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Ladislau Dowbor Tecnologias do Conhecimento OS DESAFIOS DA EDUCAÇÃO São Paulo, Julho de 2011 (versão online atualizada)

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11TecnDoCnh2011

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  • Ladislau Dowbor

    Tecnologias do Conhecimento

    OS DESAFIOS DA EDUCAO

    So Paulo, Julho de 2011 (verso online atualizada)

  • 2

    ndice

    1 - Da educao gesto do conhecimento ........................................................................................... 5

    2 - Um mundo intensivo em conhecimento ............................................................................................. 7

    3 - O salto tecnolgico da informtica e da comunicao ..................................................................... 9

    4 - O deslocamento dos paradigmas da educao ............................................................................... 15

    5 - A educao articuladora dos espaos do conhecimento ................................................................ 19

    6 - Tecnologias do conhecimento e tecnologias organizacionais ........................................................ 26

    7 - Tecnologias do conhecimento e desafios institucionais.................................................................. 28

    8 - Comunicao, escola e comunidade ............................................................................................... 31

    9 - Comunicao e Poder: os novos desafios ...................................................................................... 34

    10 - O potencial de democratizao .................................................................................................... 38

    11 A economia da criatividade ........................................................................................................ 41

    Bibliografia .......................................................................................................................................... 47

    Sobre o autor........................................................................................................................................ 50

    A presente verso, de julho de 2011, tem pouqussimas modificaes, essencialmente de

    referncias ou sites desatualizados, o que faz com que a edio impressa continue atual.

    Acrescentamos tambm um captulo 11, sobre a economia da criatividade, para dar um

    pouco do contexto econmico das mudanas. Hoje com cinco edies, este pequeno livro

    sobre os impactos das novas tecnologias na educao continua surpreendentemente atual.

    As mudanas aqui propostas, quando muito, tornaram-se mais prementes.

    Ladislau Dowbor, julho de 2011

  • 3

    Terminada a ltima guerra mundial foi encontrada, num campo de concentrao nazista,

    a seguinte mensagem dirigida aos professores:

    "Prezado Professor,

    Sou sobrevivente de um campo de concentrao.

    Meus olhos viram o que nenhum homem deveria ver.

    Cmaras de gs construdas por engenheiros formados.

    Crianas envenenadas por mdicos diplomados.

    Recm-nascidos mortos por enfermeiras treinadas.

    Mulheres e bebs fuzilados e queimados por graduados de

    colgios e universidades.

    Assim, tenho minhas suspeitas sobre a Educao.

    Meu pedido : ajude seus alunos a tornarem-se humanos.

    Seus esforos nunca devero produzir monstros treinados ou

    psicopatas hbeis.

    Ler, escrever e aritmtica s so importantes

    Para fazer nossas crianas mais humanas."

    As tecnologias so importantes, mas apenas se soubermos utiliz-las. E saber utiliz-las

    no apenas um problema tcnico.

  • 4

    Tecnologias do Conhecimento

    Ladislau Dowbor

    Julho 2011

    Tentamos aqui identificar as grandes linhas do imenso potencial que abrem as novas

    tecnologias do conhecimento, e tambm os novos perigos que apresentam. A educao j

    no pode funcionar sem se articular com dinmicas mais amplas que extrapolam a sala de

    aula. Da mesma forma, a economia j no pode funcionar de maneira adequada sem

    enfrentar a questo da organizao social do conhecimento.

    O autor destas linhas economista. Porque est se aventurando nesta rea que

    normalmente da educao? Por um lado, porque ensinar economia um trabalho de

    educao, e no h educador que no sinta que estamos avanando para novos horizontes.

    Por outro lado, estamos avanando a passos largos para uma sociedade do conhecimento,

    e a problemtica da educao se tornou central para todos ns, para o desenvolvimento

    econmico e social de maneira geral.

    As tecnologias em si no so ruins. Fazer mais coisas com menos esforo positivo. Mas

    as tecnologias sem a educao, conhecimentos e sabedoria que permitam organizar o seu

    real aproveitamento, levam-nos apenas a fazer mais rpido e em maior escala os mesmos

    erros. Achvamos que o essencial para desenvolver o pas seria criar fbricas e bancos.

    Hoje constatamos que sem os conhecimentos e a organizao social correspondente,

    construmos uma modernidade com ps de barro, um luxo de fachada que j no engana

    mais ningum.

    Alguns trechos do presente livro apareceram em artigos, ou captulos de livros. Com a

    dimenso dos desafios que enfrentamos, achamos til elaborar uma viso de conjunto, e

    apresentar os nossos principais desafios de maneira sistematizada, ainda que sumria. Por

    outro lado, as reflexes presentes neste livro nos levaram a desenvolver outros trabalhos,

    como Da propriedade intelectual economia do conhecimento

    http://dowbor.org/09propriedadeintelectual7out.doc ou ainda Educao e

    desenvolvimento local, http://dowbor.org/06edulocalb.doc.

    Vivemos hoje uma exploso tecnolgica, com Wikipedia, Google, Facebook, Twitter e

    tantas outras iniciativas que nos permitem acessar conhecimentos e socializ-los pelo

    planeta afora de uma maneira inimaginvel em outras eras. A educao tradicional,

    sentada em cima deste vulco de transformaes, comea a sentir um calor crescente. Por

    enquanto, apenas acomoda-se o melhor possvel. Mas as transformaes tero de ser

    sistmicas.

    http://dowbor.org/09propriedadeintelectual7out.dochttp://dowbor.org/06edulocalb.doc

  • 5

    1 - Da educao gesto do conhecimento

    As transformaes que hoje varrem o planeta vo evidentemente muito alm de uma

    simples mudana de tecnologias de comunicao e informao. No entanto, as TICs1,

    como hoje so chamadas, desempenham um papel central. E na medida em que a

    educao no uma rea em si, mas um processo permanente de construo de pontes

    entre o mundo da escola e o universo que nos cerca, a nossa viso tem de incluir estas

    transformaes. No apenas a tcnica de ensino que muda, incorporando uma nova

    tecnologia. a prpria concepo do ensino que tem de repensar os seus caminhos.

    Tradicionalmente, a educao seria um instrumento destinado a adequar o futuro

    profissional ao mundo do trabalho, disciplinando-o, e municiando-o de certa maneira com

    conhecimentos tcnicos, para que possa vencer na vida, inserindo-se de forma

    vantajosa no mundo como existe. Esta insero vantajosa, por sua vez, asseguraria

    reconhecimento e remunerao, ou seja, sucesso.

    Este paradigma, amplamente dominante, gerou outra viso, contestadora, que tenta

    assegurar educao uma autonomia que lhe permita centrar-se nos valores humanos, na

    formao do cidado, na viso crtica e criativa. Virgem de relaes com o mundo

    econmico, de certa forma, esta educao estaria livre dos moldes que este lhe quer

    impor.

    Sem os instrumentos tcnicos para ser competente na linha profissionalizante, e frgil

    demais para ser transformadora, a educao realmente existente termina por constituir um

    universo relativamente ilhado dos processos de transformao econmica e social.

    O mundo que hoje surge constitui ao mesmo tempo um desafio ao mundo da educao, e

    uma oportunidade. um desafio, porque o universo de conhecimentos est sendo

    revolucionado to profundamente, que ningum vai sequer perguntar educao se ela

    quer se atualizar. A mudana hoje uma questo de sobrevivncia, e a contestao no

    vir de autoridades, e sim do crescente e insustentvel saco cheio dos alunos, que

    diariamente comparam os excelentes filmes e reportagens cientficos que surgem na

    televiso e na internet, com as mofadas apostilas e repetitivas lies da escola.

    Mas surge tambm a oportunidade, na medida em que o conhecimento, matria prima da

    educao, est se tornando o recurso estratgico do desenvolvimento moderno. O

    conhecimento cientfico, preciso diz-lo, nunca esteve no centro dos processos de

    transformao social. Desempenhava um papel folclrico na Grcia antiga, mais

    preocupada com as guerras, e mobilizou minorias nfimas em termos sociais nas grandes

    civilizaes, seja da China, de Roma, ou do mundo rabe.

    1 Inicialmente se utilizava TI, indicando Tecnologias da Informao, para designar de forma geral as

    transformaes vinculadas informtica. Com o peso crescente das comunicaes em poca mais recente,

    passou-se a utilizar TICs, Tecnologias de Informao e Comunicao. Autores como Pierre Lvy preferem

    utilizar Tecnologias da Inteligncia.

  • 6

    Frente s transformaes tecnolgicas que varrem o planeta, o mundo da educao

    permanece como que anestesiado, cortado de boa parte do processo de pesquisa e

    desenvolvimento, hoje essencialmente concentrado nas empresas transnacionais2, e

    privado de uma viso mais ampla do desafio que tem de enfrentar. A realidade que, por

    primeira vez, a educao se defronta com a possibilidade de influir de forma

    determinante sobre o nosso desenvolvimento.

    Junto com os fins, surgiram os meios. Ao mesmo tempo que a educao se torna um

    instrumento estratgico da reproduo social3 e de promoo das populaes, surgem as

    tecnologias que permitem dar um grande salto nas formas, organizao e contedo da

    educao. Informtica, multimdia, telecomunicaes, bancos de dados, vdeos e tantos

    outros elementos se generalizam rapidamente. A televiso, hoje um agente importante de

    formao, pode ser encontrada nos domiclios mais humildes. Os custos destes

    instrumentos esto baixando vertiginosamente. A internet em banda larga, em particular,

    que hoje atinge dois bilhes de pessoas, dever nos prximos anos tornar-se um

    instrumento pblico universalmente disponvel.

    Partindo das tendncias constatadas em diversos paises, vislumbramos um conceito de

    educao que se abre rapidamente para um enfoque mais amplo: com efeito, j no basta

    hoje trabalhar com propostas de modernizao da educao. Trata-se de repensar a

    dinmica do conhecimento no seu sentido mais amplo, e as novas funes do educador

    como mediador deste processo.

    As resistncias mudana so fortes. De forma geral, como as novas tecnologias surgem

    normalmente atravs dos paises ricos, e em seguida atravs dos segmentos ricos da nossa

    sociedade, temos uma tendncia natural a identific-las com interesses dos grupos

    econmicos dominantes. E a verdade que servem inicialmente estes interesses. No

    entanto, uma atitude defensiva frente s novas tecnologias pode terminar por acuar-nos a

    posies em que os segmentos mais retrgrados da sociedade se apresentam como

    arautos da modernidade.

    Com as transformaes revolucionrias que atingem o universo do conhecimento em

    geral, dotar-se de instrumentos e instituies adequados de gesto nesta rea constitui

    seguramente um eixo essencial de ruptura do nosso atraso. Trata-se de inverter o sinal

    poltico das tecnologias, torn-las em instrumento de incluso, de democratizao social

    atravs do conhecimento, e no mais instrumento de dominao das elites.

    2 - As empresas transnacionais, tambm chamadas de multinacionais, constituem um universo

    relativamente recente. As grandes, que constituem o chamado Big Business, so cerca de 500 a 600,

    controlam cerca de 25% da produo mundial, ocupando menos de 5% da mo de obra. Dominam hoje os

    eixos estratgicos, como as finanas, a mdia, as comunicaes, a informtica e avanam rapidamente na

    rrea farmacutica e de biotecnologias. Mantm diversos tipos de reunies internacionais de articulao,

    como os encontros de Davos, de Bildeberg e outros. Constituem seguramente o principal poder mundial em

    termos polticos, financeiros e miditicos. 3 O conceito de reproduo social utilizado para ampliar o foco tradicional que privilegiava a reproduo

    do capital. Inclui tanto a dimenso econmica, como as dimenses social e ambiental. A este respeito, ver

    Ladislau Dowbor, A Reproduo Social, editora Vozes 1998. O texto est disponvel tambm na internet no

    site http://dowbor.org

    http://dowbor.org/

  • 7

    2 - Um mundo intensivo em conhecimento

    No se trata de inundar as escolas e outras instituies de computadores, como que cados

    de pra-quedas. Numerosos estudos feitos em empresas mostram como a simples

    informatizao leva apenas a que as mesmas bobagens sejam feitas com maior rapidez,

    alm do acmulo de equipamento sofisticado utilizado como mquinas de escrever.

    Trata-se de organizar a assimilao produtiva de um conjunto de instrumentos poderosos

    que s podero funcionar efetivamente ao promovermos a mudana cultural4, no sentido

    mais amplo, correspondente.

    Esta mudana cultural, de civilizao, planetria. Para dar um exemplo, todos j vimos

    notcias sobre a perda da importncia relativa da agricultura. Nos Estados Unidos, ela

    envolveria quando muito 2% da populao ativa. No entanto, ao olharmos de mais perto,

    constatamos que em torno destes 2% que so realmente muito poucos, funcionam

    empresas que prestam servios de inseminao artificial, outras que prestam servios de

    anlise de solo, outras ainda que organizam sistemas de estocagem e conservao da

    produo, ou prestam servios de pesquisa, meteorologia e assim por diante. Quando

    formos somando as diversas atividades diretamente ligadas agricultura, mas que no

    trabalham a terra, chegaremos a pelo menos 20% da populao ativa americana. Em

    outros termos, o que est acontecendo no o desaparecimento da agricultura: mudou a

    forma de fazer agricultura, com menos atividade de "enxada", perfeitamente passvel de

    mecanizao, e muito mais contedo de organizao do conhecimento.

    A indstria, com algumas dcadas de atraso relativamente agricultura, est seguindo o

    mesmo caminho. O nmero de trabalhadores industriais, do chamado setor secundrio,

    est diminuindo por toda parte, gerando um desemprego inclusive muito sentido nos

    centros industriais tradicionais do Estado. Nos Estados Unidos so menos de 10% da mo

    de obra. Mas na realidade, enquanto a atividade operacional junto mquina se reduz

    rapidamente, desenvolvem-se atividades de organizao, pesquisa, gerenciamento, design

    e outras que tm sido chamadas de atividades "intangveis"5, porque no levam a um

    produto fsico, no trabalham com uma mquina concreta. Muita gente tem chamado

    estas atividades com o termo vago de servios. Mas na realidade, trata-se de uma forma

    mais intensiva em conhecimento de desenvolver atividades de transformao produtiva

    industrial.

    Surgem tambm com fora e peso renovados as atividades ligadas s polticas sociais,

    que prestam servios diretamente s pessoas, como a sade, o imenso setor vagamente

    4 A mudana cultural de forma geral muito mais lenta do que o progresso tecnolgico. Esta disritmia gera

    tenses. Nas empresas norteamericanas, estudos mostraram que a informtica passou a ser realmente

    utlizada de forma plena e criativa com a chegada de uma nova gerao de tcnicos que haviam assimilado

    as tecnologias desde a escola, e se sentiam muito mais vontade no novo contexto de telas, mouse e

    teclados. 5 Quando se compra um produto, um sapato por exemplo, muita gente ainda imagina que paga os custos de

    produo fsica mais o lucro do produtor. Na realidade, em mdia os produtos custam menos de 25% do

    que pagamos. Os 75% restantes constituem os "intangveis", como pesquisa, criao de imagem positiva

    atravs da publicidade, gastos de promoo, custos advocatcios e outros.

  • 8

    chamado de indstria do entretenimento6, e a prpria educao que se generaliza para

    atingir todas as pessoas e todas as idades. So reas muito intensivas em conhecimento, e

    que so capilares, ou seja, precisam chegar a cada pessoa, cada famlia, de maneira

    especfica e diferenciada, exigindo sistemas muito complexos de organizao e

    gerenciamento, o que implica em mais conhecimento. No se despacha sade ou

    educao por continer.

    No menos importantes so as atividades de governo. Ainda que o discurso ideolgico

    sobre Estado mnimo renda votos, o mundo realmente existente v as atividades pblicas

    crescer em todo o planeta. No h mistrio nisto, e muito pouca ideologia. Com a

    urbanizao, coisas que eram realizadas individualmente por cada famlia, no mundo de

    populaes rurais dispersas, exigem agora servios pblicos articulados, como gua,

    energia, esgoto, ruas, redes escolares e assim por diante, servios que exigem viso de

    conjunto, planejamento, respeito aos interesses sociais e ambientais, e que funcionam

    muito mal em mos privadas. interessante ver hoje que uma instituio to insuspeita

    de "estatismo" como o Fundo Monetrio Internacional apresenta dados que demonstram

    rigorosamente que quanto mais desenvolvidos os pases, maior , proporcionalmente, a

    dimenso dos servios pblicos. S que estes servios de organizao e gerenciamento

    social exigem hoje mais do que a tradicional burocracia: precisem ser geis e flexveis.

    Isto exige no s uma grande intensidade em informao, como o acesso generalizado a

    esta informao, para que se garanta a democracia e a transparncia.

    Ou seja, a educao, e os sistemas de gesto do conhecimento que se desenvolvem em

    torno dela, tm de aprender a utilizar as novas tecnologias para transformar a educao,

    na mesma proporo em que estas tecnologias esto transformando o mundo que nos

    cerca. A transformao de forma e de contedo.

    6 O termo indstria do entretenimento relativamente recente no Brasil, mas muito utilizado em ingls, a

    entertainment industry. Representa o conjunto de atividades ligadas televiso, jogos na internet, cinema e

    outros. Uma revista internacional de executivos como a Business Week considera que a indstria do

    entretenimento constitui hoje, junto com a sade, uma das duas grandes locomotivas da economia

    americana, tendo suplantado amplamente a indstria automobilstica e a indstria blica. Veja

    www.businessweek.com

    http://www.businessweek.com/

  • 9

    3 - O salto tecnolgico da informtica e da comunicao

    Desta forma, no apenas a educao que se defronta com novas tecnologias: estas

    mesmas tecnologias esto gerando impacto em todo o universo social, e criando novas

    dinmicas onde o conhecimento vai se tornando gradualmente central. A transformao

    envolve praticamente todas as reas de atividade, economia, poltica, cultura, a prpria

    organizao do tecido social e das nossas relaes, alm de provocar uma mudana

    radical de como utilizamos o nosso principal recurso no-renovvel, o curto tempo da

    nossa vida.7

    A base tcnica da revoluo que estamos sofrendo bastante simples. O ponto de partida

    a adoo de um cdigo binrio: em vez de escrever por exemplo a letra "a", eu posso

    decidir, por conveno, a sua substituio por uma combinao de "0" e "1". Ou seja,

    substitumos uma representao grfica, o "a", um desenho, por um smbolo abstrato que

    consiste na combinao de dois dgitos. Se optarmos por unidades de 8 dgitos, cada letra

    do alfabeto poder ser substituda por algo como, por exemplo, 00101100. Como se trata

    de dois dgitos, com 8 posies, podemos ter 256 combinaes, permitindo dar expresso

    no apenas ao alfabeto, como aos nmeros, a um l menor de um timbre determinado, a

    um ponto de cor numa tela, e assim por diante. E se aumentarmos o tamanho da "palavra"

    digital, de 8 para 16 posies, por exemplo, poderemos incluir todos os caracteres

    chineses, pois temos nossa disposio 65.516 combinaes.

    No uma coisa nova, nem misteriosa. No cdigo Morse, usa-se tambm um cdigo

    binrio, de pontos e traos. Um pedido de socorro, por exemplo, S.O.S., representado

    por trs pontos, trs traos, e trs pontos. Pode ser transmitido com sinais de lanterna,

    alternando trs piscadas curtas, trs longas e trs curtas. Os pontos e traos podem ser

    representados sob forma de luz, ou de som, pouco importa, conquanto possamos

    distinguir dois sinais diferentes.

    Para ter dois sinais diferentes, basta uma variao. Esta variao se exprime graficamente

    como combinao de "0" e "1", mas pode ser representada concretamente com o plo

    positivo ou negativo em termos magnticos, ou como uma variao de comprimento de

    ondas de luz e assim por diante. O essencial que com uma variao, podemos dar

    expresso a dois sinais. E com a combinao de dois sinais, podemos dar a expresso a

    todo o universo de conhecimentos, seja de letras, de cores, de uma sinfonia ou de um

    filme, a toda a memria acumulada e registrada da humanidade. Entramos na era digital.

    O segundo ponto desta revoluo se prende ao fato da eletrnica moderna ter conseguido

    "ancorar" estes dgitos em movimentos de nvel atmico, de eltrons, de ftons. Atravs

    dos avanos que geraram semicondutores, transistores, circuitos integrados e micro-

    processadores, tornou-se possvel transformar o "a" que escrevemos no teclado em sinais

    eletrnicos minsculos que se gravam no disco rgido ou no disquete do nosso

    7 Sobre este tema, ver a nota tcnica O Valor Econmico do Tempo Livre, 2010,

    http://dowbor.org/wp/index.php/sites-recomendados/o-valor-economico-do-tempo-livre/

    http://dowbor.org/wp/index.php/sites-recomendados/o-valor-economico-do-tempo-livre/

  • 10

    computador. Em outros termos, todo o acervo de conhecimentos da humanidade passou

    para uma base que , para todos os efeitos prticos, infinitamente pequena, e que se

    desloca na velocidade da luz. O conhecimento deixou de ter uma base material para se

    tornar um "fluido" de maleabilidade ilimitada.

    O terceiro ponto desta transformao, consistiu em organizar a "navegao" neste fluido

    informativo. Os movimentos de nvel atmico no precisam necessariamente ter uma

    base material: podemos receber uma informao digital atravs de ondas, retransmitidas

    por um satlite, encaminhadas por um cabo tico ou um fio de telefone. Aqui tambm

    nada radicalmente novo. O telefone, ou fone a distncia, nos permitia ouvir algum que

    fala longe. Mas a transformao da voz em sinais eltricos no ponto de partida, e a sua

    reconverso em voz no ponto de chegada, se dava por analogia. Uma boa imagem para

    lembrar a diferena nos vem dos antigos discos com agulha: na gravao, a agulha

    vibrava ao som da msica, gravando o disco. Quando escutamos a msica, a agulha, ao

    passar pelos mesmos sulcos, vibra igualmente, e com o alto falante se obtm de novo a

    msica. O sistema digital, por sua vez, permite que navegue da mesma forma a imagem,

    o smbolo, o som, codificados em dgitos. Isto gerou uma base comum para todo o

    sistema de conhecimento, e tornou possvel a transmisso de gigantescas quantidades de

    informao sem deformaes ou erros. E se h problemas na transmisso, o prprio

    cdigo nos alerta.

    O quarto ponto um pouco menos visvel, mas igualmente essencial: trata-se de

    organizar a busca das informaes, de forma a que no nos vejamos afogados pelo

    excesso de dados. Recorreu-se aqui ao matemtico britnico George Boole, que

    desenvolveu no sculo XIX metodologias de organizao pensamento que foram

    resgatadas para a busca que fazemos na internet ou nos diversos instrumentos de

    navegao. Por exemplo, interessa-me consultar obras sobre a relao entre o salrio e o

    desemprego, em pases pobres, no anteriores a 1995. Isto em termos de instrues de

    busca significa que me interessa o conceito salrio e o conceito desemprego, ou ainda

    todas as obras onde aparece o conceito de salrio ou o de desemprego, e assim por diante.

    Tece-se assim a gramtica que d sentido busca, permitindo sucessivos afinamentos que

    nos levam ao ponto certo, mesmo entre bilhes de unidades de informao.

    O quinto ponto um resultado: o sistema digital permitiu a rpida convergncia de todos

    os instrumentos que geram, transmitem e recebem informao sob suas diversas formas.

    O conhecimento, o dado, o smbolo, tudo trafega neste gigantesco aglomerado onde

    telefonia (voz), televiso (imagem), e informtica (informao) se articulam para formar

    o que Dnis de Morais chama de infotelecomunicao8, presente na lio de casa das

    nossas crianas, na msica do nosso CD, na escolha dos produtos no supermercado, no

    cdigo de barras, no carto de crdito, nas nossas horas de lazer, na forma de

    organizarmos o nosso trabalho, no conhecimento que Estado e empresas tm das nossas

    atividades, na maneira e no horrio dos bombardeios de uma guerra, alm da forma como

    8 Dnis de Morais escreveu um livro muito bem informado e de agradvel leitura, chamado O Planeta

    Mdia, onde mostra em detalhe, com linguagem muito acessvel, o novo universo que est se desenhando

    em torno desta convergncia da informtica, da televiso e das telecomunicaes. O livro foi editado pela

    Letra Livre, em Campo Grande http://www.letralivre.com.br

    http://www.letralivre.com.br/

  • 11

    as prprias bombas so guiadas. De certa forma, no podemos evitar o bvio: este

    conjunto de atividades agigantou-se de maneira fenomenal, adquirindo um papel

    absolutamente central nas atividades humanas em geral.

    O resto uma corrida de aplicaes. O computador ganha todo dia novos softwares que

    organizam a "ponte" entre o que vemos na tela e sua expresso ao nvel do

    microprocessador. Os prprios micro-processadores ganham todo ano maior velocidade e

    capacidade. A transmisso passa gradualmente do cobre para a fibra tica. O planeta se

    v enfeixado por satlites geo-estacionrios, que cobrem todo o espao terrestre, e

    permitem que qualquer escola isolada da Monglia, por exemplo, tenha acesso a qualquer

    acervo de conhecimentos informatizados de qualquer universidade ou empresa do mundo.

    Os oceanos recebem nos seus leitos os cabos ticos intercontinentais, que devem permitir

    a transmisso instantnea de gigantescas massas de informao. As rodovias ganham

    valetas com cabos ticos, gerando gradualmente uma nova e gigantesca teia de aranha

    planetria que revoluciona simultaneamente a telefonia, a televiso, o acesso a banco de

    dados e a bibliotecas, as relaes entre empresas ou entre departamentos de uma empresa.

    A telefonia mvel de ltima gerao permite o acesso a tudo isto no aparelhinho que

    levamos no bolso. 0 acervo de conhecimento de toda a humanidade transformado num

    gigantesco sistema de vasos comunicantes, onde todos podem ter acesso a tudo

    Esta conectividade instantnea de qualquer ser humano, de qualquer unidade residencial

    ou de trabalho, em termos de informao e de comunicao, gera por sua vez uma

    dramtica transformao nas relaes humanas: a internet vem por primeira vez colocar

    disposio de qualquer pessoa que tenha os conhecimentos e recursos necessrios e se

    trata aqui de uma condicionante de imensa importncia a possibilidade de se

    comunicar, a partir de qualquer ponto, com qualquer outro usurio do planeta. Forma-se

    rapidamente o que tem sido chamado de sociedade em rede9. A internet simplesmente o

    sistema de suporte organizado comunicao planetria. As avenidas e estradas onde

    transita o conhecimento, as infovias, so constituidas por ondas eletromagnticas que se

    encontram em todo lugar, viajam na velocidade da luz, e so pblicas, objeto de

    concesso pblica quando apropriadas por grupos privados.

    9 O conceito de sociedade em rede sumamente importante. A complexidade, o ritmo de mudana e a

    diversidade de situaes de uma sociedade moderna tornam a velha verticalidade romana ou prussiana

    invivel. A hierarquia, com a multiplicao de nveis e centralizao das decises, exclui naturalmente a

    base. Privado do controle da base, ou seja, da populao interessada nas decises, o sistema passa a

    funcionar literalmente desgovernado. Por outro lado, o fato que a populao se urbanizou, formando

    espaos articuladas e organizveis na base da sociedade, abre perspectivas para uma descentralizao e

    democratizao radicais das formas como nos gerimos. Em outra poca, isto poderia levar a uma

    desarticulao do sistema poltico mais amplo. Hoje, os novos sistemas de informao e de comunicao

    permitem que o sistema seja descentralizado, e funcione em rede, substituindo em grande parte a hierarquia

    de mando pela coordenao horizontal. Trata-se de uma mudana de paradigma que j penetrou numa srie

    de reas empresariais, e constitui a filosofia de trabalho de muitas organizaes da sociedade civil,

    enquanto d apenas os primeiros passos na nossa viso da organizao do Estado. Existem dois excelentes

    clssicos sobre o tema: Manuel Castells - A Sociedade em Rede, e Pierre Lvy, - A Inteligncia coletiva.

    Veja referncia completa na bibliografia.

  • 12

    Quando o conhecimento se torna um elemento chave de transformao social, a prpria

    importncia da educao muda qualitativamente. Deixa de ser um complemento, e

    adquire uma nova centralidade no processo.

    Por enquanto, as novas tecnologias so um instrumento, espera do tipo de utilizao que

    dele faremos. O que representa para ns, como instrumento de transformao da

    educao, o fato do conhecimento passar a se apresentar como um fluido no-material

    que banha o planeta e que circula praticamente na velocidade da luz e quase

    gratuitamente?10

    nesta velocidade que podem ser estocados, transformados, ou transmitidos para

    qualquer parte do mundo, textos, imagens de desenhos ou pinturas, msicas, fotos,

    filmes, frmulas matemticas. O longo processo tcnico e econmico que conectou

    grande parte das escolas, instituies de pesquisa, bibliotecas, empresas, organizaes

    comunitrias e domiclios com o mundo de eletricidade, telefone e antenas de rdio e

    televiso, permite hoje o funcionamento de uma imensa rede de comunicao cientfica e

    cultural, uma conectividade universal jamais prevista nas suas dimenses. Frente a este

    tipo de inovao, a inveno da imprensa por Gutenberg, com toda a sua importncia,

    aparece como um avano bem modesto, por revolucionria que fosse na poca.

    Pondo de lado os diversos tipos de exageros sobre a "inteligncia artificial", ou as

    desconfianas naturais dos desinformados, a realidade que a informtica, associada s

    telecomunicaes, permite:

    a) estocar de forma prtica, em CDs, em discos rgidos e em discos laser, e cada vez mais simplesmente na "rede" ou nas nuvensgigantescos volumes de informao.

    Estamos falando de centenas de milhes de unidades de informao que cabem no

    bolso, que passam a ser universalmente acessveis a partir de qualquer ponto,

    com ou sem fio.

    b) trabalhar esta informao de forma inteligente, permitindo a formao de bancos de dados sociais e individuais de uso simples e prtico, e eliminando as rotinas

    burocrticas e a fragmentao que tanto paralisam o trabalho cientfico. Pesquisar

    dezenas de obras para saber quem disse o que sobre um assunto particular,

    navegando entre as mais diversas opinies, torna-se uma tarefa extremamente

    simples, e sobretudo instantnea;

    c) transmitir a informao de forma muito flexvel, hoje atravs do telefone conectado ao computador,via cabo de fibras ticas ou antenas, de forma barata e

    precisa. Inaugura-se assim uma nova era de comunicao de conhecimentos. Isto

    implica que de qualquer sala de aula ou residncia, podem ser acessados dados de

    qualquer biblioteca do mundo, ou ainda que as escolas podem transmitir

    informaes cientficas de uma para outra, e desenvolver processos colaborativos;

    10

    O fato dos custos serem reduzidssimos contrariamente s ruas onde circulamos gratuitamente, e que

    tiveram de ser construdas, as avenidas eletromagnticas so um dom da natureza no impede que os

    pros possam ser muito elevados quando h uma monopolizao privada do acesso.

  • 13

    d) integrar a imagem fixa ou animada, o som e o texto de maneira muito simples, ultrapassando a tradicional diviso entre a mensagem lida no livro, ouvida no

    rdio ou vista numa tela; nada impede, neste universo, um aluno de escrever um

    poema com pinturas e cores que o acompanham, e uma msica de fundo

    correspondente. O dgito no discrimina entre smbolo, cor, nmero, voz.

    e) manejar os sistemas sem ser especialista: acabou-se o tempo em que o usurio tinha de aprender uma "linguagem", ou simplesmente tinha que parar de pensar no

    problema do seu interesse cientfico para pensar no como manejar o computador.

    A gerao dos programas "user-friendly", ou seja "amigos" do usurio, torna o

    processo pouco mais complicado que o da aprendizagem do uso da mquina de

    escrever; mas exige tambm uma mudana de atitudes frente ao conhecimento de

    forma geral, mudana cultural que esta sim freqentemente complexa.

    Trata-se aqui de dados bastante conhecidos, e o que queremos notar, ao lembr-los

    brevemente, que estamos perante um universo que se descortina com rapidez

    vertiginosa, e que ser o universo do cotidiano das pessoas que hoje formamos.

    Por outro lado, as pessoas s agora comeam a se dar conta de que o custo total de um

    equipamento de primeira linha, com enorme capacidade de estocagem de dados,

    impressora laser, modem para conexo com telefone, scanner para transporte direto de

    textos ou imagens do papel para a forma magntica, da mesma magnitude que um bom

    aparelho de televiso, ou pouco mais. Hoje temos aparelhos de televiso em 92% dos

    domiclios do pas. E estes custos esto caindo vertiginosamente. Ainda h pouco tempo,

    uma ligao telefnica para o exterior era carssima: hoje podemos nos conectar durante

    horas a preos baixssimos via skype ou semelhantes. a nova conectividade planetria.

    A varivel dos custos importante: quando com o preo da construo de uma escola

    pode-se comprar milhares de equipamentos de informtica e de vdeo, a composio

    tecnolgica dos investimentos na educao deve ser colocada em discusso. Por outro

    lado, um livro cientfico mdio hoje custa cerca de 50 reais, valor que permite comprar

    em CD uma enciclopdia universal, sem falar da possibilidade de acessar a wikipedia

    gratuitamente. Transmitir os dados de um livro cientfico informatizado, custa dezenas de

    vezes menos do que a fotocpias com as quais tantos professores se defendem.

    No h dvida que perfeitamente legtima a atitude de uma professora de periferia, que

    se debate com os problemas mais dramticos e elementares, e com um salrio absurdo: "o

    que que eu tenho a ver com isto?" Faz parte da nossa realidade, ainda, a luta pelo

    "Aurlio". Mas a implicao prtica que vemos, frente existncia paralela deste atraso e

    da modernizao, que temos que trabalhar em "dois tempos", fazendo o melhor possvel

    no universo preterido que constitui a nossa educao, mas criando rapidamente as

    condies para uma utilizao "nossa" dos novos potenciais que surgem.

    O desafio no simples: como professores, precisamos preparar os alunos para trabalhar

    com um universo tecnolgico no qual ns mesmos ainda somos principiantes. til

  • 14

    lembrar a histria que nos traz Seymour Papert, em A Mquina da Criana: uma

    professora de informtica se sentia cada vez mais ultrapassada pelo ritmo das crianas,

    que no s captavam muito facilmente o que ela ensinava, como iam adiante com maior

    rapidez. Numa aula, confrontada com uma pergunta que no sabia responder, e que

    sequer entendia, a professora teve um acesso de bom senso, e fez um novo pacto com os

    alunos. Doravante, ela no se sentiria obrigada a conhecer todas as reas do que ensinava,

    sobretudo neste universo to repleto de coisas novas. Ela passaria a orientar os alunos na

    sua aquisio de capacidades informticas, e deixaria de ser uma repassadora de

    contedos. Ela, como professora, sabe organizar a aprendizagem, o que no significa que

    precisa saber tudo.

    Voltamos assim viso que apresentamos no incio: mudam as tecnologias, mas tambm

    muda o mundo que devemos estudar, e precisam mudar as prprias formas de ensino. A

    informtica no apenas a chegada de novas mquinas. E neste caso, no resolve sequer

    a mentalidade do "manual de instrues": a compreenso das novas dinmicas ainda est

    em plena construo.

  • 15

    4 - O deslocamento dos paradigmas da educao

    No preciso ser nenhum deslumbrado da eletrnica para constatar que o movimento

    transformador que atinge hoje a informao, a comunicao e a prpria educao

    constitui uma profunda revoluo tecnolgica. Este potencial pode ser visto como fator

    de desequilbrios, reforando as ilhas de excelncia destinadas a grupos privilegiados, ou

    pode constituir uma poderosa alavanca de promoo e resgate da cidadania de uma

    grande massa de marginalizados, criando no pas uma base ampla de conhecimento, uma

    autntica revoluo cientfica e cultural.

    Nesta rearticulao da sociedade, hoje urbanizada e coexistindo em vizinhanas, e

    frente ao novo papel do conhecimento no nosso cotidiano, as estruturas de ensino

    poderiam evoluir, por exemplo, para um papel muito mais organizador de espaos

    culturais e cientficos do que propriamente de lecionador no sentido tradicional. De

    toda forma o espao urbano abre possibilidades para a organizao de redes culturais

    interativas11

    que colocam novos desafios ao prprio conceito de educao.

    Conforme vimos, tudo indica que no estamos enfrentando apenas uma revoluo

    tecnolgica. Na realidade, o conjunto de transformaes parece estar levando a uma

    sinergia da comunicao, informao e formao, criando uma realidade nova, que est

    sendo designada como "sociedade do conhecimento"12

    . De certo modo, o processo reflete

    os primeiros passos do homo culturalis, em contraposio ao homo economicus dos

    sculos XIX e XX.

    Entrar neste universo da modernidade ciberntica, quando somos um pas em grande

    parte subdesenvolvido, e muito desigual, envolve dificuldades. De certa forma,

    precisamos traar caminhos prprios, e no necessariamente aplicarmos frmulas

    desenvolvidas para pases ricos. Eles mesmos procuram novos rumos na educao. til

    lembrar alguns dados. Os gastos pblicos por aluno nos ensinos pr-primrio, primrio e

    secundrio, em 1990, foram de 2.419 dlares por ano nos paises ricos, contra 263 dlares

    nos paises do terceiro mundo. A desigualdade se mantm. Em 2009, o Luxemburgo

    gastou 5800 dlares de dinheiro pblico por aluno, os Estados Unidos 3050, a Venezuela

    11

    O fato do conhecimento ter-se tornado flido, instantaneamente transportvel, faz com que o

    conhecimento seja hoje menos uma matria prima que primeiro se aprende, e depois se transmite, para se

    constituir numa rede de participantes que dele partilham. medida que a cultura da conectivididade se

    generaliza, vo se formando assim redes culturais interativas que o professor pode ajudar a organizar, a

    dinamizar. 12

    A sociedade do conhecimento um conceito que j nos habituamos a utilizar para definir o conjunto de

    transformaes que esto afetando o planeta, na empresa, na universidade, nas relaes sociais. De certa

    maneira, passamos da antiga sociedade agrria, onde o eixo norteador era a agricultura, para uma sociedade

    industrial onde o eixo passou a ser a fbrica, e agora estamos evoluindo para uma sociedade onde a

    informao e o conhecimento se tornaram os elementos estruturadores mais significativos. Uma boa leitura

    sobre o assunto o livro organizado por Robin Mansell e Uta Wehn Knowledge Societies: Information

    Technology for Sustainable Development Unesco, Oxford University Press, New York 1998

  • 16

    446 e o Brasil 412.13

    De uma forma geral, constata a Unesco14

    , so os paises mais

    pobres que fornecem a educao mais limitada. Ou seja, os que deveriam gastar mais em

    educao para alcanar os mais ricos, so justamente os que gastam menos. A esperana

    de vida escolar15

    em certos paises inferior a 500 dias, enquanto atinge 3.100 dias no

    Canad.

    interessante notar que o balano mundial da Unesco sobre a situao da educao no

    mundo presta um tributo ao que conseguimos fazer com os poucos recursos que temos:

    "Estudos internacionais realizados pela Asociacin Internacional de Evaluacin Escolar

    (IEA) demonstraram que os estudantes dos pases desenvolvidos no tm um rendimento

    muito superior mais ainda, em alguns casos no sequer melhor em provas

    comparveis de compreenso de leitura, aritmtica e cincias, por exemplo, do que o dos

    estudantes relativamente pobres onde o gasto por aluno muito inferior".

    Isto mostra que dinheiro e tecnologia no tudo. Mas implica sim que estamos

    trabalhando, em termos de educao, com universos profundamente diferenciados. O

    mesmo relatrio internacional menciona que na cidade de So Paulo, o nmero de chefes

    de famlia com menos de um ano de escolarizao 22 vezes superior na periferia do que

    nas reas centrais da cidade.

    Ampliando esta viso para o Brasil, o Relatrio Nacional Brasileiro Cpula Mundial

    para o Desenvolvimento Social, (Copenhague 1995)16

    constatou que no que se refere

    aos 8 anos do ensino bsico, apenas 34% dos que nele ingressam chegam sua

    concluso, no geral com um tempo de permanncia 50% maior do que o perodo previsto.

    Existem tambm descompassos entre a oferta e a demanda, estimando-se em 4 milhes o

    nmero de crianas fora da escola, ao mesmo tempo que se verifica uma sobrecarga da

    rede pblica. Apenas 1% da populao chega universidade, sendo que o ensino de

    segundo grau (do 9 ao 11 anos) representa outro grande afunilamento, j que somente

    30% da populao entre 15 e 19 anos de idade tem acesso a ele. A dimenso desta

    herana faz compreender melhor as dificuldades e a dimenso dos esforos atualmente

    13

    Para dados recentes, veja http://stats.uis.unesco.org que apresenta dados para o Brasil em 2007, gastos

    pblicos em dlares ppp de 1,7 mil no fundamental, 1,7 mil tambm no seccundrio, e 2,9 mil no ensino

    superior. As cifras respectivas para a Frana so de 6,1 mil, 9,0 mil e 12 mil. Nos EUA so 9,8 mil, 10,8

    mil e 9,7 mil. 14

    Os dados referentes s desigualdades internacionais na educao podem ser encontrados no Relatrio

    Mundial sobre a Educao, da Unesco, (www.unesco.org ) publicado anualmente em vrias linguas; outra

    excelente fonte so os Relatrios sobre o Desenvolvimento Humano, publicados anualmente pelo PNUD

    (www.undp.org/hdro ); O Banco Mundial tambm publica estes dados, nas tabelas estatsticas, no seu

    relatrio anual Relatrio sobre o Desenvolvimento Mundial. (www.worldbank.org ) 15

    Este conceito importante, definido pela Unesco, mede a probabilidade de tempo de vida escolar de uma

    criana de 5 anos, no ensino formal. Ver a definio completa no Relatrio Mundial sobre a Educao, da

    Unesco, Paris 1993 16

    A Cpula Mundial de Copenhague reuniu quase todos os pases do mundo para avaliar a situao social

    do planeta. equivalente, para o campo social, ao que foi a Cpula Mundial sobre o Meio Ambiente e o

    Desenvolvimento, no Rio de Janeiro, em 1992. O relatrio oficial do governo brasileiro para esta

    conferncia de tima qualidade, e constitui uma boa fonte de avaliao das nossas polticas sociais. Foi

    editado pelo governo: Repblica Federativa do Brasil Relatrio Nacional Brasileiro Cpula Mundial

    para o Desenvolvimento Social Brasilia 1995. o trecho aqui mencionado encontra-se nas p. 12 e seguintes

    do relatrio.

    http://stats.uis.unesco.org/http://www.unesco.org/http://www.undp.org/hdrohttp://www.worldbank.org/

  • 17

    despendidos, Os desequilbrios so estruturais, e ser particularmente difcil super-los

    enquanto a desigualdade econmica se mantiver: a educao no uma ilha.17

    Como inverter a dinmica de uma educao que hoje constitui um fator de reforo das

    desigualdades, como rearticular os diversos universos sociais to distantes? O nosso

    desafio, portanto, no s de introduzir novas tecnologias, com o conjunto de

    transformaes que isto implica, mas tambm de assegurar que as transformaes sejam

    fonte de oportunidades.

    Resumindo as noes gerais, ou macro-tendncias, que vimos at agora, e buscando

    sistematizar o que elas representam em termos prticas para a nossa ao, sugerimos os

    seguintes pontos de referncia:

    necessrio repensar de forma mais dinmica e com novos enfoques a questo do universo de conhecimentos a trabalhar: ningum mais pode aprender tudo, mesmo de

    uma rea especializada. O velho debate que data ainda do sculo XVI, sobre se a

    cabea deve ser bem cheia ou bem feita, torna-se mais presente do que nunca.

    "Encher" a cabea tornou-se invivel, alm de intil.

    Neste universo de conhecimentos, nesta imensa rede de vasos comunicantes e interativos, assumem maior importncia relativa as metodologias, o aprender a

    navegar, reduzindo-se ainda mais a concepo de "estoque" de conhecimentos18

    a

    transmitir. O conhecimento no mais essencialmente o que est na cabea do

    professor, est na rede.

    Torna-se cada vez mais fluida a noo de rea especializada de conhecimentos, ou de carreira, quando do engenheiro exige-se cada vez mais uma compreenso da

    administrao, quando qualquer cientista social precisa de uma viso dos problemas

    econmicos e assim por diante, devendo-se inclusive colocar em questo os

    corporativismos cientficos. o fim do universo em fatias, da cincia-salaminho.

    Aprofunda-se a transformao da cronologia do conhecimento: a viso do homem que primeiro brinca, depois estuda, depois trabalha, e depois se aposenta aposentadoria

    vista alis como um tipo de retirada para a inutilidade, torna-se cada vez mais

    anacrnica, e a complexidade das diversas cronologias aumenta.

    A mudana das cronologias implica numa imensa diversificao do mundo educacional, que passa a se constituir num mosaico de subsistemas flexveis de

    articulao entre as diversas idades, diversas atividades, e a sua dimenso de

    17

    Sobre este tema, ver a excelente pesquisa do Cenpec, que apresenta a fragilidade dos resultados

    educacionais em reas de vulnerabilidade econmica e social, 2011.

    http://dowbor.org/ar/pesquisa%20de%20vulnerabilidade%20-%20internet%20v2.pdf 18

    H uma discusso importante sobre o conceito de conhecimento. Aqui trabalhamos com uma hierarquia

    simples: elementos fragmentados constituem dados, os dados organizados constituem informao, a

    informao elaborada pelo sujeito que a utiliza, na interao com a realidade, se transforma em

    conhecimento. Uma relao harmoniosa de conhecimento, ao e valores poderia significar sabedoria.

    http://dowbor.org/ar/pesquisa%20de%20vulnerabilidade%20-%20internet%20v2.pdf

  • 18

    conhecimento. Implcitos esto desafios como a reciclagem de quem trabalha, a

    universidade de terceira-idade, o uso de jogos infantis como simulaes didticas, a

    interao do adolescente com o mundo profissional e assim por diante.

    Modifica-se profundamente a funo do educando, em particular do adulto, que deve se tornar sujeito da prpria formao, frente diferenciao e riqueza dos espaos de

    conhecimento nos quais dever participar. A educao vista neste prisma tende a se

    tornar de certa forma orientada pela demanda, sendo que construir o seu prprio

    universo de conhecimento passa a ser uma condio central da insero social das

    pessoas. No se trata mais de gerar o currculo adequado a partir de instncias

    "superiores", mas de se adaptar ao que o aluno efetivamente necessita, nos seus

    diversos eixos de interao com o mundo.

    A luta pelo acesso aos espaos de conhecimento vincula-se ainda mais profundamente ao resgate da cidadania, em particular para a maioria pobre da populao, como parte

    integrante das condies de vida e de trabalho. O Relatrio Mundial sobre a

    Informao da Unesco insiste muito sobre este ponto: o acesso informao, neste

    mundo complexo que vivemos, vital inclusive para o cidado poder ter acesso aos

    outros direitos humanos. Neste sentido batalhar por uma educao pblica, aberta e

    transparente, e pelo livre acesso ao conhecimento, cada vez mais atual.

    Longe de tentar ignorar as transformaes, ou de atuar de forma defensiva frente s novas tecnologias, precisamos penetrar as dinmicas para entender sob que forma os

    seus efeitos podem ser invertidos, buscando uma sociedade mais equilibrada, quando

    hoje tendem a se reforar as polarizaes e a desigualdade. Trata-se, em outros

    termos, de trabalhar de maneira sria e sem iluses o fato das novas tecnologias terem

    dois gumes, pois tanto podem servir para a elitizao e o aprofundamento das

    contradies sociais, como para gerar, atravs da democratizao do conhecimento e

    abertura generalizada do acesso, uma sociedade mais justa e mais equilibrada.

    Finalmente, essencial enfrentarmos de maneira organizada a compreenso das novas tecnologias, do seu potencial, dos seus perigos, das suas dimenses econmicas,

    culturais, polticas, institucionais. Poderemos ser a favor ou contra certas tecnologias,

    ainda que na realidade ningum esteja nos perguntando se somos contra ou a favor

    mas o que no podemos nos permitir, inclusive para orientar as novas geraes, delas

    no termos um conhecimento competente.

  • 19

    5 - A educao articuladora dos espaos do conhecimento

    Se o sculo XX foi o sculo da produo industrial, dos bens de consumo durvel, o

    sculo XXI ser o sculo da informao, da sociedade do conhecimento. No h nenhum

    "futurismo" pretensioso nesta afirmao, e sim uma preocupao com as medidas prticas

    que se tornam necessrias, e cujo estudo deve figurar na nossa agenda. No podemos

    mais trabalhar com um universo simplificado da educao formal, complementado por

    uma rea de educao de adultos para recuperar "atrasos". E na realidade, diversas formas

    e canais de organizao e transmisso do conhecimento j existem, enriquecendo o leque

    do universo educacional.

    Neste sentido, a convergncia tecnolgica que vimos mais acima, que funde a telefonia, a

    informtica e a televiso num grande sistema interativo de gesto do conhecimento, nos

    leva a que a educao deixe de ser um universo em si, e se torne um articulador dos

    diversos espaos do conhecimento. Estes espaos hoje comunicam naturalmente, na

    medida em que todos tm um denominador comum, o sistema digital de informaes. So

    apenas dimenses, formas de apresentao, embalagens diferenciadas do mesmo

    universo. A sua segmentao freqentemente resulta mais das heranas institucionais e

    organizacionais de outros tempos, do que propriamente de qualquer lgica e

    racionalidade em funo da sua utilidade prtica.

    Um bom exemplo da diversificao dos espaos educacionais nos fornecido pela

    formao nas empresas. A importncia deste novo segmento da educao pode ser

    avaliada se lembrarmos que os EUA gastam cerca de 5,7% do PIB com educao pblica,

    ou seja cerca de 800 bilhes de dlares, enquanto a formao nas empresas tambm se

    cifra em cerca de 70 bilhes, ocupando uma fatia importante do conjunto. No h dvida

    que o universo empresarial brasileiro est dramaticamente atrasado nesta rea, como alis

    os Estados-Unidos esto atrasados relativamente ao Japo ou Alemanha. Mas o fato

    que este espao est conhecendo um desenvolvimento muito rpido em todos os paises, j

    no mais limitado aos empresrios com conscincia social, mas generalizado pela

    prpria complexidade crescente dos processos produtivos. Grandes empresas esto

    inclusive se dotando de universidades corporativas19

    , que j eram mais de 2000 nos

    Estados Unidos em 2001. No Brasil j teramos 89 universidades empresariais instaladas.

    preciso levar em conta uma profunda transformao que est ocorrendo na rea

    empresarial: enquanto a produo tradicional podia se contentar com um trabalhador

    pouco formado, sendo a educao vista essencialmente como um "bandaid social" que

    19

    A distncia crescente entre as necessidades das grandes corporaes, e o mundo da educao, leva

    numerosas empresas a desenvolverem os seus prprios sistemas educacionais. Fornecem cursos, diplomas,

    essencialmente para os seus prprios funcionrios, mas tambm para fora. Algumas experincias so muito

    srias, outras entram na linha geral da picaretagem, com o glamour de parecerem acadmicas. Outras ainda,

    na linha do Bradesco, por exemplo, so preocupantes pela carga ideolgica. Mas a dinmica muito

    poderosa. Sobre as universidades corporativas no Brasil, ver o artigo de Clia Regina Otranto,

    Universidades Corporativas: o que so e para que servem, 2007, http://www.anped11.uerj.br/30/GT11-

    2852--Int.pdf

    http://www.anped11.uerj.br/30/GT11-2852--Int.pdfhttp://www.anped11.uerj.br/30/GT11-2852--Int.pdf

  • 20

    permitia falar em "igualdade de chances partida", hoje o setor empresarial moderno

    passa a precisar crescentemente da educao para o seu prprio desenvolvimento. Em

    outros termos, se os Estados Unidos investem este volume de recursos na formao nas

    empresas, e o Japo e a Alemanha cerca de 2 ou 3 vezes mais, no se trata de idealismo,

    mas de uma transio exigida pelo prprio ritmo de transformaes tecnolgicas. Pode-se

    gostar ou no da tendncia, mas o fato que se trata de uma nova rea que adquiriu peso

    significativo e crescente relativamenbte educao formal. Podemos discutir as formas

    de articular os nossos esforos com esse universo. O que no podemos nos permitir,

    ignor-lo.

    Outra rea que est surgindo com fora, pelo potencial que representa, a reorientao da

    televiso e da mdia em geral. H um gigantesco capital acumulado, que so os aparelhos

    de televiso instalados em 94% dos domiclios do pas, as infraestruturas de transmisso e

    retransmisso, o imenso know-how acumulado pelos tcnicos em comunicao no Brasil.

    Um bom exemplo do aproveitamento deste capital o Public Broadcasting Service20

    (PBS) dos Estados Unidos, assistido por mais de 90 milhes de pessoas, com programas

    educacionais diversos de gigantesco impacto cultural no pas. A rede no nem privada

    nem Estatal, gerida por um conselho que envolve televises locais e organizaes

    comunitrias, com forte representao de instituies de ensino. Se considerarmos que a

    populao, e em particular as crianas, assistem a programas de televiso algumas horas

    por dia, evidente que uma reorientao da nossa mdia, no sentido de elevar o nvel

    cientfico e tecnolgico da populao, poderia ter efeitos muito significativos. E a rede

    tem ndices de audincia muito elevados, pela prpria qualidade dos programas e

    estrutura descentralizada que permite participao local efetiva. A PBS gasta anualmente

    cerca de 1,3 bilhes de dlares. No Brasil gastamos anualmente cerca de 30 bilhes de

    dlares em publicidade. A Fundao Anchieta, pioneira nesta orientao com a TV-

    Cultura, permanece uma jia solitria no deserto intelectual das grandes redes de TV, e se

    v submetida a fortes presses de cunho comercial.

    Diretamente vinculado televiso, mas constituindo hoje um processo autnomo

    extremamente importante, o vdeo. Retomando o mesmo exemplo da televiso

    americana, a Pbs-video abastece toda a rede educacional, hospitais, organizaes

    comunitrias etc., com DVDs, videos online, racionalizando o acesso ao gigantesco

    acervo de filmes cientficos e educativos que hoje existem no mundo. No Brasil, temos

    todo o movimento pela Lei da Informao Democrtica que abraou a luta pela

    ampliao e democratizao dos espaos educacionais, luta que deveria ser de todo a

    comunidade educacional e cientfica em geral.. O universo da educao formal, entre

    professores e alunos, representa no Brasil cerca de 55 milhes de pessoas, mais de 25%

    da populao. A ausncia ou quase ausncia do movimento organizado dos educadores na

    luta pela democratizao dos meios de comunicao de massa e da informao em geral

    particularmente grave, e reflete a insuficiente compreenso de que no se trata s da

    20

    O Public Broadcasting Service representa um pouco o que a TV cultura representa no Brasil. No tem

    publicidade, uma sucesso de programas culturais e cientficos, e os patrocinadores so apenas

    mencionados no comeo e no fim do programa. Dado o prestgio da rede, as empresas se consideram

    recompensadas. A imensa popularidade dos programas nos Estados Unidos so um desmentido simples aos

    donos de mdia que dizem que fazem coisas idiotas porque disso que o povo gosta.

  • 21

    educao, mas do conjunto das reas ligadas ao universo do conhecimento. importante

    lembrar que com a internet em banda larga, com ou sem cabo, ningum precisar mais

    estocar DVDs, os filmes podero ser passados diretamente em qualquer sala de aula com

    computador. Com a generalizao do youtube, inclusive, borra-se a diviso entre o

    produtor e o consumidor de filmes, a criatividade pode se generalizar.

    Um outro espao do conhecimento em plena expanso o dos cursos tcnicos

    especializados. A expanso compreensvel, j que com o surgimento de inmeras novas

    tecnologias, os mais diversos segmentos da populao buscam cursos de design, de

    programao, de inseminao artificial e outras tcnicas agrcolas, bem como apoio

    tcnico para criao de micro e pequenas empresas etc. Esta rea ocupa um espao

    crescente, e no pode mais ser descartada como atividade marginal, como no tempo dos

    cursos de datilografia. Em reunies organizadas em So Paulo, a Cmara Jnior de

    Comrcio do Japo exps como 60 mil pequenas empresas japonesas, conectadas por

    computador, cruzam diariamente as suas propostas ou dificuldades tecnolgicas. Assim

    por exemplo, um trabalhador que enfrenta uma dificuldade tcnica determinada,

    descreve-a no computador, e recebe no dia seguinte na sua tela comunicaes sobre que

    empresa resolveu de que maneira esta dificuldade. Em outros termos, em vez de

    multiplicar cursinhos de qualidade freqentemente duvidosa, o Japo trabalha nesta rea

    com a criao de um ambiente tecnolgico integrado, que envolve tanto cursos como

    comunicaes informais, e sobretudo a formao de uma cultura associativa e

    colaborativa das empresas. Pode-se pensar que isto no tem nada a ver com educao. Ou

    pode-se pensar que a educao tem muito a ver com os sistemas concretos de produo e

    distribuio de conhecimentos de forma geral.

    Uma outra rea de trabalho que deve passar a interessar a educao a organizao do

    espao cientfico domiciliar. Nestes tempos de Internet e outros produtos, um nmero

    crescente de professores est se interessando hoje em organizar o seu espao de trabalho

    em casa, ultrapassando a viso de pilhas de papel, de livros perdidos e esquecidos. Como

    este problema deve ser enfrentado ao nvel da criana, que carrega entre a casa e a escola

    volumes absurdos de material, sem a mnima orientao de como se organiza

    conhecimento acumulado de forma a torn-lo acessvel quando necessrio? Longe de ser

    secundria, a criao de ambiente propcio na casa hoje fundamental, e trata-se de

    trabalhar este assunto de forma organizada, na linha de ergonomia do trabalho intelectual,

    entre outros. importante entender que entre a nossa gerao e a gerao dos nossos

    filhos, o volume e tempo de vida da informao mudaram radicalmente, e o que j um

    problema para ns, ser um problema muito maior para eles. E j no se trata, entre ns,

    de um problema da classe mdia. Com laptop ou celular, est se generalizando. A

    universalizao do acesso, na linha do Plano Nacional de Banda Larga, est s portas,

    travada apenas pelo cartel das empresas interessadas em restringir o acesso para elevar

    preos.

    A atualidade deste espao educacional reforada pelos avanos recentes das

    telecomunicaes, que ultrapassaram de longe o ritmo de inovao da prpria rea

    informtica. Um balano realizado pela Unio Europia, aponta em particular para as

    importantes implicaes destes avanos para a rea da educao: "O fornecimento de

  • 22

    servios educacionais a distncia, utilizando as infraestruturas avanadas de

    telecomunicaes que hoje o tornam possvel, constitui a nica opo vivel para que a

    dimenso europia da educao se torne uma realidade acessvel para todos, e no restrita

    a uma pequena elite...A tecnologia hoje torna possvel que as telecomunicaes

    desempenhem um papel chave na democratizao da informao e do conhecimento,

    equilibrando o problema de como (e no se) o conhecimento ser acessado no s pelos

    prsperos (cidados urbanos bem formados da faixa superior) mas tambm pelos

    marginalizados (seja por razes de distncia geogrfica, de deficincias individuais ou

    qualquer outra razo)."

    Outro espao que est surgindo com fora o espao do conhecimento comunitrio.

    Trata-se de uma rea at hoje fundamentalmente trabalhada pelas Organizaes No

    Governamentais (as ONGs) de diversos tipos, Organizaes de Base Comunitria

    (OBCs), Organizaes da Sociedade Civil (OSC), organizaes religiosas e tantas

    outras, que vo compondo gradualmente este novo universo chamado de Terceiro Setor.21

    A sua importncia tem sido sistematicamente subestimada no Brasil. importante

    lembrar que s nos Estados Unidos o setor sem fins lucrativos, como l chamado,

    representa uma contribuio ao PIB de 700 bilhes de dlares por ano. No se trata de

    aprovar ou no este tipo de iniciativas, e sim de constatar que se elas se desenvolvem com

    tanto dinamismo, que h um vazio no preenchido. A fora deste processo, com as suas

    dimenses positivas e negativas, resulta da prpria fora do processo de urbanizao, e

    que torna a comunidade organizvel em torno do chamado "espao de vida". A

    articulao com as ONG's e organizaes de base comunitria, hoje intensamente

    conectadas aos meios modernos de comunicao, pode ser a base de um excelente canal

    de articulao da escola e de cada ensino especfico com os problemas realmente sentidos

    na comunidade.

    Outra rea em plena expanso e que precisa de uma reengenharia institucional a rea

    de Pesquisa e Desenvolvimento. A pesquisa no Brasil apresenta duas caractersticas que

    devem ser vistas com realismo: o distanciamento entre a academia, a empresa e a

    comunidade, por um lado, e a frgil coordenao entre centros cientficos por outro.

    21

    O Terceiro Setor ainda pouco conhecido e compreendido no Brasil. O seu surgimento relativamente

    recente, e a sua dinmica est diretamente ligada ao fato que nem a burocracia estatal tradicional, nem o

    mundo da empresa privada respondem adequadamente s nossas necessidades. O resultado foi que as

    pessoas interessadas em preservar o meio ambiente, em melhorar as escolas, em melhorar a qualidade de

    vida, foram se organizando, arregaando mangas Para se ter uma idia, nos Estados Unidos este setor

    emprega 15 milhes de pessoas. No Brasil o terceiro setor est se desenvolvendo rapidamente, em

    particular pelo atraso acumulado nas polticas sociais e pelo carter predatrio da iniciativa privada quando

    entra nestas reas, em geral buscando elitizao e preos elevados. Hoje h uma srie de livros no Brasil

    sobre o terceiro setor. O melhor estudo me parece ser ainda o Relatrio sobre o Desenvolvimento Humano

    no Brasil 1996, elaborado conjuntamente pelo Ipea e pelo Pnud. O Ipea uma instituio de pesquisa da

    Presidncia da Repblica, de alta qualidade. www.ipea.gov.br O Pnud, Programa das Naes Unidas para

    o Desenvolvimento, pode ser acessado no site www.undp.org O relatrio explica de forma clara o que so

    ONGs (Organizaes no Governamentais), OBCs (Organizaes de Base Comunitria) e assim por

    diante. Sugerimos a consulta do artigo sobre Gesto Social e transformao da sociedade,

    http://www.pucsp.br/pos/ecopol/downloads/ecopol/1999/gestao.pdf no site http://dowbor.org As

    organizaes do Terceiro Setor tm um site comum, www.rits.org.br , chamado Rede de Informaes do

    Terceiro Setor.

    http://www.ipea.gov.br/http://www.undp.org/http://www.pucsp.br/pos/ecopol/downloads/ecopol/1999/gestao.pdfhttp://dowbor.org/http://www.rits.org.br/

  • 23

    Quando se visita os diversos campi cientficos, fica-se impressionado a que ponto se trata

    de ilhas, ou de um arquiplago de instituies com frgil complementaridade e

    sinergia. Hoje qualquer pesquisador acessa em segundos no seu computador a produo

    cientfica da Europa ou dos Estados Unidos, via Internet, mas tem muito mais dificuldade

    para acessar a produo de outras instituies do seu prprio Estado, ou s vezes de sua

    prpria cidade. O MIT, principal centro de pesquisas do EUA, hoje disponibiliza toda a

    produo cientfica dos seus pesquisadores e professores gratuitamente online, no que

    chamou de Open Course Ware, OCW, equivalente universitrio do Open Source, fonte

    aberta como o Linux. Em balano feito em 2010, o MIT contabilizou mais de 50 milhes

    de textos baixados no planeta, imensa contribuio cientfica. A cincia vive da

    colaborao. As instituies universitrias de ponta no Brasil ainda trabalham com pastas

    de xerox nos escaninhos, um legado prehistrico.

    essencial, de toda forma, tomar conscincia que a existncia das tecnologias modernas

    de comunicao torna hoje simples e barato realizar um salto qualitativo na convergncia

    dos trabalhos de cincia e tecnologia no pas, permitindo ao mesmo tempo maior contato

    entre as instituies cientficas e a melhor articulao com setores empresariais e de

    cincia aplicada, abrindo espao para um ambiente de progresso cientfico e cultural

    generalizado. Para a escola, e para cada professor individualmente, organizar a ponte

    direta de comunicao com os centros de pesquisa pode constituir uma base importante

    de diversificao e enriquecimento de ensino, na medida em que deixa de exigir visitas e

    deslocamentos caros em tempo e dinheiro.

    A formao de adultos um espao que precisa ser revisto em profundidade. No se

    pode tratar o adulto como uma criana, que precisaria recuperar o atraso. O adulto est

    profundamente integrado na luta pela vida, e sistemas que infantilizam so simplesmente

    humilhantes. Num estudo realizado na Costa Rica, contatamos diversas comunidades no

    intuito de identificar prioridades educacionais, imaginando que a educao fosse a

    servio delas. As propostas que surgiram se ordenaram claramente segundo trs grupos

    de interesses. Um primeiro grupo envolve o conhecimento dos direitos individuais e

    comunitrios, dos canais burocrticos de acesso administrao local, de organizao

    comunitria: a comunidade tentando fortalecer os seus msculos polticos. Um

    segundo grupo envolve tcnicas de autoconstruo; organizao de pequenas e micro-

    empresas, tecnologia de esterilizao de gua, formas de construo de pequenas

    infraestruturas, e outras tcnicas ligadas construo fsica do espao comunitrio. Um

    terceiro grupo, enfim, envolve um conjunto de reas de conhecimento que permitem

    enfrentar o desemprego: corte e costura, carpintaria, micro-produo caseira etc.

    No conjunto, as propostas so excepcionalmente coerentes, e mostram que o processo

    vivel ao se colocar a educao no nvel de prestao de servios, e no como uma

    imposio tecnocrtica ou burocrtica como foi o Mobral. Na realidade, trata-se de

    associar o processo educacional de uma comunidade com o conjunto dos seus esforos de

    modernizao, desenvolvimento e recuperao de cidadania. No se trata de questionar o

    universo formal de conhecimentos, e sim de integr-lo com o processo real de

    transformao do cotidiano que o adulto procura.

  • 24

    Em outros termos, trata-se menos de oferecer um "pacote" fechado de conhecimentos, e

    mais de se colocar a educao ao servio de uma comunidade que moldar o universo de

    conhecimentos de que necessita segundo os momentos e a dinmica concreta do seu

    desenvolvimento. E neste processo o conjunto de instrumentos, desde a aula

    convencional at os sistemas baratos e modernos de TV comunitria, e as novas

    conquistas tecnolgicas, que podero ser utilizados, num processo em que o educador

    mais um "parteiro" do potencial local do que propriamente fonte de saber.

    Quando repensamos a educao formal neste contexto, para consider-la como

    atividade central e organizadora, e no mais como eixo nico de formao. Em outros

    termos, a escola tem de passar a ser um pouco menos "lecionadora", e bastante mais

    organizadora, ou estimuladora, de um processo cujo movimento deve envolver os pais e a

    comunidade, integrando os diversos espaos educacionais que existem na sociedade, e

    sobretudo ajudando a criar este ambiente cientfico-cultural que leve ampliao do

    leque de opes e reforo das atitudes criativas do cidado.

    Nesta linha, o ensino superior deveria ser profundamente revisto, na medida em que

    poderia buscar maior impacto de mobilizao das transformaes, ultrapassando o seu

    papel hoje to estreito de formao de elites corporativas. Em termos de cronologia do

    ensino, este espao deveria ultrapassar o seu formato fechado, de licenciatura em 4 ou 5

    anos, para se abrir a ciclos de atualizao cientfica do estudante de qualquer idade. Em

    outros termos, importante que um professor de matemtica possa cursar um semestre de

    informtica para se atualizar, sem necessariamente cursar toda uma faculdade, e que o

    conjunto de adultos profissionais do pas possam passar a ver na educao superior um

    espao permanente de atualizao. O fechamento existente entre a carreira "acadmica" e

    as carreiras "tcnicas" constitui simplesmente um anacronismo. Estamos na era da

    flexibilidade, da gesto do conhecimento e no da gesto de diplomas. .

    Finalmente, devemos abrir a escola para o mundo que a cerca. Uma proposta prtica

    assegurar que crianas j no incio da adolescncia visitem de forma sistemtica e

    programada diversos tipos de empresas, bancos, micro-empresas familiares, empresas

    pblicas etc., rompendo com a situao absurda do aluno ver a distancia entre o que

    aprendeu e o mundo real somente quando chega aos 18 anos. H experincias numerosas

    neste sentido, e devemos tomar medidas renovadoras com urgncia. E no podemos mais

    considerar o aluno como pessoa em "idade escolar", porque h cada vez menos "idade"

    para isso.Um exemplo evidente a universidade para idosos: como a terceira idade hoje

    um perodo da ordem de duas a trs dcadas, a formao para um conjunto de atividades

    possveis adquiriu grande importncia.

    De forma geral, o professor funciona num espao s, a escola. Mas o aluno constri

    gradualmente a sua viso de mundo a partir de um conjunto de espaos que hoje

    trabalham o conhecimento, e a conexo da escola com estes diversos universos, tornada

    possvel pelas novas tecnologias, essencial. A escola pode celebrar convnios com

    emissoras de televiso para ter acesso a uma srie de programas interessantes. Podem ser

    realizadas teleconferncias com membros da comunidade sobre os problemas locais, para

    confrontar diversos pontes de vista. Podem ser entrevistados on-line especialistas

  • 25

    cientficos sobre um problema que um professor est discutindo no momento com alunos.

    Enfim, o potencial imenso. Muitos professores tm a cabea aberta para este tipo de

    inovaes, de articulaes dos diversos espaos do conhecimento.

    Por outro lado, freqentemente difcil um professor tomar estas iniciativas, sem o

    respaldo da instituio onde trabalha. Em outros termos, no basta a adaptao da atitude

    e das prticas pedaggicas: preciso organizar a escola, as diversas instituies, para que

    isto seja possvel.

  • 26

    6 - Tecnologias do conhecimento e tecnologias organizacionais

    O uso adequado das novas tecnologias passa por transformaes organizacionais. Em si,

    o computador, a internet, as novas tecnologias em geral permitem apenas acelerar e

    conectar as atividades. As bobagens, no custa repeti-lo, podem hoje ser feitas em

    volume muito maior, e muito mais rapidamente.

    O professor realmente existente sofre a permanente presso de um sem-nmero de

    atividades pontuais, e no se pode simplesmente ver as transformaes em curso, com a

    enorme abrangncia que implicam, como mais uma tarefa, mais uma atividade. Trata-se

    de articular de forma organizada, dentro dos horrios e dos espaos escolares, os novos

    enfoques. Se no houver este redimensionamento organizado, fica realmente cada

    professor tentando sozinho equilibrar novas prticas, que podem at entrar em choque

    com orientaes mais conservadores de outras reas do estabelecimento.

    Antigamente, as empresas organizavam a sua informatizao criando um Centro de

    Processamento de Dados, o misterioso CPD, com os seus misteriosos especialistas. S

    mais tarde se entendeu que a informtica e a comunicao devem constituir um sistema

    de redes extremamente solto e difuso dentro das empresas, permitindo um fluxo amplo de

    informao entre todos os trabalhadores. As TICs deixaram de ser a especialidade de

    alguns, para ser uma dimenso do trabalho de todos, e os "especialistas" se tornaram mais

    modestamente agentes de manuteno do sistema.

    Na escola, o processo diferente, mas envolve igualmente esta lenta assimilao, e os

    dilemas organizacionais. Gera-se um "laboratrio" de informtica, com o dono da chave

    do laboratrio, horrios estritos de uso, e uma "disciplina" de informtica, como se fosse

    mais uma rea de estudo. A imagem que se usa relativamente a este enfoque, que

    equivaleria, no caso de um lpis, a fazer aulas de "lapisologia"22

    . No caso das novas

    tecnologias, no se trata de estudar o computador, e sim de se acostumar a utiliz-lo nas

    diversas matrias. O aluno que usa a internet, deve pensar no seu objeto de interesse, e

    no na internet, da mesma forma que uma pessoa que faz um exerccio no pensa no

    lpis, mas no problema substantivo que lhe interessa.

    Constitui um fator importante tambm o fato de um nmero crescente de alunos disporem

    de computadores e de ligaes internet nas suas casas, podendo se gerar um tipo de rede,

    flexibilizar usos fora de horrio da escola, estimular trabalhos extra-escolares que

    aproveitem estas disponibilidades, alm de criar, fato de crescente importncia, uma rede

    de relaes entre a escola e a comunidade.

    Coloca-se igualmente o problema da tradicional segmentao do horrio escolar, os 45 ou

    50 minutos, que entram crescentemente em tenso com o aprofundamento de estudos e

    trabalhos interdisciplinares em torno de temas, formas ricas de trabalho mas que exigem

    uma distribuio mais flexvel do tempo. Pira, por exemplo, pequena cidade do Estado

    22

    - A comparao de Seymour Papert, A mquina da Criana

  • 27

    do Rio, ao generalizar o um computador por aluno e o acesso internet banda larga,

    viu a necessidade de passar a trabalhar em horrios flexveis, e em todo caso sem o

    fatiamento da hora aula.

    Os trabalhos por temas envolvem por sua vez a organizao do espao de trabalho. H

    escolas que passam a trabalhar em salas com subdivises, com mesas acopladas em

    crculos que permitem trabalho em grupo, interaes diversas. interessante ver que hoje

    universidades como a McMaster23

    , na rea de medicina, aboliram simplesmente o sistema

    de aulas, transformando o trabalho do professor num tipo de assessoria a grupos de

    estudos constitudos pelos alunos.

    A facilidade crescente de consulta aos professores via internet muda igualmente a

    organizao de trabalho. Muitos professores hoje j disponibilizam material cientfico de

    consulta em sites pessoais, ou na home-page da escola, em vez de recorrer aos

    tradicionais escaninhos com fotocpias. E os alunos se acostumam gradualmente a

    consultar os professores via e-mail, a submeter os seus trabalhos a uma apreciao

    intermediria e assim por diante.

    No aqui o lugar de redefinir estas formas de organizao, que sero seguramente

    diferentes segundo as condies, a cultura local, o interesse das pessoas, as resistncias

    mudana encontradas. Os prprios pais resistem freqentemente a qualquer

    "modernismo" ou at a simples formas mais inteligentes de organizar o trabalho, por

    insegurana, ou por excessiva fixao no objetivo nico da "performance" no vestibular.

    Em outros termos, no se trata aqui de sonhar com transformaes revolucionrias e

    imediatas, e sobre tudo com transformaes muito padronizadas. Mas a realidade que as

    dimenses organizacionais, de tempo, espao, hierarquias, divises em disciplinas e

    outros temas estaro se colocando de maneira cada vez mais premente, e ser preciso

    comear a trabalhar neste sentido.

    23

    A McMaster, universidade canadense, apenas um exemplo. Os estudantes de medicina so organizados

    em grupos de 12, e trabalham por temas, por exemplo o sistema nervoso, ou a tica na medicina, e recorrem

    a diversos professores segundo as suas necessidades. No h aula, no h sequer sala de aula. O mtodo

    hoje adotado em Harvard e em experincias brasileiras. Veja diversos tipos de experincias inovadoras no

    site www.jhu.edu

    http://www.jhu.edu/

  • 28

    7 - Tecnologias do conhecimento e desafios institucionais

    importante ter presente que as novas tecnologias colocam desafios organizacionais na

    escola, mas tambm colocam desafios institucionais mais amplos ao sistema educacional

    em geral.

    Estas mudanas no so fceis. Quando vemos a quantidade e qualidade das sugestes

    referentes educao no Brasil, e as confrontamos com o processo real, vem-nos mente

    o conceito de "impotncia institucional" que utilizamos para caracterizar a perda de

    governabilidade na administrao pblica em geral. Quando boas idias e pessoas bem

    intencionadas e com poder formal no levam a resultados, preciso avaliar de forma mais

    ampla os mecanismos de deciso e a dimenso institucional do problema.

    Alm disto, importante a nosso ver entender que a transformao dos espaos do

    conhecimento no pode se dar apenas de dentro dos espaos da educao: exige ampla

    participao e envolvimento de segmentos empresariais, dos sindicatos, dos meios de

    comunicao, das reas acessveis da poltica, dos movimentos comunitrios, dos

    segmentos abertos das igrejas etc., na gradual definio dos nossos caminhos para a

    sociedade do conhecimento. A educao desempenha um papel chave nestas

    transformaes, mas um dos atores, e no pode olhar apenas o seu prprio universo,

    sobretudo se o seu papel dever ser crescentemente o de articulador nos diversos

    subsistemas.

    No h frmula para as alternativas institucionais. Mas essencial a conscincia de que

    muitas vezes, quando os problemas substantivos no esto sendo tratados, no se trata de

    maquiavelismos polticos, e sim do fato que no foram definidas as propostas de

    articulao institucional que permitam que sejam tratados. E na realidade, as tendncias

    para a flexibilizao e para a descentralizao que hoje se manifestam no sistema

    educacional brasileiro constituem sem dvida uma base extremamente significativa para

    as transformaes necessrias.

    freqentemente til dar uma olhada nas transformaes institucionais que esto

    aparecendo em pases onde o uso das tecnologias da informao est bastante mais

    adiantado. Nos Estados Unidos, por exemplo, foi criado o National Center on Education

    and the Economy,24

    um espao de criao de idias que permite a confluncia da viso

    24

    O National Center on Education and the Economy citado aqui apenas como exemplo. Se pegarmos um

    exemplo como o de Campos Altos, em Minas, com trabalho infantil, evaso escolar e outras mazelas

    caractersticas dos nossos municpios, a proposta talvez fique mais clara. Sob presso da Secretria

    Municipal de Educao, os fazendeiros se comprometeram a no mais utilizar trabalho infantil, a prefeitura

    se comprometeu a assegurar lugar e merenda na escola, os pais se comprometeram a no tirar as crianas da

    escola. O resultado prtico foi que os pais, que diziam precisar da renda dos filhos, trabalharam bem melhor

    ao ter o sossego dos filhos na escola, e ganharam mais dinheiro; os fazendeiros lucraram porque a colheita

    foi mais eficiente; o prefeito ganhou visibilidade poltica; e as crianas ganharam um futuro. Parece bvio,

    mas foi preciso articular economia, educao, poltica, servio social, em torno ao mesmo problema, e

    elaborar um consenso onde cada ator social encontrou o seu papel e o seu interesse. No Brasil, onde as

    polticas so fatiadas, ainda se espera que a educao resolva sozinha os problemas da transio para uma

  • 29

    dos educadores, das empresas, dos sindicatos e das administraes pblicas. No h

    dvida que este tipo de espao pode se tornar um instrumento de manipulao poltica, e

    no seria esta talvez a estrutura adequada ao Brasil. Mas a prpria idia de que devemos

    trabalhar com a criao de espaos de elaborao de consensos entre os atores chave que

    intervm no processo, estes ou outros, essencial, tanto no plano nacional, como no

    plano do municpio, ou da comunidade. H numerosas iniciativas pontuais, como o

    programa Arranjos Educativos Locais no Estado do Paran, o movimento Minha Escola

    Meu Lugar em Santa Catarina, as mudanas do curriculo escolar em Pintadas, na Bahia,

    onde se passou a ensinar o semi-rido nas escolas, na viso de que o diploma no deve

    servir apenas para uma pessoa escapar sua realidade, mas sim a aprender a transform-

    la.

    As mudanas que nos interessam mais diretamente se do sem dvida na base, na prpria

    escola. Mas importante termos esta viso de que o conjunto do edifcio educacional

    que esta progressivamente se reformulando. uma era onde no s somos chamados a

    nos entrosar melhor na compreenso das novas tecnologias e dos novos desafios, mas

    tambm a trazer idias sobre solues institucionais que geram melhores condies de

    sua aplicao.

    As transformaes em curso, em termos institucionais, podem ser agrupadas em torno de

    trs grandes eixos. Por um lado, trata-se do j mencionado sistema de alianas e parcerias

    com comunidades, organizaes da sociedade civil, sindicatos, empresas, meios de

    comunicao, enfim, o conjunto do novo universo que, como a educao, est se

    reconstruindo em torno da chamada organizao do conhecimento. Por outro lado, trata-

    se da redefinio do que se faz no nvel ministerial, no nvel estadual, no nvel municipal,

    e no nvel da comunidade, num processo de redefinio da hierarquia de decises.

    Finalmente, trata-se da horizontalizao geral do sistema atravs da organizao das

    redes. Aqui tambm, no se trata s do universo da educao: o conjunto das atividades

    humanas que evolui do conceito tradicional de autoridade em "pirmide", para o que j se

    chama de "sociedade em rede", a network society.25

    A educao, que trabalha com informaes e conhecimento, e cuja matria prima

    portanto de total fluidez nos novos sistemas de informtica e telecomunicaes, sem

    dvida a primeira a ganhar com o conceito de rede, de unidades dinmicas e criativas que

    montam um rico tecido de relaes com bancos de dados, outras escolas, centros

    cientficos internacionais, instituies de fomento e assim por diante. Esta nova e

    revolucionria conectividade, substituindo as pesadas e inoperantes pirmides de

    inspetores, controladores e curiosos nomeados por razes diversas, pode dinamizar

    profundamente todo o sistema. No complicado imaginar uma conferncia aberta de

    diretores escolares para intercmbio de propostas pedaggicas, o intercmbio de textos

    entre professores de uma rea e de diversas escolas, ou um sistema informatizado de

    sociedade do conhecimento no Brasil. obviamente invivel. A capacidade de rearticular a sociedade, de

    encontrar novas formas de organizao, hoje essencial, e os educadores no tm como fugir deste desafio.

    Uma leitura muito boa sobre este tema o livro Cidadania Ativa, de Maria Victria Benevides.

    Experincias inovadoras nesta rea podem ser consultadas no site www.web-brazil.com/gestaolocal 25

    O conceito de sociedade em rede foi visto mais acima.

    http://www.web-brazil.com/gestaolocal

  • 30

    apoio da Secretaria de Educao para consultas pedaggicas permanentes de professores

    e assim por diante.

    Em outros termos, no quadro de uma sociedade do conhecimento que trabalha com

    subsistemas muito diferenciados que evoluem de forma dinmica e articulada,

    necessitamos de formas diferenciadas e flexveis de gesto, o que s pode ser conseguido

    com ampla participao dos in