11tecndocnh2011
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Ladislau Dowbor
Tecnologias do Conhecimento
OS DESAFIOS DA EDUCAO
So Paulo, Julho de 2011 (verso online atualizada)
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ndice
1 - Da educao gesto do conhecimento ........................................................................................... 5
2 - Um mundo intensivo em conhecimento ............................................................................................. 7
3 - O salto tecnolgico da informtica e da comunicao ..................................................................... 9
4 - O deslocamento dos paradigmas da educao ............................................................................... 15
5 - A educao articuladora dos espaos do conhecimento ................................................................ 19
6 - Tecnologias do conhecimento e tecnologias organizacionais ........................................................ 26
7 - Tecnologias do conhecimento e desafios institucionais.................................................................. 28
8 - Comunicao, escola e comunidade ............................................................................................... 31
9 - Comunicao e Poder: os novos desafios ...................................................................................... 34
10 - O potencial de democratizao .................................................................................................... 38
11 A economia da criatividade ........................................................................................................ 41
Bibliografia .......................................................................................................................................... 47
Sobre o autor........................................................................................................................................ 50
A presente verso, de julho de 2011, tem pouqussimas modificaes, essencialmente de
referncias ou sites desatualizados, o que faz com que a edio impressa continue atual.
Acrescentamos tambm um captulo 11, sobre a economia da criatividade, para dar um
pouco do contexto econmico das mudanas. Hoje com cinco edies, este pequeno livro
sobre os impactos das novas tecnologias na educao continua surpreendentemente atual.
As mudanas aqui propostas, quando muito, tornaram-se mais prementes.
Ladislau Dowbor, julho de 2011
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Terminada a ltima guerra mundial foi encontrada, num campo de concentrao nazista,
a seguinte mensagem dirigida aos professores:
"Prezado Professor,
Sou sobrevivente de um campo de concentrao.
Meus olhos viram o que nenhum homem deveria ver.
Cmaras de gs construdas por engenheiros formados.
Crianas envenenadas por mdicos diplomados.
Recm-nascidos mortos por enfermeiras treinadas.
Mulheres e bebs fuzilados e queimados por graduados de
colgios e universidades.
Assim, tenho minhas suspeitas sobre a Educao.
Meu pedido : ajude seus alunos a tornarem-se humanos.
Seus esforos nunca devero produzir monstros treinados ou
psicopatas hbeis.
Ler, escrever e aritmtica s so importantes
Para fazer nossas crianas mais humanas."
As tecnologias so importantes, mas apenas se soubermos utiliz-las. E saber utiliz-las
no apenas um problema tcnico.
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Tecnologias do Conhecimento
Ladislau Dowbor
Julho 2011
Tentamos aqui identificar as grandes linhas do imenso potencial que abrem as novas
tecnologias do conhecimento, e tambm os novos perigos que apresentam. A educao j
no pode funcionar sem se articular com dinmicas mais amplas que extrapolam a sala de
aula. Da mesma forma, a economia j no pode funcionar de maneira adequada sem
enfrentar a questo da organizao social do conhecimento.
O autor destas linhas economista. Porque est se aventurando nesta rea que
normalmente da educao? Por um lado, porque ensinar economia um trabalho de
educao, e no h educador que no sinta que estamos avanando para novos horizontes.
Por outro lado, estamos avanando a passos largos para uma sociedade do conhecimento,
e a problemtica da educao se tornou central para todos ns, para o desenvolvimento
econmico e social de maneira geral.
As tecnologias em si no so ruins. Fazer mais coisas com menos esforo positivo. Mas
as tecnologias sem a educao, conhecimentos e sabedoria que permitam organizar o seu
real aproveitamento, levam-nos apenas a fazer mais rpido e em maior escala os mesmos
erros. Achvamos que o essencial para desenvolver o pas seria criar fbricas e bancos.
Hoje constatamos que sem os conhecimentos e a organizao social correspondente,
construmos uma modernidade com ps de barro, um luxo de fachada que j no engana
mais ningum.
Alguns trechos do presente livro apareceram em artigos, ou captulos de livros. Com a
dimenso dos desafios que enfrentamos, achamos til elaborar uma viso de conjunto, e
apresentar os nossos principais desafios de maneira sistematizada, ainda que sumria. Por
outro lado, as reflexes presentes neste livro nos levaram a desenvolver outros trabalhos,
como Da propriedade intelectual economia do conhecimento
http://dowbor.org/09propriedadeintelectual7out.doc ou ainda Educao e
desenvolvimento local, http://dowbor.org/06edulocalb.doc.
Vivemos hoje uma exploso tecnolgica, com Wikipedia, Google, Facebook, Twitter e
tantas outras iniciativas que nos permitem acessar conhecimentos e socializ-los pelo
planeta afora de uma maneira inimaginvel em outras eras. A educao tradicional,
sentada em cima deste vulco de transformaes, comea a sentir um calor crescente. Por
enquanto, apenas acomoda-se o melhor possvel. Mas as transformaes tero de ser
sistmicas.
http://dowbor.org/09propriedadeintelectual7out.dochttp://dowbor.org/06edulocalb.doc
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1 - Da educao gesto do conhecimento
As transformaes que hoje varrem o planeta vo evidentemente muito alm de uma
simples mudana de tecnologias de comunicao e informao. No entanto, as TICs1,
como hoje so chamadas, desempenham um papel central. E na medida em que a
educao no uma rea em si, mas um processo permanente de construo de pontes
entre o mundo da escola e o universo que nos cerca, a nossa viso tem de incluir estas
transformaes. No apenas a tcnica de ensino que muda, incorporando uma nova
tecnologia. a prpria concepo do ensino que tem de repensar os seus caminhos.
Tradicionalmente, a educao seria um instrumento destinado a adequar o futuro
profissional ao mundo do trabalho, disciplinando-o, e municiando-o de certa maneira com
conhecimentos tcnicos, para que possa vencer na vida, inserindo-se de forma
vantajosa no mundo como existe. Esta insero vantajosa, por sua vez, asseguraria
reconhecimento e remunerao, ou seja, sucesso.
Este paradigma, amplamente dominante, gerou outra viso, contestadora, que tenta
assegurar educao uma autonomia que lhe permita centrar-se nos valores humanos, na
formao do cidado, na viso crtica e criativa. Virgem de relaes com o mundo
econmico, de certa forma, esta educao estaria livre dos moldes que este lhe quer
impor.
Sem os instrumentos tcnicos para ser competente na linha profissionalizante, e frgil
demais para ser transformadora, a educao realmente existente termina por constituir um
universo relativamente ilhado dos processos de transformao econmica e social.
O mundo que hoje surge constitui ao mesmo tempo um desafio ao mundo da educao, e
uma oportunidade. um desafio, porque o universo de conhecimentos est sendo
revolucionado to profundamente, que ningum vai sequer perguntar educao se ela
quer se atualizar. A mudana hoje uma questo de sobrevivncia, e a contestao no
vir de autoridades, e sim do crescente e insustentvel saco cheio dos alunos, que
diariamente comparam os excelentes filmes e reportagens cientficos que surgem na
televiso e na internet, com as mofadas apostilas e repetitivas lies da escola.
Mas surge tambm a oportunidade, na medida em que o conhecimento, matria prima da
educao, est se tornando o recurso estratgico do desenvolvimento moderno. O
conhecimento cientfico, preciso diz-lo, nunca esteve no centro dos processos de
transformao social. Desempenhava um papel folclrico na Grcia antiga, mais
preocupada com as guerras, e mobilizou minorias nfimas em termos sociais nas grandes
civilizaes, seja da China, de Roma, ou do mundo rabe.
1 Inicialmente se utilizava TI, indicando Tecnologias da Informao, para designar de forma geral as
transformaes vinculadas informtica. Com o peso crescente das comunicaes em poca mais recente,
passou-se a utilizar TICs, Tecnologias de Informao e Comunicao. Autores como Pierre Lvy preferem
utilizar Tecnologias da Inteligncia.
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Frente s transformaes tecnolgicas que varrem o planeta, o mundo da educao
permanece como que anestesiado, cortado de boa parte do processo de pesquisa e
desenvolvimento, hoje essencialmente concentrado nas empresas transnacionais2, e
privado de uma viso mais ampla do desafio que tem de enfrentar. A realidade que, por
primeira vez, a educao se defronta com a possibilidade de influir de forma
determinante sobre o nosso desenvolvimento.
Junto com os fins, surgiram os meios. Ao mesmo tempo que a educao se torna um
instrumento estratgico da reproduo social3 e de promoo das populaes, surgem as
tecnologias que permitem dar um grande salto nas formas, organizao e contedo da
educao. Informtica, multimdia, telecomunicaes, bancos de dados, vdeos e tantos
outros elementos se generalizam rapidamente. A televiso, hoje um agente importante de
formao, pode ser encontrada nos domiclios mais humildes. Os custos destes
instrumentos esto baixando vertiginosamente. A internet em banda larga, em particular,
que hoje atinge dois bilhes de pessoas, dever nos prximos anos tornar-se um
instrumento pblico universalmente disponvel.
Partindo das tendncias constatadas em diversos paises, vislumbramos um conceito de
educao que se abre rapidamente para um enfoque mais amplo: com efeito, j no basta
hoje trabalhar com propostas de modernizao da educao. Trata-se de repensar a
dinmica do conhecimento no seu sentido mais amplo, e as novas funes do educador
como mediador deste processo.
As resistncias mudana so fortes. De forma geral, como as novas tecnologias surgem
normalmente atravs dos paises ricos, e em seguida atravs dos segmentos ricos da nossa
sociedade, temos uma tendncia natural a identific-las com interesses dos grupos
econmicos dominantes. E a verdade que servem inicialmente estes interesses. No
entanto, uma atitude defensiva frente s novas tecnologias pode terminar por acuar-nos a
posies em que os segmentos mais retrgrados da sociedade se apresentam como
arautos da modernidade.
Com as transformaes revolucionrias que atingem o universo do conhecimento em
geral, dotar-se de instrumentos e instituies adequados de gesto nesta rea constitui
seguramente um eixo essencial de ruptura do nosso atraso. Trata-se de inverter o sinal
poltico das tecnologias, torn-las em instrumento de incluso, de democratizao social
atravs do conhecimento, e no mais instrumento de dominao das elites.
2 - As empresas transnacionais, tambm chamadas de multinacionais, constituem um universo
relativamente recente. As grandes, que constituem o chamado Big Business, so cerca de 500 a 600,
controlam cerca de 25% da produo mundial, ocupando menos de 5% da mo de obra. Dominam hoje os
eixos estratgicos, como as finanas, a mdia, as comunicaes, a informtica e avanam rapidamente na
rrea farmacutica e de biotecnologias. Mantm diversos tipos de reunies internacionais de articulao,
como os encontros de Davos, de Bildeberg e outros. Constituem seguramente o principal poder mundial em
termos polticos, financeiros e miditicos. 3 O conceito de reproduo social utilizado para ampliar o foco tradicional que privilegiava a reproduo
do capital. Inclui tanto a dimenso econmica, como as dimenses social e ambiental. A este respeito, ver
Ladislau Dowbor, A Reproduo Social, editora Vozes 1998. O texto est disponvel tambm na internet no
site http://dowbor.org
http://dowbor.org/
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2 - Um mundo intensivo em conhecimento
No se trata de inundar as escolas e outras instituies de computadores, como que cados
de pra-quedas. Numerosos estudos feitos em empresas mostram como a simples
informatizao leva apenas a que as mesmas bobagens sejam feitas com maior rapidez,
alm do acmulo de equipamento sofisticado utilizado como mquinas de escrever.
Trata-se de organizar a assimilao produtiva de um conjunto de instrumentos poderosos
que s podero funcionar efetivamente ao promovermos a mudana cultural4, no sentido
mais amplo, correspondente.
Esta mudana cultural, de civilizao, planetria. Para dar um exemplo, todos j vimos
notcias sobre a perda da importncia relativa da agricultura. Nos Estados Unidos, ela
envolveria quando muito 2% da populao ativa. No entanto, ao olharmos de mais perto,
constatamos que em torno destes 2% que so realmente muito poucos, funcionam
empresas que prestam servios de inseminao artificial, outras que prestam servios de
anlise de solo, outras ainda que organizam sistemas de estocagem e conservao da
produo, ou prestam servios de pesquisa, meteorologia e assim por diante. Quando
formos somando as diversas atividades diretamente ligadas agricultura, mas que no
trabalham a terra, chegaremos a pelo menos 20% da populao ativa americana. Em
outros termos, o que est acontecendo no o desaparecimento da agricultura: mudou a
forma de fazer agricultura, com menos atividade de "enxada", perfeitamente passvel de
mecanizao, e muito mais contedo de organizao do conhecimento.
A indstria, com algumas dcadas de atraso relativamente agricultura, est seguindo o
mesmo caminho. O nmero de trabalhadores industriais, do chamado setor secundrio,
est diminuindo por toda parte, gerando um desemprego inclusive muito sentido nos
centros industriais tradicionais do Estado. Nos Estados Unidos so menos de 10% da mo
de obra. Mas na realidade, enquanto a atividade operacional junto mquina se reduz
rapidamente, desenvolvem-se atividades de organizao, pesquisa, gerenciamento, design
e outras que tm sido chamadas de atividades "intangveis"5, porque no levam a um
produto fsico, no trabalham com uma mquina concreta. Muita gente tem chamado
estas atividades com o termo vago de servios. Mas na realidade, trata-se de uma forma
mais intensiva em conhecimento de desenvolver atividades de transformao produtiva
industrial.
Surgem tambm com fora e peso renovados as atividades ligadas s polticas sociais,
que prestam servios diretamente s pessoas, como a sade, o imenso setor vagamente
4 A mudana cultural de forma geral muito mais lenta do que o progresso tecnolgico. Esta disritmia gera
tenses. Nas empresas norteamericanas, estudos mostraram que a informtica passou a ser realmente
utlizada de forma plena e criativa com a chegada de uma nova gerao de tcnicos que haviam assimilado
as tecnologias desde a escola, e se sentiam muito mais vontade no novo contexto de telas, mouse e
teclados. 5 Quando se compra um produto, um sapato por exemplo, muita gente ainda imagina que paga os custos de
produo fsica mais o lucro do produtor. Na realidade, em mdia os produtos custam menos de 25% do
que pagamos. Os 75% restantes constituem os "intangveis", como pesquisa, criao de imagem positiva
atravs da publicidade, gastos de promoo, custos advocatcios e outros.
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chamado de indstria do entretenimento6, e a prpria educao que se generaliza para
atingir todas as pessoas e todas as idades. So reas muito intensivas em conhecimento, e
que so capilares, ou seja, precisam chegar a cada pessoa, cada famlia, de maneira
especfica e diferenciada, exigindo sistemas muito complexos de organizao e
gerenciamento, o que implica em mais conhecimento. No se despacha sade ou
educao por continer.
No menos importantes so as atividades de governo. Ainda que o discurso ideolgico
sobre Estado mnimo renda votos, o mundo realmente existente v as atividades pblicas
crescer em todo o planeta. No h mistrio nisto, e muito pouca ideologia. Com a
urbanizao, coisas que eram realizadas individualmente por cada famlia, no mundo de
populaes rurais dispersas, exigem agora servios pblicos articulados, como gua,
energia, esgoto, ruas, redes escolares e assim por diante, servios que exigem viso de
conjunto, planejamento, respeito aos interesses sociais e ambientais, e que funcionam
muito mal em mos privadas. interessante ver hoje que uma instituio to insuspeita
de "estatismo" como o Fundo Monetrio Internacional apresenta dados que demonstram
rigorosamente que quanto mais desenvolvidos os pases, maior , proporcionalmente, a
dimenso dos servios pblicos. S que estes servios de organizao e gerenciamento
social exigem hoje mais do que a tradicional burocracia: precisem ser geis e flexveis.
Isto exige no s uma grande intensidade em informao, como o acesso generalizado a
esta informao, para que se garanta a democracia e a transparncia.
Ou seja, a educao, e os sistemas de gesto do conhecimento que se desenvolvem em
torno dela, tm de aprender a utilizar as novas tecnologias para transformar a educao,
na mesma proporo em que estas tecnologias esto transformando o mundo que nos
cerca. A transformao de forma e de contedo.
6 O termo indstria do entretenimento relativamente recente no Brasil, mas muito utilizado em ingls, a
entertainment industry. Representa o conjunto de atividades ligadas televiso, jogos na internet, cinema e
outros. Uma revista internacional de executivos como a Business Week considera que a indstria do
entretenimento constitui hoje, junto com a sade, uma das duas grandes locomotivas da economia
americana, tendo suplantado amplamente a indstria automobilstica e a indstria blica. Veja
www.businessweek.com
http://www.businessweek.com/
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3 - O salto tecnolgico da informtica e da comunicao
Desta forma, no apenas a educao que se defronta com novas tecnologias: estas
mesmas tecnologias esto gerando impacto em todo o universo social, e criando novas
dinmicas onde o conhecimento vai se tornando gradualmente central. A transformao
envolve praticamente todas as reas de atividade, economia, poltica, cultura, a prpria
organizao do tecido social e das nossas relaes, alm de provocar uma mudana
radical de como utilizamos o nosso principal recurso no-renovvel, o curto tempo da
nossa vida.7
A base tcnica da revoluo que estamos sofrendo bastante simples. O ponto de partida
a adoo de um cdigo binrio: em vez de escrever por exemplo a letra "a", eu posso
decidir, por conveno, a sua substituio por uma combinao de "0" e "1". Ou seja,
substitumos uma representao grfica, o "a", um desenho, por um smbolo abstrato que
consiste na combinao de dois dgitos. Se optarmos por unidades de 8 dgitos, cada letra
do alfabeto poder ser substituda por algo como, por exemplo, 00101100. Como se trata
de dois dgitos, com 8 posies, podemos ter 256 combinaes, permitindo dar expresso
no apenas ao alfabeto, como aos nmeros, a um l menor de um timbre determinado, a
um ponto de cor numa tela, e assim por diante. E se aumentarmos o tamanho da "palavra"
digital, de 8 para 16 posies, por exemplo, poderemos incluir todos os caracteres
chineses, pois temos nossa disposio 65.516 combinaes.
No uma coisa nova, nem misteriosa. No cdigo Morse, usa-se tambm um cdigo
binrio, de pontos e traos. Um pedido de socorro, por exemplo, S.O.S., representado
por trs pontos, trs traos, e trs pontos. Pode ser transmitido com sinais de lanterna,
alternando trs piscadas curtas, trs longas e trs curtas. Os pontos e traos podem ser
representados sob forma de luz, ou de som, pouco importa, conquanto possamos
distinguir dois sinais diferentes.
Para ter dois sinais diferentes, basta uma variao. Esta variao se exprime graficamente
como combinao de "0" e "1", mas pode ser representada concretamente com o plo
positivo ou negativo em termos magnticos, ou como uma variao de comprimento de
ondas de luz e assim por diante. O essencial que com uma variao, podemos dar
expresso a dois sinais. E com a combinao de dois sinais, podemos dar a expresso a
todo o universo de conhecimentos, seja de letras, de cores, de uma sinfonia ou de um
filme, a toda a memria acumulada e registrada da humanidade. Entramos na era digital.
O segundo ponto desta revoluo se prende ao fato da eletrnica moderna ter conseguido
"ancorar" estes dgitos em movimentos de nvel atmico, de eltrons, de ftons. Atravs
dos avanos que geraram semicondutores, transistores, circuitos integrados e micro-
processadores, tornou-se possvel transformar o "a" que escrevemos no teclado em sinais
eletrnicos minsculos que se gravam no disco rgido ou no disquete do nosso
7 Sobre este tema, ver a nota tcnica O Valor Econmico do Tempo Livre, 2010,
http://dowbor.org/wp/index.php/sites-recomendados/o-valor-economico-do-tempo-livre/
http://dowbor.org/wp/index.php/sites-recomendados/o-valor-economico-do-tempo-livre/
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10
computador. Em outros termos, todo o acervo de conhecimentos da humanidade passou
para uma base que , para todos os efeitos prticos, infinitamente pequena, e que se
desloca na velocidade da luz. O conhecimento deixou de ter uma base material para se
tornar um "fluido" de maleabilidade ilimitada.
O terceiro ponto desta transformao, consistiu em organizar a "navegao" neste fluido
informativo. Os movimentos de nvel atmico no precisam necessariamente ter uma
base material: podemos receber uma informao digital atravs de ondas, retransmitidas
por um satlite, encaminhadas por um cabo tico ou um fio de telefone. Aqui tambm
nada radicalmente novo. O telefone, ou fone a distncia, nos permitia ouvir algum que
fala longe. Mas a transformao da voz em sinais eltricos no ponto de partida, e a sua
reconverso em voz no ponto de chegada, se dava por analogia. Uma boa imagem para
lembrar a diferena nos vem dos antigos discos com agulha: na gravao, a agulha
vibrava ao som da msica, gravando o disco. Quando escutamos a msica, a agulha, ao
passar pelos mesmos sulcos, vibra igualmente, e com o alto falante se obtm de novo a
msica. O sistema digital, por sua vez, permite que navegue da mesma forma a imagem,
o smbolo, o som, codificados em dgitos. Isto gerou uma base comum para todo o
sistema de conhecimento, e tornou possvel a transmisso de gigantescas quantidades de
informao sem deformaes ou erros. E se h problemas na transmisso, o prprio
cdigo nos alerta.
O quarto ponto um pouco menos visvel, mas igualmente essencial: trata-se de
organizar a busca das informaes, de forma a que no nos vejamos afogados pelo
excesso de dados. Recorreu-se aqui ao matemtico britnico George Boole, que
desenvolveu no sculo XIX metodologias de organizao pensamento que foram
resgatadas para a busca que fazemos na internet ou nos diversos instrumentos de
navegao. Por exemplo, interessa-me consultar obras sobre a relao entre o salrio e o
desemprego, em pases pobres, no anteriores a 1995. Isto em termos de instrues de
busca significa que me interessa o conceito salrio e o conceito desemprego, ou ainda
todas as obras onde aparece o conceito de salrio ou o de desemprego, e assim por diante.
Tece-se assim a gramtica que d sentido busca, permitindo sucessivos afinamentos que
nos levam ao ponto certo, mesmo entre bilhes de unidades de informao.
O quinto ponto um resultado: o sistema digital permitiu a rpida convergncia de todos
os instrumentos que geram, transmitem e recebem informao sob suas diversas formas.
O conhecimento, o dado, o smbolo, tudo trafega neste gigantesco aglomerado onde
telefonia (voz), televiso (imagem), e informtica (informao) se articulam para formar
o que Dnis de Morais chama de infotelecomunicao8, presente na lio de casa das
nossas crianas, na msica do nosso CD, na escolha dos produtos no supermercado, no
cdigo de barras, no carto de crdito, nas nossas horas de lazer, na forma de
organizarmos o nosso trabalho, no conhecimento que Estado e empresas tm das nossas
atividades, na maneira e no horrio dos bombardeios de uma guerra, alm da forma como
8 Dnis de Morais escreveu um livro muito bem informado e de agradvel leitura, chamado O Planeta
Mdia, onde mostra em detalhe, com linguagem muito acessvel, o novo universo que est se desenhando
em torno desta convergncia da informtica, da televiso e das telecomunicaes. O livro foi editado pela
Letra Livre, em Campo Grande http://www.letralivre.com.br
http://www.letralivre.com.br/
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11
as prprias bombas so guiadas. De certa forma, no podemos evitar o bvio: este
conjunto de atividades agigantou-se de maneira fenomenal, adquirindo um papel
absolutamente central nas atividades humanas em geral.
O resto uma corrida de aplicaes. O computador ganha todo dia novos softwares que
organizam a "ponte" entre o que vemos na tela e sua expresso ao nvel do
microprocessador. Os prprios micro-processadores ganham todo ano maior velocidade e
capacidade. A transmisso passa gradualmente do cobre para a fibra tica. O planeta se
v enfeixado por satlites geo-estacionrios, que cobrem todo o espao terrestre, e
permitem que qualquer escola isolada da Monglia, por exemplo, tenha acesso a qualquer
acervo de conhecimentos informatizados de qualquer universidade ou empresa do mundo.
Os oceanos recebem nos seus leitos os cabos ticos intercontinentais, que devem permitir
a transmisso instantnea de gigantescas massas de informao. As rodovias ganham
valetas com cabos ticos, gerando gradualmente uma nova e gigantesca teia de aranha
planetria que revoluciona simultaneamente a telefonia, a televiso, o acesso a banco de
dados e a bibliotecas, as relaes entre empresas ou entre departamentos de uma empresa.
A telefonia mvel de ltima gerao permite o acesso a tudo isto no aparelhinho que
levamos no bolso. 0 acervo de conhecimento de toda a humanidade transformado num
gigantesco sistema de vasos comunicantes, onde todos podem ter acesso a tudo
Esta conectividade instantnea de qualquer ser humano, de qualquer unidade residencial
ou de trabalho, em termos de informao e de comunicao, gera por sua vez uma
dramtica transformao nas relaes humanas: a internet vem por primeira vez colocar
disposio de qualquer pessoa que tenha os conhecimentos e recursos necessrios e se
trata aqui de uma condicionante de imensa importncia a possibilidade de se
comunicar, a partir de qualquer ponto, com qualquer outro usurio do planeta. Forma-se
rapidamente o que tem sido chamado de sociedade em rede9. A internet simplesmente o
sistema de suporte organizado comunicao planetria. As avenidas e estradas onde
transita o conhecimento, as infovias, so constituidas por ondas eletromagnticas que se
encontram em todo lugar, viajam na velocidade da luz, e so pblicas, objeto de
concesso pblica quando apropriadas por grupos privados.
9 O conceito de sociedade em rede sumamente importante. A complexidade, o ritmo de mudana e a
diversidade de situaes de uma sociedade moderna tornam a velha verticalidade romana ou prussiana
invivel. A hierarquia, com a multiplicao de nveis e centralizao das decises, exclui naturalmente a
base. Privado do controle da base, ou seja, da populao interessada nas decises, o sistema passa a
funcionar literalmente desgovernado. Por outro lado, o fato que a populao se urbanizou, formando
espaos articuladas e organizveis na base da sociedade, abre perspectivas para uma descentralizao e
democratizao radicais das formas como nos gerimos. Em outra poca, isto poderia levar a uma
desarticulao do sistema poltico mais amplo. Hoje, os novos sistemas de informao e de comunicao
permitem que o sistema seja descentralizado, e funcione em rede, substituindo em grande parte a hierarquia
de mando pela coordenao horizontal. Trata-se de uma mudana de paradigma que j penetrou numa srie
de reas empresariais, e constitui a filosofia de trabalho de muitas organizaes da sociedade civil,
enquanto d apenas os primeiros passos na nossa viso da organizao do Estado. Existem dois excelentes
clssicos sobre o tema: Manuel Castells - A Sociedade em Rede, e Pierre Lvy, - A Inteligncia coletiva.
Veja referncia completa na bibliografia.
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12
Quando o conhecimento se torna um elemento chave de transformao social, a prpria
importncia da educao muda qualitativamente. Deixa de ser um complemento, e
adquire uma nova centralidade no processo.
Por enquanto, as novas tecnologias so um instrumento, espera do tipo de utilizao que
dele faremos. O que representa para ns, como instrumento de transformao da
educao, o fato do conhecimento passar a se apresentar como um fluido no-material
que banha o planeta e que circula praticamente na velocidade da luz e quase
gratuitamente?10
nesta velocidade que podem ser estocados, transformados, ou transmitidos para
qualquer parte do mundo, textos, imagens de desenhos ou pinturas, msicas, fotos,
filmes, frmulas matemticas. O longo processo tcnico e econmico que conectou
grande parte das escolas, instituies de pesquisa, bibliotecas, empresas, organizaes
comunitrias e domiclios com o mundo de eletricidade, telefone e antenas de rdio e
televiso, permite hoje o funcionamento de uma imensa rede de comunicao cientfica e
cultural, uma conectividade universal jamais prevista nas suas dimenses. Frente a este
tipo de inovao, a inveno da imprensa por Gutenberg, com toda a sua importncia,
aparece como um avano bem modesto, por revolucionria que fosse na poca.
Pondo de lado os diversos tipos de exageros sobre a "inteligncia artificial", ou as
desconfianas naturais dos desinformados, a realidade que a informtica, associada s
telecomunicaes, permite:
a) estocar de forma prtica, em CDs, em discos rgidos e em discos laser, e cada vez mais simplesmente na "rede" ou nas nuvensgigantescos volumes de informao.
Estamos falando de centenas de milhes de unidades de informao que cabem no
bolso, que passam a ser universalmente acessveis a partir de qualquer ponto,
com ou sem fio.
b) trabalhar esta informao de forma inteligente, permitindo a formao de bancos de dados sociais e individuais de uso simples e prtico, e eliminando as rotinas
burocrticas e a fragmentao que tanto paralisam o trabalho cientfico. Pesquisar
dezenas de obras para saber quem disse o que sobre um assunto particular,
navegando entre as mais diversas opinies, torna-se uma tarefa extremamente
simples, e sobretudo instantnea;
c) transmitir a informao de forma muito flexvel, hoje atravs do telefone conectado ao computador,via cabo de fibras ticas ou antenas, de forma barata e
precisa. Inaugura-se assim uma nova era de comunicao de conhecimentos. Isto
implica que de qualquer sala de aula ou residncia, podem ser acessados dados de
qualquer biblioteca do mundo, ou ainda que as escolas podem transmitir
informaes cientficas de uma para outra, e desenvolver processos colaborativos;
10
O fato dos custos serem reduzidssimos contrariamente s ruas onde circulamos gratuitamente, e que
tiveram de ser construdas, as avenidas eletromagnticas so um dom da natureza no impede que os
pros possam ser muito elevados quando h uma monopolizao privada do acesso.
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13
d) integrar a imagem fixa ou animada, o som e o texto de maneira muito simples, ultrapassando a tradicional diviso entre a mensagem lida no livro, ouvida no
rdio ou vista numa tela; nada impede, neste universo, um aluno de escrever um
poema com pinturas e cores que o acompanham, e uma msica de fundo
correspondente. O dgito no discrimina entre smbolo, cor, nmero, voz.
e) manejar os sistemas sem ser especialista: acabou-se o tempo em que o usurio tinha de aprender uma "linguagem", ou simplesmente tinha que parar de pensar no
problema do seu interesse cientfico para pensar no como manejar o computador.
A gerao dos programas "user-friendly", ou seja "amigos" do usurio, torna o
processo pouco mais complicado que o da aprendizagem do uso da mquina de
escrever; mas exige tambm uma mudana de atitudes frente ao conhecimento de
forma geral, mudana cultural que esta sim freqentemente complexa.
Trata-se aqui de dados bastante conhecidos, e o que queremos notar, ao lembr-los
brevemente, que estamos perante um universo que se descortina com rapidez
vertiginosa, e que ser o universo do cotidiano das pessoas que hoje formamos.
Por outro lado, as pessoas s agora comeam a se dar conta de que o custo total de um
equipamento de primeira linha, com enorme capacidade de estocagem de dados,
impressora laser, modem para conexo com telefone, scanner para transporte direto de
textos ou imagens do papel para a forma magntica, da mesma magnitude que um bom
aparelho de televiso, ou pouco mais. Hoje temos aparelhos de televiso em 92% dos
domiclios do pas. E estes custos esto caindo vertiginosamente. Ainda h pouco tempo,
uma ligao telefnica para o exterior era carssima: hoje podemos nos conectar durante
horas a preos baixssimos via skype ou semelhantes. a nova conectividade planetria.
A varivel dos custos importante: quando com o preo da construo de uma escola
pode-se comprar milhares de equipamentos de informtica e de vdeo, a composio
tecnolgica dos investimentos na educao deve ser colocada em discusso. Por outro
lado, um livro cientfico mdio hoje custa cerca de 50 reais, valor que permite comprar
em CD uma enciclopdia universal, sem falar da possibilidade de acessar a wikipedia
gratuitamente. Transmitir os dados de um livro cientfico informatizado, custa dezenas de
vezes menos do que a fotocpias com as quais tantos professores se defendem.
No h dvida que perfeitamente legtima a atitude de uma professora de periferia, que
se debate com os problemas mais dramticos e elementares, e com um salrio absurdo: "o
que que eu tenho a ver com isto?" Faz parte da nossa realidade, ainda, a luta pelo
"Aurlio". Mas a implicao prtica que vemos, frente existncia paralela deste atraso e
da modernizao, que temos que trabalhar em "dois tempos", fazendo o melhor possvel
no universo preterido que constitui a nossa educao, mas criando rapidamente as
condies para uma utilizao "nossa" dos novos potenciais que surgem.
O desafio no simples: como professores, precisamos preparar os alunos para trabalhar
com um universo tecnolgico no qual ns mesmos ainda somos principiantes. til
-
14
lembrar a histria que nos traz Seymour Papert, em A Mquina da Criana: uma
professora de informtica se sentia cada vez mais ultrapassada pelo ritmo das crianas,
que no s captavam muito facilmente o que ela ensinava, como iam adiante com maior
rapidez. Numa aula, confrontada com uma pergunta que no sabia responder, e que
sequer entendia, a professora teve um acesso de bom senso, e fez um novo pacto com os
alunos. Doravante, ela no se sentiria obrigada a conhecer todas as reas do que ensinava,
sobretudo neste universo to repleto de coisas novas. Ela passaria a orientar os alunos na
sua aquisio de capacidades informticas, e deixaria de ser uma repassadora de
contedos. Ela, como professora, sabe organizar a aprendizagem, o que no significa que
precisa saber tudo.
Voltamos assim viso que apresentamos no incio: mudam as tecnologias, mas tambm
muda o mundo que devemos estudar, e precisam mudar as prprias formas de ensino. A
informtica no apenas a chegada de novas mquinas. E neste caso, no resolve sequer
a mentalidade do "manual de instrues": a compreenso das novas dinmicas ainda est
em plena construo.
-
15
4 - O deslocamento dos paradigmas da educao
No preciso ser nenhum deslumbrado da eletrnica para constatar que o movimento
transformador que atinge hoje a informao, a comunicao e a prpria educao
constitui uma profunda revoluo tecnolgica. Este potencial pode ser visto como fator
de desequilbrios, reforando as ilhas de excelncia destinadas a grupos privilegiados, ou
pode constituir uma poderosa alavanca de promoo e resgate da cidadania de uma
grande massa de marginalizados, criando no pas uma base ampla de conhecimento, uma
autntica revoluo cientfica e cultural.
Nesta rearticulao da sociedade, hoje urbanizada e coexistindo em vizinhanas, e
frente ao novo papel do conhecimento no nosso cotidiano, as estruturas de ensino
poderiam evoluir, por exemplo, para um papel muito mais organizador de espaos
culturais e cientficos do que propriamente de lecionador no sentido tradicional. De
toda forma o espao urbano abre possibilidades para a organizao de redes culturais
interativas11
que colocam novos desafios ao prprio conceito de educao.
Conforme vimos, tudo indica que no estamos enfrentando apenas uma revoluo
tecnolgica. Na realidade, o conjunto de transformaes parece estar levando a uma
sinergia da comunicao, informao e formao, criando uma realidade nova, que est
sendo designada como "sociedade do conhecimento"12
. De certo modo, o processo reflete
os primeiros passos do homo culturalis, em contraposio ao homo economicus dos
sculos XIX e XX.
Entrar neste universo da modernidade ciberntica, quando somos um pas em grande
parte subdesenvolvido, e muito desigual, envolve dificuldades. De certa forma,
precisamos traar caminhos prprios, e no necessariamente aplicarmos frmulas
desenvolvidas para pases ricos. Eles mesmos procuram novos rumos na educao. til
lembrar alguns dados. Os gastos pblicos por aluno nos ensinos pr-primrio, primrio e
secundrio, em 1990, foram de 2.419 dlares por ano nos paises ricos, contra 263 dlares
nos paises do terceiro mundo. A desigualdade se mantm. Em 2009, o Luxemburgo
gastou 5800 dlares de dinheiro pblico por aluno, os Estados Unidos 3050, a Venezuela
11
O fato do conhecimento ter-se tornado flido, instantaneamente transportvel, faz com que o
conhecimento seja hoje menos uma matria prima que primeiro se aprende, e depois se transmite, para se
constituir numa rede de participantes que dele partilham. medida que a cultura da conectivididade se
generaliza, vo se formando assim redes culturais interativas que o professor pode ajudar a organizar, a
dinamizar. 12
A sociedade do conhecimento um conceito que j nos habituamos a utilizar para definir o conjunto de
transformaes que esto afetando o planeta, na empresa, na universidade, nas relaes sociais. De certa
maneira, passamos da antiga sociedade agrria, onde o eixo norteador era a agricultura, para uma sociedade
industrial onde o eixo passou a ser a fbrica, e agora estamos evoluindo para uma sociedade onde a
informao e o conhecimento se tornaram os elementos estruturadores mais significativos. Uma boa leitura
sobre o assunto o livro organizado por Robin Mansell e Uta Wehn Knowledge Societies: Information
Technology for Sustainable Development Unesco, Oxford University Press, New York 1998
-
16
446 e o Brasil 412.13
De uma forma geral, constata a Unesco14
, so os paises mais
pobres que fornecem a educao mais limitada. Ou seja, os que deveriam gastar mais em
educao para alcanar os mais ricos, so justamente os que gastam menos. A esperana
de vida escolar15
em certos paises inferior a 500 dias, enquanto atinge 3.100 dias no
Canad.
interessante notar que o balano mundial da Unesco sobre a situao da educao no
mundo presta um tributo ao que conseguimos fazer com os poucos recursos que temos:
"Estudos internacionais realizados pela Asociacin Internacional de Evaluacin Escolar
(IEA) demonstraram que os estudantes dos pases desenvolvidos no tm um rendimento
muito superior mais ainda, em alguns casos no sequer melhor em provas
comparveis de compreenso de leitura, aritmtica e cincias, por exemplo, do que o dos
estudantes relativamente pobres onde o gasto por aluno muito inferior".
Isto mostra que dinheiro e tecnologia no tudo. Mas implica sim que estamos
trabalhando, em termos de educao, com universos profundamente diferenciados. O
mesmo relatrio internacional menciona que na cidade de So Paulo, o nmero de chefes
de famlia com menos de um ano de escolarizao 22 vezes superior na periferia do que
nas reas centrais da cidade.
Ampliando esta viso para o Brasil, o Relatrio Nacional Brasileiro Cpula Mundial
para o Desenvolvimento Social, (Copenhague 1995)16
constatou que no que se refere
aos 8 anos do ensino bsico, apenas 34% dos que nele ingressam chegam sua
concluso, no geral com um tempo de permanncia 50% maior do que o perodo previsto.
Existem tambm descompassos entre a oferta e a demanda, estimando-se em 4 milhes o
nmero de crianas fora da escola, ao mesmo tempo que se verifica uma sobrecarga da
rede pblica. Apenas 1% da populao chega universidade, sendo que o ensino de
segundo grau (do 9 ao 11 anos) representa outro grande afunilamento, j que somente
30% da populao entre 15 e 19 anos de idade tem acesso a ele. A dimenso desta
herana faz compreender melhor as dificuldades e a dimenso dos esforos atualmente
13
Para dados recentes, veja http://stats.uis.unesco.org que apresenta dados para o Brasil em 2007, gastos
pblicos em dlares ppp de 1,7 mil no fundamental, 1,7 mil tambm no seccundrio, e 2,9 mil no ensino
superior. As cifras respectivas para a Frana so de 6,1 mil, 9,0 mil e 12 mil. Nos EUA so 9,8 mil, 10,8
mil e 9,7 mil. 14
Os dados referentes s desigualdades internacionais na educao podem ser encontrados no Relatrio
Mundial sobre a Educao, da Unesco, (www.unesco.org ) publicado anualmente em vrias linguas; outra
excelente fonte so os Relatrios sobre o Desenvolvimento Humano, publicados anualmente pelo PNUD
(www.undp.org/hdro ); O Banco Mundial tambm publica estes dados, nas tabelas estatsticas, no seu
relatrio anual Relatrio sobre o Desenvolvimento Mundial. (www.worldbank.org ) 15
Este conceito importante, definido pela Unesco, mede a probabilidade de tempo de vida escolar de uma
criana de 5 anos, no ensino formal. Ver a definio completa no Relatrio Mundial sobre a Educao, da
Unesco, Paris 1993 16
A Cpula Mundial de Copenhague reuniu quase todos os pases do mundo para avaliar a situao social
do planeta. equivalente, para o campo social, ao que foi a Cpula Mundial sobre o Meio Ambiente e o
Desenvolvimento, no Rio de Janeiro, em 1992. O relatrio oficial do governo brasileiro para esta
conferncia de tima qualidade, e constitui uma boa fonte de avaliao das nossas polticas sociais. Foi
editado pelo governo: Repblica Federativa do Brasil Relatrio Nacional Brasileiro Cpula Mundial
para o Desenvolvimento Social Brasilia 1995. o trecho aqui mencionado encontra-se nas p. 12 e seguintes
do relatrio.
http://stats.uis.unesco.org/http://www.unesco.org/http://www.undp.org/hdrohttp://www.worldbank.org/
-
17
despendidos, Os desequilbrios so estruturais, e ser particularmente difcil super-los
enquanto a desigualdade econmica se mantiver: a educao no uma ilha.17
Como inverter a dinmica de uma educao que hoje constitui um fator de reforo das
desigualdades, como rearticular os diversos universos sociais to distantes? O nosso
desafio, portanto, no s de introduzir novas tecnologias, com o conjunto de
transformaes que isto implica, mas tambm de assegurar que as transformaes sejam
fonte de oportunidades.
Resumindo as noes gerais, ou macro-tendncias, que vimos at agora, e buscando
sistematizar o que elas representam em termos prticas para a nossa ao, sugerimos os
seguintes pontos de referncia:
necessrio repensar de forma mais dinmica e com novos enfoques a questo do universo de conhecimentos a trabalhar: ningum mais pode aprender tudo, mesmo de
uma rea especializada. O velho debate que data ainda do sculo XVI, sobre se a
cabea deve ser bem cheia ou bem feita, torna-se mais presente do que nunca.
"Encher" a cabea tornou-se invivel, alm de intil.
Neste universo de conhecimentos, nesta imensa rede de vasos comunicantes e interativos, assumem maior importncia relativa as metodologias, o aprender a
navegar, reduzindo-se ainda mais a concepo de "estoque" de conhecimentos18
a
transmitir. O conhecimento no mais essencialmente o que est na cabea do
professor, est na rede.
Torna-se cada vez mais fluida a noo de rea especializada de conhecimentos, ou de carreira, quando do engenheiro exige-se cada vez mais uma compreenso da
administrao, quando qualquer cientista social precisa de uma viso dos problemas
econmicos e assim por diante, devendo-se inclusive colocar em questo os
corporativismos cientficos. o fim do universo em fatias, da cincia-salaminho.
Aprofunda-se a transformao da cronologia do conhecimento: a viso do homem que primeiro brinca, depois estuda, depois trabalha, e depois se aposenta aposentadoria
vista alis como um tipo de retirada para a inutilidade, torna-se cada vez mais
anacrnica, e a complexidade das diversas cronologias aumenta.
A mudana das cronologias implica numa imensa diversificao do mundo educacional, que passa a se constituir num mosaico de subsistemas flexveis de
articulao entre as diversas idades, diversas atividades, e a sua dimenso de
17
Sobre este tema, ver a excelente pesquisa do Cenpec, que apresenta a fragilidade dos resultados
educacionais em reas de vulnerabilidade econmica e social, 2011.
http://dowbor.org/ar/pesquisa%20de%20vulnerabilidade%20-%20internet%20v2.pdf 18
H uma discusso importante sobre o conceito de conhecimento. Aqui trabalhamos com uma hierarquia
simples: elementos fragmentados constituem dados, os dados organizados constituem informao, a
informao elaborada pelo sujeito que a utiliza, na interao com a realidade, se transforma em
conhecimento. Uma relao harmoniosa de conhecimento, ao e valores poderia significar sabedoria.
http://dowbor.org/ar/pesquisa%20de%20vulnerabilidade%20-%20internet%20v2.pdf
-
18
conhecimento. Implcitos esto desafios como a reciclagem de quem trabalha, a
universidade de terceira-idade, o uso de jogos infantis como simulaes didticas, a
interao do adolescente com o mundo profissional e assim por diante.
Modifica-se profundamente a funo do educando, em particular do adulto, que deve se tornar sujeito da prpria formao, frente diferenciao e riqueza dos espaos de
conhecimento nos quais dever participar. A educao vista neste prisma tende a se
tornar de certa forma orientada pela demanda, sendo que construir o seu prprio
universo de conhecimento passa a ser uma condio central da insero social das
pessoas. No se trata mais de gerar o currculo adequado a partir de instncias
"superiores", mas de se adaptar ao que o aluno efetivamente necessita, nos seus
diversos eixos de interao com o mundo.
A luta pelo acesso aos espaos de conhecimento vincula-se ainda mais profundamente ao resgate da cidadania, em particular para a maioria pobre da populao, como parte
integrante das condies de vida e de trabalho. O Relatrio Mundial sobre a
Informao da Unesco insiste muito sobre este ponto: o acesso informao, neste
mundo complexo que vivemos, vital inclusive para o cidado poder ter acesso aos
outros direitos humanos. Neste sentido batalhar por uma educao pblica, aberta e
transparente, e pelo livre acesso ao conhecimento, cada vez mais atual.
Longe de tentar ignorar as transformaes, ou de atuar de forma defensiva frente s novas tecnologias, precisamos penetrar as dinmicas para entender sob que forma os
seus efeitos podem ser invertidos, buscando uma sociedade mais equilibrada, quando
hoje tendem a se reforar as polarizaes e a desigualdade. Trata-se, em outros
termos, de trabalhar de maneira sria e sem iluses o fato das novas tecnologias terem
dois gumes, pois tanto podem servir para a elitizao e o aprofundamento das
contradies sociais, como para gerar, atravs da democratizao do conhecimento e
abertura generalizada do acesso, uma sociedade mais justa e mais equilibrada.
Finalmente, essencial enfrentarmos de maneira organizada a compreenso das novas tecnologias, do seu potencial, dos seus perigos, das suas dimenses econmicas,
culturais, polticas, institucionais. Poderemos ser a favor ou contra certas tecnologias,
ainda que na realidade ningum esteja nos perguntando se somos contra ou a favor
mas o que no podemos nos permitir, inclusive para orientar as novas geraes, delas
no termos um conhecimento competente.
-
19
5 - A educao articuladora dos espaos do conhecimento
Se o sculo XX foi o sculo da produo industrial, dos bens de consumo durvel, o
sculo XXI ser o sculo da informao, da sociedade do conhecimento. No h nenhum
"futurismo" pretensioso nesta afirmao, e sim uma preocupao com as medidas prticas
que se tornam necessrias, e cujo estudo deve figurar na nossa agenda. No podemos
mais trabalhar com um universo simplificado da educao formal, complementado por
uma rea de educao de adultos para recuperar "atrasos". E na realidade, diversas formas
e canais de organizao e transmisso do conhecimento j existem, enriquecendo o leque
do universo educacional.
Neste sentido, a convergncia tecnolgica que vimos mais acima, que funde a telefonia, a
informtica e a televiso num grande sistema interativo de gesto do conhecimento, nos
leva a que a educao deixe de ser um universo em si, e se torne um articulador dos
diversos espaos do conhecimento. Estes espaos hoje comunicam naturalmente, na
medida em que todos tm um denominador comum, o sistema digital de informaes. So
apenas dimenses, formas de apresentao, embalagens diferenciadas do mesmo
universo. A sua segmentao freqentemente resulta mais das heranas institucionais e
organizacionais de outros tempos, do que propriamente de qualquer lgica e
racionalidade em funo da sua utilidade prtica.
Um bom exemplo da diversificao dos espaos educacionais nos fornecido pela
formao nas empresas. A importncia deste novo segmento da educao pode ser
avaliada se lembrarmos que os EUA gastam cerca de 5,7% do PIB com educao pblica,
ou seja cerca de 800 bilhes de dlares, enquanto a formao nas empresas tambm se
cifra em cerca de 70 bilhes, ocupando uma fatia importante do conjunto. No h dvida
que o universo empresarial brasileiro est dramaticamente atrasado nesta rea, como alis
os Estados-Unidos esto atrasados relativamente ao Japo ou Alemanha. Mas o fato
que este espao est conhecendo um desenvolvimento muito rpido em todos os paises, j
no mais limitado aos empresrios com conscincia social, mas generalizado pela
prpria complexidade crescente dos processos produtivos. Grandes empresas esto
inclusive se dotando de universidades corporativas19
, que j eram mais de 2000 nos
Estados Unidos em 2001. No Brasil j teramos 89 universidades empresariais instaladas.
preciso levar em conta uma profunda transformao que est ocorrendo na rea
empresarial: enquanto a produo tradicional podia se contentar com um trabalhador
pouco formado, sendo a educao vista essencialmente como um "bandaid social" que
19
A distncia crescente entre as necessidades das grandes corporaes, e o mundo da educao, leva
numerosas empresas a desenvolverem os seus prprios sistemas educacionais. Fornecem cursos, diplomas,
essencialmente para os seus prprios funcionrios, mas tambm para fora. Algumas experincias so muito
srias, outras entram na linha geral da picaretagem, com o glamour de parecerem acadmicas. Outras ainda,
na linha do Bradesco, por exemplo, so preocupantes pela carga ideolgica. Mas a dinmica muito
poderosa. Sobre as universidades corporativas no Brasil, ver o artigo de Clia Regina Otranto,
Universidades Corporativas: o que so e para que servem, 2007, http://www.anped11.uerj.br/30/GT11-
2852--Int.pdf
http://www.anped11.uerj.br/30/GT11-2852--Int.pdfhttp://www.anped11.uerj.br/30/GT11-2852--Int.pdf
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20
permitia falar em "igualdade de chances partida", hoje o setor empresarial moderno
passa a precisar crescentemente da educao para o seu prprio desenvolvimento. Em
outros termos, se os Estados Unidos investem este volume de recursos na formao nas
empresas, e o Japo e a Alemanha cerca de 2 ou 3 vezes mais, no se trata de idealismo,
mas de uma transio exigida pelo prprio ritmo de transformaes tecnolgicas. Pode-se
gostar ou no da tendncia, mas o fato que se trata de uma nova rea que adquiriu peso
significativo e crescente relativamenbte educao formal. Podemos discutir as formas
de articular os nossos esforos com esse universo. O que no podemos nos permitir,
ignor-lo.
Outra rea que est surgindo com fora, pelo potencial que representa, a reorientao da
televiso e da mdia em geral. H um gigantesco capital acumulado, que so os aparelhos
de televiso instalados em 94% dos domiclios do pas, as infraestruturas de transmisso e
retransmisso, o imenso know-how acumulado pelos tcnicos em comunicao no Brasil.
Um bom exemplo do aproveitamento deste capital o Public Broadcasting Service20
(PBS) dos Estados Unidos, assistido por mais de 90 milhes de pessoas, com programas
educacionais diversos de gigantesco impacto cultural no pas. A rede no nem privada
nem Estatal, gerida por um conselho que envolve televises locais e organizaes
comunitrias, com forte representao de instituies de ensino. Se considerarmos que a
populao, e em particular as crianas, assistem a programas de televiso algumas horas
por dia, evidente que uma reorientao da nossa mdia, no sentido de elevar o nvel
cientfico e tecnolgico da populao, poderia ter efeitos muito significativos. E a rede
tem ndices de audincia muito elevados, pela prpria qualidade dos programas e
estrutura descentralizada que permite participao local efetiva. A PBS gasta anualmente
cerca de 1,3 bilhes de dlares. No Brasil gastamos anualmente cerca de 30 bilhes de
dlares em publicidade. A Fundao Anchieta, pioneira nesta orientao com a TV-
Cultura, permanece uma jia solitria no deserto intelectual das grandes redes de TV, e se
v submetida a fortes presses de cunho comercial.
Diretamente vinculado televiso, mas constituindo hoje um processo autnomo
extremamente importante, o vdeo. Retomando o mesmo exemplo da televiso
americana, a Pbs-video abastece toda a rede educacional, hospitais, organizaes
comunitrias etc., com DVDs, videos online, racionalizando o acesso ao gigantesco
acervo de filmes cientficos e educativos que hoje existem no mundo. No Brasil, temos
todo o movimento pela Lei da Informao Democrtica que abraou a luta pela
ampliao e democratizao dos espaos educacionais, luta que deveria ser de todo a
comunidade educacional e cientfica em geral.. O universo da educao formal, entre
professores e alunos, representa no Brasil cerca de 55 milhes de pessoas, mais de 25%
da populao. A ausncia ou quase ausncia do movimento organizado dos educadores na
luta pela democratizao dos meios de comunicao de massa e da informao em geral
particularmente grave, e reflete a insuficiente compreenso de que no se trata s da
20
O Public Broadcasting Service representa um pouco o que a TV cultura representa no Brasil. No tem
publicidade, uma sucesso de programas culturais e cientficos, e os patrocinadores so apenas
mencionados no comeo e no fim do programa. Dado o prestgio da rede, as empresas se consideram
recompensadas. A imensa popularidade dos programas nos Estados Unidos so um desmentido simples aos
donos de mdia que dizem que fazem coisas idiotas porque disso que o povo gosta.
-
21
educao, mas do conjunto das reas ligadas ao universo do conhecimento. importante
lembrar que com a internet em banda larga, com ou sem cabo, ningum precisar mais
estocar DVDs, os filmes podero ser passados diretamente em qualquer sala de aula com
computador. Com a generalizao do youtube, inclusive, borra-se a diviso entre o
produtor e o consumidor de filmes, a criatividade pode se generalizar.
Um outro espao do conhecimento em plena expanso o dos cursos tcnicos
especializados. A expanso compreensvel, j que com o surgimento de inmeras novas
tecnologias, os mais diversos segmentos da populao buscam cursos de design, de
programao, de inseminao artificial e outras tcnicas agrcolas, bem como apoio
tcnico para criao de micro e pequenas empresas etc. Esta rea ocupa um espao
crescente, e no pode mais ser descartada como atividade marginal, como no tempo dos
cursos de datilografia. Em reunies organizadas em So Paulo, a Cmara Jnior de
Comrcio do Japo exps como 60 mil pequenas empresas japonesas, conectadas por
computador, cruzam diariamente as suas propostas ou dificuldades tecnolgicas. Assim
por exemplo, um trabalhador que enfrenta uma dificuldade tcnica determinada,
descreve-a no computador, e recebe no dia seguinte na sua tela comunicaes sobre que
empresa resolveu de que maneira esta dificuldade. Em outros termos, em vez de
multiplicar cursinhos de qualidade freqentemente duvidosa, o Japo trabalha nesta rea
com a criao de um ambiente tecnolgico integrado, que envolve tanto cursos como
comunicaes informais, e sobretudo a formao de uma cultura associativa e
colaborativa das empresas. Pode-se pensar que isto no tem nada a ver com educao. Ou
pode-se pensar que a educao tem muito a ver com os sistemas concretos de produo e
distribuio de conhecimentos de forma geral.
Uma outra rea de trabalho que deve passar a interessar a educao a organizao do
espao cientfico domiciliar. Nestes tempos de Internet e outros produtos, um nmero
crescente de professores est se interessando hoje em organizar o seu espao de trabalho
em casa, ultrapassando a viso de pilhas de papel, de livros perdidos e esquecidos. Como
este problema deve ser enfrentado ao nvel da criana, que carrega entre a casa e a escola
volumes absurdos de material, sem a mnima orientao de como se organiza
conhecimento acumulado de forma a torn-lo acessvel quando necessrio? Longe de ser
secundria, a criao de ambiente propcio na casa hoje fundamental, e trata-se de
trabalhar este assunto de forma organizada, na linha de ergonomia do trabalho intelectual,
entre outros. importante entender que entre a nossa gerao e a gerao dos nossos
filhos, o volume e tempo de vida da informao mudaram radicalmente, e o que j um
problema para ns, ser um problema muito maior para eles. E j no se trata, entre ns,
de um problema da classe mdia. Com laptop ou celular, est se generalizando. A
universalizao do acesso, na linha do Plano Nacional de Banda Larga, est s portas,
travada apenas pelo cartel das empresas interessadas em restringir o acesso para elevar
preos.
A atualidade deste espao educacional reforada pelos avanos recentes das
telecomunicaes, que ultrapassaram de longe o ritmo de inovao da prpria rea
informtica. Um balano realizado pela Unio Europia, aponta em particular para as
importantes implicaes destes avanos para a rea da educao: "O fornecimento de
-
22
servios educacionais a distncia, utilizando as infraestruturas avanadas de
telecomunicaes que hoje o tornam possvel, constitui a nica opo vivel para que a
dimenso europia da educao se torne uma realidade acessvel para todos, e no restrita
a uma pequena elite...A tecnologia hoje torna possvel que as telecomunicaes
desempenhem um papel chave na democratizao da informao e do conhecimento,
equilibrando o problema de como (e no se) o conhecimento ser acessado no s pelos
prsperos (cidados urbanos bem formados da faixa superior) mas tambm pelos
marginalizados (seja por razes de distncia geogrfica, de deficincias individuais ou
qualquer outra razo)."
Outro espao que est surgindo com fora o espao do conhecimento comunitrio.
Trata-se de uma rea at hoje fundamentalmente trabalhada pelas Organizaes No
Governamentais (as ONGs) de diversos tipos, Organizaes de Base Comunitria
(OBCs), Organizaes da Sociedade Civil (OSC), organizaes religiosas e tantas
outras, que vo compondo gradualmente este novo universo chamado de Terceiro Setor.21
A sua importncia tem sido sistematicamente subestimada no Brasil. importante
lembrar que s nos Estados Unidos o setor sem fins lucrativos, como l chamado,
representa uma contribuio ao PIB de 700 bilhes de dlares por ano. No se trata de
aprovar ou no este tipo de iniciativas, e sim de constatar que se elas se desenvolvem com
tanto dinamismo, que h um vazio no preenchido. A fora deste processo, com as suas
dimenses positivas e negativas, resulta da prpria fora do processo de urbanizao, e
que torna a comunidade organizvel em torno do chamado "espao de vida". A
articulao com as ONG's e organizaes de base comunitria, hoje intensamente
conectadas aos meios modernos de comunicao, pode ser a base de um excelente canal
de articulao da escola e de cada ensino especfico com os problemas realmente sentidos
na comunidade.
Outra rea em plena expanso e que precisa de uma reengenharia institucional a rea
de Pesquisa e Desenvolvimento. A pesquisa no Brasil apresenta duas caractersticas que
devem ser vistas com realismo: o distanciamento entre a academia, a empresa e a
comunidade, por um lado, e a frgil coordenao entre centros cientficos por outro.
21
O Terceiro Setor ainda pouco conhecido e compreendido no Brasil. O seu surgimento relativamente
recente, e a sua dinmica est diretamente ligada ao fato que nem a burocracia estatal tradicional, nem o
mundo da empresa privada respondem adequadamente s nossas necessidades. O resultado foi que as
pessoas interessadas em preservar o meio ambiente, em melhorar as escolas, em melhorar a qualidade de
vida, foram se organizando, arregaando mangas Para se ter uma idia, nos Estados Unidos este setor
emprega 15 milhes de pessoas. No Brasil o terceiro setor est se desenvolvendo rapidamente, em
particular pelo atraso acumulado nas polticas sociais e pelo carter predatrio da iniciativa privada quando
entra nestas reas, em geral buscando elitizao e preos elevados. Hoje h uma srie de livros no Brasil
sobre o terceiro setor. O melhor estudo me parece ser ainda o Relatrio sobre o Desenvolvimento Humano
no Brasil 1996, elaborado conjuntamente pelo Ipea e pelo Pnud. O Ipea uma instituio de pesquisa da
Presidncia da Repblica, de alta qualidade. www.ipea.gov.br O Pnud, Programa das Naes Unidas para
o Desenvolvimento, pode ser acessado no site www.undp.org O relatrio explica de forma clara o que so
ONGs (Organizaes no Governamentais), OBCs (Organizaes de Base Comunitria) e assim por
diante. Sugerimos a consulta do artigo sobre Gesto Social e transformao da sociedade,
http://www.pucsp.br/pos/ecopol/downloads/ecopol/1999/gestao.pdf no site http://dowbor.org As
organizaes do Terceiro Setor tm um site comum, www.rits.org.br , chamado Rede de Informaes do
Terceiro Setor.
http://www.ipea.gov.br/http://www.undp.org/http://www.pucsp.br/pos/ecopol/downloads/ecopol/1999/gestao.pdfhttp://dowbor.org/http://www.rits.org.br/
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23
Quando se visita os diversos campi cientficos, fica-se impressionado a que ponto se trata
de ilhas, ou de um arquiplago de instituies com frgil complementaridade e
sinergia. Hoje qualquer pesquisador acessa em segundos no seu computador a produo
cientfica da Europa ou dos Estados Unidos, via Internet, mas tem muito mais dificuldade
para acessar a produo de outras instituies do seu prprio Estado, ou s vezes de sua
prpria cidade. O MIT, principal centro de pesquisas do EUA, hoje disponibiliza toda a
produo cientfica dos seus pesquisadores e professores gratuitamente online, no que
chamou de Open Course Ware, OCW, equivalente universitrio do Open Source, fonte
aberta como o Linux. Em balano feito em 2010, o MIT contabilizou mais de 50 milhes
de textos baixados no planeta, imensa contribuio cientfica. A cincia vive da
colaborao. As instituies universitrias de ponta no Brasil ainda trabalham com pastas
de xerox nos escaninhos, um legado prehistrico.
essencial, de toda forma, tomar conscincia que a existncia das tecnologias modernas
de comunicao torna hoje simples e barato realizar um salto qualitativo na convergncia
dos trabalhos de cincia e tecnologia no pas, permitindo ao mesmo tempo maior contato
entre as instituies cientficas e a melhor articulao com setores empresariais e de
cincia aplicada, abrindo espao para um ambiente de progresso cientfico e cultural
generalizado. Para a escola, e para cada professor individualmente, organizar a ponte
direta de comunicao com os centros de pesquisa pode constituir uma base importante
de diversificao e enriquecimento de ensino, na medida em que deixa de exigir visitas e
deslocamentos caros em tempo e dinheiro.
A formao de adultos um espao que precisa ser revisto em profundidade. No se
pode tratar o adulto como uma criana, que precisaria recuperar o atraso. O adulto est
profundamente integrado na luta pela vida, e sistemas que infantilizam so simplesmente
humilhantes. Num estudo realizado na Costa Rica, contatamos diversas comunidades no
intuito de identificar prioridades educacionais, imaginando que a educao fosse a
servio delas. As propostas que surgiram se ordenaram claramente segundo trs grupos
de interesses. Um primeiro grupo envolve o conhecimento dos direitos individuais e
comunitrios, dos canais burocrticos de acesso administrao local, de organizao
comunitria: a comunidade tentando fortalecer os seus msculos polticos. Um
segundo grupo envolve tcnicas de autoconstruo; organizao de pequenas e micro-
empresas, tecnologia de esterilizao de gua, formas de construo de pequenas
infraestruturas, e outras tcnicas ligadas construo fsica do espao comunitrio. Um
terceiro grupo, enfim, envolve um conjunto de reas de conhecimento que permitem
enfrentar o desemprego: corte e costura, carpintaria, micro-produo caseira etc.
No conjunto, as propostas so excepcionalmente coerentes, e mostram que o processo
vivel ao se colocar a educao no nvel de prestao de servios, e no como uma
imposio tecnocrtica ou burocrtica como foi o Mobral. Na realidade, trata-se de
associar o processo educacional de uma comunidade com o conjunto dos seus esforos de
modernizao, desenvolvimento e recuperao de cidadania. No se trata de questionar o
universo formal de conhecimentos, e sim de integr-lo com o processo real de
transformao do cotidiano que o adulto procura.
-
24
Em outros termos, trata-se menos de oferecer um "pacote" fechado de conhecimentos, e
mais de se colocar a educao ao servio de uma comunidade que moldar o universo de
conhecimentos de que necessita segundo os momentos e a dinmica concreta do seu
desenvolvimento. E neste processo o conjunto de instrumentos, desde a aula
convencional at os sistemas baratos e modernos de TV comunitria, e as novas
conquistas tecnolgicas, que podero ser utilizados, num processo em que o educador
mais um "parteiro" do potencial local do que propriamente fonte de saber.
Quando repensamos a educao formal neste contexto, para consider-la como
atividade central e organizadora, e no mais como eixo nico de formao. Em outros
termos, a escola tem de passar a ser um pouco menos "lecionadora", e bastante mais
organizadora, ou estimuladora, de um processo cujo movimento deve envolver os pais e a
comunidade, integrando os diversos espaos educacionais que existem na sociedade, e
sobretudo ajudando a criar este ambiente cientfico-cultural que leve ampliao do
leque de opes e reforo das atitudes criativas do cidado.
Nesta linha, o ensino superior deveria ser profundamente revisto, na medida em que
poderia buscar maior impacto de mobilizao das transformaes, ultrapassando o seu
papel hoje to estreito de formao de elites corporativas. Em termos de cronologia do
ensino, este espao deveria ultrapassar o seu formato fechado, de licenciatura em 4 ou 5
anos, para se abrir a ciclos de atualizao cientfica do estudante de qualquer idade. Em
outros termos, importante que um professor de matemtica possa cursar um semestre de
informtica para se atualizar, sem necessariamente cursar toda uma faculdade, e que o
conjunto de adultos profissionais do pas possam passar a ver na educao superior um
espao permanente de atualizao. O fechamento existente entre a carreira "acadmica" e
as carreiras "tcnicas" constitui simplesmente um anacronismo. Estamos na era da
flexibilidade, da gesto do conhecimento e no da gesto de diplomas. .
Finalmente, devemos abrir a escola para o mundo que a cerca. Uma proposta prtica
assegurar que crianas j no incio da adolescncia visitem de forma sistemtica e
programada diversos tipos de empresas, bancos, micro-empresas familiares, empresas
pblicas etc., rompendo com a situao absurda do aluno ver a distancia entre o que
aprendeu e o mundo real somente quando chega aos 18 anos. H experincias numerosas
neste sentido, e devemos tomar medidas renovadoras com urgncia. E no podemos mais
considerar o aluno como pessoa em "idade escolar", porque h cada vez menos "idade"
para isso.Um exemplo evidente a universidade para idosos: como a terceira idade hoje
um perodo da ordem de duas a trs dcadas, a formao para um conjunto de atividades
possveis adquiriu grande importncia.
De forma geral, o professor funciona num espao s, a escola. Mas o aluno constri
gradualmente a sua viso de mundo a partir de um conjunto de espaos que hoje
trabalham o conhecimento, e a conexo da escola com estes diversos universos, tornada
possvel pelas novas tecnologias, essencial. A escola pode celebrar convnios com
emissoras de televiso para ter acesso a uma srie de programas interessantes. Podem ser
realizadas teleconferncias com membros da comunidade sobre os problemas locais, para
confrontar diversos pontes de vista. Podem ser entrevistados on-line especialistas
-
25
cientficos sobre um problema que um professor est discutindo no momento com alunos.
Enfim, o potencial imenso. Muitos professores tm a cabea aberta para este tipo de
inovaes, de articulaes dos diversos espaos do conhecimento.
Por outro lado, freqentemente difcil um professor tomar estas iniciativas, sem o
respaldo da instituio onde trabalha. Em outros termos, no basta a adaptao da atitude
e das prticas pedaggicas: preciso organizar a escola, as diversas instituies, para que
isto seja possvel.
-
26
6 - Tecnologias do conhecimento e tecnologias organizacionais
O uso adequado das novas tecnologias passa por transformaes organizacionais. Em si,
o computador, a internet, as novas tecnologias em geral permitem apenas acelerar e
conectar as atividades. As bobagens, no custa repeti-lo, podem hoje ser feitas em
volume muito maior, e muito mais rapidamente.
O professor realmente existente sofre a permanente presso de um sem-nmero de
atividades pontuais, e no se pode simplesmente ver as transformaes em curso, com a
enorme abrangncia que implicam, como mais uma tarefa, mais uma atividade. Trata-se
de articular de forma organizada, dentro dos horrios e dos espaos escolares, os novos
enfoques. Se no houver este redimensionamento organizado, fica realmente cada
professor tentando sozinho equilibrar novas prticas, que podem at entrar em choque
com orientaes mais conservadores de outras reas do estabelecimento.
Antigamente, as empresas organizavam a sua informatizao criando um Centro de
Processamento de Dados, o misterioso CPD, com os seus misteriosos especialistas. S
mais tarde se entendeu que a informtica e a comunicao devem constituir um sistema
de redes extremamente solto e difuso dentro das empresas, permitindo um fluxo amplo de
informao entre todos os trabalhadores. As TICs deixaram de ser a especialidade de
alguns, para ser uma dimenso do trabalho de todos, e os "especialistas" se tornaram mais
modestamente agentes de manuteno do sistema.
Na escola, o processo diferente, mas envolve igualmente esta lenta assimilao, e os
dilemas organizacionais. Gera-se um "laboratrio" de informtica, com o dono da chave
do laboratrio, horrios estritos de uso, e uma "disciplina" de informtica, como se fosse
mais uma rea de estudo. A imagem que se usa relativamente a este enfoque, que
equivaleria, no caso de um lpis, a fazer aulas de "lapisologia"22
. No caso das novas
tecnologias, no se trata de estudar o computador, e sim de se acostumar a utiliz-lo nas
diversas matrias. O aluno que usa a internet, deve pensar no seu objeto de interesse, e
no na internet, da mesma forma que uma pessoa que faz um exerccio no pensa no
lpis, mas no problema substantivo que lhe interessa.
Constitui um fator importante tambm o fato de um nmero crescente de alunos disporem
de computadores e de ligaes internet nas suas casas, podendo se gerar um tipo de rede,
flexibilizar usos fora de horrio da escola, estimular trabalhos extra-escolares que
aproveitem estas disponibilidades, alm de criar, fato de crescente importncia, uma rede
de relaes entre a escola e a comunidade.
Coloca-se igualmente o problema da tradicional segmentao do horrio escolar, os 45 ou
50 minutos, que entram crescentemente em tenso com o aprofundamento de estudos e
trabalhos interdisciplinares em torno de temas, formas ricas de trabalho mas que exigem
uma distribuio mais flexvel do tempo. Pira, por exemplo, pequena cidade do Estado
22
- A comparao de Seymour Papert, A mquina da Criana
-
27
do Rio, ao generalizar o um computador por aluno e o acesso internet banda larga,
viu a necessidade de passar a trabalhar em horrios flexveis, e em todo caso sem o
fatiamento da hora aula.
Os trabalhos por temas envolvem por sua vez a organizao do espao de trabalho. H
escolas que passam a trabalhar em salas com subdivises, com mesas acopladas em
crculos que permitem trabalho em grupo, interaes diversas. interessante ver que hoje
universidades como a McMaster23
, na rea de medicina, aboliram simplesmente o sistema
de aulas, transformando o trabalho do professor num tipo de assessoria a grupos de
estudos constitudos pelos alunos.
A facilidade crescente de consulta aos professores via internet muda igualmente a
organizao de trabalho. Muitos professores hoje j disponibilizam material cientfico de
consulta em sites pessoais, ou na home-page da escola, em vez de recorrer aos
tradicionais escaninhos com fotocpias. E os alunos se acostumam gradualmente a
consultar os professores via e-mail, a submeter os seus trabalhos a uma apreciao
intermediria e assim por diante.
No aqui o lugar de redefinir estas formas de organizao, que sero seguramente
diferentes segundo as condies, a cultura local, o interesse das pessoas, as resistncias
mudana encontradas. Os prprios pais resistem freqentemente a qualquer
"modernismo" ou at a simples formas mais inteligentes de organizar o trabalho, por
insegurana, ou por excessiva fixao no objetivo nico da "performance" no vestibular.
Em outros termos, no se trata aqui de sonhar com transformaes revolucionrias e
imediatas, e sobre tudo com transformaes muito padronizadas. Mas a realidade que as
dimenses organizacionais, de tempo, espao, hierarquias, divises em disciplinas e
outros temas estaro se colocando de maneira cada vez mais premente, e ser preciso
comear a trabalhar neste sentido.
23
A McMaster, universidade canadense, apenas um exemplo. Os estudantes de medicina so organizados
em grupos de 12, e trabalham por temas, por exemplo o sistema nervoso, ou a tica na medicina, e recorrem
a diversos professores segundo as suas necessidades. No h aula, no h sequer sala de aula. O mtodo
hoje adotado em Harvard e em experincias brasileiras. Veja diversos tipos de experincias inovadoras no
site www.jhu.edu
http://www.jhu.edu/
-
28
7 - Tecnologias do conhecimento e desafios institucionais
importante ter presente que as novas tecnologias colocam desafios organizacionais na
escola, mas tambm colocam desafios institucionais mais amplos ao sistema educacional
em geral.
Estas mudanas no so fceis. Quando vemos a quantidade e qualidade das sugestes
referentes educao no Brasil, e as confrontamos com o processo real, vem-nos mente
o conceito de "impotncia institucional" que utilizamos para caracterizar a perda de
governabilidade na administrao pblica em geral. Quando boas idias e pessoas bem
intencionadas e com poder formal no levam a resultados, preciso avaliar de forma mais
ampla os mecanismos de deciso e a dimenso institucional do problema.
Alm disto, importante a nosso ver entender que a transformao dos espaos do
conhecimento no pode se dar apenas de dentro dos espaos da educao: exige ampla
participao e envolvimento de segmentos empresariais, dos sindicatos, dos meios de
comunicao, das reas acessveis da poltica, dos movimentos comunitrios, dos
segmentos abertos das igrejas etc., na gradual definio dos nossos caminhos para a
sociedade do conhecimento. A educao desempenha um papel chave nestas
transformaes, mas um dos atores, e no pode olhar apenas o seu prprio universo,
sobretudo se o seu papel dever ser crescentemente o de articulador nos diversos
subsistemas.
No h frmula para as alternativas institucionais. Mas essencial a conscincia de que
muitas vezes, quando os problemas substantivos no esto sendo tratados, no se trata de
maquiavelismos polticos, e sim do fato que no foram definidas as propostas de
articulao institucional que permitam que sejam tratados. E na realidade, as tendncias
para a flexibilizao e para a descentralizao que hoje se manifestam no sistema
educacional brasileiro constituem sem dvida uma base extremamente significativa para
as transformaes necessrias.
freqentemente til dar uma olhada nas transformaes institucionais que esto
aparecendo em pases onde o uso das tecnologias da informao est bastante mais
adiantado. Nos Estados Unidos, por exemplo, foi criado o National Center on Education
and the Economy,24
um espao de criao de idias que permite a confluncia da viso
24
O National Center on Education and the Economy citado aqui apenas como exemplo. Se pegarmos um
exemplo como o de Campos Altos, em Minas, com trabalho infantil, evaso escolar e outras mazelas
caractersticas dos nossos municpios, a proposta talvez fique mais clara. Sob presso da Secretria
Municipal de Educao, os fazendeiros se comprometeram a no mais utilizar trabalho infantil, a prefeitura
se comprometeu a assegurar lugar e merenda na escola, os pais se comprometeram a no tirar as crianas da
escola. O resultado prtico foi que os pais, que diziam precisar da renda dos filhos, trabalharam bem melhor
ao ter o sossego dos filhos na escola, e ganharam mais dinheiro; os fazendeiros lucraram porque a colheita
foi mais eficiente; o prefeito ganhou visibilidade poltica; e as crianas ganharam um futuro. Parece bvio,
mas foi preciso articular economia, educao, poltica, servio social, em torno ao mesmo problema, e
elaborar um consenso onde cada ator social encontrou o seu papel e o seu interesse. No Brasil, onde as
polticas so fatiadas, ainda se espera que a educao resolva sozinha os problemas da transio para uma
-
29
dos educadores, das empresas, dos sindicatos e das administraes pblicas. No h
dvida que este tipo de espao pode se tornar um instrumento de manipulao poltica, e
no seria esta talvez a estrutura adequada ao Brasil. Mas a prpria idia de que devemos
trabalhar com a criao de espaos de elaborao de consensos entre os atores chave que
intervm no processo, estes ou outros, essencial, tanto no plano nacional, como no
plano do municpio, ou da comunidade. H numerosas iniciativas pontuais, como o
programa Arranjos Educativos Locais no Estado do Paran, o movimento Minha Escola
Meu Lugar em Santa Catarina, as mudanas do curriculo escolar em Pintadas, na Bahia,
onde se passou a ensinar o semi-rido nas escolas, na viso de que o diploma no deve
servir apenas para uma pessoa escapar sua realidade, mas sim a aprender a transform-
la.
As mudanas que nos interessam mais diretamente se do sem dvida na base, na prpria
escola. Mas importante termos esta viso de que o conjunto do edifcio educacional
que esta progressivamente se reformulando. uma era onde no s somos chamados a
nos entrosar melhor na compreenso das novas tecnologias e dos novos desafios, mas
tambm a trazer idias sobre solues institucionais que geram melhores condies de
sua aplicao.
As transformaes em curso, em termos institucionais, podem ser agrupadas em torno de
trs grandes eixos. Por um lado, trata-se do j mencionado sistema de alianas e parcerias
com comunidades, organizaes da sociedade civil, sindicatos, empresas, meios de
comunicao, enfim, o conjunto do novo universo que, como a educao, est se
reconstruindo em torno da chamada organizao do conhecimento. Por outro lado, trata-
se da redefinio do que se faz no nvel ministerial, no nvel estadual, no nvel municipal,
e no nvel da comunidade, num processo de redefinio da hierarquia de decises.
Finalmente, trata-se da horizontalizao geral do sistema atravs da organizao das
redes. Aqui tambm, no se trata s do universo da educao: o conjunto das atividades
humanas que evolui do conceito tradicional de autoridade em "pirmide", para o que j se
chama de "sociedade em rede", a network society.25
A educao, que trabalha com informaes e conhecimento, e cuja matria prima
portanto de total fluidez nos novos sistemas de informtica e telecomunicaes, sem
dvida a primeira a ganhar com o conceito de rede, de unidades dinmicas e criativas que
montam um rico tecido de relaes com bancos de dados, outras escolas, centros
cientficos internacionais, instituies de fomento e assim por diante. Esta nova e
revolucionria conectividade, substituindo as pesadas e inoperantes pirmides de
inspetores, controladores e curiosos nomeados por razes diversas, pode dinamizar
profundamente todo o sistema. No complicado imaginar uma conferncia aberta de
diretores escolares para intercmbio de propostas pedaggicas, o intercmbio de textos
entre professores de uma rea e de diversas escolas, ou um sistema informatizado de
sociedade do conhecimento no Brasil. obviamente invivel. A capacidade de rearticular a sociedade, de
encontrar novas formas de organizao, hoje essencial, e os educadores no tm como fugir deste desafio.
Uma leitura muito boa sobre este tema o livro Cidadania Ativa, de Maria Victria Benevides.
Experincias inovadoras nesta rea podem ser consultadas no site www.web-brazil.com/gestaolocal 25
O conceito de sociedade em rede foi visto mais acima.
http://www.web-brazil.com/gestaolocal
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30
apoio da Secretaria de Educao para consultas pedaggicas permanentes de professores
e assim por diante.
Em outros termos, no quadro de uma sociedade do conhecimento que trabalha com
subsistemas muito diferenciados que evoluem de forma dinmica e articulada,
necessitamos de formas diferenciadas e flexveis de gesto, o que s pode ser conseguido
com ampla participao dos in
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