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    Revista NERA Presidente Prudente Ano 14, n. 18 pp. 79-105 Jan-jun./2011

    Amaznia: a urgncia e necessidade da construo de polticas eprticas educacionais inter/multiculturais

    Srgio Roberto Moraes CorraDoutorando em Cincias Sociais pelo Programa de Ps-Graduao em Cincias Sociais da

    Universidade Federal de Campina Grande (PPGCS-UFCG)Professor do Dept. de Educao Especializada da Universidade do Estado do ParE-mail: [email protected]

    Salomo Antnio Mufarrej HageDoutor em Educao pela Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo

    Professor do Instituto de Cincias da Educao da Universidade Federal do ParE-mail: [email protected]

    Resumo

    O artigo analisa a realidade educacional e social mais ampla do campo no estado do Par,

    relacionando e considerando os processos e dinmicas sociais, polticos, econmicos, culturaise ambientais da multiterritorialidade rural amaznica. Seu contedo evidencia singularidadesprodutivas, ambientais e socioculturais da Amaznia, e apresenta referncias para a elaboraoe implementao de polticas e prticas educacionais pautadas pela convivncia e o dilogoentre as diferentes culturas, buscando enfrentar as hierarquias e desigualdades de classe,gnero, raa, etnia existentes na regio e na sociedade.

    Palavras-chave: Educao do campo, educao na Amaznia, polticas educacionais,diversidade cultural, desenvolvimento social.

    Resumen

    Amazonia: la urgencia y necesidad de construccin de polticas yprcticas inter/multiculturales

    El artculo analiza la realidad educacional y social ms amplia del campo en el estado de Par,relacionando y considerando los procesos y dinmicas sociales polticas, econmicas,culturales y ambientales de la multiterritorialidad rural amaznica. Su contenido evidenciasingularidades productivas, ambientales y socio culturales de la Amazonia, y presentareferencias para la elaboracin e implementacin de polticas y prcticas educacionalespautadas por la convivencia y el dilogo entre las diferentes culturas, buscando enfrentar lasjerarquas y desigualdades de clase, gnero, raza, etnia existentes en la regin y en lasociedad.

    Palabras claves: Educacin del campo, educacin en la Amazonia, polticas educacionales,diversidad cultural, desarrollo social.

    Abstract

    The urgency and necessity to develop educational policies and inter/multiculturalpractices in the Amazon

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    By considering the dynamic processes of relations among social, political, economic, culturaland environmental aspects of multi-territoriality, this article analyzes rural educational and socialreality in the state of Par, Brazil. It analyzes the singularities of productive, environmental andsocio-cultural relationships in the Amazon and it presents references to the development andimplementation of educational policies and practices guided by coexistence and dialoguebetween different cultures. The study seeks to confront the hierarchies and inequalities of class,

    gender, race, ethnicity that exist in the region, not to mention wider society.

    Keywords:Rural education, education in Amazon, educational policy, cultural diversity, socialdevelopment.

    Introduo

    Como pensar a educao e a escola do campo de nosso prprio lugar, da Amaznia?Que polticas e prticas educacionais formular e efetivar que tenham a nossa cara, o nosso jeitode ser, de sentir, de agir e de viver Amaznico? E como considerar o contexto nacional einternacional e ao mesmo tempo afirmar as identidades culturais da Amaznia?

    Esse artigo se coloca a ousadia de problematizar esses questionamentos,fundamentando sua argumentao nos resultados dos estudos que temos realizado no mbitodo Grupo de Estudo e Pesquisa em Educao do Campo na Amaznia - GEPERUAZ,vinculado ao Instituto de Cincias da Educao da UFPA; que focam a realidade educacional esocial mais ampla e complexa das populaes do campo no Par/Amaznia. Esses estudostm fortalecido os nossos compromissos com a construo e efetivao de polticas e prticaseducacionais que busquem a melhoria da qualidade da educao, numa perspectivaemancipatria, garantindo o direito de aprender das crianas, adolescentes, jovens e adultos docampo da Amaznia Paraense e a permanecer no prprio local em que vivem com dignidadehumana e social.

    Para iniciar o debate sobre a elaborao e implementao de polticas e prticaseducacionais que afirmem as identidades culturais prprias de nossa regio, consideramos

    oportuno, num primeiro momento, uma reflexo sobre a Amaznia no contexto atual,focalizando os aspectos significativos da heterogeneidade produtiva, ambiental e scio-culturale territorial da Amaznia; num segundo momento, apresentamos algumas proposies pararepensar as polticas e prticas educacionais na regio e, por fim, tecemos as palavras finais.

    Amaznia e suas multifaces: a necessidade de um outro olhar terico e de novaspolticas sociais/educao

    A Amaznica brasileira, tomando como referncia a Amaznia Legal1, constitudapelos Estados do Acre, Amap, Amazonas, Par, Rondnia, Roraima, Tocantins e o ocidente

    do Estado do Maranho e o norte do Estado do Mato Grosso, abarcando e totalizando, assim,aproximadamente, 60% do territrio brasileiro, 5,1 milhes de Km! (MEIRELES FILHO, 2004).Vale destacar que essa Amaznia possu mais de 11.000 km de fronteiras internacionais e1.482 km de costa, aproximadamente, cerca de 1/5 da costa brasileira e 150 km de largura noterritrio brasileiro (BECKER, 2006).

    1No existe um conceito nico para se definir a Regio Amaznica. Ela possu vrias denominaes: (O EspaoAmaznico, 1997, p. 23).

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    importante considerar que essa regio se situa no espao amaznico Sul-Americanoou Amaznia Internacional, ou ainda, Pan-Amaznia, que representa 1/20 da superfcieterrestre do planeta, 2/5 da Amrica do Sul e 3/5 do Brasil. Essa Amaznia sul-americanacompreende: Brasil, Peru, Colmbia, Equador, Venezuela, Bolvia, Guina, Guina Francesa eSuriname, sendo sua rea total de 6,5 milhes de Km!. Essa poro contm 1/5 dadisponibilidade de gua doce do mundo, mais de 1/3 das reservas mundiais de florestas

    tropicais e 3,5 milsimo da populao mundial.Na Amaznia brasileira, sua demografia populacional, consoante ao ltimo Censo do

    Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE, 2000), da ordem de mais de 21 milhesde habitantes, apresentando no espao rural um nmero de 6.712.137 e no urbano 14.344,343habitantes. Com isso, o espao urbano dessa regio beira os 70%.

    No tocante a esse processo de exploso demogrfica, dois aspectos devem serregistrados. Primeiro, isso se deveu, no se pode deixar de considerar, a um contexto histricoparticular, expresso durante o governo do regime militar (1964-1985), por meio dos grandesprojetos para regio, alavancado e expandido, desordenadamente a ocupao socioespacial eo fenmeno de urbanizao precria ou excludente, assumindo o processo imigratrio emigratrio papel importante nesse processo de desenvolvimento de modernizaoconservadora.

    Num segundo aspecto, o rgo de pesquisa do IBGE, com base na antiga premissa dopermetro urbano, leva em considerao como espao urbano as sedes municipais (cidades)e distritos (vilas) que, em sua grande parte, apresentam fortes caractersticas rurais einteraes com o mundo rural, principalmente em se tratando da regio amaznica.

    A despeito disso, Veiga (2003, p. 31) assina e adverte que,

    O entendimento do processo de urbanizao do Brasil atrapalhado por umaregra muito peculiar, que nica no mundo. Este Pas considera urbana todasede de municpio (cidade) e de distrito (vila), seja quais forem suascaracterstica. [...] De um total de 5.507 sedes de municpio existentes em 2000,havia 1.176 com menos de 2 mil habitantes, 3.887 com menos de 10 mil, e4.642 com menos de 20 mil, todas com estatuto legal de cidade idntico ao que atribudo aos inconfundveis ncleos que formam as regies metropolitanas,

    ou que constituem em evidentes centros urbanos regionais. E todas as pessoasque residem em sedes, inclusive em nfimas sedes distritais, so oficialmentecontadas como urbanas, alimentando esse disparate segundo o qual o grau deurbanizao do Brasil teria atingido 81,2% em 2000.

    A despeito desse segundo aspecto, relevante considerar que essa premissa dopermetro urbano se constituiu como uma idia imaginria e autoritria criada durante oEstado-Novodo governo Getlio Vargas, atravs do Decreto Lei 311 de 1938, segundo o qualcria e legitima uma dicotomia entre espao urbano e rural, concebendo o primeiro comohorizonte de modernidade e de desenvolvimento, ao passo que o segundo, um espao deatraso e de inferioridade, conformando, assim, uma relao desigual e de excluso, que vai sesomar s outras formas de desigualdade e de excluso, como as regionais (CORRA, 2007;

    VEIGA, 2003).Esse decreto institucionalizava, de forma, jurdico-poltico e ideologicamente oordenamento territorial brasileiro com base na onda industrialista-urbana de desenvolvimento ede modernizao do mundo ocidental, reforando e ampliando, portanto, a lgica colonialista dereproduo e de subjugao ao receiturio eurocntrico de relao de produo capitalista e deproduo de conhecimento ocidental (CORRA, 2007).

    Desta feita, importante ter ressalva diante do conjunto de critrios que compem ametodologia desse instituto, a fim de no se incorrer a polticas pblicas equivocadas ealienadas e ao risco de um suposto discurso derradeiro do rural, corroborado no conceito de

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    urbanizao extensiva, e de um ufanismo urbanocntrico da Amaznia, considerando-a,apressadamente, como floresta urbana (BECKER, 2006). Na anlise de algumas entidades(CONDRAF, 2006) e de alguns estudiosos (VEIGA, 2003), a sociedade brasileira mais ruraldo que se imagina.

    A Amaznia apresenta como uma de suas caractersticas fundamentais aheterogeneidade. No mbito desse artigo, na impossibilidade de tratar de todos os aspectos

    que configuram essa heterogeneidade, focalizamos apenas as singularidades relacionadas aoterreno ambiental, sociocultural, produtivo e territorial da regio, com a expectativa de queessas especificidades sejam apresentadas e problematizadas nos processos e espaos deelaborao e implementao de polticas e propostas educacionais para a regio,particularmente para o tempo-socioespacial do campo na sua bio e socioculturaldiversidade.

    Tempo-e-espaoso entendidos aqui como

    construes socioculturais e mentais pelo ser humano em contextos histricosparticulares, que envolvem relaes de poder. Com essa compreenso, importante considerar a existncia de uma temporalidade hegemnica forjadapelas relaes de produo capitalistas, que, ao modificarem o espao,produzem a territorializao do capital na sua forma material e simblica.Todavia, existem outras temporalidades e territorialidades, que so produzidaspor diversos sujeitos como forma de expressar e manifestar seus modos devida prprios em resistncia a essa lgica hegemnica. Por isso, importantereconhecer e afirmar a existncia na regio amaznica, no campo, no terrenodessa diversidade, temporalidades e territorialidades ou multiterritorialidades.(CORRA, 2007, p. 18).

    A biodiversidade amaznica

    No tocante heterogeneidade ambiental, a Amaznia constituda por um conjunto deecossistemas, que vo dos florestais aos no-florestais, tecendo complexas e ricas teias debiodiversidade (MEIRELES, 2004). A regio possui a maior rea preservada de floresta tropical

    do planeta e de diversidade biolgica, com 250 milhes de hectares de floresta, onde estoestocadas, aproximadamente, 14 bilhes de m" de madeira comercializvel2 e possvelencontrar cerca de 30 milhes de espcies vegetais e animais do pas. A existncia de plantasmedicinais, aromticas, alimentcias, corantes, oleaginosas e fibrosas; e de 67% dosmamferos, 59% das aves e 32% dos anfbios registrados no pas, so destaques marcantes desua biodiversidade; e quando consideramos os primatas (macacos e micos), nela podemosencontrar 76% das espcies do Brasil.

    Parte significativa de toda essa biodiversidade desconhecida de grande parte dacomunidade cientifica e da humanidade, contudo, muitas das plantas medicinais, j somilenarmente usadas pelas populaes tradicionais da Amaznia e graas a estas populaes,as instituies de pesquisa tica ou levianamente vem descobrindo esse diverso e grandiosopotencial do patrimnio natural amaznico.

    No tocante a essa biodiversidade amaznica, h trs questes a serem destacadas. Nolimiar dessa nova revoluo cientfico-tecnolgica e com ela a corrida pelo mapeamentogentico e pela biotecnologia, as florestas amaznicas assumem papel estratgico nageopoltica econmica e cultural mundial, posto seu potencial de gs carbnico e dediversidade biolgica, que se constituem num imenso mapa gentico entre flora e fauna, ainda,

    2Em apenas um hectare de floresta, podemos encontrar de 100 a 300 espcies diferentes de rvores, porm suasrazes so pouco profundas. A alimentao que recebem vem de uma espcie de tapete composto por galhos secos,frutos, folhas e animais mortos, que constituem o hmus. http://www.amazonlife/conteudo.

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    em grande medida, por ser descoberto, para o estudo, aprofundamento e desenvolvimento dabiotecnologia.

    Carlos Gonalves, ao fazer estudo na sociedade brasileira sobre a questo agrria naatualidade, assinala que vivemos um novo momento ideolgico da revoluo verde. Ela est,agora, sob o manto da nova biotecnologia, que laboratorialmente produzida peloslaboratrios que, cada vez mais so menos pblicos, pois seguem os padres do mercado.

    Para ele, isso vai na contramo das biotecnologias que foram e so tecidas no campo pelosdiferentes povos, que se constituem como pblicas. Esse vem sendo o modelo de expropriaressas populaes originrias do campo da regio amaznica e os saberes de seus recursosnaturais, atravs das vrias empresas internacionais farmacolgicas.

    Isso est diretamente associado ao que vem se denominando de mercado da vidaquev na biodiversidade da floresta amaznica a mais recente e sutil forma de territorializar oterritrio do capital3e emplacar e fortalecer esse novo discurso de desenvolvimento sustentvelde forma conservadora, que reserva a diversidade biolgica para cincia e tecnologia domercado, excluindo as populaes que vm convivendo a milnios com ela (CORRA, 2007,p. 220). Da a necessidade de se erigir um esprito crtico sobre os discursos deresponsabilidade social e ambiental do grande capital.

    Diretamente relacionada a essa questo, est a biopirataria que atravessa fronteiras,

    usando tecnologias fortemente sofisticadas, para desbrav-la e conquist-la no sentido(neo)colonizador, patenteando o conhecimento e fortalecendo e enriquecendo essesmegaconglomerados laboratoriais e farmacuticos multinacionais e empresas de cosmticos,por meio da privatizao e comercializao do conhecimento.

    Jos Arbex Jr. (2005), em seu artigo intitulado Terra sem povo, crime sem castigo:Pouco ou nada sabemos de concreto sobre a Amaznia, identifica a biopirataria como umadas cinco grandes reas de atuao do crime organizado na Amaznia brasileira. Ela envolvedoleiros, banqueiros, polticos, empresrios e comerciantes respeitados, em suas comunidades,em todo o Brasil no atendimento ou transferncia de recurso gentico e/ou conhecimentotradicional associado biodiversidade sem a expressa autorizao do Estado de onde foiextrado o recurso, ou da comunidade tradicional que desenvolveu e manteve determinadoconhecimento ao longo dos tempos. Por isso, se falar, tambm, no mercado do conhecimento

    das populaes tradicionais presente nessa geopoltica cultural e econmica do mercadoglobalizado(CORRA, 2007).A biopirataria, indicada por Arbex Jr. como o terceiro negcio ilegal mais lucrativo do

    mundo, perdendo somente para o de armas e o de drogas, movimenta, anualmente, algo emtorno de 60 bilhes de dlares. Somente em 2003, ela teria faturado cerca de 16 milhes dedlares por dia na Amaznia, por intermdio do trfico de animais e de outros tipos de material.Inusitadamente, a biopirataria de forma eventual, conta com a participao de instituiesoficiais de pesquisas e universidades, como concluiu, em 2003, o relatrio de 161 pginas deuma comisso parlamentar de inqurito (CPI) da Cmara dos Deputados sobre trfico deplantas e animais silvestres.4

    Na mira dessa floresta est, ainda, o mercado do arou crdito de carbonoou, ainda, oque se chama de seqestro de carbono (BECKER, 2006), que colocado na agenda global

    como questo vital. Esse mercado do carbono o financiamento pelos pases desenvolvidos epelos organismos internacionais de projetos de conservao e preservao de florestastropicais na Amaznia brasileira, para se controlar e reduzir o aquecimento global.

    3 Territrio concebido, aqui, numa perspectiva relacional e integradora. Essa abordagem permite conceber oterritrio nas suas vrias dimenses (poltica, econmica, social e simblico-cultural) e nas suas vrias escalas (local,regional, nacional e global). (CORRA, 2007).4 A CPI, criada em setembro de 2002, ouviu depoimentos de 112 cientistas, especialistas, pesquisadores erepresentantes de instituies de vrios Estados brasileiros. (45- 46).

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    Essa poltica do mercado do ar precisa ser vista com cautela, posto a fora domercado, dos pases desenvolvidos e dos organismos de fomentointernacionais que se impem sobre essas regies. Ai pode residir ummecanismo dissimulador para que esses pases desenvolvidos continuemproduzindo em larga escala e usem essas regies como vlvula de escape, afim de amenizar a crise de seu modelo de desenvolvimento e passar a imagemdo capitalismo para o mundo como possvel de desenvolver atividadesprodutivas ecologias. Isto o discurso do capitalismo limpo ou ecolgico, quetraz consigo a revigorao da revoluo verde sob o manto de um discursoecolgico conservador. (CORRA, 2007, p. 221).

    A regio amaznica possui, ainda, a maior bacia hidrogrfica do mundo. O maiorreservatrio de gua doce existente no planeta Terra, com uma extenso de 4,8 milhes deKm!, que representa cerca de 17% de toda a gua lquida e 70% da gua doce do planeta. Agrande maioria dos rios amaznicos navegvel, so vinte mil quilmetros de via fluvial quepode servir ao transporte em qualquer poca do ano, e, alm disso, abrigam cerca de 1.700espcies de peixes5, alm de outras espcies que compem a diversidade biolgica marinha dachamada Amaznia Azul, ainda, tambm pouco conhecida, mas j cobiada e em constanteexplorao.

    Aqui, reside outra questo de suma importncia, o chamado mercado da gua ouHidronegcio. Esse mercado vem ganhando cada vez mais fora na Amaznia, haja vista seupotencial e a geopoltica da guerra pela gua que um novo aspecto que toma relevncia nomundo contemporneo. Os conflitos de uso pelos recursos naturais inscrevem bem esse novomapa dos conflitos de uso e de significao do territrio (CORRA, 2007).

    Esse potencial hdrico visto pelo grande capital como um enorme potencialenergtico para alimentar a explorao, a extrao e produo da cadeiadiversa de minrios pelas indstrias de eletrointensivos. Aqui, os projetos dasgrandes barragens so colocados na ordem do dia pelo grande capital local,regional, nacional e global. Mas, esse mercado , tambm, cobiado por outrasatividades produtivas, como as grandes empresas de gua mineral e de

    abastecimento de gua e de tratamento de esgoto, criadas com a privatizao.(CORRA, 2007, 222).

    A Amaznia apresenta um grande potencial de riquezas minerais. No Estado do Par,encontra-se a maior provncia mineralgica do planeta, com uma quantidade e diversidadegrandiosas e riqussimas de minrios (Ferro, cobre, bauxita, caulim, cassiterita, mangans etc).Dados oficiais do Departamento Nacional de Produo Mineral (DNPM) sobre os Processos deMinerao na Amaznia, informam um total de 41.681 processos de minerao; 527concesses de lavra em vigor; 6.478 autorizaes de pesquisa em andamento; e 432concesses de lavra garimpeira (DNPM, 2006). As empresas Multinacionais so detentoras dequase todas as concesses de explorao mineral na regio e existe a possibilidade de que aexplorao mineral de ferro em Carajs pela Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), previstapara 800 anos, reduza para 100 anos (PINTO, 2007).

    A diversidade sociocultural

    No que concerne heterogeneidade sociocultural, a Amaznia marcada por umaampla diversidade sociocultural, composta por populaes que vivem no espao urbano e rural,

    5http://www.amazonlife/conteudo, acesso em setembro de 2004.

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    habitando um elevado nmero de povoados, pequenas e mdias cidades e algumasmetrpoles, que, em sua maioria, possuem poucas condies para atender s necessidadesdessas populaes, por apresentarem infra-estrutura precria e no dispor de serviosessenciais e direitos bsicos, sobretudo na territorialidade do campo.

    Entre essas populaes, que habitam a regio, encontram-se indgenas, quilombolas,caboclas ribeirinhas e da floresta, sem-terra, assentadas, pescadores, camponesas, posseiras,

    migrantes, oriundas, especialmente, das regies nordeste e do centro-sul do pas, entre outraspopulaes.

    Apopulao indgenada Amaznia estimada em 226 mil habitantes, sendo que aindah cinqenta grupos de ndios que no foram contactados; e em toda a Amaznia o nmero deidiomas chega a 250, enquanto que no trecho brasileiro da mata, sobrevivem 140 lnguas. NoBrasil, de acordo com os estudos de Arbex Jr. (2005), a populao indgena pouco mais de1% da populao brasileira, no entanto, este 1% dispe de 11% do territrio nacional. NoAmazonas, 21% do Estado so de terras indgenas; no Par, 20%, e em Roraima, 58%. Essasreas indgenas constituem na Amaznia um conjunto maior que Portugal, Espanha, Alemanha,Blgica e Majorca. importante registrar que s recentemente esses povos conseguiram econquistaram o direito demarcao e reconhecimento de seus territrios, por meio daConstituio Brasileira de 1988. No entanto, a materializao dessa conquista e

    reconhecimento legal esbarra na arcaica e dramtica burocratizao do Estado e na questofundiria brasileira e regional, particularmente, no Estado do Par.

    Como parte fundante e integrante dessa diversidade e matriz cultural amaznica, estoe encontram-se os povos africanos. Eles contriburam com a formao cultural da Amaznia aodisseminar suas danas, culinria, manifestaes religiosas, entre outras. Eles vieram para aregio provindos de Guin-bissau, Cachu e Angola, na condio de escravos para o cultivo dacana-de-acar e de outras atividades produtivas. Sua vinda oportunizou a povoao de muitasvilas e lugarejos ao longo da bacia amaznica.

    Apesar de no existirem dados conclusivos sobre o trfico de africanos para o Gro-Par, Guzmn (2006) ajuda a evidenciar a importncia da contribuio desses povos para aAmaznia, ao apresentar dados em seus estudos que so reveladores das propores dapopulao escrava trazida para a regio, na segunda metade e final do sculo XVIII, era

    pombalina, os quais nos informam que no Maranho, de um total de 78.860 pessoas, havia34.680 escravos(as), e no Gro-Par, do total de 80.000 pessoas, 18.944 eram negros enegras africanos e seus descendentes tambm escravos e escravas.

    Na atualidade, no tocante s populaes quilombolas, segundo dados da CoordenaoNacional das Comunidades Rurais Quilombolas (Conaq), estima-se que existam,aproximadamente cerca de mil comunidades quilombolas na Amaznia. Destas, 335 no Estadodo Par e 535 no Maranho.

    No que se refere s populaes caboclas ribeirinhas, Gonalves (2006, p. 154),assinala:

    O caboclo ribeirinho , sem dvida, o mais caracterstico personagemamaznico. Em suas prticas, esto presentes as culturas mais diversas quevm dos mais diferentes povos indgenas, do imigrante portugus, de migrantesnordestinos e de populaes negras. Habitando as vrzeas, desenvolveu todoum saber na convivncia com os rios e com a floresta. A pesca uma dasatividades de seu complexo cultural. [...] O interessante que essesamaznidas tm uma viso e uma prtica nas quais solo, floresta e rio seapresentam como interligados, um dependendo do outro, dos quais todo ummodo de vida e de produo foi sendo tecido, combinando essas diferentespartes dos ecossistemas com agricultura, o extrativismo e a pesca. Soprodutores polivalentes.

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    Samuel Benchimol (1985)6, ao abordar as contribuies dos vrios grupos sociais noprocesso de formao cultural da Amaznia Brasileira, revela que a formao das identidadesculturais da Amaznia muito complexa, pois aos saberes, valores e modos de vida indgenas,inicialmente predominantes na regio, foram impostos outros padres de referncias advindosdos colonizadores europeus, dentre os quais destacam-se: portugueses, espanhis, franceses,holandeses, ingleses. Essa matriz cultural amaznica constituda, ainda, por razes das

    populaes asiticas, japonesas, populaes orientais, os judeus e srio-libaneses, e imigrantesnordestinos e de outras regies brasileiras, alm da matriz, mais recente, norte-americana.

    relevante, todavia, assinalar que esse processo de formao cultural da Amaznicarevela uma forte hibridizaona constituio e conformao das suas populaes e de suasidentidades poltico-culturais, a qual se deu (e vem-se dando), desde o processo colonial, deforma conflitual e desigual, fundando uma matriz cultural hibrida (CORRA, 2007, p. 180),sendo o paradigma de racionalidade eurocntrico e de produo capitalista hegemnicos,produtor e difusor de uma poltica cultural conservadora, fundamentalmente excludente.

    A cultura, como produo humana e social e como modo de existir de umpovo/grupo social, faz-se e refaz-se num campo conflitual, no qual as relaesde poder expressam as foras scio-polticas em disputa. Essas relaes se

    do de forma desigual, onde determinados grupos/classes tm mais poder paraimpor e levar a frente seus interesses. Nesse sentido, o processo dehibridizaono pode ser entendido, ipso facto,como algo harmnico, mas simconflitual, pois quem hibrida quem? Quais os interesses nesse processo dehibridao? Como dizia o velho Marx, as idias dominantes de uma poca so,ainda, as idias da classe dominante de uma sociedade, que no podem serentendidas como meras reprodues mecnicas, mas forjadas no conflito e nosconfrontos de interesses (CORRA, 2007, p. 180).

    Isso possibilita reafirmar a luta contra o mito da Amaznia como natureza imaginria,segundo o qual a Amaznia no passa de uma selva, despida e apartada da cultura, no qualreside e impera a representao e imaginrio social de confundir suas populaes com anatureza, isto , selvagens que, portanto, precisam ser civilizadas, por meio do mundo

    racionalista europeu e do iderio teolgico-poltico. Esse foi um dos estratagemas dedominao desse paradigma racionalista eurocntrico e, tambm, teolgico. Esse mito redefinido e revigorado com a nova onda conservadora da revoluo verde, que defende odesenvolvimento sustentvel excluindo as populaes originrias de seus seculares territrios ede sua relao histrico-cultural com a natureza, por meio do discurso e do paradigma de reasprotegidas(DIEGUES, 2000).

    Toda essa ddiva da natureza amaznica, segundo Arbex Jr. (2005), tem moldado aatitude da comunidade internacional e a dos prprios brasileiros em relao regio,suscitando dois modos distintos e complementares de agir na contemporaneidade: de um lado,o maravilhamento em face do paraso, do celeiro do mundo, que tem como exemploemblemtico o radicalismo de determinadas entidades ambientalistas de defesa da Amaznia,que lutam pela preservao intocada de um santurio natural; e de outro, a ao colonizadora,

    que numa perspectiva extremada, se materializa atravs da fria das madeireiras eexploradores das riquezas naturais, que pouco se importam com os impactos ecolgicos eculturais resultantes de suas atividades predatrias (Idem, p. 24-25)

    Interpretaes dessa natureza encontravam-se na base do processo de colonizao daregio, empreendido por portugueses, espanhis, franceses, ingleses e holandeses, que desdeos sculos XVII e XVIII, vm transplantando e impondo os valores e smbolos da culturaeuropia s sociedades originrias da Amaznia, levando a um processo de hibridizao que

    6www.tropicologia.org.br/conferencia/ 1985grupos_culturais.html . Acesso em 23 de setembro de 2004.

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    se concretiza pela via da submisso e do conflito, sobrepondo ou integrando esses valores esmbolos eurocntricos cultura de origem.

    De fato, a viso que os colonizadores tinham de que o Brasil era um grande sistemaecolgico natural, um territrio maravilhoso, regio de riquezas infindveis, uma ordemnatural que expressava a vontade de Deus; mas tambm, um pas habitado por canibais ebestas indomveis, seres primitivos que corporificam a fora da natureza em oposio

    civilizao; continua a moldar a viso de uma grande parcela de brasileiros/as e de outrasnaes sobre a Amaznia, constituindo-se num dos principais obstculos compreenso dosprincipais conflitos e desafios que envolvem essa regio na atualidade, sobretudo aqueles queenvolvem a questo scio-cultural, educacional e econmica de seu desenvolvimento (ARBEX,2005, p. 18).

    Por isso, a necessidade de construes de concepes, prticas e polticaseducacionais inter/multiculturais, que recoloquem e reconheam o valor dessas populaesamaznicas como protagonistas, na conjugao e dilogo com outros povos, para edificao denovos paradigmas de educao e de desenvolvimento do campo e de sociedade no Par, naregio e no Brasil.

    Nessa linha de horizonte, Boaventura de Sousa Santos (2003, p. 12), ao fazer aluso perspectiva do Multiculturalismo Emancipatrio, faz referncia a duas questes centrais: a

    relao entre igualdade e diferenas, que denomina de poltica de igualdade e poltica dediferena, que apontam tanto para emergncia e reconhecimento dessas populaes comosujeitos do processo emancipatrio, quanto para a contraposio ao MulticulturalismoConservador.

    A diversidade produtiva

    No que concerne sua heterogeneidade produtiva, a Amaznia apresenta umaestrutura bastante complexa e muito diferente de outras regies do pas, uma vez que existem,em um mesmo espao, de forma contraditria e conflitual, atividades econmicas de basefamiliar, cooperadas e solidrias, que envolvem tecnologias simples7, e processos de produo

    capitalistas, em larga escala, caracterizados por mdios e grandes empreendimentos que usamsofisticadas e complexas tecnologias, desenhando, assim, uma matriz geogrfica conflitual deuso e de significado do territrio e dos recursos naturais, expressa em lgicas e prticasdiferentes e opostas.

    Toda essa complexidade se materializa, envolvendo, numa perspectiva especfica dogrande capital, Grandes Projetos de explorao e exportao mineral por grandes empresasnacionais e multinacionais, dentre elas a Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), aALBRAS/ALUNORTE, a Minerao Rio do Norte, a Camargo Corra, e ALUMAR do Maranho,etc8. Assentadas numa plataforma cientfico-tecnolgica, essas as atividades produtivas, emlarga escala, vm ampliando o seu potencial de produo, de mercado, sobretudo externo, e deastronmico volume de lucros, como a CVRD, que recentemente comprou a multinacionalcanadense Inco, segunda maior mineradora do mundo. Essas empresas contam, ainda, com

    volumosos incentivos ficais do Estado.Exemplo disso que esses megaempreendimentos minerais exploram, alm dessepotencial mineral da regio, o seu potencial energtico e hdrico. Maior ilustrao disso e,tambm, Grande Projeto, a Usina Hidreltrica de Tucuru (UHT), no municpio de Tucuru,

    7CASTRO, M. da C. A, 2002.8Ver sobre os Grande Projetos na Amaznia MONTEIRO, Alcidema (et al, 1997) e Becker, Bertha (1998).

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    Estado Par, planejada geopoltica e economicamente para atender, principalmente, essesmegaempreendimentos minero-metalrgicos.9

    Cabe registrar aqui os impactos grandiosos e danosos socioculturais, econmicos eambientais que esses megaprojetos j causaram, poluindo rios e comprometendo a vida e asobrevivncia das populaes locais. A barragem de Tucuru, por exemplo, causou impactosalarmantes, desestruturando os modos de vida de populaes indgenas, quilombolas,

    ribeirinhas, camponesas, precarizando mais ainda suas condies de produzir e reproduzir suaexistncia material e simblico-cultural (CORRA, 2007).

    Essa situao deve ser tomada como aprendizado para que no sejam cometidasatrocidades dessa natureza movidas pela insensatez e insensibilidade, haja vista o plano,dentro do Programa de Acelerao do Crescimento(PAC), de construo de vrias barragensao longo dos rios Araguaia, Tocantins e Xing, dentre elas a construo de Belo Monte, que bem maior do que a de Tucuru e, se construda, ser a segunda maior do mundo. Como parte,ainda, do PAC e dentro da poltica dos Eixos Nacionais de Integrao e Desenvolvimento(ENIDs) do governo federal, existe o projeto da hidrovia Araguaia-Tocantins, cujos estudos,segundo Novaes (2002), mostram srios problemas scio-ambientais. Isso expressa bem aterritorializao do capitalpara/na e sobrea regio amaznica.

    No seio dessa matriz e lgica produtiva, encontram-se trs Eixos Produtivos

    concntricos: a extrao e explorao madeireira, a pecuria extensiva, e, maisrecentemente, a existncia do agronegcio, com a produo de gros, especialmente a soja,que expandem a fronteira agropecuarista na regio amaznica.

    Nesse contexto recente de expanso dessas fronteiras produtivas para regioamaznica, a extrao predatria de espcies de madeira de alto valor comercial, como mogno,cedro entre outras espcies, pelas indstrias madeireiras, tm aumentado a presso sobre afloresta e sobre as populaes que nela vivem. Mais de 90% dessas atividades de extraomadeireira na regio se fazem de forma predatria e ilegal, figuradas em empresas noreconhecidas e falsificadoras de documentos de explorao florestal e da fora humana detrabalho. Essa explorao predatria est diretamente articulada, tambm, a siderurgia, umavez que grande quantidade de madeira extrada, como apontam os dados, para alimentar deenergia essas empresas, por meio do carvo vegetal, extremamente poluidor do meio ambiente

    e prejudicial socialmente, pois submete as populaes locais a condies exploratrias eindignas de vida e de trabalho, inclusive crianas e jovens, que se inscrevem dentro do trabalhoescravo (CORRA, 2007).

    As madeireiras, para Arbex Jr (2005, p, 36-37), constituem uma outra grande rea deatuao do crime organizado na Amaznia brasileira, envolvendo praticantes de extrao e docomrcio ilegal de madeira nativa. Esse autor identifica alm das madeireiras e dabiopirataria, como reas de atuao do crime organizado na Amaznia brasileira mais trs: afinanceira, que envolve grupos locais, associados s redes e operaes de fraudes financeirase prticas lesivas ao Tesouro Nacional, incluindo a evaso de divisas ; Narcotrfico, queenvolve mfias que promovem o trfico de drogas proibidas por lei, como maconha e cocana,muito mais como transportadores do que como centros produtores (caso de Colmbia, Bolvia ePeru); eAtividades Associadas, que envolveformas de comrcio ilegal que vive do e para o

    crime organizado, eventualmente praticado por bandos locais: trfico de armas, pedraspreciosas, material destinado indstria de alta tecnologia (incluindo nuclear), explorao daprostituio, trabalho escravo, comrcio de carros roubados, roubo de carga de caminhes.(ARBEX, 2005, p. 36- 37).

    9 Essa UHT foi planejada e criada no perodo do regime militar, na onda do modelo desenvolvimentista. Essabarragem criou um lago artificial de 2.830 km!. Essa barragem a 4 maior do mundo, sendo o 2 maior vertedourode gua por m"/s. (CORRA, 2007).

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    Nessa mesma perspectiva, sob o ponto de vista daqueles que vem na Amazniaapenas como uma grande oportunidade de ganhar bilhes de dlares, 82% do total da madeiraextrada da regio e comercializada no mundo so ilegais, provocando um prejuzo florestaincomensurvel, que ocorre de forma gradativa e cada vez mais destrutiva. Entre agosto de2001 e agosto de 2002, foram desmatados 25.500 km!de floresta (o equivalente a 5 milhes decampos de futebol, ou rea ocupada pelo Estado de Sergipe). No ano seguinte, o ritmo caiu

    um pouco, para 23.000 km!. Grande parte do estrago causada pela ao de pelo menos3.000 madeireiras, cerca de 80% ilegais (principalmente no comrcio do mogno)10, e agravadopela ao de pecuaristas, no processo de grilagem das terras para confirmar suas posses.

    curioso notar e ao mesmo tempo deveria incitar a nossa reflexo, o fato de que temocorrido um aprimoramento no conjunto de tcnicas de desmatamento medida que o tempovai passando, contribuindo significativamente para o aceleramento do processo de devastaopredatria da floresta, pois os estudos de Valverde (1980) nos indicam, que machado e foice,seis lenhadores levam de seis a oito dias para derrubar 1 ha da mata de terra firme (conforme oporte da mesma), mas, com motosserra, um homem derruba 1 ha em dois dias. Com ocorrento, uma equipe de cinco homens pode derrubar de 40 a 50 ha de mata em um s dia. E,usando desfolhante qumico, um piloto de avio (do tipo Ipanema) pode destruir cerca de 100ha de floresta em meio dia de trabalho (VALVERDE, 1980, p. 41).

    Como prtica produtiva interligada, nessa rede predatria e criminosa, apresenta-se apecuria extensiva. Geralmente, aps a rea desmatada, essa rea se transforma empastagem de grande propriedade, que serve para aumentar o latifndio e se tornar em imvelespeculativo. Dados do IBGE apontam o municpio de So Felix do Xingu, no Par, como oterceiro maior rebanho de gado do pas, com 1,2 milho de cabeas de gado. Esse mesmoInstituto aponta que o rebanho bovino, no perodo de 1990-2004, cresceu 169,2%. Cabe, ainda,considerar a grande quantidade de gua usada para o tratamento da carne. Para cada kg decarne, gasta-se, aproximadamente 115 litros de gua. Alem disso, nesse tratamento, despejada uma grande quantidade de gs txico que contribui decisivamente para aumento doaquecimento global.

    No que concerne expanso da soja, a rea de plantao dela nos estados deRoraima, Rondnia, Amazonas, Par e Tocantins aumentou em 65% na safra de 2003/2004 em

    comparao safra anterior (GREENPEACE, 2004). Os Movimentos Sociais Populares doCampo (DOCUMENTO, 2006) identificam e evidenciam como medida de derrota do governofederal a liberao do plantio e comercializao da soja transgnica, por medida provisria,atravessando todo o processo de estudos ambientais. Uma outra medida de derrota infere: Ogoverno no teve nenhum controle sobre o avano da lavoura de soja e algodo para reas daAmaznia e do Cerrado, que podem trazer graves conseqncias ambientais para o futuro.

    Esses eixos produtivos so apontados pelos estudiosos como os principais causadoresdo desflorestamento acelerado e predatrio na Amaznia. Dados mais recentes do Imazon(Instituto do Homem e do Meio Ambiente) apontam um percentual da perda da coberturavegetal de 20%, alcanando uma rea de 700 mil km!(IMAZON, 2006). As queimadas tm seampliado assustadoramente. Segundo estudos da Embrapa atravs de Monitoramento porSatlites, que tomam como base os dados fornecidos pelo Satlite NOAA-AVHRR, captados

    pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), no perodo de 2005, foram detectados naregio um nmero de 161.374 mil focos de queimadas, 80% do total brasileiro. No poracaso, que o Par e Mato Grosso, junto com outros estados, constituem o chamado arco dofogo e do desmatamentona regio.

    10Dados divulgados pela organizao Greenpeace informam que o metro cbico de mogno serrado vale hoje, emmdia, 7.200 reais no mercado internacional, mas custa apenas 25 reais na floresta.

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    Isso tem reduzido e comprometido, demasiadamente, a diversidade biolgica, oequilbrio dos ecossistemas e os modos de vida e de trabalho, a sobrevivnciae permanncia das populaes do campo, como indgenas, quilombolas,camponesas, ribeirinhas, posseiras, povos da floresta etc. Ao desmatar,queimar e depredar uma dada e larga rea de floresta, deixando-a esgotadapara alimentar o puro e mero interesse econmico, o consumo do mercado,essas frentes de expanso se deslocam, rpida e vorazmente, para outrosterritrios, onde, ainda, existam espcies lucrativas, fazendo o movimento deterritorializao, desterritorializao e reterritorializao, conforme atemporalidade do capital, do lucro. (CORRA, 2007, p. 233).

    Uma outra medida apontada como problemtica pelos Movimentos Sociais do Campoem relao poltica ambiental do governo federal foi: a iniciativa tomada pelo governo decriar uma lei que arrenda florestas nacionais em reas pblicas para as empresas explorarem amadeira (DOCUMENTO, 2006).

    Esses eixos de atividades produtivas tm como um dos seus mecanismos fundamentais,de um lado, a prtica da grilagem, falsificao de documentos de terras pblicas, devolutas; deoutro, a invasode terras das populaes mencionadas, levando ao aumento da concentraode terras nas mos desses grandes grupos econmicos e polticos dominantes e a

    intensificao dos conflitos agrrios, da depredao dos recursos naturais, da excluso e dadesigualdade.

    Como conseqncia, expande-se e redefini-se a cartografia da territorialidade dosconflitos agrrios na regio (CORRA, 2007). Dados mais recente sobre o Conflito no Campono Brasil e na Amaznia, conforme Relatrio Anual da Comisso Pastoral da Terra (CPT,2005), apresentam a seguinte cartografia:

    CONFLITOS NO CAMPO: AMAZNIA, 2001-2005Ocorrncia 2001 2002 2003 2004 2005Conflitos 315 431 770 658 868

    Assassinatos 14 26 57 20 24Pessoas

    envolvidas96.170 198.591 452.300 243.854 386.358

    Hectares 1.851.433 2.640.997 2.846.251 3.805.533 10.505.813

    A partir desse quadro, temos a oportunidade de visualizar a dramaticidade daproblemtica do conflito agrrio que se perpetua na sociedade brasileira e, em particular eacentuadamente, na territorialidade do campo da Amaznia. De 2002-2005, tem-se um tempoem ascendncia na escala do conflito, exceto no ano de 2004 com uma leve reduo,encontrando nos anos de 2003 e 2005 seu pice. No tocante ao nmero de assassinatos e depessoas envolvidas em conflitos, o ano de 2003 alcanou o topo. A quantidade de terras em2005, em litgio, vai para mais de 90% do nvel nacional.

    Ao analisar esses conflitos, Ariovaldo Umbelino de Oliveira (2006) destaca a tristecartografia agrria da regio Amaznica, especialmente no Estado do Par, denominando-ocomo territrio do centro nacional da barbrie no campo. Desde 2003, o Ministrio PblicoFederal elaborou um relatrio que evidencia uma rede de crimes no Par, na qual estoenvolvidos polticos e empresrios. Este relatrio revela o nvel de organizao, que comprovaas relaes entre empresrios da indstria madeireira, grileiros e fazendeiros na formao dotriunvirato da grilagem de terras e de disseminao da violncia no Estado do Par, os quaisvm sendo denominados pelo Frum Nacional pela Reforma Agrria e Justia no Campo deagro-banditismo.

    Em todos os casos mencionados, esses grandes empreendimentos tm produzidoriqueza para fora e para poucos, num processo que ao fortalecer o padro de desenvolvimento

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    competitivo, racionalista, produtivista e consumista capitalista; amplia as desigualdades sociaise os impactos ambientais em larga escala na regio amaznica, levando desestruturao demodos de vida e de trabalho das populaes tradicionais, de suas formas de produo edesenvolvimento prprios de seus territrios.

    Esses trs eixos produtivos desse modelo de desenvolvimento territorial

    hegemnico, portanto, funcionam e formam juntos uma grande frente dearticulao de expanso poltico-econmica e sociocultural que, junto com asdemais atividades citadas, anteriormente, como o mercado de carbono, omercado da vida, o mercado do conhecimento, o mercado da gua e o mercadodo minrio, expressam essa territorializao do capital feita a custa dadesterritorializaodas populaes locais do campo na regio, como os povosatingidos por barragem, e da mercadorizao e da destruio da natureza. Essacartografia dramtica da Amaznia faz recolocar a atualidade da grandemsica-potica Saga da Amazniade Vital Farias como horizonte problemticoe imperioso para construo de formas de sociabilidades alternativas paraAmaznia. urgente a construo de novos caminhos, paradigmas, posto quea crise de modelo de sociedade e de conhecimento. (CORRA, 2007, p. 235).

    Esse modelo de desenvolvimento o grande responsvel pelo quadro social deexcluso e desigualdade na regio amaznica e no Estado do Par. Conforme indicadoressocioeconmicos do Instituto Nacional de Altos Estudos (Inae) e do Instituto de PesquisaEconmica Aplicada (Ipea), datados de 1997, afirmam que a regio Norte considerada amais pobre do Pas, os pobres representam 42% de toda populao Norte (Inae/Ipea, 1997apud PINTO, 1997, p. 07). O Relatrio de Desenvolvimento Humano, divulgado pelaOrganizao das Naes Unidas no ano de 2003, destaca que: a regio Norte do pas foi anica rea onde a pobreza aumentou desde o incio da dcada de 1990. Isso bemreferenciado no campo, haja vista as condies bsicas e direitos elementares para vida queso negados a essas populaes.

    Numa perspectiva contraditria, a agricultura familiar tambm se faz efetivamentepresente na Amaznia, representada no perodo mais recente por um contingente de 750 mil

    pequenos agricultores, que no cultivo da roa envolvem todos os componentes da famlia nagarantia da subsistncia. Esse segmento representa 85,4% do total de estabelecimentos ruraisda regio, os quais ocupam 37,5% do total da rea regional, produzindo 58,3% do valor brutoda produo agropecuria na regio, mesmo recebendo somente 38,6% do financiamentoaplicado na Amaznia, tomando como referncia a safra do ano 1995/96.11

    Esses dados de produtividade explicitados contrapem-se s interpretaestendenciosas e bastante divulgadas sobre os sistemas de produo agrcola dos pequenos(as)produtores(as) amaznidas, que se assentam, sob uma tica preconceituosa e depreciativa dasidentidades desses grupos sociais e de suas contribuies para a economia regional.

    Brondzio (2006), em seus estudos sobre os sistemas produtivos de caboclos e colonos,nos ajuda a entender que os produtores de pequena escala na Amaznia compartilham de umacondio de invisibilidade econmica e social, alimentada em parte, por essas formaspreconceituosas utilizadas pelas agncias de desenvolvimento nacionais e internacionais e aprpria academia na interpretao de seus sistemas de produo. Tais interpretaesnegligenciam o entendimento de que os padres de uso da terra desses grupos baseiam-se naco-existncia de atividades intensivas e extensivas que, simultaneamente, minimizam risco,garantindo a consolidao das propriedades rurais, bem como a expanso das atividadesvoltadas para o mercado. Elas ocultam que os caboclos e os colonos desenvolvem umaagricultura ativamente engajada na economia regional, responsabilizando-se pelo fornecimento

    11MDA. 2002.

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    de alimentos s populaes urbanas e rurais, mesmo compartilhando da falta de suporteeconmico, poltico e infra-estrutural, que tem sido proporcionado ao agronegcio, voltado paraa exportao.

    As populaes tradicionais amaznidas12 desenvolveram as suas matrizes histrico-culturais em ntimo contato com o meio ambiente, com a natureza, adequando os seus modosde vida s peculiaridades regionais e oportunidades econmicas oferecidas pela floresta,

    vrzea e rio, deles retirando atravs de atividades extrativistas, da roa, da caa e da pesca, osrecursos materiais de sua subsistncia. As prticas de cultivo desses grupos no impedem ofuncionamento do sistema regenerativo da floresta e o impacto dos mesmos no ultrapassamos impactos provocados pelos distrbios naturais de pequena escala em tamanho, durao efreqncia.

    No bojo dessas mltiplas atividades desenvolvidas por essas populaes, notria aforte relao entre o tempo social e o tempo individualentrecruzados como tempo da natureza(CASTRO, 1999), ou seja, essas populaes sustentam-se nos saberes sobre o tempo, asmars, os igaraps, a terra, a mata, o perodo de desova das espcies e o perodo de chuva esol, para explicar suas prticas sociais, tcnicas e racionalidade produtiva.

    A respeito disso, Diegues (2003 apud CASTRO, 1999, p. 137) explica que:

    Um aspecto relevante na definio de culturas tradicionais a existncia desistemas de manejo dos recursos naturais, marcado pelo respeito aos ciclos danatureza e pela sua explorao, observando-se a capacidade de reproduodas espcies de animais e plantas utilizadas. Esse sistema no visa somente explorao econmica dos recursos naturais, mas revela a existncia de umconjunto complexo de conhecimentos adquiridos pela tradio herdada dosmais velhos.

    Cabe, nesse sentido, assinalar que, parte grande dessas populaes do campo daAmaznia, acumula e desenvolve saberes e prticas sobre os variados ecossistemas, fato quelhes confere conhecimentos e habilidades diversos e plurais acerca do complexo roa-mata-rio-igarap-quintal. Isto implica dizer que as relaes sociais de produo se desdobram de modocomplementar ou combinado, ou seja, as atividades produtivas da agricultura, da pesca, do

    extrativismo, da caa e da criao so desenvolvidas combinadas ciclicamente, e estodiretamente relacionadas ao tempo-espao da natureza, objetivando ampliar as condiessociais produtivas de subsistncia dessas comunidades (CORRA, 2007, p. 200).

    Vemos assim a urgncia de se reconhecer a existncia desses mltiplos processos detrabalho na regio amaznica, porque esta diversa e multicultural, Isto , no existe umaAmaznia e uma nica lgica de trabalho mercadolgica hegemnica, mas diversas amazniase diversas lgicas de relaes sociais de produo, como o caso expresso pelos modos devida dessas populaes, que esto na invisibilidade e que gestam uma economia invisvelpautada por outros valores. Isso coloca o desafio de visibilizar essas populaes invisveis, queesto no abismo-oprimido-invisvelpara construo de novos paradigmas(CORRA, 2007).

    (...) Se reconhecermos essa fantstica diversidade emprica de sociedades

    (tradicionais) e, portanto, de processos de trabalho, constitudas diferentementeem pocas diversas, teremos de constatar o quanto a noo trabalho deveincorporar esse mltiplo, complexo da ao humana sobre o territrio. (...) Aindaque existam representaes simblicas e mticas que perpassem as diferentesformas de organizar o trabalho, cada uma delas defronta-se com ascapacidades e os limites dos saberes e dos interesses de cada grupo, de suas

    12Conforme estudos de CONCEIO e MANESCHY (2002, p. 148), O conceito de populaes tradicionais refere-se a grupos sociais tpicos da regio ribeirinho, caboclo, pescador, vaqueiro, seringueiro, coletor de castanha,marreteiro, regato etc..

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    formas de agir sobre o territrio e de se apropriar de recursos de acordo compadres de seletividade pertinentes a cada grupo (CASTRO, 1999 apudCORRA , 2005 p. 136).

    Consideramos tico, portanto, de um lado, reconhecer a importncia dessas populaespara a preservao da sociobiodiversidade e para construo de um modelo de

    desenvolvimento territorial sustentvel e solidrio da Amaznia; de outro, denunciar ascondies de excluso a que esto submetidas essas populaes pelo poder pblico. Elas emsi, no so, de modo algum, a causa dos impactos, mas, as vitimas mais afetadas pela aopredatria de grandes empresascapitalistas, que, em larga escala e sob o poderio cientfico-tecnolgico e econmico-poltico, vm provocando a desestruturao social, cultural,econmica dessas populaes e a destruio dos recursos naturais.

    De fato, o processo de (neo)colonizao em curso tem sido marcado pela apropriaoprivada da terra e dos recursos naturais e pela violncia contra as populaes indgenas,caboclas, quilombolas, posseiras, sem-terra, assentadas etc, mediante a excluso do trabalho edo direito de produzir a vida, a cultura, identidade e a histria dessas populaes, ou seja,mediante a excluso de sua humanidade intrnseca, que, segundo Arbex Jr (2005), ocorreexatamente aos moldes como, sculos antes, portugueses e espanhis ignoraram os direitos

    dos povos originrios da Amaznia, ou como ocorreu no sculo XIX por ocasio da instalaode um Estado judeu na Palestina. Pode-se dizer que se perpetua uma dispora amaznica(Idem, p. 31).

    De fato, ainda no incio de sculo XXI, segundo Francisco Oliveira (2005), so essascomplexidades evidenciadas, que envolvem a grandeza e a abundncia com que a naturezadotou essa regio, que fazem com que a Amaznia continue sendo importante tema de debatesem escala nacional e mundial, onde a modernidade, expressa por uma Zona Franca deManaus, contrasta com a presena de civilizaes indgenas (em geral, violentadas); com agrilagem dos maiores latifndios que a histria da humanidade j presenciou; com a luta muitas vezes mortal dos posseiros, colonos e retirantes pela terra; com a beleza das matas ea sua destruio criminosa; com a guerra entre as empresas de minerao e os garimpeiros,indgenas, quilombolas. A histria desses contrastes marca profundamente a formao

    territorial da Amaznia e eles tm entre si um elo comum: a rapidez com que os gruposeconmicos se apoderam das riquezas naturais dessa imensa regio (Idem, p. 60-61)No entanto, interessante ressaltar que esse mesmo processo de (neo)colonizao,

    contraditoriamente, tem engendrado e fortalecido a utopia camponesa da conquista da terraliberta, encontrando-se, portanto, na raiz histrica tanto da implantao e expanso doagronegcio na fronteira, como do surgimento e fortalecimento dos movimentos populares deluta pelo acesso terra que a histria lhes tinha negado. Isso fortalece a tese de que: H umaAmaznia da mata e h uma Amaznia desmatada. (...) H uma Amaznia que mata. H umaAmaznia que resiste, que r-existe (GONALVES, 2005, p. 10).

    No dizer de Oliveira (2005), o processo de colonizao em questo ao mesmo tempo,enquanto uma estratgia utilizada pelas elites para evitar a reforma agrria nas regies deocupao antiga e suprir de mo-de-obra seus projetos econmicos na fronteira; incita ostrabalhadores do campo a romper com o processo de expropriao a que esto submetidos,buscado, a todo custo, a reconquista da terra para o trabalho da famlia.

    Situaes como essa e as demais, que procuramos evidenciar ao longo do texto deforma resumida, so expresses da complexidade e antagonismo que permeiam as relaes depoder entre grupos, populaes e movimentos sociais e se manifestam nas disputas pelahegemonia de projetos sociais especficos e variados; em que est em jogo a afirmao deidentidades culturais prprias e as estratgias diferenciadas de uso dos territrios e dosrecursos naturais existentes na Regio.

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    Nesse cenrio, emergem os embates entre vrias foras que disputam o controle sobrea Amaznia e acreditam ter o que dizer sobre o seu destino, entre as quais, Arbex Jr (2005)identifica mais facilmente: As naes originrias, grupos de presso e ONGs a elas associados (incluindo

    missionrios religiosos, brasileiros e estrangeiros), que reclamam os seus direitos e ademarcao de suas terras;

    Ambientalistas genunos, que de fato se preocupam com a preservao do equilbrioambiental e amam a regio por aquilo que ela , e no por aquilo que pode representar emtermos de rapina e investimentos;

    Setores nacionalistas das Foras Armadas brasileiras, que denunciam as presses pelainternacionalizao da Amaznia, incluindo as misses religiosas que se colocam ao ladodos indgenas na reivindicao pela demarcao de terras e territrios;

    Empresas transnacionais e nacionais, incluindo madeireiras, farmacuticas, mineradorasetc., que enxergam na Amaznia um espao a ser explorado;

    Empresas vinculadas ao agronegcio, em particular explorao da soja e outrasmonoculturas de exportao;

    Governos internacionais, particularmente dos Estados Unidos, Japo e europeus , quej manifestaram publicamente sua vontade de ver a Amaznia internacionalizada, seja pela

    eventual venda do territrio em troca da dvida externa, seja por ocupao militar; Governo brasileiro, que proclama sua vontade de combater as queimadas e as atividades

    predatrias, mas se prova incapaz de aplicar uma estratgia realista.Para Arbex Jr (Ibid., 2005), o locus onde as disputas intensas entre essas foras

    acabam adquirindo os seus contornos e contedos mais visveis na atualidade, a mdia, queno entendimento desse autor, tem se configurado no campo de batalha por excelncia, ondeum jogo muito sofisticado e elaborado se desencadeia, no qual muitas vezes difcil at mesmoidentificar o articulador de determinado discurso, e mais ainda, seus propsitos reais. Esse jogotem imposto Amaznia o desafio de encontrar-se numa encruzilhada histrica, num momentosingular que pode decidir o seu futuro, e que de certa forma, sintetiza o drama colocado paratoda a nao: ou bem reafirma a sua soberania e volta-se para as necessidades reais daspopulaes locais, integradas a um projeto de desenvolvimento nacional sustentvel, ou bem

    reafirma a prioridade dos interesses das elites associadas ao capital estrangeiro, e alienada emrelao prpria nao (Idem, 50-57).Se, de um lado, esse um territrio de luta, o das mdias, de que no se pode

    prescindir, visto sua importncia para se construir uma hegemonia, contudo, novos horizontesalternativos de sociabilidade no podem ser desconsiderados, como as experincias que vmse dando concretamente na territorialidade do campo da Amaznia, protagonizada por diversossujeitos coletivos, como os movimentos sociais populares do campo, dos povos indgenas,quilombolas, ribeirinhos, da floreta, das quebradeiras de coco-baba, que se recolocam numcenrio amaznico para lutar pelo reconhecimento de seus territrios e pela afirmao materiale simblica dos seus modos de vida, demarcando uma cartografia de novas territorialidades deesperana e de contestao ao modelo de desenvolvimento dominante.

    Nessa mesma direo, de forma mais especfica e diferenciada, o Movimento dos

    Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), O Movimento dos Atingidos por Barragem (MAB), oMovimento dos Pequenos Agricultores (MPA), o Movimento das Mulheres do Campo (MMC), aFederao dos Trabalhadores da Agricultura (FETAGRI), a Federao dos Trabalhadores daAgricultura Familiar (FETRAF), a Associao Regional das Casas Familiares Rurais do Par(ARCAFAR/PA), entre outros, tambm, vm demarcando um momento do campo no Estado doPar singular e de impacto na sua estrutura agrria e no questionamento ao uso e significadodo territrio e dos recursos naturais de forma predatria, reivindicando um novo jeito de olhar eproduzir a existncia e a relao com a natureza.

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    Na sua luta pela terra, pela gua, pela floresta, pela direito ao trabalho e vida, essessujeitos constroem e pe em ao uma pedagogia do movimento, onde residem as razes daesperana de novos horizontes e novos paradigmas de sociabilidade. Esses mesmos sujeitosajudam a entrelaar e fortalecer os fios da grande rede que vem sendo formada atravs doMovimento Por uma Educao do Campo, que tem no Frum Paraense de educao doCamposua expresso mais significativa de organizao e mobilizao pela construo de um

    projeto popular de desenvolvimento e de sociedade.O Frum Paraense de Educao do Campo aglutina entidades da sociedade civil,

    movimentos sociais, instituies de ensino, pesquisa, rgos governamentais de fomento aodesenvolvimento e da rea educacional da sociedade paraense, que compartilhando princpios,valores e concepes poltico-pedaggicas buscam defender, implementar, apoiar e fortalecerpolticas pblicas, estratgias e experincias de educao do campo e desenvolvimento ruralcom qualidade scio-ambiental para todos/as os/as cidados/s paraenses, sobretudo para aspopulaes do campo, aqui entendidas como: agricultores/as familiares, indgenas,quilombolas, extrativistas, ribeirinhos e pescadores. (FPECDR, 2004)

    Entre os marcos importantes da caminhada do Frum, com vistas consolidao doMovimento Paraense por uma Educao do Campo, so destaques o I, o II e o III SeminrioEstadual de Educao do Campo e I Seminrio Estadual de Juventude do Campo, realizados

    respectivamente, na UFRA em fevereiro de 2004, no Seminrio Pio X, em junho de 2005, e osdois ltimos tambm no Seminrio Pio X, em junho de 2007, reunindo cada um desses eventosmais de 600 participantes envolvidos com a Educao do Campo em nosso Estado.

    A realizao desses eventos tem reunido e mobilizado um nmero cada vez maisabrangente de sujeitos, instituies pblicas, movimentos sociais e entidades no-governamentais nos processos de definio e implementao de polticas e prticaseducacionais sintonizadas com a realidade do campo, constituindo-se em espaos em que semanifestam depoimentos, insatisfaes, aspiraes e reivindicaes com relao educaoque se deseja ver concretizada nas escolas do campo; e se evidencia o protagonismo deeducadores e educandos, gestores, lderes de comunidades rurais, sindicalistas, assentados,agricultores e agricultoras, ribeirinhos, quilombolas e indgenas de nosso Estado.

    Amaznia e suas singularidades: matrizes referenciais para construo depolticas e prticas educacionais

    A encruzilhada histrica que tem sido imposta Amaznia requer de todos ns umposicionamento explicito a favor da construo de polticas e prticas educacionais pautadaspelos interesses e necessidades reais das populaes que vivem na regio, vinculadas a umprojeto de desenvolvimento territorial sustentvel que reafirme a soberania da regio e do pas.Em nosso entendimento, essa uma condio bsica para que as populaes da Amazniatenham garantido o direito a uma educao pblica de qualidade e a presena do Estado nagarantia desse direito absolutamente indispensvel.

    Nosso interesse em explicitar de forma detalhada, na parte inicial do artigo, a

    diversidade e complexidade que envolvem os aspectos scio-culturais e espaciais, ambientais eprodutivos da Amaznia, dando visibilidade dinmica e s tenses em que as populaes emovimentos sociais existentes no meio rural esto inseridos, especialmente, seus interesses,suas lutas, paradoxos e intencionalidades; move-se pela inteno de afirmar que essasespecificidades constituem o material por excelncia que deve referenciar os processos deformulao e implementao de polticas e prticas educacionais para a regio, quandoassumimos a tarefa de pensar e de propor polticas e prticas educacionais do lugar dossujeitos e populaes da Amaznia.

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    Diante de situaes existenciais to ricas que compem o manancial de saberes,experincias e tecnologias produzidas pelas populaes da regio e, em especial do meio rural, inadmissvel que as polticas e prticas educacionais vigentes continuem a ser planejadas ematerializadas desconsiderando essas especificidades existenciais que constituem os modosde existir prprios da Amaznia.

    No cotidiano de suas relaes sociais de existncia, as populaes da Amaznia

    vivenciam situaes peculiares nas relaes produtivas; enfrentam singularidades nos diversosambientes em que vivem; e possuem um conjunto de crenas, valores, smbolos, e saberes quese constroem/reconstroem nas prticas de formao pessoal e coletiva, na vivncia econvivncia nos vrios espaos sociais em que participam. Por esse motivo, todos, semexceo: professores, estudantes, pais e mes, membros das comunidades e representantesde movimentos e organizaes sociais, podem e devem ser envolvidos na construo coletivadas polticas e prticas educacionais a serem efetivadas na regio. Eles, definitivamente, tmmuito a dizer, a ensinar e aprender nesse processo que deve ser materializado come pelaaparticipao dos sujeitos, das populaes e movimentos sociais e no para eles, comotradicionalmente tem ocorrido.

    Assim, destacamos a necessidade de que os processos e espaos de construodessas polticas e prticas se pautem por uma perspectiva de educao emancipatria que

    inter-relacione os diversos sujeitos, saberes e intencionalidades, superando a predominncia deuma educao bancria e afirmando seu carter inter/multicultural, ao oportunizar aconvivncia e o dilogo entre as diferentes culturas, etnias, raas, gneros, geraes,territrios, e particular, entre o campo e a cidade.

    Isso s ser possvel, se forem reconhecidas e legitimadas na sociedade e nos espaoseducativos as experincias scio-culturais, produtivas e educativas que vm sendo produzidase efetivadas na territorialidade do campo da Amaznia, protagonizadas pelos diversos sujeitos,populaes, movimentos e organizaes sociais da regio. Na agenda desses sujeitoscoletivos, algumas questes tm sido pautadas:- a incluso da educao do campo no mbito dos direitos sociais, ressaltando que o

    direito educao no se separa da pluralidade de direitos humanos que precisam sergarantidos e ampliados: o direito terra, vida, cultura, identidade, alimentao,

    moradia, etc., o que implica dizer, que o direito educao no se materializa apenas nocampo da conscincia poltica, mas se atrela com a produo/ reproduo mais elementar davida.- a ampliao da esfera pblica com o objetivo de fortalecer o espao de interao entre

    Estado e Sociedade na perspectiva de democratizao do Estado e da prpria sociedade.Nesse processo, a participao social se torna mais efetiva na construo de polticas pblicase o controle social tem mais chances de se materializar e enfrentar a vulnerabilidade dasescolas e das populaes do campo, que muitas vezes encontram-se merc dasconvenincias dos grupos dominantes de poder local. A democratizao dos espaos pblicosse coloca como desafio para garantia e ampliao dos direitos e da efetividade de umacidadania ativa e democracia participativa.- o fortalecimento da conscincia coletiva e cidad, seja no Estado, na academia, nas

    organizaes e movimentos sociais ou no campo educacional, em favor da construo depolticas e prticas educativas que sejam capazes de enfrentar as desigualdades histricassofridas pelos povos do campo e subverter o padro universalista e generalista que inspirapredominantemente as polticas educacionais vigentes e no tem dado conta de universalizar odireito educao dos povos do campo.- a transgresso viso hegemnica que projeta a cidade como o ideal dedesenvolvimento e o rural como a permanncia do atraso, implicando na elaborao depolticas e prticas educacionais que afirmem a compreenso de campo como espao de vida,

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    trabalho e de novas relaes com a natureza, de produo e reproduo da existncia social ehumana com dignidade e sustentabilidade.

    Essas questes nos remetem necessidade de redimensionar os indicadores dereferncia que tm hegemonicamente orientado as polticas e prticas educacionais vigentes, edeterminam os rumos de implementao dessas polticas e prticas sob a gide da relaocusto/benefcio, inspirados em parmetros mercadolgicos, competitivos, empreendedores e de

    excelncia com vistas empregabilidadee aquisio do capital culturalque assegure lugar dedestaque nos Rankings nacionais e internacionais existentes.

    Os ndices estatsticos, matria prima que alimenta esses rankings, resultantes deavaliaes de carter quantitativistas e generalizantes que tm (in)vadido o sistemaeducacional brasileiro e mundial no perodo mais recente, no tm produzido outro resultado,seno atestar o estado de falncia que enfrenta a educao pblica no pas, ao evidenciar quemilhares de crianas, adolescentes, jovens e adultos tm acesso escola, mas, por sua prpriaincapacidade, fracassam, so reprovados, abandonam a escola porque supostamente noaprendem e, por isso, no tero acesso a um patrimnio cultural que pode fazer muitadiferena em suas trajetrias pessoais.

    Esses exames, em ltima instncia, terminam por ratificar as desigualdades scio-educacionais, atravs de pretensas assimetrias cognitivas, atribuindo s classes populares, e

    dentre elas, s populaes do campo da Amaznia, seu lugar de subalterno no mundo trabalhoe nas relaes sociais; acirrando ainda mais o histrico apartheid culturalque mantm no pasum profundo fosso entre os que tm, podem, sabem, so e os que no tm, no podem, nosabem, no so.

    A compreenso desse processo tem motivado diversos atores institucionais e no-institucionais de diferentes esferas, incluindo aqueles que atuam no campo educacional, aapresentar intervenes propositivas que permitam vislumbrar a sua desconstruo e nospermitam ver a escola pblica brasileira do lugar da produo de saberes, da incluso social eda construo identitria; em outros termos, a realizar uma leitura que permita identificar,mapear, analisar e socializar experincias de instituies escolares e/ou educacionais queesto no contraponto da imagem sombria que os dados estatsticos insistem em refletir edifundir.

    No mbito dessas intervenes propositivas, outros referenciais so requeridos paraorientar indicadores de polticas e prticas educacionais, que oportunizem a compreenso dacomplexidade dos fenmenos educacionais e escolares e a reinveno das concepes,prticas e processos educativos, especialmente da instituio escolar, capazes de transgredir homogeneizao, (re)produo de modelos, hierarquizao, ressignificando a qualidade daescola pblica sob outras bases.

    Para fortalecer o debate sobre a elaborao desses novos referenciais, apresentamos aseguir, algumas idias-mestra propositivas que julgamos relevantes, e, por conseguintenecessrias a serem consideradas nos processos de elaborao e efetivao de polticas eprticas educacionais, quando assumimos a inteno de construir uma cultura polticademocrtica participante, reconhecer e afirmar diversidades e pluralidades nas escolas daterritorialidade do campo da Amaznia paraense.

    1. Matriz tico-poltica: As polticas e as prticas educativas devem assumir um papel polticoe sociocultural no horizonte da formao humana em seu sentido integral e complexo e daconstruo de novas formas de sociabilidades, que apontem para reconstruo de valores ede relaes sociais assentadas e orientadas pela autonomia, liberdade, igualdade,solidariedade, justia, respeito e reconhecimento s diferenas, responsabilidade epreservao ambiental. urgente afirmar o debate tico e poltico na sociedade e, particularmente, na educao,demarcando seus territrios contraditrios e conflitivos para enfrentar o que a sociedade

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    capitalista contempornea vem imprimindo de forma conservadora e com muita astcia:uma lgica material e simblica de narcisismo, individualismo, competitividade econsumismo sobre o ser humano e as relaes sociais, que expande e intensifica a noodo ser para si e por si, restringindo-se e fundando-se na premissa da formao para omercado de trabalho, deslocando e rebaixando a formao humana a treino,adestramento, alienao e despolitizao da histria, conforme nos adverte Freire

    (1996), pois transformar a experincia educativa em puro treinamento tcnico amesquinhar o que h de fundamentalmente humano no exerccio educativo: o seu fazerformador.

    Cientes dessa problemtica, as polticas e prticas educativas a serem construdaspara o campo na Amaznia devem comprometer-se com a formao de protagonistasqualificados, capazes de decidir os rumos da regio, do pas e do mundo de formaautnoma e emancipatria, uma formao, que no entendimento de Alder Calado (2005),seja omnilateral, exercida ininterruptamente nas vrias dimenses do desenvolvimentohumano, de modo a tomar em conta a partir do cho das relaes do cotidiano, diferenteslimites e possibilidades dos humanos, sob o ponto de vista das relaes culturais, detrabalho, de gnero, de espacialidade, de etnia, de idade ou de gerao, as relaes com anatureza, as relaes com o sagrado... Formao que, passando tambm pela Escola, vai

    muito alm dela, at porque acompanha o dia-dia de seus protagonistas, ao longo do cursode sua vida.

    2. Matriz democrtico-participativa: As polticas e as prticas educativas devem seconstituir enquanto territrios de construo de uma nova cultura poltica e de formao denovos sujeitos polticos, tendo em vista a formao de uma cidadania ativa e ofortalecimento da esfera pblica, que ajude a erguer, solidamente uma sociedadedemocrtica com justia participativa e justia distributiva (CHAU, 2006). Os interessesda iniciativa privada tm pautado hegemonicamente a orientao do Estado, reproduzindo ereforando uma cultura poltica conservadora e assistencialista, clientelista e paternalista,que centra a poltica e o poder na esfera do institudo, de cima para baixo, fragilizando eobscurecendo a relao entre Estado sociedade civil e a garantia e ampliao dos direitos

    do conjunto da sociedade, particularmente das populaes do campo e das periferiasurbanas, reforando e configurando, assim, um quadro de relaes de poder desiguais e deapartheid socioespacial.

    A educao, seguindo esses mesmos interesses, em grande medida, tem restringidoo processo de aprendizagem e de formao aos valores e padres societrios doindividualismo, da competitividade, do mrito e do status pessoal na estrutura social,subordinando e confinando o papel da escola lgica das relaes de mercado comoespelho do sucesso, colocando de lado, a responsabilidade com o ensino-aprendizagem naperspectiva da formao crtico-reflexiva dos sujeitos.

    Para o enfrentamento dessa problemtica urgente a ampliao da esfera pblicacom o objetivo de fortalecer o espao de interao entre Estado e Sociedade Civil, econseqentemente, a democracia participativa e cidadania ativa. Nesse processo, a

    participao, o protagonismo e o controle social do poder pblico constituem-se comocondio e estratgia fundamental para a construo de uma cultura poltica cidad e para agarantia e ampliao dos direitos humanos e sociais.

    Nessa linha crtica de horizonte, as polticas e prticas educativas a seremconstrudas para o campo na Amaznia devem assumir a responsabilidade com a formaodesse novo sujeito crtico, a partir de seu lugar, e, ao mesmo tempo, colocar-se e entender-se como um espao em inter-relao e integrao com outros espaos scio-polticos eculturais, em sua escala local e global, considerando as conflitualidades existentes efortalecendo essa cultura poltica participativa e protagonista na Amaznia e na sociedade;

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    o que significa, pensar e implementar polticas e prticas da educao do campo a partir da(multi)territorialidade amaznica e com a participao ativa do conjunto de seus sujeitos.

    3. Matriz inter/multicultural: As polticas e as prticas educativas devem se alicerar noreconhecimento e na afirmao da diversidade sociocultural, contribuindo com umaformao pautada na convivncia das diferenas e na participao do conjunto de seus

    sujeitos nos rumos de um projeto amaznico de educao e de desenvolvimento territorialinclusivo, sustentvel e solidrio.

    Um dos maiores desafios apresentados para educao do campo na Amaznia pautar na agenda das polticas e prticas educacionais o reconhecimento da suadiversidade sociocultural, racial, tnica, de gnero e a afirmao do protagonismo de suasdiversas populaes nesse processo, criando as bases e ao mesmo tempo, sedimentando oprincpio da alteridadee da diferena como componentes integrantes da formao humana,da convivncia e de um projeto emancipatrio de sociedade, particularmente em se tratandodas populaes rurais amaznicas, que historicamente vm sendo estigmatizadas pelacultura eurocntrica.

    Boaventura Santos (2003) nos ajuda a referenciar esse debate, quando alerta paraas tenses existentes entre distintas formas de multiculturalismo (conservador e

    emancipatrio), que se expressam atravs da articulao entre a poltica de igualdadee apoltica da diferena. Ele se manifesta a favor do multiculturalismo emancipatrio, que seassenta numa tenso dinmica e mais complexa entre a poltica de igualdade e a poltica dadiferena; reconhecendo que as lutas progressistas, operrias e outras, da modernidadeocidental do sculo XX, ao priorizarem o princpio de igualdade centraram nasdiferenciaes de classe, deixando na sombra outras formas de discriminao tnica, deorientao sexual ou de diferena sexual, etria e muitas outras. Essa lacuna promoveu aemergncia de lutas contra essas formas de discriminao, pautando a poltica dadiferena, e evidenciando que a mesma no se resolve somente pela redistribuio, maspor reconhecimento.

    As reflexes de Boaventura nos ajudam a compreender, portanto, que sepretendemos elaborar e efetivar polticas e prticas educativas de carter inter-

    multiculturais, que promovam o dilogo entre as diferentes culturas e evidenciem a igualdignidade de todos os seres humanos, contemplando questes de gnero, raa classe,etnia, entre outras, devemos ter bem claro, a compreenso de inter-multiculturalismo quereferenciar a nossa intencionalidade e, nesse debate, Mclaren (1997) colabora com seusestudos sobre uma Concepo de Educao Multicultural Critica e sua opo peloMulticulturalismo Critico, que compreende a cultura e a democracia numa relao poltica deconflito e no de consenso e, a diferena, como produto da histria, cultura, poder eideologia. A diversidade afirmada dentro de uma poltica de crtica e compromisso com ajustia social e no como uma meta. A resistncia deve levar em considerao umainterveno no conflito social com objetivos de fornecer acesso igualitrio aos recursossociais e transformar as relaes de poder dominantes, que limitam estes acessos devidoaos privilgios de classe, de raa e gnero. As diferenas, dentro da cultura, so definidas

    como diferenas polticas e no apenas como diferenas textuais, lingsticas e formais. Asrelaes de poder estruturais e globais no so ignoradas, ele no abandona o conceito detotalidade e no busca interrogar a diferena como condio retrica, mas visa, sobretudo,intervir criticamente nas relaes de poder que organizam a diferena.

    4. Matriz da economia solidria: As polticas e as prticas educativas devem estarindissociavelmente vinculada ao trabalho como princpio educativo e formativo(ARROYO,1999), o qual tenha como finalidade a dignidade humana e uso responsvel e sustentvel

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    dos recursos naturais, exigindo, com isso, mudanas estruturais nas relaes sociaisvigentes de produo e de trabalho e na relao ser humano-sociedade-educao-natureza.

    Sabemos que as vrias formas existentes de processos de trabalho, com base naorganizao familiar, comunitria, associada e cooperada das populaes ruraisamaznicas, entre elas, a pesca artesanal, a agricultura de subsistncia e familiar, oextrativismo florestal, o artesanato, vm sendo desestruturadas pela imposio da lgica de

    produo produtivista de mercado, que passa a instituir novas representaes eimaginrios, novos valores, prticas e relaes de trabalho exploratrias da fora humanade trabalho e predatria dos recursos naturais, desestruturando os modos de vida dessaspopulaes amaznicas.

    Confrontando essa problemtica, Singer (2001) nos chama ateno para osurgimento de um novo cooperativismo como resposta terrvel crise do mundo do trabalhopela qual passa o pas, por meio do qual, as classes populares excludas vm construindonovas formas de se re-inserir no processo produtivo, conformando uma lgica deautogesto e solidariedade, que se funda na incluso e dignidade humana.

    Nesse cenrio, as polticas e as prticas educativas a serem construdas para ocampo na Amaznia devem ajudar a recolocar o sentido do trabalho em suas vriasdimenses: social, econmica, poltica, cultural, ambiental, tica e educacional que

    promovam a humanizao, socializao e singularizao e busquem a dignidade humana ea convivncia responsvel e solidria entre as pessoas e as populaes da Amaznia eentre essas com a dimenso ambiental, assumindo papel de destaque as relaes sociaisde produo de base cooperada/familiar, que incentivam vivncias de solidariedade econstroem cultura de grupo e de pertencimento.

    5. Matriz ambiental: As polticas e as prticas educativas devem ser fundadas numprocesso de formao humana, que articule indissociavelmente a relao ser humano enatureza contribuindo assim, para a afirmao de valores de conscincia scio-ambiental.De forma predominante, a relao ser humano-natureza tem se pautado por umantropocentrismo desmedido, que concebe os recursos naturais como objetos dedominao, inspirado pela razo instrumental, que confunde, reduz e finda o

    desenvolvimento no crescimento econmico e progresso sem fim, de modo desigual,excludente e predatrio dos recursos naturais (BOFF, 2004; CORRA, 2007). Por outrolado, temos assistido ao fortalecimento de um ecocentrismo, que superpe a natureza, emgrande medida, natureza humana, encontrando-se fundada numa perspectiva biologizantedo Norte, defensora das chamadas reas protegidas, que excluem as populaes humanasde suas comunidades, sustentando um protecionismo conservador, que, em ltimainstncia, termina por beneficiar os grandes grupos econmicos existentes naatualidade.(DIEGUES, 2000).

    Em face dessa problemtica, as polticas e as prticas educativas a seremconstrudas para o campo na Amaznia devem indicar diretrizes e orientaes quecontribuam para assentar a educao do campo em bases slidas, que sejam capazes deconfrontar com essas perspectivas antropocntrica e ecocntrica e, ao mesmo tempo,

    construir um caminho novo e possvel, que concebe a relao ser humano-natureza semdicotomia e sem sobreposio, ao inspirar-se numa relao de dilogo e responsabilidade,onde os aspectos sociais, culturais, polticos, econmicos e ambientais so inseparveis ese fundem numa lgica de sociabilidade comprometida com os excludos.

    Diegues (2000), em seus estudos sobre a problemtica scio-ambiental, explicitacom mais consistncia esse novo caminho, que deve inspirar-se numa perspectiva daetnoconservao, indicando a necessidade de se construir uma nova aliana entre ohomem e a natureza, baseada, na importncia das comunidades tradicionais indgenas eno-indgenas, na conservao das matas e outros ecossistemas presentes nos territrios

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    em que habitam. Esse novo conservacionismo deve estar ancorado na valorizao doconhecimento e da prtica de manejo dessas populaes, implicando na criao de umanova aliana entre os cientistas e os construtores e portadores do conhecimento local, aocompreender que os dois conhecimentos o cientifico e o local so igualmenteimportantes.

    6. Matriz cientfico-tecnolgica: As polticas e as prticas educativas devem apontarcomo um de seus grandes desafios o avano na produo do conhecimento e detecnologias que subsidiem a formao dos sujeitos, das populaes e do desenvolvimentoterritorial da Amaznia com autonomia, igualdade, solidariedade, justia e responsabilidadescio-espacial, econmica, poltica, cultural e ambiental.

    Conforme apresentado no incio desse artigo, a Amaznia a expresso de umgrande contraste e paradoxo, posto que possu riquezas naturais diversas e abundantes eao mesmo tempo abriga em seu territrio um dos maiores bolses de pobreza e deexcluso social, que se expressa, dentre outras formas, atravs da parca produo internade cincia e tecnologia, restrita aos ditames do mercado, que orientam fortemente o pensar,o agir, o sentir e a construo do ser amaznico. Essa situao, fomentada peloproselitismo e arrogncia da cincia euro/nortecntrica, historicamente tem conformado e

    legitimado um processo de (neo)colonizao, que por meio da produo/difuso doconhecimento hegemnico, tem deslegitimado os saberes e as culturas locais da regio.Nesse processo, as escolas vm assumindo sua funo, em grande medida, alheia aodebate da cincia, tecnologia e inovao na Amaznia e no mundo.

    Santos, em seus estudos (2004; 2005), tem nos ajudado a compreender que oparadigma dominante da cincia moderna, que, hegemonicamente orienta o processo deproduo de cincia e tecnologia na regio e nos demais pases do terceiro mundo, est emcrise, por no dar conta de responder aos desafios assumidos pela prpria modernidade:igualdade, fraternidade, liberdade, justia, solidariedade e democracia. Nessa situao,encontra-se em construo um paradigma emergente, com expresso cientfica(conhecimento prudente) e social (vida decente), cujos pressupostos orientadores dessanova forma de conceber a produo do conhecimento e da tecnologia so os seguintes:

    todo o conhecimento cientfico-natural cientfico-social; todo o conhecimento local e total; todo o conhecimento autoconhecimento; e, todo o conhecimentocientfico visa constituir-se em senso comum.

    Nesse cenrio, as polticas e as prticas educativas a serem construdas para ocampo na Amaznia devem indicar a construo de um novo horizonte de produo deconhecimento, que reconhea os saberes e culturas prprias das populaes da Amazniacomo legtimas e vlidas para compreenso do mundo e sua ressignificao, superando asdicotomias e dualidades, ao inspirar-se numa perspectiva inter/transdisciplinar de construir oconhecimento e de formao humana. Nesse processo, a realidade existencial e concretadas populaes do campo da Amaznia e seus modos de vida precisam dialogar com asreferncias de espao-tempo e conhecimento escolar, problematizando os limites de ambasas referncias e criando possibilidades reais de interveno e superao das situaes

    limites.

    7. Matriz de desenvolvimento territorial rural sustentvel: As polticas e as prticaseducativas devem se constituir como parte vital e orgnica de um projeto dedesenvolvimento territorial rural sustentvel, que lance as bases para a construo de novasformas de sociabilidade e convivialidade na Amaznia e na sociedade brasileira, em todasas suas dimenses: scio-espacial