04 set 2013
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04 set 2013
La Cancha Infame
Jorge estava sempre rodeado de gente. Uns tipos com cargos importantes e sobrenomes ainda mais, cabelos lisos de gumex, ternos
bem cortados e gravatas de seda em cores bastante sóbrias. Eram assessores, secretários, juristas, ministros, senadores,
embaixadores e – geralmente – bajuladores. Estavam presentes a cada hora do dia, em cantos diversos, e Jorge tinha alguma certeza
de que mesmo entre os mármores frígidos de seu banheiro alguém deveria estar tentando se comunicar do outro lado da porta.
.
Mas ninguém viu Jorge colocar o dedo no nariz quando Leonel Sánchez se bateu contra toda a zaga suíça para encontrar o gol de
empate a qualquer custo. Foi como se nunca tivesse acontecido, porque o acontecimento de verdade era o outro. Cento e trinta mil
olhos viram o gol de Leonel. Nenhum enxergou a matreirice de Jorge, instantes antes – e ficou o dito pelo não dito.
.
Em 30 de maio de 1962, uma quarta-feira útil transformada em feriado por um canetaço de Jorge, não havia olhos para o Presidente
da República. O Chile começava a disputar a Copa do Mundo em seu território, diante de arquibancadas lotadas, e a partida adquiriu
uma nova dimensão perante o sentimento nacional.
.
Foi este momento, a prévia imediata do gol e o dedo no nariz sem testemunhas, que deu a Jorge a certeza de que seu pai não havia
erguido – afinal – um elefante branco. Este momento, não aquele em que a banda militar tocou o hino nacional com o público
acompanhando em coro. Este momento, e não a hora em que os times entraram em campo. Este, e não qualquer outra glória dos
vinte e quatro anos anteriores.
.
Apenas quando a bola de Leonel Sánchez acertou as redes e o goleador saiu correndo qual um búfalo entusiasmado, apenas ali,
Jorge Alessandri suspirou aliviado – e com as narinas desobstruídas – porque a cancha tinha mesmo utilidade. O Chile venceria a
Suíça por 3 a 1 e o Estádio Nacional ainda receberia outros nove jogos da Copa, incluindo a final.
* * *
Jorge Alessandri declara aberto o Mundial de Futebol de 1962. Aqui você pode ouvi-
lo:http://www.youtube.com/watch?v=d6Fi33qhzNQ
Muito antes de Jorge, seu pai, Arturo, tinha entrado nas páginas mais destacadas dos livros didáticos do país.
.
O velho ficou conhecido como o Leão de Tarapacá. Leão por seu ânimo iracundo para tratar adversários políticos. Tarapacá por
conta da sua província de origem, onde mantinha latifúndios que o tornavam dono de boa parte do lugar. Em 1925, uniu as duas
coisas, ordenando na região um violento massacre de operários que deixou pelo menos duas mil pessoas mortas.
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Primeiro Alessandri a subir à presidência chilena, para um mandato entre 1920 e 1925, Arturo foi o responsável por iniciar uma
série de reformas que encerraram o regime parlamentarista no Chile. Raivoso com a maioria oposicionista no Congresso, Alessandri
pai começou a gestar o que viria a ser a Constituição de 1925, que ampliou os poderes presidenciais e só seria substituída (por outra
ainda mais centralizadora) durante a ditadura de Augusto Pinochet.
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Arturo voltaria à presidência em 1932, agora para um mandato de seis anos e com mais autonomia. O país era outro, e parecia bem
menos próspero do que na gestão anterior: a quebra da Bolsa de Nova York se fazia sentir também em Santiago, as exportações
chilenas haviam despencado a 20% do que eram antes e o desemprego subia.
Estádio Olímpico de Amsterdã, sede das Olimpíadas de 1928 e inspiração arquitetônica para o Estádio Nacional do Chile.
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A política havia sentido profundamente o choque da economia. Nos dezesseis meses que antecederam a segunda vitória eleitoral de
Alessandri pai, o Chile viveu um dos períodos de maior instabilidade de sua história, com onze trocas de governo. A nova
administração de Arturo devolveu o equilíbrio ao país. No plano de obras públicas que tencionavam movimentar a economia, o ato
definitivo de seu mandato foi uma empreitada quixotesca: a construção do maior estádio de futebol de trás dos Andes.
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As obras avançaram muito rápido. Em pouco mais de um ano e meio, a vizinhança de Ñuñoa, na zona leste da capital, viu nascer um
colosso esportivo inspirado no Estádio Olímpico de Amsterdã. Com capacidade para 70 mil pessoas e a cordilheira dos Andes como
moldura ao fundo, o novíssimo Estádio Nacional do Chile parecia impossível de lotar. Logo recebeu o apelido de elefante branco,
um projeto faraônico com que a sociedade teria de arcar, e o próprio Arturo Alessandri parecia ter certo arrependimento pela
iniciativa.
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Naturalmente, isso não o impediu de cortar a fita inaugural da cancha em 3 de dezembro de 1938, apenas três semanas antes de
deixar a presidência nas mãos do reformista Pedro Aguirre Cerda. No jogo de abertura, o Colo Colo, campeão chileno do ano
anterior, aplicou 6 a 3 no São Cristóvão do Rio de Janeiro. Hoje um adversário improvável para tamanha partida, o clube cadete
ainda exibia certo prestígio e se ressentia de não ter recebido o título de campeão carioca de 1937, quando viu sua liga
ser abruptamente cancelada após o time levar o primeiro turno vencendo todos os jogos.
Fragmento: Correio da Manhã, Rio de Janeiro (06/12/1938)
.
A estreia foi uma grande festa, mas por muito tempo Santiago se perguntou sobre a real utilidade de um estádio daquele tamanho. O
futebol no Chile ainda não havia conquistado as massas – a seleção era fraca, embora jogasse a Copa América desde a primeira
edição, e os clubes ainda procuravam torcedores. O Magallanes continuava a ser uma potência e as equipes mais populares de hoje
mal davam seus primeiros passos: Colo Colo e Universidad de Chile eram crias dos anos 20 e a Universidad Católica tinha um ano e
nove meses de vida quando o Estádio Nacional foi inaugurado.
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Como costuma ocorrer aos pretensos elefantes brancos, a cancha precisou ser justificada com atrações de fora. O Chile passou a
organizar tanta Copa América quanto fosse possível, e também tomou a iniciativa de organizar torneios novos em seu estádio
reluzente. Dois deles marcaram época: o Campeonato Pan-Americano de 1952, uma tentativa pioneira de incluir seleções das três
Américas num torneio continental, e o Sul-Americano de Campeões de 1948, embrião da Libertadores que seria vencido pelo Vasco
da Gama – representante do Brasil como vigente campeão carioca.
Com arquibancadas móveis e uma quadra atrás do gol, o Estádio Nacional recebeu o Mundial de Basquete de 1959.
.
Os chilenos organizaram ainda uma série de torneios amistosos esporádicos, nos quais o Santos de Pelé cansaria de surrar times
europeus alguns anos mais tarde. Nessas competições, todos os jogos eram invariavelmente disputados no Estádio Nacional, que
chegou a receber até mesmo as finais do Mundial de Basquete de 1959, vencido pelo Brasil. A Copa do Mundo de 1962 seria a
justificativa final para a cancha, que foi ampliada e lotou assim mesmo: na semifinal entre os anfitriões e a orquestra de Garrincha,
76.594 pessoas cruzaram as catracas.
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Curiosamente, isso se deu ao mesmo tempo em que passaram a existir alternativas reais para o estádio: a Copa não apenas exigiu a
construção de canchas novas em outros cantos do país, todas muito menores que o Nacional, mas também foi usada pelo governo
para massificar a venda de televisores no Chile. Serviu como nascimento “de fato” das primeiras grandes redes de tevê chilenas.
Nessa época, Jorge Alessandri, um conservador, já ocupava a presidência havia quatro anos: tinha seguido os passos do pai e
vencido o pleito de 1958, apenas trinta mil votos acima de um certo Salvador Allende, do Partido Socialista – que doze anos depois
o derrotaria com uma margem de apenas quarenta mil eleitores.
.
A memória das arquibancadas lotadas permaneceu após a Copa do Mundo, e seguiu se repetindo em outras ocasiões. O Estádio
Nacional nunca deixou de ser o campo número um do país, e cresceu também como cenário mítico do futebol sul-americano:
nenhum outro campo foi usado tantas vezes nas finais da Libertadores que exigiram desempate em solo neutro. Só o Peñarol venceu
três de suas cinco taças no colosso de Santiago.
O lendário Colo Colo de 1973, vice-campeão da América, é recebido pelo presidente Salvador Allende poucos meses antes do
golpe de estado.
Mas foi apenas em maio de 1973 que a Libertadores se decidiu ali por força de um clube chileno. O Colo Colo atingiu a final contra
o Independiente de Avellaneda e se tornou a primeira equipe santiaguina a chegar tão longe no maior torneio da América do Sul,
colocando um dos maiores públicos já vistos nas arquibancadas do Nacional. Ninguém ainda sabia que poucos meses depois
daquele jogo seriam outros os milhares que povoariam aqueles degraus – aprisionados, cabisbaixos e vigiados eternamente à mira de
fuzis militares.
.
O golpe de Estado que levou Augusto Pinochet ao poder se deu em 11 de setembro, menos de quatro meses após o Colo Colo
segurar o 0×0 contra os argentinos e forçar um desempate em Montevidéu. O manto da ditadura estabeleceu uma das mais
sangrentas perseguições políticas já vistas no continente, e reescreveu a história do Estádio Nacional, transformando-o na maior
prisão da América do Sul. Estima-se que mais de 40 mil prisioneiros políticos tenham passado por ali, muitos dos quais não saíram
com vida.
.
Nos próximos dias, o Impedimento contará histórias de quando o maior campo de futebol do Chile não recebeu qualquer jogo, mas
jamais ficou vazio.
.
Maurício Brum
.
Extra: canção La Carta, de Violeta Parra, sobre um episódio ocorrido no governo de Jorge Alessandri.
16comentários
1.
1# Marcos
Escreveu em 4 de setembro de 2013 às 12:21
A Chilevision está emitindo uma série documental chamada “Chile, Las Imágenes Prohibidas” com uma compilação de imagens
surpreendentes e muitas das quais inéditas (então retidas pela ditadura) sobre o período Pinochet. O primeiro capítulo tem uma parte
considerável sobre os acontecidos no Estádio Nacional, tanto com imagens dos presos quanto das famílias que faziam vigília do
lado de fora.
Vai o primeiro capitulo (essa semana sai o quarto) : http://www.youtube.com/watch?v=PIsmf8FeaZU
2.
2# Leonardo
Escreveu em 4 de setembro de 2013 às 15:44
Excelente. Simplesmente excelente. No aguardo do restante deste especial.
3.
3# Daniel Quintino
Escreveu em 4 de setembro de 2013 às 16:11
Excelente!
4.
4# FitoPlancton
Escreveu em 4 de setembro de 2013 às 17:44
Parabéns ao Impedimento!
5. 5# Impedimento.org » La cancha infame (II): O Encapuzado
Escreveu em 5 de setembro de 2013 às 9:19
[...] Parte I: Os Inícios (extras) [...]
6. 6# Impedimento.org » La cancha infame (extras): Poema Uno, de Rafael Salas
Escreveu em 5 de setembro de 2013 às 13:10
[...] I: Os Inícios (extras) Parte II: O [...]
7.
7# João Gabriel Silva (@joaogabrieeeel)
Escreveu em 5 de setembro de 2013 às 15:10
clap clap!
8.
8# Roberto Jardim
Escreveu em 5 de setembro de 2013 às 21:48
Baita material!!!
9.
9# Roberto Jardim
Escreveu em 5 de setembro de 2013 às 22:02
Vale assistir à série de documentários da ESPN: Memórias do Chumbo- O Futebol nos Tempos do Condor. No link, o material
sobre o Chile. Tem outros três episódios, sobre Brasil, Uruguai e Argentina.
10. 10# Impedimento.org » La cancha infame (extras): Te Recuerdo Amanda, de Víctor Jara
Escreveu em 6 de setembro de 2013 às 7:32
[...] I: Os Inícios (extras) Parte II: O Encapuzado (extras) Parte III: Amor no Estádio [...]
11. 11# Impedimento.org » La cancha infame (III): Amor no Estádio Nacional
Escreveu em 6 de setembro de 2013 às 7:35
[...] I: Os Inícios (extras) Parte II: O Encapuzado [...]
12.
12# Caio Brandão
Escreveu em 6 de setembro de 2013 às 11:27
Somos do Futebol Portenho, mas tivemos que dedicar 1/4 do nosso texto sobre o Independiente campeão da Liberta 73 sobre o Colo
Colo ao próprio Colo Colo e ao Chile… Permisa? Falamos aqui: http://www.futebolportenho.com.br/2013/06/06/40-anos-da-2a-
parte-do-tetra-do-independiente/
13.
13# José Francisco Staudt
Escreveu em 6 de setembro de 2013 às 11:38
Allende eterno… Este é o verdadeiro 11 de setembro, não aquele revide meia boca de 2001.
14.
14# Esequias Pierre
Escreveu em 7 de setembro de 2013 às 14:48
Parabéns pela fantástica série e iniciativa de trazer a tona tais passagens do futebol.
15. 15# Impedimento.org » La cancha infame (VI): Quem não esteve lá
Escreveu em 9 de setembro de 2013 às 7:31
[...] I: Os Inícios (extras) Parte II: O Encapuzado (extras) Parte III: Amor no Estádio Nacional (extras) Parte [...]
16.
16# Thales Campelo
Escreveu em 26 de setembro de 2013 às 7:30
O Estadio Nacional de Chile e a imagem e semelhanca do Estadio Mane Garrincha no futuro
05 set 2013
La Cancha Infame
“Na América Latina, os estádios de futebol exercem duas funções: nos tempos de paz são palcos de partidas; em tempos de crise,
transformam-se em campos de concentração”. (Ryszard Kapuscinski, ‘A guerra do futebol’)
Logo após o golpe de 11 de setembro, os regimentos de Santiago se viram diante de um problema logístico: com a perseguição
varrendo a capital com tamanho ímpeto, onde manter os presos políticos que aguardavam para ser interrogados? Os quartéis e
cadeias comuns já estavam cheios, restando os recintos esportivos como alternativa. Solução provisória antes que novos campos de
concentração fossem inaugurados no deserto, o Estádio Nacional converteu-se na maior prisão do país antes do fim do mês.
La cancha infame:
Parte I: Os Inícios (extras)
Às portas da cancha, os militares encarregados de cadastrar os prisioneiros – nome, idade, endereço, profissão, número da
identidade e nome dos pais – não respeitavam ordens de chegada. Atendiam primeiro quem era trazido por oficiais de patente mais
elevada. Aqueles detidos que estavam sob custódia de um subalterno podiam esperar horas até o fim da triagem e o encontro com
sua cela – geralmente um vestiário, já superlotado em sua nova função, com mais de 120 pessoas espremidas dentro.
Enquanto aguardavam, os presos podiam ver que nenhum veículo saía dali mais leve do que havia chegado. Caminhão, jipe ou
ônibus, qualquer motorizado capaz de levar detidos para a cancha também exercia uma segunda função no caminho de volta:
carregar os corpos dos executados no estádio para a desova em algum canto de Santiago. Muitas vezes, os cadáveres apareciam
nas poblaciones, as favelas dos arrabaldes, como um alerta ameaçador e fácil de interpretar.
Apesar dos indícios sombrios, todos desejavam ser recebidos logo. Os fardados, compreensivelmente, para ir embora de uma vez e
encerrar o dia de serviço. Os detidos, para tentar se explicar e recuperar a liberdade o mais cedo possível. Nos primeiros dias depois
do golpe, as informações sobre o que realmente acontecia no país ainda eram escassas, a comunicação com velhos amigos podia ser
perigosa, os jornais estavam sob censura e, para a maioria da população, era impossível saber o tamanho da repressão.
Poucos desconfiavam que naquele mesmo momento havia outros cativos sendo atirados ao mar ou transportados para o deserto e
executados com a desculpa de que tentaram fugir. Menos ainda eram os que podiam cogitar que até mesmo padres estavam sendo
mortos pelas patrulhas nas periferias, por tentar proteger fiéis ligados aos partidos aliados de Salvador Allende.
Mesmo dentro do Estádio Nacional era impossível de mensurar o terror imposto pelo Estado em todo o Chile. Para abafar os tiros
das sessões de fuzilamento, os soldados recebiam a orientação de ligar os ventiladores dentro dos vestiários, mesmo em dias frios.
Algumas execuções eram falsas – o batalhão atirava para o céu no último instante –, compondo o sádico terrorismo psicológico da
prisão, mas se acredita em pelo menos 400 mortes jamais contabilizadas em qualquer lista de vítimas do estádio. Oficialmente, o
número gira em torno de quarenta executados na cancha.
Na primeira semana, o gramado do principal campo de futebol do país foi regado com sangue humano. Quando essa matança
desenfreada deu lugar a outra mais calculada, rapidamente os jardineiros foram convocados de volta ao trabalho: como numa
aterradora realidade paralela, percorriam o campo com seus cortadores de grama buscando deixá-lo permanentemente em condições
de jogo – dentro de dois meses, o Chile teria de disputar a repescagem para a Copa do Mundo, ironicamente contra a União
Soviética.
A alienação obrigada dos jardineiros podia parecer uma barbaridade para alguns dos prisioneiros, mas muitos desses trabalhadores
anônimos foram responsáveis por levar notícias aos parentes dos detidos, que aguardavam em vigília no exterior do estádio. Desde o
início da manhã até o fim da tarde, o período de respiro em que não havia toque de recolher na capital, centenas de pessoas
perambulavam nas cercanias da cancha em busca de notícias sobre seus conhecidos.
* * *
A ignorância podia ser uma bênção para quem ainda não tinha visto nem ouvido – e nem sentido na própria pele – as atrocidades
que inevitavelmente esperavam a todos. Quase sempre, os levados ao Estádio Nacional só compreendiam uma parte da história que
se escrevia diante de seus olhos. Sabiam que estavam ali por supostas (ou verdadeiras) ligações com partidos de esquerda, mas não
entendiam qual risco representavam ao regime recém-instaurado.
Lá fora, o Exército vendia que uma violenta resistência de “marxistas fortemente armados” era articulada no país inteiro, buscando
assim justificar a perseguição indiscriminada de “vermelhos” e simpatizantes. No entanto, a imensa maioria dos homens e mulheres
presos jamais havia agarrado um fuzil – e não tinha qualquer histórico de relação com grupos extremistas.
Na neurastenia que o pinochetismo inculcou em seus asseclas, a lista de prisioneiros incluía desde filiados ao Movimiento de
Izquierda Revolucionaria (MIR), este sim um grupo que pregava a luta armada (e não tinha ligação direta com o governo Allende),
até pessoas flagradas com livros sobre o cubismo – obras ensinando a “doutrina cubana”, na interpretação de alguns uniformizados.
Soldado passa cigarros a prisioneiros nas arquibancadas do estádio. Muitos dos recrutas cumpriam o serviço militar obrigatório e,
sem concordar com o golpe, viram-se obrigados a vigiar os prisioneiros políticos. (foto do Museu da Memória e dos Direitos
Humanos do Chile)
Havia um ciclo ajustado para os episódios de cada indivíduo no Estádio Nacional e, no início, persistia uma esperança ingênua de
que contigo poderia ser diferente. Mas os presos não tardavam a perceber que a chance de se explicar raramente vinha durante a
triagem, ou nos dias seguintes em que seguiam trancafiados no esqueleto da cancha. Os militares não queriam respostas. Sabiam que
elas não existiam: as guerrilhas jamais se formaram, as armas eram irrelevantes e só existiam nas mãos de uns poucos miristas – e os
generais tinham plena consciência disso.
Sim, a história registra execuções de personagens simbólicos para a esquerda e seus partidos, mas a maior parte das mortes foi quase
aleatória: não se tratava da vítima, mas da lição que ficaria para os sobreviventes. Se antes do 11 de setembro muitos chilenos
pressionados pela crise do país sonhavam com uma substituição do governo – acreditando numa intervenção militar curta e novas
eleições – até o fim do mês se viu que o novo regime seria longo e sofrido demais.
Na prisão política, os arrestados observavam e esperavam, privados de mais notícias. Percebendo que não seriam ouvidos até o
interrogatório, sofriam com um fenômeno brutal: passavam a desejar o momento da tortura. Notavam que apenas respondendo ao
questionário inócuo dos fardados poderiam mostrar que não sabiam de trama guerrilheira nenhuma. O mais difícil era aguentar
vivos a angustiante expectativa, em meio ao frio, à fome e à depressão. Antes e depois da tortura, houve armadilhas: a sedução do
suicídio, o coração parando durante um choque elétrico, a hemorragia pelo excesso de pancadas recebidas.
Quem tinha a sorte azarada de ser chamado para se explicar numa sessão de socos e pontapés devia se dirigir ao “disco negro”, atrás
de um dos gols do estádio. Em tempos de paz, ali eram realizadas as provas atléticas de arremesso de peso e martelo. Nos dias de
repressão, tornou-se a antessala da tortura. Uma vez no disco, eram escoltados até outro prédio do complexo, o Velódromo, onde
seriam bombardeados pelas interrogações. Partiam com a certeza do sofrimento iminente e uma mórbida ansiedade para que aquele
fosse o último suplício.
* * *
Nem todos foram liberados após o primeiro inquérito. E nem todos os executados encontraram a morte por aquilo que haviam dito
ou deixado de dizer enquanto eram violentados. Às vezes, sofriam denúncias – fundadas ou não – de outros prisioneiros,
desesperados demais com sua própria sorte para manter o silêncio. Cada interrogado com jeito “inocente” não escapava de
perguntas que saíam pela tangente – “quem é o mais extremista do teu vestiário?” –, mas as informações mais letais eram obtidas
mesmo com um sujeito sem rosto.
Em poucos dias o Estádio Nacional ficou carregado por mitos, e o personagem mais temido dessa nova história era um homem
encapuzado. Com um cobertor furado nos olhos a esconder-lhe a cabeça, ele percorria todo o círculo da cancha, fortemente
escoltado por soldados. As versões são contraditórias – parte delas diz que era carregado com desprezo, como um animal; outros
garantem que era protegido e respeitado pelos recrutas. Coincidem quando contam que caminhava resfolegante e sustentava um
olhar perturbador. Na versão colhida por Eduardo Galeano, o algoz teria sido visto guiado por uma espécie de coleira. Escreveu:
- Esse encapuzado parece um cachorro – diziam os presos.
- Mas não é – diziam os cachorros.
Frazadas del Estadio Nacional (2003), livro de Jorge Montealegre Iturra.
Não havia condenação mais certa à morte do que o dedo indicador do misterioso encapuzado. Os mais experientes no estádio
buscavam fugir de seus olhos, perscrutando distraidamente um tijolo no chão ou um azulejo na parede, quem sabe se escondendo
nos fétidos e alagados banheiros do camarim. Faziam-se de bobos para não correr riscos, pois às vezes até a tranquilidade pela saída
do carrasco poderia ser um alívio curto. Era comum o encapuzado regressar ao mesmo vestiário com um intervalo de poucas horas,
como para ter certeza de que não havia deixado escapar alguém.
Nunca se soube ao certo quem ele era, e nem se se tratava de apenas uma pessoa ou várias – um socialista arrependido delatando
seus antigos companheiros, um militar disfarçado, um torturador em busca da forra contra aquela vítima particularmente difícil de
fazer falar. O poeta Jorge Montealegre, que esteve preso e escreveu o livro de memórias Frazadas del Estadio Nacional, nunca
comprou a versão do carrasco único:
Creio que o encapuzado pode ter sido mais de uma pessoa. No entanto, o monstro teve nome e sobrenome. Houve um que assumiu
por todos.
Em outubro de 1977, um homem chamado Juan Muñoz Alarcón confessou na Vicária da Solidariedade que ele havia sido o sinistro
encapuzado. Tratava-se de um antigo militante socialista, que havia sido expulso do partido antes do golpe. Depois – confessa –
“fui levado ao Estádio Nacional para reconhecer gente. Fiz isso voluntariamente nessa época, porque em mim havia um espírito de
revanche contra os que haviam sido meus antigos companheiros, pela perseguição da qual me fizeram objeto. Eu sou o encapuzado
do Estádio Nacional”. Mais tarde recebeu treinamento na Colonia Dignidad e foi colaborador daDINA. Deixou uma larga
confissão e a certeza de que morreria logo: “Eu estou morto por um dos dois lados”. Era a tragédia de um traidor que voltava a
trair. Em 24 de outubro de 1977 apareceu assassinado em um potreiro, com várias punhaladas e um tiro.
Maurício Brum
Extras: Poema uno, de Rafael Eugenio Salas, escrito no Estádio Nacional.
12comentários
1.
1# Gelso Job
Escreveu em 5 de setembro de 2013 às 9:22
Magistral!!!
2.
2# Leonardo
Escreveu em 5 de setembro de 2013 às 11:31
Fantástico! Excelente! Genial!
3.
3# Pedro Daltro
Escreveu em 5 de setembro de 2013 às 13:23
cês sao fodas! a série terá qts capítulos?
4.
4# Henrique Cuiabano
Escreveu em 5 de setembro de 2013 às 13:54
Belo relato de coisas que não precisavam acontecer. Ô raça primitiva essa humana!!
5.
5# João Gabriel Silva (@joaogabrieeeel)
Escreveu em 5 de setembro de 2013 às 15:24
feliz pelo resgate, triste pelo relato
a que ponto chega o ser humano…
6.
6# Filipe Prado
Escreveu em 5 de setembro de 2013 às 16:59
O Bolaños, em A Estrela Distante, narra sobre o misterioso homem encapuzado e as torturas no Estádio Nacional. Também
imperdível.
7.
7# Tarcísio
Escreveu em 5 de setembro de 2013 às 20:48
Aqui está a declaração na íntegra do Juan Muñoz Alarcon
http://www.memoriaviva.com/criminales/criminales_m/munoz_alarcon_juan_rene.htm
Sensacional o blog de vocês, parabéns !
8.
8# Jabba
Escreveu em 6 de setembro de 2013 às 9:23
Muito foda essa série, um dos melhores trabalhos jornalísticos que tive o prazer de ler (e o desprazer ao mesmo tempo, por sermos
capazes disso).
Parabéns a todos os envolvidos neste trabalho maravilhoso.
9. 9# Impedimento.org » La cancha infame (III): Amor no Estádio Nacional
Escreveu em 6 de setembro de 2013 às 16:29
[...] I: Os Inícios (extras) Parte II: O Encapuzado [...]
10. 10# Impedimento.org » Página não encontrada
Escreveu em 7 de setembro de 2013 às 7:30
[...] La cancha infame (II): O Encapuzado [...]
11.
11# Esequias Pierre
Escreveu em 7 de setembro de 2013 às 15:32
Mitico.
12. 12# Impedimento.org » La cancha infame (VI): Quem não esteve lá
Escreveu em 9 de setembro de 2013 às 7:31
[...] I: Os Inícios (extras) Parte II: O Encapuzado (extras) Parte III: Amor no Estádio Nacional (extras) Parte IV: Aqueles que
disseram [...]
06 set 2013
La Cancha Infame
Eles sempre se lembrariam da dor, dos flagelos e das ameaças a cada hora do dia, dos homens taciturnos que percorriam os
corredores escuros à cata do próximo escolhido para virar estatística. Sempre se lembrariam, com pudor, da urina nas calças quando
foram pegos pela patrulha de carabineiros, sem saber o que seria da vida e da morte dali em diante.
Mas, com o passar dos anos, a memória dos presos políticos começaria a pregar peças, guardando apenas os momentos de terror
maior. Muito do cotidiano daquelas semanas se perdeu diante da assombrosa realidade de todo o resto, permanecendo, talvez, a
exceção de um único detalhe recordado pela maioria dos antigos detidos – os objetos subitamente sem dono que apareciam pelas
arestas da cancha.
La cancha infame:
Parte I: Os Inícios (extras)
Parte II: O Encapuzado (extras)
Num virar de horas, os companheiros que não retornavam para o local de detenção se tornavam apenas um amontoado de itens
abandonados. Mortos na tortura ou liberados sem que os demais soubessem, deixavam para trás, normalmente, um par de sapatos e
um cobertor já sem uso, que viravam moedas de troca preciosas na dura rotina da prisão. Mais de um sobrevivente contaria, depois:
“o Estádio Nacional é puro concreto – no chão, no teto, nas paredes. Em qualquer época do ano, faz um frio de gelar a alma”.
Aquele setembro de 1973 foi particularmente cinzento e congelante, como para dar uma metáfora acertada para o golpe que havia
acolhido. Fazia um frio constante, enquanto os militares racionavam cobertores. Não que eles estivessem em falta: as caçambas dos
caminhões continuavam cheias de mantas doadas aos desabrigados do último terremoto, ocorrido dois anos antes. A distribuição não
acontecia para impor uma punição a mais. Nos primeiros dias em que o estádio recebeu presos, a média era de uma coberta a cada
cinco detidos.
Para tentar se aquecer, os prisioneiros buscavam ficar juntos, aglomerados – algo relativamente fácil para aqueles mantidos nos
vestiários, apertados cubículos de 25 metros quadrados com mais de cem pessoas dentro. O espaço havia se tornado tão exíguo que
os homens de baixa estatura procuravam algum conforto dormindo nas prateleiras onde os jogadores de futebol colocavam as
chuteiras.
Quem mais sofria com as temperaturas reduzidas eram os prisioneiros das escotillas, nome das entradas que davam acesso às
arquibancadas do Estádio Nacional. Com portões constituídos por barras de ferro, suficientes para conter homens, mas sem oferecer
barreira para o vento, as escotillas viravam verdadeiros túneis de ar gelado todas as noites. Ali, um cobertor podia valer até três pães
– valor elevadíssimo para a maioria dos detidos, que costumavam receber um pão e uma caneca de café por dia. O frio, que podia
matar em uma madrugada, assustava bem mais que a fome.
Assim, quando alguém desaparecia dos vestiários e das escotillas, seus pertences viravam uma espécie de poupança para os
companheiros de cela, que tratavam de escondê-los, conservá-los e oferecê-los aos presos recém-chegados. Às vezes por caridade,
noutras tantas em uma permuta. Um jornalista uruguaio capturado sob a acusação de pertencer à guerrilha dos tupamaros chegou
descalço ao estádio e, quando tirou do bolso uma carteira de cigarros, sentiu a aproximação de um tipo já curtido pela prisão:
– O que houve com os teus sapatos?
– Foram os carabineiros. Eles tiraram de mim quando me prenderam.
– Qual o teu número?
– Quarenta e um.
– Vamos fazer assim: se você me der alguns cigarros, eu te arranjo um sapato.
E arranjava mesmo. Em troca do fumo – cinco cigarros, mais precisamente –, o preso antigo voltou com um calçado do tamanho
certo.
– De onde tu tiraste isso? – questionou o uruguaio.
– Não te preocupa, que o dono não vai mais precisar deles.
* * *
Apenas os homens habitaram os vestiários e as escotillas do Estádio Nacional. Todo o complexo esportivo ganhou uma nova
geografia durante os dois meses em que foi convertido em cadeia. O Estádio em si estava reservado aos prisioneiros do sexo
masculino, muito mais numerosos; o Velódromo seria destinado aos interrogatórios; e, por fim, as Piscinas e seus vestiários foram
destino das mulheres.
Muitos casais foram mantidos presos a poucos prédios de distância, sem nunca chegar a se encontrar. Outros se reencontraram, sim,
mas de modo infeliz: uma tática eficaz para arrancar confissões era torturar as esposas diante de seus maridos, que assinavam um
papel admitindo ter cometido quaisquer barbaridades que os fardados quisessem.
Isoladas na praça aquática, elas raramente apareciam na cancha de futebol, apenas em momentos escolhidos. Umas poucas foram
colocadas em vestiários por algumas horas, numa tentativa infrutífera de acrescentar aos presos a acusação de estupradores. “Uma
das descobertas mais surpreendentes que fiz durante minha estadia na prisão foi inteirar-me de que, pelo simples fato de ter parado
ali, os militares nos consideravam uma escória da pior espécie”, escreveu o professor de castelhano Adolfo Cozzi Figueroa no
livro Estadio Nacional.
Mas os prisioneiros políticos não eram delinquentes. Quase todos eram trabalhadores, desde operários analfabetos até professores
universitários, sem qualquer motivo para serem privados de liberdade em tempos normais. As mulheres corriam mais riscos nas
mãos dos próprios militares do que nas dos detidos, e a maioria delas só aparecia no estádio, mesmo, nas tardes em que eram
levadas para tomar sol. Estavam lá quando os homens se despediram da cancha e foram carregados até o campo de concentração de
Chacabuco, e surpreenderam-nos cantando em coro Run run se fue p’al Norte, música de Violeta Parra sobre a partida de seu amado
para a zona setentrional do Chile.
E o fato é que, em meio à escuridão dos dias finais de 1973, uma fresta se abriu para o amor no Estádio Nacional. Fugidio,
subterrâneo, mas presente. Oito anos antes, o músico comunista Víctor Jara havia escrito uma letra em que narrava os
enamoramentos de dois operários que se encontravam no curto intervalo de suas fábricas:
Son cinco minutos
la vida es eterna
en cinco minutos
Suena la sirena
de vuelta al trabajo
y tú, caminando
lo iluminas todo
Los cinco minutos
te hacen florecer
Para os casais que se encontraram acidentalmente num dos caminhos do estádio, os cinco minutos eram um hiato que recobrava as
forças para resistir. Foi assim com Luis Alberto Corvalán Castillo e Ruth Vuskovic, pais de um menino de oito meses que ficou para
trás e só sobreviveu graças à solidariedade de amigos e vizinhos.
Os dois terminaram na prisão muito mais pela proeminência de seus pais, embora também tivessem atuação política. O velho de
Luis Alberto, que tinha o mesmo nome do filho, era secretário-geral do Partido Comunista Chileno. Pedro Vuskovic, pai de Ruth,
havia sido Ministro de Economia de Salvador Allende entre novembro de 1970 e o mesmo mês de 1972.
Primeiro ministério de Salvador Allende, posando no fim de 1970. Pedro Vuskovic é o terceiro sentado a partir da esquerda.
Luis e Ruth foram carregados de casa com um intervalo de poucos dias, e ambos terminaram no Estádio Nacional. Ela, claro, nas
piscinas. De alguma forma, ele soube que a esposa estava no complexo. Só não imaginava que em uma dessas tardes surgiria a
oportunidade do encontro. Os militares precisavam de voluntários para carregar cobertores e colchonetes a outro setor. Luis não
sabia, mas a carga tinha como destino o centro de natação.
Alguns de seus colegas, porém, tinham a informação privilegiada e tramaram-lhe uma bondosa surpresa. Geralmente os prisioneiros
se candidatavam rápido para as missões convocadas pelos militares: essas saídas eram a chance de pegar fresco, ganhar um pão a
mais e obter alguma informação nova sobre o que se passava além das suas escotillas. Mas naquele dia todos pareceram esperar que
Luis Alberto fosse o primeiro a se voluntariar. Ele relatou a experiência em Viví para contarlo, seu livro-denúncia sobre a prisão
política:
Ainda ignoro o destino desta primeira viagem. Iniciamos a marcha em sentido contrário ao Estádio. Vejo o companheiro que me
colocou nessa operação e em seus olhos leio a picardia de quem sabe o destino e guarda uma surpresa. Já caminhamos o suficiente
para compreender que nos dirigimos às piscinas. O coração brinca de alegria e quero ir mais rápido que a escolta. Dou-me conta
de que poderei ver minha companheira.
No recinto da piscina há uma guarda especial, uma sentinela cuida a porta de entrada, outros guardam as cercas. Uma das
escoltas mostra o passe e abrem o portão. Fazemos fila pelo caminho de britas que conduz aos vestiários da piscina. A cem metros
se divisam as mulheres detidas. Quando estamos a trinta metros e os rostos se tornam familiares, uma delas sai correndo na
direção dos vestiários do setor oposto ao que estamos chegando, e vai gritando o nome da minha esposa. Meus olhos seguem sua
corrida com ansiedade. [...]
Então vejo Ruth. Vem com sua característica flor no cabelo e seu sorriso de marfim. Compreendo que está inteira, de pé e
combatendo. Que importam os sentinelas e seus fuzis! Abro meus braços para receber seu aroma e dar-lhe minha força!
– Nós vamos descarregar e avisamos vocês quando estiver pronto.
– Vem, vou te mostrar onde durmo.
Entramos nos vestiários da Piscina. São igualmente gelados como os nossos. Ao menos agora terão um colchão que separe seus
corpos dos azulejos gelados. Aperto os punhos e sigo pensando em silêncio: seriam capazes as mulheres deles de sobreviver um só
dia nestas condições? [...] Aperto a cintura da minha companheira e acaricio seu cabelo. Deixaram-nos sozinhos em um
entendimento tácito. Miro seus olhos profundos que me contam de seu terno amor, vejo neles a resposta militante das mulheres do
povo ante a repressão. Penso que não conseguirão dobrá-las. Pego seu rosto entre minhas mãos e a beijo, com um beijo prisioneiro
e clandestino.
– Pronto, companheiro! Apure-se porque chegou um oficial.
Luis Alberto voltou para seu vestiário com a doçura de um beijo roubado embaixo dos narizes dos militares. Como muitos, seguiu
do Estádio Nacional para o campo de concentração de Chacabuco. Conforme afirma no título de seu livro, sobreviveu o bastante
para recuperar a liberdade e contar o que experimentou lá dentro e registrar seu depoimento em tribunais internacionais de direitos
humanos.
Monumento em memória a Luis Alberto Corvalán, instalado em Sofia, na Bulgária.
No entanto, as sequelas das torturas não permitiram que seguisse denunciando a repressão por muito mais tempo. As surras e os
choques elétricos ecoaram em seu corpo na forma de problemas cardíacos crônicos. O coração de Corvalán deixou de brincar de
alegria pelo amor de Ruth em 26 de outubro de 1975, quando estava exilado na Bulgária. Tinha 28 anos de idade.
Maurício Brum
Extras: Te recuerdo Amanda, canção de amor de Víctor Jara.
6comentários
1.
1# Prestes
Escreveu em 6 de setembro de 2013 às 10:52
Porra, Brum, quase chorei, carajo.
2.
2# FitoPlancton
Escreveu em 6 de setembro de 2013 às 12:33
Lembro que eu ouvia muito esta musica citada, (quando criança e de forma ingênua) naquele disco do Tarancón…
3.
3# Sandro
Escreveu em 6 de setembro de 2013 às 18:01
Só vi agora, a Anistia Internacional do Chile lançou um vídeo pedindo que no 1º gol da partida de hoje, entre Chile e Venezuela, ao
invés de gritar, torcedores e jogadores fiquem em silêncio, em homenagem às vítimas do Golpe do Chile.
4. 4# Roberto Jardim
Escreveu em 9 de setembro de 2013 às 21:15
Baita texto!!
5.
5# João Gabriel Silva (@joaogabrieeeel)
Escreveu em 11 de setembro de 2013 às 16:22
arrepiei aqui
sensacional!
6.
6# Ricardo Queiroz Pinheiro
Escreveu em 25 de novembro de 2013 às 6:39
Li o texto nessa manhã cinzenta, lindo texto, e que vem reforçar o quão cinza podem ser os dias de uma ditadura. Sem metáforas.
07 set 2013
La Cancha Infame
O Quilapayún (nome que na língua dos índios mapuche significa “três barbas”, em referência ao trio fundador) surgiu em 1965,
como um despretensioso grupo de estudantes universitários. Mas logo cresceu e se tornou um dos grandes símbolos da época, como
parte do ciclo de mudanças vivido pelo Chile, que em fins de 1967 já tinha grandes manifestações estudantis nas ruas clamando por
maior democracia na universidade. Tornaram-se tão identificados com a esquerda que, no dia da vitória eleitoral de Allende, o
Quilapayún foi o grupo escolhido para tocar antes de o presidente dar seu discurso triunfal.
Parte I: Os Inícios (extras)
Parte II: O Encapuzado (extras)
Parte III: Amor no Estádio Nacional (extras)
Parte IV: Aqueles que disseram não
Inicialmente voltadas ao folclore e ao protesto, em alguns momentos as canções do grupo se tornaram panfletárias, fosse para apoiar
o governo Allende ou questionar os golpistas. Foi o Quilapayún a primeira banda a gravar o hino El pueblo unido jamás será
vencido, grito de guerra que depois ganhou o mundo. Talvez não tenha havido canção mais eclética, porém, que La Batea – crítica
política aos grupos que conspiravam contra Allende, foi escrita em 1971, e depois ganhou inúmeras versões, alterando seus versos
centrais para falar do momento político vivido pelo Chile.
A versão mais famosa é a que aparece abaixo, escrita após o golpe, na qual são citados os quatro membros iniciais da Junta Militar
do Chile – Augusto Pinochet (Exército), Toribio Merino (Marinha), Gustavo Leigh (Aeronáutica) e César Mendoza (Carabineros).
O Quilapayún estava em turnê na Europa quando aconteceu o golpe de Estado, e seus integrantes imediatamente viraram asilados
políticos na França. O grupo ainda existe, com duas facções – uma formada pelos integrantes que seguiram vivendo na Europa e
outra com os que retornaram ao Chile. Entre os radicados em Santiago, Eduardo Carrasco é o único membro do trio fundador a
ainda integrar o conjunto.
La batea
Mira la batea
como se menea
como se menea
el agua en la batea
de los cuatro pinganillas
qué barbaridad
el Merino es curagüilla
qué fatalidad
pinganillas, curagüillas
y el Mendoza para el combo y la patá
Mira la batea
como se menea
como se menea
el agua en la batea
El más gil se llama Augusto,
qué barbaridad
cucarrea que da susto
qué fatalidad
el Augusto, tiene susto
porque pronto su castigo llegará
El cerebro de Gustavo
qué barbaridad
cuánta cabeza de pescado
qué fatalidad
el Gustavo, los pescados
este circo de gorilas nunca más
Na canção aparecem alguns termos atípicos no castelhano, e que são usados praticamente só no Chile. Abaixo, um glossário de
chilenismos:
Cabeza de pescado: uma estupidez que se diz, algo sem qualquer sentido ou mentiroso.
Cucarrea: conjugação de cucarrear, que no Chile se refere a um caminhar cambaleante.
Curagüilla: alguém que bebe demais, um cachaceiro.
Pinganilla: pessoa sem importância, de pouca valia.
3comentários
1. 1# Impedimento.org » La cancha infame (extras): Herminda de la Victoria, de Víctor Jara
Escreveu em 9 de setembro de 2013 às 7:31
[...] Parte III: Amor no Estádio Nacional (extras) Parte IV: Aqueles que disseram não (extras) Parte V: Depois do Estádio
Nacional (extras) Parte VI: Quem não esteve [...]
2. 2# Impedimento.org » La cancha infame (VI): Quem não esteve lá
Escreveu em 9 de setembro de 2013 às 7:32
[...] Parte III: Amor no Estádio Nacional (extras) Parte IV: Aqueles que disseram não (extras) Parte V: Depois do Estádio Nacional
[...]
3. 3# Impedimento.org » Página não encontrada
Escreveu em 10 de setembro de 2013 às 7:31
[...] La cancha infame (extras): La Batea, do Quilapayún [...]
07 set 2013
La Cancha Infame
Seus nomes não costumam aparecer com grande destaque nos livros didáticos que tratam das ditaduras latino-americanas. Estão em
uma placa na parede, numa homenagem pintada pelo chão, nos relatórios das comissões de direitos humanos e na boca de algumas
pessoas com mais memória. Quem realmente se lembra dos militares que não apoiaram suas ditaduras?
Fora do Chile, quantos terão ouvido falar de um René Schneider, um Carlos Prats, um Renato Cantuarias, um Alberto Bachelet ou
um Mario Lavanderos? Ao contrário do que pareceu com a violência unitária do dia do golpe, a insurreição sangrenta jamais havia
sido uma unanimidade dentro das Forças Armadas do Chile. Com exceção da Aeronáutica, que tinha flagrantes inclinações
golpistas, as outras instituições viviam uma disputa de poder e de ideias quanto à ação dos militares no momento de crise
atravessado pelo país.
Parte I: Os Inícios (extras)
Parte II: O Encapuzado (extras)
Parte III: Amor no Estádio Nacional (extras)
A prova de que a tese de um golpe não era defendida por todos está na necessidade de “golpes internos” no seio das instituições
militares. Até 11 de setembro, a Marinha não era comandada por José Toribio Merino, o almirante que integraria a Junta de Pinochet
até o fim da ditadura. Passou às mãos dele na madrugada da insurreição, quando Merino manteve em prisão domiciliar o seu
superior, Raúl Montero, um sujeito que pregava a continuidade democrática.
Do mesmo modo, o corpo de Carabineros – a polícia militar – não era dirigido pelo golpista César Mendoza. Passou a ser na manhã
em que Salvador Allende foi morto: José Sepúlveda, o verdadeiro diretor policial, estava ao lado do presidente na resistência do
palácio de La Moneda. Mendoza deu uma rasteira nele e em outros cinco generais mais antigos, tomando o quartel de
telecomunicações, onde se autoproclamou comandante e passou a dar ordens aos policiais em todo o país.
Mesmo o Exército tinha passado muito tempo com uma cabeça contrária ao golpe. Augusto Pinochet só emergiu como figura
máxima dezoito dias antes do 11 de setembro, após a renúncia do antigo comandante, Carlos Prats González. O general Prats tinha
sido a garantia de sustentação do governo Allende, tentando neutralizar os oficiais golpistas e buscando sempre saídas negociadas
para os impasses em que era chamado para intervir.
Prats havia assumido o comando do Exército em outubro de 1970, poucos dias antes da posse do presidente socialista, quando seu
antecessor caiu morto em uma emboscada da ultradireita – apoiada em segredo pelos Estados Unidos. Schneider era um tipo de
certezas pétreas, impossível de ser dobrado, e defendia que as Forças Armadas não eram uma opção ao poder. Deviam, somente,
assegurar o cumprimento da Constituição – o que em seu caso significava garantir a faixa presidencial a Salvador Allende, vitorioso
nas urnas, e contra o qual se tramaram várias conspirações entre o pleito e a posse.
O general foi morto por suas convicções, mas a ideia permaneceu. Nos três anos seguintes, Carlos Prats seguiu à risca aquilo que
ficou conhecido como Doutrina Schneider. Mas, quando a campanha de desprestígio público levada a cabo pela oposição deixou
Prats exausto, ele pediu as contas, pendurou o quepe e passou o bastão a um general subalterno de quem esperava lealdade: Augusto
Pinochet.
Não poderia estar mais equivocado. A trama golpista não precisou de três semanas para ser efetivada, e o serviço de inteligência
pinochetista logo se encarregaria de dar sumiço nos símbolos do governo derrubado. O próprio Prats encontrou a morte no final de
setembro de 1974, exilado em Buenos Aires, após a polícia secreta da ditadura chilena plantar uma bomba em seu automóvel.
O barulhento assassinato do ex-comandante do Exército era a última opção do regime, uma tática escandalosa e criticável demais
para ser usada a todo momento. O carro-bomba só aparecia contra figuras realmente perigosas aos interesses da ditadura, e que
estavam longe demais de suas garras para serem mortas com discrição. Outra vítima notável de uma explosão criminosa foi Orlando
Letelier, ex-Ministro de Defesa do governo Allende, morto em Washington em 1976.
No entanto, a preferência do regime era dissimular a causa das mortes. A maioria dos executados nas primeiras semanas após o
golpe foi enquadrada na “lei de fugas”, que permitia atirar em quem tentasse escapar da prisão. Podiam também ser colocados na
conta de “extremistas” que, segundo as Forças Armadas, estariam promovendo ataques violentos em todo o país – uma versão que
rapidamente caiu em desuso quando ficou claro que não havia resistência armada, e a ditadura passou a tentar vender a ideia de que
havia “pacificado” o Chile.
Mas, quando a figura a ser sumida era um militar, a desculpa oficial era a mais amena possível. O general Alberto Bachelet
Martínez, pai da futura presidente do Chile Michelle Bachelet, morreu oficialmente em razão de um “infarto”. Uma meia verdade
bastante conveniente à ditadura: até a redemocratização, não constava que o infarto era consequência das torturas infligidas por seus
oficiais subordinados, em represália por sua atuação no governo Allende. Alberto havia sido designado para administrar as Juntas de
Abastecimento e Preços, órgãos criados em 1972 para distribuir alimentos a preço tabelado durante o período de hiperinflação.
Outra desculpa comum era o “suicídio”. Assim aconteceu com o coronel Renato Cantuarias Grandón, diretor da Escola de Alta
Montanha e também simpático a Salvador Allende. No dia do golpe, Pinochet confiou sua esposa e suas filhas aos cuidados de
Cantuarias, alojando-as no colégio militar administrado por ele – mas sem dizer o que pretendia. Sabia que o coronel era um sujeito
correto e, se o golpe fracassasse, certamente daria um jeito de tirar as mulheres do país em segurança.
Pinochet não foi muito grato. Renato Cantuarias caiu preso logo após o golpe e mantido em detenção na Escola Militar de Santiago.
Numa tarde do início de outubro, foi trancado em uma sala com uma pistola e uma bala – você sabe o que fazer, talvez tenham lhe
dito. Morte parecida foi destinada ao major Mario Lavanderos Lataste.
* * *
O disparo foi ouvido por volta das duas e meia da manhã, no refeitório dos oficiais localizado na Academia de Guerra de Santiago.
O cabo Pedro Rivera, que trabalhava no balcão e estava tirando um cochilo, acordou de sobressalto. Quando tinha pego no sono, o
salão era ocupado apenas por dois superiores seus: o major Mario Lavanderos e o coronel David Reyes Farías, que estava na terceira
garrafa de vinho. Agora, acordava com Lavanderos morto. Mais do que isso: flagrou o coronel tentando colocar sua pistola – de
onde partiu o tiro – nas mãos do falecido.
“Tu não deves dar conta desse fato”, alertou Reyes ao perceber que era observado pelo cabo. Em seguida chegaram os outros
oficiais, atarantados pelo estampido e querendo saber do que se tratava. Viram o major sentado, com a cabeça destroçada – a bala
entrou próxima à boca – e escorada sobre a mesa, numa poça de sangue. David Reyes tentou minimizar o incidente e, ébrio, chegou
a pedir aos subordinados que não registrassem a ocorrência. No inquérito oficial realizado depois, declarou que a arma era sua, sim,
mas estava no banheiro no momento em que o tiro foi dado. Provavelmente era um caso de suicídio, afirmou.
As investigações, porém, não confirmaram a versão do coronel. Lavanderos não tinha resquícios de pólvora nas mãos, e portanto
não podia ter disparado a arma. Além disso, o revólver tinha sido limpo após o ocorrido, não restando qualquer impressão digital
que pudesse confirmar a hipótese de suicídio. A investigação, encerrada em 29 de dezembro de 1975, concluiu com um tom taxativo
que era raridade para os informes do tipo: “não se trata de um suicídio”. Mas encerrava por aí a ousadia, sem atribuir
responsabilidades. A versão oficial terminou com termos muito genéricos:
“O decesso do major Lavanderos não ocorreu em um ato determinado do serviço, e sim devido presumivelmente a um acidente cuja
causa não foi possível determinar de forma fidedigna, por carência de testemunhas”.
A morte estava longe de ser acidental. Quiçá não tivesse sido premeditada para aquele momento, mas havia uma razão evidente para
Mario Lavanderos estar marcado: sua atuação como chefe da Seção de Estrangeiros na prisão política do Estádio Nacional vinha
desagradando o regime. Nomeado para o cargo contra a vontade no dia 13 de outubro de 1973 – apenas três dias antes da madrugada
em que foi morto –, Lavanderos parecia decidido a negociar com os diplomatas que vinham pedir anistia e oferecer asilo aos
prisioneiros. Em tão pouco tempo, já tinha na conta uma série de liberações, incluindo o brasileiro José Serra. Sua ação mais notória
foi permitir a saída de 54 uruguaios acusados de serem guerrilheiros, que foram acolhidos pela Embaixada da Suécia.
Harald Edelstam, o representante da missão diplomática escandinava, é talvez o homem que acelerou os trâmites do maior número
de exilados que deixaram o Chile por aqueles dias. Quando o governo chileno rompeu as relações com Cuba e tirou a imunidade
diplomática de sua embaixada, foi o próprio Edelstam que acorreu ao prédio e içou a bandeira da Suécia, como forma de proteger os
chilenos que tinham ido ali para procurar asilo. Estima-se que mais de mil pessoas tenham saído do país graças à sua atuação,
incluindo os uruguaios do Estádio Nacional. No fim do ano, Edelstam seria declarado persona non grata por Pinochet e obrigado a
sair do país.
No dia seguinte à morte do major Lavanderos, por quem criou estima imediata, o embaixador sueco enviou um colega ao estádio
para tratar da liberação de mais prisioneiros. Mas o cônsul Bengt Oldenburg não encontrou quem esperava. Em vez disso, deu de
cara com o coronel Jaime Espinoza, comandante geral do estádio.
– Vocês ajudaram a escapar delinquentes – recriminou o militar, mencionando o caso dos uruguaios.
Oldenburg disse que tudo fora feito dentro da legalidade e pediu-lhe que telefonasse a Mario Lavanderos, que daria as explicações
necessárias. Espinoza rebateu, com um olhar inatingível: “O major Lavanderos morreu esta noite”. E, encostando o dedo sob o
queixo, completou friamente: “Levou um tiro aqui”.
A morte de Lavanderos serviu de exemplo. Na prática, ele nem tinha sido o articulador maior da liberação dos uruguaios: no cargo
há pouquíssimo tempo, ele só dera o sinal verde para concretizar uma negociação que já tinha dado vários passos antes. Como o
governo nunca se interessou em levar o inquérito adiante, apenas na redemocratização houve o reconhecimento oficial do
assassinato do major. Em 1993, a Corporação Nacional de Reparação e Reconciliação, responsável pela comissão que investigou os
crimes da ditadura, estabeleceu o óbvio:
“[Embora as antigas investigações tenham negado o suicídio], ambas foram finalmente suspensas e arquivadas, sem estabelecer
responsabilidades pelos fatos. Tampouco, apesar dos esforços da família, permitiu-se acesso aos antecedentes reunidos nas
investigações. A Corporação teve acesso a alguns desses antecedentes. [...] Considerando os antecedentes reunidos e a
investigação realizada por esta Corporação, o Conselho Superior declarou Mario Luis Iván Lavanderos Lataste vítima de violação
de direitos humanos cometida por agentes do Estado”.
Maurício Brum
5comentários
1.
1# Tarcísio
Escreveu em 7 de setembro de 2013 às 19:21
Como foi absurda a atuação do Pinochet nos bastidores para armar esse golpe… e como sempre contando com o beneplácito da
classe média.
Até hoje grande parte da população chilena nutre admiração pelo Pinochet, até o vídeo no YouTube da anistia internacional que vcs
publicaram ( o do gol sem comemoração) se observa esse fato nos comentários de chilenos…
Série espetacular
2. 2# Impedimento.org » La cancha infame (extras): El alma de Chacabuco, de Ángel Parra
Escreveu em 8 de setembro de 2013 às 7:30
[...] Parte II: O Encapuzado (extras) Parte III: Amor no Estádio Nacional (extras) Parte IV: Aqueles que disseram não (extras) Parte
V: Depois do Estádio [...]
3. 3# Impedimento.org » Página não encontrada
Escreveu em 8 de setembro de 2013 às 7:31
[...] La cancha infame (IV): Aqueles que disseram não [...]
4. 4# Impedimento.org » La cancha infame (VI): Quem não esteve lá
Escreveu em 9 de setembro de 2013 às 7:32
[...] Parte II: O Encapuzado (extras) Parte III: Amor no Estádio Nacional (extras) Parte IV: Aqueles que disseram não (extras) Parte
V: Depois do Estádio Nacional [...]
5. 5# Impedimento.org » La cancha infame (extras): They Dance Alone, de Sting
Escreveu em 10 de setembro de 2013 às 7:30
[...] Parte II: O Encapuzado (extras) Parte III: Amor no Estádio Nacional (extras) Parte IV: Aqueles que disseram não (extras) Parte
V: Depois do Estádio Nacional (extras) Parte VI: Quem não esteve lá (extras) [...]
08 set 2013
La Cancha Infame
María Eliana
Meus companheiros foram todos ao campo de futebol. Em bando. Joga-se um clássico em Chacabuco. Durante a semana não se
falou em nada mais que isso. Jogará a seleção formada pelos presos políticos contra uma equipe da guarnição militar que está de
turno. A ordem do dia dos milicos é ganhar. A ordem do dia dos detidos é ganhar, mas ganhar de goleada.
Entre as versões para a origem do nome do Chile, uma das mais românticas atesta que o termo nasceu com os índios aimarás, para
quem chilli significa “local onde se acaba a terra”. Mesmo se esta não for a hipótese correta, o passar dos séculos se esforçou em dar
razão a ela, formando um país que correspondeu à noção de relativo isolamento geográfico. Antes que a tecnologia facilitasse os
transportes, entrar no Chile, por qualquer lado que se escolhesse, demandava esforços extras: pelo norte, havia que se superar o
deserto mais seco do subcontinente; pelo sul, as imensidões geladas da Patagônia; a oeste só se observa o Pacífico sem fim,
enquanto a leste a muralha dos Andes parece interromper qualquer passagem entre o céu e o chão.
La cancha infame
Parte I: Os Inícios (extras)
Parte II: O Encapuzado (extras)
Parte III: Amor no Estádio Nacional (extras)
Parte IV: Aqueles que disseram não (extras)
A abertura do Canal do Panamá e o desenvolvimento da aviação reduziram os valores e o tempo gastos para comunicar o país com
os locais onde a terra não se acaba. Se na época da colônia aquele pedaço espremido pela cordilheira era visto com algum desdém
pelos espanhóis, que preferiam as minas de prata e ouro dos vizinhos, a descoberta tardia de riquezas como o cobre e o salitre fez o
resto do mundo se interessar em encurtar as distâncias para o Chile. A situação de certo modo se inverteu: dentre as forças do Cone
Sul, ali estava o único país com amplo acesso ao Pacífico. Ainda assim, aquela ideia de estar isolado voltaria – e talvez nunca
tivesse cabido tão bem – quando um grupo de mais de mil prisioneiros políticos foi carregado pela ditadura ao campo de
Chacabuco, nos final de 1973.
A maioria deles saiu do Estádio Nacional, rumo ao exílio no deserto do Norte Grande. No adeus à cancha, as mulheres que estavam
presas se reuniram nas arquibancadas e cantaram algumas músicas de Violeta Parra, inclusive Run Run se fue p’al Norte, sobre a
viagem de seu amado rumo aos pontos setentrionais do país. Apenas homens foram a Chacabuco, um campo aparentemente
inacessível e certamente inescapável. Ficava no meio do Atacama, a cem quilômetros de Antofagasta, a cidade mais importante das
redondezas. Os presos eram vigiados diuturnamente por oito torres de observação, cercados por grades de três metros de altura,
farpadas e eletrificadas. Como se não bastasse, os arredores do campo foram cravejados de minas terrestres.
Os presos fundadores chegaram em duas levas. Cento e quarenta deles, definidos de modo mais ou menos aleatório, tiveram mais
sorte e foram levados de avião no dia 9 de novembro. O restante saiu de Santiago até Valparaíso de ônibus, numa impressionante
caravana vigiada por helicópteros e acompanhada pelos olhares temerosos dos moradores ao longo da rodovia. Muitos ex-
prisioneiros recordam das saudações desses anônimos, com lenços, como num luto coletivo pelo momento que o Chile atravessava.
Uma vez desembarcados em Valparaíso, eles percorreram os 1,5 mil quilômetros até Antofagasta em três dias de viagem infernal,
passados no porão de um navio, sem ver a luz do sol, usando tonéis como banheiro e se alimentando apenas do que os militares
baixavam por cordas. Estes chegaram em 10 de novembro.
Vista aérea do campo de Chacabuco, usado entre 1973 e 1975
Tanta brutalidade era justificada por um tal “Plano Z”, mencionado obsessivamente nas coletivas de imprensa da Junta e repetido
por dez entre dez torturadores durante os interrogatórios, que sempre desembocavam na pergunta: “onde estão as armas?”. As armas
em geral não existiam. O “Plano Z”, alegavam os asseclas de Pinochet, era uma trama dos comunistas para assassinar várias
lideranças políticas e militares, dando na sequência um golpe para implantar uma ditadura de esquerda no Chile. Jamais chegou a ser
articulado de verdade e, comprovou-se depois, tinha sido inteiramente forjado pelas Forças Armadas nos dias que se seguiram aos
11 de setembro, buscando dar um pretexto para as perseguições generalizadas.
As primeiras semanas após o golpe foram aquelas em que mais se derramou sangue em menos tempo. Ainda com as fronteiras
fechadas e sem observadores internacionais para as atrocidades que se cometiam, aquelas manhãs eram recheadas de cadáveres nos
bairros de periferia – e, às vezes, até mesmo alguns corpos inertes descendo pelo Rio Mapocho, o córrego formado pelo degelo dos
Andes que atravessa o coração de Santiago. Apenas do Estádio Nacional, fala-se em até quatrocentos executados só na primeira
semana pós-golpe, que nunca teriam entrado nas contagens oficiais de vítima. Em outubro, partiu pelo interior do Chile uma
comitiva do Exército com o fim de “acelerar o julgamento de extremistas” – a temida Caravana da Morte tiraria a vida de pelo
menos 97 pessoas, quase todas sem qualquer ligação com grupos armados.
Embora o regime de Pinochet seguisse matando opositores até o final dos anos 80, logo os assassinatos políticos passaram a se dar
de forma menos indiscriminada. Inaugurado em novembro de 1973, Chacabuco pertence ao início dessa nova fase. O primeiro
grande relato sobre a experiência no campo de concentração foi escrito pelo jornalista Alberto Gamboa, diretor do Clarín de
Santiago, um jornal popularesco que era o mais vendido do Chile até ser fechado no golpe. As memórias de Gamboa saíram
originalmente em quatro livretos publicados em 1984, numa época em que o regime, já cambaleante, abrandou a censura prévia.
Mas era praticamente impossível encontrar quem possuísse a série inteira – o governo mandou recolher os exemplares tão logo o sol
da manhã batesse nas bancas.
Em 2010, a obra toda foi relançada em volume único sob o título Un viaje por el infierno. É de Gamboa o trecho de carta que abre
este texto, destinado a sua esposa, María Eliana. Seu livro testemunha a organização dos prisioneiros políticos no deserto, de como
se formou um “conselho de anciãos” para negociar melhores condições com os militares. Dependendo do comandante da fez, foi
possível organizar até aulas ministradas pelos professores presos para os companheiros analfabetos, oficinas de marcenaria, uma
cozinha independente e até um grupo musical – Los Chacabucanos, reunido pelo cantor Ángel Parra, filho de Violeta.
Chacabuco era um lugar com passado, e inclusive tinha sido tombado pelo Patrimônio Histórico durante o governo Allende. Os
jornalistas detidos criaram um Jornal Mural, e em uma das edições resgataram a história do campo: Chacabuco havia sido
uma oficina salitrera, um dos muitos vilarejos montados no deserto pelas empresas que extraíam salitre para ser usados como
fertilizantes. Por ali, o negócio surgiu com força nos anos 1910. No auge, o campo contou com 3,5 mil operários residentes e suas
famílias, fora o pessoal da administração. Além das casas, havia uma igreja, uma praça e até mesmo um teatro no qual, segundo a
lenda local, o tenor italiano Enrico Caruso teria se apresentado durante uma passagem pelo Chile. Como outras oficinas salitreras,
Chacabuco terminaria abandonado quando o produto perdeu mercado para os nitratos sintéticos, desenvolvidos na época da Segunda
Guerra.
Após o fechamento de Chacabuco, outros campos de concentração foram abertos no Chile – e o futebol seguiu sendo um
passatempo comum. Na fotografia, prisioneiros políticos disputam uma pelada no campo de Ritoque.
Na transformação da antiga cidadezinha em prisão, os militares cercaram as velhas casas dos operários – destinadas aos detidos –,
deixando de fora os prédios públicos e as luxuosas residências dos gerentes de outrora – onde se alojaram. As casas do presos se
assemelhavam a grandes galpões de adobe, com teto de zinco, chão de terra batida e sem luz elétrica. Os banheiros, comunais,
ficavam fora das casas, e não podiam ser usados à noite, quando vigorava o toque de recolher em todo o campo. No cotidiano da
prisão, as duas quadras de futebol eram elementos centrais. Nelas, os detidos se apresentavam para receber ordens e passar por
contagens, mas também tinham seus momentos de lazer, com partidas eventuais, às vezes contra os guardas.
Só que havia apenas duas bolas, uma para cada quadra. Certa vez, num desses jogos, um jovem operário chamado Sebastián afastou
o perigo num chutão e mandou a redonda pelos ares, acima até das grades. Frente à certeza de que o jogo não continuaria, El
LocoSebastián encontrou uma brecha no alambrado e se meteu a caçar a pelota, entre as minas terrestres. Incrivelmente, escapou da
explosão – mas não das sentinelas. Trouxe a bola de volta e em seguida foi isolado dos demais prisioneiros, submetido a um
interrogatório que usava socos e pontapés como formas de persuasão. Os militares não acreditavam que era possível voltar inteiro do
território minado sem uma orientação prévia, e queriam saber onde Sebastián mantinha “o mapa” indicando a localização das
bombas.
O futebol era a melhor forma de se libertar animicamente da condição de prisioneiros. Esqueciam-se as privações e, acima de tudo,
as dores que vinham ao se lembrar do lar e da família que ficaram para trás. Quase todos os homens ali eram pais de família e
responsáveis por sustentar a casa. Alguns ficariam mais de dois anos encarcerados, muitas vezes sem poder enviar qualquer notícia
ou assegurar que estavam vivos. Não foram poucos os casamentos destruídos pelo isolamento. Uma anedota comum entre os detidos
dizia que, ao voltar para casa, o homem deveria avisar antes por telefone ou chegar assoviando – para dar tempo de “o outro” fugir e
evitar um encontro desagradável. O próprio Gamboa, ao recuperar a liberdade, descobriria que já não tinha o coração da sua María
Eliana.
Mas, no dia em que escreveu a carta falando do clássico contra os soldados, ainda era inocente de seu futuro. Enquanto pingava as
letras no papel, aguardava notícias do jogo que, por um tantinho de honra e dignidade, precisava ser vencido.
María Eliana, já voltaram para casa os meus companheiros. Vinham eufóricos. Nosso time goleou os fardados por dez a quatro! A
vitória foi celebrada ruidosamente e os jogadores saíram de campo carregados nos ombros dos companheiros. A alegria
transbordou e chegou até as casas. Todos estão loucos.
Maurício Brum
(texto adaptado da publicação original no Sul21)
Extra: El alma de Chacabuco, gravação clandestina da música composta e apresentada por Ángel Parra no campo de
concentração, pouco antes de ser libertado.
2comentários
1.
1# Pedro Daltro
Escreveu em 10 de setembro de 2013 às 13:20
máximo respeito pelo detento que serpenteou pelo alambrado e driblou as minas terrestres em nome do futebol.
e muitíssimo obrigado por me lembrar o quão filho da puta era o pinochet e quão bizarro foi esse golpe.
que a Bachelet sacuda a filha do milico fdp na eleição!
2. 2# Impedimento.org » La cancha infame (VI): Quem não esteve lá
Escreveu em 4 de dezembro de 2013 às 16:02
[…] III: Amor no Estádio Nacional (extras) Parte IV: Aqueles que disseram não (extras) Parte V: Depois do Estádio Nacional […]
09 set 2013
La Cancha Infame
Muitas das antigas favelas do Chile surgiram em apenas uma noite. De surpresa, preferencialmente quando havia névoa, para os
policiais não perceberem sua existência até que a alvorada revelasse a pequena cidade com paredes de lona, papelão e ferro
corrugado.
Receberam o nome de poblaciones callampas, favelas-cogumelo, pela rapidez com que apareciam e se espalhavam. Meio século
atrás, era assim que os sem-teto de Santiago faziam para encontrar um solo para viver: escolhiam um grande terreno baldio da
periferia, definiam de antemão o lote que cabia a cada família, e em uma única madrugada corriam para lá com seus bultos, os sacos
em que levavam as poucas posses.
La cancha infame
Parte I: Os Inícios (extras)
Parte II: O Encapuzado (extras)
Parte III: Amor no Estádio Nacional (extras)
Parte IV: Aqueles que disseram não (extras)
Parte V: Depois do Estádio Nacional (extras)
La Victoria nasceu dessa forma, antes de o sol raiar para o dia 30 de outubro de 1957. Era reflexo de um êxodo rural que faria a
população da capital duplicar até o início dos anos 70, chegando a três milhões de habitantes. Considerada a primeira callampa do
Chile, foi pioneira na tática de ocupar um grande espaço em poucas horas, tornando a vila tão assustadoramente grande que as
autoridades se vissem obrigadas a substituir o chumbo pelo diálogo.
Suas paredes continuam a celebrar a ocupação – “1957” aparece em diversos murais, pintados de tempos em tempos para
comemorar o aniversário do que outrora foi chamado de invasão irregular. As ruas têm nomes simbólicos para os esquerdistas. Ali,
“Karl Marx” faz esquina com “Primeiro de Maio”, e alguns passos adiante aparece uma vereda chamada “Mártires de Chicago”,
outra nomeada “Ránquil”, e ainda uma batizada como “La Coruña” – estes dois, nomes de lugares onde trabalhadores chilenos
foram massacrados durante períodos de greve nos anos 20 e 30.
Ainda é uma vizinhança pobre, mas, passado meio século, La Victoria tem muito mais ares de bairro humilde do que de favela. Já
não falta saneamento básico, as casas são de alvenaria, as ruas estão calçadas, as escolas públicas funcionam e o transporte coletivo
circula com regularidade. A antiga población tem inclusive uma igreja de fundo de quintal, daquelas que se proliferam nas cidades
brasileiras.
Nós estávamos saindo de La Victoria quando observei um desses templos que citam evangelhos, formas geométricas, o fim do
sofrimento, o retorno de Cristo e a salvação eterna. Dizia embaixo que a seita havia sido fundada em São Paulo, Brasil, em algum
ano do século passado. Cutuquei o braço de Hugo, um velho comunista que se oferecera para ciceronear a caminhada, e brinquei
com seu ateísmo: “parece que o meu país só exporta coisas ruins para vocês. Depois de torturadores, trouxemos igrejas que parecem
só querer dinheiro”.
“E alguma não quer?”, rebateu ele.
* * *
Hugo González desligou-se do Partido Comunista Chileno por não concordar com a troca das ideologias clássicas por
uma realpolitik, mas nunca deixou de ser comunista. Na sala de sua casa há uma bonita pintura mostrando Salvador Allende com a
faixa presidencial, e do outro uma imagem de Fidel Castro e Camilo Cienfuegos celebrando a vitória da Revolução. Hugo havia me
recebido numa chuvosa noite de agosto, a mesma noite em que Universidad de Chile e Santos começaram a disputar a Recopa de
2012, para me contar sua história. Na ocasião, perguntei-lhe se não pretendia olhar o jogo para secar o rival – Hugo torce para o
Colo Colo –, e recebi uma resposta lisonjeira: “nossa conversa é mais importante que um jogo”.
Contou-me que militou com os vermelhos desde muito novo. Para alguém dos seus 62 anos, isso significava ter começado a vida
política apoiando sempre as muitas candidaturas de Allende à presidência – foram quatro, ao longo de dezoito anos, até a vitória
decisiva em 1970. Na noite em que Allende por fim conquistou a almejada maioria, à frente de uma coligação liderada por
comunistas e socialistas, Hugo trabalhava na gráfica do PC. Dali saía o principal jornal de esquerda do país, El Siglo, mas ele era
muito grande para fechar uma edição extra a tempo de chegar às mãos dos correligionários que já festejavam nas ruas.
Hugo levou então duzentos exemplares do Puro Chile, um pasquim de oito páginas, e se desfez do calhamaço em questão de
minutos. A festa pela vitória se estendeu noite adentro, e daquela madrugada até o golpe de Estado se passariam exatos três anos e
uma semana. Em 11 de setembro de 1973, enquanto Salvador Allende caía sem vida em um salão de La Moneda e Augusto
Pinochet se preparava para usurpar a faixa presidencial, Hugo esteve passando orientações aos militantes em uma célula do PC, até
que ninguém mais apareceu por medo do toque de recolher.
Quem teve de superar o medo foi o próprio Hugo González, que pesou se estaria menos seguro naquele prédio em particular ou na
rua, e decidiu tentar se esgueirar por meia cidade até conseguir voltar para casa – para violar o toque de recolher havia pretexto, mas
seria difícil negar sua preferência política se fosse encontrado em uma sede comunista. Flagrado por uma patrulha no meio do
caminho, Hugo acabou detido, com uma curiosa tranquilidade que parecia impossível por aqueles dias: apanhado apenas por estar
na rua em hora errada e sem carnês partidários, ele seria considerado um preso menos relevante e liberado dois dias depois.
Em 1973, Hugo não precisou passar como prisioneiro pelo Estádio Nacional de Futebol – onde um dia assistira ao Santos de Pelé –,
nem chegou a sentir a violência infligida aos detidos nas primeiras semanas após o golpe. Por aqueles dias, o Brasil de Emílio
Médici cedeu ao Chile cerca de um bilhão de dólares (em valores atualizados) para a ditadura de Pinochet começar a sua gestão.
Também enviou alguns especialistas em tortura para ensinar os chilenos como usar o choque elétrico, porque os militares de trás dos
Andes estavam sendo rudimentares demais com seus interrogatórios a base de socos e pontapés. “Nós somos cirurgiões, eles são
açougueiros”, comentaria um dos brasileiros.
Em suas memórias, Pinochet nunca escondeu a gratidão devida ao Brasil pelo apoio irrestrito recebido nos primeiros dias de seu
regime. Fomos, também, a primeira nação a reconhecer o governo golpista do Chile – “um nobre gesto desse país irmão que os
chilenos nunca esqueceremos”, conforme comentou Pinochet em El día decisivo, seu livro de memórias sobre a época da tomada de
poder.
O caminho de Hugo González, portanto, foi distinto daquele de muitos companheiros de partido. Levado inicialmente à Escola
Militar, onde estavam ocupados demais com os “extremistas”, o prisioneiro de menor periculosidade foi logo carregado ao Estádio
Chile, um ginásio da zona oeste da capital. Encontrou-se ali com Víctor Jara, um dos cantores de protesto mais populares do país,
que seria executado no fim de semana. Esse diálogo – e a possibilidade de sair mais cedo – transformariam Hugo num anônimo
famoso: ele seria o responsável por telefonar à esposa de Víctor, Joan, e informar do estado de seu marido. Depois daquilo, os dois
passariam mais de trinta anos sem qualquer contato, até que Hugo se retirasse do anonimato para revelar sua identidade.
Nos tempos de Pinochet podia ser perigoso contar muito sobre si mesmo. Hugo imaginou que Joan Jara deveria estar sendo vigiada,
talvez com os telefones grampeados, e preferiu ficar na sombra. Essa seria sua postura pelos anos seguintes: depois da detenção por
desrespeitar o toque de recolher, conseguiu passar um bom tempo sem voltar à prisão. Mesmo que continuasse sua militância com o
PC, quase sempre passava despercebido pelos militares. Até que foi denunciado, nunca soube por quem, e os fardados invadiram
sua casa no final dos anos 70.
Preso outra vez, agora numa cadeia comum – os recintos esportivos deixaram de ser usados como prisão em 1974 –, Hugo González
experimentou todas as torturas de que havia escapado nos dias que se seguiram ao golpe. Se fazia muito tempo que os militares já
sabiam que praticamente não existia resistência armada, eles continuavam querendo nomes, para eliminar a “escória marxista” do
mapa do Chile. As torturas eram interrogatórios que jogavam verde. Se o sujeito convencesse que sabia pouco e conseguisse
sobreviver aos sadismos, era devolvido à liberdade, com a condição de assinar um documento garantindo que havia sido bem
tratado.
“Muitos companheiros meus”, recordou Hugo, “passaram a apelar para Deus, para a Virgem, em busca de algum alento. Queriam
qualquer coisa a que se agarrar para tentar manter a boca fechada e acreditar que iam sair dali. Mas eu era ateu. Ateu! Eu nunca tive
Deus ao meu lado. A cada sessão de tortura, meu único pensamento eram os amigos, a família. Eu sabia que precisava ficar quieto
para eles não sofrerem a mesma coisa”.
Maurício Brum
Extra: Herminda de la Victoria, de Víctor Jara, sobre a morte de uma criança na origem de uma población.
10 set 2013
La Cancha Infame
O golpe de Estado de 11 de setembro de 1973 mudou o Chile em um dia, alterou o futuro de milhares de seus cidadãos e, na
banalidade do futebol, também provocou uma súbita reviravolta. Pouco mais de um mês antes de os caças da Força Aérea lançarem
seus mísseis sobre o palácio de La Moneda, a Seleção Chilena havia batido o Peru por 2 a 1, num desempate disputado em
Montevidéu que valia a vaga sul-americana para disputar a repescagem para a Copa do Mundo do ano seguinte.
O adversário pelo direito de ir ao Mundial seria um time europeu – e, por um desses sarcasmos do imponderável, tocou aos chilenos
a missão de enfrentar ninguém menos que a União Soviética. Antes de Salvador Allende ser derrubado, muitos brincavam que, por
afinidade ideológica, sua seleção não teria outra alternativa que não fosse entregar a partida para os russos. Depois do golpe,
ninguém soube exatamente o que esperar do encontro marcado para Moscou – sem nem mesmo imaginar se ele aconteceria mesmo.
La cancha infame
Parte I: Os Inícios (extras)
Parte II: O Encapuzado (extras)
Parte III: Amor no Estádio Nacional (extras)
Parte IV: Aqueles que disseram não (extras)
Parte V: Depois do Estádio Nacional (extras)
Parte VI: Quem não esteve lá (extras)
No intervalo entre a tomada de poder e o jogo, agendado para o dia 26 de setembro, os dois países romperam relações diplomáticas,
os aeroportos do país andino foram fechados temporariamente pela ditadura – o que atrasou a viagem da seleção em cinco dias – e
os soviéticos cancelaram unilateralmente as passagens reservadas pela Federação do Chile junto à companhia moscovita Aeroflot –
o que obrigou o cônsul chileno na Alemnha Ocidental a comprar por conta própria trinta bilhetes para a delegação.
Com sua cúmplice neutralidade frente a tudo o que ocorre nas rebarbas do futebol, a FIFA manteve a data do jogo. O Chile partiu de
improviso no primeiro avião possível após a reabertura do espaço aéreo, com a equipe se formando pelo caminho conforme os
craques desgarrados conseguissem voos em seus países. Elías Figueroa, que já defendia o Internacional, fez verdadeiras odisseias
para ir e voltar: seu regresso de Moscou a Porto Alegre incluiu paradas em Copenhague, Paris, Madrid e no Rio de Janeiro, com três
trocas de avião nesse intervalo.
Em Moscou, talvez como medida preventiva para a possibilidade ainda secreta de não enviar seu selecionado para o jogo de volta, o
regime soviético proibiu qualquer divulgação da partida e não deu grande destaque ao confronto iminente. Ainda assim, cerca de 75
mil pessoas acorreram ao Estádio Central Vladimir Lênin (atual Luzhniki) para vaiar os chilenos desde a entrada em campo. Com
atuações gigantescas de Figueroa e seu companheiro de retaguarda, Alberto Quintano, os sul-americanos aguentaram a pressão
adversária e saíram vivos com um empate sem gols.
A apresentação da defesa chilena foi tão impressionante que, ao fim da partida, o próprio Lev Yashin desceu aos vestiários para
cumprimentar os visitantes. Aposentado desde 1970, o mítico Aranha Negra agora atuava como diretor da seção de futebol do
Ministério dos Esportes da URSS. Mas a cordialidade parava no aperto de mãos nos camarins: em campo, não houve troca de
flâmulas entre os capitães, e os jogadores russos não apareceram no jantar oferecido pela Federação Chilena após a partida.
O golpe perpetrado em Santiago calava fundo em Moscou. Salvador Allende chegar a dizer, alguma vez, que a União Soviética era
uma espécie de irmã mais velha do seu Chile – muito mais uma tentativa de causar lisonja nos moscovitas do que uma opinião real.
Quando deu essa famosa declaração, o presidente chileno havia desembarcado no Kremlin com a corda no pescoço, precisando
desesperadamente de um empréstimo para manter o país funcionando, diante dos sucessivos boicotes econômicos provocados pelos
Estados Unidos. Essa viagem aconteceu no final de 1972, quando o governo da Unidade Popular estava a ponto de entrar em sua
crise final.
Estava claro que os soviéticos não concordavam cem por cento com a linha democrática de Salvador Allende e, além disso, viviam
suas próprias dificuldades econômicas. Sustentar uma Cuba já parecia um peso grande demais para se meter com outras dores de
cabeça desnecessárias, e a resposta ao apelo chileno foi um empréstimo irrisório que pouco ajudou a recolocar a economia do país
nos trilhos. Mesmo com suas reservas, os soviéticos sabiam ter em La Moneda um dos raros governos dispostos ao diálogo aberto
em toda a América, e se ressentiram da porta totalmente fechada depois do golpe.
Longe de ser um baluarte da defesa dos direitos humanos, a União Soviética se valeu desse argumento para não comparecer ao
duelo de volta da repescagem, marcado para 21 de novembro de 1973 em Santiago. O WO era muito mais ideológico que
humanitário, mas usava uma explicação bastante razoável: repudiar a simples ideia de disputar uma partida no Estádio Nacional do
Chile, onde até pouquíssimos dias antes se estava matando gente. O governo russo disse que aceitaria o jogo em qualquer outro
campo mas que, “por considerações morais, os esportistas soviéticos não podem jogar nesse momento no estádio de Santiago,
salpicado do sangue de patriotas chilenos”.
De fato, a cancha só havia sido totalmente evacuada dos prisioneiros políticos em 9 de novembro, menos de duas semanas antes da
partida – e precisamente por causa dela. O jogo, e a eventual classificação à Copa do Mundo, pretendiam ser as primeiras
celebrações populares massivas vividas pelo país sob a tutela dos generais. Quando ficou óbvio que a URSS não viria e que o Chile
avançaria ao Mundial sem jogar, envolto numa aura de anticlímax, os gestores de Pinochet se apressaram para arranjar um substituto
e garantir um encontro festivo: o Santos de Pelé.
O gol sem goleiro de Valdés
Mas o público continuou deprimente, como deprimente seria toda aquela tarde para o futebol chileno. Apenas 25 mil pessoas
acharam válido ir a um jogo de futebol naquele momento, assistindo ao gol mais triste da história de sua seleção. O juiz deu o apito
inicial para cumprir o protocolo do Chile x URSS, apenas com os chilenos em campo. Num ato simbólico, o ataque anfitrião
avançou tocando a bola até o vazio do gol adversário. A troca de passes concluiu nos pés do capitão Francisco Valdés. Quase em
cima da linha, ele fuzilou as redes desguarnecidas do arco norte do Estádio Nacional.
O árbitro apitou em seguida o fim do 1 a 0 inexistente, confirmando a classificação do Chile para o Mundial 74 e abrindo espaço
para o “segundo” – na verdade, único – jogo da tarde. Depois da farsa, o Santos melou a festa imaginada por Pinochet, aplicando
uma embaraçosa goleada de 5 a 0 sobre o selecionado local.
* * *
Daquele time fazia parte Carlos Caszely, um dos quatro jogadores que tocaram a bola na tristemente inesquecível corrida sobre o
campo vazio onde deveria estar a União Soviética. E, se Figueroa era o dono do time, quem garantia as vitórias era Caszely. Dono
de vastas melenas e um respeitável bigode, ele encerraria a carreira como maior artilheiro da história da Roja, uma marca depois
superada por Iván Zamorano e Marcelo Salas, que bateram seu número de gols, mas não sua média por partida.
Em 1973, Caszely esteve particularmente iluminado. Líder da dianteira do Colo Colo na campanha vice-campeã da Libertadores,
finalizou como artilheiro da Copa e acabou transferido para o Levante, da Espanha, numa das maiores negociações do futebol
chileno até então. O Rey del Metro Cuadrado, como ficou conhecido, tinha suas convicções políticas depositadas na esquerda – e
inclusive havia emprestado seu prestígio ao governo de Salvador Allende. Após o golpe, tornou-se o maior símbolo de resistência à
ditadura entre os futebolistas chilenos.
Protegido por jogar no exterior e por ser uma peça imprescindível para que a seleção seguisse vencendo e podendo ser usada
politicamente, o goleador pôde demonstrar sua inconformidade com Augusto Pinochet de forma que outros chilenos temeriam fazer.
Deixou o desprezo explícito quando o ditador convocou o time para uma recepção em que desejaria sorte na Copa do Mundo. No
momento em que o general entrou na sala para saudá-los, Caszely foi o único jogador que não se pôs de pé. Depois, quando
Pinochet repassou o elenco inteiro para cumprimentar os jogadores individualmente, o goleador recolheu o braço e deixou o militar
com a mão estendida no ar.
Se Caszely era aparentemente intocável, o mesmo não valia para seus familiares. Em 1974, a mãe do jogador foi sequestrada e
torturada por agentes do Estado. O acontecimento permaneceria em segredo até 1988, e veio a público em meio à campanha do
“NO” – no famoso plebiscito do filme estrelado por Gael García Bernal, em que o povo chileno deveria dizer se apoiava ou não a
continuidade do governo Pinochet. Ali, num dos spots publicitários que levariam à vitória do “não”, apareceu a imagem de uma
simpática senhora contando o que havia sofrido nas mãos do regime.
“Eu fui sequestrada de minha casa e levada a um lugar desconhecido, com os olhos vendados, onde fui torturada e vexada
brutalmente. Foram tantas as vexações que eu sequer contei todas, por respeito a meus filhos, a meu esposo, a minha família. Por
respeito a mim mesma. As torturas físicas, na realidade, você consegue apagar. Mas as torturas morais não creio que as apague
tão facilmente. Não consigo esquecê-las, porque ainda as tenho muito encravadas em minha mente e em meu coração. Por isso, eu
voto que “não”, para que, amanhã, todos juntos vivamos nossa democracia livre, sem ódios, com amor e com alegria”.
Logo após a declaração da mulher identificada como Olga Garrido – um nome que não dizia muita coisa para a maioria dos
espectadores –, aparecia na tela a imagem de Carlos Caszely, um ídolo nacional, surpreendendo a audiência com a revelação:
“Por isso meu voto é não. Porque sua alegria, que já vem, é minha alegria. Porque seus sentimentos são meus sentimentos. Porque
no dia de amanhã poderemos viver em democracia, livre, sã, solidária, que todos possamos compartilhar. Porque esta linda
senhora é minha mãe”.
A campanha de Caszely com sua mãe (a partir dos 3:40)
* * *
Para muitos, o exorcismo do Estádio Nacional como espaço de perseguição política havia começado um pouco antes disso, em 12
de outubro de 1985, quando Carlos Caszely se despediu da seleção. O setembro anterior havia sido marcado pelas maiores
manifestações de rua (até ali) contra o regime pinochetista, com violenta repressão policial e um questionamento cada vez maior aos
crimes do governo – uma série de atos que levaria à sua capitulação, convocando o plebiscito de três anos depois. Na noite em que
Caszely disse adeus, as arquibancadas foram povoadas por pequenas fogueiras e vários focos de briga entre torcedores e
carabineiros. Entre uma violência e outra, um grito esporádico, mas firme, se repetia: que se acabe a ditadura.
Quatro anos e meio mais tarde, em 12 de março de 1990, o Estádio Nacional voltaria a lotar para tentar redimir-se do passado. Em
suas tribunas ocorreu o ato fundador da volta à democracia, com a posse do presidente Patricio Aylwin. Primeiro civil a ocupar o
cargo desde Allende, Aylwin havia sido um dos impulsionadores do golpe de 1973, liderando o principal partido de oposição e
tornando o país ingovernável ao recusar o diálogo com a Unidade Popular. Acreditava numa intervenção militar curta, mas viu o
sistema político e democrático do país ser completamente extinto.
Ato de posse de Aylwin no Estádio Nacional
Agora Aylwin era um dos nomes fortes da Concertación, a coligação de partidos que abraçou a campanha do “no” e incluía até os
socialistas de Allende, outrora adversários ferrenhos. Vencedor das primeiras eleições livres em duas décadas, Aylwin abriu um
período de vinte anos dominado por candidatos da Concertación – encerrado em 2010 após Michelle Bachelet entregar o cargo para
o conservador Sebastián Piñera –, e naquele anoitecer de março de 1990 deu seu primeiro discurso como presidente da república.
Chamou o país à reconciliação e, pouco depois, instituiu a primeira comissão oficial com a tarefa de investigar os crimes da
ditadura.
Mas a estrela daquele ato não era o presidente. Frente aos olhos de todo o país, foram convidados a entrar em campo os familiares
dos mortos e desaparecidos políticos. Carregavam fotos de seus entes queridos – parte dos quais mortos no próprio estádio – e
chamavam a não esquecer jamais. No gramado de tantas finais e tanto sangue derramado, as esposas de vítimas da ditadura bailaram
sua versão da cueca, a dança nacional do Chile. Normalmente um baile de casal, com elas o ato se tornou a cueca sola, solitária,
pela ausência de parceiros. Enquanto uma delas dançava completamente sozinha, o placar eletrônico da cancha subia os nomes de
uma lista preliminar das vítimas já conhecidas na época.
Depois, estampou a mensagem: “para que nunca más”. Desde então, a cada 11 de setembro, o Estádio Nacional é alvo de
peregrinação para onde convertem aqueles que nunca esquecem o horror do dia em que perderam os companheiros de suas danças.
Maurício Brum
Extras: They Dance Alone, música de Sting inspirada na cueca sola das mulheres chilenas.
17comentários
1.
1# J.P.
Escreveu em 10 de setembro de 2013 às 13:20
Muito boa série de reportagens. Faltou apenas mencionar que o presidente ALLENDE foi o causador disso tudo, dando ao país uma
perigosa guinada à esquerda. Rompeu a ordem democratica antes de Pinochet.
Não se pode deturpar a história, nem esquecer certas partes
2.
2# Jabba
Escreveu em 10 de setembro de 2013 às 13:42
Em primeiro lugar, sensacional essa série de textos, uma das melhores reportagens que vi em muito, muito tempo. Parabéns para os
autores e espero que chegue até a grande imprensa (mesmo sem ter muita esperança).
J.P. – Allende foi eleito democraticamente e poderia sair do poder no ano seguinte quando ocorreriam novas eleições. Se ele daria
um golpe de esquerda nunca se pode saber, mas afirmar que ele rompeu a ordem democrática ou que faria isso como justificativa é
que é deturpar a história. Essa retórica vazia é a mesma que usaram sobre o Jango para justificar o golpe aqui no Brasil.
3.
3# F. A.
Escreveu em 10 de setembro de 2013 às 14:10
Muito boa a série! Vou inclusive guardá-la e pretendo utilizar em aula algum dia. Parabéns Maurício e impedimento por mais essa!
Agora: eu não costumo comentar, mas dizer que Allende foi o causador disso tudo… Parece até aquela lógica onde a vítima é
culpada pelo estupro! Pobre Pinochet: um injustiçado
4.
4# F. A.
Escreveu em 10 de setembro de 2013 às 14:14
Muito boa série! Parabéns mesmo! Pretendo guardá-la para um dia usar algo em aula. Jabba – se pararmos pra pensar essa é a
mesma lógica é utilizada pra dizer que a vítima é responsável pelo estupro! JP – só faltou chamar o Pinochet de injustiçado.
5.
5# J.P.
Escreveu em 10 de setembro de 2013 às 14:34
Senhores, o presidente Allende estava em perfeito alinhamento com Cuba e União Soviética. Não é preciso ter bola de cristal pra
saber que se ele perdesse as eleições do ano seguinte, ocorreria um golpe de esquerda. E se vencesse, teria uma no Chile uma
democracia “estilo Venezuela”.
Claro que nada justifica os milhares de assassinatos políticos que vieram depois. Mas não foi de graça que aconteceram.
6.
6# Jabba
Escreveu em 10 de setembro de 2013 às 14:45
J.P. – Essa lógica do “eu vou dar um golpe primeiro porque pode ser que ele um dia dê um golpe” não faz nenhum sentido. É pura
justificativa de quem estava perdendo os privilégios que sempre teve. E tanto a URSS quanto Cuba não apoiavam diretamente
Allende justamente por ele ter escolhido a via democrática ao invés da revolucion (perdeu sei lá quantas eleições antes de ser eleito).
E na democracia “estilo Venezuela” que tu citaste não me lembro de encherem nenhum estádio de presos e nem fuzilarem pessoas
no meio do campo, mas pode ser que eu tenha perdido alguma coisa….
7.
7# Leonardo
Escreveu em 10 de setembro de 2013 às 16:35
SENSACIONAL! Parabenizo o autor e o site por essa formidável série.
8.
8# ImpedCorp
Escreveu em 10 de setembro de 2013 às 17:20
J.P., Allende estava tão pouco inclinado a dar um golpe comunista que, para tentar resolver a crise, estava disposto a convocar um
plebiscito pela continuidade ou não de seu governo – e renunciaria ao cargo caso fosse derrotado. Ele se reuniu em 9 de setembro de
1973 com Augusto Pinochet para manifestar essa intenção, inclusive deixando claro que convocaria o plebiscito em um discurso
para todo o país na manhã do dia 11. O golpe, inicialmente previsto para o dia 14, veio no 11 justamente para que a população não
soubesse dos planos do presidente e comprasse a ideia do “golpe necessário para salvar o país”. Pinochet sabia que um levante
militar seria ainda menos aceitável quando se propunha uma solução democrática para o momento caótico vivido pelo Chile naquele
setembro sombrio.
Abraços,
Brum
9.
9# Bruno S
Escreveu em 10 de setembro de 2013 às 18:13
Sensacional a sequência. É triste que conheçamos tão pouco da história dos outros países sul americanos.
p.s. Muito triste alguém aparecer em 2013 querendo justificar que os crimes cometidos e relatados aqui são de responsabilidade do
presidente deposto, querendo justificar Pinochet.
p.p.s seria cômico, se não fosse uma tragédia, o fato de lá como cá políticos que apoiram os golpes achando que os militares os
levariam ao poder terem ficado de mãos abanando.
10.
10# J.P.
Escreveu em 10 de setembro de 2013 às 20:58
Racismo, eugenia, planejamento de políticas de saúde pública baseadas na extinção de indivíduos “indesejáveis”, troca de apoio
político com o assassino nazista Walter Rauff e a submissão ao tirano Fidel Castro: fatos comprovados da trajetória política do
incensado Salvador Allende.
http://www.midiasemmascara.org/artigos/movimento-revolucionario/12015-o-estranho-salvador.html
http://veja.abril.com.br/080605/p_094.html
Sei como é chato quando a política toma o espaço dos comments de um blog de futebol, mas ver o outro lado da hHstória não faz
mal a ninguém.
11.
11# Tiago
Escreveu em 10 de setembro de 2013 às 21:43
Estava esperando a série acabar pra comentar, haha. Que trabalho sensacional, Brum! Parabéns, de verdade. Aprofundamento
histórico incrível.
E concordo com o #9 ali, é triste não sabermos da história dos nossos vizinhos. Por isso o Impedimento é afudê.
12.
12# Maurício Brum
Escreveu em 10 de setembro de 2013 às 23:15
#10 J.P., com o devido respeito, mas se tu queres que alguém veja o outro lado da história, veja tu também. Salvador Allende não
foi um mártir inatingível da espécie humana, como querem alguns de seus mais ferrenhos defensores, e tampouco foi o demônio que
prega essa escola particularmente puxada pelos textos descontextualizadores de Víctor Farías (que, claramente, é a fonte básica de
todas as acusações ‘bombásticas’ dos links que envias). Leia trabalhos de gente razoável, que não está em nenhum dos dois
extremos e buscou evitar ao máximo o propagandismo para um ou outro lado. Por obrigação acadêmica, eu me prestei a lê-los, e
também os extremistas, e acredito que tenho certa propriedade para me manifestar sem soar leviano.
Te recomendo também que leia por conta própria (e não pela interpretação enviesada de terceiros, se queres usá-la como argumento)
a tal tese de Allende – em que, sim, há algumas opiniões um tanto antiquadas que podem nos parecer aterradoras, como a
homossexualidade apontada como um transtorno que poderia ser alterado em nível hormonal, mas também fica muito claro que boa
parte dos posicionamentos “antissemitas”, “eugenistas”, “racialistas” e o diabo a quatro são simplesmente citações a outros trabalhos
acadêmicos, sem necessariamente defendê-los, sendo antes uma maneira de expor os pensamentos existentes para propor a
discussão. De fato, quando fala sobre a propensão de certas raças a cometer delitos (como numa citação célebre sobre hebreus muito
usada por Farías e seus seguidores para mostrar o suposto antissemitismo de Allende), ele está na realidade citando um
posicionamento alheio, e logo abaixo manifesta que isso não possui qualquer comprovação: “Esses dados [demonstrados por outros
trabalhos] fazem suspeitar que a raça influencia na delinquência. Não obstante, carecemos de dados precisos para demonstrar esse
influxo no mundo civilizado”.
Sobre Walter Rauff: ele havia fugido para o Chile no fim dos anos 50 e, diante dos sucessivos pedidos de extradição, chegou a ser
preso e julgado pelos tribunais chilenos. No entanto, foi liberado por uma decisão da Corte Suprema em 1963, ainda no governo do
conservador Jorge Alessandri – decisão esta que já não podia ser revogada, a menos que tivéssemos um governo disposto a provocar
quebras institucionais e atropelar o Judiciário de seu país. Nem o governo de Eduardo Frei (1964-1970), nem o de Allende (1970-
1973) tinham poderes para isso, e sempre se reportavam à decisão de 1963 para lamentar o fato de estarem de mãos atadas diante
dos pedidos internacionais. Se houve um governo com poderes absolutos para reverter a decisão, este foi o iniciado em 11 de
setembro de 1973, mas também Pinochet continuou respeitando a velha determinação para negar as extradições pedidas. Há
acusações, inclusive, de que Rauff teria atuado no serviço de inteligência da ditadura – mas faltam provas sobre isso, como também
faltam sobre esse suposto apoio ao governo Allende que é citado no artigo que mencionas, e ambas as acusações têm mais ares de
falácias criadas sob uma guerra de versões para fugir de um problema que foi criado antes mesmo de Allende e Pinochet estarem
com eles nas mãos.
Sobre a submissão a Cuba: esta nem merece comentário. Há um sem-número de materiais que demonstram o quão
extraordinariamente rasteira é essa ideia.
O problema de discutir “fatos comprovados” que não têm comprovação é que acabamos perdendo tempo demais à toa. Um abraço
13.
13# maiconbh2011
Escreveu em 11 de setembro de 2013 às 19:56
Deixei para comentar quando acabasse a série. PARABÉNS! Não é à toa que este site é um dos meus favoritos quando o assunto é
futebol. Infelizmente temos que lembrar de fatos lamentáveis e espero (será que em vão?) que, com tais experiências trágicas,
possamos nos tornar mais humanos e compreensivos, com qualquer opinião ou orientação diferente da nossa.
Reforço apenas uma coisa: se Cuba tivesse alguma influência mesmo sobre o Chile de Allende, teria ocupado o país sem pensar
duas vezes. Se fez isso apenas dois anos depois em Angola, porque não o faria num país mais relevante como o Chile?
14.
14# João Gabriel Silva (@joaogabrieeeel)
Escreveu em 24 de setembro de 2013 às 13:41
sensacional a série, demais!
meus sinceros parabéns ao Maurício Brum, pois imagino o tamanho da pesquisa que ele fez para chegar a estes 7 textos magníficos.
me arrepiei umas 3x durantes as leituras todas, emocionante mesmo.
15.
15# João Gabriel Silva (@joaogabrieeeel)
Escreveu em 24 de setembro de 2013 às 13:46
po, #10. tente discutir história e política sem usar um link da veja e seras levado mais a sério
16.
16# LM
Escreveu em 25 de setembro de 2013 às 2:16
Série sensacional. Parabéns.
Bonito o hino chileno cantado pelo estádio lotado. “Que o la tumba seras DE LOS LIBRES / O EL ASILO CONTRA LA
OPRESIÓN” a plenos pulmões no final (por volta de 6:30 a 6:40 do terceiro e último vídeo). Tinha visto um breve trecho disto no
filme “Os Rebeldes do Futebol”, na parte que falava de Carlos Caszely.
Enfim, excelente trabalho. Novamente, parabéns.
17.
17# Anderson Santos
Escreveu em 26 de setembro de 2013 às 22:43
Finalmente consegui terminar de ler a série – apesar de ter olhado um pouco no texto publicado no Sul 21. Sensacional, Brum! Vi o
No! e a edição sobre o Chile do especial da ESPN sobre a Operação Condor. Realmente precisamos conhecer mais a história dos
países da América Latina, assim como, a nossa própria história – que a Comissão da Verdade avance ainda mais do que a maioria
dos prognósticos.
09 set 2013
La Cancha Infame
Víctor Jara, sobre quem já falamos aqui, lançou, em 1972, um álbum chamado La Población. Como o título indica, suas músicas
todas têm a ver com diferentes episódios relacionados às ocupações de terrenos que davam origem a essas comunidades
marginalizadas das grandes cidades chilenas. La cancha infame
Parte I: Os Inícios (extras)
Parte II: O Encapuzado (extras)
Parte III: Amor no Estádio Nacional (extras)
Parte IV: Aqueles que disseram não (extras)
Parte V: Depois do Estádio Nacional (extras)
Parte VI: Quem não esteve lá
Mas o disco era mais que uma peça artística: também tinha um quê de documentário. Cada canção tomou como base entrevistas
realizadas pelo próprio Víctor com os pobladores, usando de suas experiências para compor um panorama do local, de suas origens
e de seus momentos relevantes.
Herminda de la Victoria faz alusão a uma bebê de colo vitimada pelos tiros perdidos dos carabineiros, durante uma ocupação
ocorrida em 16 de março de 1967, na comuna santiaguina de Cerro Navia. Herminda, nome da criança, acabou se tornando o nome
da novapoblación – ao qual foi acrescido um “de la Victoria”, referindo-se à conquista dos habitantes do local, que conseguiram
regularizar sua situação e se estabelecerem como donos da terra.
Herminda de la Victoria
murió sin haber luchado
derecho se fue a la gloria
con el pecho atravesado
Las balas de los mandados
mataron a la inocente
lloraban madres y hermanos
en el medio de la gente
Hermanos se hicieron todos
hermanos en la desgracia
peleando contra los lobos
peleando por una casa
Herminda de la Victoria
nació en el medio del barro
creció como mariposa
en un terreno tomado
Hicimos la población
y han llovido tres inviernos
Herminda del corazón
guardaremos tu recuerdo
1comentário
1. 1# Impedimento.org » La cancha infame (extras): They Dance Alone, de Sting
Escreveu em 10 de setembro de 2013 às 7:30
[...] não (extras) Parte V: Depois do Estádio Nacional (extras) Parte VI: Quem não esteve lá (extras) Parte Final: Os [...]
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