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2 O Mercado de Energia Elétrica no Brasil
2.1 O Setor Elétrico Brasileiro
É previsto pela Constituição Brasileira que a exploração dos serviços e
instalações de energia elétrica pode ser realizada diretamente pelo governo
brasileiro ou indiretamente por meio da outorga de concessões, permissões ou
autorizações à iniciativa privada.
Historicamente, no entanto, o setor elétrico brasileiro foi explorado
principalmente por concessionárias de geração, transmissão e distribuição
controladas pelo governo federal e pelos governos estaduais.
Face às características da indústria de energia elétrica de ganhos
associados à escala dos empreendimentos e verticalização das atividades de
geração, transmissão e distribuição, o modelo monopolista estatal era eficiente.
Entretanto, do ponto de vista econômico, o setor passou a se tornar inviável a
partir de 1980, em razão das políticas de contenção tarifária e de antecipação de
grandes investimentos, bem como das ingerências políticas na gestão de
concessionárias de serviço público de energia elétrica.
Em virtude de tal situação, o equilíbrio econômico do setor foi sendo
abalado até que, devido a iminente insolvência do setor alcançada em 1993, o
Governo Federal foi levado a assumir dívidas das concessionárias de energia num
montante de US$ 26 bilhões, promovendo, também, o aumento das tarifas de
energia em torno de 70%.
Em 1995, na esteira do crescimento da demanda resultante dos efeitos do
Plano Real, e da conseqüente estabilidade da economia, o setor elétrico voltou a
apresentar problemas com novo ciclo de inadimplência das concessionárias,
aumentando o risco de déficit de energia e restrições crescentes nos sistemas de
transmissão.
Diante deste cenário, o Governo Federal iniciou a reestruturação do setor
elétrico brasileiro dando conseqüência ao comando constitucional relativo às
concessões de serviços públicos.
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Nesse contexto foram promulgadas as Leis nº. 8.987 e nº. 9.074, de 13 de
fevereiro de 1995 e 7 de julho de 1995, respectivamente, que tratam da outorga de
concessões no âmbito do Setor Elétrico e, dentre outras disposições:
- Estabelecem a necessidade de licitação prévia para outorga de concessões;
- Criam a figura de Produtores Independentes de Energia (PIE);
- Criam a categoria de Consumidores Livres (CL); e
- Estabelecem o Livre Acesso aos sistemas de transmissão e distribuição.
A Emenda Constitucional nº. 6, de 15 de agosto de 1995 permitiu a
exploração de potenciais hidráulicos por brasileiros ou por empresas brasileiras,
de capital nacional ou não, com sede e administração localizadas no País. Desta
forma, ficaram estabelecidas as bases para a criação do Programa Nacional de
Desestatização (PND) e início da privatização do setor elétrico, com vista a maior
participação de capitais privados por meio de concessões, autorizações e
permissões.
Em agosto de 1996, o Governo Federal contratou um grupo de consultores
internacionais para, juntamente com técnicos brasileiros, estabelecer as bases
comerciais e operacionais do processo de reestruturação do setor. A consultoria
teve como objetivo a elaboração do Projeto de Reestruturação do Setor Elétrico
Brasileiro (Projeto RESEB) e teve como meta a proposição de um novo modelo
institucional para o setor.
Ainda em 1996, por meio da Lei nº 9.427, de 26 de dezembro, foi
instituída a Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL, com a finalidade de
regular e fiscalizar o setor elétrico, em substituição ao antigo Departamento
Nacional de Águas e Energia Elétrica – DNAEE. A nova agência foi criada numa
condição de maior independência em relação ao Poder Executivo, visto que
receberia recursos para custeio de suas despesas diretamente dos agentes do setor,
partindo de uma Taxa de Fiscalização específica.
Foi estabelecida, também, a desverticalização das atividades de geração,
transmissão, distribuição; e a comercialização de energia elétrica no sistema
interligado nacional no âmbito do Mercado Atacadista de Energia – MAE, hoje
denominado Câmara de Comercialização de Energia Elétrica – CCEE. A operação
do sistema interligado nacional passou a ser realizada pelo Operador Nacional do
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Sistema Elétrico – ONS, visando a coordenação e controle da rede de transmissão
e despacho centralizado e otimizado da geração.
Apesar da abertura do setor à iniciativa privada, a falta de regulamentação
plena do modelo competitivo proposto inibiu os investimentos necessários para
assegurar o atendimento pleno da demanda em constante crescimento. Em
decorrência disso, e de regime hidrológico de baixa afluência que perdurou até
fevereiro de 2002, foi lançado através do Decreto 3371, de 24/02/2000 e da
Portaria MME 43, de 25/02/2000, o Programa Prioritário de Termeletricidade
(PPT). O PPT tratava-se de um programa emergencial de estímulo à construção de
usinas termelétricas, que contava com o apoio da ANEEL, da PETROBRAS e do
Banco de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES, que acrescentaria
15GW à capacidade de geração instalada no parque gerador de energia elétrica
nacional.
Em 2001, foi criada uma Câmara de Gestão da Crise de Energia Elétrica –
CGCE que, em 1º de junho do mesmo ano, instituiu um Programa de
Racionamento de Energia Elétrica no Brasil, que vigorou até 28 de fevereiro de
2002. E em 29 de agosto de 2001, foi criada a Comercializadora Brasileira de
Energia Emergencial – CBEE, empresa pública criada para contratação de energia
térmica emergencial com o objetivo de recuperar a capacidade de atendimento ao
sistema de forma emergencial. A CBEE celebrou contratos de reserva de geração
que foram pagos por meio do chamado “seguro apagão”.
Após o término do racionamento, a demanda por energia elétrica
permaneceu nos novos patamares de consumo alcançados durante o racionamento,
em torno de 20% menores, e os regimes hidrológicos foram recuperados, adiando
assim, a necessidade de investimentos na expansão do setor por alguns anos e
promovendo, de forma imprevisível até então, uma situação de sobre oferta de
geração e queda generalizada de faturamento. O racionamento repercutiu
fortemente no equilíbrio de todas as empresas. Por isso, em dezembro de 2001, a
CGCE, as distribuidoras e as geradoras de energia elétrica concluíram
negociações que resultaram no Acordo Geral do Setor Elétrico, que visou
compensar perdas e restaurar o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos de
concessão. Por outro lado, os Produtores Independentes de Energia (PIE),
assumindo o risco de mercado associado à parcela não contratada de sua energia,
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passaram a competir num cenário de sobre oferta a preços insuficientes para
recuperação dos investimentos.
Nesse contexto, a Lei nº. 10.438, em 26 de abril de 2002, dentre outras
determinações, estabeleceu:
- Recomposição Tarifária Extraordinária (RTE) para as empresas
distribuidoras;
- Rateio junto aos consumidores dos custos de contratação de energia pela
Comercializadora Brasileira de Energia Emergencial (CBEE);
- Repasse aos consumidores de custos com aquisição de energia livre;
- Criação do Programa de Incentivo a Fontes Alternativas (PROINFA);
- Criação da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) para dar
competitividade às energias alternativas e universalizar o serviço de energia
elétrica;
- Implantação dos Leilões de Energia de Serviço Público; e
- Prorrogação da vigência dos encargos associados à Conta de Consumo de
Combustíveis Fósseis (CCC) e a Reserva Global de Reversão (RGR).
Em 4 de junho de 2002, o Poder Executivo extinguiu a CGCE e criou a
Câmara de Gestão do Setor Energético (CGSE), com o objetivo de gerir a
chamada revitalização do setor elétrico. O novo órgão, então presidido pelo
ministro de Minas e Energia, seria vinculado ao Conselho Nacional de Política
Energética (CNPE).
Em 21 de outubro de 2003, foi criada linha de financiamento junto ao
BNDES para dar suporte financeiro às distribuidoras. E, em 15 de março de 2004,
o Governo Federal promoveu nova correção de rumos no setor promulgando a Lei
nº. 10.848 , conhecida como Lei do Novo Modelo do Setor Elétrico, em um
esforço para corrigir deficiências do modelo anterior, cujos objetivos principais
foram a criação de um marco regulatório estável, a garantia da segurança do
suprimento de energia elétrica aos consumidores e a promoção da modicidade
tarifária.
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2.2 O Novo Modelo Institucional
A Lei do Novo Modelo do Setor Elétrico introduziu importantes
alterações, pois permite maior participação do Estado no setor elétrico em
comparação com o modelo anterior, e cria incentivos por meio de processos de
licitação mais competitivos, para a redução das tarifas de suprimento de energia
elétrica no país. Em linhas gerais, as principais modificações introduzidas pela Lei
do Novo Modelo do Setor Elétrico incluem:
- Criação de dois ambientes de comercialização de energia elétrica: o
ambiente de comercialização regulada (ACR), para venda de energia elétrica a
distribuidores e atendimento a consumidores cativos; e o ambiente de
comercialização livre (ACL) destinado a livre comercialização entre os demais
agentes do setor (produtores independentes, consumidores livres e
comercializadores);
- extinção da chamada auto-contratação de energia pelas distribuidoras,
para incentivar a compra de energia pelos menores preços disponíveis;
- garantia de respeito aos contratos existentes e segurança jurídica às
operações já realizadas;
- indicação pelo governo federal de membros de entidades independentes,
como o ONS, e retomada para a União e para o Ministério de Minas e Energia de
algumas atribuições da ANEEL.
A Figura 2-1 abaixo apresenta esquematicamente, o relacionamento entre
os diversos órgãos do setor dentro do Novo Modelo Institucional.
Figura 2-1 – Modelo Institucional do Setor Elétrico Brasileiro
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– Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) – órgão do Governo
Federal, presidido pelo Ministro de Minas e Energia , responsável pela
homologação da política energética em articulação com as demais políticas
públicas e de desenvolvimento.
– Ministério de Minas e Energia (MME) – órgão responsável pela
formulação e implementação de políticas para o setor energético do país, de
acordo com as diretrizes do CNPE;
– Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE) – órgão
responsável pelo monitoramento das condições de atendimento e recomendação
de ações preventivas para garantir o suprimento de energia elétrica à sociedade;
– Empresa de Pesquisa Energética (EPE) – órgão responsável pela
execução de estudos para a definição da Matriz Energética e planejamento da
expansão da geração e transmissão do Sistema Elétrico Brasileiro. Dentre as
atribuições da EPE está a de elaborar e publicar anualmente o BEN (Balanço
Energético Nacional);
– Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) – órgão responsável
pela regulação e fiscalização, visa garantir a qualidade dos serviços prestados
pelos agentes de geração, transmissão e distribuição, a universalização do
atendimento e acesso à energia elétrica e estabelece as tarifas para os
consumidores finais, preservando a viabilidade econômica e financeira dos
agentes.
– Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) – órgão responsável pela
coordenação e controle da operação da geração e da transmissão no sistema
elétrico interligado;
– Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) – órgão
responsável pela administração dos contratos de comercialização, liquidação do
mercado de curto prazo e pela realização dos leilões de energia elétrica;
Devido à relevância no contexto da dissertação, o ONS e a CCEE são
abordados mais detalhadamente nas seguintes subseções.
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2.2.1 Câmara de Comercialização de Energia Elétrica
Criada pela Lei 10848, em sucessão ao Mercado Atacadista de Energia
(MAE), a CCEE é constituída de uma Assembléia Geral, de um Conselho de
Administração cujo presidente é indicado pelo MME e uma Superintendência. A
Câmara é regida por um conjunto de regras e procedimentos comerciais, que
devem ser cumpridos por todos os agentes que a ela pertencem. As
responsabilidades da CCEE são as seguintes, [12]:
- implantação e divulgação das Regras de Comercialização e dos
Procedimentos de Comercialização;
- administração do Ambiente de Contratação Regulada (ACR) e Ambiente
de Contratação Livre (ACL);
- medição e registro da energia verificada;
- registro dos contratos firmados entre os Agentes de CCEE;
- apuração das infrações e cálculo de penalidades por variações de
contratação de energia;
- realização de leilões para a compra de energia pelos distribuidores, desde
que autorizados pela ANEEL;
- exercer as funções de contabilização e liquidação das transações
realizadas no mercado de curto prazo, nos ambientes de contratação livre e
regulada.
Dentro do novo marco legal, a regulamentação estabeleceu que no
ambiente da CCEE, todo agente consumidor deve contratar a totalidade de sua
carga, todo agente vendedor deve comprovar o correspondente lastro físico de
venda a partir de empreendimento de geração próprio ou de terceiros, e desde o
ano de 2005, anualmente, todo agente de distribuição, gerador, comercializador,
auto-produtor ou consumidor livre deve declarar sua previsão de mercado ou
carga, para cada um dos cinco anos subseqüentes. Adicionalmente, os agentes de
distribuição devem declarar, até sessenta dias antes de cada leilão de “energia
existente” ou de “energia nova”, os montantes para contratação.
Os leilões de compra de energia de novos empreendimentos de geração
para atendimento da carga própria das distribuidoras serão realizados cinco anos
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antes do início da entrega (leilões “A-5”), ou três anos antes do início da entrega
(leilões “A-3”).
Haverá, ainda, leilões de compra de “energia existente”, realizados no ano
anterior ao de início da entrega (leilões “A-1”) e leilões de ajuste de mercado, cujo
início de entrega se dará em até 4 meses após o respectivo leilão.
Os Contratos de Comercialização de Energia do Ambiente Regulado
(CCEAR), provenientes dos leilões “A-5” e “A-3” terão prazo de 15 a 30 anos, e
os CCEAR provenientes dos leilões “A-1” terão prazo de 5 a 15 anos. Os
contratos provenientes do leilão de ajuste terão prazo máximo de dois anos.
Para os CCEAR decorrentes de leilões de “energia existente”, existe
opção da distribuidora contratar até 3% a mais do que o seu mercado previsto e,
no decorrer do contrato, de reduzir as quantidades contratadas até o limite de 4%
ao ano em decorrência da saída de consumidores potencialmente livres, de desvios
de mercado ou de variações de montantes contratados até 11 de dezembro de
2003.
Quanto ao repasse dos custos de aquisição de energia dos leilões às tarifas
dos consumidores finais, o Decreto n°. 5.163, de 30 de julho de 2004, estabelece
como limite máximo o Valor Anual de Referência – VR, que é a média ponderada
dos custos de aquisição de energia elétrica nos leilões “A-5” e “A-3”, calculado
para o conjunto de todas as distribuidoras.
2.2.2 Operador Nacional do Sistema Elétrico
Criado pela Lei 9648, de 27 de maio de 1998, o ONS foi instituído como
personalidade jurídica de direito privado, e sua principal atribuição é coordenar e
controlar a operação do Sistema Interligado Nacional – SIN, visando à otimização
eletro-energética ao menor custo operacional com garantia dos padrões de
segurança e qualidade, respeitando também, as condições impostas pelo uso
múltiplo da água e pelas limitações associadas às instalações de geração e
transmissão do SIN.
O ONS é regido por uma Assembléia Geral, por um Conselho de
Administração e por uma Diretoria Executiva.
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2.3 O Despacho Hidrotérmico Centralizado
O Planejamento da Operação tem como objetivo definir uma política de
operação, despachando as unidades geradoras das usinas para o atendimento da
demanda (carga), minimizando o custo total de operação do sistema, [16].
O custo de operação de cada unidade geradora é função do combustível
por ela utilizado para a produção de energia. Em um sistema hidrotérmico, as
usinas hidráulicas utilizam a água como combustível para produção de energia.
Em princípio, poderia se pensar que o custo de operação de usinas hidrelétricas é
nulo, pois não há nenhum desembolso para obter a água que está armazenada nos
reservatórios das usinas hidrelétricas.
Na verdade, na operação energética de um sistema hidrotérmico existe
uma relação entre a decisão tomada em um estágio qualquer e sua conseqüência
futura. Se no presente for gasto água em excesso e se não chover o suficiente para
repor a água dos reservatórios, no futuro o custo de operação do sistema pode vir
a ser altíssimo, pois o atendimento a carga terá de ser feito através do uso de
geração térmica cara, ou porque pode ser necessário até realizar um racionamento
de energia. Por outro lado, utilizando geração térmica em excesso no presente de
modo a economizar a água dos reservatórios, caso um período de muita chuva vier
a ocorrer, pode ser necessário verter água dos reservatórios no futuro, resultando
em um desperdício de energia. A Figura 2-2 abaixo apresenta as conseqüências do
processo de decisão de operação de um sistema hidrotérmico, ilustrando o
acoplamento temporal entre estas decisões.
Figura 2-2 – Acoplamento Temporal em Sistemas Hidrotérmicos
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Além de acoplado no tempo, um problema de operação energética de um
sistema hidrotérmico é também estocástico, já que não existe certeza a respeito
das afluências futuras no momento em que a decisão operativa é tomada.
Na tomada de decisão da operação de um sistema hidrotérmico deve-se
comparar o benefício imediato do uso da água e o benefício futuro de seu
armazenamento, [17]. O benefício do uso imediato da água pode ser representado
através de uma função denominada “Função de Custo Imediato” (FCI), enquanto
que o benefício de armazená-la no presente para o seu uso futuro pode ser
representado através de uma Função de Custo Futuro (FCF). O termo “futuro”
está relacionado a todos os estágios futuros até o horizonte de planejamento. Estas
duas funções são ilustradas pela Figura 2-3 abaixo:
Figura 2-3 – Função de Custo Imediato e Função de Custo Futuro
O eixo das abcissas do gráfico apresentado na figura representa o volume
final armazenado no reservatório de uma usina hidráulica, e o eixo das ordenadas
representa o valor da função de custo futuro ou custo imediato expresso em
unidades monetárias.
Como é de se esperar, a função de custo imediato aumenta com o volume
final armazenado nos reservatórios. Isto ocorre porque a decisão de economizar
água no presente está relacionada a um maior custo com geração térmica no
atendimento a carga. Deste modo, a função de custo imediato está associada ao
gasto com geração térmica no estágio atual. Por outro lado, a função de custo
futuro diminui com o volume final armazenado nos reservatórios, porque a
decisão de economizar água no presente está relacionada a um menor uso de
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geração térmica no futuro. Logo, a função de custo futuro está associada ao valor
esperado do gasto com geração térmica no futuro para o atendimento a demanda.
O uso ótimo da água armazenada nos reservatórios é aquele que minimiza
a soma do custo de geração térmica no presente com o valor esperado do custo de
geração térmica até o fim do horizonte de planejamento. Pode-se observar que
este é o ponto de mínimo da curva formada pela soma da função de custo imediato
com a função de custo futuro, conforme apresentado na Figura 2-4 abaixo:
Figura 2-4 – Decisão Ótima para o Uso da Água
Observa-se também que este ponto é onde as derivadas da função de custo
futuro e da função de custo imediato, em relação ao volume final armazenado nos
reservatórios, se igualam em módulo. As equações 2-1 e 2-2 abaixo apresentam
esta formulação matematicamente:
0)(=
∂∂
+∂
∂=
∂+∂
VFCF
VFCI
VFCFFCI (2-1)
Logo:
VFCF
VFCI
∂∂
−=∂
∂ (2-2)
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Onde as derivadas da equação 2-2 são conhecidas como valores da água.
Logo, pode-se concluir que, a água armazenada nos reservatórios não tem custo
nulo, e sim possui um valor relacionado ao custo de oportunidade de se
economizar água hoje, para a utilização futura.
No Sistema Elétrico Brasileiro, assim como em outros sistemas regulados,
a produção de energia de cada usina (termelétrica, hidroelétrica ou de outra
tecnologia) é definida de forma integrada pelo Operador do Sistema (no Brasil,
pelo ONS). Cada agente gerador termelétrico declara ao Operador do Sistema seu
custo variável de operação (em R$/MWh) e sua disponibilidade de produção. Os
agentes geradores hidroelétricos, por sua vez, informam apenas sua
disponibilidade de produção. Tais geradores não declaram um custo variável de
geração, haja vista que hidroelétricas não possuem um custo direto unitário como
o do gás natural, carvão e outras commodities utilizadas como fonte de energia
térmica, mas sim um custo de oportunidade, que depende dos cenários de
hidrologia, demanda e produção de outros geradores no futuro. A partir destas
informações, o Operador define então a geração de cada usina do sistema,
definindo, conseqüentemente, o nível de armazenamento de água nos
reservatórios para uso futuro. O cálculo da política operativa que define o
despacho das usinas e que também fornece os custos de oportunidade para usinas
hidrelétricas é um problema complexo de otimização sob incerteza, usualmente
resolvido por técnicas de programação dinâmica estocástica. O despacho
centralizado tem como objetivo a utilização mais econômica possível dos recursos
de geração, e também de transmissão, garantindo o atendimento à demanda de
energia do sistema. A estratégia de despacho é aquela que minimiza o custo total
de operação do sistema ao longo de vários anos, levando em consideração os
custos imediatos (custo térmico hoje) e futuro (custo de oportunidade de
armazenamento de água nos reservatórios) de operação.
Em sistemas puramente térmicos, o despacho de mínimo custo se
estabelece ao ordenar as usinas térmicas por custo operativo e despachá-las por
sua disponibilidade, da mais barata para a mais cara, até se atender a demanda. O
preço da energia recebido por todos os geradores, e que é pago pela demanda, é
então igual ao custo marginal de operação do sistema, dado pelo custo operativo
do último gerador despachado (este, chamado de gerador marginal). Neste caso
não há acoplamento temporal entre etapas, ou seja, as decisões de hoje não têm
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conseqüências futuras. Além disso, assumindo-se que não há incerteza no
suprimento de combustível para as usinas termelétricas, a volatilidade nos preços
de energia de custo prazo se deve basicamente à flutuação da demanda ao longo
do dia, à indisponibilidade (parcial ou total) de produção por parte dos geradores,
seja devido a paradas programadas para manutenção ou por falhas aleatórias de
máquinas, ou ainda a flutuações nos preços dos combustíveis. Assim, o
movimento de curto prazo no preço da energia (também conhecido como preço
spot) ocorre porque o gerador marginal nem sempre é o mesmo: conforme a
demanda aumenta ou a geração ativa se torna indisponível, outros geradores de
custo maior ou igual ao do gerador marginal são despachados, deslocando o
marginal e eventualmente elevando o preço spot. Assim, sistemas térmicos
regulados apresentam importante volatilidade nos preços de curto prazo (hora
após hora). Entretanto, no médio e longo prazo (de semana para semana, mês para
mês e ano para ano), não há significantes flutuações nos preços de energia, exceto
pelo comportamento sazonal da demanda.
Em sistemas predominantemente hidroelétricos, como o brasileiro, onde
cerca de 76% da energia elétrica produzida no país é de origem hidráulica, o
“combustível” principal é a água, cuja disponibilidade é bastante variável ao
longo do tempo. Assim, torna-se necessário um mecanismo de regulação do
regime hidrológico que possibilite um maior controle da geração das usinas
hidroelétricas, dando a elas maior flexibilidade operativa. Tal regulação é feita
pelos reservatórios dessas usinas, que armazenam água nos períodos úmidos para
utilizá-la nos períodos secos, permitindo uma operação mais eficiente do sistema.
No curto prazo, os reservatórios permitem absorver os impactos da
flutuação da demanda e/ou indisponibilidade de outras usinas com grande
eficácia, reduzindo significativamente a volatilidade horária nos preços spot, que é
alta em sistemas predominantemente térmicos. Quanto maior a capacidade de
armazenamento dos reservatórios, maior é a facilidade de modulação da carga
pelo sistema (isto é, de acompanhar a variação na demanda), sem impor
variabilidade nos preços horários.
Entretanto, num horizonte de médio prazo e, de forma mais crítica, no
longo prazo, há uma maior incerteza quanto às vazões naturais afluentes aos
reservatórios e períodos prolongados de condição hidrológica desfavorável podem
levar ao esvaziamento dos reservatórios. Como conseqüência, uma vez que a
30
geração hidroelétrica fica reduzida com o esgotamento da energia afluente
armazenada, para se garantir o suprimento à demanda sem corte de carga, as
térmicas são colocadas em operação, elevando os custos marginais (preço spot) e
total do sistema. Na maior parte do tempo os reservatórios das hidrelétricas
realocam água de períodos úmidos para períodos secos, mantendo uma operação
do sistema de baixo custo. Porém, com a possibilidade de ocorrência de eventos
extremos (secas prolongadas), esses longos períodos de preços baixos (vários
meses ou mesmo anos) se intercalam com períodos de preços altos, quando os
reservatórios estão vazios. A Figura 2-5 a seguir ilustra esse comportamento dos
preços spot no Brasil. Assim, o que se observa é que sistemas predominantemente
hidroelétricos têm baixa volatilidade nos preços spot no curto prazo, mas alta
variância no médio e longo prazo.
Figura 2-5 – Evolução do Preço Spot no Subsistema Sudeste
(Fonte:CCEE)
2.4 Formação do Preço Spot
Conforme visto na seção acima, o modelo de despacho adotado no Brasil
incorpora apropriadamente o valor implícito da água armazenada no momento do
despacho, possibilitando uma otimização dos recursos do sistema, isto é,
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despacha-se o sistema ao mínimo custo. O preço da energia é determinado então
pelo recurso de maior custo que foi utilizado e considerando-se a forte
predominância hidráulica do sistema brasileiro, o preço da energia é normalmente
determinado pelo valor da água e eventualmente pelo preço de uma termelétrica
ou pelos custos de déficit.
Como descrito, o despacho da geração é realizado de forma centralizada
pelo ONS, que define as metas de geração de modo a minimizar o valor esperado
do custo de operação do sistema, ao longo de todo o horizonte de planejamento da
operação.
A partir do despacho realizado pelo ONS, são definidos os custos
marginais de operação (CMO) dos 4 submercados (N, NE, S e SE/CO). O CMO
de um submercado reflete o acréscimo no valor esperado do custo de operação do
sistema, ao longo de todo o horizonte de planejamento da operação causado pelo
aumento marginal da demanda do submercado em questão.
A seguir, serão apresentadas as formulações referentes ao despacho
hidrotémico e à formação do preço spot da energia elétrica.
2.4.1 Formulação do Despacho Hidrotérmico para uma Etapa
Apresenta-se, a seguir, a formulação do despacho hidrotérmico para um
determinado estágio t, supondo que foi calculada a função de custo futuro
(FCF).O cálculo desta FCF será discutido posteriormente.
a) Função Objetivo – Como visto, o objetivo é minimizar a soma dos
custos imediato e futuro, conforme a equação 2-3 apresentada abaixo:
zt = Min Σcj gtj + αt+1(vt+1) (2-3)
O custo imediato é dado pelos custos operacionais térmicos na etapa t, ∑cj
gtj. Por sua vez, o custo futuro é representado pela função αt+1(vt+1), onde vt+1 é o
vetor dos níveis de armazenamento do reservatório ao final da etapa t (início da
etapa t+1). As restrições operacionais nesta etapa são discutidas a seguir.
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b) Balanço Hídrico – Conforme ilustrado anteriormente, a equação de
balanço hídrico relaciona o armazenamento e os volumes de entrada e saída do
reservatório: o volume final no estágio t (início do estágio t+1) é igual ao volume
inicial menos os volumes de saída (turbinamento e vertimento) mais os volumes
de entrada (afluência lateral mais os volumes de saída das usinas a montante).
vt+1(i) = vt(i) - ut(i) - st(i) + at(i) +Σ [ut(m) + st(m)] (2-4)
para i = 1,..., I
Onde:
i = índice das hidrelétricas (I número de hidrelétricas)
vt+1(i) = volume armazenado na usina i ao final do estágio t (variável de decisão)
vt(i) = volume armazenado na usina i no início do estágio t (valor conhecido)
at(i) = afluência lateral que chega na usina i na etapa t (valor conhecido)
ut(i) = volume turbinado durante a etapa t (variável de decisão)
st(i) = volume vertido na usina i durante a etapa t (variável de decisão)
m∈U(i) = conjunto de usinas imediatamente a montante da usina i
vazão
Vazão da usina
Afluência lateral
a montante
Figura 2-6 – Balanço hídrico do reservatório
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c) Limites de Armazenamento e Turbinamento
vt(i) ≤ v,_(i) para i = 1, ..., I
ut(i) ≤ u,_(i) para i = 1, ..., I
onde v,_(i) e u,
_(i) são respectivamente o armazenamento máximo e a capacidade
das turbinas.
d) Limites de Geração Térmica
São os mesmos do despacho térmico, vistos no início deste capítulo.
gtj ≤ g,_
j para j = 1, ... , J
e) Atendimento à Demanda
( ) ( ) ∑∑==
=+J
jtti
I
it dgiui
11ρ (2-5)
onde ρ (i) é o coeficiente de produção da usina i (MWh/hm3) (valor conhecido).
2.4.2 Solução do Problema e Custos Marginais
O problema é em geral resolvido por um algoritmo de programação linear
(PL). Assim como no caso térmico, o preço spot é o multiplicador associado à
equação de atendimento da demanda. Por sua vez, o valor da água de cada
hidrelétrica é o multiplicador associado à equação de balanço hídrico.
2.4.3 Cálculo da Função de Custo Futuro
Como visto, as decisões operativas de um sistema hidrotérmico se baseiam
no equilíbrio entre o custo de oportunidade hoje e seu valor esperado futuro,
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representado pela FCF, αt+1(vt+1). Esta função é calculada através de um
procedimento recursivo chamado programação dinâmica dual estocástica (PDDE)
apresentado a seguir:
a) para cada estágio t (tipicamente um mês) define-se um conjunto de estados do
sistema, por exemplo, níveis de armazenamento 100%, 90% etc. até 0%. A
Figura 2-7 abaixo, ilustra a definição dos estados para um reservatório. Supõe-
se conhecido o armazenamento inicial do primeiro estágio.
1 2 T-1 T
estados do sistema:armazenamento inicial para etapa T
estadoinicial
Figura 2-7 – Definição dos Estados do Sistema.
b) iniciar no último estágio, T, e resolver o problema de despacho de um estágio
supondo que o armazenamento inicial corresponde ao primeiro nível
selecionado no passo (a) - por exemplo, 100%. Dado que se está no último
estágio, supõe-se que a FCF é igual a zero. Resolva o problema de despacho
para cada um dos N cenários de vazões para o estágio. Este esquema está
ilustrado na Figura 2-8 abaixo:
1 2 T-1 T
problema de um estágiocenário de vazões #1
problema de um estágio
problema de um estágiocenário de vazões #2
cenário de vazões #N
Figura 2-8 – Cálculo da Decisão Ótima por Cenário - Último Estágio
c) Calcular o valor esperado do custo operativo associado ao nível 100% como a
média dos custos dos N subproblemas de um estágio. Com isto se obtém o
35
primeiro ponto da FCF para o estágio T-1, i.e. αT(vT). Observe que a tangente
da FCF em torno deste ponto corresponde ao valor da água esperado (como
mencionado no item acima, o valor da água é obtido do multiplicador simplex
da equação de balanço hídrico). O procedimento está ilustrado na Figura 2-9
abaixo:
1 2 T-1 T custo
custo operativo esperado
tangente = derivada do custo operativo
com relação ao armazen.
Figura 2-9 – Cálculo do primeiro segmento da FCF
d) Repetir o cálculo do custo operativo e das tangentes da superfície de custo
futuro para cada estado de armazenamento no estágio T. O resultado final é
uma superfície linear por partes, que representa a FCF αT(vT) para o estágio T-
1, como mostrado na Figura 2-10:
1 2 T-1 T costo
Superfície linear por partespara o estágio T-1
Figura 2-10 – FCF Linear por partes para o Estágio T-1
e) Repetir o processo para todos os estados de armazenamento selecionados nos
estágios T-1, T-2 etc. como mostrado na Figura 2-11 abaixo. Observe que o
objetivo agora é minimizar o custo operativo imediato no estágio T-1 mais o
custo futuro esperado, dado pela função linear por partes calculada no passo
anterior.
36
1 2 T-1 Custo futuro
Minimizar custo imediato en T-1+ custo futuro esperado
armaz. em T
Figura 2-11– Cálculo do custo operativo para o estágio T-1 e FCF para T-2.
O resultado final do esquema PDE (a)-(e) é um conjunto de FCFs
{αt+1(vt+1)} para todos os estágios t = 1, ..., T. Observa-se que o cálculo desta
função requer a representação da operação conjunta do sistema, com o
conhecimento completo dos estados de armazenamento de todas as usinas do
sistema. Em outras palavras, o valor da água de uma usina hidrelétrica é uma
função não-separável do estado das demais usinas do sistema.
O Preço de Liquidação de Diferenças (PLD) de cada submercado,
utilizado para valorar a energia na Câmara de Comercialização de Energia Elétrica
(CCEE) também é definido com base neste CMO, porém este sendo calculado
pela CCEE com alguns ajustes (valores máximo e mínimo) em relação ao CMO
descrito acima.
2.5 Geração Termelétrica no Brasil
Segundo o Banco de Informações de Geração, da ANEEL, a atual
capacidade instalada de geração de energia elétrica do Brasil é de cerca de 100 mil
MW, sendo cerca de 77 mil MW em geração hidráulica, e cerca de 22 mil MW
em geração térmica convencional (gás, petróleo, biomassa e carvão) e também
nuclear. A Tabela 2-1 abaixo apresenta a distribuição da capacidade instalada de
geração elétrica em operação no Brasil, por fonte, [18]:
37
Tabela 2-1 – Capacidade Instalada de Geração do Brasil (Fonte: Aneel)
De acordo com o Balanço Energético Anual de 2007, da EPE,
considerando-se apenas a capacidade instalada não emergencial, a participação da
geração termelétrica (incluindo nuclear), no total passou de 13% médios no
período de 1993 a 1999, para 15,3% em 2000, 20,8% em 2002, 22% em 2004, e
24% em 2006. O gráfico 2-12 abaixo apresenta a expansão da capacidade de
geração hídrica e térmica em GW no período 1974-2006, [19].
Figura 2-12 – Evolução da Capacidade de Geração do Brasil
(Fonte: EPE)
O impulso na geração termelétrica verificado a partir de 2000 decorreu,
sobretudo, do Programa Prioritário de Termeletricidade, cujo objetivo foi o de
propiciar uma rápida implantação de centrais termelétricas movidas a gás natural.
38
Inicialmente, o Programa visava a implantação de 43 usinas com potência total de
15 mil MW.
Ao longo do ano 2000, ocorreram seguidas adequações no Programa, com
a inclusão de alguns empreendimentos e a exclusão de outros, elevando a
quantidade para 54 usinas (a serem instaladas até 2003) com potência agregada de
20 mil MW. No biênio seguinte, a Câmara de Gestão da Crise de Energia Elétrica
(CGCEE) avaliou o Programa e o redefiniu para 34 usinas e cerca de 12 mil MW.
O PPT não se viabilizou inteiramente. Atualmente, existem 22 usinas
integrantes do Programa em operação comercial, totalizando 7,7 mil MW de
potência fiscalizada ante os 11 mil MW originalmente previstos para essas 22
usinas. Segundo a ANEEL, esse descompasso pode ser atribuído a retração dos
investimentos devido à rigidez das regras contratuais, custo do produto e
obrigação de pagamento condicionada a cláusulas take or pay, incertezas
associadas ao suprimento do gás e incompatibilidade entre a regulamentação do
setor elétrico e a do gás natural. Mesmo que o Programa não tenha produzido os
resultados desejados, o acréscimo representado na capacidade geradora nacional
foi significativo e contribuiu para firmar a energia termelétrica como a secundária
do sistema elétrico nacional.
2.5.1 Estratégia Operativa das Térmicas
Conforme abordado na seção 2.3, no Brasil, devido à predominância
hidrelétrica, observa-se uma baixa volatilidade de preços spot no curto prazo e alta
volatilidade no médio e longo prazo, e é neste contexto que as usinas termelétricas
do sistema brasileiro estão inseridas.
Como no Mercado Brasileiro os contratos de venda de energia são
instrumentos financeiros, sabe-se que uma usina térmica que produz energia
somente nos períodos de preço spot elevado pode atender seus contratos de
fornecimento de energia com um custo efetivo inferior ao seu custo de operação,
pois nos longos períodos de preços baixos, a usina pode comprar energia por um
valor muito menor no mercado de curto prazo. Tratando-se de volatilidade de
médio prazo, esta operação flexível permite ainda que a usina possa ser desligada
nos meses em que os preços spot estão baixos e operar na base nos meses em que
39
eles estão altos. Em outras palavras, a flexibilidade operativa nas usinas térmicas é
uma característica atraente no sistema brasileiro para elevar a rentabilidade do
projeto.
Entretanto, uma operação flexível dos geradores térmicos, associada à
pouca diversificação do mercado de combustíveis como o gás natural, faria com
que a remuneração do produtor de gás fosse excessivamente variável e, como o
produtor necessita de um fluxo de caixa estável para atender seus compromissos
financeiros decorrentes dos investimentos fixos substanciais de perfuração,
extração e transporte do gás natural, este impõe aos geradores térmicos um
contrato de compra de combustível com cláusulas do tipo take-or-pay (ToP) e
ship-or-pay (SoP). A primeira constitui um instrumento simplesmente financeiro
para reduzir a volatilidade da remuneração do produtor de gás, impondo ao
gerador a compra antecipada de um determinado volume mínimo de gás mensal e
anual, seja o gás consumido ou não, e a segunda visa remunerar o investimento
feito na infra-estrutura necessária ao transporte do gás até a usina, análogo aos
custos associados ao uso das linhas de transmissão da rede elétrica. Usualmente,
define-se o montante de gás contratado (em milhões de m³/dia) necessário para
operar a usina em sua capacidade máxima e para o qual o gasoduto até a usina
deve estar dimensionado (com alguma margem superior), e especificam-se os
montantes de ToP mensal e anual respectivamente como percentuais do volume
de gás contratado para um mês e para um ano. O volume de gás pago e não
consumido é virtualmente armazenado por um período pré-estabelecido, durante o
qual pode ser recuperado (condição conhecida como make-up).
Os geradores termelétricos, além de submeterem seus custos de produção e
suas disponibilidades ao ONS, que definirá então seu despacho, declaram também
sua inflexibilidade operativa, ou seja, sua restrição de geração mínima,
basicamente devido à necessidade de conservação das unidades geradoras ou
decorrente de contrato de compra mínima de combustível (take-or-pay). Através
dessa declaração de inflexibilidade, os geradores térmicos podem impor seu
despacho ao Operador do Sistema, mesmo que seus custos operativos sejam altos.
No entanto, de acordo com as regras vigentes do ONS, apenas a parcela sem
inflexibilidade da capacidade dos geradores é considerada na formação de preços
de energia, garantindo que tais restrições não sejam onerosas para o consumidor o
40
que acarreta um consumo ineficiente do insumo das térmicas, as quais geram com
um custo operativo maior ao da receita que recebem.
A partir da evolução da potência termelétrica, do consumo específico e da
disponibilidade, calculou-se o consumo de gás natural que garante o lastro destas
térmicas. A Figura 2-13 abaixo mostra o consumo total, referente ao lastro
termelétrico, o consumo das distribuidoras e das refinarias da PETROBRAS, onde
se observa que o consumo potencial das usinas térmicas é bastante significativo,
cerca de 40% do consumo total:
0
20
40
60
80
100
120
MM
m3/
dia
Lastro Térmico 30.4 34.5 35.6 35.6 35.6Cons. Não Térmico 47.5 56.3 61.7 66.7 70.5Total 77.9 90.7 97.3 102.3 106.1
2006 2007 2008 2009 2010
Figura 2-13 – Projeção da demanda total de Gás Natural (Fonte: ANP)
2.5.2 Modelo de Comercialização
A remuneração líquida de uma empresa geradora depende, essencialmente,
dos seguintes fatores, [22]:
- venda de energia no mercado de curto prazo, dada pelo produto do preço
de curto prazo (PLD) com a energia total produzida, deduzidos os custos
operativos (por exemplo, custos de combustível e O&M variáveis);
- devido ao fato da venda de energia no mercado de curto prazo ser
arriscada, por conta da grande volatilidade e assimetria dos preços, contratos
bilaterais são utilizados como uma forma de proteção contra esta volatilidade e
formam a segunda parcela de renda de um gerador, que é a venda de contratos de
41
suprimento, dada pelo produto do preço do contrato (P) pelo montante contratado
(Ec), subtraídos os custos de compra dos montantes contratados no mercado de
curto prazo, cujo preço é uma variável aleatória, em função da incerteza no
pagamento (“default” das distribuidoras). Esta é a abordagem dos chamados
“contratos por quantidade”, onde o risco do suprimento está alocado ao gerador;
- a contratação multilateral nos leilões leva a assinatura de contratos entre
cada gerador vencedor do leilão e todas as distribuidoras. Embora estes contratos
estejam respaldados por cláusulas de garantias, pode existir a percepção do “risco
de crédito” de algumas distribuidoras por parte dos geradores. Este risco pode ser
encarado como uma redução do preço efetivamente pago por elas, que pode ser
modelado por uma variável aleatória que engloba a composição agregada de
reduções de todas as distribuidoras que estão contratadas com cada gerador.
Observa-se que, mesmo em caso de default, a obrigação de suprimento
continua sob responsabilidade do gerador.
Assim sendo, a expressão da renda líquida do gerador termelétrico para um
período (base mensal) t e uma série hidrológica qualquer pode ser expressa, de
maneira simplificada, pela equação 2-6 abaixo:
Rts = (Ec)P + (Gts – Ec) πts – (Gts)ct – Cf (2-6)
Onde:
Rts = Receita operacional líquida, em R$ (variável aleatória);
Ec = Montante do contratado, em MWh;
P = Preço do contrato, em R$/MWh;
Gts = Despacho da térmelétrica, em MWh (variável aleatória)2;
πts = PLD (preço spot), em R$/MWh (variável aleatória);
ct = Custo variável de operação (CVU) no período t, em R$/MWh. (valor
conhecido);
Cft = Custo fixo no período t, em R$. (valor conhecido).
2 No caso de uma hidrelétrica, esta parcela seria representada pela geração alocada pelo Mecanismo de Realocação de Energia (MRE).
42
2.6 Gás Natural
Tendo em vista a grande influência no Mercado de Energia Elétrica,
sobretudo em relação às termelétricas, nesta seção, será abordada a evolução
recente da indústria de gás natural brasileira, principalmente, no que diz respeito
ao comportamento de oferta e demanda durante o período que sucedeu o início do
processo de liberalização do mercado de gás natural, que teve seu marco na edição
da Lei nº 9.478/97, a denominada Lei do Petróleo. Essa regulamentação, em seus
artigos específicos sobre a indústria de gás natural, preconizou um novo modelo
de organização industrial para este energético, contemplando, por exemplo, a
introdução de competição na cadeia de suprimentos.
O gráfico 2-14 a seguir, apresenta a evolução da oferta total disponível de
GN em termos mensais, entre setembro de 1998 e dezembro de 2006.
Figura 2-14 – Evolução da Oferta de Gás Natural (Fonte:ANP)
Observa-se um considerável incremento na disponibilidade de gás a partir
de julho de 1999. Este aumento da disponibilidade se deve à entrada em operação
do GASBOL (Gasoduto Brasil-Bolívia).
Entre 2000 e 2006, houve um crescimento da oferta total disponível de
14,7% a.a., sendo 7,4% a.a., devido ao aumento da produção nacional líquida e
43
28,2% a.a., em razão do acréscimo de volume importado, principalmente da
Bolívia, mas também da Argentina, ambos a taxas anualizadas3.
Porém, devido à insuficiência de investimentos em ampliação de
capacidade de transporte e sua operação próxima ao limite de capacidade das
instalações existentes, mostra-se pouco provável que no curto prazo seja factível a
manutenção das taxas históricas observadas, que, em grande parte, devem-se a
uma base inicial de comparação muito baixa.
Desse modo, as previsões quanto ao crescimento da oferta de gás natural
para os próximos anos utilizam taxas em torno daquelas verificadas entre 2005 e
2006, ou seja, de cerca de 4,9% a.a., sendo 1,2% a.a. para a produção nacional
líquida e 8,8% a.a. para o volume importado.
Do ponto de vista do consumo, a Tabela 2-2 a seguir apresenta o volume
de vendas médias mensais de gás das distribuidoras entre 2000 e 2006 (em
milhões de m³/dia) por segmento de consumo: industrial, automotivo (GNV),
residencial, comercial e geração térmica4, evidenciando aqueles que mais
impactaram o aumento da participação de gás natural na matriz energética
brasileira. De acordo com os dados mais recentes do Balanço Energético Nacional
2007, referente ao ano de 2006, o gás natural representa hoje 9,6% do consumo
interno de energia, representando um aumento de 4,2% em relação à participação
no ano de 2000, quando a participação do gás natural era de 5,4%, [19].
3 A opção pelo período compreendido entre os anos de 2000 e 2006 para análise das taxas de crescimento anuais se deve ao fato de o GASBOL ter entrado em operação apenas em meados de 1999. 4 A diferença entre os valores das vendas pelas distribuidoras e os dados de oferta total disponível são decorrentes, principalmente, do consumo das refinarias da PETROBRAS.
44
Tabela 2-2 – Vendas anuais de gás natural pelas distribuidoras5
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2005/2006
(% a.a)
2000/2006
(% a.a.)
Industrial 12.9 14.8 16.6 18.5 20.3 22.8 24.3 6.21 11.1
Automotivo 1.0 1.8 2.7 3.7 4.3 5.3 6.3 19.13 36.1
Residencial 0.5 0.5 0.5 0.5 0.6 0.6 0.7 7.08 4.6
Comercial 0.3 0.3 0.4 0.4 0.4 0.7 0.6 (21.36) 11.6
Geração 2.2 5.3 7.0 6.1 10.3 11.4 9.7 (14.80) 28.4
Total 16.8 22.6 27.1 29.2 35.9 40.8 41.5 1.58 16.2
Como demonstrado pela tabela, os segmentos industrial, automotivo e de
geração térmica são os principais consumidores de gás natural no Brasil, com
taxas anuais de crescimento superiores a 11% a.a. para o consumo industrial, e
chegando até 36,1% a.a. para o uso automotivo. No total dos segmentos, o
consumo apresenta um crescimento de 16,2% a.a..
Do ponto de vista dos consumidores industrias e automotivos, a razão para
esse acréscimo de demanda reside em uma política de preços deliberada de
incentivo ao uso de gás natural, em que o preço mais baixo do gás frente aos seus
concorrentes diretos (óleo combustível, gás liquefeito de petróleo – GLP, gasolina
e álcool) foi determinado de maneira a tornar viável sua rápida adoção,
compensando os custos de conversão. Com isso, objetivou-se esgotar a
capacidade considerada ociosa do GASBOL, tendo em vista a existência da
cláusula de take-or-pay de 80% da capacidade total do gasoduto.
A demanda induzida pelo diferencial de preço do gás ao consumidor final
industrial e automotivo permanece atualmente aquecida, com taxas de 6,2% a.a. e
19,1% a.a. respectivamente, como revelam as taxas de crescimento das vendas
entre 2005 e 2006.
Em relação à geração térmica, o aumento do volume de gás destinado às
usinas termelétricas, influenciou fortemente o incremento verificado nas taxas de
crescimento do período. Tal aumento foi devido ao racionamento de energia
elétrica ocorrido no Brasil no ano de 2001, episódio em que o Governo Federal
propôs o PPT como uma alternativa à geração hidrelétrica. Desse modo,
acreditava-se que quando os níveis dos reservatórios das usinas apresentassem
5 Fonte: Revista Brasil Energia.
45
capacidade de geração insuficiente para suprir a demanda, bastaria que o despacho
das térmicas fosse acionado.
No entanto, o teste final de disponibilidade das UTE’s que utilizam gás
natural como combustível, realizado em dezembro de 20066, para os sub-
mercados Sul e Sudeste/Centro-Oeste, indicou uma geração em média 42,8%
abaixo da programada para o conjunto das usinas em teste, sendo que 85,0%
deveu-se à indisponibilidade ou falta de gás, [21].
Foi assim que a demanda de gás natural pelas UTE’s apresentou entre
2005 e 2006 uma queda de 14,8% a.a., ficando aquém do despacho exigido pelo
ONS. Aliado à isso, a queda de 21,4% a.a. do consumo comercial, apesar de sua
baixa participação nas vendas totais das distribuidoras, contribuiu para que o
crescimento agregado das vendas de gás natural, para o conjunto das
distribuidoras, fosse de apenas 1,6%, bastante inferior à média anual entre os anos
de 2000 e 2006.
Segundo Moreira,Veloso e Regra (2007) a demanda de gás natural no
Brasil já se encontra no limite de sua expansão, principalmente em virtude dos
limites mencionados de capacidade da oferta atual, quais sejam as deficiências na
infra-estrutura de serviço de transporte e produção insuficiente.
Dessa forma, observa-se o contexto de esgotamento da capacidade de
ampliação da oferta no curto-prazo e de incertezas, inclusive políticas, advindas
das fontes externas de suprimento, evidencia-se a preocupação com os meios de se
garantir um abastecimento contínuo e em volumes adequados para o atendimento
à demanda de gás natural no país, inclusive em relação às termelétricas,
principalmente as que tiveram montantes de energia vendidos nos leilões de
energia, em 2005.
A Resolução Normativa 222 da ANEEL, de 06 de junho de 2006,
determinou que os contratos de suprimento de Energia Elétrica dos agentes
geradores termelétricos despachados pelo ONS, deveriam contemplar cláusula
estabelecendo penalidade pela falta de combustível.
Além disso, o Termo de Compromisso, firmado entre a PETROBRAS e a
ANEEL, em 04 de maio de 2007, com seus efeitos aprovados pela Resolução
6 O teste de disponibilidade de gás natural para o despacho simultâneo de 13 UTE’s a plena capacidade ocorreu durante o período de 0:00h do dia 11/12/2006 às 24:00h do dia 21/12/2006, sendo realizado pelo ONS em cumprimento à Resolução 755, de 30/11/2006, a ANEEL.
46
Normativa 275, de 07 de agosto de 2007, reafirmou a aplicação desta sanção à
PETROBRAS, quando a potência disponibilizada em um determinado mês por
alguma usina da PETROBRAS constante do Termo fosse inferior ao estabelecido
em despacho pelo ONS, devido à falta de combustível.
Levando-se em conta a necessidade de lastro físico da energia que todo
agente gerador deve ter para a energia vendida nos leilões, as restrições de oferta
de Gás Natural e a possibilidade de pagamento de penalidade, abordadas nas
seções acima, torna-se interessante para os agentes de geração proprietários das
usinas, pensar na possibilidade de operação das térmicas com outro combustível,
além do Gás Natural, através da conversão da usina para bicombustível.
O objetivo maior deste trabalho é avaliar economicamente esta flexibilidade
da usina operar com o Gás Natural ou Diesel, e estas análises serão desenvolvidas
no Capítulo 5 desta dissertação.
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