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Ano 1 n 1 jan-jun/2001 -27GORA FILOSFICAEntfremdung e EntusserungPaulo Meneses*Resumo: este artigo visa situar e distinguir dois termos hegelianos que se encon-tram na Fenomenologia do Esprito. Trata-se, em ambos, de uma exteriorizaona qual o que era apenas interior se faz exterior, mas com resultados opostos. Empoucas palavras, na Entfremdung (alienao), o sujeito se perde e no pode retornarsobresimesmo:sofreumdesessenciamento.Aocontrrio,naEntusserung(extruso) ele se encontra, nela se reconhece e retorna sobre si mesmo, consigoreconciliado e enriquecido com as determinaes do ser. O artigo percorre as dife-rentes passagens em que os termos aparecem, com diversos matizes, conforme adiversidade das figuras. Palavras-chave: Entfremdung (alienao), Entusserung(extruso), Hegelianismo, Fenomenologia do Esprito.ENTFREMDUNG THE ENTUSSERUNGAbstract:thispaperaimstobringforwardanddifferentiatebetweentwoHegelian terms that are present in Phenomenology of Spirit. Both apply to anexteriorization in which something that was interior becomes exterior, but withoppositelogicaloutcomes.Inotherwords,in Entfremdung (alienation),thesubjectsgoesastrayandcannotreturntoitself:itsuffersalossofessence;whilst in Entusserung (extrusion) it finds and recognizes itself in it and returnsuponitself,reconciledwithitselfandenrichedwiththedeterminationsofbeing. The paper discusses different segments of the book, in which the termsappear,indifferentnuances,accordingtothediversityofformsthatSpiritassumes.Key-words:Enfremdung(alienation),Entusserung(extrusion),Hegelianism, Phenomenology of Spirit.EssadicotomiaemHegelemaisespecialmente,naFenomenologia do Esprito, parece ser muito importante, mas,paradoxalmente, deu lugar a muito equvoco. Marx, por exemplo,confunde os dois conceitos, (ou considera que toda EntusserungsempreumaEntfremdung,nuncapodendohavernaexteriorizaoumarealizaodoser,massomenteumesvazia-mento). Hyppolite, por sua vez, troca um termo pelo outro e pare-ce no ver com clareza sua distino.___________________* Prof. da UNICAP, Doutor em Filosofia28 UNIVERSIDADE CATLICA DE PERNAMBUCODEPARTAMENTO DE FILOSOFIAEntfremdung vem de FREMD (alheio); traz a idia de ali-enar, ou de alienar-se, tornar-se estranho a si mesmo. Conota umaperda,umdesessenciamentooutrotermodeHegelquetemcerta afinidade com o primeiro.Entusserung vem de AUSSER (fora) e conota a idia deumavinda-para-fora,umsairdesi,etambmumaobjetivao,um fazer-se ser ou ser-a, ou mesmo, uma coisificao. Mas,htambmusserung(exteriorizao),que,emcertoscontex-tos,pareceteromesmosentidodeEntusserung,comoemFenomenologia do Esprito 10: Die Kraft des Geistes ist nur sogross als seine usserung; seine Tiefe, nur so tiefe als er in seinerAuslegungsichauszubreitenundsichzuverlierengetraut.(Afora do esprito s to grande quanto a sua exteriorizao; suaprofundidade s profunda, na medida em que ousa expandir-se eperder-se no seu desdobramento).Essadicotomiaumjogodeconceitos,prpriodaFenomenologia.NaFilosofiadoDireito,imperaaEntusserung. No contexto jurdico, Entusserung alienao deumbem,deumpatrimnio,que,poresseato,setornaalheioaquem dele se despossuiu, no sendo mais prprioou proprieda-de dele. Segundo Enrique Dussel, o termo foi introduzido no ale-mo por Lutero, ao traduzir a kenose de Filipenses, 2,7. Quandoa Vulgata diz que o Verbo exinanivit (eknosen) a si mesmo, Luteroescreveu entusserte.sich). Dali passou para Hegel, atravs de seusprofessores de teologia de Tbingen. (Dussel, op. cit pg. 262, n.34).Porm,hmais:segundoLabarrire,Hegel,inicialmente,notinhafixadosuaterminologia,comosevnoPrefciodaFenomenologia do Esprito 19 : An sich ist jenes Leben wohl dieungetrbte Gleichheit und Einheit mit sich selbst, der es kein ErnstmitdemAndersseinundderEntfremdungsowiemitdemberwinden dieser Entfremdung ist. (A vida de Deus , em-si,tranqila igualdade e unidade consigo mesma: no lida seriamentecom o ser-Outro e a alienao, nem tampouco com o superar dessaalienao). O autor observa (nota 3, pg. 82):Entfremdung Em sua acepolgica, esse termo conota a impossibilidade deAno 1 n 1 jan-jun/2001 -29GORA FILOSFICAum retorno, a partir de uma exterioridade radicalmente estranha,(fremd). Ao contrrio, a sada de si, que exprime a interioridadecomoexterioridade,exprime-seatravsdotermoextruso(Entusserung).Essadistinoencontra-senaexplicitaodasfiguras fenomenolgicas (ver o estudo de Joseph Gavin, intituladoEntusserung et Entfremdung dans la Phnomnologie de lEspritde Hegel em Archives de Philosophie, oct. dc. 1962, p. 555-571.AntesdepassaranlisedosdoisconceitosnaFenomenologia do Esprito, devemos ter presente, antes de tudo,que Entusserung e Entfremdungse opem como gnero e esp-cie:ou seja, toda alienao um tipo de extruso, que poderia serchamada extruso perversa, enquanto nem toda extruso alie-nao. S que aboa extruso no recebe nome que a especifi-que, denomina-se extruso sem mais; possivelmente, da procedeboapartedaconfusoentreostermos.Aalienaosupeumaextruso, gerada por ela, s que seu resultado, ou objetivao, excessivo: escapa e se perde do sujeito que o produziu. (ver #487at#491).#488Frenteaelesecomportacomosefosseummundoestranho.Oindivduonosereconhecenessasuaexteriorizao-objetivao:toma-acomoumobjetoestranho,emesmo hostil. Dela no h retorno, isto , o indivduo no chega arefazer sua unidade, reconciliar-se com esse objeto numa unidadeverdadeira. Mas a alienao pode alienar-se a si mesma, e medi-ante isso, o todo se recuperar em seu conceito (die Entfremdungwird sich selbst enfremden, und das Ganze durch sie in seine Begriffsich zurcknehmen # 491). Para no entrar em contradio comoutras afirmaes de Hegel, deve-se pr a nfase na palavra con-ceito. s no conceito que se pode recuperar, ou mesmo diria,para ns, filsofos, que vemos a totalidade do processo, e enten-demos sua dialtica; e no no mundo real do esprito alienado desi mesmo.I - EntfremdungH toda uma parte da Fenomenologia, dedicada alienaodoesprito,aqualproduzaculturadoAncienRgime:O30 UNIVERSIDADE CATLICA DE PERNAMBUCODEPARTAMENTO DE FILOSOFIAesprito alienado de si mesmo: a cultura. O mundo produzidopor essa alienao se divide em dois: um o mundo da efetividade,ou o da alienao do esprito; o segundo, o mundo em que o esp-rito, elevando-se sobre o anterior, constri para si no ter da puraconscincia. O reino da efetividade, por sua vez, cinde-se entre opoltico e o econmico. Pela alienao poltica, constitui-se o Es-tado: pelaabdicao total da liberdade dos indivduos em favordeumsoberano,queessepodedizer:Ltat, cest moi.Pelaalienao econmica, o homem pe sua essncia na fruio dasriquezas; e o indivduo s algum, pelas honras e reconhecimen-to que recebe do soberano/Estado, e pela ostentao das riquezasqueofazemreconhecidocomofidalgoegentil-homem.Essemundo, no entanto, o mundo da cultura: por ele, o indivduo saide sua insignificncia individual e acede ao universal: ao refina-mento da bela palavra e da espirituosidade, ao reconhecimento dasociedadequeoacolheeadmira,peloprestgioqueoreilheoutorgaepelosbensquelhedoacessoaoluxoeaumavidabrilhante. Mas ali o indivduo se exala como universal e se perdecomo realizao pessoal: uma existncia de aparncias, um mun-dovirtualoudesimulacro,diramoshoje.Mas,comonotaLabarrire, acima citado, desse mundo de alienao no h retor-no. Ao buscar uma sada, o que se encontra uma alienao daalienao, ou uma alienao segunda potncia. Perde-se nummundo ainda mais vazio, ou seja, opera-se a fuga em direo aovcuo, para escapar ao esmagamento, ou sufoco, do mundo real.Poish,porassimdizer,umaleinessemundodealienao:deque tudo se constitua por cissiparidade, ou em dicotomias. (Issoparece caracterstico do vis esquizofrnico da alienao; enquanto,naextruso,aunidadeserestabelecepelareconciliaoentreosujeitoeoobjeto,oindivduoeseumundo,oconceitoeaefetividade, o interior e o exterior).AdualidadeEstado/riquezarecobriaumadualidademaisfundamental, que oscilava entre os plos do Bem e do Mal, numaalternncia em que cada uma das determinaes ocupava um dosplos.Agora, o esprito alienado da cultura, ao querer escapar deseu mundo, tambm se bifurca, produzindo duas figuras: a do puroAno 1 n 1 jan-jun/2001 -31GORA FILOSFICApensamento e a da f. # 487 Esse mundo, oposto quele aliena-o, por isso mesmo no livre dela, mas antes apenas a outraforma da alienao, que consiste precisamente em ter a conscin-ciaemdoismundosdiversos,equeabarcaaambos.Opuropensamento parece ter inspirado em Marx a alienao filosfi-ca esse pensamento, desvinculado do real (que tem parentescocomasofisticariaeopensamentoraciocinante-dequesefala no Prefcio de Fenomenologia), ao querer escapar domundoda cultura e traduzi-lo em noes, perde-se em si mesmo, e quan-to mais progride, mais se afasta da realidade do mundo. A outraevaso do mundo a F, essa figura que a religio assume nomundodacultura.Oindivduotentaescapardaalienaoean-gstia, que ali o oprimem, fugindo paraum mundo imaginrio: omundo aprazvel da F, rplica invertida do mundo real. O mundoda Ilustrao e o da Fse combatem e anatematizam com ardor,sem se darem conta de quanto se assemelham, por sua origem eobjetivo comuns. O embate histrico da Ilustrao contra a F cheio de equvocos e mal-entendidos, embora, no balano final, aIlustraovenaaF,porqueconseguecontamin-lacomseuracionalismo.H, na Fenomenologia, outras situaes em que o indivduoe o Estado se relacionam, ou mesmo, se opem, mas em que noexistepropriamenteaalienao.Vemos-la,primeiro,naEticidade,quetempormodeloidealacidadegrega.Alinopodehaveralienao,porqueoindivduoestplenamentesubmerso no compacto da substncia: sua vontade, seu projetode vida, tm identidade total com os da comunidade. Quando co-meaodistanciamento,peloespritocrticodatragdiae,maisainda, da comdia, esse mundo entra em processo de desvaneci-mento.J no Estado de Direito, que remete ao imprio romano,o indivduo no interessa por sua peculiaridade pessoal, nem temamnimaparticipaonomundopoltico:apenasumtomointercambivel, s presente como sujeito de direito bem enten-dido, de direito civil, que rege a esfera privada, onde ele se encon-tra encerrado, como num crculo de ferro. Acima de todos, est o32 UNIVERSIDADE CATLICA DE PERNAMBUCODEPARTAMENTO DE FILOSOFIASenhor do mundo, o Imperador que se apoderou da liberdade detodos ea todos oprime com seu arbtrio fora de todatica. aopresso total, produzida pelasforas da devastao, que se vol-tam contra o prprio Senhor do mundo, fazendo dele um monstro,tipo Calgula ou Nero.A dialtica do Senhor e do escravo mais complexa. Nela,humacertaalienaodoescravoquepesuaessncianoSe-nhor,emfavordoqualrenunciaeabdicadesimesmo,anteomedo da morte. Porm a morte no acontece ela que o Senhorabsolutoeporqueavidacontinua,orelacionamentoentreosdois plos Senhor e escravo que fora estabelecido em funoda morte, torna-se ambguo e contraditrio. Na verdade, o Senhoracaba dependente do escravo, para a satisfao de suas necessida-des mais elementares e, de outro lado, o escravo, pelo trabalho, sehumaniza, e alcana um patamar de dignidade humana, acima doseu Senhor. Aqui se encontra uma situao em que parece haveruma superao (berwinden) da alienao - dessa situao da qualLabarrire dizia no haver retorno. Com efeito, o escravo encon-tra uma sada atravs do trabalho. Mas, poder-se-ia talvez obser-var que a situao inicial da alienao j entrara em declnio des-de o comeo, pois era uma reao diante da morte;mas, ao optar-se pela vida, entrou-se numa torrente que deixou a situao trau-mtica original cada vez mais para trs, e possibilitouuma sada,um atalho, ou melhor, uma mediao para esquivar-se da aliena-o inicial.Outra situao de alienao a da conscincia infeliz.Situao complexa, pois h uma alternncia entre as duas cons-cincias em que ela se cinde: uma sempre a outra, conscin-cia ao mesmo tempo duplicada e indivisa. (Fenomenologia # #207e208).Aconscinciainfelizidentifica-secomumdosplos,oploinferioreinessencialdamutabilidade:maspesua essncia no plo superior, no Imutvel. Pode-se ento di-zer que nele se aliena; que um exemplo tpico da alienaoreligiosa.Porm,asituaobemmaiscomplexaqueisso,porque na alta mstica, a alma se torna um com seu Deus; mas,sobretudo,porque o Imutvel se faz figurado e vem ao encon-Ano 1 n 1 jan-jun/2001 -33GORA FILOSFICAtro dela, que, por sua vez, pelo desejo e pelo trabalho, recuperasua essncia.Resta falar do Terror, que encerra essa segunda parte doespritoalienadodesimesmo.Emmuitosaspectos,lembraoEstado de Direito onde havia a ciso entre o Senhor e os tomosdasindividualidades,acisoentreauniversalidadeinflexvelefria de um lado, e a dureza egosta dos tomos conscientes-de-sique no so susceptveis de nenhuma mediao. No se diz queestesindivduossealienemdesimesmos,mas,quehumausurpao,atravsdaviolnciadestruidoraqueoSenhordomundo exerce contra o si de seus sbditos (# 482 , 483); eleuma potncia negativa, cujo Si puro ato de devastar,consci-ncia-de-si descomunal que se sabe como deus efetivo, cujo gozode si mesmo uma orgia colossal. Eleoperou assim, uma de-vastao no resto dos tomos conscientes-de-si, que se tornamum caos de potncias espirituais,que, (# 483) desencadeadascomo essncias elementares em selvagem orgia,se lanam umascontraasoutras,frenticasearrasadoras.Apalavra,aqui,inessencialidade (Unwesenheit), perda de sua essncia (VerlustseinesWesen),paralelaaodesessenciamento(Enwesung)deoutros textos.Nessas trs figuras (Estado de Direito, Senhor e Escravo,Liberdade absoluta e Terror), h acentuadosparalelismos. Com-pare-se, por exemplo, esse naufrgio na necessidade simples dodestino vazio, coma Morte,o Senhor absoluto, na dialtica doSenhordo Escravo, ante o qual todo o ser se dissolvia;e com aMorte,tambm onipresente no Terror - que fecha a Seo Cultu-ra, assim como o Estado de Direito conclua o Mundo tico.Essa presena da Morte ainda acentua que no se trata de aliena-o propriamente dita, em que o sujeito ou o Esprito se aliena desi mesmo, mas de um esvaziamento ou devastao, operada sobreo sujeito por uma potncia mortfera, que lhe arranca a essncia que a liberdade ou mesmo, que ameaa ou elimina suaprpriaexistncia; no caso do Terror, cortando-lhe a cabea como secortauma cabea de couve.34 UNIVERSIDADE CATLICA DE PERNAMBUCODEPARTAMENTO DE FILOSOFIAEm suma: h diversas figuras da alienao, umas bastantecomplexas, como a da conscincia infeliz, com sua instabilidadede plos, em que o inferior, por sua vez, se identifica com o plosuperior,eaalienaodomundodacultura,queseoperaporcissiparidade, e onde se encontra uma alienao da alienao,ou uma alienao segunda potncia. Em todos os casos, a alie-nao no uma realizao do indivduo, mas um esvaziamentodesse, embora produza realidades to brilhantes como no mundodacultura.Porm,ascoisassecomplicamaindamais,quandoentra a mediao alienadora da linguagem, e nessa passagem, aEntusserung e a Entfremdung, (extruso e alienao, como tra-duzimos) se entrelaam e alternam, dificultando a distino dosdois conceitos. Abaixo, apresentamos nossa soluo, caracterizan-doalinguagemcomosendoumaextrusoe,naverdade,aexteriorizao por excelncia do Eu, mas cuja mediao operauma alienao: justamente a alienao constitutiva do mundo dacultura.Esta a caracterizao geral do mundo da cultura (# 488)O ser-a desse mundo, como tambm a efetividade da conscin-cia-de-si, descansa no movimento pelo qual a conscincia-de-siseextrusadesuapersonalidadeeassimproduzoseumundo;frente a ele se comporta como se fosse um mundo estranho, doqual devesse agora apoderar-se.V-sebem,nestetexto,comoaalienaosupeumaextruso, que se torna alienao quando o indivduo nela no sereconhece.Amorte,queaparecenasfigurasacimaestudadas,aquidesignadacomoumtipodeextrusoaextrusoessentedetodo contrria verdadeira extruso, da qual h retorno ao Si, conscincia. Vejamos: O sacrifcio do ser-a, que ocorre no ser-vio,scompletoquandochegaatmorte;masoperigosuperado da prpria morte a que se sobreviveu (ver a dialtica doSenhor e do Escravo) deixa o resduo de um determinado ser-a, ecom isso, de um particularPara-si uma opinio prpria e umaAno 1 n 1 jan-jun/2001 -35GORA FILOSFICAvontade particular. E assim se torna uma conscincia vil, sempredispostarebeliocontraopoderdoEstado.Essacontradiotem de ser suprassumida, no pela extruso do ser-a que a mor-te que no passa de uma extruso essente, qual nem a consci-nciasobrevive,poispassaaoseucontrrionoreconciliado-mas por uma extruso que retorne conscincia.[# 508] Ora,essa alienao somente se d na linguagem: por ela, como movi-mento mediatizante, como meio-termo, resulta em uma aliena-o : pois o poder-do-Estado s passa para a conscincia comohonra, mas no passa efetivamente.Vale observar que, para Hegel,o poder do Estado no , porsi mesmo, uma alienao; antes, aabsoluta Coisa mesma, a obra universal na qual enunciadaaos indivduos sua essncia. Mas o prprio do mundo da cultura que o indivduo no encontra no Estado sua individualidadecomo tal: encontra seu ser-em-si, mas no seu ser-para-si ; oumelhor encontra nele seu agir, mas como agir denegado e sub-metido obedincia. O Poder do Estado para ele a potnciaopressora.Isso acontece tanto na conscincia nobre(# 500), ou seja,noscortesosqueservemeadulamomonarcaabsoluto,noherosmo do servio da pessoa que renuncia posse e ao gozo desi mesma que age e efetiva para o poder vigente,quanto nosoutros, fora desse crculo, que vem na soberania uma algema euma opresso do ser-para-si; por isso, odeiam o soberano, s obe-decem com perfdia, e esto sempre dispostos rebelio. Tam-bm no a riqueza (a esfera ou atividade econmica) que alie-nao, mas a riqueza recebida como um favor, prmio ou outorgado soberano ou benfeitor, que s vale pela ostentao e consumoconspcuo - um gozo efmero em que os nobres e privilegiados seperdem - e que causa revolta na conscincia vil.Comoobservamosacima,essemundodaculturaodacissiparidade. Nesse ponto, a alienao poltica que se acompa-nha da alienao econmica. Aqui, em relao ao mundo econ-mico, os pontos de vista hegelianos so demasiado ideais, ou mes-36 UNIVERSIDADE CATLICA DE PERNAMBUCODEPARTAMENTO DE FILOSOFIAmo ideolgicos.(Parece paradoxo ou ironia, caracterizar a riquezacomo uma essncia cujo esprito ser sacrificado e entregue enos albores do capitalismo, dizer que a riqueza existe como be-nefcio universal, que sua essncia necessria universal consis-te em comunicar-se a todos os singulares, em ser a doadora demil mos # 497). Seu discpulo, Marx,deu uma dimenso in-comparavelmente mais rica ao tema da alienao econmica. Amediao agora a do trabalho,cujo produto se aliena do traba-lhador e vai somar-se ao capital, que o outro plo da relao. Adissociao ainda se acentua no fetichismo da mercadoria, em queo fruto do trabalho passa, por assim dizer, por uma alienao naalienao e nos fluxos monetrios que tomaram, de maneira cres-cente, o lugar dos fluxos reais na economia capitalista.Assim, parece suficientemente caracterizada a Entfremdung(alienao) que, por um lado, constitui um esvaziamento, ou per-da de essncia, em benefcio de um ser-a outro, alheio (fremd),em que o sujeito no se reconhece, e que antes se lhe ope comoalgo adverso. Por outro lado, uma situao donde no h retor-no. Ao contrrio, ao procurar uma sada, pode incidir numa alie-nao da alienao, como numa das figuras do mundo da cultu-ra.Mas,senohretorno,propriamente,nessafigura,elatem,necessariamente, de ser ultrapassada, pois a dialtica no pra ;ser cedo ou tarde suprassumida no processo total do esprito.II EntusserungBemdiversadaEntfremdung,pontoporponto,aEntusserung. Em lugar de um desessenciamento, temos aqui umfazer-seser.Emvezdeumesvaziamento,empobrecimento,te-mos uma fora que faz o que puramente interior, exteriorizar-se,objetivar-se. E sobretudo, nessa objetivao, o sujeito se reconhe-ce e retorna para si mesmo, conhecendo-se melhor do que antes seconhecia, num enriquecimento, tanto no plano do conhecimento,quanto no da realidade.recorrente,emHegel,caracterizaraEntusserungpelafora que implica. Por isso, traduzimo-la por extruso, apesarAno 1 n 1 jan-jun/2001 -37GORA FILOSFICAde serpalavrainslita, a no ser no vocabulrio da metalurgia ouda geologia. Mas o uso metafrico no sempre uma metbasiseis allo gnos? No encontramos em nosso idioma, outro voc-bulo que transmitisse essa noo de uma exteriorizao feita comfora. (Alis, exteriorizao j corresponde a usserung, e se ne-cessitava de outra palavra para Entusserung). Criticaram severa-mente a audcia de introduzir esse termo, como tambm outros,usados em nossatraduo da Fenomenologia, mas sem conven-cerem, porque no apresentaram sugesto melhor.Citamos trs textos, que nos pareceram emblemticos, emnosso Roteiro Para ler a Fenomenologia do Esprito (Ver a 2edio p.10): note-se a presena da fora, Kraft, em todos eles.1 - Na figura da Bela Alma: # 658: Falta-lhe ( Bela Alma) a fora da extruso, a fora para fa-zer-se coisa e suportar o ser. Na transparente pureza de seusmomentosarde,infeliz,umaassim-chamadabela-alma,consu-mindo-se a si mesma e se evapora como nuvem informe que no arse dissolve2 -A fora do indivduo consiste em ... extrusar-se de seu si e pr-se assim como substncia essente objetiva. Ouem outro lugar, # 488 - O ser-a deste mundo, bem como aefetividade da conscincia-de-si, repousam no movimento em queestaseextrusadesuapersonalidade,produzindoassimoseumundo.Nesses textos, fica claro que a Entusserung requer fora,ou que ela mesma fora.Est tambm explcito seu resultado:Fazer-secoisa,Suportaroser,Pr-secomosubstnciaefetiva , Criar seu mundo. Isso : sair do puro interior para oexterior,objetivar-se,tornar-seumimediato.umprocessodoloroso, pois tem de passar pela negatividade, e mesmo, por umradical dilaceramento, alm do qual se encontra consigo mesmo.aforamgica(Zauberkraft)queotransformaemser(Fenomenologia, # 32).Outra caracterstica, que distingue ainda mais a extruso daalienao,queosujeitosereconhecenessaexteriorizao,emesmo, se conhece melhor depois dela e nela. Dali retorna sobre38 UNIVERSIDADE CATLICA DE PERNAMBUCODEPARTAMENTO DE FILOSOFIAsi mesmo, enriquecido com as determinaes do exterior, ou daordem do ser. Comprovou o que era em si e para si nesse ser outro,e est agora consigo mesmo reconciliado.Pode-se entender isso melhor, examinando a extruso que a linguagem (# 507 e # 508 da Fenomenologia). So passagensem que alienao e extruso se alternam e incluem, como acimafoidito,tornandodifcilsuadistino.Damosainterpretaoque nos parece coerente, luz de outras passagens. [O sacrifcio de si, que ocorre no servio] uma extruso doser a, (que s na morte se completaria) uma extruso essente,e no uma extruso que retorna conscincia. Alis, tampouco aconscincia lhe sobrevive, nem em si e para si, mas passa so-mente ao seu contrrio no reconciliado. Mas a linguagem oser-a do puro Si; pela linguagem entra na existncia a singulari-dadeparasiessentedaconscinciadesi,deformaqueelapara os outros. O Eu, como este puro Eu, no est ade outramaneira:emqualqueroutraexteriorizao(usserung)estimerso em uma efetividade da qual pode retirar-se: ele refletidosobre si mesmo a partir de sua ao ... deixando jazer inanimadoum tal ser-a imperfeito, onde sempre est demasiado como de-masiado pouco. Porm a linguagem contm o ser-a em sua pu-reza; s expressa o Eu, o Eu mesmo. Esse ser-a do Eu , comoser-a, uma objetividade que contm a verdadeira natureza dele.Vemos, portanto, que a extruso da linguagem expressaoEu, na qual ele est em sua pureza: uma objetividade que con-tmsuaverdadeiranatureza.Estamos,pois,noploopostoEntfremdung, pois, no caso da alienao, uma objetividade queno expressa a verdadeira natureza do Eu, mas, antes, ondeeleno se reconhece, e que o defronta como uma potncia estranha. verdade que, nessa seo da Fenomenologia, a linguagem estnum contexto de alienao, ou seja, opera uma alienao, ao cons-tituiropodereaglriadoMonarca,dizendooqueele;mastrata-se de uma mediao em que a linguagem atua como instru-mento (ou demiurgo) da criao de ummundo.Ano 1 n 1 jan-jun/2001 -39GORA FILOSFICASeria, talvez, a ocasio de observar que, se essalinguagemconstrio Poder do Monarca absoluto, outra linguagem poderdesconstru-lo. Mais do que a linguagem do dilaceramento,queHegelencontrounoromancedeDiderot,LeneveudeRameau, ele poderia ter estudado a linguagem revolucionria dosjacobinos que desconstruiu o poder do Monarca, caracterizan-do-o como Dspota e Tirano - reduzindo a um reles criminosoesse deus (adorado pelos cortesos, que na capela de Versaillesficavam de costas para o altar e voltados para ele) e fazer que ascabeas coroadas fossem cortadas, igual de qualquer inimigoda Repblica, como simples cabeas de couve. Mas seria muitoexigir de Hegel, que passou dos entusiasmos juvenis pela revolu-o francesa, para uma forte antipatia diante do seu desenrolar-se,eterminoucaracterizando-acomopuroTerror.Deminhaparte,quando leio esses pargrafos sobre a Coisa mesma, o que meocorre, como ponto de referncia histrica, so as Revolues fran-cesaeamericana;eimaginoqueHegel,queasconheciamuitobem, no podia esquec-lasquando escreviaesta Seo.A Coisa Mesma.Parece-nos que aexposio mais clarada extruso est na Seo A Coisa Mesma da Individualidadereal em si e para si. uma dialtica rigorosa, que parte do con-ceito interior, no qual tudo parece unido e coerente; da passa obraeexteriorizao,ondesurgemcontradieseconflitosportodos os lados; e enfim, tudo suprassumido no terceiro momen-to dialtico, que restaura a unidade da conscincia eda substn-cia e que recebe o nome de Coisa Mesma. O texto muito com-plexo, de uma excepcional riqueza, at mesmo comparado ao con-junto da Fenomenologia; e como na Linguagem,tambm ter-mina - e encontra seu pleno sentido - nessa comunho de consci-ncias que Hegel chama Esprito. Pode considerar-se tambm aFilosofia da ao hegeliana, desenvolvidabem antes de Blondel.Analis-la, exigiria um longo artigo, ou mesmo, um volu-me. Vamos apenas destacar alguns textos principais. # 401:O agir, precisamente, o puro trasladar da forma do ser, aindano representado, para a forma do ser representado. # 404 : O40 UNIVERSIDADE CATLICA DE PERNAMBUCODEPARTAMENTO DE FILOSOFIAindivduonopodesaberoqueele,antesdeseterlevadoefetividadeatravsdoagir.Sdaaoaprendeaconhecersua essncia originria.... Seja o que faa ou que lhe acontea,foi ele que fez , e isto ele: ... o traslado de si mesmo da noite dapossibilidade para o dia da presena: e pode ter esta certeza: oque vem ao seu encontro na luz do dia o que jazia adormecidona noite. Assim, o indivduo porque sabe que em sua efetividadenada pode encontrar, a no ser a unidade dela com o prprio indi-vduo, ou somente a certeza de si mesmo em sua verdade, ... ssente em si alegria. # 405: A obra a realidade que a conscin-cia se d. Nela, o indivduo para a conscincia o que em side modo que a conscincia para a qual vem a ser na obra no conscincia particular, mas sim a universal. # 406: Na obra aconscincia vem a ser para si mesma tal como em verdade, edesvanece o conceito vazio [que tinha] de si mesma.Aconscinciaretornasobresimesma,apartirdessemo-mento da pura objetividade,suprassumindo-o e elevando-se aouniversal, que sua verdade. # 409: Mas a efetividade objetiva um momento que na prpria conscincia no tem mais verdadeemsi:averdadeconsistesomentenaunidadedaconscinciacom o agir, e a obra verdadeira somente essa unidade do agir edo ser, do querer e do implementar. # 411: Por conseguinte, naCoisa Mesma, enquanto interpenetrao que se tornou objetiva daindividualidade e da objetividade mesma, veio-a-ser para a cons-cincia seu verdadeiro conceito de si, ou chegou conscincia desua substncia. (Notar o gewordenen que aparece duas vezes nessafrase. Trata-se de um processo, de um vir-a-ser: no algo en-contrado, achado por a, termos que Hegel contrape com firme-za, como Nietzsche contrapunha o que brotava das razes, coma inveno fortuita).Nas passagens acima, a extruso no est nomeada, mas estdescrita e analisada em suas caractersticas. umaobjetivaoouexteriorizaoemqueosujeitoseexprimenoqueele,naqualsereconheceeseconhecemelhordoqueemsuapurainterioridade e donde retorna a si, suprassumindo-a na unidade daindividualidadeedaobjetividade,dainterioridadeedaAno 1 n 1 jan-jun/2001 -41GORA FILOSFICAexterioridade,nouniversalounoEsprito.(#418:Essnciadetodasasessnciasouessnciaespiritual)Estamospois,nosantpodas do desessenciamento (Entwesung) da alienao, se ain-da fosse preciso insistir na diferena e oposio dos dois concei-tos.Conclusoumadasironiasdahistria:umpensadorcomoHegel,que tanto valorizou a ao humana, e que procurou entender o serhumano nas sua criaes - cultura,histria, arte, religio - quedefiniu o homem como ao, linguagem, trabalho, seja estigmati-zadocomo um pensadorabstrato e irrealista: ele que s valoriza-va o concreto e s entendia a tica e os valores como encarnadosna realidade histrica. Considerava a leitura dos jornais matutinoscomo a orao da manh do homem moderno. Parece-me que abs-tratossoseuscrticosedetratores,quenosouberamcaptaroritmodopensamentodialtico,queonicopensamentono-abstrato, pois a identidade da identidade com a no identidade,ou seja, a convergncia, ou melhor, a suprassuno dos opostosnuma unidade concreta, em que a diversidade no dispersa a uni-dade, mas a constitui e enriquece, e a unidade no anula a pletorada diversidade, mas nela se expressa e expande.AforadoEspritostograndequantosuaexteriorizao; sua profundidade s profunda na medida em queousaexpandir-seeperder-seemseudesdobramentoDieKraftdes Geistes ist nur so gross als ihre Asserung : seine Tiefe, nur sotiefealserinseineAuslegungsichauszubreitenundsichzuverlieren getraut. (Fenomenologia # 10).RefernciasTexto alemoPhnomenologie des Geistes, Ed. Suhrkamp, 1984.42 UNIVERSIDADE CATLICA DE PERNAMBUCODEPARTAMENTO DE FILOSOFIATraduesPortuguesa:MENESES,Paulo.FenomenologiadoEsprito.Petrpolis: Vozes 2 vols.1991 e 1992, (agora na quarta edio).-Utilizamos a numerao da traduo inglesa de Miller, que d umnmero a cada pargrafo da Fenomenologia, para facilitar as cita-es.Francesas: (HYPPOLITE, LEFREBVRE, LABARRIRE).Italiana: NEGRI.Inglesa: MILLER.Espanhola : ROCES.ComentriosMENESES, Paulo. Para ler a Fenomenologia do Esprito : rotei-ro.2. So Paulo : Loyola, 1992.HYPPOLITE, Jean. Gense et Structure de la Phnomenologie delEsprit de Hegel. Paris : Aubier-Montaigne, 1946.LABARRIRE,P.J.IntroductionuneLecturedelaPhnomenologie de lEsprit. Paris : Aubier-Montaigne, 1979._________.StructuresetMouvementDialectiquedanslaPhnomenologie de lEsprit.Paris : Aubier-Montaigne, 1968.GAVIN,Joseph.EntusserungetEntfremdungdanslaPhnomenologiedelEspritdeHegel. ArchivesdePhilosophie,Paris, p. 555-571, oct.-dc. 1962._________.WortindexzuHegelsPhnomenologiedesGeistes.Bouvier Verlag, Bonn, 1984.DUSSEL, Enrique. tica comunitria. 2. ed., Petrpolis : Vozes,1987.

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