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Parahyba - Paraíba - Brasil Ano 3 - Nº 6 - Março/Abril de 2013 Venda Proibida www.jornalamargem.com.br DIA INTERNACIONAL DA MULHER: MEU GRITO, MINHA REVOLUÇÃO Editorial Sangue sob o prato de feijão » Página 2 Opinião A outra face da escravidão » Página 6 Somos todas Croft » Página 11 A Eterna Re-flexão da Circum-Navegação Sus- tentável » Página 9 Opinião Hugo Chávez e a possibilidade da Lágrima Opinião Desconstruir, Profanar e Provocar o Direito » Páginas 4 e 5 Opinião A Crise no Mali e as Crianças Soldado Alucinações do Passado (Jacob’s Ladder) » Página 12 Um espaço de diálogo e intervenção social » Página 8 “O que significa após tanto tempo ainda GRITARMOS tanto que precisamos de respeito? As respostas a esse questionamento po- dem expressar tantos posicionamentos diferentes que talvez nos revele que não seja uma pergunta a ser respondida, mas um GRITO a ser dado, alto e ressoante, para se fazer ouvir nos quatro cantos do mundo a violência que vivemos por sermos mulheres.” » Páginas 3 e 4 » Página 10 Justiça de Transição e o Espaço Jurídico, Hermenêutico e Institucional: A criação da linha de pesquisa no CCJ/DCJ/UFPB do projeto Ymyrapytã - Ligas da Memória, Verdade e Justiça » Página 7 Apoio PROCAD (Programa Nacional de Cooperação Acadêmica) Espaços Democráticos Emancipadores e Inclusão: modos de efetivação de Direitos Humanos

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6ª edição do Jornal A Margem

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Page 1: AMargem6

Parahyba - Paraíba - Brasil Ano 3 - Nº 6 - Março/Abril de 2013

Venda Proibida www.jornalamargem.com.br

DIA INTERNACIONAL DA MULHER: MEU GRITO, MINHA REVOLUÇÃO

Editorial

Sangue sob o prato de feijão

» Página 2

Opinião

A outra face da escravidão » Página 6

Somos todas Croft » Página 11

A Eterna Re-flexão da Circum-Navegação Sus-tentável

» Página 9

Opinião

Hugo Chávez e a possibilidade da Lágrima

Opinião

Desconstruir, Profanar e Provocar o Direito

» Páginas 4 e 5

Opinião

A Crise no Mali e as Crianças Soldado

Alucinações do Passado (Jacob’s Ladder)

» Página 12

Um espaço de diálogo e intervenção social

» Página 8

“O que significa após tanto tempo ainda GRITARMOS tanto que precisamos de respeito? As respostas a esse questionamento po-dem expressar tantos posicionamentos diferentes que talvez nos revele que não seja uma pergunta a ser respondida, mas um GRITO a ser dado, alto e ressoante, para se fazer ouvir nos quatro cantos do mundo a violência que vivemos por sermos mulheres.”

» Páginas 3 e 4

» Página 10

Justiça de Transição e o Espaço Jurídico, Hermenêutico e Institucional: A criação da linha de pesquisa no CCJ/DCJ/UFPB do projeto Ymyrapytã - Ligas da Memória, Verdade e Justiça

» Página 7

Apoio

PROCAD (Programa Nacional de Cooperação Acadêmica) Espaços Democráticos Emancipadores e Inclusão: modos de efetivação de Direitos Humanos

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Ano 3 ● Nº 6 ● Março/Abril de 2013

Página 2

Bem que as críticas feitas aos médicos grosseiros, desalmados e sanguinários poderiam servir como luvas a alguns profissionais da mídia que se utilizam dos picos de audiência na hora do almoço para faze-rem jorrar sangue nos pratos dos seus espectado-res. Jornalistas ou açougueiros? No vale tudo tele-visivo, mais vale o sangue no chão do que a dignida-de humana.

Sejam estu-pros ou a morte a queima roupa de pessoas, na tele-visão não há mais limites para o bom senso. A cul-tura do sangue se banalizou de tal forma que virou piada de meio-dia. Os apresentadores se paramentam como verda-deiros cavaleiros medievais guardiões da sociedade, protetores dos “homens bons” e eternos inimigos dos bandidos que perturbam a ordem, ao mesmo tempo que se indumentam como os bobos da corte para chacotear o sofrimento alheio e tirar proveitos da si-tuação desfavorável das pessoas.

Assim, essa cultura do sangue ao mesmo tempo que satiriza aquilo que deveria ser alvo de preocupa-ção de todos, também é o discurso do ódio, a promo-ção da violência, o vilipêndio à dignidade humana e a ridicularização dos que defendem os Direitos Huma-nos.

A mídia com seu poder alienador transformou em monstros os defensores dos Direitos Humanos. Pois

não é de seu feitio, dado suas origens oligárquicas e fundiárias, passar a mão sob quem defende mudan-ças às estruturas sociais, muito menos a quem se propõe discutir o modelo de concentração da mídia,

através de um marco regulatório. Por isso, toda ten-tativa de se pôr limites aos abusos cometidos nos programas televi-sivos são vistos como uma afronta a liberdade, como se a censura não pudesse existir para a defesa da dignidade huma-na, como se a im-prensa fosse uma santa, a qual não se pode macular. Onde se confunde liberdade de ex-pressão com liber-

dade de imprensa não se pode haver um debate sé-rio e problematizador.

Enquanto das televisões escorrerem sangue, dos jornais as opressões, dos rádios a intolerância, das revistas o desrespeito não haverá espaço para o de-senvolvimento de uma sociedade mais justa. A de-mocratização dos meios de comunicação talvez seja o primeiro passo para alcançarmos uma mudança, todavia somente a conscientização popular é capaz de romper as raízes sórdidas dessa estrutura midiáti-ca. Pois, continuaremos com os jornalistas açouguei-ros, se não mudarmos esse canal.

Por Tancredo Fernandes

Editor-geral

Editorial

Sangue sob o prato de feijão

www.jornalamargem.com.br

twitter.com/jornalamargem

Editor-geral

Tancredo Fernandes

Revisor

Alex Jordan

Coluna Cinefilia!

Carlos Nazareno

Tirinha

Madson Xavier

Charge

Carlos Latuff

Equipe de editores/as

Breno Barros Delosmar Magalhães

Douglas Pinheiro Gregório Medeiros

Hanna Lima Ive Fróes

Liziane Correia Luiz Victor

Entre em contato com a equipe: www.jornalamargem.com.br

Este jornal é uma publicação produzi-da por estudantes do curso de Direito, Comunicação Social e Geografia da Universidade Federal da Paraíba e

outros colaboradores. As ideias aqui expostas não necessariamente refle-

tem a opinião da equipe editorial.

EXPED

IEN

TE

Page 3: AMargem6

ESPECIAL

Por Tatyane G. Oliveira*

A pós inúmeras conquistas no reconhecimento dos direitos humanos das mulheres ain-da precisamos GRITAR por

respeito. Após a luta das mulheres pelo voto e por direitos ainda precisa-mos GRITAR que somos seres huma-nos e que temos sim direito à liberda-de e autonomia para tomar nossas decisões.

O que significa após tanto tempo ainda GRITARMOS tanto que preci-samos de respeito? As respostas a esse questionamento podem expres-sar tantos posicionamentos diferentes que talvez nos revele que não seja uma pergunta a ser respondida, mas um GRITO a ser dado, alto e ressoan-te, para se fazer ouvir nos quatro can-tos do mundo a violência que vivemos por sermos mulheres.

Não! Nosso GRITO não faz parte de uma lista enorme de característi-cas que nos definem, não somos es-candalosas, não somos irracionais e não somos sensíveis demais! Nosso GRITO é racional e é fruto da cora-gem e (sim!) da sensibilidade constru-ída e adquirida pela vivência num mundo masculino e excludente, num mundo que nos mata por sermos sim-plesmente mulheres. Não é GRITO de desespero, não é grito de ódio,

não é grito de medo! São GRITOS de luta, esperança e amor!

No dia 8 de março as mulheres do Brasil resolveram GRITAR: não que-remos flores, queremos direitos! Vive-mos tempos complexos, em que con-quistas legislativas se concretizaram e que lutas por modificações legislati-vas que tratem de forma igual e justa as mulheres se fortalecem cada vez mais. E como não poderia deixar de ser, as reações aos avanços se mani-festam nos setores mais conservado-res e, numa ira desesperada pela per-da do poder, estes reiniciam (se é que um dia pararam!) uma campanha cru-el de desconstrução acerca dos direi-tos da mulheres com argumentos fun-damentalistas.

Questões como a maternidade e a sensibilidade feminina têm sido levan-tadas por homens e mulheres que veem no direito à liberdade da mulher na escolha de como viver sua vida profissional, sexual e reprodutiva uma ameaça à sua própria natureza. Re-tornamos aos argumentos de resis-tência aos direitos políticos da mulher no século XIX quando exigíamos o direito ao voto. Tais argumentos, e isso é o que mais assusta, fazem sen-tido aos olhos da sociedade; sentido porque a despeito dos avanços obti-dos pelas lutas dos movimentos femi-nistas no campo dos direitos, a cons-

tante produção e reprodução de ima-gens e papéis impostos às mulheres como naturais contribuem significati-vamente para a permanência dessas ideias.

Tais ideias sexistas têm sido colo-cadas em enfrentamento especial-mente ao que denominam como o radicalismo do movimento feminista. Não raro, os discursos contra os direi-tos da mulher em campos como tra-balho, maternidade e sexualidade têm se pautado por uma alegada distor-ção do movimento feminista sobre quais seriam efetivamente os direitos das mulheres.

Num discurso acobertado pela cruel ideologia da proteção da mulher e de sua fragilidade (não queremos flores!), tais grupos conservadores defendem a não violência contra a mulher e a necessidade de termos direitos, pintando um quadro cínico e hipócrita de que seus discursos e su-as lutas contra as reivindicações femi-nistas não são violência, mas uma preocupação legítima com a proteção da mulher e dos filhos e filhas, ou se-ja, da família responsável pela manu-tenção de uma sociedade saudável (?).

As violências destes discursos e destas crenças se dão exatamente por serem acobertadas por esse qua-dro pintado de ideologias que enevo-

DIA INTERNACIONAL DA MULHER: MEU GRITO, MINHA REVOLUÇÃO!

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Ano 3 ● Nº 6 ● Março/Abril de 2013

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ESPECIAL

Página 4

am a realidade e as suas consequên-cias nefastas. Com o uso do discurso da não violência contra a mulher es-ses grupos produzem e reproduzem uma prática de violência e de exclu-são.

Os caminhos que podemos/queremos percorrer para alcançar os objetivos que não querem que alcan-cemos são construídos de obstáculos estabelecidos social e culturalmente, impondo à mulher desafios e sofri-mentos ao enfrentá-los e seguir adi-ante. Tropeçamos, caímos, levanta-mos, reagimos com nossos gritos de revolta, desistimos pela sujeição à dor causada, morremos no meio do cami-nho. Ao final - seja esse final o início, o meio ou fim do caminho - os obstá-culos construídos pelo mundo patriar-cal é invisibilizado, revestido com aquela pintura cruel e cínica pintada com a ideologia da proteção à fragili-dade feminina, e as consequências viram as causas de nossos destinos.

Cada um destes obstáculos e ca-

da um dos desafios impostos às mu-lheres são construídos numa parceria histórica e ideológica entre a crença e estereótipos criados para a definição das mulheres e a violência imposta contra essas quando querem escapar a essa definição. Cada palavra, cada ideia que naturaliza o papel da mulher como um ser a serviço do homem, a serviço da reprodução, a serviço da castidade e do cuidado; cada palavra que intensifica imagens que imobili-zam a vontade e autonomia da mu-lher em relação à sua sexualidade e ao seu corpo; cada uma destas ex-pressões se materializa nas mãos que batem, no dedo que aperta o gati-lho, no corpo masculino que viola e estupra, na voz que humilha e machu-ca, nos olhos que julgam e excluem.

Nosso GRITO deve ecoar também contra as opiniões e discursos funda-mentalistas cada vez mais divulgados e alcançados pela sociedade que, no jogo da apropriação simbólica das palavras e seus sentidos, tem atuado

em desfavor dos direitos das mulhe-res e intensificado as violências sofri-das por estas na sociedade brasileira. Se a morte e o sofrimento de mulhe-res tem sido historicamente conse-quência destas vozes e das mãos que comandam, e se as consequências de romper com estas violências tam-bém seja o sofrimento, sofreremos então. Como afirma Manuel Castells: “a paisagem humana da liberação feminina esta coalhada de cadáveres de vidas partidas, como acontece nas verdadeiras revoluções”.

GRITEM mulheres, REVOLU-CIONEM! Nossos gritos, nossas vi-das, nossos corpos!

Ano 3 ● Nº 6 ● Março/Abril de 2013

*Tatyane G. Oliveira é advogada po-pular, associada da Dignitatis, pro-fessora da UFPB no curso de Direito (CCJ/DCJ/Santa Rita), membro da Coordenação colegiada do CRDH/UFPB, coordenadora do grupo de pesquisa "Poder Judiciário, Gênero e Direitos Humanos"

Por Newton de Oliveira Lima*

Um dia, a humanidade brinca-rá com o direito, como as cri-anças brincam com os objetos fora de uso, não para devolvê-los a seu uso canônico e, sim, para libertá-los definitivamente dele. (Agamben, 2004, p. 98)

Para que serve o Direito afi-

nal? O que é o Direito, em todo ca-so? No que constitui a missão do jurista, por fim?

Não se pode responder a es-sas perguntas sem a necessária remissão à fragilidade linguística das mesmas, perfazendo o itinerário da filosofia de Nietzsche até os dias atuais, mais atrás de perspectivas críticas do que de solidificar respos-tas.

Se a pergunta o que é o Direi-to está defasada desde a perspecti-va da reviravolta linguístico-pragmática que, entendemos, origi-na-se em Nietzsche, pois sem levar em conta a pluralidade dos sentidos do que consiste o Direito mantém-se

a perspectiva de uma definição exa-ustiva da ideia do Direito e sua de-senvoltura histórica.

A partir da análise de Nietzs-che em relação à moralidade, en-contra-se já delineada por extensão uma não fundamentação do Direito em idéias metafísicas ou jusnatura-listas e, quando asserta que não há motivo para a crença nas ‘categorias da razão’, que só levam ao ‘niilismo’, isso pode ser extensível às categori-as do próprio Direito, e a busca kan-tiana pela definição a priori do Direi-to é niilista porque desesperadora, leva ao nada do Direito, a uma for-ma que não corresponde à existên-cia real, a um objeto realístico, sen-do, portanto, que a tentativa de construir uma definição do Direito para depois delimitar seu campo de incidência normativa, o problema kantiano clássico do conceito de Direito, perde o sentido frente ao problema : de que serve o Direito para a sociedade?

Enfim, se a prisão conceitual da filosofia da consciência kantiana deve ser rompida em função da co-

notação existencial-pragmática da regulação jurídica, somente esse desprendimento de puros conceitos filosóficos não basta, pois o Direito continua a poder ser manipulado pelo poder, já que pelo poder ele é feito, daí a tarefa não somente de desformalização e desburocratiza-ção do Direito, mas de revelação de sua estrutura de constituição ideoló-gica, aspecto enfrentado por Fou-cault quando sobreleva que nas es-tratégias do saber-poder, o conheci-mento do Direito e a renovação da metodologia jurídica a cada decisão proferida implicam a existência de uma razão jurídica que reflete a ide-ologia do dominante discursador ou dos discursos de dominação que se alastram em torno de topoi discursi-vos já construídos como lugares-comuns: justiça social, direitos hu-manos, função social da proprieda-de etc.

Não basta citar esses concei-tos e aplicá-los formalmente, deve-se colocar a questão em termos pragmáticos: a forma de institucio-nalização do discurso jurídico como

Desconstruir, Profanar e Provocar o Direito

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Ano 3 ● Nº 6 ● Março/Abril de 2013

interpretação de determinada norma está efetivamente fazendo frente à injustiça de dado caso concreto?

É necessária uma constante fiscalização para o acompanhamen-to da institucionalização da interpre-tação normativa.

O que Foucault demonstrou é que o saber jurídico serve ao poder, faz o poder e ao mesmo tempo é feito por ele; umbilicalmente ligados, saber e poder estão conjurados no discurso jurídico, o qual, se não transformado em efetividade das mudanças requeridas pela socieda-de, deixa intacto o poder da opres-são. O mero cumprimento dos pro-cedimentos faz perdurar a estrutura de dominação.

De Foucault herdamos o im-pulso de desconstrução das institui-ções de poder político-jurídicas. Não desconstrução do Direito em sua função social de transformação do status econômico que concentra poder econômico e aliena consciên-cias, mas desconstrução de instru-mentos (técnicas), instituições e ide-ologias (discursos) de dominação que permeiam o Direito.

No sacrossanto cumprimento positivista dos procedimentos conti-nua o esquecimento da originalida-de do ser-aí e da efetiva transforma-ção social. O sacrilégio ao capitalis-mo liberta, salva de um falso bem dominante, que na verdade, tal qual a pax romana, é a voz uníssona da apatia social expressa enquanto conformismo com o status quo e os

valores estanques: assim caminha a humanidade.

De cumprimento de procedi-mento em cumprimento de procedi-mento nada muda, apenas alguma coisa se agrava: a injustiça social. Se não se sabe o que é justiça, sa-be-se, e bem, o que é injustiça quando um policial mata um inocen-te ou quando o criminoso do colari-nho branco é solto dentro do cum-primento estrito da lei. Onde está o ethos que o judiciário deve construir a fim de impingir um exemplo de moralidade à sociedade? Um judici-ário que age submisso aos poderes econômicos corrobora e ratifica a dominação destes.

Como disse Baudrillard, é pre-ciso ter coragem para fazer o discur-so contrário, o discurso da negação do status quo, o discurso do “mal”. Na verdade, esse “bem” que se aco-moda no cumprimento dos procedi-mentos, seguindo as lições do pro-cedimentalismo positivista de Niklas Luhmann e seus asseclas, origina um homem-animal bem obediente (o homem doméstico como assertou Sloterdijk), mas que em nada serve para fazer um discurso e práxis efe-tivamente construtores de um para-digma diferencial em relação ao sis-tema dominante.

Baudrillard mostra como o “bem” sistêmico (a exemplo do pro-cedimento jurídico organizado) é na verdade o mal transparente e domi-nante: no domínio das imagens so-bre o inconsciente, na liquidação

dos valores e na massificação das posturas e dos procedi-

mentos, o homem esvai-se e o Direito tem funciona-

do apenas como ga-rante de tal situa-

ção, como supe-restrutura ideo-lógico-linguística do capitalismo.

As formas do saber

jurídi-co,

portanto, como os discursos em prol da justiça social e os arrazoados dos juízes e advogados nas peti-ções e sentenças dos processos, são ignorados pelo mercado e as formas jurídicas apenas mantém em linhas gerais a dominação em seus diversos setores (político, econômi-co, cultural).

Urge, então, o desafio da cria-ção como meta-metodologia jurídica dos juristas, por meio de um genius criativo, provocativo, profanador, que supere um ethos utilitário, insu-ficiente, alienado: modificar as estru-turas da ortodoxia do capitalismo, profanando-as (Agamben) e des-construindo-as (Foucault) implica coragem de não ser massa, descon-tentando-se com a “religião do oeco-nimicus” enquanto ortodoxia estabe-lecida, o jurista renova a traditio do Direito enquanto manutenção da retidão moral (ethos público) e do humanismo, não de um humanismo meramente epistolar e retórico que funciona como antropotécnica políti-ca de dominação, mas de uma virtù corajosa (Nietzsche) que demonstre a superioridade do jurídico enquanto moralidade que perscruta a constru-ção de uma justiça universalista na pretensão de assegurar a todos e todas uma dignidade imediata, inte-gral e efetiva, e às nações a paz perpétua enquanto ideal historica-mente desejável.

*Newton de Oliveira Lima é professor de Filosofia Geral e Jurídica (UFPB/CCJ/DCJ). Pesquisador do grupo de pesquisa “Análise de Estruturas de Violência e Direito” da UFPB. Membro da União Bra-sileira de Escritores (UBE)- Secção Piauí. Professor Colaborador com a Escola Superior de Advocacia da Paraíba e com a Escola Superior de Advocacia do Piauí. Membro do Conselho Científico - Seção Fenomenologia - da I Vardande-Revista Eletrónica de Semiótica y Fenomenologia Jurídica (Peru).

Dicas de Leitura: [1] AGAMBEN, G. Estado de Exceção. São Paulo: Boitempo. 2004. [2] NIETZSCHE, F. A Vontade de Potência. São Paulo, Nova Cultural. 2000. [3] BAUDRILLARD, J. A transparência do mal: ensaio sobre os fenômenos extremos. Campinas: Papirus. 2000, p.93.

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Por Matheus Lins*

A escravidão deixou de existir como categoria jurídica. O nosso Código Penal, por instância, fala em “reduzir alguém à condição análoga à de escravo”, re-fletindo o entendimento do legislador de que a escravi-dão em seus contornos clássicos não tem mais lugar em um Estado de Direito. Isso não significa, frise-se, que a escravidão como práxis de dominação e reifica-ção do outro possa ser considerada extinta, pois se trata de um fenômeno tenaz que se metamorfoseia pari passu às transformações da sociedade, instando-nos a refletir sobre as suas formas contemporâneas de mani-festação.

“A escravidão praticada na modernidade”, pre-leciona Sven Peterke, “se diferencia daquela praticada no passado por ser menos visível, pelos cativos ficarem trajados como qualquer pessoa e pelas algemas que os prendem terem sido trocadas por correntes mais sutis, de natureza social e econômica”. Destarte, a escravi-dão que é praticada hodiernamente se afasta do mosai-co pintado pelo senso comum sobre o tema. O imagi-nário popular, alimentando pelos meios midiáticos, de pessoas macilentas encerradas em ambientes insalu-bres, não mais corresponde, a rigor, com a realidade dos centros urbanos, onde um colorido mais sutil se faz necessário.

Sob os auspícios da globalização, a escravi-dão se internacionalizou, incorporando-se ao capitalis-mo de livre mercado. Em mais uma valiosa lição, Peter-ke explica que a escravidão “foi um dos primeiros mer-cados genuinamente globalizados, cuja demanda é arti-culada pelo mercado mundial”. Essa transfiguração da escravidão tradicional, ele continua, “não visa à humi-lhação ou inferiorização das pessoas, mas à fruição de mão-de-obra barata, com poucos investimentos na con-dição do trabalho; ou seja, é motivada pela busca do público e das empresas por mercadorias mais baratas”. Os grupos que exercem essa atividade recorrem a pro-messas em vez de ameaças, mirando indivíduos eco-nomicamente miseráveis e/ou socialmente vulneráveis por serem mais suscetíveis de serem manipulados me-

diante discursos retóricos e ilusórios sobre uma vida melhor.

Em síntese, a escravidão praticada atualmen-te pode ser melhor compreendida – e, portanto, comba-tida – por intermédio de sua nova roupagem: o tráfico de pessoas. Consoante a esse entendimento, em 2000, a ONU firmou com os seus Estados-membros o “Protocolo Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em Especial Mulheres e Crian-ças”, complementar à Convenção de Palermo, que, segundo a própria instituição, “representa um marco fundamental nos esforços internacionais para enfrentar o tráfico de seres humanos, considerado uma forma moderna de escravidão”. O Protocolo de 2000 define o tráfico de pessoas como “o recrutamento, transporte, transferência, abrigo ou recebimento de pessoas, por meio de ameaça ou uso da força ou outras formas de coerção, de rapto, de fraude, de engano, do abuso de poder ou de uma posição de vulnerabilidade ou de dar ou receber pagamentos ou benefícios para obter o con-sentimento para uma pessoa ter controle sobre outra pessoa, para o propósito de exploração"

A legislação penal brasileira, é premente res-saltar, não se encontra no mesmo diapasão dos orga-nismos internacionais, deixando muito a desejar em sua disciplina jurídica da matéria. Entre as muitas críti-cas que podem ser esboçadas, uma das mais pertinen-tes é quanto ao caráter brando das penas: tipificado no artigo 206 do Código Penal, o recrutamento fraudulento de trabalhadores para fins de emigração prevê pena de detenção de um a três anos e multa, podendo ser cum-prida, desde o princípio, em regime aberto. Uma puni-ção indubitavelmente iníqua para uma prática tão abje-ta que afeta, segundo dados recentes do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime, 2.4 milhões de pessoas em pelo menos 127 países.

Página 6

A Outra Face da Escravidão

*Matheus Lins é estudante da Graduação em Direito da UFPB.

Opinião

Ano 3 ● Nº 6 ● Março/Abril de 2013

As citações atribuídas ao Prof. Sven Peterke foram extraídas da pales-tra realizada no “I Fórum Regional sobre Direito, Democracia e Desen-volvimento”, nos dias 21, 22 e 23 de Setembro de 2011.

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Página 7

Por Eduardo Fernandes, Eduardo Bon-fim, Igor Leon e Wyllck Jadyson*

A inda sem braços, pernas, muitos tentáculos e articulações, infec-ções, artrite e artrose institucio-nais e uma crônica osteoporose,

dá-se uma frágil política de transição, de redemocratização institucional e subjetiva no Brasil.

O Grupo de pesquisa Ymyrapytã – Ligas da Memória, Verdade e Justiça, vinculado a Linha de Pesquisa Análise de Estruturas de Violência e Direito coorde-nada pelo Prof. Dr. Sven Peterke, preten-de enquanto objetivo geral a análise her-menêutica-comparativa do recente pro-cesso de institucionalização de uma políti-ca de transição no Brasil, percebendo as suas peculiaridades quanto às outras experiências de efetiva Justiça de Transi-ção, mas percebendo que esse sentido político emerge de uma experiência dita-torial comum latino-americana, entretanto, destoante (à) a brasileira, sem haver res-ponsabilização – apenas a institucional -, nem mesmo coesão institucional (observando-se o passado, desfocado fica o presente, como “existencializa” o Relator e o seu Voto na ADPF 153 sobre a Lei de Anistia).

Ymyrapytã é em Tupi-Guarani árvore de acolhimento (Pitangueira), acolhe...

traz esperança... de sairmos de tem-

pos interes-santes...

metafo-riza

uma re-

estruturação institucional a partir da ten-são internacional/interna, relevante a con-denação na Comissão Interamericana de Direitos Humanos sobre o caso Gomes Lund, e atos-reflexos tão humildes e pon-tuais como os biológicos humanos - cria-ção da Comissão da Anistia, do Ministério da Justiça (Medida Provisória nº 2151-3, reeditada e convertida na Lei 10.559/2002) .

A inserção no Plano Nacional de Di-reitos Humanos III [1] ensejou - apesar da frágil normatização - uma política da me-mória e da verdade, bem como um com-prometimento político, vislumbrado, inici-almente, com a criação das comissões da memória e da verdade em âmbito federal e estadual [2], além das inseridas em instituições de ensino superior, apesar de estatais, mas sempre integradas pela sociedade civil. O atual momento histórico sintetiza para si toda a dificuldade, princi-palmente, o distanciamento presente en-tre o institucional e as subjetividades, complexa relação, e partes sem as quais não se pensa uma Justiça de Transição.

[Enquanto isso na Sala de Justiça...] Ruminando o passado, pensamos na

ruptura presente no Brasil, democrática, que toma (ou deveria?!) e dá lugar a uma nova estrutura de Estado – Democrático de Direito, assim substantivamente, mas traz em si uma forma singular de apropria-ção do passado, pretensão constituciona-lizada difusa e esparsa. Tomando o texto do art. 8º da Constituição Federal de 1988 [3], institucionalizou-se um “processo” de redemocratização enquanto reestrutura-ção democrática, ou redemocratização, a partir do restabelecimento de uma norma-lidade institucional-democrática anterior a 1964.

Embora se naturalize a negação de um período de autoritarismo, é necessário refletir qual a relação temos e podemos ter entre a digestão do passado e a existência presente: retomando o texto constitucional citado, observamos algo interessante, o reconhecimento de um período excepcional, entretanto, numa projeção secundária da representação do passado, de redução, pois, de tal forma se delimita a experiência negada, que se produz um estranhamento do presente em relação ao passado de modo que não se reconhece violências mimetizadas: plurais violências instituci-onais, abuso e desvio de poder da ativi-dade policial, tortura (lesão corporal?) e a histórica dificuldade de investigação e sanção, ocorrendo há meses, numa terra muito longe daqui, mas que tem os mesmos problemas daqui - na Paraíba

do século XXI, que como numa Morte e Vida Severina precisa de tantas especifi-cações para diferenciar-se de outras – numa falta de controle interno e externo; plurais violências simbólicas de gênero, racista, por exemplo, no Estado e a partir dele. Assim, apresenta-se essa redemo-cratização uma espécie de trânsito e jul-gado reduzidamente estatal e a certos locais da desta “instituição”.

Nesta mesma reflexão do presente do passado/presente, a ideia de Justiça de Transição enseja outra sensibilidade (do) para o presente a partir do passado, con-tribuindo para a construção (e não produ-ção) de uma nova institucionalidade e instrumentalidade do espaço público. A questão do reconhecimento traz inesca-pavelmente uma problemática hermenêu-tica, mas mais do que isso, na medida em que se reconstrói o passado em espaço estatal institucionalizado, temos uma série de condicionantes: primeiramente, jurídi-cas, de responsabilização e escape disto; e de - de modo transcendente - o instituci-onal.

Uma das responsabilidades dessas estruturas é a construção de uma nova institucionalidade, nesses espaços da Justiça de Transição inicialmente, enten-dendo que sua atuação se desloca sobre temáticas diversas e vulnerabilidades presentes até hoje e cabe a elas contribu-ir para a desconstrução: para a reformula-ção institucional e construção de subjetivi-dades, e nisto a construção da instrumen-talidade de mecanismos institucionais de empoderamento deste e controle do Esta-do.

*Eduardo Fernandes é professor da UFPB no curso de Direito (CCJ/DCJ/Santa Rita). Membro da Coordenação colegiada do Centro de Refe-rência em Direitos Humanos (CRDH/UFPB). *Eduardo Bonfim é estudante de Direito da UFPB (DCJ/UFPB). Integrante do CRDH/UFPB. *Igor Leon é estudante de Direito da UFPB (DCJ/UFPB). Integrante do CRDH/UFPB. *Wyllck Jadyson é estudante de Direito pela UFPB (DCJ/UFPB). Integrante do CRDH/UFPB. Monitor de Sociologia Jurídica.

[1] (Decreto 7.037/2009, atualizado pelo Decreto 7.177/2010, Eixo Orientador VI e Diretrizes 23, 24 e 25). [2] Ressalte-se a criação, em outubro de 2012, da Comis-são Estadual da Verdade e Preservação da Memória do Estado da Paraíba (Decreto 33.426/2012). [3] Art. 8º. É concedida anistia aos que, no período de 18 de setembro de 1946 até a data da promulgação da Consti-tuição, foram atingidos, em decorrência de motivação exclusivamente política, por atos de exceção, institucionais ou complementares, aos que foram abrangidos pelo Decre-to Legislativo nº 18, de 15 de dezembro de 1961, e aos atingidos pelo Decreto-Lei nº 864, de 12 de setembro de 1969, asseguradas as promoções, na inatividade, ao cargo, emprego, posto ou graduação a que teriam direito se estivessem em serviço ativo, obedecidos os prazos de permanência em atividade previstos nas leis e regulamen-tos vigentes, respeitadas as características e peculiarida-des das carreiras dos servidores públicos civis e militares e observados os respectivos regimes jurídicos.

Justiça de Transição e o Espaço Jurídico, Hermenêutico e Institucional: A criação da linha de pesquisa no CCJ/DCJ/UFPB do projeto Ymyrapytã - Ligas da

Memória, Verdade e Justiça.

Ano 3 ● Nº 6 ● Março/Abril de 2013

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A Crise no Mali e as Crianças Soldado

Por Wanda Helena Mendes Muniz Fal-cão *

A problemática envolta ao Mali passou a ser notícia de inte-resse internacional nos últi-mos meses. Mas, o que cha-

mara tanta atenção? Situado ao norte do continente afri-

cano, o país mergulhado em crise hu-manitária revelou ao mundo as dificul-dades do povo malês para sobreviver aos entraves político-religiosos na re-gião. Destarte, as disputas pelo poder ensejou que militantes islâmicos divi-dissem o território, tomando o coman-do da parte norte do Estado, utilizando-se de escudos humanos para o êxito.

Com pouco mais de quinze mi-lhões de habitantes, as marcas históri-cas na República do Mali lançam luz sob o cenário de hoje. Em tempos idos fora centro de grandes fontes minerais, atraindo estrangeiros para seu território, no século XIX, colônia francesa. A população amarga anos de exploração, pobreza, analfabetis-mo e baixo desenvolvimento econômi-co – para não se falar em quase ine-xistência de aspectos industriais no país, com preponderância demográfi-ca na zona rural.

Infelizmente, a herança deixada pelo colonialismo e a independência no ano de 1960 (eivada por golpe mili-tar com Moussa Traouré em 1968) contribuem substancialmente para o triste desenho social local. Além des-tes problemas de cunho político, há também efetivos empecilhos no tocan-te à formação cultural e religiosa do povo; as divergências ideológicas são latentes ao passo que, este fator refor-

ça a situação de instabilidade instituci-onal. É a “175ª colocada entre 187 países avaliados pelo Índice de De-senvolvimento Humano (IDH) do Pro-grama das Nações Unidas para o De-senvolvimento (PNUD) e cerca de 69% da população vive abaixo da li-nha de pobreza.” (UNIC Rio, 2013, p.1).

As etnias – com diferentes percep-ções históricas, filosóficas e religiosas, a exemplo de bambara, o soninke, o khassonké e malinka - são pulverizadas no território do Mali e, se confrontam em alguns aspectos, contudo, pontualmente na ascensão ao poder do Estado.

A ausência de estabilidade, como dito anteriormente, é gravosa para o andamento pacífico do país. Em mar-ço de 2012 houve mais um golpe nas páginas da política maliana, rebeldes declararam a independência do norte, agora Azawad, desencadeando, por conseguinte, o temor do Ocidente pa-ra uma nova – e robusta – rota do Is-lamismo (confundindo-se equivocada-mente com atividades terroristas).

Inobstante a tomada do norte, o grupo continuara avançando rumo ao sul, entretanto, veio à intervenção francesa – flashback do neocolonialis-mo? - que conseguira frear os avan-ços nos primeiros meses de 2013. O governo Hollande e seus aliados envi-aram tropas para atenuar, em melhor dicção, cessar os ataques dos tuare-gues do Movimento Nacional para a Libertação de Azawad. Bamako, sua capital, em perigo pelas investidas islamitas, fora cercada pelos opostos a caminhada dos revoltosos. Ora, uma vez com a entrada militarista es-trangeira, a resposta dos locais foi em alto e “bom som”: o uso de crianças soldados.

Se as linhas belicosas já preocupa-vam a comunidade internacional, es-pecificamente a Organização das Na-ções Unidas, com a investida em es-cudos humanos pueris veio endossar o problema.

“Estima-se que 210 mil crianças malinesas estarão em risco de desnu-trição aguda em 2013 e 450 mil, de desnutrição moderada. [Em torno de] 15.506 foram admitidas em centros de tratamento contra a desnutri-ção” (ONU, 2013, p.1). Nos períodos de guerra as crianças sofrem intensa-mente, seja de forma direta – amputa-ções, mortes, desnutrição -, seja indi-

reta – os pais envolvidos nos conflitos -, tristemente, esse fato se repete no Mali.

Fazer uso de crianças nos fronts é gravíssima infrigência aos direitos hu-manos, “[...] quando crianças inocen-tes são forçadas a participar como agentes desse flagelo, a coisa torna-se ainda mais revoltante. [...] A pobre-za, a propaganda e os interesses ide-ológicos continuam a provocar o en-volvimento de crianças em vários con-flitos” (BINGEMER, 2013, p. 1). No caso malês, muitas são as crianças no combate ao lado dos tuaregues, per-mitindo assim, o ceifar da visão sobre a infância, marcando gerações futu-ras.

Seres humanos ainda em forma-ção psíquica são vendidos por até U$800,00 (oitocentos dólares) neste conflito, demonstrando o quanto a cri-se é preocupante. É preciso, de fato, mais ações que vislumbrem o comba-te a esta prática, a regeneração da-queles que saem da guerra com trau-mas e distorcidas visões sobre a vida, a sociedade com um todo. Estas crianças, ora combatentes, de-

vem ter proteção internacional, inte-

resse de organismos que pretendam

extinguir tais atitudes absurdas. O in-

tento de observadores e Estados nu-

ma crise como a instalada no Mali,

não deve ser tão somente em ques-

tões financeiras, políticas, porém, tam-

bém nos fatores humanitários, mor-

mente às crianças. Afinal, "O que se

faz agora com as crianças é o que

elas farão depois com a socieda-

de" (Karl Mannheim).

Ano 3 ● Nº 6 ● Março/Abril de 2013

*Wanda Helena Mendes Muniz Falcão é estudante de Direito pela FACISA, Campina Grande-PB. Estagiária do MP/PB. Pesquisadora do grupo de pesquisa "Pragmatismo e Realismo Jurídico" da UFPB.

Dicas de Leitura: BINGEMER, M. C. Crianças soldado: a infância assassinada. Disponível em:<http://amaivos.uol.com.br/amaivos09/noticia/noticia.asp?cod_noticia=11713&cod_canal=47BINGEMER>. Acesso em 28 fev. 2013.

ONU. Crise no Mali. Disponível em:<http://www.onu.org.br/mali/relatorio-sobre-a-situacao-no-mali/>. Acesso em 01 mar. 2013.

UNIC RIO. Entenda as crises [Mali]. Disponível em:<http://unicrio.org.br/onu-lanca-sites-em-portugues-sobre-crises-na-siria-e-no-mali/. Acesso em 28 fev. 2013.

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Ano 3 ● Nº 6 ● Março/Abril de 2013

Por Alex Jordan e Marianna Portela*

O que é sustentabilidade? O que é ambiente? Afinal, o que é isto – desenvolvimento sustentável? Ao que tudo indica, tais perguntas

funcionam como horizontes abertos aos novos sentidos, às dissidências, às diferen-ças e às proposituras de explicações para os desafios da globalização e da crise ambi-ental de nossa época.

O enfrentamento dessas inquietudes enseja a confluência de várias racionalida-des, indispensáveis para a (re)construção de uma racionalidade ambiental pavimenta-da pelos saberes impensáveis – alocados no porvir - emergentes da complexidade ambiental, que demanda - acima de tudo – des-construir o refletido e pensado, para pensar o ainda não pensado e questionado.

A sociedade contemporânea está marca-da por uma forte fantasia social que apregoa a degradação ecológica como um grande mal alienado e abstrato. A reificação deste grande “mal” tem engendrado a transferên-cia da degradação ecológica para uma esfe-ra externa ao modo de produção capitalista. Concomitante a isso, ocorre a profusão de uma estratégia discursiva hedonista, refleti-da em um hiperinvestimento semântico em produtos sustentáveis, que levam a cabo, sob a percuciente retórica democrática-capitalista-liberal, o sôfrego consumo res-sentido na sociedade (pós)hodierna.

As conjecturas envoltas à problemática ambiental perfaz interpenetrações de poder globalmente articuladas e ideologicamente instituídas no próprio saber. Isto é, a progressiva degradação ecológica associa-se de modo simbiótico, simbólico e ideológico a uma reificação do consumo sustentável, que contribui também para a temerária consubstanciação de um consumismo revestido com a capa do desenvolvimento sustentável. Logo, o desenvolvimento sustentável - nos moldes como é abordado no senso comum - conjura para uma "neutralização" ideológica alheia as contradições ambientais de nossa época.

Depreende-se deste cenário, que o ambiente e a sustentabilidade sofrem de um pernicioso quadro de anemia significativa – historicamente e ideologicamente arquiteta-do – perfazendo o trato do ambiente como um mero “teto do crescimento econômico”, instigando a sua redução a um estratagema ecológico, abstrato e alienado .

Nesse trilhar, ora percebemos que o debate do desenvolvimento sustentável tem fomentado, por vezes, um discurso relacionado com direitos humanos despolitizados ou esvaídos de sentido, sendo menosprezada a problemática da contradição fundante entre incluídos e excluídos. As implicações que essa aborda-gem encerra é que caso não sejam considerados projetos coletivos de transformação sócio-política associados a lógica de não-intervenção no ambiente ou

na liberdade política, pode-se tornar temerário e pernicioso encarar o direito ao "desenvolvimento sustentável" ou à “democracia” como nova dimensão dos direitos humanos.

Em outras palavras, o ser humano deixa de ser tratado merecidamente como tal, quando todas as suas qualificadoras (sociais, políticas, étnicas, etc.) são desconsideradas, restando-lhe somente o construto ou especificidade "humana". A inclusão dos indivíduos no consumo “sustentável” ou no arcabouço democrático-liberal preexistente vem a ser insuficiente, a partir do momento que são relegados ao status de seres humanos em geral, detentores desses ditos e escritos direitos humanos universais. Podemos fazer um paralelo aqui com o insight de Hannah Arendt quanto aos refugiados:

A concepção dos direitos humanos baseada na suposta existência de um ser humano como tal rompeu-se no exato momento em que aqueles que declaravam acreditar nesta concepção foram, pela primeira vez, confrontados com pessoas que tinham perdido, de fato, todas as demais qualidades e relações específicas, exceto a de seguir sendo ‘humanas’.

O cotejo aduzido acima reproduz que a

degradação ecológica global não pode considerar estratégias de enfrentamento neutras igualmente globais, ignorando as interpenetrações das relações de poder-saber nos debates de gênero, cidadania, religião, identidade étnica, biotecnologia etc. Neste ínterim, as ações filantrópicas de cunho sustentável precisam ser esmiuçadas no seu âmago, pois, apesar de servirem – pontualmente – como mecanismos paliativos para a conquista e tutela de medidas menos degradante ao ambiente, contribuem a um só tempo, como estratégia contraditória que legitima ideologicamente, materialmente e simbolicamente o processo de acumulação de capital que nega a própria sustentabilidade.

Contudo, nos obrigamos a concor-dar que romper com a reificação do consumo sustentável e da filantropia não resolverá as contradições da crise ambiental, porém a reordenação das abordagens e (re)produções do direito humano ao desenvolvimento sustentável des-velará como se apresenta atualmente, ou seja, como racionalizações pré-fabricadas das estruturas predominantes de desigualdade e dominação (István Mészáros).

Não estamos a lidar com um pro-blema de fácil resolução, mas é imprescindí-vel que finquemos raízes em um solo episte-mológico questionador, pois a solução não é relegar o conceito de desenvolvimento sus-tentável, encarando-o como mero instrumento de dominação dos estratos soci-ais mais abastados - apesar de assim esteja reverberado frequentemente. A nosso ver urge a necessidade de (re)apropriar o conceito, reconhecendo todas as implicações e contingências ideológicas, epistemológicas e simbólicas que o subjaz, para aí sim projetar novos sentidos e práticas para suplantar as contradições socioambientais de nossa época. Do contrá-rio, assistir-se-á o cinismo epistemológico propagar com uma roupagem alentadora, mas dissimulada.

* Alex Jordan é estudante de Direito da UFPB. Pesquisador do grupo de pesquisa “Sustentabilidade, Impacto, Direito e Gestão Ambiental”. * Marianna Portela é estudante de Direito da UFPB. Estagiária do TRT/PB 13ª Região. Mem-bro da coordenação colegiada da ONG “Ação Animal” e voluntária da ONG “Adota João Pes-soa”, ambas ONGs de proteção animal atuantes em João Pessoa-PB.

A Eterna Re-flexão da Circum-Navegação Sus-tentável

Dicas de Leitura:

- LEFF, Enrique. Epistemologia Ambiental. São Paulo:

Cortez, 2010.

- ARENDT, Hannah. As origens do totalitarismo. São Paulo: Cia. das Letras, 1989, p.297.

- MAMEDE, A.J.S; CUNHA, B.P. Iniludíveis Digressões do Standard de Desenvolvimento Sustentável. In: CUNHA, B.P.; AUGUSTIN, S. (Orgs.). Diálogos de Direito Ambiental Brasileiro. 1ed. Caxias do Sul: EDUCS, 2012.

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Ano 3 ● Nº 6 ● Março/Abril de 2013

Opinião

Hugo Chávez e a Possibilidade da Lágrima Por Roberto Efrem Filho*

São imagens inescapáveis. Caracas tomada pelo vermelho da multidão impla-cável que os meios de comunicação in-sistem em reduzir à expressão “chavistas”. Lado a lado, milhares de homens e mulheres convertem sua triste-za pela morte do líder em um recurso político intransponível. A produção demo-crática das lágrimas se expressa indele-velmente. Em que outra direção, afinal, as câmeras de televisão pousarão, senão sobre o impacto daquela dor? Mostrando-a, contudo, as câmeras se esforçam para negá-la. Disciplinadoras à moda foucaultiana, elas se contorcem na tenta-tiva de docilizar o que a força das ima-gens evidencia. Ideológicas, no sentido marxiano, as câmeras se retorcem para apagar conflitos e interesses que susten-tam os seus próprios termos.

Nos argumentos de jornalistas, “especialistas” e habitués midiáticos de todo gênero, morre finalmente o ditador insano que, manu militari, ameaçou o regime democrático venezuelano, as liberdades de imprensa e expressão e o direito à propriedade privada. Segundo esses sujeitos, a dor pública que suas câmeras transmitem consiste apenas nos efeitos do populismo. Hugo Chávez, aquele cuja morte é chorada por multi-dões, não seria mais que um caudilho empedernido, um dentre muitos que se multiplicam na história latino-americana. O Governo de Chávez representaria, portanto, o arcaico, a antípoda da moder-nização que eles próprios encarnam em seus discursos e que, hoje, o candidato de oposição Henrique Capriles Radonski

pretende personificar.

Aqueles que choram, no entanto, alertam para o contrário e indicam que expressões como “populismo” ou “caudilhismo” estão longe de traduzir o fenômeno político que provoca seu pran-to coletivo. A Comissão Econômica da Organização das Nações Unidas para a América Latina e o Caribe (Cepal) atesta que, entre 1999 e 2010, a pobreza dimi-nuiu 21% na Venezuela. Esta diminuição se relaciona às políticas de estatização e expropriação empreendidas pelo Gover-no de Chávez, o qual sempre se exerceu através de amplo apoio popular. A reali-zação da reforma agrária, a criação de novos serviços públicos nos campos ban-cários e das telecomunicações e a orga-nização de uma rede de empresas públi-cas que garantem a soberania alimentar oportunizaram estratégias de enfrenta-mento à pobreza, associadas à intensifi-cação da participação popular.

De acordo com Steve Ellner, profes-sor de História da Universidade de Orien-te, na Venezuela, 30 mil conselhos co-munitários foram criados desde 2006. Num país em que, como disse certa vez Eduardo Galeano, “os mortos tinham o costume de votar”, a democracia tomou outro sentido. A participação dos conse-lhos na vida política venezuelana interfe-re, inclusive, na realização de políticas públicas. A “Grande Missão Habitação”, por exemplo, constitui, segundo Ellner, um programa de acesso à moradia digna e adequada atravessado pelas decisões dos conselhos comunitários. Os conse-lheiros indicam as equipes que construi-rão as habitações e a população participa diretamente do processo – das decisões do conselho até a mistura do cimento. Algo semelhante ocorreu com o incentivo

estatal às rádios comunitárias e, sen-do assim, à produção comunitária

da comunicação. Com a tenta-tiva de golpe (sobretudo midiá-tico) sofrida em 2002, o Gover-no Chávez compreendeu a lição que os governos brasilei-ros parecem incapazes de apreender: a comunicação popular protege a democra-cia. A participação das pesso-as na feitura da política articu-la-se à liberdade de expres-são, inclusive escrita. Em 2003, a Venezuela foi declara-da, pela UNESCO, território livre de analfabetismo. Se as lágrimas da multidão que avermelhou Caracas são cúmplices do carisma de Hu-

go Chávez – é disso, enfim, que as acusam aque-

les jornalistas, especialistas e habitués midiáticos – algo precisa ficar claro: o carisma não se alimenta do ar. O lastro social que viabiliza os sentimentos popu-lares em torno da figura de Chávez reve-la que, mais do que carisma, há uma série de profundas transformações ope-rando na Venezuela. A suposição de que as classes populares adoram fervorosa-mente Chávez sem compreender o que acontece em seu país é mais do que certa ingenuidade analítica conservado-ra. Trata-se de uma tomada de posição de classe. As pessoas se agregam e pranteiam nas ruas de Caracas exata-mente porque compreendem, na pele, as modificações e conflitos que redesenham o país.

Esses conflitos redefinem a noção de “arcaico” com que os opositores do Go-verno Chávez sempre o adjetivaram. De fato, a história dos países latino-americanos oferece inúmeros exemplos de lideranças autoritárias apoiadas em certa legitimidade popular precária. Sim, tal legitimidade é costumeiramente alcan-çada a partir da concessão de favoreci-mentos e políticas sociais pontuais, des-providas de potencial transformador es-truturante. Largos setores dos grandes meios de comunicação e de oposição ao Governo Chávez, inclusive, não cansa-ram de apoiar experiências políticas des-sa espécie, na Venezuela ou mesmo no Brasil, contando com o amparo econômi-co e bélico norte-americano, por exem-plo. Os caminhos que vêm sendo percor-ridos na Venezuela, todavia, conduzem a novos horizontes. O arcaico – que entre nós, notou Florestan Fernandes, moder-nizou-se ao arcaicizar o moderno – reflui com o aumento da participação popular e a reestruturação do Estado e das políti-cas sociais.

A centralização desses caminhos na pessoa de Hugo Chávez, claro, perfaz um problema com o qual as esquerdas venezuelanas precisarão lidar, mesmo que tardiamente. É que mais do que a eleição do sindicalista e ex-ministro do trabalho Nicolás Maduro, estão em jogo os sentidos das “vidas choradas”, diria Judith Butler, das pessoas que averme-lharam Caracas e choram elas mesmas pelos destinos de suas próprias vidas e pela possibilidade histórica de chorar pela vida política de seu país.

*Roberto Efrem Filho é Professor de Sociologia do Direito na UFPB e douto-rando em Ciências Sociais na Universi-dade Estadual de Campinas. Coordena-dor do grupo de pesquisa: “Marxismo, Direito e Lutas Sociais”.

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Opinião

SOMOS TODAS CROFT Por Ive Froes*

O tema torna-se cada vez mais per-tinente, o mundo dos jogos está sendo “invadido” pelo gênero feminino. O proje-to da Anita Sarkessian, financiado pelo Kickstate, Tropes vs Women in Video Games; a notícia do pai, Mike Mika, que fez uma versão não oficial do jogo "Donkey Kong" a pedidos da sua filha de três anos, aumentam o debate sobre a questão.

O universo gamer sempre foi do gênero e sexo masculino, até hoje é pos-sível identificar nas famílias, entre cole-gas e até no próprio âmbito de encontros e jogos on-line, que jogar videogame é “coisa de menino”. Ficando presas, por muito tempo, aos jogos que versam sobre roupas e acessórios, maquiagem e cozi-nha.

A discriminação começa (ou termi-na) na prática das desenvolvedoras de jogos em tratar os personagens femininos como “donzelas em perigo” ou como obje-to de desejo. Na primeira acepção temos a história clássica da donzela, parente ou interesse amoroso do herói, que é rapta-da, sequestrada ou petrificada por um monstro ou promessa injusta, e, conse-quentemente, o nobre herói usa de todos os seus instrumentos e poderes para sal-var a moça do perigo. Constituindo, as-sim, o princípio do jogo. É o que acontece desde o mito grego heroico de Perseu e Andrômeda, passando pelos cavaleiros na Idade Média, aos filmes como “A Corri-da pela Vida” de 1926 e King Kong (1933), até os jogos de videogames como Donkey Kong (1981) e Mario Bros. (1983) da Nintendo (assim como inúmeros títu-los).

Em contrapartida encontram-se no mercado outros tipos de vinculações do feminino, como aquelas que apelam para os corpos esculturais, cabelos longos e estilizados, roupas coladas e decotes ousados, transformando tais corpos em beldades feitas para apreciação dos ga-mers. A figura do feminino, neste caso,

põe em evidência as marcas da objetiva-ção, partindo do pressuposto da passivi-dade daquela perante o masculino. Como ora evidenciamos nos jogos como: Mortal

Kombat (Midway Games, 1992); Street Fighter (CapCom, 1987); Fatal Fury: King of Fighters (SNK, 1991); Bayonetta (Platinum Games, 2009).

Neste contexto tem-se Lara Croft, personagem principal do jogo Tomb Rai-der (1996). A ideia principal do criador, Toby Gard, era ter um personagem clone do caçador de recompensas Indiana Jo-nes, que acabou em um tipo curvilíneo de shorts, botas e camisa regata de látex azul ou esverdeada. Muitas transforma-ções aconteceram desde seu lançamento até o último jogo, lançado em março des-te ano; de roupa, acessórios, origem, até a diminuição do volume, especialmente, do tamanho do busto.

Para além dos atributos físicos, Lara é uma anti-heroína confiante e indepen-dente, não demonstrando medo ou fra-queza mesmo em situações de risco, que são suas favoritas. E colocando a mão na massa ainda que tenha origem nobre.

Apesar do físico, a moça não é a típica protagonista loira de olhos azuis, repre-sentando o time das morenas de cabelos e olhos castanhos. Evitando aqui entrar

aqui em outros tipos de discussões cabí-veis (riqueza, título, porque não negra? Etc.).

Durante o percurso da arqueóloga durante suas aventuras, alguns fãs e o próprio criador Toby Gard reclamaram do status da personagem como símbolo se-xual, apelo revelado, também, nos filmes protagonizados por Angelina Jolie de 2001 e 2003. Gard ficou tão chateado com o rumo da personagem que saiu do projeto em Tomb Raider II (1997), e só voltou oficialmente anos depois com Tomb Raider: Legend (2006).

O jogo lançado este ano é um rebo-ot da série, ou seja, conta de onde vem a confiança e independência da amante de tumbas. O relançamento é uma homena-gem à franquia, além de sua adaptação ao mercado atual. Conclui-se aí o traba-lho, bem feito, da desenvolvedora e distri-buidora, Square Enix, no sentido de “dessensualizar” a personagem, colocan-do-a como uma garota normal e não obje-to de apreciação masculina.

Lara Croft é uma personagem que inspira força, coragem e inteligência. Por isso reverenciada na cultura pop e mundo geek. É também ícone feminino que re-presenta a luta das gamers frente às de-senvolvedoras (e consumidores) na des-construção da objetivação da mulher tan-to na fantasia como na realidade presen-cial. E todas nós, por que não?

*Ive Froes é estudante de Direito da UFPB.

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Charge

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Tirinha

Alucinações do Passado (Jacob’s Ladder)

Voltemos a 1990

para falar sobre o surpreendente “Alucinações do Pas-sado” (Jacob’s La-dder) dirigido por Adrian Lyne - respon-sável por clássicos dos anos 80 e 90 como Flashdance (1983), 9 ½ Semanas de Amor (1986), Pro-posta Indecente (1993) e Lolita (1997). O roteiro é de Bruce Joel Rubin, o mesmo de Ghost – Do Outro Lado da Vida, tam-bém de 1990.

Vi esse filme aos 11 anos de idade e recordava apenas que se tratava de uma excelente produção com cenas aterrorizantes emanadas de lembranças de uma guerra. Resolvi revê-lo neste ano e achei ainda melhor. Trata-se de um extraordinário thriller psicológico.

Tim Robbins (Um Sonho de Liberdade [1994]) é Jacob, funcionário dos correios e veterano da Guer-ra do Vietnã. As constantes lembranças do terror vivenciado na guerra, sobretudo de um ataque espe-cífico ao seu acampamento, parecem distorcer o hodierno. Alucinações, delírios persecutórios, demô-nios travestidos de seres humanos, criaturas mons-truosas e realidades paralelas transformam o seu cotidiano em um pesadelo revestido de angústia, confusão e surrealismo. Tudo isso sugere intensa reflexão do espectador.

O roteiro faz uma primorosa e sombria alusão bíblica à escada de Jacó [conforme o título original, Jacob’s Ladder], liame conectivo entre o céu e a terra para a travessia de anjos, conforme menciona-do em Gênesis (28, 11-19) no Antigo Testamento.

Enfatizo a aparição do então ator-mirim Macaulay Culkin (Esqueceram de Mim [1990]), bem como as boas atuações da atriz Elizabeth Peña (Transamérica [2004]) e do experiente ator Danny Aielo (Feitiço da Lua [1987]). Ainda, destaca-se pela primorosa trilha sonora do saudoso Maurice Jarre, compositor francês vencedor de 3 Oscars (Lawrence da Arábia [1962], Doutor Jivago [1965] e Passagem Para a Índia [1984] e 4 Globos de Ouro (além dos 2 últimos filmes citados, Nas Montanhas dos Gorilas [1988] e Caminhando nas Nuvens [1995]).

Roteiro, direção, trilha-sonora e interpretações dignas dos melhores reconhecimentos e premia-ções. Fonte de inspiração para a série de jogos Silent Hill. Classificado com a nota 7.5 pelo IMDb (The Internet Movie Data Base). Infelizmente não foi tão reconhecido pelo público, razão pela qual caiu no esquecimento de todos. A despeito disso, não tenham dúvida de que se trata de uma excelente diversão para um programa caseiro no sábado à noite.

Assistam e meditem sobre as perspicazes refe-rências teológicas e metafísicas de um induvidoso retrato da busca pela paz e libertação.

Carlos Nazareno é cinéfilo, amante da boa música, estudante e jurista nas horas vagas

Ano 3 ● Nº 6 ● Março/Abril de 2013

ERRATA

Apresentamos as seguintes correções referentes à quinta edição do Jornal A Margem, Novembro/Dezembro de 2012: - O nome correto da autora da matéria “O Poder Legislativo sobrecarregado: as demandas sociais sem resposta” é Ma-yanne Bezerra Gomes; - Coluna Cinefilia: Na coluna da versão passada foi apresen-tada a capa de uma versão de 2011 apresentada como “Arthur: o milionário irresistível”, o texto, na verdade, trata da versão de 1981 intitulada “Arthur: o milionário sedutor”.