a cidade vivida nos espaços de arte pela perspectiva da leveza

30
Dossiê Espaço Urbano e Imaginação Cultural https://revistaecopos.eco.ufrj.br/ ISSN 2175-8689 – v. 22, n. 3, 2019 DOI: 10.29146/eco-pos.v22i3.27417 189 A cidade vivida nos espaços de arte pela perspectiva da leveza The city lived in art spaces from the perspective of lightness Paulo Celso Silva Professor do PPG Comunicacão e Cultura da Uniso Cássia Pérez da Silva Mestranda pelo Programa de Pós-Graduação Interunidades em Estética e História da Arte (PGEHA) da Universidade de São Paulo (USP) Artigo submetido em 30 de junho de 2019 Artigo aceito em 25 de novembro de 2019 RESUMO Neste artigo, para tratar das relações urbanas, recorremos às obras de land art da artista Agnes Denes, cuja estética remete a um engajamento sociopolítico. Foram escolhidos, para análise, três de seus trabalhos, apresentados em Nova York: Rice/Tree/Burial; Wheatfield - A Confrontation;e A forest for New York - A peace park for mind and soul. Ao intervir no cotidiano da cidade, a artista permite ao transeunte refletir sobre os territórios em que o viver acontece. Ele pode buscar em um campo de trigo a leveza que o homem contemporâneo experimenta em aparatos tecnológicos de comunicação (os quais, inclusive, carrega consigo para registrar momentos fugidios na e da cidade). Em relação ao conceito de leveza, recorremos ao filósofo francês Gilles Lipovetsky, para quem, na contemporaneidade, a leveza escorre da ordem do imaginário para a do real por meio de um processo de miniaturização. Contrariando essa perspectiva, Agnes Denes ocupa grandes pedaços dos espaços de reserva do capital para trazer à tona a leveza. Este artigo pensa, ainda, o cotidiano e a necessidade de superá-lo do ponto de vista de Heller, Amorim Soares e Santos. PALAVRAS-CHAVE: Cidade; Arte; Agnes Denes; Comunicação.

Upload: others

Post on 26-Feb-2022

3 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: A cidade vivida nos espaços de arte pela perspectiva da leveza

DossiêEspaçoUrbanoeImaginaçãoCultural–https://revistaecopos.eco.ufrj.br/ISSN2175-8689–v.22,n.3,2019

DOI:10.29146/eco-pos.v22i3.27417

189

Acidadevividanosespaçosdeartepelaperspectivadaleveza

Thecitylivedinartspacesfromtheperspectiveoflightness

PauloCelsoSilvaProfessordoPPGComunicacãoeCulturadaUniso

CássiaPérezdaSilvaMestrandapeloProgramadePós-GraduaçãoInterunidadesemEstéticaeHistóriadaArte(PGEHA)daUniversidadedeSãoPaulo(USP)

Artigosubmetidoem30dejunhode2019Artigoaceitoem25denovembrode2019

RESUMONesteartigo,paratratardasrelaçõesurbanas,recorremosàsobrasdelandartdaartistaAgnesDenes, cujaestéticaremeteaumengajamentosociopolítico.Foramescolhidos, para análise, três de seus trabalhos, apresentados em Nova York:Rice/Tree/Burial;Wheatfield - A Confrontation; eA forest forNewYork - A peacepark for mind and soul. Ao intervir no cotidiano da cidade, a artista permite aotranseunte refletir sobreos territóriosemqueoviveracontece.Elepodebuscarem um campo de trigo a leveza que o homem contemporâneo experimenta emaparatos tecnológicos de comunicação (os quais, inclusive, carrega consigo pararegistrarmomentos fugidios na e da cidade). Em relação ao conceito de leveza,recorremos ao filósofo francês Gilles Lipovetsky, para quem, nacontemporaneidade,a levezaescorredaordemdo imaginárioparaadorealpormeio de um processo de miniaturização. Contrariando essa perspectiva, AgnesDenesocupagrandespedaçosdosespaçosdereservadocapitalparatrazeràtonaa leveza. Este artigo pensa, ainda, o cotidiano e a necessidade de superá-lo dopontodevistadeHeller,AmorimSoareseSantos.PALAVRAS-CHAVE:Cidade;Arte;AgnesDenes;Comunicação.

Page 2: A cidade vivida nos espaços de arte pela perspectiva da leveza

DossiêEspaçoUrbanoeImaginaçãoCultural–https://revistaecopos.eco.ufrj.br/ISSN2175-8689–v.22,n.3,2019

DOI:10.29146/eco-pos.v22i3.27417

190

ABSTRACTInthisarticle,todiscussurbanrelations,weanalyzeworksoflandartbytheartistAgnes Denes, whose aesthetics refer to a socio-political engagement. Threeinterventionswerechosenforthatpurpose,alloftheminNewYork:Rice/Tree/Burial;Wheatfield -AConfrontation;andA forest forNewYork -Apeacepark formind and soul. By intervening in the daily life of the city, the artist allows thepasserbytoreflectontheterritoriesinwhichlivinghappens.Itcanseekinawheatfield the lightness that contemporary people experience in technologicalcommunicationdevices(whichtheycanevencarrytorecordfleetingmomentsinand of the city). For the concept of lightness, we use the approach of FrenchphilosopherGillesLipovetsky, forwhoma lightnessnowflows fromtheorderofthe imaginary to the order of the real through a process of miniaturization.Contrary to this expectation, Agnes Denes occupies acres of spaces of capitalreserve to bring out lightness. The article also thinks about daily life and thenecessitytoovercomeitfromtheperspectiveofHeller,AmorimSoaresandSantos.KEYWORDS:City;Art;AgnesDenes;Communication.

Eu encontrei a terra das fadas bem aqui aomeu lado.Quando eu morava em South Jersey, não havia tempoparaodevaneio,eavidaeramaissimples.Vocênãoeraincomodado,vocênãotinhapessoastentandoteprenderou coisas doidas assim… Mas isso era tudo que havia.Nãohaviachancedeextensão,nãohaviachancedeserdestruído ou de realmente ser criado lá… Era apenasviver.E issoéokparaalgumaspessoas,maseusempresenti algo diferente semovimentando emmim, e é porisso que eu vim para cá. Porque eu sabia que haviacoisasdentrodemimquepoderiamflorescer.Talvezeumearruinasse.Talvezeumesentissepéssima.Maspelomenos isso sairia demim. Se não, não havia como issochegar à superfície. Nova York foi o que me seduziu.NovaYorkfoioquemeformou.NovaYorkfoioquemedeformou.NovaYorkfoioquemeperverteu.NovaYorkfoioquemeconverteu.ENovaYorkéoqueeuamo.EssaéminhapequenaoraçãoporNovaYork.

PattiSmith,1969.

Page 3: A cidade vivida nos espaços de arte pela perspectiva da leveza

DossiêEspaçoUrbanoeImaginaçãoCultural–https://revistaecopos.eco.ufrj.br/ISSN2175-8689–v.22,n.3,2019

DOI:10.29146/eco-pos.v22i3.27417

191

Introdução

Parece acertado reconhecerque amaterialidadedas cidades está ligada a

momentosemqueoimaginárioéfatorpreponderante.Estenãoagesolitário,mas

estimuladoporimagensediscursosveiculadosemváriossuportes,fixosemóveis.

Carregandoum smartphone, podemosproduzir fotos e vídeosdosprocessosnos

quais estamos inseridos naquele momento e distribuí-los para outros usuários

destaoudequaisquercidades,porexemplo.

Asmarcas deixadas pelo pesado concreto com que pontes e edifícios são

construídos tornam-se levesquandodistribuídasnosmilharesdepontosdeuma

tela. Esses pontos podem mesmo ser considerados um discurso da cidade,

construído, desconstruído e reconstruído como materialidade imediata e

arquivável, para ser apagada, retomada, acreditada com o status de “verdade”,

graçasaoregistroerastrodeixadosporeles.

Assim, pode-se dizer que uma dasmarcas da cultura contemporânea é a

leveza,eumaoutra,relacionadaaela,éaminiaturizaçãodosprodutoseserviços,a

qualpermitecarregá-lospelosespaços.

Alevezadosfenômenoscomunicacionaiscontemporâneosemqueestamos

imersosepelosquaissomosmoldadosseestendetambémparaoutrossetoresdo

vivido e do imaginado. Entretanto, na imensidão dos possíveis, também se

relacionaàproduçãoderesíduoseaodescartedelixo.

Combase nessas experiências de produção e consumo na cidade, artistas

vêmutilizandoos territóriosvividosparanãosóproporalternativasaodescarte

de produtos,mas, a partir de ações e reflexões, propor amudança de hábitos e

ideias que atinjam o meio ambiente. Espécie de micro-utopia na qual o apelo

estético e o ativismo social transformam o território imediatamente próximo,

familiar a um grupo ou a umamaioria da população, que sente a suspensão do

Page 4: A cidade vivida nos espaços de arte pela perspectiva da leveza

DossiêEspaçoUrbanoeImaginaçãoCultural–https://revistaecopos.eco.ufrj.br/ISSN2175-8689–v.22,n.3,2019

DOI:10.29146/eco-pos.v22i3.27417

192

cotidiano. Por isso, nesses casos, a escala é da ordemdomicro: não pode e não

quertransformartodosossegmentosdosocial.Nessesentido,atotalidadeganha

nova dimensão e distancia-se dos discursos ou utopias coletivas. Como sugere

Lipovetsky(2016,p.11):“Vivemossemgrandesutopiascoletivas.Aúltimautopia

éadosecologistas,emborasejaumtipoparticulardeutopiabaseadanomedo,no

terror.Diz-seotempotodoqueseascoisascontinuaremcomoestãooplanetavai

explodir.Asutopiasclássicasfalavamdeesperança”.

Este artigo pretende abordar a questão da cidade tendo como ponto de

partida o trabalho da artistaAgnesDenes, estabelecida nos EstadosUnidos.Nas

propostasdessaartistacontemporânea,podemosverificarcomoaleveza,aplicada

àculturadascidades,podelevar-nosparaoutradimensãodacríticaedaprodução

deespaçosurbanosreflexivos.

Avidacotidianaesuasuspensão

Aindaquea totalidade, segundoLipovetsky (2016), sedistanciedautopia

coletivanacontemporaneidade,avidacotidianamigraparaocentrodaprodução

midiática e é explorada e veiculada à exaustão, podendo mesmo “viralizar” nas

redes sociais. Em consequência, ela pode ganhar destaque nos meios de

comunicação tradicionais, mesmo que não simultaneamente ao acontecimento,

comoaconteceucomafotoomeninosírioAlanKurdi,mortotentandoatravessaro

MarMediterrâneo,quecomoveuasredessociaiseveículosdemídiatrêsanosapós

oacontecido.

Contudo, nas mídias, essa relação dialética entre totalidade(s) e

fragmento(s)nãoénova.Pode-seconsiderarum jornaldiáriocomoumacoleção

de retalhos, flashes e/ou fragmentos do cotidiano, com poucas matérias e fatos

sendo oferecidos ao leitor até o seu desfecho final (talvez as novelas publicadas

nos diários chegassem a esse ponto de totalidade, mas, ainda assim, estavam

fragmentadasnaspáginasimpressas).Comocontraponto,oleitorparticipadavida

Page 5: A cidade vivida nos espaços de arte pela perspectiva da leveza

DossiêEspaçoUrbanoeImaginaçãoCultural–https://revistaecopos.eco.ufrj.br/ISSN2175-8689–v.22,n.3,2019

DOI:10.29146/eco-pos.v22i3.27417

193

cotidianacomo“homeminteiro,ouseja,ohomemparticipadavidacotidianacom

todososaspectosdesua individualidade,desuapersonalidade” (Heller,2000,p.

17) para validar ações e fatos pela sua funcionalidade. Eis a característica do

cotidiano:seéútil,éverdadeiro.

Nessadimensãopragmática,ultrapassarousairdacondiçãoimediatadeixa

desercotidianoepassaaconstituirumestadodesuspensão,eosergenérico,que

participadogênerohumano,vive,potencialmente,umaexperienciação,aqual

é sentida ao invés de pensada, sabida ou verbalizada. Experienciaçãoocorrenopresenteimediato.Nãosetratadeatributosgeneralizadosdeuma pessoa como traços, complexos ou disposições. Em lugar disso, aExperienciaçãoéoqueumapessoasenteaquieagora,nestemomento.Experienciaçãoéumfluxoconstantementemutáveldesentimentosquetornapossívelparaqualquerindivíduosentiralgumacoisaemqualquerdadomomento(GENDLIN,1961,p.233)

Aexperienciaçãoapresenta-secomoumaetapadoprocessodesuspensão

do cotidiano. É como ter um impacto ao mesmo tempo inicial e definitivo dos

fluxos dialéticos de objetivação/subjetivação gerados pelo efeito estético. Para

Agnes Heller (2000, p. 26), “as formas de elevação acima da vida cotidiana que

produzemobjetivaçõesduradorassãoaarteeaciência”.Elacitaaindaotrabalho

eamoralcomoduasoutrasformasdesuspenderocotidiano;destas,porém,não

trataremosaqui.

Éimportanteressaltaratemporalidadeeaespacialidadedasobrasdearte

edos/dasartistase,ainda,ofatodeeles/elasestareminseridosemumcotidiano,

poiséexatamenteessecotidianoquepermiteoenfrentamentodeproblemasque

culminamnas obras propostas. O “artista [...] tem sua particularidade individual

enquanto [mulheres e] homens na cotidianidade; essa particularidade pode se

manter em suspenso durante a produção artística [...],mas intervém na própria

objetivação através de determinadasmediações” (Heller, 2000, p. 27), ou seja, a

atividadecriadoraocorreemprocessomarcadopelohistóricoeosocial.

Nesse percurso de experienciação, “compreender o contexto em que o

sujeito se insere, assim como sua história de vida e a história da atividade, é

Page 6: A cidade vivida nos espaços de arte pela perspectiva da leveza

DossiêEspaçoUrbanoeImaginaçãoCultural–https://revistaecopos.eco.ufrj.br/ISSN2175-8689–v.22,n.3,2019

DOI:10.29146/eco-pos.v22i3.27417

194

fundamentalparaacompreensãodassignificaçõesdequeseapropriouosujeitoe

dasnecessidadesqueomovemacriar”(Zanellaetal.,2000,p.540).Issoporque,

no extremo da suspensão do cotidiano, ter-se-á atingido a homogeneização, que

“significa, por um lado, que concentramos toda nossa atenção sobre uma única

questão e ‘suspenderemos’ qualquer atividade durante a execução da anterior

tarefa; e, por outro lado, que empregamos nossa individualidade humana na

resoluçãodessatarefa”(Heller,2000,p.27).

A autora vai ressaltar, entretanto, que essa “suspensão radical” não

acontece para todas as pessoas, sendo algo excepcional para amaioria, uma vez

que o caminho da homogeneização para o humano genérico – “produto e

expressão de suas relações sociais, herdeiro e preservador do desenvolvimento

humano” (Heller, 2000, p. 21) – não é uma prática comum. Artistas, cientistas,

moralistasetrabalhadoresnãoalienadosseriamosmaisindicadosaexperienciar

essa“suspensãoradical”.

AsobrasdeAgnesDenes,comintervençõesnocotidianodacidadedeNova

York, podem representar um momento de suspensão. Faz-se necessário, nesse

caso,adescrição,paralocalizaroleitoremseusprocessossocioespaciais.

AgnesDenesnocampodetrigourbano

Nascida emBudapeste emmaio de 1938, AgnesDenes é conhecida como

uma das principais artistas conceituais contemporâneas, com trabalhos que

envolvemvárioscamposcientíficos,comofilosofia,geografia,históriaeliteratura,

e nos quais a estética remete a um engajamento sociopolítico. Seu primeiro

trabalho de land art em grande escala e compreocupações ecológicas foiRice /

Tree/Burial,realizadoem1968,emSullivanCounty,NovaYork.Compunha-sede

três elementos interligados: um campo de arroz, árvores acorrentadas e uma

cápsula do tempo para ser aberta em 2979, contendo umhaiku, poema japonês

Page 7: A cidade vivida nos espaços de arte pela perspectiva da leveza

DossiêEspaçoUrbanoeImaginaçãoCultural–https://revistaecopos.eco.ufrj.br/ISSN2175-8689–v.22,n.3,2019

DOI:10.29146/eco-pos.v22i3.27417

195

cujaelaboraçãosegueformaserituaisespecíficos,commétricasexatas(ocorteé,

aqui,aessênciadopoema,umavezque“haiku”querdizer“corte”).

Como a própria artista definiu sua obra: “Foi um ‘evento’ simbólico e

anuncioumeu compromisso com questões ambientais e preocupações humanas.

Foi tambémoprimeiroexercícioemeco-logic–umatoemeco-filosofia [...].Este

trabalho é considerado a primeira realização ecológica na arte pública”1 (Denes,

1968).

Nasimagensabaixo,vemosoprocessodeproduçãodaobra,oqualaautora

também qualificou como filosofia visual que desafia o status quo: “um processo

complexo que explora as essências como formas de comunicação. Encontra

métodos para colocar proposições analíticas em forma visual, define processos

ilusóriosecriaanalogiasentrecamposdivergenteseprocessosdepensamento”2

(Denes,1968).Considerandoqueaartistaseutilizadalandartcomosuportepara

a composição da obra, o efêmero faz-se necessário para a contemplação e

participaçãonaobraenosconceitospropostosporela.Essacaracterísticadaland

artpermitequeoespectadorobtenhasuaexperiênciaapartirdosmaisdiversos

meios, inserindo-setantonoprocessodecriaçãoquantonoresultadofinal,enão

se limitando a uma participação física no interior da obra. Segundo Cauquelin

(2005, p. 141) “os trabalhos de land art fazem do espectador não mais um

observador-autor (...) mas uma testemunha de quem se exige a crença”; o

espectador, então, participa como testemunha conceitual da obra e usufrui

esteticamentedopoderenvolver-seemtodasasetapasdela.

1Nooriginal:“Itwasasymbolic‘event’andannouncedmycommitmenttoenvironmentalissuesandhumanconcerns.ItwasalsothefirstexerciseinEco-Logic–anactineco-philosophy.Icoinedthewordstobeused2Nooriginal:“acomplexprocesswhichexploresessencesasformsofcommunication.Itfindsmethodstoputanalytical propositions into visual form, defines elusive processes and creates analogies among divergentfields and thought processes. It challenges the status quo and tests its own validity.” Denes, A. (1968).“Rice/Tree/BurialwithTimeCapsule”.Disponívelem:<http://www.agnesdenesstudio.com/works2.html>.

Page 8: A cidade vivida nos espaços de arte pela perspectiva da leveza

DossiêEspaçoUrbanoeImaginaçãoCultural–https://revistaecopos.eco.ufrj.br/ISSN2175-8689–v.22,n.3,2019

DOI:10.29146/eco-pos.v22i3.27417

196

Figuras1,2,3e4-“Rice/Tree/BurialwithTimeCapsule”.©byAgnesDenes.Disponívelem:<http://www.agnesdenesstudio.com/works2.html>.

Rice/Tree/BurialpreparouAgnesDenesconceitualmenteparaoutraobra

demaiorenvergaduraedestaquenacidadedeNovaYork,em1982:Wheatfield-A

Confrontation:BatteryParkLandfill,DowntownManhattan,aqualo“acadêmicoe

curador Jeffrey Weiss chamou de ‘perpetuamente surpreendente... uma das

grandesobras-primastransgressorasdalandart’”3(ArtForum,2008).

AobraWheatfield-AConfrontationdialogacomacidadedeNewYork,seus

habitantes,valoresecomaproduçãoereproduçãodoespaço.Antesdequalquer

3Nooriginal:“scholarandcuratorJeffreyWeiss,hascalled‘perpetuallyastonishing...oneofLandArt’sgreattransgressivemasterpieces’”(ArtForum,2008).

Page 9: A cidade vivida nos espaços de arte pela perspectiva da leveza

DossiêEspaçoUrbanoeImaginaçãoCultural–https://revistaecopos.eco.ufrj.br/ISSN2175-8689–v.22,n.3,2019

DOI:10.29146/eco-pos.v22i3.27417

197

análisemais detida, apresentamos as imagens feitas a partir da visão/leitura da

própriaautora:

Figura5-VistaaéreadeBatteryParknopreparodocampodetrigo.

Page 10: A cidade vivida nos espaços de arte pela perspectiva da leveza

DossiêEspaçoUrbanoeImaginaçãoCultural–https://revistaecopos.eco.ufrj.br/ISSN2175-8689–v.22,n.3,2019

DOI:10.29146/eco-pos.v22i3.27417

198

Figura6-EntulhoerestosdeconstruçãodoWorldTradeCenter.

Figura7-Voluntáriosantesdoiníciodostrabalhos.

Page 11: A cidade vivida nos espaços de arte pela perspectiva da leveza

DossiêEspaçoUrbanoeImaginaçãoCultural–https://revistaecopos.eco.ufrj.br/ISSN2175-8689–v.22,n.3,2019

DOI:10.29146/eco-pos.v22i3.27417

199

Figura8-Preparandoaterradepoisdaretiradadoentulhoecolocaçãodeterrafértil.

Page 12: A cidade vivida nos espaços de arte pela perspectiva da leveza

DossiêEspaçoUrbanoeImaginaçãoCultural–https://revistaecopos.eco.ufrj.br/ISSN2175-8689–v.22,n.3,2019

DOI:10.29146/eco-pos.v22i3.27417

200

Figura9-Otrigoemcrescimento.

Page 13: A cidade vivida nos espaços de arte pela perspectiva da leveza

DossiêEspaçoUrbanoeImaginaçãoCultural–https://revistaecopos.eco.ufrj.br/ISSN2175-8689–v.22,n.3,2019

DOI:10.29146/eco-pos.v22i3.27417

201

Figura10-OtrigocomoWorldTradeCenteremdestaque.

Figura11-Campodetrigoemprimeiroplano,navioeEstátuadaLiberdadeaofundo.

Page 14: A cidade vivida nos espaços de arte pela perspectiva da leveza

DossiêEspaçoUrbanoeImaginaçãoCultural–https://revistaecopos.eco.ufrj.br/ISSN2175-8689–v.22,n.3,2019

DOI:10.29146/eco-pos.v22i3.27417

202

Figura12-AgnesDenesfotografadanocampodetrigo.Photo:JohnMcGrail.Type-CPrint,16x20",1982.

Page 15: A cidade vivida nos espaços de arte pela perspectiva da leveza

DossiêEspaçoUrbanoeImaginaçãoCultural–https://revistaecopos.eco.ufrj.br/ISSN2175-8689–v.22,n.3,2019

DOI:10.29146/eco-pos.v22i3.27417

203

Figura13-Campodetrigocomestátuadaliberdadeaofundo.

Page 16: A cidade vivida nos espaços de arte pela perspectiva da leveza

DossiêEspaçoUrbanoeImaginaçãoCultural–https://revistaecopos.eco.ufrj.br/ISSN2175-8689–v.22,n.3,2019

DOI:10.29146/eco-pos.v22i3.27417

204

Figura14-CampodetrigocomWorldTradeCenteraofundo.

Figura15-CampodetrigocomWorldTradeCenteraofundo.

Page 17: A cidade vivida nos espaços de arte pela perspectiva da leveza

DossiêEspaçoUrbanoeImaginaçãoCultural–https://revistaecopos.eco.ufrj.br/ISSN2175-8689–v.22,n.3,2019

DOI:10.29146/eco-pos.v22i3.27417

205

Figura16-Colheitadotrigo.

Page 18: A cidade vivida nos espaços de arte pela perspectiva da leveza

DossiêEspaçoUrbanoeImaginaçãoCultural–https://revistaecopos.eco.ufrj.br/ISSN2175-8689–v.22,n.3,2019

DOI:10.29146/eco-pos.v22i3.27417

206

Figura17-Aáreaemseuaspectoatual.BatteryPark,NovaYork.RenatoBonomini(https://www.flickr.com/photos/renatobo)

À épocada intervenção artística urbana,AgnesDenes escreveuumartigo

em que explicava a metodologia e as motivações para executarWheatfield - A

Confrontation,assimcomosuarepercussão:

DoisacresdetrigoplantadosecolhidospelaartistanoaterroBatteryPark,

Manhattan,verãode1982.

Apósmeses de preparativos, emmaio de 1982, um campo de trigo de 2

acres foi plantado em um aterro sanitário na parte baixa deManhattan, a duas

quadrasdeWallStreetedoWorldTradeCenter,emfrenteàEstátuadaLiberdade.

Duzentoscaminhõesdeterraforamtrazidose285sulcosforamcavadosàmãoe

limposdepedraselixo.Assementesforamsemeadasàmãoeossulcoscobertos

deterra.Ocampofoimantidoporquatromeses,limpodefenodetrigo,capinado,

fertilizado e pulverizado contra fungos demíldio, e um sistema de irrigação foi

instalado.Acolheitafoirealizadaem16deagostoerendeumaisde1000librasde

trigodouradosaudável.

Oplantioeacolheitadeumcampode trigoemterrasnovalordeUS$4,5

bilhões criaram um poderoso paradoxo. O campo de trigo era um símbolo, um

conceito universal; representava comida, energia, comércio, comérciomundial e

economia. Referia-se a má gestão, desperdício, fome no mundo e preocupações

ecológicas. Chamou a atenção para nossas prioridades mal colocadas. O grão

colhido viajou para vinte e oito cidades ao redor do mundo em uma exposição

chamada“OSalãoInternacionaldeArteparaoFimdaFomeMundial”,organizado

pelo Museu de Arte de Minnesota (1987-90). As sementes foram levadas por

pessoasqueasplantaramemmuitaspartesdoglobo.

O questionário era composto por questões existenciais sobre os valores

humanos, a qualidade de vida e o futuro da humanidade. As respostas foram

Page 19: A cidade vivida nos espaços de arte pela perspectiva da leveza

DossiêEspaçoUrbanoeImaginaçãoCultural–https://revistaecopos.eco.ufrj.br/ISSN2175-8689–v.22,n.3,2019

DOI:10.29146/eco-pos.v22i3.27417

207

principalmente de estudantes universitários em vários países onde eu falava ou

tinha exposições do meu trabalho. Dentro do contexto da cápsula do tempo, o

questionáriofuncionavacomoumsistemaabertodecomunicação,permitindoque

nossosdescendentesnosavaliassemnãotantopelosobjetosquecriamos–comoé

habitual nas cápsulas do tempo –, mas pelas perguntas que fazemos e como

respondemosaelas.

Omicrofilme foi dissecado e colocado em uma cápsula de aço dentro de

umapesadacaixadechumboemnovepésdeconcreto.Umaplacamarcao local:

nabordadaflorestaindígena,cercadaporarbustosdeamora.Acápsuladotempo

deveserabertaem2979,noséculoXXX,amilanosdaépocadoenterro.

Existem, ainda dentro do quadro deste projeto, várias cápsulas do tempo

planejadasnaTerraenoespaço,destinadasaváriosprazosnofuturo.

Postscript: O texto acima, que foi escrito em 1982, ganha agora pungência e

relevânciaapós11/09/2001.

(Denes,1982)

ONew York Times, em 2 de agosto de 1982, repercutiu em suas páginas

Wheatfield-AConfrontation,destacandoavisãosurrealdocampodetrigoquando

avistadopelosusuáriosdosbarcos:

Ondasurbanasdegrão

DoisacresdetrigodaDakotadoNorteficaramâmbar,ondulandonabrisa

do mar no aterro de Battery Park City, perto das torres de Wall Street, do

DowntownAthleticClubedoWorldTradeCenter.Olharatravésdestecampode

trigoéveraEstátuadaLiberdade,Ellis Islandeo tráfegodebarcoscomonuma

ilusãosurreal.

Page 20: A cidade vivida nos espaços de arte pela perspectiva da leveza

DossiêEspaçoUrbanoeImaginaçãoCultural–https://revistaecopos.eco.ufrj.br/ISSN2175-8689–v.22,n.3,2019

DOI:10.29146/eco-pos.v22i3.27417

208

“Caramba!”,exclamouumamulher,parandoontemenquantoseugrupose

dirigiaparaasbalsasdaexcursão.Masaanomaliapassadespercebidapormuitos,

quedificilmenteparamparadarumaolhada.

AgnesDenes,umaartistadoSoHo,plantouseisalqueiresdetrigo,emmaio,

comaajudadeumtratorealgunsvoluntários,incluindooPublicArtFund.Aideia,

disseela,era fazer“umaintromissãodocamponametrópole,osetor imobiliário

maisricodomundo”.

Catando “lixo,pneuse sobretudosvelhos”do lixão, segundaaartista, eles

adicionaramterraecavaram285sulcosparacriarumoásisde“existênciasimples

e natural, sem estresse”. Removendo ervas daninha e regando enquanto

trabalhadoresdeescritórioobservavamdasjanelasou“faziamvisitasnahorado

almoçoemtrajesdetrêspeças”,oscultivadoresapreciaram“osinsetos,delouva-

a-deusapirilampos,doprópriocampo”,disseDenes.

Maso trigourbanoestá,de fato, sob tamanho “estresse”que teráque ser

colhido um mês antes, de acordo com John Ameroso, o agente de extensão do

condadodeKingsqueéoconsultoragrícoladeDenes.

“Ele pegou fungo cedo demais, e eu odeio vê-lo partir”, disse ela,

preparando-separaumacelebraçãopré-colheitaem11deagosto.“Estouaquisete

diasporsemana-éomeuloftagora.”

(Haberman&Johnston,1982)

Aapanhadoranocampodetrigourbano

O vento na Upper New York Bay balança um campo dourado de trigo. O

local é um dosmais valorizados pelomercado imobiliário internacional e a cor

douradatrazumasimbologiadaostentaçãodesereestaremNovaYork,enãosó

emNovaYork,masnosterritóriosfinanceirosdeNovaYork.

Page 21: A cidade vivida nos espaços de arte pela perspectiva da leveza

DossiêEspaçoUrbanoeImaginaçãoCultural–https://revistaecopos.eco.ufrj.br/ISSN2175-8689–v.22,n.3,2019

DOI:10.29146/eco-pos.v22i3.27417

209

Oterrenolimpodepedras,sobretudoserestosdecidadeserveparaarare

semearoutrasmaneirasdeverocotidiano,novas formasdo fazernão-cotidiano,

quenosrelembraMartinsquandoesteafirmavao“modocapitalistadepensar”:

Enquanto modo de produção de ideias, marca tanto o senso comum quanto oconhecimento científico.Define aproduçãodasdiferentesmodalidadesde ideiasnecessáriasàproduçãodemercadoriasnascondiçõesdeexploraçãocapitalista,dacoisificação das relações sociais e da desumanização do homem. Não se refereestritamenteaomodocomopensaocapitalista,masaomododepensarnecessárioàreproduçãocapitalista(1978,p.11).

Assim,énocotidianoqueasatençõessãocentradasnaproduçãocapitalista

dosbensdeconsumoe,portanto,emumpensar-agir-reproduzirbaseadonomodo

capitalista de existência. Vê-se por que o editorialista do New York Times

prontamentechamaaatençãodeseusleitoresparaa“ilusãosurreal”docampode

trigonewyorker,quefazatranseunteexclamar:“Caramba!”

A representação fotográficamais consumida e famosadeAgnesDenes foi

registradaporJohnMcGrail,masaartistanãoaaprovou:“Eufizamaiorparteda

fotografia, a propósito, para Wheatfield (...) Eu estou em uma delas; foi um

fotógrafodaLifequeveio.Eledisse:‘Segureobastãoemsuamão’.Eudisse:‘Issoé

ridículo’.Eledisse:‘Apenassegure-o(…)Sim,essaéaúnica[fotoqueapareceem

todos os veículos].’”4. (Pollack, 2015, p. 44). Esse registro é constantemente

reproduzido comoum íconepara ser consumado/consumido em sites e revistas

pelomundo.

A proposta de Agnes Denes era refletir a respeito de uma “existência

simples e natural, sem estresse” na/da cidade; uma leveza que dialogasse

dialeticamente com a leveza indicada por Lipovestsky (2016), a qual, pelo

contrário, traz mal-estar e ansiedade por sua imediatez. Dessa forma, as

4Nooriginal:“DENES:Ididmostofthephotographymyself,bytheway,forWheatfield.POLLACK:Well,you’reinoneofthem.DENES: I’m inoneof them; thatwasaLifephotographerwhocame.Hesaid, ‘Hold thestaff inyourhand.’ Isaid,‘That’sridiculous.’Hesaid,‘Justholdit.’POLLACK:Andthat’stheonethatgetsprintedeverywhere.DENES:Yeah,that’stheonlyone.”

Page 22: A cidade vivida nos espaços de arte pela perspectiva da leveza

DossiêEspaçoUrbanoeImaginaçãoCultural–https://revistaecopos.eco.ufrj.br/ISSN2175-8689–v.22,n.3,2019

DOI:10.29146/eco-pos.v22i3.27417

210

possibilidades são reabertas por Denes, uma vez que “a transformação do

cotidiano vem pelo indivíduo que pode alargar fissuras, passar pelos vãos,

encontrarintervalos”(Soares,2001,p.132).

As fissurasabertasdiariamenteaoconsumireserconsumidopelacidade,

seja pela mistura química de oxigênio, nitrogênio, gás carbônico, gases nobres

inaladosemtrajetosdemarcadosporindicaçõesnuméricasdasruaseedificações;

seja pelos caminhos percorridos graças aos mapas mentais configurados pela

existência nos territórios permitidos pelas experiências vividas e imaginadas. “O

domíniodarealidadechegaatravésdovigorestruturanteentreoconhecereoagir

(teoria e práxis) canalizado pelo discurso geográfico” (Soares, 2001, p. 146).

Discursos de textos em vários formatos: sintético-ideográficos, analítico-

discursivos,físico-mentais.

AssimcomooadolescenteHoldenCaulfield,5quesevêcomoumguardião,

umsalvador,umapanhadordecriançasquecorremlivrementenograndecampo

decenteio,despreocupadasqueocampoestejalocalizadonabeiradeumabismo,

ocampodetrigodeAgnesDenesnosconvidaalançar-nospelos8093,71m²,livres

paraconsumi-losensorialmente.Eleéanovidadenão-efêmeraacadainstante,um

combateà levezapesadadoconsumismomedianteassensaçõesetecnologiasdo

nossointerior,mudandonossavida(Lipovetsky,2016,p.12).

De-compor,semderrubaroterritóriodomercadofinanceiro,éumexercício

diário para muitos dos moradores de Nova York que passaram pelo campo de

trigo...

Proporção-Nemfloresta,nemcampodetrigo.

5HoldenCaulfieldéoprotagonistaenarradordaobrade1951TheCatcherintheRye(noBrasil,"Oapanhadornocampodecenteio"),deautoriadonorte-americanoJ.D.Salinger.

Page 23: A cidade vivida nos espaços de arte pela perspectiva da leveza

DossiêEspaçoUrbanoeImaginaçãoCultural–https://revistaecopos.eco.ufrj.br/ISSN2175-8689–v.22,n.3,2019

DOI:10.29146/eco-pos.v22i3.27417

211

Figura18-JamaicaBay-NovaYork.GoogleMaps

Figura19-IlustraçãodeumafasedoprojetoAforestforNewYork—apeaceparkformindandsoul

- AProjectfortheEdgemereLandfill,Queens,NewYork2014

Figura20-AforestforNewYork—apeaceparkformindandsoul.

Queens,NovaYork,2014.

Page 24: A cidade vivida nos espaços de arte pela perspectiva da leveza

DossiêEspaçoUrbanoeImaginaçãoCultural–https://revistaecopos.eco.ufrj.br/ISSN2175-8689–v.22,n.3,2019

DOI:10.29146/eco-pos.v22i3.27417

212

Desde 2013, Agnes Denes tem um projeto com um título que pode ser

traduzidocomo“UmaflorestaparaNewYork–umparquedepazparaamenteea

alma”, no qual propõe o plantio de 100.000 árvores com total adaptação ao

ambientedoaterro,assimquetiverpreparadoosoloparareceberassementes.

Até2019,oprojetonãofoipostoemação,apesardesuaaplicabilidadeesua

preocupaçãonãoapenasestética,mascomasaúde,“atravésdosefeitospositivos

deumaflorestapararemoverodióxidodecarbonodoar,purificando-o,limpando

a água subterrânea e criando um ecossistema saudável através de processos

biológicosnaturaisparatodaacidadeeseusarredores”(Denes,2014).

Caso seja efetivado, ele será um local de visitação aberto, contando ainda

com centro de visitantes, café, salas de descanso, um local para celebrações

importantes,exposições, concertos,estacionamentoao longodeseusperímetros.

Maisimportante:pertenceráàspessoasdomundo.Umprodutoleveparaapazna

menteealma.

ANaturezaemseuespaçourbano

Oqueéanatureza?Oinfernodacidadeoudacultura.

Olugarondeoreifoibanido:exatamenteolugar(lieu)dodesterro(ban),Aopédaletra,osubúrbio.

MichelSerres,OContratoNatural.

Ametrópoleéumpatamaravançadodaurbanização,o locusdaprodução

civilizatória, o lugar em que se pode viver com sofisticação. Conforme Santos

(2007),nãoéotamanhoqueadefine,masofatodeoferecera“sofisticação”como

amplapossibilidadeparaseusmoradores.Éa limitaçãodessasofisticaçãoparaa

grande maioria da população o que diferencia metrópoles como Nova York,

LondreseParisdeoutrascomoSãoPauloouCidadedoMéxico(Santos,2007).

Page 25: A cidade vivida nos espaços de arte pela perspectiva da leveza

DossiêEspaçoUrbanoeImaginaçãoCultural–https://revistaecopos.eco.ufrj.br/ISSN2175-8689–v.22,n.3,2019

DOI:10.29146/eco-pos.v22i3.27417

213

O campo de trigo da metrópole quer trazer também a leveza do mundo

comoumvaloroferecidopelaartistaaosmoradoresdacidadeemseucotidiano.

Pode-seconsiderarqueessaofertaéumaformadepensarocotidianodesdeuma

experiência e uma proposta territorial, pelo fato de apresentar um trabalho da

artista,eotrabalhoé“umadassedesdocotidiano”(Santos,2007,p.94).

Háumacontradiçãoentreovalordometroquadradodasáreasdacidade,o

ícone globalizado doWorld Trade Center ou das ilhas, e a leveza conceitual da

plantação urbana de trigo, em diálogo com a apropriação do solo pelo capital

financeiro,especialmentenocasodeBatteryPark.

Nocentrodadiscussãoentreoartísticoe financeiroglobalizado,pensara

emoção como comunicação coloca o artista mais perto do homem comum do

cotidiano,pois “ograndeartistaé livreesabeque, senãoháemoção,elenãose

aproximadaverdade[...]Oexistircomocondiçãoparaveromundo.Eissoinclui,

emprimeirolugar,aemoção.Porquearazãoreduzaforçadedescobrir,porquesó

aemoçãonoslevaaseroriginais”(Santos,2002,p.62-4).

Aemoçãoaliadaàleveza,ealiadatambémàrazão,podeserpensadacomo

“emoraçãoleve”,paraaproveitaraindaasugestãodeSantos,paraquema“noção

deemoraçãoencontraseufundamentonessastrocassimbólicasqueunememoção

erazão”(Santos,1996,p.256).

Assim,emnossocotidianotecnologizado,alevezadosaparatosportáteis–

ou, aomenos,partedeles–, se encontra coma levezadeumcampode trigo,no

lugarondeanteriormente estavampesados escombrosde concreto, entreoutros

materiaisdescartadospeloscitadinos:éoencontrodatecnosferacomapsicosfera.

Para Santos (1996, 2007), essas duas instâncias de análise estão

interligadas.Atecnosferavistacomoaartificializaçãodomeioambientepelaação

dotrabalhosobreotrabalhoeo“espaçogeográfico[…][que]servedebaseauma

vidaeconômicaesocialcrescentementeintelectualizada,graçasàcomplexidadeda

produçãoeaopapelquenelaexercemosserviçoseainformação”(Santos,1996,p.

204).Mas,aomesmotempoemqueessainstânciasevêdependentedaciênciae

Page 26: A cidade vivida nos espaços de arte pela perspectiva da leveza

DossiêEspaçoUrbanoeImaginaçãoCultural–https://revistaecopos.eco.ufrj.br/ISSN2175-8689–v.22,n.3,2019

DOI:10.29146/eco-pos.v22i3.27417

214

da técnica, cria-se a psicosfera, que resulta das crenças, desejos e hábitos que

inspiramecompõemumafilosofiaesuaspráticas.“Apsicosferaéesseconjuntode

crençaseideias,essaesferadamente,muitomaisfácildeserartificializadatalvez

que o território porque, através do consumo e damídia, eu a altero commuita

rapidezegrandebrutalidade”(Santos,2007,p.94).Eessacargadeinformaçãono

território–redessemfio,InternetdasCoisas,rádio,TV–participamdocotidiano

renovado,baseadonospapéisdaciência,tecnologiaeinformação.

Em sintonia com as propostas indicadas, Lipovetsky vai afirmar que “nos

governaumaculturacotidianadaleveza‘dosmeios’,poisouniversodoconsumo

nãocessadeexaltarsistemasdereferênciahedonistaselúdicos”(2016,p.10).

Contudo, faz-senecessário indicarqueSantosanalisa a sociedadedesdea

perspectiva moderna. Conceitos como pós-moderno, hipermodernidade,

modernidadelíquida,entreoutrasdefiniçõesdomomentovivenciadonosséculos

XX e XXI, não se mostravam relevantes para ele. Isso porque sua proposta de

trabalho se colocava em favor da empirização, da busca de coerência na

caracterização do momento, considerando que a totalidade se tornou empírica,

permitindoateorização(Santos,2007,p.83).

Pareceapropriadopensara“emoraçãoleve”paracompreenderasrelações

e os arranjos espaciais, expressos nas unidades paisagísticas da cidade de Nova

YorkcomaocupaçãovegetaldeBatteryPark.PelametodologiaexpostaporAgnes

Denes, pode-seperceber suapreocupação tecno-científica. Aomesmo tempo, ela

indicaesugereumdesfrutardacidade,equeBatteryParknãoquerserumcampo,

nãoalmejasetornarumaNovaYorkrural.Almejaacomunicaçãonacidade,pois

ela,acidade,é “o lugar ideal,porqueéo lugarondetodoomundosecomunica”

(Santos,2007,p.113).Eissosedivisaemsuaobra.

Page 27: A cidade vivida nos espaços de arte pela perspectiva da leveza

DossiêEspaçoUrbanoeImaginaçãoCultural–https://revistaecopos.eco.ufrj.br/ISSN2175-8689–v.22,n.3,2019

DOI:10.29146/eco-pos.v22i3.27417

215

Ilação

Este artigo buscou tratar da relação entre a cidade e a arte no espaço,

ressaltando a leveza de um campo de trigo na paisagem urbana, propondo uma

temporalidade diferente na reconstrução dos usos mais comuns da construção

civil,dispostosemgrandesedifíciosesuasviasdeacessoepraças,naicônicaNova

York,cidadeglobalporexcelência.

Amparadobibliograficamenteemfontesinterdisciplinares,oartigocolocou

possibilidadesdeanálisevisandonãoapenasadescriçãodaobradeAgnesDenes,

masuma tentativadepensá-ladentrodeumcontextomaisdenso, envolvendoa

cidadeeoespaço.

A leveza conceitual do campo de trigo no espaço urbano contradiz

diretamente as propostas capitalistas do uso do solo urbano pelo mercado

financeiroglobal.ColhertrigoemNovaYork,observandooWorldTradeCenter,é

um modo de questionar a hegemonia do capital financeiro na cidade. A

efemeridade do tempo e do espaço dessa ocupação suspende por alguns

momentosocotidianodoscitadinosedosturistas.Otempodeincorporaçãodessa

paisagem no cotidiano, meses depois, é suspenso também durante a colheita,

motivada pelo aparecimento de mofo no trigal. Ao fim, dando continuidade ao

diálogoentreaobraeosmovimentosdocapital financeiro,aocupaçãoterminou

coma construçãode áreas residenciais, parques, cais e centros culturais em seu

lugar, assumindo o papel corriqueiro da urbanização com base no valor

imobiliário. Nada diferente do que o que a própria artista imaginava que

aconteceria.

Jáaflorestapensadaerepensadaemseusprojetosaindanãoconseguiuser

efetivada.Entretanto,emabrilde2019,na impossibilidadedeparticipardeuma

conferênciaparaaqualforaconvidadapelaHarvardUniversityGraduateSchoolof

Design, Denes enviou ummanifesto escrito e uma obra plástica com indicações

parasuavida-obra.Entreasafirmaçõesfeitasporela,destaca-se:

Page 28: A cidade vivida nos espaços de arte pela perspectiva da leveza

DossiêEspaçoUrbanoeImaginaçãoCultural–https://revistaecopos.eco.ufrj.br/ISSN2175-8689–v.22,n.3,2019

DOI:10.29146/eco-pos.v22i3.27417

216

Quando comeceiminha jornada, quismudaromundo, reavaliar todooconhecimento e colocá-lo em forma visual para melhor compreensão.Quandotrabalhei,percebiqueminhatarefaeraumpoucomaiscomplexadoqueoquepoderiaseralcançadoporumaúnicamentesemajudaoufundos.Issonãomeabalounemumpouco,eeucontinueiestabelecendoe atingindo metas. Querer mudar o mundo se transformou em umaproduçãoartísticaúnicadeumavidainteiradecriaçãoevisualizaçãodeprocessosinvisíveis,comomatemática, lógica,processosderaciocínioeassimpordiante.Este processo de reavaliação e visualização tornou-se um processo deoferecer à humanidade soluções benignas para alguns de seusproblemas,eenvolveuumainfinidadededisciplinas.Então, agora, pergunte a si mesmo: onde você está na sua idade dequerermudarascoisas?Quemontanharestasubir,moveroueliminar?Não pretendo contar-lhes verdades ou objetivos últimos, apenas quevocêsdevemprocurá-los.Éessabuscaqueéajornada,eétãopreciosaquantoodestino.Questionartudo.Nãoapenasporquevocêdeveria,masporque você pode aprimorar sua capacidade de fazê-lo. A melhorcriatividadevemdoquestionamentodo statusquo. Suamente será suasalvaçãoemummundoconturbado,enuncahaveráumtempoemquenossomundonãoestejaconturbado.(DENES,2019).

Deoutubrode2019ajaneirode2020aconteceaprimeiraretrospectivada

obra de Agnes Denes em Nova York, intitulada Agnes Denes: Absolutes and

Intermediates.

A leveza de uma obra de arte no espaço urbano contrasta com seu uso

correntenocapitalismo,principalmenteemumacidadeglobalcomoNovaYork.Ao

possibilitarasuspensãodocotidianoparaoscitadinos,Denesadicionaaosespaços

dacidadenovasdimensõespotenciaiseagenciamentosatéentãonãoimaginados.

Questionartudo:eisoquenosresta.

Referênciasbibliográficas

CAUQUELIN,Anne.ArteContemporânea:Umaintrodução.SãoPaulo:MartinsFontes,2005.

DENES,Agnes.“Rice/Tree/BurialwithTimeCapsule(1968)”.Disponívelem:<http://www.agnesdenesstudio.com/works2.html>.Acessoem:17jul.2019.

Page 29: A cidade vivida nos espaços de arte pela perspectiva da leveza

DossiêEspaçoUrbanoeImaginaçãoCultural–https://revistaecopos.eco.ufrj.br/ISSN2175-8689–v.22,n.3,2019

DOI:10.29146/eco-pos.v22i3.27417

217

______.“TwoacresofwheatplantedandharvestedbytheartistontheBatteryParklandfill,Manhattan,Summer1982”.Disponívelem:<http://www.agnesdenesstudio.com/works7.html>.Acessoem:17jul.2019.

______.“AforestforNewYork–Apeaceparkformindandsoul.APojectfortheEdgemereLandfill,Queens,NewYork,2014”.Disponívelem<http://www.agnesdenesstudio.com/works1.html>.Acessoem:17jul.2019.

______.“PioneeringconceptualartistAgnesDenesaddressesthestudentsoftheHarvardGraduateSchoolofDesign”.Disponívelem:<https://bit.ly/2YqNrE4>.Acessoem:20jul.2019.

GENDLIN,EugeneT.“Experiencing:Avariableintheprocessoftherapeuticchange”.AmericanJournalofPsychotherapy,vol.15,p.233-245.1961.Disponívelem:<https://focusing.org/gendlin/docs/gol-2082>.Acessoem:17jul.2019.

HABERMAN,Clyde.&JOHNSTON,Laurie.“UrbanWavesofGrain”.NewYorkTimes,1982,Aug.2.Disponívelem:<https://nyti.ms/29KeEXQ>.Acessoem:17jul.2019.

HELLER,Agnes.Ocotidianoeahistória.SãoPaulo:PazeTerra,2000.

LIPOVETSKY,G.Daleveza:Rumoaumacivilizaçãosempes.Trad.IdalinaLopes.Barueri:Manole,2016.

MARTINS,JosédeSouza.Sobreomodocapitalistadepensar.SãoPaulo:Hucitec,1982.

POLLACK,Maika.“AgnesDenes”.InterviewMagazine.p.44-45;146-148.2015.Disponívelem<https://www.interviewmagazine.com/art/agnes-denes>.Acessoem:17jul.2019.

SANTOS,Milton.AnaturezadoEspaço:Técnicaetempo,razãoeemoção.SãoPaulo:Hucitec,1996.

______.Opaísdistorcido.SãoPaulo:PubliFolha,2002.

______.Encontros.Org.MariaAngelaP.Leite.RiodeJaneiro:BecodoAzougue,2007.

SERRES,Michel.Ocontratonatural.RiodeJaneiro:NovaFronteira,1991.

SMITH,Patti.“onnewyorkcity”(1969).(1min15s).Youtube.2011.Disponívelem:<https://youtu.be/ZpSYIzxtoTs>.Acessoem:17jul.2019.

SOARES,MariaLúciadeAmorim.GirassóisouHeliantos:Maneirascriadorasparaoconhecergeográfico.Sorocaba:Teaser/LINC,2001.

Page 30: A cidade vivida nos espaços de arte pela perspectiva da leveza

DossiêEspaçoUrbanoeImaginaçãoCultural–https://revistaecopos.eco.ufrj.br/ISSN2175-8689–v.22,n.3,2019

DOI:10.29146/eco-pos.v22i3.27417

218

WEISS,Jeffrey.“LandArt”.ArtForumMagazine,47,#1.2008.Disponívelem:<https://www.artforum.com/print/200807/land-art-20912>.Acessoem:17jul.2019.

ZANELLA,AndréaVieira;BALBINOT,Gabriela;PEREIRA,RenataSusan.“Recriara(na)rendadebilro:analisandoanovatramatecida”.Psicologia:ReflexãoeCrítica,3(13),p.539-547.2000.Disponívelem:<http://dx.doi.org/10.1590/S0102-79722000000300021>.Acessoem:17jul.2019.