que acaba por determinar todas as
funções aí inseridas e representadas, como o comer e o falar. Trata-se, enfim, de se esclarecer,
no processo de desenvolvimento, a existência de “um organismo vivo real na constituição de
um sujeito”, ou seja, de “discernir a ordem pela qual esse organismo sofre a ordem da
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linguagem, passando a funcionar sob o imperativo do registro simbólico” (Vorcaro, 2003). É
a palavra do outro (Outro) que institui o esquema da alimentação e da verbalização. É a
palavra do outro que, também e sobretudo, institui transtornos de alimentação e de
verbalização.
Este trabalho tem como principal questão discutir a relação entre problemas de linguagem e
de alimentação sob a ótica do registro simbólico, utilizando a síndrome de Prader-Willi como
cenário para esta reflexão.
21
II. METODOLOGIA
O método é uma ferramenta através da qual pode-se buscar o sentido de fatos e fenômenos
que pretende conhecer. Isso se faz por meio de processos ou técnicas de observação, hipótese,
demonstração, indução da lei e teoria (Cervo e Bervian, 1983).
Tal pretensão aqui deverá ser alcançada a partir da identificação e discussão da posição
teórica de diversos autores sobre a questão da linguagem e da alimentação. Portanto, uma
pesquisa bibliográfica se ajusta perfeitamente às necessidades, porque procura explicar um
problema a partir de referências teóricas publicadas em documentos (ibid). Serão perseguidos
os seguintes tópicos: 1) conceito de fome/saciedade na neurologia e na psicanálise; 2)
concepção de linguagem e subjetivação.
Os procedimentos realizados para a elaboração desta pesquisa foram: relacionar questões de
linguagem e de alimentação, levantar na literatura psicanalítica freudiana, o conceito de
vivência de satisfação, e perfilá-lo ao de satisfação e de necessidade (ou, saciedade), também
levantados na literatura médica.
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III. DISCUSSÃO
A SPW surge como um cenário muito apropriado para uma discussão sobre as relações entre
linguagem e alimentação.
Nesta síndrome, conforme esclarece a literatura especializada, as crianças apresentam tanto
problemas de linguagem quanto problemas alimentares que, no entanto, são tradicionalmente
entendidos como co-ocorrências circunstanciais. Tais problemas podem, inclusive, se
tangenciarem em nível etiológico, mas não são, de modo algum, tratados sob uma mesma
ótica.
Esta posição diante dos fatos pode, e talvez até mereça, ser polemizada, proporcionando uma
discussão clínica muito interessante e importante para o campo fonoaudiológico.
A literatura neurológica ensina que, num sentido estrito, a SPW resulta um organismo
fragilmente defensivo. Note-se que a síndrome tem em seu fenótipo clássico inúmeros sinais
fundamentais e complementares, ligados a uma grave disfunção hipotalâmica. Entre eles, vale
citar alguns: a hipotonia, a hiperfagia compulsiva, as atipicidades físicas (como genitália
externa pequena), a hiper tolerância à dor e a instabilidade na percepção de temperatura, todos
ligados a processos defensivos, transtornados pela alteração no hipotálamo.
Essa é a zona cerebral de estruturas e funções responsáveis pela homeostase corporal,
equilíbrio interno e externo, quer dizer, é centro de processos neurofuncionais variados,
comprometidos com a metabolização de estímulos, internos e externos, com fins à proteção
do organismo. Assim é que questões fisiológicas, tais como: fome/sede, frio/calor, dor,
reprodução sexual, estão vinculadas a essa estrutura do cérebro.
Mais ainda, num sentido lato, essa fragilidade defensiva pode ser detectada em vários outros
sinais, por exemplo: na hipotonia que inicialmente acomete a musculatura do bebê, tornando-
o inapto para diversas funções (como a de alimentação) e deixando-o mais tarde, com muitas
23
imprecisões motoras (como uma marcha mais lentificada e mesmo uma produção articulatória
menos adequada); no atraso mental, desde sempre presente e que pode ser mais ou menos
grave, que o impede de lidar apropriadamente com a aprendizagem e isso, num certo sentido,
também o deixa fragilizado frente às exigências do meio; e na hipopigmentação e na
hipoplasia que deixam sem proteção a pele e os dentes.
Em suma, a SPW representa um quadro em que a instância somática encontra-se pressionada
por intensos desequilíbrios, fragilizando a criança em vários aspectos. Dois deles estão
destacados nesta discussão, quais sejam: a linguagem e a alimentação que, aqui, numa
diferença de abordagem, estarão colocados numa mesma cena, a da oralidade. Neste sentido,
os aspectos da verbalização e da alimentação estarão tomados como concernentes a um só
órgão – a boca – espaço funcional e de significação, ou seja, espaço somático e psíquico.
Inicialmente vale notar que, do ponto-de-vista psíquico, as defesas estão ligadas as questões
da memória ou registro das vivências. Para tratar desta questão do registro, considere-se que a
instância somática é insistentemente atribulada por estímulos externos e internos. Freud
(1905/1969, p.594) pontua que “a motilidade está à disposição do bebê como via de descarga
na tentativa de provocar uma mudança interna no corpo, ou, provocar a interrupção de uma
excitação”. Uma excitação que, entretanto, apesar de desde sempre disponível (representada
numa excitação interna) não é suficiente para satisfação da necessidade, ou seja, a mudança
não se dá. Daí a intervenção do outro, porque “somente o outro pode oferecer o objeto para a
satisfação da necessidade, o que resulta numa ‘vivência de satisfação’, que é o que põe fim a
um estímulo interno”(ibid, p.624).
Assim, o que é memorizado desta experiência não é nem a necessidade nem o objeto da sua
eliminação, mas, sim, a excitação e a vivência de sua satisfação (ou experiência psíquica do
prazer), aquilo que será sempre buscado nas situações de excitação. Coriat (1999) aponta que
“uma vez instalado o primeiro traço mnemônico do objeto – desconhecido até então – que
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proporciounou prazer, a atividade intencional irá cada vez mais substituído a ação reflexa”.
Ou, então, diferentemente “se da experiência surgir uma ‘vivência do desprazer’ ela será
recalcada ou desviada para outra vivência” (ibid) como formas de defesa. Em outros termos,
a criança passa a funcionar sob o domínio do desejo.
Freud esclarece que o desejo representa o funcionamento do aparelho psíquico, é um
movimento “com vistas a repetir a vivência de satisfação”, um caminho que parte “do
desprazer e aponta para o prazer” (ibid, p. 621). Assim se forma o desejo inconsciente que
“exercem uma força compulsiva sobre todas as tendências anímicas posteriores” (ibid,
p.629). E será sob a força do desejo que a criança vai funcionar defensivamente.
A alimentação, então, estará no centro deste jogo da busca do desejo. Isso porque a história da
memória se inicia, com privilégio, nesta cena, já que precocemente há o registro de uma
vivência de satisfação. Quer dizer, a motilidade da criança é imediatamente lida como uma
urgência convocatória pela mãe, que a nomeia como fome e a ela responde com a oferta do
alimento. A fome representa de modo radical a dependência da criança frente à luta pela
sobrevivência e a isso a mãe se sente provocada e responsável desde sempre, daí o ciclo
interpretativo de pronto instaurado. É muito interessante, à título desta questão, trazer à
discussão as palavras de Berlinck (1999, p.39) sobre a função simbólica da alimentação
relativamente às suas reflexões sobre o autismo.
Ele pontua que “é possível lançar a idéia de que tudo teria acontecido como se o autismo
ocorresse na qualidade de um avatar da perda do objeto de auto-conservação (o seio
materno nutridor) e fosse uma espécie de reviravolta auto-nutridora do auto-erotismo em
direção ao corpo próprio”.
Este registro de uma vivência de satisfação, originariamente erigido a partir da função
alimentar, vai capturar este órgão, a boca, e torná-lo zona erógena. Em outros termos, a boca
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deixa de ser um ponto anatomo-fisiológico corporal e passa a ser um espaço cujo
funcionamento está sobredeterminado pela ordem simbólica.
A alimentação estará para sempre inserida neste jogo de prazer/desprazer que coloca a criança
sob o jogo do desejo. Até os neurologistas reconhecem que a fome não é desencadeada apenas
pela insuficiência nutricional quimicamente escrita e corticalmente lida, mas, também e
principalmente, pelas lembranças, de toda ordem, ligadas ao comer: cheiros, sons, imagens,
afetos, sensações.
Porém, a zona erógena que a boca representa não é marcada apenas pela alimentação. A
palavra também participa desta transmutação do órgão em espaço simbólico.
A mãe, ao tomar a motilidade da criança como convocação, quer dizer, ao tomar o som que
sai pela boca, e que não é mais que uma descarga motora, como palavra também está fazendo
do órgão um espaço de significação. É o processo de antecipação, condição para a elaboração
subjetiva da criança, que promove as respostas interpretativas da mãe e cria uma espécie de
ciclo simbólico.
Esse processo de antecipação concerne a suposição original que há sempre um sujeito, e por
isso os movimentos e os sons são tomados desde sempre como apelos e não como descargas
motoras. A mãe sempre os interpreta como “o bebê está falando comigo”, “o bebê está
pedindo que o alimente”.
É no bojo destas idéias que vale refletir sobre os problemas de linguagem e de alimentação
que as crianças com SPW apresentam.
Nesta síndrome há uma dificuldade na leitura pelo cérebro das informações químicas sobre a
adequação das reservas nutricionais, o que promove um desconhecimento da saciedade. Ora,
há, de fato, um problema somático representado pela insuficiência do hipotálamo. Mas não há
como desprezar um outro fato, aquele que diz respeito ao registro psíquico da saciedade.
Freud (1920/1969, p.621-629) ensinou que a memória se constitui no registro das vivências de
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satisfação, sendo que nesta síndrome não há suporte empírico para tal vivência, já que há um
transtorno na ordem orgânica.
Vale lembrar que o somático é uma condição para o funcionamento humano, ou seja, o
somático é sobredeterminado simbolicamente, mas dele não se pode prescindir. Freud tratou
desta dicotomia psíquico/somático sob o conceito de pulsão: há uma energia constante que
transforma o somático porque tem na linguagem sua determinação ou resolução. Há aqui um
laço predominantemente simbólico entre estas instâncias.
Assim, neste caso da SPW, à questão da ininteligibilidade em que informações químicas sobre
a saciedade permanecem, soma-se outra, a de que estas crianças precocemente têm
experiências de desprazer ligadas à alimentação: as dificuldades motoras e a alimentação
alternativa constituem situações em que a mãe se encontra ou em ansiedade evidente ou
dispensada, ou seja, situações em que há um excesso ou uma falta.
Somada à questão da mãe, há a problemática irrecusável da alimentação alternativa em que a
criança é ponto prescindível no ciclo fome/saciedade, quer do ponto-de-vista somático, quer
do ponto-de-vista psíquico, sendo que aqui está, inclusive prescindida a presença materna
através da interpretação. Note-se, então, que nestes casos, a alimentação é instância que
macula o derrame do simbólico por toda a criança.
Mais ainda, é preciso pensar que um “caminho do desprazer rumo ao prazer” ou esquema do
desejo, tão mal elaborado, redunda em outra problemática. Vorcaro (2004, p.20-21) esclarece
que o desejo é traço fundamental da linguagem e é aqui que é possível entrelaçar alimentação
e linguagem. Apenas se a mãe tomar uma cadeia de atos motores como significantes e a eles
oferecer um sentido ou, apenas se a mãe se colocar sob o jugo do desejo, é que a criança
poderá aí se incluir posteriormente. E é o que ocorre: há a busca de um sujeito para o desejo
que, é preciso saber, não pode ficar anônimo. A palavra, ela também estará no centro deste
jogo da busca do desejo.
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Mas, se a mãe não tem lugar na cena alimentar como representar a “captura pelo simbólico”?
Pode-se pensar que, talvez, em outras cenas isto se dê. Mas atente-se para o fato de que a mãe
da criança com SPW está desde sempre deslocada de sua posição inaugural de outro (Outro),
a começar pela alimentação. Tal deslocamento oferecerá um custo à questão da elaboração do
desejo e do sujeito desejante, condição para qualquer função, inclusive e sobretudo para
comer e falar.
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IV. CONCLUSÕES
A Síndrome de Prader-Willi é um cenário exemplar para se estudar a questão da correlação
entre linguagem e alimentação, sendo que desde a discussão realizada pode-se realçar
algumas interrogações:
- se a alimentação humana é um gesto simbólico, isto é, comer ou não comer está determinado
não só pela informação neuro-química, mas sobretudo, por circunstâncias subjetivas, como
resolver e lidar com o problema de não saciedade das crianças de SPW?
- se é do registro da satisfação que se ergue a ordem simbólica como entender a formação da
oralidade nas crianças com SPW?
- se o bem comer e o bem falar dependem de construção de oralidade, como resolver a
questão dos distúrbios de linguagem que podem caracterizar as crianças com SPW?
E, pode-se, também, sugerir algumas respostas entre elas aquela que parece ser a mais
importante qual seja: o tratamento dos transtornos de linguagem e de alimentação das crianças
com SPW deve supor o uso do conceito de oralidade nas decisões técnicas a serem tomadas.
Desta forma, acreditamos que aqui se inicia com a riqueza a necessidade de novos conceitos a
serem desenvolvidos no campo fonoaudiológico.
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