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EFEMÉRIDES: A CONSTRUÇÃO DE UM PROCESSO DE DESCONSTRUÇÃO POR MEIO DE RESÍDUOS DE MEMÓRIA Amanda Cristina de Sousa 1 Alexandre França 2 Comunicação: Relato de Pesquisa Resumo: O seguinte trabalho trata de uma pesquisa em artes visuais (apresentado como trabalho de conclusão do curso de Licenciatura em Artes Plásticas pela Universidade Federal de Uberlândia - UFU, no ano de 2008) tendo como meio expressivo a pintura em seus alcances contemporâneos. A idéia que rege esta pesquisa é o tempo como memória: O tempo universal, coletivo e o tempo mental, individual. Procuro estabelecer relações sobre os efeitos do tempo e a sua interferência na degradação da matéria. Entendo o tempo mental como acúmulo de memórias, que se unem com pensamentos e reflexões contemporâneas, e que transcendem a matéria e o espaço físico. Resgato elementos da minha vivência, da minha memória e trago-os em sua materialidade para as pinturas por meio de um processo bastante intimista. Busco elementos como tecidos, peles de porco, trapos de roupas, cabelos, sendo que estes são unidos pela costura dando forma às pinturas que são ao mesmo tempo suporte. Tecendo reflexões sobre o artista, ser criador e o ser criatura, que vou construindo estas formas que se desfazem e se unem, numa costura de tempos e elementos tão interessantes e agradáveis como repugnantes. 1 E-mail: [email protected], professora de artes da E.M. Freitas Azevedo bairro Morada Nova. Graduada em Artes Plásticas – UFU, 2008. 2 Orientador do trabalho que deu origem a presente comunicação.

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EFEMÉRIDES: A CONSTRUÇÃO DE UM PROCESSO DE DESCONSTRUÇÃO POR MEIO DE RESÍDUOS DE MEMÓRIA

Amanda Cristina de Sousa 1

Alexandre França2

Comunicação: Relato de Pesquisa

Resumo:

O seguinte trabalho trata de uma pesquisa em artes visuais (apresentado como trabalho

de conclusão do curso de Licenciatura em Artes Plásticas pela Universidade Federal de

Uberlândia - UFU, no ano de 2008) tendo como meio expressivo a pintura em seus alcances

contemporâneos.

A idéia que rege esta pesquisa é o tempo como memória: O tempo universal, coletivo

e o tempo mental, individual.

Procuro estabelecer relações sobre os efeitos do tempo e a sua interferência na

degradação da matéria. Entendo o tempo mental como acúmulo de memórias, que se unem

com pensamentos e reflexões contemporâneas, e que transcendem a matéria e o espaço físico.

Resgato elementos da minha vivência, da minha memória e trago-os em sua

materialidade para as pinturas por meio de um processo bastante intimista.

Busco elementos como tecidos, peles de porco, trapos de roupas, cabelos, sendo que

estes são unidos pela costura dando forma às pinturas que são ao mesmo tempo suporte.

Tecendo reflexões sobre o artista, ser criador e o ser criatura, que vou construindo

estas formas que se desfazem e se unem, numa costura de tempos e elementos tão

interessantes e agradáveis como repugnantes.

1 E-mail: [email protected], professora de artes da E.M. Freitas Azevedo bairro Morada Nova. Graduada em Artes Plásticas – UFU, 2008. 2 Orientador do trabalho que deu origem a presente comunicação.

Caminho Poético

“No mundo das artes a regra vigente é comer, devorar o ‘fato’, mastigá-lo completamente, digeri-lo para depois cuspi-lo em um ato solene, regurgitando ‘aquilo’ em forma de ‘um algo’, que carece de emoção, de racionalidade e muita percepção para ser realizado” (LEITE, 2007).

A seguinte pesquisa trata do desenvolvimento de uma poética que se fundamenta em

movimentos e tendências da arte contemporânea. O caminho que esta segue, apresenta um

caráter intimista e efêmero. Resulta de uma relação íntima com o universo da arte, fruto de

experiências estéticas, de memória e sentimentos.

A construção das imagens se dá pela apropriação de elementos orgânicos e

inorgânicos que estão ligados às questões como a fragilidade da matéria, dos seres e da

individualidade. Os elementos visuais partem de mim ao encontro de uma linguagem poética.

O desejo artístico é a construção de pinturas-objetos, onde todos os materiais que são

inseridos também são os que constroem o suporte e a visualidade da imagem, possibilitando

de várias maneiras, estabelecermos a relação entre artista e obra, criador e criatura.

Considero que o pesquisador em arte deve conhecer profundamente seus materiais

plásticos. Um pintor, por exemplo, deve escolher com “o que” vai produzir, desde o pincel, a

tinta, o suporte. Acredito que a escolha destes já está ligada à sua pesquisa poética e aos

métodos que lhe interessa, visando um possível resultado.

O artista, o estudante de arte deve mergulhar no seu material, este lhe deve ser

precioso, afinal o material é o meio para a construção de algo muito valioso, pelo menos no

desejo do artista. É a busca da realização estética, por isso a escolha dos materiais é parte

fundamental nesta pesquisa.

A busca por materiais que relacione com o desejo de explorar uma linguagem que

coloque sob investigação questões referentes à inconstância e efemeridade do ser e da própria

pintura norteiam esta pesquisa. Surge também, a necessidade de buscar referências em artistas

e movimentos da arte contemporânea que relacionem com as intenções deste trabalho, seja

por questões poéticas, temáticas ou simplesmente visuais. Busco me encontrar ou ao menos

nortear em meio a este devaneio contemporâneo que tanto me seduz no mundo da arte.

Encontro importantes referências para o desenvolvimento desta pesquisa, onde o

efêmero e o mutável são explorados, fazendo então, uma relação com trabalhos de artistas

como Joseph Beuys, Leonílson, Leda Catunda, Damien Hirst entre outros.

O alemão Joseph Beuys, que produziu em vários meios e técnicas, sendo considerado

um dos mais influentes artistas europeus da segunda metade do século XX.

Ele se refere ao seu processo da seguinte maneira: “Para mim não se tratava

unicamente de trabalhar com um material específico, mas da necessidade de criar outros

conceitos de poder do pensamento, poder da vontade, poder da sensibilidade.” (BEUYS, apud

BORER, 2001, p.15)

Beuys usava entre outros materiais, gordura, que é também um material recorrente em

meu trabalho, o feltro, além de sangue, osso, mel. O uso destes materiais era bastante

inovador naquele momento.

A única coisa que preocupa Beuys profundamente é esse imaterial. (...) Procurava por meio de suas “performances”, explorar o efêmero, o transitório, manifestar a energia vital coletiva – Fluxo que bebe na semelhança de Heráclito: toda existência passa pelo fluxo da criação e da

destruição. (IDEM, p.27)

Outra característica de sua poética é que ele não expõe a matéria simplesmente, Beuys

oferece os elementos para que se teçam reflexões. “(...) ela não é exposta por si mesma, mas

servindo a um processo de transformação, em primeiro lugar. (BORER, 2001, p.15)

Outro artista importante em minha pesquisa é Leonílson Bezerra Dias, que a partir da

década de 1980 começou fazer uso de costura e bordados de maneira recorrente em suas

obras. O cruzamento entre nossas poéticas está nos usos dos suportes trazidos do cotidiano e

também do bordado como informação plástica essencial.

Outro fato que traz esse diálogo é a maneira de tratar o cotidiano, pensando a vida em

sua fragilidade, transitoriedade e efemeridade.

Nas obras da artista Leda Catunda, percebo certo caráter de efemeridade, além de

considerar outras relações entre seus trabalhos e minhas pinturas. A relação central se dá no

âmbito do processo criativo, na busca de suportes e, porque muitas vezes a artista utiliza

suportes não convencionais e traz as referências destes suportes para suas pinturas.

A arte contemporânea é sua imagem. Esse espelho oferecido dos artistas e no qual eles podem perceber o conjunto – o sistema do mundo artístico contemporâneo reflete a construção de uma realidade um tanto diferente da que existia há algumas décadas. Pode-se ver ainda neste caso, a

predominância de um dos princípios da nova sociedade de comunicação que já havíamos evocado: o de uma realidade de segundo (ou de décimo) grau, que substitui a realidade que tínhamos costume de tornar como dado objetivo. Por isso essa hesitação e ambigüidade: a arte continua sendo o que era “antes”, ligada a critérios estéticos, ou cedeu lugar a uma realidade que não tem mais nada a ver com o gosto, o belo, o gênio, o único, ou o conteúdo crítico? (CAUQUELIN, 2005, p.81)

Decidi por materiais relacionados à minha memória e experiências de vida. Tais

elementos são carregados de individualidade, mas principalmente trazem uma carga bem forte

de informações em sua materialidade, que se distancia da idéia individual. Recolho objetos

pessoais marcados pelo tempo como roupas da minha infância, meu primeiro travesseiro,

primeiro corte de cabelo entre outros, objetos constituídos e constituidores de minhas

vivências.

Resgatando, além disso, costumes familiares e regionais como guardar mechas de

cabelo, criar animais para subsistência (porcos, vacas e galinhas) e confeccionar objetos por

meio de técnicas de costura e bordados. Pretendo resgatar suas forças significativas com

elementos da minha memória.

O resultado é um trabalho que consiste na materialização em camadas de acúmulo de

memórias complexas em uma construção com aparência de desconstrução, que instiga a

aproximação do espectador em busca de um fundo, para apreender os detalhes no meio do

todo, e até sentir seu cheiro.

Considerações Finais

Defendo estas pinturas como objetos de arte, considerando que o desenvolvimento

desta pesquisa me leva a uma possível linguagem. Uma linguagem de resultado formal,

poluído e carregado, mas que consegue atingir algumas das “sensações” que desejo despertar

no espectador (memórias, angústias, estranhamento, etc.).

A visualidade final das construções é um passeio em um ser interno (externalizado), a

imagem traz uma experiência de apresentação ou convite ao espectador. É o desejo de

adentrar no universo da arte com consciência sobre mim mesma considerando ser o caminho

de uma consciência artística, buscando preencher requisitos relevantes na arte contemporânea.

A materialidade e efemeridade das construções plásticas levam resíduos de seu criador

(eu) e marcas de tempos que indicam direções de leitura, sendo que estas não são ligadas à

individualidade do artista. “O homem deve encontrar e realizar o seu próprio caminho.”

(BEUYS, apud BORER, 2001 p.23)

Tudo na imagem é materialidade, fragmentos de matérias, antes distantes, se tornam

substância transformada. Tomar consciência da matéria é fundamental na construção a partir

da mistura destas substâncias.

A delicadeza com que parecem ser construídas e a fragilidade da imagem atingem

sensações que sugestionam o espectador. O medo de rasgar, a angústia do cheiro, o aspecto de

mal acabado, a carga de informações presentes no todo são sensações que dão maior valor

estético às pinturas. A sensação de que estão se perdendo, que são transitórios como todos os

seres formados de pura materialidade é a essência desta pesquisa.

Imagens

Amanda de Sousa Aos corpos porcos

Bordado e costura

170 x 135 cm 2008

Amanda de Sousa Memórias de 24 horas

Bordado e costura 45 x 150 2008

Amanda de Sousa Encantos e encontros

Bordado e costura 149 x 150 cm

2008

Amanda de Sousa Tudo é um

Técnica mista 71 x 73 cm 2008

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BERMAN, Marshal. Tudo que é sólido desmancha no ar: a aventura da modernidade. São

Paulo: Companhia da Letras, 2007.

CHIARELLI, Tadeu (contribuições de Lisette Lagnado e Paulo Herkenhoff). Leda Catunda.

São Paulo: Cosac Naify, 1998.

GULLAR, Ferreira. Relâmpagos: dizer o ver. São Paulo: Cosac Naify, 2003.

INÁCIO FILHO, Geraldo. A monografia nos cursos de graduação. Uberlândia: Imprensa

universitária da UFU, 1992.

LEITE, Arley. Jornal correio de Uberlândia. 22 de nov. 2007.

ZAMBONI, Silvio. A pesquisa em arte: um paralelo entre arte e ciência. 2ed.

Campinas: Autores Associados, 2001.

REFERÊNCIAS ELETRÔNICAS

LOUZADA, JULIO. Artes plásticas Brasil 1985: seu mercado seus leilões. São Paulo: J.

Louzada, 1984, p.240. Disponível em: www.itaucultural.org.br. acesso em 13 de jan de 2008.

MACIEL, Maria Esther. "O inventário do mundo: Arthur Bispo do Rosário e Peter

Greenaway". Disponível em: www.revista.agulha.nom.br. Acesso em 13 de jan de 2008

Enciclopédia Itaú cultural artes visuais: Leda Catunda. Disponível em:

www.itaucultural.org.br acesso em 13 de jan de 2008

"Damien Hist". Disponível em: www.wikipedia.org.br

www.projetoleonilson.com.br. Acesso em 13 de jan de 2008.