a cidade vivida nos espaços de arte pela perspectiva da leveza

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DossiêEspaçoUrbanoeImaginaçãoCultural–https://revistaecopos.eco.ufrj.br/ISSN2175-8689–v.22,n.3,2019

DOI:10.29146/eco-pos.v22i3.27417

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Acidadevividanosespaçosdeartepelaperspectivadaleveza

Thecitylivedinartspacesfromtheperspectiveoflightness

PauloCelsoSilvaProfessordoPPGComunicacãoeCulturadaUniso

CássiaPérezdaSilvaMestrandapeloProgramadePós-GraduaçãoInterunidadesemEstéticaeHistóriadaArte(PGEHA)daUniversidadedeSãoPaulo(USP)

Artigosubmetidoem30dejunhode2019Artigoaceitoem25denovembrode2019

RESUMONesteartigo,paratratardasrelaçõesurbanas,recorremosàsobrasdelandartdaartistaAgnesDenes, cujaestéticaremeteaumengajamentosociopolítico.Foramescolhidos, para análise, três de seus trabalhos, apresentados em Nova York:Rice/Tree/Burial;Wheatfield - A Confrontation; eA forest forNewYork - A peacepark for mind and soul. Ao intervir no cotidiano da cidade, a artista permite aotranseunte refletir sobreos territóriosemqueoviveracontece.Elepodebuscarem um campo de trigo a leveza que o homem contemporâneo experimenta emaparatos tecnológicos de comunicação (os quais, inclusive, carrega consigo pararegistrarmomentos fugidios na e da cidade). Em relação ao conceito de leveza,recorremos ao filósofo francês Gilles Lipovetsky, para quem, nacontemporaneidade,a levezaescorredaordemdo imaginárioparaadorealpormeio de um processo de miniaturização. Contrariando essa perspectiva, AgnesDenesocupagrandespedaçosdosespaçosdereservadocapitalparatrazeràtonaa leveza. Este artigo pensa, ainda, o cotidiano e a necessidade de superá-lo dopontodevistadeHeller,AmorimSoareseSantos.PALAVRAS-CHAVE:Cidade;Arte;AgnesDenes;Comunicação.

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ABSTRACTInthisarticle,todiscussurbanrelations,weanalyzeworksoflandartbytheartistAgnes Denes, whose aesthetics refer to a socio-political engagement. Threeinterventionswerechosenforthatpurpose,alloftheminNewYork:Rice/Tree/Burial;Wheatfield -AConfrontation;andA forest forNewYork -Apeacepark formind and soul. By intervening in the daily life of the city, the artist allows thepasserbytoreflectontheterritoriesinwhichlivinghappens.Itcanseekinawheatfield the lightness that contemporary people experience in technologicalcommunicationdevices(whichtheycanevencarrytorecordfleetingmomentsinand of the city). For the concept of lightness, we use the approach of FrenchphilosopherGillesLipovetsky, forwhoma lightnessnowflows fromtheorderofthe imaginary to the order of the real through a process of miniaturization.Contrary to this expectation, Agnes Denes occupies acres of spaces of capitalreserve to bring out lightness. The article also thinks about daily life and thenecessitytoovercomeitfromtheperspectiveofHeller,AmorimSoaresandSantos.KEYWORDS:City;Art;AgnesDenes;Communication.

Eu encontrei a terra das fadas bem aqui aomeu lado.Quando eu morava em South Jersey, não havia tempoparaodevaneio,eavidaeramaissimples.Vocênãoeraincomodado,vocênãotinhapessoastentandoteprenderou coisas doidas assim… Mas isso era tudo que havia.Nãohaviachancedeextensão,nãohaviachancedeserdestruído ou de realmente ser criado lá… Era apenasviver.E issoéokparaalgumaspessoas,maseusempresenti algo diferente semovimentando emmim, e é porisso que eu vim para cá. Porque eu sabia que haviacoisasdentrodemimquepoderiamflorescer.Talvezeumearruinasse.Talvezeumesentissepéssima.Maspelomenos isso sairia demim. Se não, não havia como issochegar à superfície. Nova York foi o que me seduziu.NovaYorkfoioquemeformou.NovaYorkfoioquemedeformou.NovaYorkfoioquemeperverteu.NovaYorkfoioquemeconverteu.ENovaYorkéoqueeuamo.EssaéminhapequenaoraçãoporNovaYork.

PattiSmith,1969.

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Introdução

Parece acertado reconhecerque amaterialidadedas cidades está ligada a

momentosemqueoimaginárioéfatorpreponderante.Estenãoagesolitário,mas

estimuladoporimagensediscursosveiculadosemváriossuportes,fixosemóveis.

Carregandoum smartphone, podemosproduzir fotos e vídeosdosprocessosnos

quais estamos inseridos naquele momento e distribuí-los para outros usuários

destaoudequaisquercidades,porexemplo.

Asmarcas deixadas pelo pesado concreto com que pontes e edifícios são

construídos tornam-se levesquandodistribuídasnosmilharesdepontosdeuma

tela. Esses pontos podem mesmo ser considerados um discurso da cidade,

construído, desconstruído e reconstruído como materialidade imediata e

arquivável, para ser apagada, retomada, acreditada com o status de “verdade”,

graçasaoregistroerastrodeixadosporeles.

Assim, pode-se dizer que uma dasmarcas da cultura contemporânea é a

leveza,eumaoutra,relacionadaaela,éaminiaturizaçãodosprodutoseserviços,a

qualpermitecarregá-lospelosespaços.

Alevezadosfenômenoscomunicacionaiscontemporâneosemqueestamos

imersosepelosquaissomosmoldadosseestendetambémparaoutrossetoresdo

vivido e do imaginado. Entretanto, na imensidão dos possíveis, também se

relacionaàproduçãoderesíduoseaodescartedelixo.

Combase nessas experiências de produção e consumo na cidade, artistas

vêmutilizandoos territóriosvividosparanãosóproporalternativasaodescarte

de produtos,mas, a partir de ações e reflexões, propor amudança de hábitos e

ideias que atinjam o meio ambiente. Espécie de micro-utopia na qual o apelo

estético e o ativismo social transformam o território imediatamente próximo,

familiar a um grupo ou a umamaioria da população, que sente a suspensão do

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cotidiano. Por isso, nesses casos, a escala é da ordemdomicro: não pode e não

quertransformartodosossegmentosdosocial.Nessesentido,atotalidadeganha

nova dimensão e distancia-se dos discursos ou utopias coletivas. Como sugere

Lipovetsky(2016,p.11):“Vivemossemgrandesutopiascoletivas.Aúltimautopia

éadosecologistas,emborasejaumtipoparticulardeutopiabaseadanomedo,no

terror.Diz-seotempotodoqueseascoisascontinuaremcomoestãooplanetavai

explodir.Asutopiasclássicasfalavamdeesperança”.

Este artigo pretende abordar a questão da cidade tendo como ponto de

partida o trabalho da artistaAgnesDenes, estabelecida nos EstadosUnidos.Nas

propostasdessaartistacontemporânea,podemosverificarcomoaleveza,aplicada

àculturadascidades,podelevar-nosparaoutradimensãodacríticaedaprodução

deespaçosurbanosreflexivos.

Avidacotidianaesuasuspensão

Aindaquea totalidade, segundoLipovetsky (2016), sedistanciedautopia

coletivanacontemporaneidade,avidacotidianamigraparaocentrodaprodução

midiática e é explorada e veiculada à exaustão, podendo mesmo “viralizar” nas

redes sociais. Em consequência, ela pode ganhar destaque nos meios de

comunicação tradicionais, mesmo que não simultaneamente ao acontecimento,

comoaconteceucomafotoomeninosírioAlanKurdi,mortotentandoatravessaro

MarMediterrâneo,quecomoveuasredessociaiseveículosdemídiatrêsanosapós

oacontecido.

Contudo, nas mídias, essa relação dialética entre totalidade(s) e

fragmento(s)nãoénova.Pode-seconsiderarum jornaldiáriocomoumacoleção

de retalhos, flashes e/ou fragmentos do cotidiano, com poucas matérias e fatos

sendo oferecidos ao leitor até o seu desfecho final (talvez as novelas publicadas

nos diários chegassem a esse ponto de totalidade, mas, ainda assim, estavam

fragmentadasnaspáginasimpressas).Comocontraponto,oleitorparticipadavida

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cotidianacomo“homeminteiro,ouseja,ohomemparticipadavidacotidianacom

todososaspectosdesua individualidade,desuapersonalidade” (Heller,2000,p.

17) para validar ações e fatos pela sua funcionalidade. Eis a característica do

cotidiano:seéútil,éverdadeiro.

Nessadimensãopragmática,ultrapassarousairdacondiçãoimediatadeixa

desercotidianoepassaaconstituirumestadodesuspensão,eosergenérico,que

participadogênerohumano,vive,potencialmente,umaexperienciação,aqual

é sentida ao invés de pensada, sabida ou verbalizada. Experienciaçãoocorrenopresenteimediato.Nãosetratadeatributosgeneralizadosdeuma pessoa como traços, complexos ou disposições. Em lugar disso, aExperienciaçãoéoqueumapessoasenteaquieagora,nestemomento.Experienciaçãoéumfluxoconstantementemutáveldesentimentosquetornapossívelparaqualquerindivíduosentiralgumacoisaemqualquerdadomomento(GENDLIN,1961,p.233)

Aexperienciaçãoapresenta-secomoumaetapadoprocessodesuspensão

do cotidiano. É como ter um impacto ao mesmo tempo inicial e definitivo dos

fluxos dialéticos de objetivação/subjetivação gerados pelo efeito estético. Para

Agnes Heller (2000, p. 26), “as formas de elevação acima da vida cotidiana que

produzemobjetivaçõesduradorassãoaarteeaciência”.Elacitaaindaotrabalho

eamoralcomoduasoutrasformasdesuspenderocotidiano;destas,porém,não

trataremosaqui.

Éimportanteressaltaratemporalidadeeaespacialidadedasobrasdearte

edos/dasartistase,ainda,ofatodeeles/elasestareminseridosemumcotidiano,

poiséexatamenteessecotidianoquepermiteoenfrentamentodeproblemasque

culminamnas obras propostas. O “artista [...] tem sua particularidade individual

enquanto [mulheres e] homens na cotidianidade; essa particularidade pode se

manter em suspenso durante a produção artística [...],mas intervém na própria

objetivação através de determinadasmediações” (Heller, 2000, p. 27), ou seja, a

atividadecriadoraocorreemprocessomarcadopelohistóricoeosocial.

Nesse percurso de experienciação, “compreender o contexto em que o

sujeito se insere, assim como sua história de vida e a história da atividade, é

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fundamentalparaacompreensãodassignificaçõesdequeseapropriouosujeitoe

dasnecessidadesqueomovemacriar”(Zanellaetal.,2000,p.540).Issoporque,

no extremo da suspensão do cotidiano, ter-se-á atingido a homogeneização, que

“significa, por um lado, que concentramos toda nossa atenção sobre uma única

questão e ‘suspenderemos’ qualquer atividade durante a execução da anterior

tarefa; e, por outro lado, que empregamos nossa individualidade humana na

resoluçãodessatarefa”(Heller,2000,p.27).

A autora vai ressaltar, entretanto, que essa “suspensão radical” não

acontece para todas as pessoas, sendo algo excepcional para amaioria, uma vez

que o caminho da homogeneização para o humano genérico – “produto e

expressão de suas relações sociais, herdeiro e preservador do desenvolvimento

humano” (Heller, 2000, p. 21) – não é uma prática comum. Artistas, cientistas,

moralistasetrabalhadoresnãoalienadosseriamosmaisindicadosaexperienciar

essa“suspensãoradical”.

AsobrasdeAgnesDenes,comintervençõesnocotidianodacidadedeNova

York, podem representar um momento de suspensão. Faz-se necessário, nesse

caso,adescrição,paralocalizaroleitoremseusprocessossocioespaciais.

AgnesDenesnocampodetrigourbano

Nascida emBudapeste emmaio de 1938, AgnesDenes é conhecida como

uma das principais artistas conceituais contemporâneas, com trabalhos que

envolvemvárioscamposcientíficos,comofilosofia,geografia,históriaeliteratura,

e nos quais a estética remete a um engajamento sociopolítico. Seu primeiro

trabalho de land art em grande escala e compreocupações ecológicas foiRice /

Tree/Burial,realizadoem1968,emSullivanCounty,NovaYork.Compunha-sede

três elementos interligados: um campo de arroz, árvores acorrentadas e uma

cápsula do tempo para ser aberta em 2979, contendo umhaiku, poema japonês

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cujaelaboraçãosegueformaserituaisespecíficos,commétricasexatas(ocorteé,

aqui,aessênciadopoema,umavezque“haiku”querdizer“corte”).

Como a própria artista definiu sua obra: “Foi um ‘evento’ simbólico e

anuncioumeu compromisso com questões ambientais e preocupações humanas.

Foi tambémoprimeiroexercícioemeco-logic–umatoemeco-filosofia [...].Este

trabalho é considerado a primeira realização ecológica na arte pública”1 (Denes,

1968).

Nasimagensabaixo,vemosoprocessodeproduçãodaobra,oqualaautora

também qualificou como filosofia visual que desafia o status quo: “um processo

complexo que explora as essências como formas de comunicação. Encontra

métodos para colocar proposições analíticas em forma visual, define processos

ilusóriosecriaanalogiasentrecamposdivergenteseprocessosdepensamento”2

(Denes,1968).Considerandoqueaartistaseutilizadalandartcomosuportepara

a composição da obra, o efêmero faz-se necessário para a contemplação e

participaçãonaobraenosconceitospropostosporela.Essacaracterísticadaland

artpermitequeoespectadorobtenhasuaexperiênciaapartirdosmaisdiversos

meios, inserindo-setantonoprocessodecriaçãoquantonoresultadofinal,enão

se limitando a uma participação física no interior da obra. Segundo Cauquelin

(2005, p. 141) “os trabalhos de land art fazem do espectador não mais um

observador-autor (...) mas uma testemunha de quem se exige a crença”; o

espectador, então, participa como testemunha conceitual da obra e usufrui

esteticamentedopoderenvolver-seemtodasasetapasdela.

1Nooriginal:“Itwasasymbolic‘event’andannouncedmycommitmenttoenvironmentalissuesandhumanconcerns.ItwasalsothefirstexerciseinEco-Logic–anactineco-philosophy.Icoinedthewordstobeused2Nooriginal:“acomplexprocesswhichexploresessencesasformsofcommunication.Itfindsmethodstoputanalytical propositions into visual form, defines elusive processes and creates analogies among divergentfields and thought processes. It challenges the status quo and tests its own validity.” Denes, A. (1968).“Rice/Tree/BurialwithTimeCapsule”.Disponívelem:<http://www.agnesdenesstudio.com/works2.html>.

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Figuras1,2,3e4-“Rice/Tree/BurialwithTimeCapsule”.©byAgnesDenes.Disponívelem:<http://www.agnesdenesstudio.com/works2.html>.

Rice/Tree/BurialpreparouAgnesDenesconceitualmenteparaoutraobra

demaiorenvergaduraedestaquenacidadedeNovaYork,em1982:Wheatfield-A

Confrontation:BatteryParkLandfill,DowntownManhattan,aqualo“acadêmicoe

curador Jeffrey Weiss chamou de ‘perpetuamente surpreendente... uma das

grandesobras-primastransgressorasdalandart’”3(ArtForum,2008).

AobraWheatfield-AConfrontationdialogacomacidadedeNewYork,seus

habitantes,valoresecomaproduçãoereproduçãodoespaço.Antesdequalquer

3Nooriginal:“scholarandcuratorJeffreyWeiss,hascalled‘perpetuallyastonishing...oneofLandArt’sgreattransgressivemasterpieces’”(ArtForum,2008).

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análisemais detida, apresentamos as imagens feitas a partir da visão/leitura da

própriaautora:

Figura5-VistaaéreadeBatteryParknopreparodocampodetrigo.

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Figura6-EntulhoerestosdeconstruçãodoWorldTradeCenter.

Figura7-Voluntáriosantesdoiníciodostrabalhos.

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Figura8-Preparandoaterradepoisdaretiradadoentulhoecolocaçãodeterrafértil.

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Figura9-Otrigoemcrescimento.

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Figura10-OtrigocomoWorldTradeCenteremdestaque.

Figura11-Campodetrigoemprimeiroplano,navioeEstátuadaLiberdadeaofundo.

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Figura12-AgnesDenesfotografadanocampodetrigo.Photo:JohnMcGrail.Type-CPrint,16x20",1982.

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Figura13-Campodetrigocomestátuadaliberdadeaofundo.

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Figura14-CampodetrigocomWorldTradeCenteraofundo.

Figura15-CampodetrigocomWorldTradeCenteraofundo.

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Figura16-Colheitadotrigo.

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Figura17-Aáreaemseuaspectoatual.BatteryPark,NovaYork.RenatoBonomini(https://www.flickr.com/photos/renatobo)

À épocada intervenção artística urbana,AgnesDenes escreveuumartigo

em que explicava a metodologia e as motivações para executarWheatfield - A

Confrontation,assimcomosuarepercussão:

DoisacresdetrigoplantadosecolhidospelaartistanoaterroBatteryPark,

Manhattan,verãode1982.

Apósmeses de preparativos, emmaio de 1982, um campo de trigo de 2

acres foi plantado em um aterro sanitário na parte baixa deManhattan, a duas

quadrasdeWallStreetedoWorldTradeCenter,emfrenteàEstátuadaLiberdade.

Duzentoscaminhõesdeterraforamtrazidose285sulcosforamcavadosàmãoe

limposdepedraselixo.Assementesforamsemeadasàmãoeossulcoscobertos

deterra.Ocampofoimantidoporquatromeses,limpodefenodetrigo,capinado,

fertilizado e pulverizado contra fungos demíldio, e um sistema de irrigação foi

instalado.Acolheitafoirealizadaem16deagostoerendeumaisde1000librasde

trigodouradosaudável.

Oplantioeacolheitadeumcampode trigoemterrasnovalordeUS$4,5

bilhões criaram um poderoso paradoxo. O campo de trigo era um símbolo, um

conceito universal; representava comida, energia, comércio, comérciomundial e

economia. Referia-se a má gestão, desperdício, fome no mundo e preocupações

ecológicas. Chamou a atenção para nossas prioridades mal colocadas. O grão

colhido viajou para vinte e oito cidades ao redor do mundo em uma exposição

chamada“OSalãoInternacionaldeArteparaoFimdaFomeMundial”,organizado

pelo Museu de Arte de Minnesota (1987-90). As sementes foram levadas por

pessoasqueasplantaramemmuitaspartesdoglobo.

O questionário era composto por questões existenciais sobre os valores

humanos, a qualidade de vida e o futuro da humanidade. As respostas foram

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principalmente de estudantes universitários em vários países onde eu falava ou

tinha exposições do meu trabalho. Dentro do contexto da cápsula do tempo, o

questionáriofuncionavacomoumsistemaabertodecomunicação,permitindoque

nossosdescendentesnosavaliassemnãotantopelosobjetosquecriamos–comoé

habitual nas cápsulas do tempo –, mas pelas perguntas que fazemos e como

respondemosaelas.

Omicrofilme foi dissecado e colocado em uma cápsula de aço dentro de

umapesadacaixadechumboemnovepésdeconcreto.Umaplacamarcao local:

nabordadaflorestaindígena,cercadaporarbustosdeamora.Acápsuladotempo

deveserabertaem2979,noséculoXXX,amilanosdaépocadoenterro.

Existem, ainda dentro do quadro deste projeto, várias cápsulas do tempo

planejadasnaTerraenoespaço,destinadasaváriosprazosnofuturo.

Postscript: O texto acima, que foi escrito em 1982, ganha agora pungência e

relevânciaapós11/09/2001.

(Denes,1982)

ONew York Times, em 2 de agosto de 1982, repercutiu em suas páginas

Wheatfield-AConfrontation,destacandoavisãosurrealdocampodetrigoquando

avistadopelosusuáriosdosbarcos:

Ondasurbanasdegrão

DoisacresdetrigodaDakotadoNorteficaramâmbar,ondulandonabrisa

do mar no aterro de Battery Park City, perto das torres de Wall Street, do

DowntownAthleticClubedoWorldTradeCenter.Olharatravésdestecampode

trigoéveraEstátuadaLiberdade,Ellis Islandeo tráfegodebarcoscomonuma

ilusãosurreal.

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“Caramba!”,exclamouumamulher,parandoontemenquantoseugrupose

dirigiaparaasbalsasdaexcursão.Masaanomaliapassadespercebidapormuitos,

quedificilmenteparamparadarumaolhada.

AgnesDenes,umaartistadoSoHo,plantouseisalqueiresdetrigo,emmaio,

comaajudadeumtratorealgunsvoluntários,incluindooPublicArtFund.Aideia,

disseela,era fazer“umaintromissãodocamponametrópole,osetor imobiliário

maisricodomundo”.

Catando “lixo,pneuse sobretudosvelhos”do lixão, segundaaartista, eles

adicionaramterraecavaram285sulcosparacriarumoásisde“existênciasimples

e natural, sem estresse”. Removendo ervas daninha e regando enquanto

trabalhadoresdeescritórioobservavamdasjanelasou“faziamvisitasnahorado

almoçoemtrajesdetrêspeças”,oscultivadoresapreciaram“osinsetos,delouva-

a-deusapirilampos,doprópriocampo”,disseDenes.

Maso trigourbanoestá,de fato, sob tamanho “estresse”que teráque ser

colhido um mês antes, de acordo com John Ameroso, o agente de extensão do

condadodeKingsqueéoconsultoragrícoladeDenes.

“Ele pegou fungo cedo demais, e eu odeio vê-lo partir”, disse ela,

preparando-separaumacelebraçãopré-colheitaem11deagosto.“Estouaquisete

diasporsemana-éomeuloftagora.”

(Haberman&Johnston,1982)

Aapanhadoranocampodetrigourbano

O vento na Upper New York Bay balança um campo dourado de trigo. O

local é um dosmais valorizados pelomercado imobiliário internacional e a cor

douradatrazumasimbologiadaostentaçãodesereestaremNovaYork,enãosó

emNovaYork,masnosterritóriosfinanceirosdeNovaYork.

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Oterrenolimpodepedras,sobretudoserestosdecidadeserveparaarare

semearoutrasmaneirasdeverocotidiano,novas formasdo fazernão-cotidiano,

quenosrelembraMartinsquandoesteafirmavao“modocapitalistadepensar”:

Enquanto modo de produção de ideias, marca tanto o senso comum quanto oconhecimento científico.Define aproduçãodasdiferentesmodalidadesde ideiasnecessáriasàproduçãodemercadoriasnascondiçõesdeexploraçãocapitalista,dacoisificação das relações sociais e da desumanização do homem. Não se refereestritamenteaomodocomopensaocapitalista,masaomododepensarnecessárioàreproduçãocapitalista(1978,p.11).

Assim,énocotidianoqueasatençõessãocentradasnaproduçãocapitalista

dosbensdeconsumoe,portanto,emumpensar-agir-reproduzirbaseadonomodo

capitalista de existência. Vê-se por que o editorialista do New York Times

prontamentechamaaatençãodeseusleitoresparaa“ilusãosurreal”docampode

trigonewyorker,quefazatranseunteexclamar:“Caramba!”

A representação fotográficamais consumida e famosadeAgnesDenes foi

registradaporJohnMcGrail,masaartistanãoaaprovou:“Eufizamaiorparteda

fotografia, a propósito, para Wheatfield (...) Eu estou em uma delas; foi um

fotógrafodaLifequeveio.Eledisse:‘Segureobastãoemsuamão’.Eudisse:‘Issoé

ridículo’.Eledisse:‘Apenassegure-o(…)Sim,essaéaúnica[fotoqueapareceem

todos os veículos].’”4. (Pollack, 2015, p. 44). Esse registro é constantemente

reproduzido comoum íconepara ser consumado/consumido em sites e revistas

pelomundo.

A proposta de Agnes Denes era refletir a respeito de uma “existência

simples e natural, sem estresse” na/da cidade; uma leveza que dialogasse

dialeticamente com a leveza indicada por Lipovestsky (2016), a qual, pelo

contrário, traz mal-estar e ansiedade por sua imediatez. Dessa forma, as

4Nooriginal:“DENES:Ididmostofthephotographymyself,bytheway,forWheatfield.POLLACK:Well,you’reinoneofthem.DENES: I’m inoneof them; thatwasaLifephotographerwhocame.Hesaid, ‘Hold thestaff inyourhand.’ Isaid,‘That’sridiculous.’Hesaid,‘Justholdit.’POLLACK:Andthat’stheonethatgetsprintedeverywhere.DENES:Yeah,that’stheonlyone.”

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possibilidades são reabertas por Denes, uma vez que “a transformação do

cotidiano vem pelo indivíduo que pode alargar fissuras, passar pelos vãos,

encontrarintervalos”(Soares,2001,p.132).

As fissurasabertasdiariamenteaoconsumireserconsumidopelacidade,

seja pela mistura química de oxigênio, nitrogênio, gás carbônico, gases nobres

inaladosemtrajetosdemarcadosporindicaçõesnuméricasdasruaseedificações;

seja pelos caminhos percorridos graças aos mapas mentais configurados pela

existência nos territórios permitidos pelas experiências vividas e imaginadas. “O

domíniodarealidadechegaatravésdovigorestruturanteentreoconhecereoagir

(teoria e práxis) canalizado pelo discurso geográfico” (Soares, 2001, p. 146).

Discursos de textos em vários formatos: sintético-ideográficos, analítico-

discursivos,físico-mentais.

AssimcomooadolescenteHoldenCaulfield,5quesevêcomoumguardião,

umsalvador,umapanhadordecriançasquecorremlivrementenograndecampo

decenteio,despreocupadasqueocampoestejalocalizadonabeiradeumabismo,

ocampodetrigodeAgnesDenesnosconvidaalançar-nospelos8093,71m²,livres

paraconsumi-losensorialmente.Eleéanovidadenão-efêmeraacadainstante,um

combateà levezapesadadoconsumismomedianteassensaçõesetecnologiasdo

nossointerior,mudandonossavida(Lipovetsky,2016,p.12).

De-compor,semderrubaroterritóriodomercadofinanceiro,éumexercício

diário para muitos dos moradores de Nova York que passaram pelo campo de

trigo...

Proporção-Nemfloresta,nemcampodetrigo.

5HoldenCaulfieldéoprotagonistaenarradordaobrade1951TheCatcherintheRye(noBrasil,"Oapanhadornocampodecenteio"),deautoriadonorte-americanoJ.D.Salinger.

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Figura18-JamaicaBay-NovaYork.GoogleMaps

Figura19-IlustraçãodeumafasedoprojetoAforestforNewYork—apeaceparkformindandsoul

- AProjectfortheEdgemereLandfill,Queens,NewYork2014

Figura20-AforestforNewYork—apeaceparkformindandsoul.

Queens,NovaYork,2014.

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Desde 2013, Agnes Denes tem um projeto com um título que pode ser

traduzidocomo“UmaflorestaparaNewYork–umparquedepazparaamenteea

alma”, no qual propõe o plantio de 100.000 árvores com total adaptação ao

ambientedoaterro,assimquetiverpreparadoosoloparareceberassementes.

Até2019,oprojetonãofoipostoemação,apesardesuaaplicabilidadeesua

preocupaçãonãoapenasestética,mascomasaúde,“atravésdosefeitospositivos

deumaflorestapararemoverodióxidodecarbonodoar,purificando-o,limpando

a água subterrânea e criando um ecossistema saudável através de processos

biológicosnaturaisparatodaacidadeeseusarredores”(Denes,2014).

Caso seja efetivado, ele será um local de visitação aberto, contando ainda

com centro de visitantes, café, salas de descanso, um local para celebrações

importantes,exposições, concertos,estacionamentoao longodeseusperímetros.

Maisimportante:pertenceráàspessoasdomundo.Umprodutoleveparaapazna

menteealma.

ANaturezaemseuespaçourbano

Oqueéanatureza?Oinfernodacidadeoudacultura.

Olugarondeoreifoibanido:exatamenteolugar(lieu)dodesterro(ban),Aopédaletra,osubúrbio.

MichelSerres,OContratoNatural.

Ametrópoleéumpatamaravançadodaurbanização,o locusdaprodução

civilizatória, o lugar em que se pode viver com sofisticação. Conforme Santos

(2007),nãoéotamanhoqueadefine,masofatodeoferecera“sofisticação”como

amplapossibilidadeparaseusmoradores.Éa limitaçãodessasofisticaçãoparaa

grande maioria da população o que diferencia metrópoles como Nova York,

LondreseParisdeoutrascomoSãoPauloouCidadedoMéxico(Santos,2007).

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O campo de trigo da metrópole quer trazer também a leveza do mundo

comoumvaloroferecidopelaartistaaosmoradoresdacidadeemseucotidiano.

Pode-seconsiderarqueessaofertaéumaformadepensarocotidianodesdeuma

experiência e uma proposta territorial, pelo fato de apresentar um trabalho da

artista,eotrabalhoé“umadassedesdocotidiano”(Santos,2007,p.94).

Háumacontradiçãoentreovalordometroquadradodasáreasdacidade,o

ícone globalizado doWorld Trade Center ou das ilhas, e a leveza conceitual da

plantação urbana de trigo, em diálogo com a apropriação do solo pelo capital

financeiro,especialmentenocasodeBatteryPark.

Nocentrodadiscussãoentreoartísticoe financeiroglobalizado,pensara

emoção como comunicação coloca o artista mais perto do homem comum do

cotidiano,pois “ograndeartistaé livreesabeque, senãoháemoção,elenãose

aproximadaverdade[...]Oexistircomocondiçãoparaveromundo.Eissoinclui,

emprimeirolugar,aemoção.Porquearazãoreduzaforçadedescobrir,porquesó

aemoçãonoslevaaseroriginais”(Santos,2002,p.62-4).

Aemoçãoaliadaàleveza,ealiadatambémàrazão,podeserpensadacomo

“emoraçãoleve”,paraaproveitaraindaasugestãodeSantos,paraquema“noção

deemoraçãoencontraseufundamentonessastrocassimbólicasqueunememoção

erazão”(Santos,1996,p.256).

Assim,emnossocotidianotecnologizado,alevezadosaparatosportáteis–

ou, aomenos,partedeles–, se encontra coma levezadeumcampode trigo,no

lugarondeanteriormente estavampesados escombrosde concreto, entreoutros

materiaisdescartadospeloscitadinos:éoencontrodatecnosferacomapsicosfera.

Para Santos (1996, 2007), essas duas instâncias de análise estão

interligadas.Atecnosferavistacomoaartificializaçãodomeioambientepelaação

dotrabalhosobreotrabalhoeo“espaçogeográfico[…][que]servedebaseauma

vidaeconômicaesocialcrescentementeintelectualizada,graçasàcomplexidadeda

produçãoeaopapelquenelaexercemosserviçoseainformação”(Santos,1996,p.

204).Mas,aomesmotempoemqueessainstânciasevêdependentedaciênciae

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da técnica, cria-se a psicosfera, que resulta das crenças, desejos e hábitos que

inspiramecompõemumafilosofiaesuaspráticas.“Apsicosferaéesseconjuntode

crençaseideias,essaesferadamente,muitomaisfácildeserartificializadatalvez

que o território porque, através do consumo e damídia, eu a altero commuita

rapidezegrandebrutalidade”(Santos,2007,p.94).Eessacargadeinformaçãono

território–redessemfio,InternetdasCoisas,rádio,TV–participamdocotidiano

renovado,baseadonospapéisdaciência,tecnologiaeinformação.

Em sintonia com as propostas indicadas, Lipovetsky vai afirmar que “nos

governaumaculturacotidianadaleveza‘dosmeios’,poisouniversodoconsumo

nãocessadeexaltarsistemasdereferênciahedonistaselúdicos”(2016,p.10).

Contudo, faz-senecessário indicarqueSantosanalisa a sociedadedesdea

perspectiva moderna. Conceitos como pós-moderno, hipermodernidade,

modernidadelíquida,entreoutrasdefiniçõesdomomentovivenciadonosséculos

XX e XXI, não se mostravam relevantes para ele. Isso porque sua proposta de

trabalho se colocava em favor da empirização, da busca de coerência na

caracterização do momento, considerando que a totalidade se tornou empírica,

permitindoateorização(Santos,2007,p.83).

Pareceapropriadopensara“emoraçãoleve”paracompreenderasrelações

e os arranjos espaciais, expressos nas unidades paisagísticas da cidade de Nova

YorkcomaocupaçãovegetaldeBatteryPark.PelametodologiaexpostaporAgnes

Denes, pode-seperceber suapreocupação tecno-científica. Aomesmo tempo, ela

indicaesugereumdesfrutardacidade,equeBatteryParknãoquerserumcampo,

nãoalmejasetornarumaNovaYorkrural.Almejaacomunicaçãonacidade,pois

ela,acidade,é “o lugar ideal,porqueéo lugarondetodoomundosecomunica”

(Santos,2007,p.113).Eissosedivisaemsuaobra.

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Ilação

Este artigo buscou tratar da relação entre a cidade e a arte no espaço,

ressaltando a leveza de um campo de trigo na paisagem urbana, propondo uma

temporalidade diferente na reconstrução dos usos mais comuns da construção

civil,dispostosemgrandesedifíciosesuasviasdeacessoepraças,naicônicaNova

York,cidadeglobalporexcelência.

Amparadobibliograficamenteemfontesinterdisciplinares,oartigocolocou

possibilidadesdeanálisevisandonãoapenasadescriçãodaobradeAgnesDenes,

masuma tentativadepensá-ladentrodeumcontextomaisdenso, envolvendoa

cidadeeoespaço.

A leveza conceitual do campo de trigo no espaço urbano contradiz

diretamente as propostas capitalistas do uso do solo urbano pelo mercado

financeiroglobal.ColhertrigoemNovaYork,observandooWorldTradeCenter,é

um modo de questionar a hegemonia do capital financeiro na cidade. A

efemeridade do tempo e do espaço dessa ocupação suspende por alguns

momentosocotidianodoscitadinosedosturistas.Otempodeincorporaçãodessa

paisagem no cotidiano, meses depois, é suspenso também durante a colheita,

motivada pelo aparecimento de mofo no trigal. Ao fim, dando continuidade ao

diálogoentreaobraeosmovimentosdocapital financeiro,aocupaçãoterminou

coma construçãode áreas residenciais, parques, cais e centros culturais em seu

lugar, assumindo o papel corriqueiro da urbanização com base no valor

imobiliário. Nada diferente do que o que a própria artista imaginava que

aconteceria.

Jáaflorestapensadaerepensadaemseusprojetosaindanãoconseguiuser

efetivada.Entretanto,emabrilde2019,na impossibilidadedeparticipardeuma

conferênciaparaaqualforaconvidadapelaHarvardUniversityGraduateSchoolof

Design, Denes enviou ummanifesto escrito e uma obra plástica com indicações

parasuavida-obra.Entreasafirmaçõesfeitasporela,destaca-se:

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Quando comeceiminha jornada, quismudaromundo, reavaliar todooconhecimento e colocá-lo em forma visual para melhor compreensão.Quandotrabalhei,percebiqueminhatarefaeraumpoucomaiscomplexadoqueoquepoderiaseralcançadoporumaúnicamentesemajudaoufundos.Issonãomeabalounemumpouco,eeucontinueiestabelecendoe atingindo metas. Querer mudar o mundo se transformou em umaproduçãoartísticaúnicadeumavidainteiradecriaçãoevisualizaçãodeprocessosinvisíveis,comomatemática, lógica,processosderaciocínioeassimpordiante.Este processo de reavaliação e visualização tornou-se um processo deoferecer à humanidade soluções benignas para alguns de seusproblemas,eenvolveuumainfinidadededisciplinas.Então, agora, pergunte a si mesmo: onde você está na sua idade dequerermudarascoisas?Quemontanharestasubir,moveroueliminar?Não pretendo contar-lhes verdades ou objetivos últimos, apenas quevocêsdevemprocurá-los.Éessabuscaqueéajornada,eétãopreciosaquantoodestino.Questionartudo.Nãoapenasporquevocêdeveria,masporque você pode aprimorar sua capacidade de fazê-lo. A melhorcriatividadevemdoquestionamentodo statusquo. Suamente será suasalvaçãoemummundoconturbado,enuncahaveráumtempoemquenossomundonãoestejaconturbado.(DENES,2019).

Deoutubrode2019ajaneirode2020aconteceaprimeiraretrospectivada

obra de Agnes Denes em Nova York, intitulada Agnes Denes: Absolutes and

Intermediates.

A leveza de uma obra de arte no espaço urbano contrasta com seu uso

correntenocapitalismo,principalmenteemumacidadeglobalcomoNovaYork.Ao

possibilitarasuspensãodocotidianoparaoscitadinos,Denesadicionaaosespaços

dacidadenovasdimensõespotenciaiseagenciamentosatéentãonãoimaginados.

Questionartudo:eisoquenosresta.

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