a condição humana em kierkegaard
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José Aristides da Silva
A CONDIÇÃO HUMANA EM KIERKEGAARD
Trabalho de Conclusão de curso apresentado ao Instituto de Filosofia e Teologia de Caratinga (ITEOFIC), Seminário Diocesano Nossa Senhora do Rosário, como requisito para conclusão do curso de Filosofia. Orientador: Prof. Henrique Xavier.
Caratinga
2004
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Eis a fórmula que descreve o estado do eu, quando deste se extirpa completamente o desespero: orientando-se para si próprio, querendo ser ele próprio, o eu mergulha, através da sua própria transparência, até o poder que o criou.
Søren Kierkegaard
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Dedico este trabalho aos alunos do 3o ano de Filosofia, que durante esses anos compartilharam comigo esta história de vida.
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AGRADECIMENTOS
A todos os meus professores por compartilharem suas experiências comigo.
Aos formadores responsáveis pelo Seminário Diocesano Nossa Senhora do Rosário.
Aos meus colegas do 3o. Ano de Filosofia.
A Deus razão primeira pela qual realizei esta experiência.
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RESUMO
O presente trabalho teve como objetivo, apresentar as bases do humanismo do filósofo dinamarquês Søren Kierkegaard, que são suma importância para conhecer os precedentes do existencialismo. Esta abordagem foi feita analisando a condição humana dentro do pensamento do filósofo.
A análise foi realizada a partir das duas principais obras dele, que são O Desespero Humano e O Conceito de Angústia, nesses livros são descritas as relações do homem com o mundo e consigo mesmo. As relações expressão a condição humana na existência, uma condição marcada por escolhas que envolvem riscos. O homem pode se realizar ou não, neste jogo de instabilidade, ele se angustia diante dos fatos e se desespera diante de si mesmo.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.........................................................................................................07 1. EXISTÊNCIA E SINGULARIDADE...............................................................................09 2. EXISTÊNCIA E POSSIBILIDADE..................................................................................11 3. ANGÚSTIA: RELAÇÃO DO HOMEM COM O MUNDO..............................................13 4. DESESPERO: RELAÇÃO DO HOMEM CONSIGO.......................................................15 5. O HOMEM E A EXISTÊNCIA AUTÊNTICA.................................................................17 CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................................................18 BIBLIOGRAFIA...........................................................................................................19
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INTRODUÇÃO
Dentre os diversos temas da filosofia de Kierkegaard, escolhi para o presente trabalho
a condição humana, na sua dupla situação de liberdade e de sofrimento. O rosto humano aqui
é apresentado sem reservas, demonstrando todas as riquezas de suas faculdades, incluindo a
possibilidade do fracasso e da morte. O que mais temos dificuldade de assumir.
A concepção de homem na filosofia kierkegaardiana nos lança um desafio: ousarmos a
ser nós mesmos. Correndo todos os riscos, mesmo quando este risco é o risco do fracasso.
Pois, não existe eu autêntico sem assumir esta condição: ser a si próprio, reconhecer-se como
dependente do poder que o pôs.
Søren Kierkegaard é um dos mais violentos opositores de Hegel. Ele critica o
hegelianismo por priorizar o universal em detrimento do singular. O universal é racional,
abstrato,eterno e devorador do indivíduo, é apenas a abstração do singular. Só o singular é o
existente. Partindo deste princípio o filósofo toma para si a missão de valorizar o singular.
Este para Kierkagaard é o homem.
A existência humana é compreendida na categoria da possibilidade. Todas as
possibilidades são possibilidades de sim e de não. Tudo está sob a ameaça do nada. Através
desta condição o homem se relaciona com o mundo, desta instabilidade nasce a angústia.
Desta, ele tem como saídas o suicídio ou a fé (aceitação de sua condição). A existência
autêntica passa pelo assumir a sua condição e a sua identidade.
Em relação a si mesmo o homem experimenta o desespero. Porque ele pode querer ou
não querer ser a si próprio. Assumir a subjetividade é tarefa difícil. O homem é uma síntese de
finito e infinito. Ele deve procurar um equilíbrio entre esses dois pólos. Corre duplo risco:
pelo infinito corre o risco de se perder no imaginário e pelo finito, no fechamento. Este dilema
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de ser ou não, põe o indivíduo na condição de desesperado. Aqui a saída é a aceitação de sua
identidade de dependente e limitado.
A situação humana em kierkegaard é um dilema, que só pode solucionado pela fé. O
filósofo resgata o homem do universalismo abstrato. Valoriza a sua existência no seu aspecto
de finitude, incluindo o sofrimento, na sua dupla patologia: a angústia e o desespero. A
filosofia kierkegaardiana salva o homem das garras dos sistemas, ao priorizar o indivíduo
como abertura para as possibilidades, dotado de liberdade e caracterizado por sua
individualidade inalienável.
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CAPÍTULO I
EXISTÊNCIA E SINGULARIDADE
Kierkegaard se opõe a Hegel com uma crítica feroz. Pois, este coloca a verdadeira
realidade no universal. Não há espaço para o singular. A realidade é o existente.
O singular é a categoria do existente. A mais perfeita determinação da realidade, como
coisa individual, existente aqui e agora. O universal não existe, é apenas uma abstração do
singular. Este singular é o singular-homem. Na espécie humana o indivíduo é superior à
espécie. O animal é o reino da necessidade, já o homem é o reino da possibilidade. Tem como
característica principal a abertura. Portanto, ele é o único que tem consciência de sua
singularidade.
Kierkegaard toma a sério o singular, que propõe para si a missão de valorizá-lo. Toda
a sua obra e a sua vida gira em torno da singularidade e da luta para conquistá-la. Movido por
esta paixão, promove ataques a Hegel e contra toda forma de sistema que tenta abstrair e
apreender o existente. Para ele a existência se nega ao pensamento. Ela é mundo aberto não-
apreensível por sistemas racionais. A vida do existente é marcada por escolhas e alternativas.
No seio delas está incluído o sofrimento e o irracional.
O sistema não dá conta da realidade, ele é abstrato, racional, eterno e impassível,
enquanto a realidade é concreta, irracional, efêmera e emocional. O sistema generaliza,
universaliza, embriaga a realidade, não pode dizer nada sobre a condição humana e sobre todo
sobre o seu sofrimento.
Na época de Kierkegaard, todos os ambientes acadêmicos estavam impregnados de
hegelianismo. Numa ampla reação contra o universalismo que devorava o singular, o filósofo
resgata o indivíduo. Inclui uma concepção de verdade subjetiva. A verdade é subjetividade,
adequação da coisa ao indivíduo. Kierkegaard se opõe a toda forma de anonimato
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principalmente a confiança no comunismo, dizendo que a igualdade não é possível, pois a
diferenciação é própria da natureza.
A singularidade é uma conquista difícil. A maioria dos eus se transforma numa
terceira pessoa genérica. Agem através de um outro impessoal e universal. O eu diante do
mundo e de si mesmo luta contra as tendências de universalização, produção de sistemas. O
ato de ser um eu é marcado por luta e sofrimento. Isso só pode ser feito na liberdade. Nesta, o
eu se acha diante de escolhas: escolha de si mesmo e dos fatos1.
A vida humana é abertura, reino da possibilidade. Surge no homem um grande dilema:
ser ou não-ser. A relação do homem com o mundo é angústia e consigo mesmo é desespero.
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CAPÍTULO II
EXISTÊNCIA E POSSIBILIDADE
Kierkegaard conduz toda a compreensão humana na categoria da possibilidade. Ele a
coloca como a mais pesada das categorias. A existência como possibilidade gera a incerteza, a
instabilidade e a dúvida. A possibilidade não se refere a algo determinado, preciso. O homem
vive no mundo numa dimensão de futuro. As possibilidades não têm garantia de realização.
Por ilusão elas se apresentam como possibilidades agradáveis. Não têm garantia e sempre
ocultam a alternativa do fracasso e da morte.
Uma possibilidade favorável não tem maior segurança do que uma possibilidade
desastrosa. Diante disso, o homem reconhece a inutilidade da habilidade e só tem dois
caminhos: o suicídio e a fé. A condição humana está sempre ligada à ameaça imanente, tudo
está sob o signo da ameaça. A ameaça do nada. O nosso filósofo evidencia o aspecto negativo
da possibilidade. Todas as possibilidades são possibilidades-de-sim e possibilidades-de-não.
O homem é uma “cobaia” da existência, reúne em si os pontos extremos de toda a
oposição. Uma indeterminação permanente que se abre a qualquer possibilidade. Na qual falta
um objetivo preciso, uma unidade e um centro no eu. Tudo é igualmente possível.
Kierkegaard acentua a indeterminação do possível. O possível não se torna necessário
ao se realizar. O passado não é necessário no momento que devém. Ele se baseia na noção de
possibilidade objetiva e indeterminada. A condição de possibilidade constitutiva do homem
gera nele a angústia. Ela nasce da sua relação com o mundo (os fatos)2.
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CAPÍTULO III
ANGÚSTIA: RELAÇÃO DO HOMEM COM O MUNDO
A angústia é o puro sentimento da possibilidade. Um sentimento de incerteza, de
instabilidade, de ameaça e de dúvida. Ela é condição gerada no homem pela possibilidade.
Não é nem necessidade, nem liberdade abstrata; é liberdade finita, limitada e manietada3.
A angústia se conecta ao possível, este corresponde completamente ao futuro. O
passado só representa a angústia como possibilidade de repetição. A angústia está ligada ao
que não é, mas poderia ser, o nada possível ou a possibilidade do nada. Ela desaparece na
espiritualidade. Mas está sempre pronta a surgir4.
A angústia é parte essencial da espiritualidade do homem. A espiritualidade é a
reflexão dele sobre si próprio, sobre a sua condição. A consciência de morte é parte essencial
dessa espiritualidade. Portanto, é a mais terrível de todas as categorias. A angústia está ligada
ao princípio de infinidade do possível. Segundo este princípio, toda possibilidade favorável é
destruída pelo infinito número de possibilidades desfavoráveis.
O homem de espiritualidade débil tenta esconder a angústia. A existência autêntica
não passa pelo suicídio, mas pela fé. É necessário aprender na escola da possibilidade. O
homem educado nela, compreende a sua condição, não pretende nada de absoluto na vida, tem
consciência de que a perdição mora ao lado. Ele compreende acima de tudo que toda
realidade por mais pesada que seja, é mais fácil do que a possibilidade. A angústia torna-se
insuperável pela infinitude, mas o homem é abertura, quando compreende bem chega à
aceitação de sua condição no mundo.
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CAPÍTULO IV
DESESPERO: RELAÇÃO DO HOMEM CONSIGO
Diante desta condição de instabilidade, o homem deve fazer uma escolha de si próprio.
Como foi supracitado, assumir a singularidade é uma tarefa árdua. O fundo dessa escolha é a
liberdade. O homem escolhe a sua história, a sua ligação com os outros, isto inclui riquezas,
mas também, o sofrimento. Ele, em relação a si próprio, experimenta o desespero5.
O homem é uma síntese de finito e de infinito, de temporal e de eterno, de liberdade e
de necessidade. É uma relação consigo próprio, se ele a conhece, o eu emerge. Esta relação se
orienta sobre si mesmo, para a própria interioridade. A questão é a escolha ou não desta
relação.
Na relação consigo, o eu pode querer ou não querer ser ele próprio, por ser limitado
não alcançará o repouso. Ao não ser ele próprio, tenta quebrar a relação consigo, batendo
numa impossibilidade fundamental. O desespero é a doença própria da personalidade humana
e que a torna incapaz de realizar-se. Uma doença mortal, porque se vive a morte do eu. É a
tentativa impossível de negar a possibilidade do eu.
As duas formas do desespero: desesperar de si, querer desfazer-se, querer ser o que
não é, e querer desesperadamente ser o próprio eu a todo o custo. É querer ser um eu auto-
suficiente. Em ambas as formas, o desespero é a impossibilidade da tentativa. O eu é síntese
de liberdade e de necessidade. O desespero nasce dele. A deficiência da necessidade é a fuga
do eu para possibilidades infinitas irrealizáveis. O desespero se deve à deficiência do possível.
A possibilidade é o único remédio do desespero.
A superioridade do homem sobre o animal está na suscetibilidade de se desesperar.
Sofrer o desespero é sublimidade. Ele é a doença mortal que não leva à morte, e a tortura está
na impossibilidade de morrer. A morte para o desesperado seria a última esperança.
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O desespero é universal, todo homem tem no mundo uma inquietação. Mas pode haver
o caso de o indivíduo dizer-se desesperado e não o ser, assim pode haver o caso de o ser e
negar. O desespero é a inconsciência que o homem tem do seu destino espiritual.
A saída do desespero está na aceitação da relação do eu consigo. A fé consiste na
eliminação total do desespero, reconhecimento da dependência e a saída da auto-suficiência.
Pela fé e pela a aceitação de seu autor, o homem sai do desespero6.
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CAPÍTULO V
O HOMEM E A EXISTÊNCIA AUTÊNTICA
A condição humana no pensamento de Kierkegaard é um dilema. São dois pólos que
constituem a existência humana: infinitude e finitude. O homem vive no reino da
possibilidade, abertura aos projetos e até a negação de si mesmo, mas é finito e limitado. Esta
síntese põe o homem em duplo conflito, em relação a si mesmo e ao mundo.
Kierkegaard provoca a emergência do sujeito no meio desta bipolaridade. Através da
espiritualidade o homem pode assumir essa relação. Uma relação difícil marcada duplamente
pela angústia e pelo desespero. O existente entra em evidência, diferentemente dos sistemas
que escondem a situação de desgraça do ser humano. O sistema hegeliano é muito abstrato,
não possibilita tocar o indivíduo. Aliás, nele o indivíduo está sufocado.
Kierkegaard trata do homem sem prejuízo de sua singularidade. A existência autêntica
está na aceitação e no assumir a condição limitada do eu em relação a si e em relação ao
mundo. Um eu de uma limitação mergulhada na possibilidade. Esta condição é tão sublime
que ele vive ameaçado pela sua riqueza.
O grande apelo kierkegaardiano é ousar a ser nós mesmos. A ameaça do nada
desaparece, quando o eu mergulhando em si mesmo, toma consciência de seu destino
espiritual e assume a sua dependência do poder que o pôs na existência.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
O trabalho apresentado mostrou a contribuição de Kierkegaard para as bases de
lançamento do existencialismo. O aspecto aqui salientado trouxe à reflexão a emergência do
indivíduo devorado pelo hegelianismo. O humanismo nessa filosofia é calcado na existência
real e singular do homem, e ainda orientado pela fé. Acima de tudo evidencia os riscos da
existência, negligenciados pelos sistemas racionais. Enfim, percebemos que o homem aqui é o
mais real possível.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ABBAGNANO, NICOLA, História da Filosofia. Vol.X, Ed. Presença
___________________,Dicionário de Filosofia, Martins Fontes
CHÂTELET, FRANÇOIS, História da Filosofia, vol.V, Zahar Ed.
DALLE NOGARE, PEDRO, Humanismos e Anti-humanismos, Ed.Vozes
KIERKEGAARD, SØREN, O Desespero Humano, Abril Cultural
REALE, GIOVANNI, História da Filosofia,vol.III, Paulus.
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NOTAS:
1 Dalle Nogare, Pedro, Humanismos e Anti-humanismos, págs.129-140. 2 Abbagnano, Nicola, História da Filocofia, pág.60. 3 Châtelet, François, História da Filosofia, vol.V, pág.245-247. 4 Reale, Giovanni, História da Filosofia, vol. III, págs.245-247. 5 Abbagnano, Nicola, Dicionário de Filosofia, pág.240. 6 Kierkegaard, Søren, O Desepero Humano, pág.340-343.
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