a teoria vivida e outros ensaios de antropologia

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Introdução Escolhi como título destzr colctânea cle cnsirios ,4 ltori,t .t,i.t,i,/,r,lrrt dos ensaios rnais brer.es dos clez textos aqui reunidos, principalrncntc Por reflctir um tema quc atravessa todo o livro. É costume seftzer rcferência à tc<r ria sociológicr ou antropológica como se ela fosse eterna e imutável, como sc ela cstivesse /a, distnnte clos nossos clados e da nossa vida. À teoria caberia um lugar nobre, mas remoto; disponível para ser rcsgatirda quando nece ssário, ela serviria para iluminar as clescobertas das nossas expcriênciirs dc pescluisa. Nos ensnios qtrc compõcm este livrc», insisto na perspectiva oposta. A teoria é o par inscparável drr etnografia, e o diálogo íntimo entrc amhas cria as condições indispensáveis para'.r renovação e sofisticação cla disciplinir. Este papel da tco- ria revelir-se espe cialmente em nossos trirLlirlh<ls irnirlíticos, qu:rndo cla está, de mrrneira rnais rlbvi:r, em rção, cmaranharlrr nas cviclôncias empíricas c nos nos- sos clados etnográfi cos. A tcoria irntrclpológicrt, corrtrrrlr, nlto se maniÍêsta apenas no exercício monogrrifico. Nos enseios lt scr{uil l'rl'op.nho que nossa perspectiva teóriclr emerge também no clia-a-dia rrcatlôrnico, cm sala dc irula, na orientirção de urrr aluno, nos deb:rtes com colegirs e plrrcs - (luer scjam interlr)cutores presentcs ()u auscntes -, na transÍbrmrrção em "Í'.rtos ctnográficos" cle evcntos dos qurris prr rti - ciprrmos ou quc obscrvirmos. Sugiro, ussirn, quc, ao reconhccer a ubiqiiiclrrtlc clrr teoria, poclemos chegar rr urna r.isão nrris .,rnseqr-ientc, na c1ual sc obscrvrrnr trrntr> a constante transformação rr quc ela está srr jcita como um fe nômcno vivo, tltrrrntt,, de rnaneira só'.rparcntemcnte p'.rradoxrrl, strrr permanôncia c solidcz irrsyrirttloras. Estc ponto de vist:t ó bastante irntigr>, Íbi exar,rstivamentc tliscutickr por epistemrilogos de envergadura, e remonta pelo rnenos à rroção wcllcriuna rlc uma

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Introdução

Escolhi como título destzr colctânea cle cnsirios ,4 ltori,t .t,i.t,i,/,r,lrrt

dos ensaios rnais brer.es dos clez textos aqui reunidos, principalrncntc Porreflctir um tema quc atravessa todo o livro. É costume seftzer rcferência à tc<r

ria sociológicr ou antropológica como se ela fosse eterna e imutável, como sc

ela cstivesse /a, distnnte clos nossos clados e da nossa vida. À teoria caberia umlugar nobre, mas remoto; disponível para ser rcsgatirda quando nece ssário, ela

serviria para iluminar as clescobertas das nossas expcriênciirs dc pescluisa. Nos

ensnios qtrc compõcm este livrc», insisto na perspectiva oposta. A teoria é o par

inscparável drr etnografia, e o diálogo íntimo entrc amhas cria as condições

indispensáveis para'.r renovação e sofisticação cla disciplinir. Este papel da tco-ria revelir-se espe cialmente em nossos trirLlirlh<ls irnirlíticos, qu:rndo cla está, de

mrrneira rnais rlbvi:r, em rção, cmaranharlrr nas cviclôncias empíricas c nos nos-

sos clados etnográfi cos.

A tcoria irntrclpológicrt, corrtrrrlr, nlto se maniÍêsta apenas no exercício

monogrrifico. Nos enseios lt scr{uil l'rl'op.nho que nossa perspectiva teóriclremerge também no clia-a-dia rrcatlôrnico, cm sala dc irula, na orientirção de urrr

aluno, nos deb:rtes com colegirs e plrrcs - (luer scjam interlr)cutores presentcs ()u

auscntes -, na transÍbrmrrção em "Í'.rtos ctnográficos" cle evcntos dos qurris prr rti -

ciprrmos ou quc obscrvirmos. Sugiro, ussirn, quc, ao reconhccer a ubiqiiiclrrtlc clrr

teoria, poclemos chegar rr urna r.isão nrris .,rnseqr-ientc, na c1ual sc obscrvrrnr trrntr>

a constante transformação rr quc ela está srr jcita como um fe nômcno vivo, tltrrrntt,,

de rnaneira só'.rparcntemcnte p'.rradoxrrl, strrr permanôncia c solidcz irrsyrirttloras.

Estc ponto de vist:t ó bastante irntigr>, já Íbi exar,rstivamentc tliscutickr porepistemrilogos de envergadura, e remonta pelo rnenos à rroção wcllcriuna rlc uma

A trnrlo vlvlrln

"ctcrttit.iuvcntude" das ciências sociais. Aqui, apenas deixo fluir, de vários ângu-

Ios, tripiccrs como a incidência e a riqueza da teoria antropológic a, além de seus

tlucstionamentos, dilemas e promessas. Qrero veicular aidéia de que, em um

rnundo dominado por julgamentos de valor apressados e maniqueísmos perigo-sos, a antropologia repÍesenta, hoje e ainda,uma possibilidade rara e valiosa de

rcflcxão sobre fenômenos sociais, um modo de conhecimento que se caracteriza

por levar sempre em conta contexto e comparaçáo, em uma prâtrca continua-

mente atenta às dimensões da linguagem e da cútura.

Os lugares e os tempos da teoria

A idéia de uma "teoria vivida" alude à ação permanente, ao movimento contínuo

que caracteriza o desenvolvimento geral da disciplina e também as suas configu-

rações particulares. É futo conhecido que noções de tempo e espaço são centrais

para o exame daaçáo social; essas noções são igualmente básicas na apreciação da

trajetória da antropologia como fenômeno intelectual (e cultural). Conceber a

teoria viva sugere, portanto, a existência de dimensões políticas em sua práttca.

Algumas breves indicações são suficientes para sínaJizzr essa questão.

Desde o seu reconhecimento como disciplina no final do século XD( ,a antÍo-

pologia tende a dividir o mundo: há um século atrás estavam, de um lado, seus

poucos praticantes, geralmente oriundos de uma pequena, mas dominante fração

do globo (Europa e Estados Unidos); de outro, os nativos possíveis, objetos de

investigação que abarcavam populações inteiras da Melanésia, Oceania, Ásia,

depois África e América do Sul. À antropologia cabia estudar o outÍo, por defini-

çiio, exóticol as demais ciências sociais, como a sociologia, por exemplo, incumbi-

riam-se do estudo da sociedade ocidental moderna. Exotismo e distância (cul-

tural e geográfica) separavam, então, o pesquisador do grupo pesquisado. Umsóculo depois, em parte devido aos vários questionamentos sobre a antiga domina-

ção colonial, e em parte ao próprio desenvolúmento da disciplina, tudo indicava

tluc a distinção entÍe pesquisadores e nativos/"informantes" havia basicamente

tlesnpruecido - todos partilhávamos o mesmo mundo, e poderíamos nos alternar,

tirnrlir c nos misturar nesses papóis. Parecia, então, superada a dicotomia "nós oer-

,rrr crles" cluando Lévi-Strauss proclamou que "os mitos se pensam em nós".

Mus a promessa não vingou totalmente e novas divisões surgiram. De um

lurlu, os itntigr>s "nativos", tendo desestimulado, quando não impedido, a entrada

rkln cttu'rgrafirs metropolitanos em seus novos Estados nacionais no meio do

rdctthr, unnitn rcjeitrtndo uma curiosidade vista como incômoda e arrogante,

Introdução

quando colocaram em prática seus projetos de autoquestionamento, rejeitaram

o rótulo pelo qual haviam sido estudados: antropólogos no exterior, na Índia eles

agoÍa se denominaram sociólogos; da África surgiram filósofos e educadores;

em outros contextos, historiadores e, às vezes, uma combinaçáo de várias ciên-

cias sociais. O termo "antropologid'traziainevitáveis e indesejáveis conotações

de dominação. De outro lado, os então centros de produção acadêmicapassaram

a rregaÍ a propriedade do conhecimento acadêmico-disciplinar em geral e, no

caso da antropologia, evo caram a culpa pela desigualdade inerente à pesquisa de

campo em busca de exotismo para condenâ-la,se não à extinção, ao mero status

de influência ou inspiraçáo.Parasubstituir as antigas disciplinas, cunharam-se

designações antidisciplinares, como os studies (por exemplo, cultural studies,

estudos feministas, subalternos, de ciência e tecnologia etc.), indicando que, no

ambiente contemporâneo da autodeterminação dos povos e dos direitos huma-

nos universais, a antropologia tinha um passado impuro.

Neste liwo, proponho uma perspectiva diversa. Se uma das características

da antropologia reside na contestação de verdades do senso comum de uma

época e sua substituição por propostas mais refinadas, pois comparativas, então

seu projeto é inesgotável. Sugiro que, afastados das responsabilidades da domi-

nação colonial (que assola o Primeiro Mundo) tanto quanto do ressentimento

histórico (que aflige os antigos "nativos"), podemos colocar o conhecimento an-

tropológico à prova na explicação e análise de fenômenos contemporâneos,

impelindo-o a expandir sua potencialidade em abordagens construtivas. NoBrasil, em particular, o sentimento que exige a denúncia do colonialismo, seja

como algoz ou como vítima, não nos atinge como experiência direta (embora o

façadeoutras formas, até como modismo): nunca nos interessamos pelo exótico

em si, porém bem mais pelas diferenças culturais, sociais e cosmológicas de

populações distintas; por outro lado, um traço marcante da nossa práticâ como

cientistas sociais sempre foi o envolvimento comprometido com as populações

estudadas. Não temos díúdas passadas a saldar; temos, sim, responsabilidades

sempre presentes.

Voltarei a esses pontos em mais detalhe no decorrer do livro, mas deixo-os

aqui para sugerir em que sentido os aspectos políticos da disciplina estão sem-

pre em ação, manifestando-se no modo de se conceber a história da disciplina,

por exemplo, ou mesmo em alternativas metodológicas.1 Primeiro, na histórin

da disciplina. Nos lugares onde se antecipa seu fim, com freqüência a hinttl-

ria dominante tem um cunho presentista e é moldada pela idéia de sup«rrttll

equívocos positivistas que teriam vigido no passado. Em contraste' ougifl, ler

possível e desejável resgatar wa história teórica dos princípios nortcsdÍtr§r d§

'f, troíi vtvlda

rllrtrolx)login, quc insiste nas maneiras pelas quais se dáo refinamento do conhe-

cirrrcrrto antropológico e sua perene renovação, sem, por isso, condenar o pas-

sittkr lt partir de valores contemporâneos. Segundo, em termos metodológicos.

l')stratógias para se alcançar o fato tangível que orientaaetnografra incluem, pelo

rrrcnos,dois tipos-ideais: um que enfatizaaanalisede"eventos"e, outro, que des-

trtca narrativas ou"stories". Sugiro que stories (qr. or norte-americanos, porcxcmplo, contam) relacionam-se à fala como manifestação social sancionada,

guzrrdam uma inspiração específica na crítica literâriae na psicanálise, afastam-

sc dos conhecimentos disciplinares e vinculam as etnografias à mera produção

dc ficções. Opto por um projeto distinto, talvez mais ambicioso, e indico de que

tnaneira "eventos", vistos como porta de entrada etnográfica, privilegiam a açáo

social, o contexto, o imponderâvel, a mudança, a linguagem em ato, fazendo

rssim combinar objetivos teórico-intelectuais com político-pragmáticos.Com o objetivo de focaltzar essas questões, dividi o livro em três partes, a

prartir das características distintas dos ensaios. A primeira parte reúne análises

sobre os caminhos atuais da antropologia e balanços bibliográficos da litera-tura pertinente, tanto do caso brasileiro quanto dos centros reconhecidos de

produção intelectual (a chamada "antropologia internacional"); a segunda

parte compreende textos breves e mais explicitamente engajados com uma

variedade de públicos - diálogos, por assim dizer - apresentados em con-

Í{ressos e mesas-redondasl a terceira caracteriza-se por ensaios etnográficosnos quais procuro exercitar a proposta antropológica de refletir sobre nossâs

crtegorias de senso comum e práticas do dia-a-dia. Aqui, meu interesse recai

s<rbre o uso de documentos de identidade como símbolos no/do mundorrroderno, com vistas a examinar, emação,o que cientistas sociais concebemos

c«rmo Estado, cidadania, nação.

A maior parte dos textos aqui reunidos foi publicada previamente, em

pcriódicos ou livros, indicados em notas de rodapé no início de cada ensaio.

l')rn alguns deles, fiz pequenas modificações que não afetam o núcleo dos argu-

l'r'rcntos ce ntrais. A exceção é o último, que foi totalmente reescrito. Acrescento

rltrc cvitei introduzir novas referências bibliográficas nos ensaios originais, mas

no tcxto sobre a antropologia no Brasil, fiz ligeiros acréscimos. Apesar disso,

l)r'ç() a compreensão dos colegas pela simplificação inevitável das citações,xitlrt'trrl<r c1uc, dada anaturezado texto, ele estará sempre incompleto e defasado.

It'1',r rlcscrrlpas, também, ao leitor pelos termos em inglês, cuja presença se

cxplicir lrclir não-equivalência de certos conceitos e expressões em português e

p(lt' ricrr uso corrcnte no original no meio acadêmico brasileiro. Uma última

;rulrtvrit: ltii vítrius idéias-chave que peÍpassam o livro e que são repetidas, amplia-

Introdução

das, reduzidas, reforçadas, reexaminadas de acordo com o contexto de enuncia-

ção. Não procurei minir.rrizar as repetições eventuais, mas deixei-as afluir para

que se revelasse a nat:uteza retórica implícita nos diálogos em que nos engaja-

mos. A experiência de escrever e retornar aos mesmos temas de ângulos diver-sos, refletir sobre questões antes apenas esboçadas, expandindo-as, dialogar com

diferentes interlocutores e expor idéias para audiências múltiplas faz parteintrínseca da vida intelectual e acadêmica e são, portanto, paÍte integrante da

teoria vivida.

II

1" Onde está a antropologia?'

Nr, .o-.,nidades transnacionais que são as ciências sociais éimprescindível uma ideologia comum que mantenha os ideais de universalidade

e cimente as relações sociais entre cientistas de várias origens. É ,r.rr. contexto

sociológico que estão situados os cldssicos. O conhecimento dessas obras formaos iniciados que, na antropologia, são aqueles praticantes que dominamo cor?us

etnográfico de alguns autores-chave que trouxeram o exótico à consciência do

Ocidente e o utilizaram tanto para atarefamais óbvia e banal de servir como seu

espelho existencial, quanto para" a. responsabilidade mais plena de refinar uminstrumental teórico com pretensões universais. Os clássicos de uma disciplinasão, portanto, criações sociologicamente necessárias e teoricamente indispensá-

veis, por meio dos quais os praticantes se identificam e se (re)produzem nos

diversos contextos acadêmicos - eles tornam possível a existência de uma comu-nidade de especialistas, daí derivando sua relevância singular e contínua.

Reconhecer a centralidade dos clássicos significa diferenciar propostas,

internas e externas, entre os praticantes e os estudiosos de uma disciplina. Por

mais que a historiografia da antropologia origine cadavez mais dados a consi-

derar, as histórias teóricas, resultado de contínuas reconstruções da teoria que

permitem iluminar dados etnográficos novos, são fenômenos internos à prática

disciplinar.* É a aceitaçáo de uma determinad a hist,Sria teórica que estabelece

uma linhagem não só de etnógrafos, mas de perguntas e de problemas, de

* Ver Peirano (1995a,p. 146-755) para a distinção inicial entre histórias teóricas e historiografia,

e Capítulo 6 deste liwo para uma reflexão sobre as diversas "histórias" da antropologia.

r5

Lrrrr()s'irncnte, csscs rndrcros de que a antropotogla Iol unr lcllurucrrL, uu

r:ul«r XX ou, igualmente desolador, de que ela se tornou normal science,apenas

produzindo velhos modelos, não se confirmam no cotidiano dos departa-rcntos de antropologia.* Ali, a existência de múltiplas vertentes continua sendo

:na das características mais marcantes na formação de novos especialistas, não

'ndo sofrido mudanças rnuito drásticas. Ainda assim, observam-se algumas

terações: primeiro, modificaram-se os campos vizinhos da antropologia:omo opositores ou aliados) - emvez da arqueologia, biologia, sociologia ou

ngüística de décadas passadas, quando saem de seus dcpartamentos, os antro-ólogos hoje podem ser encontrados nos de história da ciência, crítica literârrau filosofia. Segundo, um espaço extra é reservado nos seminários de formação

:órica aum tipo de leitura que familiariza o estudante corn os rccentes cultural:udies.Utllizo o termo magia para indicar o poder c o perigo assr>ciados a cssils

ovidades, primeiro introduzidas, na década de 7970, pelos programas dc ái.ç-

ry of consciousne ss, nos anos 1980 pcla abordage m dos cu/tural studie s e, n<>s

990,pekrs programas de s cience, tecltnology and sociery.** Apolêmica que envolve

ssas áreas, mesmo nos Estados Unidos, não in-rpedc que essas tendências sejam

ncorporadas na formação de novos especialistas. (Mas, talvez, por estimularlemais, os professores mais zelosos supervisionam a absorção dessa literatura,ncluindo-a no final dos cursos obrigatórios, depois de lidos os clássicos.)

Se as universidades refletem algumas mudanças, o locus etnográfico privile-

;iado para apreciá-las não são nem os departamentos, nem os programas de van-

;uarda, mas as livrarias. Nos Estados Unidos, as livrarias acadêmicas são aqueles

ugares especiais que, existindo entre a nvidez do conhecimento e o poder do mer-:ado, devem sua sobrevivência ao espírito de circulação e reprodução que tam-rém rege o mundo acadêmico. Boas livrarias necessitam manter um estoque clás-

ico, mas, especialmente, precisam cxibir novidades e antecipar tendências.***

Nesse contexto, conferir o debate 'Anthlopology and Sciencc", proposto pcla AmericanlnthropologicalAssociation nos ânos 1990, dcle Íàzcndo parte o excclente ensaio de Latour7996).* Estes últimos são de signados pell sigla STS Programs.** Miris ainda, livrariirs precisrrm tcr seus est()qlrcs scmpre disponívcis, o que hojc se traduz. cnr

rorários anipliados e acess<> elctrô>nico. O movirncnto da Harvard Book Store, principal livraria quc

crve à comunidadc clc Harvard c Instituto de-l'ccnokrgir de Mrrssachusetts (l,ttT, sigla cm inglôs),

,odc ser avtliaclo pclo horrlrio dc atcndimento: d:rs 9 da rnanhã ris 11 da noite, de segundir t qu intx;

ras scxtils c sábados, o h«rrário estende-sc ató a mciir-noitc; domingos, dc 10 da mrrnhir às 10 d:r

Loitc. O accsso via intcrnct Íàcilita as aquisiçocs, mas :r m:rioria dos compradorcs locais prcÍcrc tic-

1üentar a livraria, quc promove vários eventos, como lançamentos de livros c sessõcs dc múrsict.

Iu(':,li()nrlnr('rrtos Ícriricos, (lr.lc lrs novas gcrâçõcs herdam, procr.rltnl rcsponclcr' lt'grrrr r, rr rorliflcrrcl<>s,:l seus descendentes.Tal reconhecimento não faz dos clás-

;it os rriltorcs e ternos nem descontextualizados, mas resulta na observação de

ltrc t:lcs srro cssenciais para a continuidade de um tipo de conhecimento que, em

lctcrrrrinrrdas circunstâncias, se tornou disciplinar: a questão de se saber quem;r.r,.nclc são gerados, ou como se formam) cmbora extremamente importante,.' sccr.rr.rdária diante da sua existência indispensável.2

TL'ndo como panorama de fundo essas propostas gereis, este ensaio 1em porrlrjctivo examinaÍ questões relativas às diversas manifestações da antropologiaim contextos contemporâneos. No momento em que se difunde a idéia do fimles disciplinas - temida por uns, celebrada por outros -, procuro examinar o'csultado dos processos de aculturação que se desenvolvem no âmbito do mundorc'.rdêmico, e que informam continuidades e questionamentos.* Estou interes-;ada na possibilidade de termos universalismos no plural, preocupadâ com a)rlse que sustenta a antropologia vis-à-vis a fragmentação de saberes, e curiosa

r respeito do fato de, mesmo em um contexto considerado pós-moderno pornuitos, cLíssicos continuarem indispensáveis. Abordo aqui essas questões abran-

{entes por intermédio de dois acessos etnográficos: em primeiro lugar, uma

zisita a livrarias nos Estados Unidos, onde a relevância dessas questões ficarrrtente; em segundo, uma apreciação de dois pares de monografias, escritas pornltores de gerações sucessivas, nos Estados Unidos e na Índia. Finalizo comrrr.ra agenda paÍa o exame da antropologia em sua dupla face, singular e plural.

As livrarias norte-americanas

\ rrntropologia feita, hoje, nos Estados Unidos domina a cena internacional em

lrrrrnticlade e qualidade, servindo como indicador e termômetro para os antro-rologos clc outras latitudes. Barth até considera que o diálogo com essa vertente;(' l()nrou inevitável para todos nós.3 Em suas manifestações variadas, a antro-,,,111,1;1 fcita nos Estados Unidos parece ocupar atualmente um espaço social-rt'rrlr' t'«ltrivirlente àquele da Inglaterra na primeira metade do século, ou da

' r ;u r(,:r n( ) pcríoclo áureo do estruturalismo. No entanto, inserida em uma am-)r{ r( i:r ('nr (luc a idéia de fragmentação se transforma em valor, em que o,, ,r nl);u,lr'i, r :rs tlisciplinas tornou-se comum, nos Estados Unidos a antropolo-,,r.r , rrr, r'ilrrvt'lrrrcrrlc alvo de críticas e ameaças de dissolução.

I'rr r r rr r,r.r,rrl.r,l.r r,l.irr rL':rt'ultrrrtçãonocontextodomundointclectual,vcrDumont(1994).'rr r r r,l, t.t,lr tt/rt,r/r,lltr,,,t,/,,,1,t',çvis à-visasdisciplinas,verHaraway(1991,Cap.9).

Nesse processo de deslocamento e fragmentação, nas livrarias a antropolo-'ia tornou-se, ela própria, um fenômeno pós-moderno, multi-sited,* e não seria

xagerado se temer uma vitória de Pirro: hoje transformada em senso comumrtelectual - como no caso da psicanálise, há algumas décadas -, não teria a

ntropologia perdido sua especificidade social e cognitiva? Esse parece ser umomponente central da crise de identidade da antropologia nos Estados Unidos.

Felizmente, a antropologia nunca esteve limitada aos antropólogos e tem

parecido, como concepção e prática, sob o manto da filosofia, sociologia, fol-lore, história, crítica literâria,e até nos atuais cultural studies.Às vezes, ela é

arte das Humanidades; outÍas, das ciências sociais. Na Índia, os antropólogos

utodenominam-se sociólogos; no Brasil, a antropologia nasce da sociologia.**

Jo entanto, no processo de absorção seletiva das vogas intelectuais, continua-ros a conviver com as ansiedades dos centros metropolitanos. Hoje, diante da

ecretada autodissolução, mas cientes da relativa continuidade das ideologias e

as instituições, a discussão sobre o fim da antropologia talvez possa ser mais

em formulada por intermédio das indagações: onde está a antropologia? Onde[a emerge? Onde estão os livros de antropologia? O contexto norte-americanoextremamente sensível às classificações acadêmicas e geÍou um tipo de oposi-ão reativa: náo apenas pás (como em pós-modernas), mas também multi (como

m multicultu r alismo), an ti (como em antidisciplin ar) e pr é (como em pré- cien-fico, pré-categórico, pré-psicológico, pré-sociológico).6 Mas, embora a antro-ologia esteja sob suspeita, podemos nos tranqüilizar: Clifford Geertz ainda se

cnsidera um antropólogo.***

rterualo: antropologia "at home"****

)urante muito tempo, a antropologia definiu-se pelo exotismo do seu objeto de

;tudo e pela distância, concebida como cultural e geográfica, que separava o pes-

uisador do grupo pesquisado. Cabia a outÍas ciências sociais, como a sociologia,

mais tarde a ciência política, o estudo da sociedade do próprio cientista social.

\ovamente, a expressão é de George Marcus (1995b), e designa o tipo de etnografia em que os

rjetos de estudo são descontínuos quando focalizados da perspectiva de um sistema mundial.

Ver Peirano (7992a) parauma comparação entre as características da antropologia na Índia e no

:asil.

' Cf. o subtítulo de Geertz (7995), "Two Countries, Four Decades, One Anthropologist".'* As idéias apresentadas aqui são aprofundadas no próximo ensaio.

Alrrrlrrrt'rrlt', t'irerrllrr I)()r unr:r bolr livrlrrirr rrcadêrnicrt nortc-ilrrrerieltr.rlt

r t'lk'tr', rrinrl:r, «r cstr(l() rlc lirninaridade cntrc dois séculos. Se o século XIX tcrmi-n( )u ('nr l gl 4 rra [')uropa (E. Weber 797 6),nos Estados Unidos vários projetos

:rrrlt't'i1l:rritnr ir chcgada do )ofl. Alguns começaram mais cedo, como o anuári<r

ltrtt liiitiont, mas dicionários c enciclopédias jáfazram o balanço dos últirn<;s('('nr rulos desde os anos 1990.4Têmpo e espaço mudaram nas livrarias, c a redis-

t ribtriçiro das cstantes scguiu a rcor!íanizirção das áre as de conhecimento.

A antropologia, que nunca ocupou lugar dc dcstaque, pcrdendo semprc

l)rrrir ir ciênciir política, economia e sociologia, agora parece se csconder em

rccantos ainda menos visíveis. A primeira impressão é quc os livros estão fora de

Iugar, rnigrados para outras áreas. O caminho que levou os textos dc antropolo-gia para as estantes de cultu.ral andcritical theor!,e dcstas para as de filosoÍia e

ciônciir, foi bastante rápido.s Nesse proccsso há outras surpre sas. Publictrções de

rul rncsmo autor podern ser classificadas cm difercntes catcgorias: por cxemplo,

Ilomo Hierarc/tiurs, de Louis I)umont, fica em Ásia/Pacífico, r1o pirsso clue

Ocrman Ide ology,do mcsmo autor, em filosoÍla. As chamadas antidisciplinas são

inciexadas pela presençu do termo studies (media studies,Jàminist studics, scicncc

tttd tcchnology studies, cultural studies), e transfbrmararn-sc em áreirs dc ponta.*l')nqua"nto isso, filosofia e ciôncia continuam a dividir o prestígio maior, rnas h<rje

o tcrmo ciência comprecnde, ao mesmo tempo, conhccimcnto, crença e crítica(rrlóm cle etnografia, como veremos).

Ncsse contexto fragmentado, distinções político-geográficas sobr:cvivem

corn vigor rcnovado. Essc tipo dc definição, em muitos casos, supcra a classiÍi-ctçi«l por írreirs de conhecimento. Assim, n-ronografias irntr<>polcigicrrs como

l'Vrititr,q' Womeu'.ç Worlds: Bedouirt Stories (de Lila Âbu-Lughocl), encontram-se

crrr Oricrrte }ilóllio; DehotingMtrslinti (dc Michacl liischer c Mcdhi Abcdi), crn

l')sttrclos Islâmicos, e, ern Américir Latina, urn lugar visívcl ainda é rescrvirdo

p'trt l)toth zuithout Wceping (de Nancy Schepcr-IIughcs).*'' F'inrr.lmcntc, para o

visitrtrttc ocasiorial, rr surpresa maior: disci;llinas tradicionais for:un rcnorneadas

,,rr rlcsrrpl.rrccerilm - lingüística, por exemplo, é cirtcgoria incxistente hoje por-( lu(' s(' I r:rnsformou, na última década, em cogttitiar' scieltce.

'\', rl\l,rr,ur,(l')')5lr) prrr-uuschilmrthslrrcnrtsantidisciplinarcs."()lrrr,,,l, S, lrr';rr'r llrrqlrcst'or.ttinuitnltsprltclcirtsdtcstantcs«>lrrc"l,ttinAnrcricl",.iuntol*r,,,,utr,, ,,,l,rcNlrlritot('ttblt,cntcspccinl.VcrSigaud(1995) paraurnexer.t-tpkrdlrccepçlo,1,

", lr,1,, r I 1rr1,,111 , rr,r llrrrsil.