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O BORDADO DA MADEIRA ALBERTO VIEIRA-1999

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O BORDADO DA MADEIRA ALBERTO VIEIRA-1999

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O BORDADO DA MADEIRA

NA HISTÓRIA E QUOTIDIANO

DO ARQUIPÉLAGO

ALBERTO VIEIRA

FUNCHAL.1999

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Leandro Jardim.1996

TOADA BORDADA Alma à roda

urde e Borda.

À vista turva faz a curva. Met´agulha faz o ponto ponto a ponto do pesponto ...

<<caseado>> <<cavaquinha>> <<ponto corda>>... .... ... .... ... <<vai ao centro» <<faz por dentro ...>> <<..faz por fora>>... faz a fIora...

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Elabora a pasta toda

.... ... .... Roda .... roda. Lança e passa <<garanito>>... Lança-linha ...urdidura

miudinha... põe bem dura... "ta bonito".!...

... ... ... ... vai-lá - pica

pica e fura "fura” <<ílhó... >>

Faz sem medo o furo a fundo bem redondo “pequenito" .... ---passa o dedo ... "Assim..." tá bom>> ... .... Passa .... <<Passa o fio>> leva a fio de retrós todo o "risco" que é meu riscado .

... Se bordando quem sois vós?

Mais faz .... e faz "solteira" faz "Viuva"

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faz "casada" faz "canela" faz "bastida" faz "cavaca" Bem à roda Dessa borda faz "a cheio" “bico e folha” e "caseia" tudo à volta...

Nessa folha.... tira os fios. Põe Cuidado no cruzado bem certinho...

Cruza o ponto d’ “arrendado"... - "Latadinha" ...? ...Ou faz "Olho de passarinho” - Que fizeres faz “certinho" ...

faz "Cruzinha"!... Se quizeres

"faz qu’é bom...” Faz assim ...

...isso assim e <<tá bem bom>> !... ... ... ......

Tu que enches Os broslados ... ao “enchê-los" vai fazendo os quatro lados!

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Já vai cheio a mais de meio os meus riscos... ...Feitos ... dados... ... ...

De permeio,

Canta! Conta a lenga... faz toada ... Sente a ida dos negalhos

desfiando ladainhas ... sofre as linhas goza as linhas cobre as linhas dos desenhos... meus engenhos ... meus trabalhos a ti postos na toalha no teu colo já bordada!

Maravilha !

Dessa, à roda Ainda ficam Mãos na borda. Fica a mãe, Fica a f ilha Fica a tia Fica a’miga Fica outrém Mais a prima...

E eu, também nesta ilha

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faço rima e ando a roda dessa moda que já roda O mundo à volta. Faço o "risco" e me arrisco deste todo já bordado o legado de fazê-lo desenhado.

foi meu jeito foi meu fado É meu feito!

Se bem feito Feito foi Sob o peito meu dobrado Tal riscado... ... ....

Olho a toalha alva na mesa longa da vida que se fez bordada.

A tarde cai A noite vem dânsias luada... Desce a poalha na álgida distancia que fica na estrada e à mente me traz esta toada, da alva toalha bordada que dobro de sobre a mesa longo da vida

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aqui desenhada ... .... .... Sinta, sinta comigo

o feito que faz sentirmo-nos em paz. LEANDRO JARDIM, 1996

P.S.: Improviso para a exposição dos trabalhos apresentados no final do Curso para "Bordadeiras de Casa", promovido pelo I. B.T.A M., projecta-do e monotorizado por mim, no Es-treito de Câmara de Lobos em 1996. Recordo que a cadência da declamação sugere o puxar da agulha, a linguagem usada, os nomes entre aspas, eram usuais entre as bordadeiras que às "rumas", bordavam "pegadas" as toalhas que eu vi na vida. Hoje em dia, rara-mente se ouve.

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INTRODUÇÃO

FORMAS DE VESTIR E DE SE EXIBIR DO BORDADO CASEIRO O INDUSTRIAL AS BORDADEIRAS AS TÉCNICAS E OS MATERIAIS OS MERCADOS DO BORDADO MADEIRA OS ESTRANGEIROS E O BORDADO

OS TESTEMUNHOS SOBRE A HISTÓRIA E TÉCNICA DO BORDADO MADEIRENSE O PERFIL DE UM ARTISTA: desenhador/criador, a bordadeira CONCLUSÃO

BIBLIOGRAFIA FUNDAMENTAL

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APRESENTAÇÃO

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O bordado faz parte da cultura e História dos madeirenses. Tal como sucede com o vinho, é uma das marcas que os identifica. A sua presença suplanta as barreiras naturais do arquipélago para se postar em mesa ou cama rica. Foi executado em meio pobre, mas quase sempre solicitado para em mesa ou cama nobre. O bordado madeirense não é uma criação do século XIX, pois está presente na ilha desde os inícios do povoamento. Apenas a sua afirmação como mer-cadoria, com peso significativo no sistema de trocas da ilha com o exterior e na economia familiar de muitos madeirenses, aconteceu apenas a partir da segunda metade do século XIX. Esta situação é considerada como uma ini-ciativa de Miss Phelps que, segundo a tradição, ter-lhe-á aberto o caminho do mercado britânico. Foi a partir de então que o bordado, considerado um produto para uso e consumo caseiro, assume a dimensão de produto mer-cantil, de grande procura e valorização pelo mercado estrangeiro. Isto moti-vou uma profunda transformação. Apareceram as casas e os exportadores especializados no seu comércio, que foram responsáveis por uma mudança radical no sector produtivo. A garantia e continuidade do processo de fabri-co e circulação da mercadoria foram garantidas pelas casas de bordados. Ao mesmo tempo aprimorou-se tecnicamente o produto e regulamentou-se o trabalho da agulha de acordo com as exigências da nova clientela e moda. Ao mesmo tempo o acto de bordar deixa de ser uma forma de lazer para se transformar numa actividade de subsistência, por vezes, exercida a tempo inteiro. Antes que o forasteiro oitocentista descobrisse o bordado madeirense ele manteve-se reservado ao consumo familiar e a sua actividade caseira. Bor-dava-se para fruição própria ou para presentear familiares e amigos. Para a

donzela a tradição do enxo-val de casamento era muitas vezes o motivo de tão paciente dedicação ao traba-lho da agulha. Raras eram as peças que saíam do cir-cuito familiar. Estávamos perante um bordado ances-tral que seguia uma tradição familiar, adequando-se, de quando em vez, a novas formas e ao gosto do cria-dor. A partir de meados da cen-túria oitocentista o apareci-mento das Casas de Bordados e o interesse cada vez maior de estrangeiros nomeada-

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mente ingleses, alemães, norte-americanos e sírios, pelas peças bordadas, conduziram à passagem do processo artesanal para o industrial. Aqui, são os clientes quem define o tipo de encomendas, ficando às casas, a função de disciplinar o trabalho, as técnicas e os materiais. O bordado deixou de ser uma livre criação da bordadeira, entrando num processo de laboração que começava com o traçado das linhas e os desenhos ajustados à solicitação do mercado ou da exigente clientela. A criação pas-sou para a mão do desenhador, ficando a forma final dependente da maes-tria das mãos da bordadeira. Por ser um trabalho eminentemente feminino a sua concretização ocorria em casa de forma a poder conjugar-se a azáfama caseira diária com o trabalho da agulha. Para a maioria dos madeirenses o bordado surgiu como a tábua de salvação em face da situação difícil da agricultura da ilha desde meados do século XIX. A crise económica, provocada pela situação da viticultura, obrigou à procura de novas formas de sobrevivência alternativas, de que o bordar terá sido uma delas. O quotidiano da ilha transformou-se levando a que a mul-her se prendesse cada vez mais à casa e ganhasse importância social. As lides caseiras passaram a ser companheiras da arte de bordar. Na voz dos inúmeros visitantes, que ao calcorrearem a ilha se aperceberam desta reali-dade, este foi mais um motivo de atenção. Por todo o lado era evidente o amontoado de mulheres que bordavam. A presença do bordado no quotidiano ficou evidenciada por todos e até o próprio madeirense tem consciência disso. A jovem bordadeira era alguém de prestígio na sociedade rural que, rapidamente se afirma pela ostentação dos lucros fruto do novo labor. Por outro lado o acto de bordar tornou-se comum e, não apenas para o sexo feminino, pois segundo a quadra popular: Borda o pai, borda a filha e borda a mãe.

No meio rural o contacto entre a bordadeira e as casas fazia-se através dos agentes e caixeiros que calcorreavam todas as localidades à descoberta destas ágeis mãos capa-zes de dar forma e relevo aos desenhos estampados nas peças de linho e cambraia. Na cidade do Funchal as casas de vinhos cederam lugar às

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dos bordados e a animação comercial transferiu-se para novos cenários e arruamentos. No porto os navios, nomeadamente os passageiros dos cha-mados vapores do Cabo, passaram a ser assediados por minúsculas embarca-ções onde os bomboteiros exibiam as toalhas bordadas. O século XX anun-ciou-se como uma época de prosperidade tendo como origem o bordado. Orlando Ribeiro (1949) testemunha esta situação: …os “bordados da Madeira” são um dos produtos mais célebres da ilha, a título semelhante ao dos vinhos generosos ou ao do açúcar de outrora. Os turistas e os viajantes de passagem continuam a comprar os bordados que se vêem expostos nas montras das lojas do Funchal, no tombadilho dos paquetes ou das pequenas embar-cações que os acostam. É esta a razão pela qual algumas firmas continuaram a tirar benefícios substanciais. Os negociantes de bordados, dispondo de capitais considerá-veis, compram terras, substituindo em parte, junto dos colonos, a antiga nobreza rural. A primeira metade do século XX foi um período difícil para todo o mundo. As guerras mundiais (1914-19 e 1939-45) foram um forte travão ao progresso e ao comércio. Perderam-se mercados, encerram-se muitas das casas, saíram as bordadeiras e a concorrência do bordado doutras regiões, nomeadamente oriental, não deu tréguas aos madeirenses. Mesmo assim o bordado mante-ve-se na economia local, sendo juntamente com o vinho a marca indelével que identifica a Madeira. Enquanto houver quem valorize o trabalho da agulha o bordado madeirense não morrerá, ficando na memória dos visitan-tes como a recordação perdulária da visita e descoberta deste trabalho manual que teima em persistir na era post-industrial. Ainda hoje, passados os momentos de fulgor da produção e comércio do bordado, a ilha continua a ser identificada por este e pelo vinho. Apenas mudaram as possibilidades de acesso a estas autênticas obras de arte, que no dizer de Horácio Bento de Gouveia, são as nossas Lágrimas correndo mun-do.

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A HISTÓRIA DO BORDADO Ao contrário do que possa parecer a História do bordado não se esgota na Madeira e tão pouco se resume ao período decorrente da sua afirmação a partir de finais do século XIX. Tudo isto porque o bordado não é criação madeirense e o trabalho da agulha ocupou sempre o sexo feminino nos qua-tro cantos do Mundo.

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Segundo a tradição o berço do bordado situa-se no Oriente, Médio Oriente e Rússia. Parece que esta actividade se perde nos anais da História. Em 1964 o achado arqueológico de um caçador do “Cro-Magnon”, datado de cerca de 30.000 AC revelou-nos o primeiro registo fossilizado de um pano bordado com pontos à mão. Todavia, o primeiro bordado que se preserva em pano é chinês e data de 3500 AC. A China foi um dos espaços de afirmação da arte de bordar, que remonta à dinastia Shang (1766-1122 AC.) e tornou-se muito popular na dinastia Ming (1368-1644). No Mediterrâneo a divulgação do bordado esteve a cargo dos assírios, egíp-cios, gregos e romanos. Os Gregos consideravam o bordado invenção da deusa Minerva. São inúmeros os registos arqueológicos onde é possível tes-temunhar a importância do bordado para as civilizações do Mediterrâneo. O Cristianismo, por força da necessidade dos trajes de culto bordados a ouro, defendeu e divulgou a arte de bordar em todo o mundo sob a sua influência. Roma, como sede do papado, transformou-se a partir do século XVI num dos mais importantes centros do trabalho da agulha, por força da exigência das vestes de cerimónia do papa e cardeais. O Cristianismo encar-regou-se de divulgar esta arte em todo o lado e os conventos femininos foram centros de relevo no incentivo da tradição de bordar. Em toda a Europa, cristã ou não, era conhecido o trabalho da agulha, po-pularizando-se o bordado no século XVIII. Os séculos XVII e XVIII são con-siderados a época de ouro do bordado europeu, numa vasta área que vai desde a Itália à Holanda, passando pelos países eslavos. A segunda metade do século XIX foi marcada por uma profunda transformação fruto da meca-nização do trabalho com a máquina de bordar, considerada uma séria ameaça para o bordado à mão de regiões como a Madeira. Em 1913 causou alvoroço no Funchal a notícia de que fora autorizada a importação de máquinas de coser para o bordado. Ainda nesta centúria tivemos uma maior divulgação dos motivos através dos desenhos em revistas, que con-tribuiu para o estabelecimento de padrões da moda. Esta divulgação de desenhos impressos terá começado no século XVI com a publicação dos pri-meiros livros sobre o tema.

O bordado aplicado nas peças de vestuá-rio era uma tradição desde a Idade Média e estava ligado à realeza e nobreza. Os bordados em seda e ouro eram o adorno principal das peças de vestuário, alcan-çando, por isso, elevado preço. A tradição diz-nos que as peças bordadas estavam reservadas para a oferta a reis, imperado-res e príncipes.

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Em Portugal a arte de bordar está presente desde tempos muito recuados afirmando-se em algumas regiões como Viana do Castelo, Guimarães, Cas-telo Branco, Nisa, Caldas da Rainha e Tibaldinho. A presença na Madeira de povoadores oriundos das diversas regiões do país, mas de forma especial do norte, áreas de grande tradição do bordado, deverá ter contribuído para que esta arte se alargasse aos novos espaços de ocupação no Atlântico. Um dos grupos mais significativos de povoadores do arquipélago era oriundo de Viana do Castelo. Deste modo o bordar é tão antigo quanto o povoamento da ilha, uma vez que os primeiros portugueses que pisaram o solo madei-rense foram dignos representantes de uma tradição cultural que projectou a terra de origem.

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FORMAS DE VESTIR E DE SE EXIBIR O bordado está directamente ligado ao vestuário e desde o momento que o Homem sentiu a necessidade de cobrir o corpo surgiram os tecidos, ela-borados a partir de diversos produtos e com o recurso a técnicas de confec-ção, com aplicações de bordado. Na Madeira as formas de vestir obedeceram ao padrão dos locais de origem dos colonos e às disponibilidades do meio e mercado. Aqui cultivou-se o linho e o pastoreio de ovelhas foi uma actividade significativa pelo forneci-mento de lã para a indumentária local. De acordo com um relatório da indústria da Madeira em 1862 existiam 559 teares de linho e lã. A maior incidência destes ocorria em Santana e Calheta, com 160 e 165 teares respec-tivamente. No Funchal a concentração de teares era menor, pois o porto abria-lhe a possibilidade de acesso aos panos de importação. Desde o século XV que a coroa promoveu, sem sucesso, a cultura da seda mas não obstante D. Manuel haver afirmado em 1485 que a dita ilha é muito

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disposta para se nela fazer seda. Parece que as previsões não se cumpriram e de certeza que a maioria da sede que se usou na ilha era importada. A animação comercial, provocada pelo comércio do açúcar e depois do vinho, atraiu os vendedores de tecidos da Flandres ou Inglaterra. A riqueza propiciada por ambos os produtos conduziu a que o luxo chegasse também à Madeira, sendo as sedas, os brocados e as peças ricamente bordadas umas presença na casa das principais famílias madeirenses. Um testemunho desta opulência surge em 1566, aquando do assalto francês à cidade. Segundo Gaspar Frutuoso o saque foi valioso, pois a cidade estava... mui rica de muitos

açúcares e vinhos e os moradores prósperos, com muitas alfaias e ricos enxovais, muito pacífica e abastada, sem temor nem receio do mal que não cuidavam. O vestuário do homem integrava as bragas, a camisa, gibão, sainho, calças, pelote, saio, jaqueta, roupeta ferragoulo, tabardo, capa. A isto juntava-se o calçado, composto de sapatos em bico e botas de couro. Para a cabeça temos as carapuças. A mulher usava como roupa interior a camisa, a fraldilha e um vestido que cobria todo o corpo. O calçado era semelhante ao do homem, apenas na cabeça acontecia

um especial cuidado que as diferenciava. As crianças de famílias pobres da cidade e meio rural eram esquecidas quanto à indumentária. Os mais pequenos andavam totalmente nus e os outros vestiam apenas uma camisa branca todo esburacada. O enxoval de uma casa era por norma muito modesto reduzindo-se a pou-cas peças de vestir, de abafo e dormir. Esta situação resultava do elevado preço dos tecidos e dos parcos meios monetários das famílias pobres. Peran-te isto restava-lhe pouco que vestir e a moda era palavra vã. A indumentária resumia-se ao fato de ir à missa e ao de trabalho. O segundo vestia-se até se romper e mesmo assim havia ainda a possibilidade de ser remendado. Deste modo procurava-se disfarçar os remendos com casacos (as) compridos (as). John Barrow em 1792 diz-nos que os lojistas e trabalhadores mecânicos ves-tiam chapéu, sapatos e meias e um casaco comprido para esconder os remendos das calças, trajando as mulheres de fato negro e capacete na cabe-

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ça. A estas peças juntavam-se a carapuça, considerada de origem africana, e raras vezes os sapatos. Os adornos não faziam parte deste enxoval. Na casa das famílias mais abas-tadas a situação era distinta. As festas, os saraus dançantes, os piqueniques eram momentos de exibição da moda, seguindo os modelos franceses e ingleses com tecidos importados. A isto juntava-se a riqueza e diversidade

dos adornos. Este contraste entre a população madeirense é bastante evidente para os foras-teiros. Nos séculos XVII e XVIII o mercado madei-rense de panos foi alvo de profundas altera-ções por força da influência britânica, sedi-mentada através de vários tratados. Em 1703 o tratado de Methuen consolidou a hegemonia dos panos ingleses no mercado português. Durante o século XVII era comum os madei-renses trocarem vinhos por peças de roupa, muitas vezes já usadas, e tecidos. Esta práti-ca, testemunhada por muitos dos ingleses

que por cá passaram e deixaram o registo escrito das suas memórias, evi-dência a carência que existia na cidade em peças de vestuário e tecidos. A chegada ao meio rural dos tecidos de importação acontecia por meio dos adelos, na sua maioria de Gaula.

A partir do século dezoito temos informações muito claras sobre a indu-mentária da cidade e do meio rural. As descrições e gravuras dos visitantes estrangeiros são um testemunho precioso desta realidade. O traje do vilão era baseado numa jaqueta sem mangas que cobria uma camisa de estopa grosseira, calções de linho apertados a partir do joelho, a que se juntava na cabeça uma carapuça e botas de cano dobrado. Esta descrição condiz com o

testemunho de J. Foster (1772) e inúme-ras das gravuras conhecidas. Já no meio urbano o povo vestia-se à imitação da burguesia e nobreza, sendo a distinção evidenciada pela qualidade dos tecidos e presença de adornos. A riqueza aliada à oferta de tecidos de importação, de preços excessivamente elevados, conduzia ao luxo nos diversos estratos sociais. A coroa interveio no sen-tido de travar a ostentação no vestuário. Em 1686 D. Pedro fez publicar uma pragmática contra isso. Aqui o principal alvo era “todos os bordados que cha-

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mam de seda”, que não podiam levar prata ou ouro, e “todas as rendas que se chamam bordados”. Já em 1749 D, João V condescendia com algumas peças de vestuário bordadas: “poderá usar-se roupa branca bordada de branco ou de cores, contudo porém que seja bordado nos meus domínios, não de outra manufactura.”. Todavia em 1780 as leis sumptuárias no conce-lho de Machico determinavam que a nobreza e homens da governança não podiam usar botões bordados. As leis sumptuárias, ao atacarem as peças de vestuário bordadas, eviden-ciam que esta era uma tradição comum a todo o reino e que abrangia muitas das peças de vestuário masculino (camisas, calções, etc.) e feminino (saia, colete, manto, capa, etc.). A partir da Revolução Liberal o comércio de venda a retalho dos tecidos tornou-se livre das peias sumptuárias, o que deverá ter contribuído para uma reafirmação do bordado nas peças de vestuário.

O século XIX iniciou uma revolução no modo de ves-tir, marcada pela simplici-dade e aspecto prático da indumentária, bem como de uma tendência para a uniformização do vestuá-rio, através da imposição da moda vinda de França que apenas conquistou adeptos entre as classes abastadas, uma vez que o traje popular continuava a manter as mesmas cores e formas usuais. Assim, o homem veste camisa bran-ca de linho ou estopa, cal-ções e colete, carapuça e bota chã. Os calções e cole-te podem ainda ser de cores distintas mas a ten-

dência era para o branco. A indumentária da mulher consistia em camisa, saia listada, corpete, capa, carapuça e bota chã. Alguns testemunhos de viajantes ou autores nacionais e estrangeiros ates-tam que o vestuário do madeirense não era uniforme. A ideia de “farda” parece ser recente. Vestia-se de acordo com as disponibilidades das lojas de fazendas que procuravam adequar-se às modas trazidas pelos ingleses. Por outro lado há que ter em conta que estas descrições da indumentária são fruto de uma mera observação dos sítios visitados, não uma visão global de

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toda a ilha. Apenas três de entre os muitos textos mostram esta evidência. Em 1772 o ilhéu, segundo George Forster, vestia do seguinte modo: Os trabalhadores no Verão, usam calças de linho, camisa grosseira, um grande cha-péu e botas; alguns trajavam um casaco curto de tecido e uma grande capa que mui-tas vezes trazem dobrada, ao braço. As mulheres usam saia, corpete curto ou casa-quinho, bem justos às suas formas, o que constitui um vestido simples e muitas vezes nada deselegante. Também possuem curta mas ampla capa e as solteiras atam os cabelos ao alto da cabeça, não usando qualquer véu. No século XIX temos dois outros testemunhos distintos sobre o modo de vestir. Em 1812 Nicolau Caetano Pitta: As mulheres do campo usam saias azuis debruada com vermelho, um capote curto, geralmente vermelho ou azul claro, justo ao corpo, os quais formam uma vestimenta simples e às vezes não deselegante, e uma capa curta vermelha debruada com uma tira azul e um barrete pontiagudo azul; as que são solteiras amarram o seu cabelo no alto da cabeça, sobre a qual algumas não usam cobertura. Os trabalhadores usam

calças de linho, uma camisa grossei-ra, um barrete azul, botas brancas, jaqueta curta feita de tecido azul e no Inverno usam geralmente capas compridas, as quais, quando não cho-ve levam sobre o ombro. Em 1840 Paulo Perestrelo da Câmara nota o aspecto particular do traje madeirense o que desper-ta a atenção estrangeira: Os trajes dos camponeses são muito diversos de outro qualquer país, e os estrangeiros principalmente notão-lhe um gosto bizarro e extravagante. Consiste pois, em um par de ceroulas largas, franzidas, mui curtas, que só chegão do embigo acima do joelho, muito semelhante aos calções turcos;

chamão-lhe cuecas e em geral são de serapilheira da parte do Norte, e de pano de linho na do Sul; botas de canhão, amarellas, com um bico arrebitado, como o das sandálias chinesas; uma camisa de pano de linho, um gibão de cor e um funil de pano azul com um bico comprido, com duas orelhas, o qual unicamente tapa a coroa da cabeça. O traje das mulheres também não deixa de ser curioso e simples. Começa por quasi nunca usarem de calçado senão nas igrejas ou em ocasiões de festejos; um saiote que pouco lhe desce dos joelhos, de uma fazenda de lã fabricada no país a que chamão mafaruje, tingida com casaca de amoreira; um colete de cor mui pequeno, por fora da camisa, uma capinha encarnada, e igual funil ao que usão os homens, ainda diminuto, o qual para se sustentar na cabeça é necessário ser preso com alfine-te ao cabelo. Chamão-lhe carapuça.

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A Bordadeira. Monumento escultórico de Anjos Teixeira, inaugurado em30 de

Junho de 1986

DO BORDADO CASEIRO AO BORDADO INDUSTRIAL O bordado está presente na ilha desde os primitivos tempos da ocupação. A tradição de bordar, do local de origem dos povoadores, acompanhou-os na travessia atlântica e instalou-se no novo espaço. Deste modo borda-se na ilha desde o início do povoamento. Bordava-se em linho, algodão, seda e organdy para se fazerem toalhas de mesa, peças decorativas, jogos de cama e peças de vestuário, nomeadamente feminino. A leitura de alguns testamen-tos revela-nos que muitas daquelas peças de vestuário passavam de pais para filhos, não apenas pelo valor sentimental, mas também, pela raridade e riqueza do bordado. O mais antigo testemunho sobre o bordado madeirense surge em finais do século XVI no volume das “Saudades da Terra” que Gaspar Frutuoso dedi-cou à Madeira. A propósito do casamento de Isabel de Abreu, da Calheta, com António Gonçalves, o autor refere que as delicadas mulheres da ilha da Madeira, que (além de serem comummente bem assombradas, muito formosas, dis-cretas e virtuosas) são estremadas na perfeição deles e em todalas invenções de ricas coisas, que fazem, não tão somente em pano com polidos lavores.... Daqui resultará que o bordado Madeira se manteve por muito tempo no segredo das arcas das suas criadoras. Era trabalho de inestimável valor que,

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por isso mesmo, não podia ser vendido, apenas era de usufruto familiar, prenda de enxoval ou legado por morte. Por muito tempo o bordado foi considerado um produto não vendável, que raramente saia do circuito fami-liar. Os estrangeiros que escreveram sobre a ilha até meados do século XIX não fazem referência ao bordado. Aquilo que mais lhe chamava a atenção eram as flores artificiais feitas pelas freiras do Convento de Santa Clara. No relato das três viagens (1768, 1772, 1776) de James Cook não surge qualquer indi-cação do bordado mas sim às ditas flores. O Convento de Santa Clara foi uma referência para a maioria dos estrangeiros que visitaram a ilha entre os séculos XVII e XIX. Era local de romagem obrigatória. Aqui, para além da doçaria, realçava-se as flores de penas. Para muitos dos visitantes o princi-pal “souvenir” da Madeira. A juntar a tudo isto temos em princípios do século XIX uma verdadeira atracção para os visitantes, a madre Maria Cle-mentina. Nos conventos femininos, como o de Santa Clara, o bordado foi

também uma activi-dade que ocupou as freiras nos momen-tos de lazer, mas a maioria dos estran-geiros apenas se detém nas flores artificiais e na doça-ria. A primeira metade de oitocentos, que foi demarcada pelos

conflitos europeus, guerra de independência das colónias, associada aos factores de origem botânica (oídio-1852, filoxera-1872), conduziu ao paulatino degenerescimento da pujança económica do vinho. Como corolário, deste inevitável processo, sucederam-se as fomes, nos anos quarenta, e a sangria emigratória nas décadas de 50 e 80, para o continente americano, onde o madeirense foi substituir o escravo nas plantações. Por um período de mais de setenta anos a confusão institucional e económica alargou-se ao domínio social e alimentar. Assim sucederam-se novos produtos de importação do Novo Mundo que ganharam uma posição de relevo na culinária madeiren-se. Destes destacam-se o inhame e a batata. A par disso definiram-se políti-cas de reconversão e ensaios de novos produtos com valor comercial (taba-co, chá,...). Foi nesta conjuntura difícil que se afirmou o bordado, como uma das âncoras possíveis para a economia do arquipélago. Até meados do século XIX não existem referências à venda ou exportação do bordado Madeira. E, nas diversas descrições das actividades artesanais, não aparece o bordado, como se poderá constatar na memória de 1822 de João Pedro Drumond ou no livro publicado em 1841 por Paulo Perestrelo da

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Câmara. Foi, na verdade, com a exposição das indústrias madeirenses rea-lizada no Palácio de S. Lourenço a partir de 1 de Abril de 1850 que se desco-briu o bordado, como mercadoria salvadora da economia familiar. A partir daqui procedeu-se ao aproveitamento capitalista, assumindo-se as peças

bordadas como um produto de grande rentabilidade económica. A exposição industrial foi orga-nizada pelo então Governador Civil, José Silvestre Ribeiro, com o objectivo de promover junto dos madeirenses e visitantes, as diversas indústrias e artesanato do arquipélago. A escolha do mês de Abril deveu-se ao facto de este ser o mês em que havia maior número de estrangeiros na ilha. O sucesso parece que se ficou pela valorização comercial das obras de artesanato expos-tas, nomeadamente o bordado. Graças ao empenho pessoal do governador a exposição foi um sucesso e a mais completa amos-tra das potencialidades sócio-

económicas do arquipélago. No caso dos bordados o relatório sobre a expo-sição não podia ser mais elogioso: ...bordados em seda a matiz com guarnições de froco, de mastro, e de ouro, em diferentes quadros, tudo feito com muito asseio e beleza. Bordados de passe em filó, bem acabados e de bom gosto. Bordados brancos diversos de muito merecimento. Como forma de incentivo aos expositores dis-tribuíram-se medalhas e louvores. No sector dos bordados e lavores tivemos duas medalhas a premiar os bordados brancos de Luísa e Carolina Teives. O interesse britânico por esta exposição foi enorme, recebendo a Madeira convite para estar presente em Londres na exposição universal que decorreu no ano seguinte de 1851. Mais uma vez, sob o impulso do Governador Civil, José Silvestre Ribeiro, a Madeira apresentou um rico bordado feito pela senhora Breciano com reprodução de flores da Madeira, flores de penas das freiras do Convento de Santa Clara. Os comentários às peças presentes foram auspi-ciosos: bordados a branco que foram geralmente aplaudidos e considerados de uma perfeição inexcedível. Ambas as exposições foram um marco decisivo na afirmação do bordado no mercado local e londrino. O primeiro registo referenciado das exportações é de 1849 e dá conta do envio para Lisboa de esguião de Linho bordado, mas foi nas exportações para o mercado britânico, a partir de 1854, que começou a

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delinear-se o primeiro e promissor mercado para o bordado Madeira. As primeiras exportações aconteceram por iniciativa de Miss Elizabeth Phelps, filha de Joseph Phelps, um destacado mercador de vinhos que se havia ins-talado no Funchal em finais do século XVIII. Ela foi responsável pela propa-ganda do bordado madeirense junto de algumas famílias e teve também uma activa intervenção no ensino do trabalho da agulha. Em meados da centúria. a mesma, com outras senhoras funchalenses criou uma escola lan-casteriana feminina. Aqui, para além do ensino básico, sem recurso à palma-tória, ensinava-se as jovens a trabalhar com a agulha. Este ensino das técni-cas do bordado inglês influenciou de forma decisiva o bordado Madeira nos primeiros anos, de tal forma que Émile Bayard afirmava que este era conhe-cido como bordado inglês.

A ligação de Miss Phelps ao bordado madeirense tem dado lugar a alguma confusão. É comum dizer-se que foi esta donzela britânica que intro-duziu o bordado na ilha. Pelo que atrás ficou dito parece estar demonstrado que o bordado já existia na ilha muito tempo antes da sua chegada e que o seu contributo mais significativo foi o de o divul-gar à sociedade britânica, abrindo as portas para um promissor mercado. A afirmação do mercado britânico justifica-se pela ancestral ligação e influência britânica na ilha. A presença e assiduidade dos britânicos na ilha é

resultado ainda de outras situações. Na segunda metade do século XVIII a ilha assumira um outro papel com a revelação da Madeira como estância para o turismo terapêutico, mercê das então consideradas qualidades profilá-ticas do clima na cura da tuberculose, o que cativou a atenção de novos foras-teiros. A tísica propiciou, ao longo do século dezanove, o convívio com poetas,

escritores, políticos e aristocratas. Não obstante a polémica causada em torno das possibilidades des-te sistema de cura a ilha permaneceu por muito tempo como local de acolhimento de doentes, sen-do considerada a primeira e principal estância de cura e convalescença do velho continente. A presença, cada vez mais assídua, destes doen-tes provocou a necessidade de criação de infra-estruturas de apoio: sanatórios, hospedagens e agentes, que serviam de intermediários entre os forasteiros e proprietários de tais espaços de aco-lhimento. Este último é o prelúdio do actual agen-te de viagens. Então o turismo, tal como hoje o

entendem, dava os primeiros passos. E foi como corolário disso que se esta-beleceram as primeiras infra-estruturas hoteleiras e que o turismo passou a

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ser uma actividade organizada e com uma função relevante na economia da ilha. Mais uma vez, o inglês foi o protagonista do processo. No passado foram as condições do meio que fizeram da ilha um dos prin-cipais motivos de atracção turística. Hoje o turista é outro e por isso também as exigências são diferentes. Assim aos motivos ambientais aliam-se os cul-turais, passando os dois a andar de braço dado. No fundo é a simbiose do “grand tour” europeu com o turismo terapêutico insular. Nos últimos anos a Madeira adquiriu uma posição desusada no “ranking” da comunidade científica. A ilha continuou a fascinar cientistas e visitantes. O clima, o endemismo, as particularidades do processo histórico, o prota-gonismo na História do Atlântico fazem dela, ontem como hoje, um pólo chave para o conhecimento científico. Hoje a ilha é tema de debate nos diversos areópagos científicos e cada vez mais se sentem o apelo da comu-nidade científica para o seu conhecimento e divulgação. Em certa medida esta próxima realidade vai ao encontro daquilo que foi a História do arqui-pélago. Na verdade, o passado histórico da ilha, relevado quase sempre pelos aspectos económicos e sociais, esquece uma componente fundamental

da inovação e divulgação tecnológica que transformou a rotina das tarefas económicas e revolucionou o quotidiano dos nossos avoen-gos. Mais do que isso, o madeirense, além de exímio inventor — na inevitável tarefa de encontrar solução para as questões e difi-culdades do dia a dia —, foi também um efi-caz divulgador da sua tecnologia. A Madeira

foi a primeira terra revelada do novo mundo, escala para a navegação e expansão dos produtos europeus no mundo atlântico. Com o século XVIII a ilha transforma-se em escala obrigatória das expedições científicas que fize-ram saciar a curiosidade inata do Homem das Luzes. A partir de meados do século XIX os visitantes ingleses passaram a dar atenção ao bordado. Assim, entre 1853-54, Isabella de França, no diário da visita que fez à ilha, dá conta de forma clara da presença do bordado na indumentária madeirense. Na romagem de Santo António da Serra, em Outubro, refere um homem com casaca azul recamada de magníficos bordados a ouro. Quanto ao vestuário feminino destaca um corpete de fustão amarelo ou material semelhante muito bem bordado a ponto branco. E na inevitável visita a Maria Clementina no convento de Santa Clara desperta-lhe de novo a aten-ção o bordado da camisa:...tinha um peitilho franzido em volta do pescoço, de cassa tão fina e clara que mostrava a extremidade bordada da camisa a despontar por baixo [...]. Na mão sustinha um lenço bordado, da mesma casa,... À medida que o produto foi ganhando mercado em Inglaterra surgiram os primeiros intermediários. Robert e Frank Wilkinson foram os primeiros ingleses envolvidos neste negócio. As relações comerciais entre a Madeira

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eram desde o século XVII assíduas, fruto da ligação madeirense ao processo de afirmação colonial britânica, onde o porto do Funchal foi um dos centros de apoio no Atlântico. A presença de ingleses era frequente no Funchal e a actividade alargava-se a todos os produtos com valor mercantil. Deste modo, os britânicos, por força destas circunstâncias, foram os primeiros a interessar-se pelo comércio do bordado. A valorização do bordado como mercadoria de exportação teve implicações directas no processo de fabrico. Primeiro assinala-se a necessidade de recru-tamento de cada vez mais mão-de-obra de forma a atender às solicitações. Assim, em 1862 temos mais de mil bordadeiras em toda a ilha.

Paulatinamente o bordado conquistou novos mercados, fruto da divulgação que fizeram os britânicos, nomeadamente nos roteiros e literatura de viagens. Esta fama ultrapassou as fronteiras e chegou à Ale-manha. As primeiras peças de bordado foram para aí conduzidas em 1881 por ini-ciativa de Otto von Streit, que havia fixado morada no Funchal em Novembro de 1880,

na busca da cura para a tísica pulmonar. A sua presença marcou o início da intervenção alemã que perdurou até 1916, altura em que Portugal entrou na primeira Guerra Mundial. A intervenção dos industriais e comerciantes alemãs foi um marco impor-tante na História do bordado madeirense. A sua partir da década de oitenta provocou uma verdadeira revolução no processo de fabrico do bordado. A primeira alteração ocorreu ao nível dos tecidos e linhas. A linha azul, usada até então, foi substituída pela linha branca. Ao mesmo tempo introduziu-se uma nova técnica de aplicação directa dos desenhos sobre o tecido, acaban-do-se com os desenhos alinhavados por baixo. Sucede, ainda, que os dese-nhos eram até então criação das bordadeiras, mas com esta nova técnica os desenhos passaram a ser feitos e estampados no tecido antes de serem entregues às bordadeiras. Para facilitar o processo introduziram-se as máquinas de picotar. A situação está documentada em 1906 por artigo publicado por João Mota Prego no Heraldo da Madeira:

(...) o comércio alemão transformou esta indústria numa verdadeira riqueza para a ilha. Pouco a pou-co, foi removendo as dificuldades inerentes a um pessoal trabalhador boçal como é a mulher do cam-po; compreendeu bem o que podia exigir dela, não lhe pediu desenhos nem ideias, simplificou-lhe a preparação do trabalho e aproveitou-lhe o que real-mente ela podia dar; a parte meramente mecânica,

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material. Procurou os desenhos fornecendo-lhe já estampados nas fazendas e exigin-do-lhe apenas uma execução minuciosa e perfeita. Esta técnica obrigou ao estabelecimento de casas comerciais no Funchal com a função de proceder ao trabalho de preparação e à distribuição do tecido e linhas pelas bordadeiras. Junto destas actuavam os caixeiros que procediam à distribuição pelas bordadeiras dos panos e que depois os recolhiam já bordados. Toda a tarefa de engomar e embalar os bordados estava reserva-da à casa, que tinha sede no Funchal. A cada vez maior procura de bordado implicou as necessárias inovações técnicas devidas aos alemães, o aumento da mão-de-obra no bordado e o aperfeiçoamento da rede de agentes de distribuição e recolha. O facto de os panos a bordar serem apresentados às bordadeiras já estampados com os desenhos facilitou a adesão de muitas mulheres a esta actividade que pode-ria ser partilhada com a vida diária.

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Os industriais e as casas alemãs Os alemães intervieram no comércio do bordado a partir da década de oi-tenta do século XIX, fazendo-o entrar no circuito internacional através do porto franco de Hamburgo. A Casa Grande de Otto Von Streit começou por enviar os bordados em bruto para Hamburgo, onde eram depois prepara-

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dos para a exportação com destino aos Estados Unidos da América, facul-tando-lhes um fácil controlo dos ciclos produtivo e comercial. Assim, se por qualquer motivo o trabalho das bordadeiras não satisfizesse os seus inte-resses, procuravam outros mercados de mão-de-obra, uma vez que eram detentores dos padrões usados. A situação de 1916, fruto das represálias da guerra, foi duplamente prejudicial para a ilha, pois a sua fuga não impediu de continuarem o comércio de bordado, mas apenas desviou a atenção para novos mercados de mão-de-obra barata. A presença da comunidade alemã a partir das duas últimas décadas do sé-culo XIX era importante, disputando mano a mano com os ingleses o domí-nio da Madeira. A ilha era neste momento um espaço aberto de acolhimento de inúmeros europeus, incluídos os alemãs, que procuravam no clima ame-no a cura para a tísica pulmonar. E foi do seio deste grupo que surgiu mui-tas vezes os empreendedores comerciantes e industriais. No sentido de melhorar o serviço de acolhimento aos doentes avançou-se com o projecto de construção de sanatórios. Deste modo em 1903 o príncipe Frederico Carlos de Hohenlohe foi o promotor da iniciativa. Mas o Governo Português, por influência dos britânicos, foi forçado a rescindir a concessão outorgada à dita companhia dos Sanatórios, mediante uma indemnização pesada, travando-se definitivamente a plena implantação no Funchal. O afrontamento das comunidades, britânica e alemã, deverá ter pesado na pronta fuga dos alemães em 1916 e nos dois bombardeamentos à cidade do Funchal, a 3 de Dezembro de 1916 e 12 de Dezembro de 1917. Não obstante a animosidade britânica, os alemães conseguiram firmar uma posição de destaque no comércio do bordado entre 1890 e 1914. Esta hegemonia tor-nou-se notória a partir de 1895, altura em que a Alemanha recebeu 33173 Kg de bordados, contra os 2751 kg da Inglaterra. Note-se que estes valores não reflectem a realidade das exportações uma vez que estavam excluídos os bordados enviados para o porto franco de Hamburgo, um dos principais destinos das exportações. A afirmação da comunidade alemã no comércio do bordado só foi possível com a presença de um influente grupo directamente implicado no fabrico e exportação do bordado. Em 1912 o negócio era assegurado por seis casas: Wilhelm Marum (1898), Georg Wartenberg, R. Kretzschomar, Otto von Streit, Dutting & Gaa, Wolflenstein & Horwitz. A saída dos alemães em 1916 foi compensada pela chegada dos sírios que rapidamente dominaram o bordado madeirense até 1925. Aqui, o mercado norte-americano, que desde 1910 vinha adquirindo importância, domina as exportações. Mas o século XX, uma esperança segura para o comércio do bordado, trouxe à ilha mercadores franceses, ingleses e americanos.

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Os primeiros anos do século XX foram ainda marcados pela concorrência desenfreada. Internamente envolveu os industriais envolvidos no fabrico e comércio do bordado, enquanto externamente a Madeira teve que competir

com os mercados produtores da Boémia, Alsácia, Irlanda e Suiça No caso da Suiça, o processo de mecanização em curso desde a década de sessenta do século XIX, trazia vantagens acrescidas, uma vez que reduzia drasticamente os custos de produção. A única garantia para a Madeira conti-nuava a ser os custos baixos da mão-de-obra, que permitia man-ter o produto competitivo. Mes-mo assim em 1909, segundo Vito-rino Santos, é evidente um incre-mento do bordado madeirense: Cada vez se borda mais na Madeira, multiplicam-se os estabelecimentos de venda de bordados, e têm também aumentado, em número e em traba-lho, as principais casas exportadoras

com oficinas de preparação de roupas bordadas. Esta concorrência interna era considerada prejudicial à manutenção da qua-lidade do bordado e pode ser o princípio do seu fim:...é tamanha a concorrên-cia e procura de bordados e de operárias, que não podem prevalecer as exigências de bom acabamento na grande produção de trabalhos encomendados à indústria rural, resultando daqui uma depreciação que com o tempo deverá desacreditar esta bela indústria madeirense.

As inovações tecnológicas no sentido da mecanização do processo de fabrico do bordado, que ocorreram a partir da segunda metade do século XIX, não impe-diram a Madeira de manter a procura do bordado, não só, pela qualidade do traba-lho, mas acima de tudo, pelo baixo custo da mão-de-obra que foi durante muito tempo a garantia concorrencial face ao processo de mecanização do processo noutras regiões.

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A CRISE DO BORDADO A situação da economia mundial da primeira metade do século XX, muito marcada pelas duas guerras mundiais (1914-19, 1929-35), condicionou a evo-lução do mercado do bordado. A guerra isolou a ilha, impedindo-a de con-tactar com os mercados fornecedores de matéria-prima ou consumidores de bordado. Pior que isso foi a crise económica que lhe andou associada e que condicionou o poder de compra dos potenciais clientes. Como o bordado madeirense era considerado um produto caro, não era fácil encontrar saída. Ao mesmo tempo sucederam-se entraves em alguns mercados. A Inglaterra estabeleceu em 1917 a proibição de importação do bordado Madeira, sendo secundados no ano imediato pelos Estados Unidos da América A primeira guerra mundial afugentou os alemães e trouxe os sírios que con-solidaram as exportações para o mercado americano, que se afirmou como a principal esperança. Sucedeu, entretanto em 1929 o golpe fatal com o “crush” da Bolsa de Nova York que arrastou os Estados Unidos para uma das piores crises da História. E esta situação abalou fortemente o comércio do bordado Madeira. A crise do mercado norte-americana foi contrabalan-çada com a valorização do mercado brasileiro, que se manterá até 1956. O movimento autonomista dos anos vinte manteve-se atento aos bordados e nos seus planos dedicava espaço ao debate e defesa do bordado regional, que continuava a ser considerado uma indústria fundamental, que mais não seja na preservação da identidade regional. A verdadeira autonomia tardou muito tempo a ser alcançada, tardando aos madeirenses a possibilidade de encontrar soluções para o problema desta actividade. Perante tais condições de crise do bordado o governo da ditadura, saído da Revolta de 28 de Maio de 1926, estabeleceu algumas medidas de apoio a

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esta actividade. A 9 de Setembro o Governo permitiu a importação de teci-dos de seda e linho para o bordado em regime de drawback. A mesma me-dida alargou-se em 1928 aos fios de tecido. Os anos trinta foram muito com-plicados para a sociedade madeirense e a sobrevivência do bordado. Deste modo o governo saído da Revolta da Madeira de 4 de Abril de 1931 procurou intervir na salvaguarda do sector abrindo, a 20 de Abril, uma linha de crédi-to de mil contos a favor da indústria. Em 1935 o bordado continuava a ser um sector sob a vigilância e especial protecção do governo, tal como o refere Salazar em carta que escreveu ao Dr. João Abel de Freitas, Presidente da Junta Geral. Assim, à criação do Grémio para o sector em 1936, juntou-se no ano imediato a isenção de direi-

tos de importação e das imposições locais sobre a matéria-prima necessá-ria à indústria do bordado. Nos anos quarenta, de novo o perío-do da guerra provocou redobradas dificuldades ao sector dos bordados e à economia familiar, uma vez que as mulheres estavam quase por com-pleto entregues ao bordado e os homens ao vime. Ao mesmo tempo a emigração para o Brasil, Venezuela, África do Sul e Austrália veio a dar o golpe mortal na indústria. Primeiro saíram os homens, deixando todos os afazeres do casal a cargo da mulher que passa a dispor de menos tempo para bordar. Depois, foi a restante

família que se foi juntar, fazendo diminuir drasticamente a mão-de-obra disponível. Orlando Ribeiro refere ainda nesta época a concorrência dos mercados e bordado das Canárias e Filipinas. No post-guerra tudo fazia indicar que o mercado do bordado da Madeira estava definitivamente perdido e que dificilmente retornaria aos tempos dourados de princípios da centúria. Nos anos sessenta surgiram novas difi-

culdades provocadas pela instabilidade eco-nómica dos principais mercados: Estados Uni-dos da América, África do Sul e Rodésia. A tudo isto havia que juntar a concorrência dos borda-dos à mão da China, Filipinas, Tailândia e

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Coreia, e aquele feito à máquina oriundo da Suiça e Hong Kong.

A Revolução do 25 de Abril de 1974 aconteceu num dos momentos mais difíceis da História do bordado da Madeira e apenas o processo auto-nómico a partir de 1976 conduziu à definição de uma política para o se-ctor. Em 1978 foi criado o Instituto do Bordado e Tapeçarias e Artesanato da

Madeira (IBTAM) com o objectivo de intervir no sentido da valorização, pre-servação e promoção do artesanato madeirense. Das actividades do IBTAM nos últimos anos destacam-se a criação da marca Bordado Madeira, o Núcleo Museológico do Bordado e o Centro de Moda e Design. Hoje, passados os anos difíceis da segunda metade do século XX, a pers-pectiva é de crescimento, não obstante a tendência para a diminuição e envelhecimento da mão-de-obra.

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AS CASAS DE BORDADO

Era verdade que os ingleses contribuíam hoje, como nenhum outro povo, para o turismo na Madeira e fora até uma inglesa que tornara conhecidos, no estrangeiro os bordados da ilha. Mas os alemães, que também gostavam de viver no Funchal e lá tinham deixado muitas quintas e melhoramentos, haviam dado à indústria uma expressão inteligente, valorizando-a e enriquecendo-a cada vez mais. Se não fosse a questão dos sanatórios, que, hoje, todos lamentavam, e que obrigara os alemães a abandonarem a Madeira, a indústria dos bordados estaria próspera como nenhuma outra. Os sírios, que, depois, se instalaram na ilha ou já lá tinham os seus agentes, haviam estragado o negócio, criando uma tal barafunda que, hoje, ninguém se entendia. Os bordados desvalorizaram-se, empobrecendo a economia da Madeira. Tudo estava; não havia industrial que se encontrasse satisfeito” [Ferreira de Castro, Eternidade, sd. (1933?)] O mercado do bordado da Madeira foi marcado ao longo dos últimos cen-to e cinquenta anos por uma elevada instabilidade, que denuncia a fra-gilidade da indústria no mercado mundial. Para isso contribuiu, não só, a conjuntura internacional, mas também, a precariedade das casas de borda-dos criadas por estrangeiros, nomeadamente ingleses, alemães e sírios. A cada grupo correspondeu uma forma de intervenção e mercados distintos. Os ingleses foram os primeiros a intervir no processo. Mas foram os alemães que deram o impulso decisivo na diversificação dos mercados. O seu avan-ço foi travado apenas por influência dos ingleses e acabou por ser in-

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terrompido com a Primeira Guerra Mundial. Estes, forçados a sair por força da represália política, transmitiram os negócios aos sírios. A partir de 1890 processou-se uma profunda transformação, com a afir-mação das casas de bordado em detrimento dos exportadores. A diferença estava em que os últimos se limitavam a adquirir o bordado às bordadeiras, enquanto os segundos passaram a intervir directamente no processo produ-tivo dando às bordadeiras o tecido já com os desenhos estampados. Para isso montaram uma rede de agentes em toda a ilha, que procedia à distri-buição dos panos e depois recolhia-os já bordados. Esta mudança incre-mentada pelos alemães conduziu à afirmação das chamadas Casas de Bor-dado. No primeiro quartel do século XX são referenciadas as seguintes casas: A. J. Fróes, Casa Bradwil, Casa Grande, Casa Hougas, Casa Maru, Casa Suiça, Companhia Portuguesa de Bordados, H. C. Payne, Hamú, José Clemente da silva, Mallouk Bros, M. R. Silva Diniz, Wagner, Schinitzer, União Madeirense de Bordados, Casa Americana. A guerra reflectiu-se de forma directa nas casas de bordados, como nos elu-cida A. Marques Caldeira (1964): Haviam antes da guerra de 1914 diversas Casas de Bordados de propriedade alemã entre elas algumas que acima mencionamos e que cessaram a sua actividade no período da primeira Conflagração Mundial. Terminada a guerra, algumas destas fábricas passaram à posse de firmas america-nas, orientadas no Funchal por súbditos sírios que, aparentemente, deram certo movimento ao comércio e bordados abandonando depois essa indústria, à excepção de alguns que ainda se encontram a dirigir diversas firmas no Funchal, exportado-ras de bordados da Madeira. Mesmo assim em 1923 são referenciadas 100 casas de bordado, o que atesta

a vitalidade da indústria no período entre as duas guerras. O peso das pautas adua-neiras levou a partir de 1924 à saída dos sírios que entregaram as casas aos madei-renses, que passaram a controlar o sector. Nos anos seguintes manteve-se o número elevado de empresas do sector. Na década de quarenta, Orlando Ribeiro (1949) refere a actividade de 91 casas empenhadas no comércio e exportação do produto. Em 1953, um relatório do Grémio do sector anota a existência de 103 casas, mas suce-de que 61 destas não ultrapassam os 50 contos de exportações mensais, sendo assim casas de pequena dimensão. Ape-nas 12 casas facturavam mensalmente

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mais de sete mil contos. Em 1969 são referenciadas 88 casas de bordados de que se relevam as mais importantes: António Gomes de Oliveira Sucr., Arte Fina, Brazão & Freitas Lda, C. A. Pereira Lda, Exportadora Insular de Bordados Lda, Ferreira Ornelas & Cª Lda, G. Farra & Cª Lda, Imperial de Bordados lda, João C. Sil-va, João Eduardo de Sousa Lda, Leacock Bordados Lda, Madeira Art Hand Embroidey & Cª Lda, Madeira Superbia Lda, Maria Lubélia Kiekeben, Miguéis Lda, Nóbrega Irmãos, Patrício & Gouveia Sucs Lda, The Madeira House Cª Lda. A política de associação e classe do Estado Novo também atingiu a indústria dos bordados. Assim pelo decreto-lei nº. 25643, de 20 de Julho de 1935 foi criado o Grémio dos industriais de Bordados da Madeira, com a missão de orientar a indústria no campo da produção e comércio. Tal como enuncia um folheto publicitário do Grémio de 1958 a defesa dos interesses do sector estava assegurada, pois não se repetiram na vigência do grémio, as crises perió-dicas que, no passado, tanto afligiram a economia da indústria e dos seus trabalha-dores. De acordo com a portaria 8337 foi estabelecida uma taxa sobre o valor das exportações e as vendas locais para acudir às despesas da agremiação. Foi com os fundos resultantes desta taxa que se construiu a sede, o actual edi-fício do IBTAM, inaugurado nos anos cinquenta. Aqui o Grémio dispunha de armazéns para reserva de tecidos e linhas para abastecer o sector, situa-ção que é ainda hoje é garantidapara os tecidos. O grémio, para além da função reguladora do sector, actuava no sentido da sua defesa, promovendo o ensino do bordar às jovens, com as escolas cria-das em Câmara de Lobos e Machico. Ao mesmo tempo estabelecia os preços mínimos da mão-de-obra baseada numa unidade de medida conhecida

como pontos indus-triais. De acordo com o relatório que citamos, entre 1935 e 1958, hou-ve uma melhoria signi-ficativa na valorização do trabalho da borda-deira, passando-se de 35 centavos por 100 pontos para 2420 em 1958. Esta melhoria atingiu também as 750 operárias das Casas que em 1935 recebiam entre 3$00 a 6$00 de salário e

passaram a auferir em 1958 entre 11$00 e 20$00.

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Para isso contribuiu também a criação em 1 de Março de 1937 do Sindicato dos Trabalhadores da Indústria de Bordados da Madeira. Esta agremiação sindical pas-sou a chamar-se em 1974 de Sindicato Livre da Indústria de Bordados da Madei-ra, integrando no seu seio também as bordadeiras de casa. A missão do Grémio é definida no boletim de propaganda do mesmo, do seguinte modo: À indústria de bordados cumpria, natu-ralmente, como actividade integrada na

organização corporativa, ordenar a produção, valorizar o trabalho conferir novos direitos aos trabalhadores, defender a qualidade dos produtos, possibilitar a criação de novos mercados de consumo, dignificar o comércio e promover a expansão das vendas. O 25 de Abril de 1974 destronou o regime e as estruturas económicas criadas pelo Estado Novo e consideradas como seu sustentáculo. Os grémios do regime deram lugar às Associações, surgindo no caso do Bordado Madeira a Associação de Produtores de Bordado Tapeçarias e Artesanato e Obra de Vimes da Madeira. O sector do bordado conta com 44 empresas, maioritariamente de matriz familiar: Abreu & Araújo Lda., Adília Liliana Fernandes Santos, Aiborda-Bordados da Madeira Lda., Alegria Veríssimo Nunes de Abreu, António G. Jardim Sucrs Lda., António Gomes D’Oliveira, Sucrs Lda., Atelier de Bordados Lda., Bordal- Borda-dos da Madeira Lda., Bordados Cruzeiro do Sul Lda., Bordados Maga Lda., Bota-ma-Fábrica de Bordados e Tapeçarias Lda., Brazão & Freitas Lda., Décio da Silva, Elma Cristina Muller Camara, Freitas & Cardoso Lda., Fernandes & Gouveia Lda., Gouveia & Alves Sucrs Lda., Henke Lda. “La Bela Cobra”, Idalina & Gouveia Lda., Imperial Bordados Lda., Ivo da Silva, Isabel Anacleta Vieira dos Santos Tei-xeira, J. A. Teixeira & Ca Lda., João Baptista Ribeiro, João Caldeira Leal & Ca Lda., João de Sousa Viola Lda., João Eduardo de Sousa Lda., Lino & Araújo Lda., Luís de Sousa Lda., M. P. Gouveia, Madeira Supérbia Lda., Manuel Hugo Luís da Silva & Filhos Lda., Maria Alice G. Abreu Lda., Maria de Fátima Andrade Zilhão, Maria Nnes Lda., Mundo Novo Coop. De Bordados da Madeira Lda., Patrício & Gouveia Sucrs Lda., Paiva & Sousa Sucrs Lda., Rosa Maria Fernandes da Silva, Silva Andrade & Ca Lda., Soebol-Sociedade Exp. De bordados Lda., Sociedade de Fabricantes de Bordados Lda., Teixeira & Mendonça Lda., Telo- Fab. E Exp. Bor-dados da Madeira Lda. A defesa do bordado foi uma das atribuições do Grémio dos bordados desde 1935. Para isso criou-se por decreto-lei de 8 de Dezembro de 1938, a obrigatoriedade de o bordado para venda dispor de um selo de garantia. Com a criação por decreto regio-nal do IBTAM em 1977 veio a atribuir uma nova dinâmica e intervenção do Gover-

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no Regional no sector. A defesa da qualidade do bor-dado continuou a ser uma aposta definindo-se a partir de 2000 o uso do selo holográfico como forma de evitar falsificações. Por outro lado a aposta na inova-ção levou o Governo Regional a criar o Centro de Moda e Design. Dos seus objectivos fazem parte a aposta na criação de novos produtos, servindo-se das tecnologias de ponta, com a introdução do Design, Imagem e Marketing. A partir daqui abriu-se uma nova oportunidade para o sector do bordado. Hoje é

evidente que o bordado Madeira conquistou um lugar cativo na moda, surgindo vários estilistas madeirenses que apostaram com sucesso na utilização do bordado no vestuário.

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AS BORDADEIRAS

Minha Madeira ou meu encanto Por ti quanto e sou profano Jóia que Deus num dia santo Deixou cair no oceano Como tu não há nenhuma E nas noites sonhadoras Bordam das ondas a espuma Os dedos das bordadouras. (canção de MAX (1918-1980)

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Em todos os momentos da História do bordado a referência mais comum prende-se com o labor da bordadeira. É ela, que com mãos de fada, dá o toque de beleza aos pontos do bordado. A sua destreza, dedicação e sacrifí-cio são motivo de constante panegírico e admiração por todos os que desco-briram o bordado. Preservou na ilha a ancestral tradição de bordar e, antes que em meados do século XIX, interviessem os estrangeiros a dominar o cir-cuito de produção, foi ela que criou os desenhos que tão graciosamente esculpia à linha sob o pano. O labor incansável da bordadeira, em delongas noites, está testemunhado nas peças bordadas que encantam os naturais como visitantes, embelezam quem veste as peças de vestuário, engrandece as recepções e repastos e enriquece o aconchego dos lençóis e travesseiros. A marca indelével do seu trabalho está presente em todo o lado. O quadro típico da bordadeira sentada em frente do casebre que a abriga durante a noite foi uma imagem frequentemente mantida na retina dos visi-tantes desde finais do século XIX. A este labor isolado juntou-se outra ima-gem dos grupos de mulheres que se juntam à beira de caminhos e atalhos. Por toda a ilha era habitual estes ajuntamentos de mulheres casadas, donze-las, idosas e crianças, cujas mãos bordavam mas o pensamento está no quo-tidiano próprio e alheio. Bordava-se mas também se conversava sobre a vida de um e de outro. Raras vezes alguém entoava uma cantiga popular, daquelas que andam de boca em boca, ou se ouvem na rádio. O bordado é o testemunho da arte da mulher madeirense, como também das dificuldades quotidianas. Bordava-se, não por prazer, mas por necessi-dade de forma a garantir-se o magro sustento da casa. A sobrevivência do

bordado continua ainda hoje a depen-der do seu paciente labor. Durante muito tempo foi uma activi-dade garantida pelo seu trabalho e dedi-cação. Ela tinha liber-dade de escolha dos tecidos, linhas e padrões a bordar. Concluído o trabalho calcorreava a cidade ou ia de porta em

porta a oferecer o lavor por uns magros tostões que garantissem a sua sobrevivência e da família. Muitos estrangeiros, que foram cativados por estas autênticas obras de arte testemunham-no, referindo que era aqui que se encontrava o melhor bordado feito na ilha.

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As exigências das exportações conduziram ao aparecimento de novos agen-tes no processo, implicando uma mudança radical na confecção do produto. A bordadeira perdeu o controlo do processo, passando a actuar como mero executante do bordado sobre tecidos já estampados. Em troca receberá uma magra recompensa contabilizada em pontos. A precariedade e instabilidade deste trabalho estão evidenciadas num inquérito feito à situação das indús-trias da Madeira em 1888: As obras de verga e bordados são todas de indústria caseira. Estes produtos vêm para cidade, ou directamente pelos produtores, ou por agentes que os vão buscar ao produtor, e os pagam por preços que realmente espantam; só a indústria caseira pode fazer destes milagres. Quando o produtor os vem trazer à cidade, vende-os aos nego-ciantes especiais que tratam deste negócio, e por preços sempre baixos. É este quem faz os preços da venda aos passageiros em trânsito, aos que invernam na ilha, ou os

manda de conta própria para os mercados de Inglaterra e Brasil, e alguns outros; preços que lhes dão lucros altamente remuneradores. Embora o trabalho da borda-deira seja ancestral a primeira referência ao número de

mulheres dedicadas ao bordado surge só em 1863 no relatório de Francisco de Paula Campos e Oliveira sobre as indústrias do arquipélago. Aqui consi-dera-se o bordado já como uma indústria caseira muito importante que ocupa 1029 mulheres em toda a ilha. Não obstante esta ser uma actividade caseira usual era na cidade e freguesias vizinhas do recinto urbano que se notava uma maior incidência de mulheres dedicadas a esta actividade. Apenas o Funchal e Câmara de Lobos totalizam mais de 97% do total. Isto resulta cer-tamente da proximidade do local de venda e de ainda não estar montada a rede de distribuição e recolha organizada pelas casas comerciais. Deste modo o Norte da ilha não assumia ainda qualquer importância nesta activi-dade.

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Bordadeiras em 1863

O período que decorre da segunda metade do século XIX até meados do seguinte foi marcado por um movimento ascendente de mão-de-obra fe-minina indispensável para a afirmação do bordado. O relatório das indús-trias feito por Vitorino Santos para o ano de 1906, em plena época de afir-mação da indústria, evidência esta realidade, apresentando um total de 32.000 bordadeiras. O Funchal e Câmara de Lobos, com 58% continuavam a dominar, mas as bordadeiras estão presentes em todos os concelhos.

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BORDADEIRAS EM 1906

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Para o demais período do século XX os dados que dispomos sobre o número das bordadeiras são avulsos. Diz-nos Orlando Ribeiro (1949), citando um relatório de 1940, que eram 50.000 as bordadeiras rurais, que junto com as da cidade e as empregadas das lojas faziam elevar a mão-de-obra ligada ao bordado para 70.000. Note-se que o mais elevado valor destas acontece em 1950 com a presença de 60.000 mulheres dedicadas ao bordado, o que repre-senta 21,2 % da população. A informação disponível diz-nos que o valor médio de bordadeiras era de cerca de trinta mil. Os últimos dados de 1983 apontavam para 33.000 e no primeiro ano do novo milénio o seu valor ron-dava apenas as 6.000. A distribuição geográfica das bordadeiras nas décadas de setenta e oitenta do século XX demonstra que houve uma mudança na configuração geo-gráfica dominante em épocas anteriores. Assim o Funchal e C. de Lobos perdem em favor de concelhos como a Ribeira Brava e Machico.

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Em plena euforia da indústria do bordado, que ocupava mais de trinta mil mulheres, o aparecimento de epidemias como a cólera morbus em 1911 teve reflexos evidentes na indústria. Note-se que em 1910 a despesa com a mão-de-obra havia sido de 760.000$00, descendo no ano imediato para 480.000$00, o que reflecte uma diminuição acentuada da mão-de-obra dis-ponível, uma vez que não se assinalou qualquer alteração no valor dos pon-tos pagos e tão pouco houve uma quebra da procura. No primeiro registo da mão-de-obra relacionada com o bordado de 1862 surgem apenas dados sobre as bordadeiras, mas em 1906 diferenciava-se estas dos demais trabalhadores das casas de bordados, que neste momento eram 2000. Aqui incluía-se todos os profissionais necessários para a última

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fase do processo de preparação do bordado a exportar e os que se ocupa-vam da preparação dos desenhos e tecidos a entregar às bordadeiras. Esta situação quer significar que a instalação e pleno funcionamento das casas de bordados ocorreu apenas a partir da década de sessenta do século XIX. A técnica de produção de bordado, imposta pelos alemães a partir da dé-

cada de oitenta do século XIX, retirou à bordadeira o domínio exclusivo do processo de fabrico. Entrou-se num ciclo de produção em que intervêm diversos agen-tes, como os desenhadores, estampadores, agentes, veri-ficadoras e engomadeiras. Ao lado da bordadeira caseira surgiu a profissional que trabalha nas casas de bordados. Esta realidade é-nos dada por Victorino Santos (1907): Há nesta ilha duas classes de borda-deiras perfeitamente distintas: a das bordadeiras rurais e a das bordadeiras profissionais. As primeiras existem disseminadas por todo o distrito, embora muito mais intensamente na costa do sul da Madeira e na ilha do Porto Santo, e

as segundas residem principalmente no concelho do Funchal e sobretudo nas fregue-sias de Santa Maria Maior e S. Gonçalo, onde se produzem os mais finos bordados de todo o distrito. A estas juntam-se ainda outros trabalhadores que intervinham no processo. Todavia este grupo é diminuto. Em 1922 eram 2500 que trabalhavam nas 70 casas, enquanto em 1968 as 88 casas empregavam apenas 450 e estavam ser-vidas de 1500 agentes. A forma de pagamento do trabalho às bordadeiras sofreu alteração a partir dos anos vinte do século XX. Até então o trabalho era pago ao palmo, pas-sando desde esta data a ser feito ao ponto, fazendo-se a contagem industrial com o curvímetro. Um dos aspectos que chama à atenção de todos que des-crevem esta indústria e elogiam o trabalho primoroso das bordadeiras é o baixo preço do seu trabalho. Já em 1863 a bordadeira era entre, todas as actividades que se ocupavam as mulheres, a mais mal pagam sendo apenas de 100 reis no Funchal, enquanto as demais recebiam salários médios supe-

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riores a 300 reis. Esta situa-ção é testemunhada em 1901 por José Cupertino Faria: Não há muitos anos que os tra-balhos da bordadeira eram mui-tíssimo mal pagos; e, não obs-tante as agências que uma sociedade alemã estabeleceu por toda a ilha, estas continuam a sê-lo da mesma forma. Nos anos vinte a concorrên-cia feroz de novos mercados fez reverter de novo o ónus da situação para a bordadei-ra. As autoridades conscien-tes desta realidade ordena-ram em 1929 o estabeleci-mento de uma comissão para estudar a possibilidade do aumento do preço do traba-lho da bordadeira, através da

fixação de um preço mínimo. A tudo isto juntava-se a necessidade de socor-rer as mesmas na doença e invalidez. Todavia a situação de exploração da bordadeira persistia na década de qua-renta, sendo a sua sobrevivência justificada por Orlando Ribeiro (1949): O trabalho das bordadeiras é pago de forma variável. Em tempo de crise os lucros são muito fracos e em épocas boas é necessário que a bordadeira aceite uma grande quantidade de trabalho para que a remuneração atinja um nível interessante. Apesar de tudo, este pequeno ofício, exercido tranquilamente nos momentos de sossego que sobram das ocupações correntes, assegura às famílias pobres dos colonos um rendi-mento suplementar que não é indiferente. A persistência de um pagamento baixo do trabalho da bordadeira de casa evidencia uma exploração do trabalho feminino. A razão da resignação da

bordadeira resultava do facto de este ser um traba-lho executado nos interva-los das lides caseiras ou nas longas noites, não sendo, em muitos casos uma actividade que as ocupasse o dia inteiro.

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Deste modo os magros centavos dos pontos eram sempre bem vindos. Note-se que em 1952 os 47.252 contos contemplavam mais de cinquenta mil famí-lias em toda a ilha, o que representava 18% do total da população.

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DESPESA DE Mão-de-obra EM CONTOS A protecção e apoio aos profissionais do sector aconteceram já em 1894 com a criação da Sociedade José Júlio Rodrigues de Protecção às Bordadeiras Madeiren-ses. Sobre esta associação de beneficência pouco se sabe. A partir de Dezem-bro de 1907 esta iniciativa coube às casas alemãs. Nesta data as casas Wi-lhelm Marum, R. Kretzchan, George Wartenberg criaram uma Caixa de Socorros para os cerca de dois mil trabalhadores que empregavam. Todos eles passam a usufruir de assistência médica e de medicamentos gratuitos, sendo os fundos para a manutenção deste serviço resultantes do desconto mensal de 50 réis por trabalhador, feito por cada casa. O alargamento deste sistema de protecção social só sucedeu a partir de 1946 com a criação da Caixa de Previdência. O Grémio dos Industriais dos Bordados, criado em 1935, teve também uma acção de relevo no apoio ao sector e às bordadeiras. Em Câmara de Lobos e Machico criaram-se escolas infantis que permitiram o ensino do trabalho da

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agulha a mais de 691 crianças. E, mais tarde em 1961, apoiou-se as bordadei-ras através da construção de um bairro residencial com 30 moradias. O século XX foi marcado pela dispersão dos madeirenses por diversos des-tinos de acolhimento. A crise e as dificuldades provocadas pelas guerras mundiais e pela situação de abandono e subdesenvolvimento conduziram a esta forte pressão da emigração, nomeadamente nos anos cinquenta e ses-senta. Muitos madeirenses saíram rumo ao Brasil, Venezuela e África do sul em busca de melhores condições de vida. Primeiro saem os homens, mas depois acompanham-nos os restantes elementos do casal. A todo o lado onde chegou a mulher madeirense chegou também o bordado. A arte e tra-dição do bordado são-lhe inseparáveis. No caso do Brasil é conhecido o facto de nos anos cinquenta existir um ape-lo e promoção da imigração das bordadeiras madeirenses para o Brasil. No

Rio de Janeiro, S. Paulo, Santos e Ceará, é notória a presença bordado madeirense. No morro de São Bento, em Santos o bordado já não tem a qualidade dos anos ses-senta e está em vias de desaparecimento. Toda-via em Itapajé, no Ceará em Fortaleza, mantém-se vivo. Aqui a cidade é co-

nhecida como a capital do bordado, porque o mesmo é uma das principais actividades económicas. Na Venezuela, os testemunhos de muitas das mulheres madeirenses que saíram da ilha nos anos cinquenta revelam que não se perdeu o hábito de bordar, havendo casos em que se enviavam as peças desde o Funchal e que depois eram devolvidas já bordadas. A homenagem ao trabalho da bordadeira, insistentemente louvado por todos os que conheceram o seu trabalho, só aconteceu a 30 de Junho de 1986 com a inauguração da estátua do escultor Anjos Teixeira nos jardins do IBTAM. Aqui não poderá esquecer-se a homenagem de Maria Soledade em “os Bordados da Madeira” (1957): Bordadeira, eu me curvo reverentemente, perante a tua figura de mulher madeirense e te destaco como símbolo do trabalho feminino, apontando-te a todas as mulheres portuguesas como motivo de orgulho e de carinho!...

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Oficina

AS TÉCNICAS E OS MATERIAIS A segunda metade do século dezanove foi marcada por profundas altera-ções nas técnicas usadas no bordado, nos tecidos e nos padrões bordados, ajustando-os nos padrões mais solicitados pelos mercados de destino do bordado. Primeiro os ingleses, através de Miss Phelps e, depois, os alemães deram o contributo mais significativo para a revolução do bordado e a sua afirmação no mercado externo. Os tecidos mais comuns para bordar eram o algodão de cassá, cambraia, linho, seda natural, sendo aplicada a linha branca baça e raramente a azul e vermelha. O bordado em algodão e seda foi promovido pelos alemães que também apostaram na linha branca. Mas a introdução do bordado em seda é considerado um contributo da senhora Counis. Quanto ao tecido usado, temos algumas referências. Em 1849 enviou-se para Lisboa bordado em esguião de linho. No ano imediato, na exposição organizada pelo Governo Civil, foram apresentadas peças de bordado em seda matiz, de “passe em filó” (uma espécie de renda) e em branco. A maior parte dos tecidos com que se bordavam eram de importação. Da Inglaterra e da Holanda importava-se linho, enquanto da Alemanha chega-va o algodão. A presença deste algodão foi promovida de forma clara a par-tir de 1897 pelo governo alemão com o sistema aduaneiro conhecido como drawback, isto é, os tecidos de algodão saídos do país e que retornassem valorizados com o bordado para depois serem reexportados estavam isentos de direitos. Esta situação persistiu até 1906. Nesta data a generalização do uso do linho, importado de Inglaterra, levou as autoridades alemãs a aumentarem desde 1 de Março de 1906 os direitos que oneravam os borda-dos de linho.

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Nesta época os direitos cobrados na alfândega do Funchal sobre os borda-dos de algodão e linho eram motivo de polémica apelando-se à intervenção do governo no sentido de uma redução dos direitos sobre os panos impor-tados para bordar, apontando-se inclusive a necessidade de seguir o exem-plo da Alemanha, introduzindo o sistema de drawback. A este propósito refere-nos em 1907 Victorino Santos que o estabelecimento do “drawback” na Alfândega do Funchal para os artigos desta indústria serviria de principal incentivo à fácil criação de muitos exportadores de bordados, (...).

As dificuldades sentidas nos anos sessenta resultam de medidas aduaneiras prejudiciais. Em 1967 o bordado Madeira não beneficiava das regalias da EFTA, desde que o tecido não fosse expedido de um Estado membro, sendo tributado com as taxas da pauta mínima dos tecidos sem obra, estabelecida em 1953. No século XX as mais significativas alterações resultaram da utilização da linha castanha e do uso do linho cru. Segundo Victorino San-tos(1907) os bordados da Madeira eram antiga-mente quase todos feitos a linha azul sobre morim ou cambraia, ajustados e alinhavados previamente

sobre desenhos próprios (riscos) e cuidadosamente urdidos. Operando-se uma simplificação na forma de bordar trazida pelos alemãs desde o estabelecimento dos alemães no Funchal, tem-se generalizado o uso de bordar a linha branca direc-tamente sobre os tecidos que contêm gravados os desenhos respectivos, e por exigên-cias de redução dos preços, prevaleceu a quantidade sobre a qualidade, desaparecen-do também quase o «urdido» que era uma das principais condições a atender para a solidez do bordado. Pela falta de «alinhavado» e «urdido», o tecido depois de bordado fica um tanto franzido e mal preso o ponto, de modo que, uma vez lavado, começa logo a romper-se e a desfiar-se o bordado, comprometendo-se a duração e desacredi-tando-se a sua qualidade.

A partir do momento em que o bordado passou a ser feito por encomenda e o processo de fabri-co comandado pelas casas, as mudanças foram evidentes em todos os sentidos. Miss Phelps trouxe os motivos do bordado inglês, como as ilhós e as cavacas. Já nos anos vinte do século XX a crise do sector levou os industriais a buscarem uma saída que se revestiu numa adequação ao bordado doutras regiões europeias. Deste modo o bordado apresenta-se como uma mistura do francês (com o Richelieu), suíço e veneziano. Note-se que os italianos nos anos cinquenta impõem os seus desenhos. Aqui é notória uma

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aproximação dos diversos motivos do bordado com as tendências artísticas dominantes, como a arte “nouveau” e ”deco”. Desta mudança faz eco A. Lopes de Oliveira (1969): Em 1923 era aplicado o linho, incidindo sobretudo nas flores e nas folhas, num combinado de linhas de cores, atingindo a sua era áurea (1926). Daí para cá tem-se mantido este tipo subordinando-se a uma criado-ra arte de imaginação e de bom gosto. Desapareceu, por isso a rigidez, assi-metria, a graça ingénua dos desenhos primitivos, para darem lugar ao gosto artístico e aristocrático do desenho moderno. As lançadas e grinaldas de Luís XV, a floração delicada da Renascença, a fantasia moderna espalhando graciosamente detalhes de ornamentação, o modern style com as suas linhas sóbrias de uma elegância conven-cional e de uma estética perfeita, tudo isto é prodigiosamente executado pelas borda-deiras madeirenses que produzem verdadeiras obras de arte em que o bom gosto vai a par das grandíssimas dificuldades de execução. Neste processo de transformação do bordado madeirense ocorrido no sécu-

lo XX enquadra-se a policromia dos tra-balhos, por apelo dos mercados consu-midores. O bordado exportado para Inglaterra começou por ser apenas em tiras de pano bordadas que depois eram aplica-das sobre as peças de roupa de vestir ou de cama. Esta ideia surge em Vasco Lucena (1939) que afirma: os bordados antigos eram feitos em barras ou tiras ini-cialmente de morim ou cambraia, e depois em esguião, tendo o comprimento de três metros e a largura de cinco a vinte centíme-tros. As barras de morim bordavam-se só numa orla, e as de esguião em duas. A maior parte dos desenhos do bordado eram pouco variados: três variedades de desenho criaram os bordados denominados

grega, cavaca, bico e folha. Grega é uma série de ilhós sublinhadas por outra série de semi-circunferências; cavacas, uma série de circunferências divididas em semicírcu-los de convexidades concêntricas, dispostas em linhas quebradas; bico e folhas uma série de semi-circunferências ligadas àquelas, rematando os pontos de função das extremidades das maiores por uma folha aberta.

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OS MERCADOS DO BORDADO MADEIRA

O mercado do bordado Madeira em pouco mais de século e meio evoluiu de acordo com as contingências da conjuntura internacional, apresentando-se como um produto vulnerável face às mudanças no mercado de destino, pelo simples facto de ser um produto de luxo. Ao longo deste período foi eviden-te a fixação quase exclusiva, em determinados momentos, em quase só um mercado, o que veio a condicionar a evolução desta indústria. Primeiro a Inglaterra, depois a Alemanha e Estados Unidos da América e, finalmente, o Brasil e a Itália. A tudo isto acresce que desde o século XIX o mercado europeu do bordado era extremamente competitivo, não dependendo apenas da existência da ilha da Madeira, uma vez que em várias regiões da Europa esta indústria artesanal existia e passou por um lento processo de transformação. O pro-cesso de mecanização do trabalho desde meados do século XIX e, depois, a concorrência do mercado oriental foi fortes entraves à afirmação do bordado artesanal da Madeira. Ter-lhe-á valido a qualidade do trabalho e acima de tudo o baixo preço da mão-de-obra. A propósito da primeira situação referia em 1901 J. Cupertino Faria: Rivalizando, se não excedendo em fino gosto e primoroso trabalho todas as indús-trias congéneres do estrangeiro como por exemplo, as famosas rendas d’alçon; e no país, os afamados bordados de Peniche, (...) O mesmo testemunho repete-se em 1907 por Vitorino José dos Santos: é pois principalmente pela delicadeza de execução e condições de preço do trabalho rural, que os bordados da Madeira lutam ainda com vantagem com os produtos similares de outros meios, e principalmente com os da Boémia e da Suiça, hoje muito vulgari-zados nos mesmos mercados consumidores.

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O bordado Madeira começou primeiro por ser um produto alheio ao sistema de trocas. Bordava-se para uso pessoal ou para oferta a familiares e amigos. Só mui-to tardiamente se descobriu o valor comercial nas trocas locais e depois na exportação para distintos mercados. Em meados do século XIX, antes que chegas-se ao mercado britânico, vendia-se porta a porta aos inúmeros estrangeiros de visita ou de passagem pelo Funchal. Durante muito tempo o mercado local de souveniers foi alimentado por estas ven-das feitas pelas próprias bordadeiras. Em 1862, de acordo com Francisco de Paula Campos e Oliveira os bordados são vendi-dos em maior quantidade aos estrangeiros que visitam a ilha e que os levam, quando se reti-ram em suas bagagens; sendo assim muito pequena a quantidade deles exportada direc-

tamente pela alfândega. Note-se que a venda foi de 108.000$000 reis insulanos, sendo apenas 6 ou 7.000$000 da exportação, que nesta época era quase toda feita para Inglaterra. O concelho do Funchal apresentava o maior valor de vendas do mercado local e exportação: Bordado-vendas em 1862 Funchal 100.000$ Calheta 600$ P.Sol 800$ C. Lobos 4.000$

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Vários testemunhos de estrangeiros que visitaram a ilha no decurso da segunda metade do século XIX corroboram a importância deste comércio local do bordado. Em 1854 a governanta Auguste Werlich refere as vendas

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porta a porta, destacando o caso de Madame Harche que encomendara len-ços de assoar para enviar à Alemanha. Os padrões foram escolhidos pela própria numa revista, sendo o trabalho executado por uma bordadeira. Já Rudolfo Schultze em 1864, diz que o bordado era um dos muitos souveniers que se ofereciam à chegada dos visitantes ao porto. De acordo com E. Taylor (1882) foi Miss Phelps quem a partir de 1856 pro-moveu o comércio com o Reino Unido. Estas trocas foram asseguradas por Franck e Robert Wilkinson. Passados vinte e cinco anos juntaram-se merca-do e mercadores alemães. Não dispomos de dados completos sobre a exportação do bordado para os primeiros anos, surgindo apenas a partir de 1878 alguma informação solta que atesta a dimensão do bordado no conjunto dos artefactos. A predomi-nância do bordado é evidente, perdendo importância para os demais arte-factos a partir do ano seguinte, o que denúncia uma crise do bordado que será superada com a presença dos alemães a partir dos anos oitenta. Esta é também a convicção de Victorino Santos em 1907:

Na Madeira, a indústria dos bordados ressurgiu, há aproxi-madamente vinte anos, do abatimento a que tinha chegado pela implantação das grandes casas exportadoras alemãs que em oficinas bem montadas e dirigidas, deram nova orientação ao trabalho em toda a ilha, e comercialmente multiplicaram os mercados de consumo. Depois só voltamos a dispor de dados a partir de 1890, que assinalam uma mudança no mercado de destino do bordado. Os alemães, desde 1881 passaram a intervir localmente e de imediato assumiram uma posição dominante, desviando o rumo das exportações para a Alemanha. Esta viragem foi significativa a partir de 1895 e manteve-se até 1911, altura em que começou a perder importância. O mercado inglês apresentou-se sempre com uma dimensão muito reduzida nunca ultrapassando as 3,5 toneladas, enquanto o alemão des-de 1895 suplantou as 30 t, atingindo mais de 50 em

1907. Nos primeiros anos do século XX o bordado assumiu uma posição de relevo nas exportações. Embora em 1900 se note a supremacia do valor das expor-tações de vinho, já em 1927 esta situação inverte-se a favor do bordado.

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A primeira Guerra Mundial provocou a saída dos alemães, não se reflectin-do esta situação nas exportações como seria previsível. Os reflexos desta fuga fizeram-se sentir apenas no ano de 1916, tal como nos informam os valores da exportação. Em 1915 as receitas da exportação do bordado foram de apenas 201 contos, passando para apenas 29 no ano seguinte, mas subi-ram no ano imediato para 702 contos. Em 1912 voltará a sentir-se outra que-bra momentânea, provocada pelos efeitos da cólera-morbo que alastrou a toda a ilha em 1911 e dizimou muitas das bordadeiras. Os dados disponíveis sobre a exportação para o período da guerra provam precisamente o contrário do que é comum afirmar-se. A guerra não provo-cou qualquer crise no bordado que continuou a ter mercado garantido e encontrou nos sírios os perfeitos substitutos dos alemães. Aliás, o período foi de prosperidade para o bordado, sendo os anos vinte o momento de ple-na afirmação nas exportações. As vendas que em 1906 não suplantavam os 6 contos atingem em 1924 os 100.000 contos. Em 1923 o bordado ocupava mais de 70.000 madeirenses e o seu comércio era garantido por 100 casas que o exportavam para a América do Norte, Canadá, Inglaterra, França. As dificuldades começaram a surgir apenas a partir de 1924, altura em que os sírios começaram a abandonar a ilha. Nesta data notou-se uma perda assinalável nas exportações, que foram de apenas 100.000 contos, sendo 30.000 no bordado. A situação de crise, agravada com o crush da bolsa de Nova York em 1929, repercutiu-se na indústria conduzindo para o desem-prego mais de 30% da mão-de-obra do sector. Mas, rapidamente a ilha recuperou mesmo no período da segunda Guerra Mundial.

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Os anos vinte foram cruciais para o futuro do mercado do bordado no sécu-lo XX. A concorrência de novos e antigos mercados fornecedores do borda-do torna-se mais evidente, dependendo a posição nos destinos do favoreci-mento estabelecido pelos diversos países. No caso dos Estados Unidos da América e Inglaterra o bordado Madeira enfrentará sérias dificuldades. O imposto ad-valorem à chegada levou alguns comerciantes a facturar um valor inferior para o bordado exportado. Isto fez com se deslocasse ao Funchal um funcionário da alfândega de Nova York no sentido de proceder a uma investigação junto das diversas casas. Acresce ainda que a Itália e Canárias haviam conseguido junto do governo norte-americano taxas muito favorá-veis. Assim, enquanto o bordado Madeira era taxado em 40% do seu valor, o de Canárias ficava-se por apenas 25%. Perante isto foi incessante o apelo dos industriais de bordados no sentido do Governo estabelecer condições concorrenciais para o bordado Madeira, através da redução das taxas que oneravam a importação da matéria-prima, isto é os tecidos e as linhas.

A guerra atingiu de forma directa alguns mercados concorrentes do bordado na Europa e Pacífico, deixando espaço aberto para o da Madeira. Em 1936 a Madeira continuava a exportar o bordado para distintos destinos, como a Inglaterra, Estados Unidos da América, Austrália, Canadá, França, União Sul-africana, Brasil, Alemanha, Bélgica, Holanda, Peru, Malta, Noruega, Singapura. Em ga, Singapura. Em 1952 a ilha exportou 259.165 kg de bordados, sendo

dominado pelos Estados Unidos da América do Norte.

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Em 1956 a Madeira perdeu o mercado do Brasil ao mesmo tempo que se afirmava um espaço concorrente nos morros da cidade de Santos. Muitas das bordadeiras e empregados madeirenses do sector do bordado que emi-graram para o Brasil não deixaram de parte o trabalho que se ocupavam na ilha. Nos anos sessenta o bordado Madeira chegava a novos e tradicionais mer-cados como os Estados Unidos da América, Suiça, Suécia, Dinamarca, Ale-manha, França, Inglaterra, Espanha, Austrália e África do Sul. Nesta década mais precisamente nos anos de 1966 e 1967, foi notória a quebra nas expor-tações, fruto da crise interna de alguns mercados, como os de Estados Uni-dos da América e África do Sul e a concorrência do bordado à mão do Oriente e à máquina da Suiça e Hong Kong. Mesmo assim o mercado norte-americano domina as exportações até princípios dos anos setenta. A Itália é um novo mercado que surge apenas a partir de 1967 e só conseguiu suplan-tar os EUA a partir de 1974, assumindo uma posição dominante nos anos oitenta. Nos anos setenta o peso do bordado nas exportações era assinalável e só começou a perde a partir de 1974, não obstante o volume de negócios do bordado ser ascendente. A partir desta década é evidente a concentração das exportações em apenas cinco mercados: Itália, Estados Unidos da Amé-rica, República Federal da Alemanha, Suiça, Grã-Bretanha e França.

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O mercado nacional continua a deter alguma importância na venda do bor-dado, fruto, certamente do incremento do turismo, mas nunca ultrapassou

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um quarto do total do volume de negócios. Aliás, o relatório do Grémio em 1958 reafirma esta situação: Com um consumo interno que nem atinge 5% das transacções anuais, os bordados da Madeira têm o seu destino ligado ao comércio de exportação.

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OS ESTRANGEIROS E O BORDADO

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Para além das informações referentes aos dados do comércio e exportação importa saber como os locais e forasteiros viam e valorizavam esta activida-de. Através dos guias turísticos, dos diários de viagem é possível medir a importância que assumia o bordado para os forasteiros que visitaram o Funchal entre meados do século XIX e princípios da centúria seguinte. O relatório não sendo exaustivo é revelador da atenção que despertava tanto para os nacionais, como estrangeiros. Até mesmo o próprio madeirense não se alheou desta realidade, dando conta disso em prosa e em verso.

OS ALEMÃES A valorização do alemão no mercado do bordado reflecte-se de forma evi-dente na presença do bordado na literatura de viagens da mesma prove-niência. A senhora Auguste Werlich (1822-1892), que esteve na Madeira entre 17 de Novembro de 1854 e 4 de Julho de 1855, dá especial relevo ao bordado, que considera tão rico e magnífico. As madeirenses são excelentes bordadeiras de branco. Em 1857 o Prof. Schacht apresenta a mulher madei-rense das classes baixas como indolente mas exímia na arte de bordar, pois apresentam bordados finos de toda a espécie. Já em 1864 o médico Rodolfo Schultze ficou impressionado com o movimento de chegada de navios ao porto do Funchal, em que os estrangeiros compram obras de vimes, borda-

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dos, trabalho de croché e flores artificiais para presentear familiares e ami-gos. Em 1909 Boedecker ficou maravilhado com os produtos da indústria caseira, destacando o bordado que era especialmente exportado por firmas alemãs. No ano imediato Meyer notou que as raparigas e mulheres se dedi-cavam ao bordado.

OS INGLESES

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A partir de meados do século XIX o bordado Madeira passou a ser uma referência assídua nos roteiros turísticos e diários de viagem. Mesmo assim, em 1901, Ellen M Taylor refere a ignorância que existe sobre o superior tra-balho realizado na ilha pelas bordadeiras. Todavia isto não era impedimen-to para que as exportações fossem elevadas chegando a 25 toneladas. Ainda no mesmo ano o norte-americano Anthony J. Drexel Biddle afirmava que a Madeira era famosa pelo bordado, ocupando a indústria o sexo feminino na cidade e no campo. O trabalho de Miss Phelps, na promoção desta activida-de a partir de 1856 é motivo de orgulho para os britânicos.

Casa de bordados OS PORTUGUESES Os portugueses foram também atraídos pela beleza do bordado madeirense, presente nas roupas que vestem os locais ou em peças separadas que se vendem aos visitantes. Em 1864, Vilhena Barbosa, na descrição do arraial do Monte chama a atenção para as roupas com “bordados de retrós ou de mis-sungas” e as camisas com guarnições de rendas. Já o feiticeiro do Norte, Manuel Gonçalves (1858-1927), dedicou um dos seus livros de quadras às “Raparigas do Bordado”, pondo a ridículo a sua pre-tensa riqueza. Raparigas que tem luxo São aquelas dos bordados Põe nos pobres rapazes

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Daqui pr’a rua digradados A poesia popular, transmitida de geração em geração pela via oral, foi enri-quecida entre finais do Século XIX e princípios do século XX com versos alusivos ao bordado que as mulheres cantavam enquanto davam à agulha. Se eu fosse mulher herdava Uma agulha e dois dedais Com fui homem só herdei As enxadas de meus pais Vai um dia a minha noiva A casa dumas bordadeiras Onde estavam metidas Mais de vinte bilhardeiras

Ai borda Rica Filha borda borda Ai borda rica filha borda bem Em casa rica filha todos bordam E borda o pai e borda a filha e borda a mãe. Em 1901 José Cupertino Faria aclamava o bordado como a principal riqueza da ilha: Os bordados da Madeira, conhecidíssimos no estrangeiro, de um trabalho dificílimo e de uma perfeição inexcedível no seu acabamento, são uma das principais indús-trias de Madeira. Rivalizando, se não excedendo em fino gosto e primoroso trabalho todas as indústrias congéneres do estrangeiro como por exemplo, as famosas rendas d’Alçon; e no país, os afamados bordados de Peniche, a indústria dos bordados na Madeira, ainda há pouco, limitada ao trabalho de uma ou outra bordadeira, tem tido ultimamente um largo desenvolvimento e numerosas mulheres se ocupam simples-mente neste mister. Em 1924 Raul Brandão no périplo pelas ilhas, que reportou em AsIlhas Des-conhecidas, apresenta o fadário da bordadeira insular: As mulheres bordam. É a grande indústria feminina dos Açores e de Madeira. Em quase todas as cabanas se vêem raparigas atentas sobre o linho de dedal enfiado no dedo. A América leva tudo. O negociante fornece-lhes o pano estampado e elas com-pram as linhas. Pouco ganham. Mas criam hábitos de trabalho. Tornam-se atentas e delicadas. Desde que bordam que no campo se fala mais baixo. A imagem do bordado está sempre presente na memória dos muitos que tiveram a felicidade de visitar a ilha ou de fazer escala no porto. A imagem dos bomboteiros fazendo um mostrador sob o mar com as toalhas bordadas ou a forma delicada da sua exposição nas casas de bordados era algo que impressionava qualquer um. Em 1929 Alberto Mário de Sousa Costa em Ilha das Três Formosuras é exemplo do que acabamos de referir:

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Ainda tenho na retina toda a sinfonia em branco das lojas de bordados— sinfonia executada por mãos pacientes de raparigas que corporizaram no linho as variações das espumas no desabrochar da ressaca. Entre 1932 e 1933 o contacto de Ferreira de Castro com a ilha impressionou o escritor que a escolheu para a ambiência do romance Eternidade. Aqui, uma das personagens, o Álvaro, é um negociante de bordados. Esta casuali-dade é motivo para uma breve referência ao bordado e aos seus principais interventores. O mesmo noutro texto de viagens [Pequenos Mundos, os Velhos, A Civilização (1938)] refere que, (...) a economia da Madeira assenta nos seus vinhos, nos bordados, nos lacticínios, no turismo, nas bananas, nos produtos da horta. Os bordados, porém, entraram em crise, já pela concorrência de outras terras na mesma indústria especializadas, já pela moda de os ter quase abandonado como enfeite, já por (.) a adaptar-se aos modernos desenhos.

Bordadeiras Para António Montes (Terras de Portugal, 1939) o que mais o comoveu na visita foram os ajuntamentos de mulheres que bordam: Das indústrias regionais madeirenses, é, no entanto, a dos bordados, a mais notável, e, por isso, mesmo, a que constitui factor económico apreciável. (...).

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Quem percorrer a ilha da Madeira encontra em todas as freguesias grupos de mulheres, junto de choupanas humildes, silenciosamente dobradas sobre bordados caprichosos, que nos claustros tranquilos dos conventos ensinaram a suas avós os bordados graciosos, que transmitidos de geração em geração, chegaram ao nosso tempo, constituindo lembrança apetecida para quem visita a Madeira. Luís Chaves exalta também o bordado em A Arte Popular em Portugal. Ilhas Adjacentes e Ultramar (1968): Quem desembarque admirará os bordados e as rendas nas lojas da cidade e no mer-cado ambulante. Ficará conhecendo, se a não conhece já, uma das riquezas artísticas de tradição madeirense, o seu melhor cartaz de propaganda etnográfica e turística. Quem continua viagem tem oportunidades palpitantes no barco para admirar a imaginação, a destreza e o sentimento estético de composição dos bordados, larga-mente expostos ao tombadilho. Maria Lamas, uma assídua presença na Madeira dos anos cinquenta, dei-xou-nos um verdadeiro poema à terra de exílios em Arquipélago da Madeira Maravilha Atlântica (1956), em que faz uma referência histórica ao bordado. Em As mulheres do meu País (1948) não se esquece de prestar homenagem à bordadeira madeirense: Elas próprias sabem apenas que aprenderam com as mães e as irmãs mais velhas, a quem sucedeu o mesmo desde remotas gerações, como se o bordado fizesse parte das coisas essenciais da sua vida. (...) O que era pois o primitivo bordado da ilha ou a broderie Madère, como é conhecido no estrangeiro? Um bonito bordado a branco, quase todo feito com ilhós, executado com linha ligeiramente anilada e pertencendo ao conhecido género de bordado inglês, que fez furor no princípio do século, e que dava tanta frescura às toilettes de verão das elegantes da belle époque. O madeirense Horácio Bento de Gouveia dedicou também um dos seus romances do quotidiano madeirense à vida da Bordadeira. Lágrimas Corren-do Mundo (1959) pode muito bem ser considerado um livro de homenagem à bordadeira madeirense da primeira metade do século XX. O convívio com a vida difícil das bordadeiras de Ponta Delgada leva-o a conclui que as peças de bordado são lágrimas que correm mundo, transformadas em regalo dos olhos por mãos pacientes de ignoradas artistas. Calvet de Magalhães, num magistral texto sobre Bordados e Rendas de Portu-gal (1963), dedica espaço largo aos segredos do bordado Madeira: A indústria de bordados mais bem organizada é a da ilha da Madeira. Aos nove, aos dez anos, as pequenitas das ladeias lá estão às portas das toscas casas, de agulha na mão, curvadas sobre o tecido, realizando com perícia a parte mais fácil do bordado e deixando para a mãe ou para a avó a parte mais difícil. São 70.000 operárias recru-tadas em todas as idades, desde as que começam a espigar até às velhas simpáticos de óculos encavalitados no nariz. Trabalham muito, lutam heroicamente pela vida.

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A indústria dos bordados é a primeira das exercidas no distrito do Funchal. Rara é a mulher da Madeira que não sabe bordar e que não aproveita o tempo que lhe sobra das lides da casa para ganhar algum dinheiro por essa forma. (...) A fama e importância do bordado manteve-se na década de sessenta e con-tinuou a despertar a atenção dos visitantes. De novo em A. Lopes Oliveira (Arquipélago da Madeira-Epopeia Humana, 1969) a exaltação da arte do borda-do e do paciente labora das bordadeiras: O bordado da Madeira, corre mundo, entra nas mesas dos palácios dos grandes

senhores de oiro e da sociedade, no vestuá-rio íntimo das damas da alta roda e no guarnecimento de enxovais para bebés. Um mundo de sonho e de beleza! O bordado- como a espuma que o mar oceânico faz rebentar nas agrestes penedias madeirenses- é a mais representati-va mensagem artística de um povo voltado, sem se aperceber, para

a consumação de um ideal de arte. Uma arte que esteve escondida algum tempo nas dobras de montanha e nas arenosas terras de beira-mar. As mãos delicadas das madeirenses que nas horas vagas deixam o testo ao lume, a faina dos campos, a luta pela sobrevivência, para ele, um golpe, se aplicarem na feitura de bordados que são autênticas maravilhas (...). No bordado não há idades nem, às vezes, sexos. Há corpos todos inclinados sobre um grande pano de lençol, de uma toalha de mesa, ou de outras peças mais simples, como lenços e outros mimosos arranjos domésticos. (...) o bordado é o título de honra do madeirense, que passa de geração em geração, revitalizado de vida e, para cada vez mais atraente e mais apetecido para quem o adquira para regalo dos olhos e con-templação da alma.

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OS TESTEMUNHOS SOBRE A HISTÓRIA E TECNICA DO BORDADO MADEIRENSE.

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O BORDADO MADEIRA- O ORGULHO DOS MADEIRENSES

As nossas bordadeiras, inexcedíveis de perfei-ção, andam nos postais da ilha como a paisa-gem e têm o seu trabalho em todas as mesas, em todos os corpos femininos e em todas as crianças. Às peças que fabricam preside o melhor bom gosto e a mais escrupulosa técnica. Os materiais que entram no bordado da Madeira são já garantia do seu valor artístico, porque são importados dos mais famosos cen-tros industriais. Sendo um artigo considerável de economia local, é outro rótulo de propagan-da, que se encontra aposto no nosso cartaz do mundo.

O bordado venceu vicissitudes de concor-rência, “débacles” internas e externas,

desequilíbrios dos mercados importadores, mas nunca perdeu a sua feição característica e a originali-dade do seu desenho (...) O bordado da Madeira não é assimilável, nem teme o sistema maquinário. É uma arte local, acentuadamente regionalista, com lugar de destaque em todos os mercados do mundo. A ninguém é estranha a riqueza do seu fabrico e ninguém ignora a sua existência nas mais sumptuosas casas dos mais abastados povos. Não há muito ainda, confeccionaram-se excepcionalmente duas riquíssimas toalhas de jantar, uma por encomenda do Presidente da Colômbia e outra para ofertar a Jorge VI da Inglaterra, na sua visita à União Sul-Africana. De resto, o bordado da Madeira é tão visto nos fatos cerimoniais da Rainha Guilhermina, nas roupas primaveris da Princesa Isabel, como a semi-cobrir o corpo das Ianques da Broadway. No meu país, está nas salas residenciais do Marechal Car-mona – e nos cabides das dactilógrafas e das costureirinhas. E porque o tenho visto alinhar uma “estrela” de cinema e a mesa de chá de um navio, o bordado da Madeira tem o condão de ser uma arte igual e humana, por servir o indivíduo sem condições de classe. [...] Bordados, manteiga, artefactos de vimes! Tudo corta os mares, e prossegue na rota aberta pelas naus do Infante. Somo hoje – quanto orgulho tenho nisto!- o que pensámos ser há mais de cinco séculos! [...] A nossa bordadeira merece-lhe outros enlevos, e, quando vai de alongada pelos campos, entra nos ter-reiros, senta-se ao lado dela – junto delas, melhor – e poisa a vista no bordado, na toalha, no guarda-napo, no lenço, na blusa, no vestidinho de criança... Quere saber tudo, como se chama este buraquinho – o “ilhó” – esta folha cheia – o “bastido”, - esta flor que se colou – o “aplicado” – e o “arrendado”, os “garanitos”, o “cazeado”... [...]

[Eduardo Nunes, Porque me Orgulho de ser Madeirense?, 2ª edição, Funchal, 1954, pp.34-75]

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OS SEGREDOS E TÉCNICAS DO BORDADO MADEIRENSE

Depois de poetas e prosadores terem enaltecido os Bordados e as bordadeiras da

Madeira – não são eles próprios um poema? – o nosso intento é apenas o de juntarmos louvores a tantos outros que, tão habilmente, têm sido tecidos à sua volta. Este desluzido escrito, a que o nosso restrito vocabulário não poderá emprestar o brilho que o assunto requer, terá apenas o efeito de uma rápida e abafada nota que mal poderá ser ouvida no coro de esplendorosos hinos, cujas brilhantes ressonâncias andam espalhadas por livros, jornais, revistas, etc. [...]

[...]a sua expansão começou aí por volta de 1854-1856 devido à grande procura que já tinham na Inglaterra, facto devido a Miss Phelps que ali os tornou conhecidos.

São, portanto, os nossos bordados já centenários, com a particularidade de apre-sentarem sempre, belas inovações que lhe dão carácter de beleza variada com novos moti-vos de interesse que muito facilitam a sua colocação, sobretudo nos mercados estrangeiros. [...]

Muitas pessoas tomam parte activa na sua confecção e, entre todas, uma há que salientar: a bordadeira, a abelha anónima deste laborioso enxame, a maior parte das quais nunca entrou numa fábrica de bordados. Sim; porque ao contrário do que, lá fora, se possa julgar as peças não são bordadas nas fábricas. A legião de mulheres que todas as manhãs e tardes enchem as ruas do Funchal a caminho das suas ocupações, nas fábricas, não são bordadeiras mas sim operárias; fazem tudo, menos bordar.

As bordadeiras, essas vêem-se, quando percorremos a ilha, nas bermas das estra-das, nos terreiros ajardinados, fronteiros a casitas modestas, à sombra das árvores, etc. Estão sempre em grupos que comportam mulheres de todas as idades. Ao invés do que sucedia antigamente, é raro verem-se crianças a bordar. Dantes dizia-se das bordadeiras: “Nasceram-lhe os dentes, já a bordar”; mas a obrigatoriedade escolar isso agora não acontece, salvo raras excepções.

As mulheres bordam nos intervalos das lides caseiras e dos campos – ou fazem as lides nos pequenos intervalos que conseguem desviar dos bordados?

Começam ao dealbar da manhã e vão até ao lusco-fusco continuando muitas vezes ainda à luz fraca dos candeeiros, para recomeçar logo ao raiar da aurora. Porque a bor-dadeira não tem horário, e ganha consoante o trabalho que executa. [...]

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É desacertado classificar de artífice o desenhador, pois a sua função não é, como

se possa julgar, copiar, ampliar, decalcar, etc.; ele é, antes, um artista creador de inesgo-táveis recursos.

Ele começa por esboçar, a carvão, o motivo que a sua imaginação idealizou; lan-çada a ideia, o carvão volta ao papel a traçar novas linhas e aperfeiçoar as primeiras; a fase definitiva é traçada a “crayon”, e finda esta operação o papel, ainda há pouco virgem de traços, apresenta-se-nos com os mais diversos motivos, onde, geralmente, predominam as flores, fantasiadas ou em felizes e fiéis reproduções. Em geral o desenhador “não sabe” o que vai traçar. Salvo raras excepções em que lhe é pedido determinado género, a sua mão vai riscando o que o cérebro concebe e ordena. Tal como o poeta escreve os seus ver-sos dominado pelo poder divino das musas, assim o desenhador transmite ao papel o que a inspiração lhe segreda compondo, a maior parte das vezes, verdadeiros primores; não é desatinado, portanto, colocá-lo no primeiro plano dos bons e imprescindíveis contribuintes para o engrandecimento desta preciosa indústria. Mas, caso curioso, sendo o desenho um verdadeiro trabalho de Arte, é quase sempre mandado executar, prosaicamente, sob a determinação e limite do factor “verba”, porque será vendido.

Exemplificando: o industrial encomenda o “risco” para uma toalha de determina-da dimensão que terá de ser vendida por X escudos.

Apenas com este ponto orientador, e dentro desta vaga indicação, o desenhador faz verdadeiros milagres de precisão. Os que têm prática, e bastante desenvolvida a faculdade de cálculo, raramente se enganam; eliminando uns traços, aumentando umas folhas, sim-plificando uns “pontos”, o resultado é exacto.

Há, por vezes necessidade de transpor o desenho para formato maior ou menor; é ainda o desenhador que o interpreta, esteticamente nas proporções exigidas.

E as mãos não param! A inspiração nunca se esgota! Mimosas flores, delicadas figuras, as mais estranhas alegorias, linhas geométricas

das mais díspares configurações, e tantos outros motivos de inconfundível beleza, tudo brota da fonte inesgotável que é a imaginação deste artista ao qual não foi ainda reconhe-cido todo o real mérito.

Mas, vamos continuando a “nossa viagem”.

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O desenho pas-

sa em seguida para a secção da “contagem” dos pontos a fim de se apurar a verba a pagar à bordadeira. Os pre-ços outrora eram feitos por cálculo mediante o

critério, dos industriais, adquirido com a prática. Ainda há pouco ouvimos uma referência ao assunto, reportando-se há vinte anos atrás, em que “ilhós” e “grega” eram pagos a X centavos... por palmo...

Os pontos são classificados e, feito a média, apura-se o preço. Há que medir todos os traços do desenho (incluindo as brides do “richelieu”) para achar o total exacto.

A medição faz-se com o curvímetro – aparelho para medir o comprimento de linhas curvas- que vai registando as medidas perante as quais o encarregado da contagem “acha” o número de pontos que a ela corresponde: “Xis” metros de “caseado” equivale a “Ipsilon” de pontos, pagos a “tantos” reis.

O curvímetro tem um pequeno cabo onde se pega para o manejar, e é provido dum mostrador, redondo, com a circunferência de 9,5 cm., aproximadamente. Um pequeno rodízio vai deslizando por todos os traços e o ponteiro do mostrador acusa a medida – cada volta equivale a um metro.- O empregado, com a mão livre, vai anotando os metros e assinalando a vermelho, levemente, os traços já percorridos pelo curvímetro, para que não haja falhas ou repetição.

Feitos os cálculos, anotam-se à margem do papel; perante estes, outro empregado encontra o preço de cada peça, que regista no livro, próprio, e marcam numa etiqueta que é pregada no tecido já estampado para controlo.

Os preços variam segundo o tecido em que o bordado é executado: algodão e linho com um preço mais baixo; seguindo-se o organdi e depois as sedas. Este critério obedece à maior facilidade ou dificuldade que os tecidos oferecem à execução do trabalho.

Quando o formato da peça e o modelo do desenho se prestam, tanto este, como a medição refere-se apenas a uma quarta parte, fazendo-se depois o desdobramento.

Feita a “contagem dos pontos” o desenho vai para a secção de picotagem. Esta fase é também de muito interesse. A

máquina de picotar tem a função de perfurar o papel desenhado, seguindo fielmente os riscos tra-çados a fim de facilitar a estampagem no tecido. A máquina é accionada por um pedal enquanto as mãos guiam, simultaneamente, o papel, e a agulha que o vai perfurando em orifícios de fracção de milímetro. É um trabalho muito delicado e que requer muita prática para se conseguir a sincroni-zação entre o pedal e a agulha. São precisos muitos anos para atingir firmeza na mão e golpe de vista, necessários para um resultado perfeito, além de

muita atenção e paciência, pelo que a pessoa que o executa, a contento, merece ser devi-damente apreciada.

A picotagem pode ser feita em uma ou mais folhas de papel, ao mesmo tempo, mas nunca além de quatro.

Podem-se aplicar à mesma máquina agulhas de várias espessuras, as quais são relacionados com a delicadeza do desenho e modalidade de “pontos”.

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A estampagem ou estresido (pas-sar o desenho para o tecido) faz-se em largas mesas pondo o papel, bem esten-dido, em cima da peça que se pretende bordar, fixando-o com pesos para que não deslize. Depois as operárias passam, em toda a superfície, picotada com uma “boneca” de algodão embebida em anil desfeito com petróleo e uma mistura de cera, e imediatamente o desenho para ao tecido.

Dali vamos para a secção onde se procede ao registo, se põem as etique-tas de controlo, se marcam os coloridos a lápis de cor, se o trabalho o requer, seguindo depois para o local da expedi-ção, que é também do recebimento.

As “agentes” dos campos – das várias freguesias rurais – vêm buscar e trazer as encomendas. Essas “agentes” por sua vez é que distribuem o trabalho pelas bordadeiras e recebem, dos industriais, uns tantos por cento sobre a totalidade do preço porque é pago à bordadeira.

Para o expediente da entrega e recepção dos bordados, há em todas as fábricas uma dependência “recebedoria” com um balcão onde as “agentes” são atendidas.

Recebido o trabalho, esta passa às mãos da “verificadora” para analisar se há imperfeições. Se existem, volta para trás para serem remediadas, ou sofrem pequenos des-contos no preço já por si escasso, e do qual ainda é deduzido o valor das linhas e a verba para o desemprego. As linhas são adquiridas em negalhos (meadas) directamente pela bordadeira em qualquer estabelecimento, ou na própria fábrica dos bordados, o que o industrial prefere a fim de que a marca seja sempre a mesma, as cores sejam fixas, o brilho faça sobressair o bordado, etc. Mas de qualquer forma, são por conta da bordadeira.

Agora, dirigimo-nos para a lavandaria, onde todas as peças são lavadas manual-mente como qualquer roupa vulgar – quer se trate de uma enorme e rica toalha de mesa de um mimoso vestido para bebé, em seda ou organdi, ou ainda minúsculos lenços.

As peças, mal escorridas,

passam para a engomadeira onde grandes mesas as esperam; começa então a árdua tarefa das engoma-deiras, se atendermos que a maio-ria dos bordados é feito em linho, quanto este é rebelde ao ferro de engomar, e à perfeição que verifi-camos, depois, ao vê-los nos esta-belecimentos do género. Peças muito grandes e bastante bordadas, requerem várias operárias; umas esticam, outras engomam, e eis às vezes oito mulheres em torno da mesma mesa, às voltas com uma toalha enorme, onde pouco tecido

ficou por bordar. Os fios eléctricos que se ligam aos ferros descem do alto, de uma instalação pró-

pria, para não embaraçarem. Mas outras operárias esperam ainda os bordados para os recortar, e “consertar”

pois sucede, como é natural, a tesoura cortar, inadvertidamente, alguns pontos, percalço

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que outras mãos logo remedeiam; outras ainda ajeitam as folhas abertas e ilhós com um furador a que popularmente chamam “furalhó”. E só então são engomados definitivamen-te, dobrado e preparado para figurar em exposição nos salões de venda das próprias fábri-cas, em estabelecimentos comerciais, a bordo dos navios em trânsito onde são levadas pelos bomboteiros (indivíduos que vão a bordo vender artigos regionais) ou para a expor-tação.

Referimo-nos de uma maneira geral ao bordado propriamente dito, porque os trabalhos de confecção de vestidos, camisas, etc., é feito por costureiras que trabalham em sua casa e vão, ou mandam, buscá-los às fábricas. Há também especialistas em filetar (bainha finíssima enrolada de pontos invisíveis a rematar lenços). Esta palavra em geral, emprega-se estropiadamente e de várias formas: “filitrar”, “filhetar”, “filtrar”, “flitrar”. [...]

Hoje, os bordados feitos na nossa ilha abrangem, praticamente, quase todas as modalidades em voga em todo o país, quer em configuração quer nos “pontos” e por esse motivo é vasta a denominação dos mesmos, que vamos apontar tanto quanto possível:

Granitos “garanitos” – pequenas

circunferências, a cheio, pouco maiores que cabeças de alfinetes; Ilhó; Folha Aberta e Folha Bastida (bastido é o bor-dado a cheio e aplica-se em várias for-mas e ornatos); “Richelieu” e Oficial (o desenho é do mesmo género, mas o “ofi-cial” é todo feito em cordão, incluindo as brides, ao passo que, como se sabe, o “richelieu” é caseado; Ponto francês, (no continente, ponto Paris) singelo ou duplo para aplicações de tecido simples ou sobreposto; Grega (ilhós contornando uma peça), feito a cordão na parte inte-rior e caseado na orla fazendo recorte); Arrendado (crivo); dentro deste género há vários modelos que têm por sua vez

outras designações: “latadinha” “olho de passarinho” etc. Cavaca não é positivamente um “ponto”; o que lhe dá o nome é o formato do desenho; Pesponto (ponto de areia) para encher superfícies lisas sombreando o tecido; Caseados (ponto de recorte) que comporta ainda: caseado bastido e caseado bastido de “unhas” Ponto de Sombra ou revés que se emprega só em tecidos transparentes; “Viúvas” (espécie de trevo de cinco folhas, basti-dos). Temos ainda o cordão, Ponto de corda (pé de flor) Ponto Ana e de Escada, são o vulgar ponto aberto com fios previamente tirados. No ponto escada os fios são apanhados pela agulha no mesmo sentido, de um e outro lado; ponto Ana os fios são apanhados desencontradamente. Quando o desenho o exige para que o efeito resulte da melhor forma, empregam o matiz, ponto de cruz, e tantos outros que à nossa memória não ocorrem, embora não façam parte dos pontos classificados e tabelados pelo Grémio. [...]

[Maria da Soledade, Os Bordados da Madeira (Viagem numa fábrica de Bordados), Funchal, 1957, pp.7-13]

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O BORDADO

DAS MÃOS DA BORDADEIRA PARA AS DO BOMBOTEIRO

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O BORDADO COMO AS LÀGRIMAS CORRENDO MUNDO

As raparigas dos bordados, pobremente vestidas algumas, outras usando tecidos caros, na sua maioria sem o intuito de se apresentarem com vislumbre de gosto nas saias e nas blu-sas, vivem elas entregues ao ganha-pão, alheias à influência dos estrangeiros que percor-rem as ruas e entram nos estabelecimentos para ver e comprar toalhas, guardanapos, len-ços, roupas interiores. São elegantes inglesas, de cabelo ruivo, braços nus, vestidos simples de irrepreensível corte, sapatos ligeiros. São idosas alemãs, de colares de fantasia, que passeiam nos carros de bois, em companhia dos maridos rubicundos, com uma flor na abo-toeira e chapéu branco a encobrir a calva. Mas nem a esbelteza das novas, nem os adere-ços das velhas esporeiam a imitação. Há certo conservantismo que não se deixa corromper pela classe operária. Os olhos admiram sem que nasça o desejo de reproduzir. Por isso, tristes, se apresentam elas em tudo quanto vestem. [...]

A Casa de Bordados Gouveia, à Rua do Visconde de Anadia, tinha sido construída segundo uma arquitec-ta de estilo novo. Não era uma adap-tação de conserto de edifício velho para a indústria do bordado. Obede-ceu a um plano utilitário de ajusta-mento às várias modalidades do ofício a que não faltava o conforto e a bele-za. Aquele prédio de linhas modernas, de três andares, concita os olhos para o admirarem. Qualquer andar, para o lado da rua, tem uma correnteza de janelas que abrem para comprida varanda. No rés-do-chão, vitrinas formam os umbrais das portas da loja de exposi-ção e venda. Dentro delas há mane-quins a ostentarem vestidos, blusas e camisas com rendilhamentos bordados de desenhos de mágico lavor. Vêem-se toalhas de mesa de concertada harmo-nia de cores, de estranhos recortes, com variadíssimos abertos a sobres-

saírem no enrugado grosso em feitio de meia-lua, em encadeamento de arcos, circunferên-cias e elipses, e sem cujas pontas parece que se estamparam flores naturais com pétalas de originalidade singular; outras, de desenhos de fantástico molde, onde há vestígios da ima-ginação dos artistas persas, cretenses, helénicos, romanos e árabes cobrem as vidraças interiores das vitrinas. E ainda havia aquelas de cuja combinação prodigiosas de linhas resultavam maravilhas de relevos quase incríveis por saírem de mãos de camponesas rudes. Ficam no primeiro andar a recebedoria e escritórios em repartimentos envidraça-dos. No segundo, é a sala de estamparia. E o terceiro compreende lavadoiros, engomado-ria e retalhos. [...] A vida da bordadeira é feita de muita lágrima. Mal sabem esses milionários que passam por aqui muitos vapores de recreio canto custa cada toalha das muito arrendadas qu’eles compram, dando muitos contos de réis. Sim, minha mãe, mal sabem canto custa à digraçada da bordadeira! Olhe, aqui há dias disserão-me que uma mulherzinha do Monte foi à Casa Malucaba levar trabalho. O marido tinha tado doente e ela, cando foi entregar duas dúzias de lenços e uma camisa, passava já um dia do prazo marcado. Devia arreceber oitenta patacas e só lhe dero metade. A mulherzinha afligiu-se, explicou a rezão de ter vin-

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do um dia mais tarde, mas ficua assim mesmo. [...] Há dinheiro a rodo no Funchal e nas freguesias. De compita com as mulheres bor-dam os homens na povoação da Camacha. E não é só a mulher plebeia senão também a burguesa e a de escol na sociedade funchalense. A febre de produzir cada vez mais, faz que a quantidade sobreleve a qualidade. Pelo que se despreza a técnica, a feição artística de trabalho. E ao passo que o mercado americano exige mais do que se produz, paga-se o dobro ou triplo do preço da encomenda. Assim a mão-de-obra é disputada com a avidez com que no Iraque ou na Pérsia as grandes potências lutam, a coberto dos bastidores da diplomacia, pelos poços de petróleo. Um luxo desenfreado endoidece a mulher da cidade. Cavalga pelas ruas o caixeiro com ares petulantes de gentil homem, aspecto que não passa do exterior e, à semelhança do sírio, fuma também o fino abdula. As meninas dos bordados, “essas tristes feias”, no dizer de um cronista da época, em um diário da ilha, vivem o período áureo de seu bem-estar. No espaço de poucos anos, muda-se a sorte das “vacas gordas” de que fala a Bíblia. A América experimenta uma crise de compra de bordados. O reflexo, na economia da Madeira, é como montanha que se escalavra e desmorona, arrasando as vilas assentes nas faldas. E, depois, vem o desemprego com suas consequências nefastas: a fome, a misé-ria, o crispar dos nervos no desespero do irremediável. [...] Prosperava o ramo de negócio. Para a América, eram frequentes as encomendas. O Elias considerava-se um dos seres mais ditosos do mundo. Em cerca de dois anos e meio, com o êxito das vendas a bordo, conseguira alcançar um outro nível de vida. Comprara uma grafonola “His Master Voice” e inscrevera a filha no primeiro ano do Liceu. A este tempo, outras casas de bordados se haviam fundado, dirigidas por madei-renses: Alberto de Sousa, Rua dos Murças; J. Nunes, Rua dos Ferreiros; Inácio Pestana, Rua da Carreira; Júlio Monteiro, Rua de Santa Maria; Silvino Luís, Rua das Mercês. É a Nova Classe de industriais que substituiu a dos sírios. Surge um processo de comércio até então inédito na vida económica da Madeira: o bordado à comissão. Os artigos que os sírios da América não podiam obter das Filipinas e doutros pontos do globo, confiavam eles a seus velhos empregados, mediante uma comissão de fabrico previamente determina-da. E o comerciante que desponta, vazio de capital, não é mais do que intermediário entre o produtor e o comprador. É deste modo que ele se lança no sonho de vir a tornar-se rico. A febre de produzir e vender dá origem a competições. Mas a exportação aumenta e a bor-dadeira ganha pouco; e tão pequena é a recompensa de seu trabalho, que o sofrimento sobreexcede a alegria de viver. [...] [Horácio Bento de Gouveia, Lágrimas Correndo Mundo. Romance, Coimbra, 1959, pp12-170]

O PERFIL DE UM ARTISTA O DESENHADOR

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NOME: Leandro Freitas Jardim

DATA DE NASCIMENTO: 26 de Fevereiro de 1934

PROFISSÃO: Desenhador de bordado

O bordado implica um moroso processo de produção que se inicia com o dese-nhador. É ele que expressa a sua imaginação através de desenhos estilizados das flores e envolvência cultural. Até ao século XIX, aquando da produção para um mercado interno e externo, toda esta criação era propriedade das próprias bor-dadeiras que a guardavam no segredo da família, donde passavam de geração em geração. O empenho dos alemães a partir de finais do século XIX obrigou a uma divisão de tarefas, surgindo a posição do desenhador que passa a impor os traços à bordadeira, obrigando-as a adequar o seu trabalho aos padrões do mercado.

O desenhador é fundamental no ciclo de produção do bordado, das suas mãos ágeis saem os traços que dão harmonia à composição, mas aqui como no acto de bordar o trabalho é anónimo.

Leandro Jardim é um destes poucos artistas anónimos que durante mais de cin-quenta anos se dedicou a desenhar para o bordado e tapeçaria. Das peças que desenhou já lhe perdeu a conta e só o próprio é capaz de as descobrir nas casas de

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bordado. Entre as assinadas o rol é diminuto e o público apenas conhece o seu trabalho para o Pavilhão da Madeira na Expo 98 em Lisboa.

Leandro Jardim foi desenhador de profissão desde 1952 trabalhando em diversas casas de bordado na Madeira e Rio de Janeiro. Começou a trabalhar em 1952 na casa de Bordados Cruzeiro do Sul Lda, passando depois por outras casas como Teixeira & Mendonça Lda (1964), Madeira Supérbia Lda (1970). Em 1972 desen-volve uma breve experiência como empresário na casa Aníbal Fernando da Trin-dade Lda, onde desenvolveu uma linha de tapeçaria regional com grande sucesso.

Em 1974 abandonou a experiência empresarial e retorna à sua função de dese-nhador, primeiro na firma luso brasileira As Portuguesas Bordadeiras Ltda e depois em Babette-comércio e Indústria de Bordados (1976). Em 1984 fundou no Rio de Janeiro a empresa Estampart, especializada em estamparia. Passados três anos, de visita à ilha, constata a reorganização do sector dos bordados a partir do IBTAM, sendo convidado a integrar o Departamento Técnico onde se mantém até hoje. Aqui continua a manter o seu amor e dedicação ao bordado, lutando pela defesa e preservação desta arte. Em cursos, conferências, estudos e pareceres técnicos é manifesta a sua dedicação ao bordado e tapeçaria, procurando conta-giar os que o rodeiam para o mesmo ideal.

.

Os seus desenhos evoluíram da simples cópia dos tradicionais desenhos e padrões para a criação de novos, podendo-se assinalar o pioneirismo dos seus trabalhos nos anos setenta. O ambiente que rodeou a sua infância no Monte serviu-lhe de inspiração para alimentar a sua veia criadora e dimensão espiritual.

A menina dos seus olhos é a toalha que desenhou para o Pavilhão da Madeira na Expo 98. Os traços certeiros do artista alinham-se de forma perfeita para cons-truir uma realidade, imaginada dominada pelo mar e pelo protagonismo portu-guês a partir do século XV. A peça confunde-se com a arte, mas também com a poesia, estando sempre presente a imagem de Camões ou Fernando Pessoa. Um olhar inocente sobre este bordado circular não é revelador do poema e da exalta-ção que o autor pretende transmitir. O esoterismo ganha expressão na dimensão necessariamente abstracta do desenho que dá forma ao bordado.

Alguns dos desenhos para bordado ou tapeçaria, que guarda de forma religiosa no local de trabalho revela-nos uma marca personalizada de desenhar em que a dimensão espiritual e filosófica, os vastos conhecimentos tem expressão. Aqui nada surge por acaso, obedecendo a uma estrutura devidamente fundamentada. Para os menos atentos a voz e escrita poética do artista estão preparados para uma explicação inteligível, que passa sempre pelo domínio espiritual.

Ninguém como ele conhece o mundo dos bordados. A sua vivência neste mundo está presente na rapidez e forma lúcida com que vasculha na sua memória os quadros de outros tempos. O empresário prepotente, a bordadeira submissa e explorada. É fácil a um ouvinte atento entrar nas ambiências e quotidiano das

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casas de bordados do post-guerra como compreender a evolução e História do bordado na segunda metade do século XX.

Quem tem oportunidade de privar e conversar com Leandro Jardim, facilmente se apercebe que para este artista o bordado é uma paixão que o acompanha há mais de cinquenta anos. O bordado não é simples trabalho manual, mas obra de artista, mas tal como o mesmo vai repetindo, existe o “bordado madeira” e bor-dado feito na Madeira. O entusiasmo é contagiante e transmite-se aqueles que se cruzam com ele e aos inúmeros jovens que se têm iniciado na arte do bordado.

Para nós, pouco habituados ao contacto com esta arte, a descrição da técnica e dos diversos pontos usados que nos transmitem algumas publicações tornam-se inócuas. Na expressão poética e entusiástica de Leandro Jardim tudo isso se torna claro e facilmente se compreende que a arte do bordado é fruto da conjugação perfeita dos pontos e da perícia das mãos de quem os executa.

Conhecer a história dos pontos não é tarefa fácil, mas na companhia do nosso interlocutor tudo se torna mais fácil pela forma clarividente, a expressão poética e a teatralização que acompanha as suas palavras.

Se para muitos o bordado parece ser uma aposta perdida e algo que num futuro próximo poderá pertencer apenas à História, na voz esperançada de Leandro Jardim o bordado é algo que está no “DNA” da mulher madeirense. A esperança será a última a desaparecer, pois que das cinzas das crises anunciadas o bordado renascerá.

Leandro Jardim é um entre muitos artistas que deram um pouco da sua arte ao bordado e que contribuiu para a fama que o mesmo usufruiu e ainda hoje conti-nua a deter em muitos mercados. O bordado é fruto de mãos anónimas, e raras são as vezes que são identificáveis. Deste modo a presente referência serve de memória e homenagem a todos os demais de que não ficou registo.

A arte mesmo sob o signo do anonimato não é menos nobre que aquela que se evidencia pela assinatura do artista. É por isso que o “bordado da Madeira”, mesmo sendo fruto de mãos anónimas não deixa de ser uma obra de arte, apre-ciada à mesa de um banquete, no enxoval de cama e nas peças de vestuário.

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CONCLUSÃO

O bordado como mercadoria de exportação com peso evidente na economia da ilha tem pouco mais de cento e cinquenta anos, mas o mesmo bordado está pre-sente desde os tempos do povoamento do arquipélago na casa dos madeirenses. Durante este silêncio de mais de trezentos e cinquenta anos a madeirense bor-dava de portas adentro para compor o seu enxoval ou para presentear os parentes e amigos. A assiduidade da presença de estrangeiros na ilha, de pas-sagem ou em actividade de negócios e o seu interesse evidente pelos usos e cos-tumes propiciou a revelação do quotidiano madeirense e a valorização do tra-balho artesanal, como as flores, as rendas e o bordado.

A partir do século XVIII esta assiduidade dos europeus aumenta e prolonga-se o período de estadia. Aos aventureiros e mercadores, juntam-se agora os cien-tistas e, acima de tudo, os doentes da tísica pulmonar que buscam no clima ameno da ilha na época invernal o alívio para a doença. Ao Funchal acodem muitas personalidades de destaque na sociedade europeia de então. Os registos de entrada da alfândega e, por vezes, os jornais referem-nos a presença de aris-tocratas, príncipes, escritores, cientistas. Foram estes que em estâncias demo-radas em casas e quintas dos madeirenses descobriram o segredo dos lavores guardados portas adentro, apaixonando-se pelo lavor das mulheres que os fize-ram.

A notícia correu de boca em boca e rapidamente o bordado saiu do casulo familiar para se transformar numa forma de apoio à subsistência de muitas famílias. As bordadeiras retiram das arcas os desenhos das peças herdadas e fazem delas autênticas obras de arte, que vendem à chegada dos estrangeiros ao porto ou de porta em porta das casas e quintas onde estes se alojam. A fama do trabalho da agulha das madeirenses encantou aristocratas e burgueses europeus e rapidamente se entendeu que estava aqui uma mais-valia para os negócios. Por mão de uma mulher, Miss Phelps, o bordado singrou no mercado britânico. Não foi esta donzela britânica quem descobriu ou criou o bordado madeira a partir de 1856. A ela apenas se deve a promoção do bordado no mercado londrino e o facto de ter procurado adaptar os padrões bordados ao gosto dos clientes.

O Funchal de meados do século XIX era uma cidade cosmopolita. Nas suas ruas cruzam-se cidadãos de diversas nacionalidades, nomeadamente britânicos e alemães. A disputa entre as duas potências pelo domínio do Atlântico passa também pela Madeira. Até então os britânicos dominavam quase por completo o mercado madeirense, que começaram a perder com a independência dos Estados Unidos da América. A estes seguiram-se os alemães a partir de 1880 que passaram a intervir de forma directa no comércio e produção do bordado. A sua entrada foi o élan necessário para a completa renovação e afirmação do bordado não apenas no mercado alemão, mas também no norte-americano.

Os alemães trouxeram as mais significativas inovações tecnológicas para o sec-tor e alteraram por completo o processo de produção do bordado. A bordadei-ra passa a assumir apenas a função de bordar, sendo-lhe impostos os panos, os linhos e os desenhos. Esta mudança implicou a o aparecimento de novos inter-

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venientes no processo e à afirmação das imponentes casas de bordados na cidade. As vetustas casas de vinho e até mesmo alguns hotéis mudam de inqui-lino e de funções. A partir do último quartel do século dezanove o bordado é uma das principais riquezas, enquanto o vinho agonizava vítima do oídio e filoxera.

O século XIX anunciou-se como a época dourada do bordado madeirense. Apenas os conflitos mundiais e a concorrência de outras áreas fez perigar esta esperança dos madeirenses. A primeira Guerra Mundial afugentou os alemães mas trouxe os sírios que contribuíram, ainda que por pouco tempo, para o reforço do mercado norte-americano. As dificuldades dos anos vinte afugenta-ram os sírios, mas não acabaram com o bordado. Isto foi o princípio do retorno do bordado às mãos dos madeirenses.

O bordado Madeira, perante as dificuldades evidentes de um mercado limitado e exigente, não agonizou, antes pelo contrário soube vencer as dificuldades, diversificando os mercados e ajustando-se às exigências dos clientes. A inova-ção esteve sempre presente no historial do bordado a partir dos anos oitenta. Esta situação continuou até aos dias de hoje e as novas tecnologias e o Design entraram como tábua salvadora da tradição de bordar no novo milénio. Em todo este processo foram fundamental o trabalho e paciência da bordadeira anónima, a peça fundamental deste processo mas a que menos usufrui.

A história regista dois produtos que ontem como hoje, são a imagem de marca do arquipélago. A Madeira identifica-se pelo vinho e bordado, que correram mundo. Foram, e continuam a ser, produtos de grande interesse económico que sempre deram aos estrangeiros a mais elevada maquia e ao madeirense uma magra esmola.

O bordado pode muito bem ser entendido como uma obra de arte. Mas aconte-ce que aqui o artista é anónimo. O desenhador, que traça de forma primorosa os motivos florais e a composição é anónimo, bem como a bordadeira, que com mãos de fada, lhe dá forma e relevo.

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BIBLIOGRAFIA FUNDAMENTAL

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ANEXO

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ANEXO

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1. BORDADEIRAS

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BORDADEIRAS- 1862

BORDADEIRAS POPULAÇÃO CONCELHO Nº % Nº

Funchal 844 4,7 17677 C. de Lobos 152 Ponta de Sol 10 Calheta 7 Santa Cruz 8 Porto Moniz 4 S. Vicente 4 Total 1029 0,9 110.249

BORDADEIRAS- 1906

BORDADEIRAS CONCELHO Nº % (em rela-

ção popula-ção)

POPULAÇÃO (1910)

Funchal 12.400 28,3 43710 C. Lobos 6.100 34,9 17467 Ponta de Sol 2.300 Calheta 4.500 24,6 18270 Machico 600 5 11824 Santa Cruz 3.500 21,3 16358 Porto Moniz 400 9,5 4201 S. Vicente 1100 13,5 8121 Santana 800 8,5 9339 Porto Santo 300 12,9 2311 TOTAL 32.000 18,8 169783

DISTRIBUIÇÃO GEOGRÁFICA DAS BORDADEIRAS (1977-1981) 1977

% 1978 %

1979 %

1980 %

1981 %

Funchal 30,6 30,2 29,0 27,0 27 C. de Lobos 23 23,3 26,5 26,7 26,7 R. Brava 17,2 16,8 15,6 16 16 Machico 10,6 11,3 11,2 11 11 Santa Cruz 7,6 6,9 6,5 6,1 6 Calheta 4 4 4,1 4,9 4,9 S. Vicente 1,9 2,3 1,9 2,4 2,5 Santana 1,9 2,2 2,2 24 2,4 Ponta de sol 2,5 2,1 1,9 2,2 2,2 Porto Santo 0,7 0,8 0,9 1,1 1,1 Porto Moniz

0 0,1 0,2 0,2 0,2

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Bordado e Economia Familiar

CONCELHOS DESPESA

MÃO-DE-OBRA

CONTOS

FAMÍLIAS Nº

POPULAÇÃO 1950

Funchal 16.293 19.095 93.983 C. de Lobos 10.305 5.270 27.420 R. Brava 7.251 4.020 2o.762 Ponta de sol 2.202 3.042 15.735 Calheta 3.494 4.950 24.078 Porto do Moniz 263 1.276 6.422 S. Vicente 1.503 2.465 12.521 Santana 1.380 3.132 15,543 Machico 4.837 4.305 22.218 Santa Cruz 5.118 5.475 28.070 Porto Santo 582 587 3.017

Bordadeiras: 1862-2001

Ano Bordadeiras Trabalhadores das casas

Total

1862 1029 1906 30.000 2000 1910 50.000 1912 32.000 2500 1913 40.000[?] 1914 32.000 2500 1922 2500 1923 70.000 1924 45.000 60.000 1950 60.000 1958 475 1965 2992 1966 2923 1967 2773 1968 2773 1969 2618 1970 2606 1971 2677 1972 2508 1973 2248 1974 1534 1975 1320 1976 1165 1977 1122

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1978 1127 1979 1140 1980 1151 1981 20.000 1158 1983 33.000 2001 6.000

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2. CASAS DE BORDADOS

CASAS de BORDADOS. 1893-2001

Ano Casas1893 51894 91895 81896 101897 21903 111906 81907 101908 111909 131910 16 1912 191918 341919 191920 601922 70

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1923 1001936 801949 911953 1031956 84 1969 881981 592001 45

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3. EXPORTAÇÃO DE BORDADOS

EXPORTAÇÃO DE BORDADOS EM KG Ano Alemanha Grã-

Bretanha USA TOTAL

1878 18091879 15821880 18641884 20321885 45761886 17791887 40671888 35591889 38131890 2.136 3.098 58831891 2294 2461 54641892 2291 2869 65061893 50961894 9040

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1895 33173 2751 379271896 17052 2734 206281897 38976 11783 429011898 20681 434 218261899 31708 1092 334311900 29739 401 95 304631901 22755 3496 263811902 29491 241 37 301311903 40536 20 86 409281904 37522 20 376691905 392161906 39840 628 52 405741907 52065 484 233 530741908 27374 714 281001909 28914 2829 109 319361910 34717 2439 109 319361911 23788 3135 948 283171912 5126 1149 2481 88721913 7981 727 2274 110871914 4408 331 3419 10188 1920 68470 1943 174.7801952 259.165

EXPORTAÇÃO-PRINCIPAIS MERCADOS (1966-1981) VALOR TOTAL

em 1.000.000 Esc. Usa %

Itália %

Outros %

1966 147 70 0 30 1967 141 64 2 34 1968 138 58 6 36 1969 140 58 12 30 1970 146 55 13 32 1971 146 55 16 29 1972 163 59 18 23 1973 179 43 34 23 1974 197 29 49 22 1975 153 33 44 23 1976 154 33 45 22 1977 232 30 47 23 1978 404 21 55 24 1979 565 18 60 22

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1980 633 14 64 22 1981 73 17 66 17 1982 78 1983 91 1984 72 1985 1.470 1986 1.818 1987 1.967 1988 2.289 1989 2.256 1990 2.434 1991 2.548 1992 2.515 1993 1.773 1994 1.444 1995 1.307 1996 1.248 1997 1.297 1998 1.235 1999 1.120 2000 1.073

EXPORTAÇÕES DE ARTEFACTOS 1878 1879 1880

$ % $ % $ % Bordado 55.252$ 82,3 29.554$ 74,6 12.937$ 56,4Flores artificiais, obras de madeira e vimes

11.835$ 17,7 10.041 25,4 9.998$ 43,6

TOTAL 67.087$ 39.595$ 22935$

EXPORTAÇÃO DO BORDADO 1852 %

Estados Unidos da Améri-ca

53

Canadá 6Venezuela 8,1Grã-Bretanha 3,7África do Sul 3,9Outros 16,7

EXPORTAÇÕES (em contos)

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1971 1974 1977 $ % $ % $ %

Bordado 148027 46 202.561 39,8 231.300 32,2 Total 321.562 509.277 718.968

MERCADO DO BORDADO – 1966-1981 Mercado nacional Madeira %

Continente%

Mercado externo %

1966 17 6 77 1967 15 7 78 1968 15 6 79 1969 14 6 80 1970 16 7 77 1971 16 7 77 1972 18 6 76 1973 15 6 76 1974 11 4 85 1975 13 2 85 1976 14 2 84 1977 14 2 84 1978 18 2 80 1979 12 2 86 1980 12 2 86 1981 9 2 89

EXPORTAÇÃO DE BORDADOS Ano INGLATERRA ALEMANHA USA TOTAL 1862 7.000$0001878 55.252$0001879 29.554$0001880 12.937$0001900 229.928$001901 213.957$2701902 190.719$7001903 98.863$3401904 58.735$2001905 99.690$7601906 242.342$1801907 277.530$2401908 186.194$8101909 257.599$4001910 287.551$00

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1911 188.560$001912 79.950$001913 143.009$001914 156.767$001915 201.052$001916 29.140$001917 702.695$001918 766.128$001919 615.057$001920 68.470.000$001922 70.000.000$001934 100.000.000$001943 174.780.000$001952 259.165.000$001955 177.000.000$001956 92.119.000$ 138.869.000$001957 116.960.000$001959 92.119.000$ 136.869.000$001966 19.635.000$001967 10.210.000$001971 148.027.000$001974 202.561.000$001977 231623000$001978 404.181.000$001979 564.865.000$001980 632.536.000$001981 748.943.000$001982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 2.515.658.073$001993 1.773.335.176$001994 1.444.453.964$001995 1307.339.468$001996 1.248.733.147$001997 1.297.559.752$001998 1.235.476.810$001999 1.120.459.114$00

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2000 1.073.323.180$002001

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DECRETO REGIONAL DE CRIAÇÃO DO IBTAM

Terça-feira 28 de Fevereiro de 1978 49/78 SÉRIE I Região Autónoma da Madeira – Assembleia Regional Decreto Regional n.º 7/78/M SUMÁRIO: Cria o Instituto do Bordado, Tapeçarias e Artesanato da Madeira (IB-TAM) e aprova o seu estatuto PÁGINAS DO DR: 417 a 422

Decreto Regional n.º 7/78/M O bordado, as tapeçarias e o artesanato em geral, são actividades fundamen-tais da economia da Região Autónoma da Madeira. Bastará ter em conta os 155000 contos de exportações e os 30000 contos de vendas do mercado inter-no, no que diz respeito aos bordados e tapeçarias. Quanto ao artesanato da obra de vimes, o valor das exportações ronda os 100000 contos, além das ven-das locais. Por outro lado, a actividade de bordados e tapeçarias ocupa à volta de 1600 trabalhadores nas fábricas e perto de 20000 bordadeiras no exterior,

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enquanto a actividade de obra de vimes ocupa cerca de 3000 trabalhadores e 300 industriais, muitos em regime de exploração familiar. Considerando que era necessário e urgente apoiar estes sectores na sua rees-truturação a nível empresarial e na reconversão profissional dos excedentes da mão-de-obra, o Decreto Regional n.º 2/77/M, de 3 de Março, criou o Instituto do Bordado, Tapeçarias e Artesanato da Madeira, determinando também que competiria à Assembleia Regional da Madeira a aprovação do seu estatuto. O presente diploma dá cumprimento ao referido decreto regional e, consequen-temente, define a estrutura orgânica, a competência e o funcionamento do Ins-tituto do Bordado, Tapeçarias e Artesanato da Madeira. Assim, nos termos da alínea b) do artigo 22.º do Decreto-Lei n.º 318-D/76, de 30 de Abril, a Assembleia Regional da Região Autónoma da Madeira determina, para valer como lei: TÍTULO I Do Instituto CAPÍTULO I Das atribuições e competência Artigo 1.º - 1 - Em execução do disposto no artigo 46.º do Decreto-Lei n.º 318-D/76, de 30 de Abril, e do Decreto Regional n.º 2/77/M, de 3 de Março, é criado o Instituto do Bordado, Tapeçarias e Artesanato da Madeira (IBTAM), que exercerá as suas atribuições sem prejuízo das conferidas por lei ao Governo Regional da Região Autónoma da Madeira e das que pertençam a outros departamentos do Estado. 2 - O IBTAM fica na dependência do Governo Regional da Região Autónoma da Madeira. 3 - O IBTAM tem a sua sede na cidade do Funchal e exercerá a sua actividade em toda a área da Região Autónoma da Madeira. 4 - O IBTAM poderá abrir delegações no território português e estrangeiro, sempre que o seu conselho administrativo o julgar necessário, depois de ouvido o conselho do artesanato. Art. 2.º São atribuições do IBTAM: a) Incentivar e disciplinar as actividades do bordado, tapeçarias e artesanato da Madeira nas suas modalidades de produção, distribuição e comercialização; b) Prestar assistência técnica ao bordado, tapeçarias e artesanato da Região; c) Definir, em colaboração com as entidades competentes, a política de impor-tação de matérias-primas; d) Defender o bom nome e controlar a qualidade do bordado, tapeçarias e arte-sanato da Madeira; e) Controlar, em colaboração com as entidades competentes, a entrada e co-mercialização do bordado, tapeçarias e artesanato de outras origens na Região, tendo em vista designadamente garantir a origem e a autenticidade dos produ-tos; f) Apoiar a promoção do bordado, tapeçarias e artesanato da Madeira; g) Controlar a exportação e a venda no mercado português dos bordados, tape-çarias e artesanato; h) Representar oficialmente o bordado, tapeçarias e artesanato da Região nas organizações internacionais e promover as relações inter-regiões e internacio-nais no referente aos mesmos ramos de actividade; i) Estimular a investigação no domínio do artesanato e produção de novas acti-vidades artesanais, bem como do folclore, etnografia e antropologia da Região; j) Promover estudos e acções tendentes ao fabrico de matérias-primas para o

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bordado, tapeçarias e artesanato da Região. Art. 3.º Para exercício destas atribuições compete ao Instituto: a) Definir regras sobre produção, distribuição e comercialização do bordado, tapeçarias e artesanato da Região, tendo como preocupações um impulso nes-tas actividades e o acesso justo à produção por todas as empresas do sector, sem prejuízo da competência própria dos órgãos de governo da Região; b) Controlar o pagamento aos intervenientes nos diversos processos de produ-ção, distribuição e comercialização dos produtos; c) Definir, nos termos da alínea e) do artigo anterior, regras sobre a entrada e comercialização do bordado, tapeçarias e artesanato de outras origens na Re-gião; d) Elaborar, através dos seus departamentos e gabinetes próprios, estudos téc-nicos e económicos de interesse para o bordado, tapeçarias e artesanato; e) Promover e colaborar no estudo de novos desenhos e actualização de técni-cas de produção, distribuição e comercialização, nomeadamente através de centros de design, escolas para formação de monitores e profissionais especiali-zados; f) Conceder assistência financeira e técnica às actividades sob a sua alçada; g) Atribuir prémios; h) Definir regras para avaliação da qualidade dos bordados, tapeçarias e arte-sanato; i) Verificar e controlar a qualidade dos tecidos a empregar no bordado da Ma-deira; j) Emitir boletins de registo de importação e exportação, bem como proceder às suas rectificações e prorrogações; l) Emitir certificados de origem e de garantia e proceder à selagem do bordado, tapeçarias e demais artesanato; m) Definir, em colaboração com as entidades competentes, a política de abas-tecimento de matérias-primas necessárias à laboração normal das actividades sob a sua alçada; n) Importar directamente e/ou armazenar matérias-primas, quando tal se justi-fique para o normal funcionamento das actividades do bordado, tapeçarias e demais artesanato; o) Promover a constituição de empresas de qualquer natureza, em especial de cooperativas e sociedades de economia mista, quando tal se torne necessário para a óptima produção das mercadorias que estão sob a sua alçada, bem co-mo ainda para a expansão ou dimensionamento dos mercados e ainda para os casos previstos na alínea j) do artigo anterior; p) Promover a elaboração de acordos internacionais sobre materiais referentes a actividades artesanais; q) Organizar ou promover festivais, feiras de actividades artesanais, folclore e etnografia; r) Estabelecer estreita ligação com os diversos departamentos oficiais com atri-buição em actividades artesanais, de modo a assegurar-se o melhor aproveita-mento dos meios disponíveis; s) Colaborar na programação da actividade de museus relacionados com o bor-dado, tapeçarias e artesanato; t) Estimular e promover o desenvolvimento de publicações especializadas, con-ferências, colóquios ou seminários sobre bordados, tapeçarias e artesanato, folclore, etnografia e antropologia; u) Dar pareceres, informações e fazer propostas ao Governo Regional sobre assuntos relacionados com o bordado, tapeçarias e artesanato; v) Promover e organizar serviços para o registo industrial sobre desenhos e modelos empregados pelos produtores da Região nas actividades sob sua juris-dição, bem como promover à sua publicidade e criar centros de exposição com os meios ao seu dispor; x) O IBTAM poderá fixar preços mínimos a pagar à produção.

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CAPÍTULO II

Dos órgãos do Instituto

Art. 4.º - 1 - O IBTAM goza de autonomia administrativa e financeira. 2 - São órgãos do Instituto o conselho administrativo, a direcção e o conselho do artesanato. 3 - A direcção é constituída por um presidente e dois vogais, que exercerão as suas funções sujeitos ao regime legal de acumulações vigente na função públi-ca. 4 - O conselho administrativo é constituído pela direcção e dois elementos desi-gnados pelas unidades de produção, sendo um em representação do sector do bordado e tapeçarias e outro dos vimes e demais artesanato. 5 - O presidente da direcção é presidente do conselho administrativo. 6 - O IBTAM fica na dependência do Governo Regional da Madeira, a quem compete nomear o presidente da direcção e os dois vogais, sob proposta daquele. 7 - Os mandatos dos membros do conselho administrativo designados pelas unidades de produção têm a duração de quatro anos. 8 - O conselho do artesanato é constituído pelos seguintes elementos: a) Oito representantes do Governo Regional da Madeira, em representação das secretarias que tenham a seu cargo os serviços de indústria, agricultura, turis-mo e trabalho, dois por cada um dos referidos serviços; b) Um representante da delegação, no Funchal, do Fundo de Fomento de Expor-tação ou do organismo que o substitua; c) Três representantes das cooperativas, sendo um de cada um dos sectores do bordado e tapeçaria, vimes e demais artesanato; d) Três representantes dos sindicatos e três representantes de associações pa-tronais de sectores de actividades diferentes no âmbito do IBTAM. 9 - O conselho do artesanato terá um presidente designado pelo Governo Re-gional da Madeira, apenas com voto de qualidade, e três vice-presidentes elei-tos entre os membros do conselho do artesanato. 10 - Os elementos indicados nas alíneas c) e d) serão eleitos pelas cooperativas e respectivos sindicatos e associações patronais. 11 - A duração do mandato dos membros eleitos para o conselho do artesanato é de quatro anos. 12 - Os membros dos órgãos do Instituto não têm direito de voto sobre assunto que lhes diga pessoalmente respeito, podendo o sector em questão fazer-se representar por outro elemento que não tenha impedimento pessoal. 13 - Os membros do conselho administrativo integrarão o conselho do artesa-nato sem direito a voto. Art. 5.º - 1 - A gerência do Instituto do Bordado, Tapeçarias e Artesanato da Madeira compete à direcção. 2 - A direcção reunirá ordinariamente uma vez por semana, de cujas decisões será lavrada acta, e considera-se legalmente constituída com a presença de dois dos seus membros. 3 - A direcção poderá reunir extraordinariamente sempre que o presidente o julgar conveniente, ou a pedido de qualquer dos seus membros. Art. 6.º 1 - Compete, em cada ano, ao conselho administrativo elaborar: a) Os orçamentos ordinários e suplementares das receitas e despesas do Insti-tuto; b) O plano de actividades;

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c) O plano de distribuição das verbas orçamentadas para assistência financeira; d) O relatório e a conta de gerência; e) Regulamentos para aprovação do Governo Regional. 2 - O conselho administrativo reunirá nos casos previstos neste diploma e con-sidera-se legalmente constituído com a presença de três dos seus membros. 3 - O conselho administrativo poderá reunir extraordinariamente sempre que o presidente ou dois dos seus membros o julgarem conveniente. Art. 7.º 1 - Compete ao presidente do Instituto, mediante deliberação da direcção: a) Representar o Instituto em juízo e fora dele; b) Elaborar o quadro do pessoal técnico e proceder à sua contratação; c) Fornecer à Alfândega do Funchal o nome dos produtores e exportadores ins-critos, para efeito de isenção de direitos. 2 - O presidente poderá delegar as suas funções em qualquer dos vogais. 3 - Para obrigar o Instituto é bastante a assinatura do presidente e de um dos vogais da direcção. No impedimento daquele é suficiente a assinatura dos dois vogais da direcção. Art. 8.º - 1 - O conselho do artesanato funciona em reuniões ordinárias e extraordinárias. 2 - Em cada ano, o conselho deve reunir-se ordinariamente: a) Até 31 de Janeiro, para apreciar e aprovar o plano de assistência financeira; b) Até 31 de Março, para apreciar e aprovar o relatório e conta de gerência do ano anterior; c) Até 15 de Dezembro, para apreciar e aprovar o orçamento das receitas e despesas para o ano seguinte, bem como para deliberar sobre a atribuição de prémios e plano de actividades. 3 - As deliberações são sempre tomadas por maioria simples. 4 - O presidente será substituído nas suas faltas ou impedimentos por um dos vice-presidentes. 5 - Na ausência do presidente designado pelo Governo Regional, tem voto de qualidade o vice-presidente em exercício de presidência. 6 - A convite do presidente, poderão tomar parte nas reuniões do conselho, sem direito a voto, quaisquer individualidades cuja participação seja de interes-se para os assuntos a tratar. 7 - Nas reuniões do conselho servirá de secretário, sem voto, um funcionário do IBTAM a designar pelo presidente do conselho do artesanato. CAPÍTULO III Dos serviços Art. 9.º - 1 - O IBTAM disporá dos seguintes serviços:

a) Departamento técnico; b) Departamento administrativo.

2 - Cada um destes departamentos terá as divisões convenientes que a expe-riência for considerando como necessárias.

TÍTULO II

Da actividade artesanal

CAPÍTULO I

Da produção

SECÇÃO I

Disposições gerais

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Art. 10.º - 1 - Considera-se artesanato a actividade humana de produção, transformação e reparação de bens ou de prestação de serviços realizados mediante um processo em que a intervenção pessoal constitua factor predomi-nante, obtendo-se um resultado final individualizado que não se adapta à pro-dução industrial totalmente mecanizada ou em grandes séries. 2 - São também considerados artesanato, para efeitos do presente diploma, os bordados e tapeçarias feitos à mão com pontos autorizados pelo IBTAM, bem como a obra de vimes. 3 - As dúvidas surgidas serão resolvidas pelo conselho do artesanato do IBTAM. Art. 11.º - 1 - Produtor é a entidade singular ou colectiva que intervém no todo ou na parte final do processo de produção de um artefacto. 2 - Todo o produtor que faça do comércio ou da indústria profissão está obriga-do a inscrever-se no IBTAM. Art. 12.º - 1 - O bordado e tapeçarias da Madeira referidos no presente estatu-to consideram-se como bordado e tapeçaria manual. 2 - Fica vedado em toda a Região o fabrico de bordado da Madeira e tapeçaria à máquina. Art. 13.º - 1 - As matérias-primas e/ou acessórios da actividade artesanal, im-portados directamente pelo Instituto ou para depósito nos seus armazéns, no exercício da competência definida no artigo 3.º deste decreto, beneficiam de isenção fiscal nos termos das leis vigentes ou que venham a ser aplicadas à importação de matérias-primas para a indústria dos bordados, tapeçarias e ar-tesanato. 2 - Todo o produtor inscrito no IBTAM pode beneficiar da isenção fiscal aponta-da no n.º 1 deste artigo, desde que os bens importados sejam depositapos nos armazéns do IBTAM e o seu uso fiscalizado por este mesmo organismo. 3 - A transferência de matérias-primas e/ou acessórios nos termos do n.º 1, de produtor a produtor, só é permitida mediante autorização fundamentada da direcção do Instituto.

SECÇÃO II

Da assistência financeira e técnica

Art. 14.º - 1 - O IBTAM poderá garantir assistência financeira a empresas produtoras de bordados, tapeçarias, artesanato e obra de vimes, nomeadamente para efeitos de reconversão, nos termos da resolução do Conselho de Ministros de 12 de Junho de 1975 ou da legislação que a venha a substi-tuir. 2 - Poderá também garantir assistência financeira a todo o produtor que se proponha investigar sobre novas actividades artesanais ou sobre novas formas de produção das actividades existentes, ou ainda que pretendam investigar em maquinismos para a fabricação de novos artefactos reputados de interesse re-gional. 3 - O IBTAM pode ainda intervir como associado em empresas de economia mista, tanto para a produção como para a distribuição ou comercialização dos produtos artesanais. 4 - A assistência financeira poderá assumir, nomeadamente, a forma de forne-cimento de matérias-primas ou de adiantamento para produtores inscritos. 5 - Além de assistência financeira própria, poderá o IBTAM colaborar, entre ou-tras entidades, com o Secretariado Regional da Banca e com o IAPMEI, com vista ao financiamento de actividades artesanais com interesse para a Região. Art. 15.º O IBTAM poderá garantir assistência técnica aos produtores inscritos, através dos seus serviços, mormente no que se refere a estudos de mercados e outros, núcleos de apoio a cooperativas e pequenos produtores e serviços de publicações, dentro dos meios com que venha a ser dotado. CAPÍTULO II

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Da distribuição e comercialização

SECÇÃO I

Da distribuição Art. 16.º - 1 - Todo o distribuidor de produtos provenientes de actividades artesanais será obrigado a inscrição no Instituto. 2 - O IBTAM proporá ao Governo Regional, até 31 de Dezembro de cada ano, o contingente máximo de entrada de artesanato proveniente de outras regiões que não prejudique a produção regional. 3 - Todo o artesanato nas condições do número anterior será submetido aos serviços técnicos do Instituto, a fim de fiscalizar a sua qualidade e aposição de marcação. 4 - Na falta de um mínimo de qualidade exigível, de acordo com critérios a estabelecer pelos serviços técnicos do Instituto, será vedada a venda do produ-to no mercado local. Art. 17.º - 1 - O IBTAM controla a qualidade dos bordados, tapeçarias e artesanato da Madeira em exposições no País ou no estrangeiro. 2 - A organização de exposições e feiras de actividades artesanais provenientes de outras origens na Região Autónoma da Madeira carece de parecer do Insti-tuto. 3 - O parecer deverá ser recolhido com a antecedência mínima necessária à apreciação do pedido para a realização dos certames referidos no número ante-rior.

SECÇÃO II

Da comercialização

Art. 18.º - 1 - Ficam sujeitos à autorização do Instituto o comércio e a exporta-ção do artesanato do arquipélago, sendo obrigatória a inscrição dos comercian-tes no IBTAM. 2 - O Instituo estabelecerá preços mínimos e condições de venda, que os co-merciantes serão obrigados a respeitar. 3 - É proibido conceder bónus ou vantagens especiais que fraudem os preços mínimos estabelecidos, seja qual for a razão ou pretexto invocados.

SECÇÃO III

Da publicidade e dos prémios

Art. 19.º - 1 - O IBTAM terá competência para fazer a propaganda do artesana-to directamente ou através de empresas da especialidade. 2 - O IBTAM poderá, para efeitos de prospecção, conceder assistência financeira e/ou técnica ao produtor, distribuidor ou comerciante de artesanato. 3 - Adentro das funções de promoção dos produtos de artesanato da Região, compete ao Instituto, nomeadamente, organizar exposições, colaborar em cer-tames da especialidade e promover o intercâmbio com organizações congéne-res. Art. 20.º O Instituto do Bordado, Tapeçarias e Artesanato da Madeira poderá atribuir os seguintes prémios: a) Prémios de qualidade e originalidade; b) Prémios de investigação;

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c) Prémios de exposição; d) Prémios de crítica; e) Prémios de exportação.

CAPÍTULO III

Dos meios financeiros Art. 21.º Constituem receitas do IBTAM: a) As dotações especiais atribuídas pelo Estado e pela Região Autónoma da Madeira; b) O produto das multas aplicadas nos termos do artigo 30.º do presente di-ploma, antes de os autos serem enviados ao tribunal; c) As dotações, heranças ou legados; d) O produto de administração dos seus bens; e) Os dividendos resultantes da participação em sociedade; f) O produto da cobrança das taxas que lhe venham a ser atribuídas pelo Go-verno Regional da Madeira. Art. 22.º O Governo Regional da Madeira pode autorizar o IBTAM a contrair empréstimos para o exercício das suas atribuições. Art. 23.º As disponibilidades do Instituto serão aplicadas: a) Na manutenção da sua administração e serviços; b) Na assistência financeira a prestar nos termos do presente diploma; c) Na concessão de prémios; d) No pagamento dos demais encargos decorrentes da prossecução das suas atribuições. Art. 24.º O património do ex-Grémio dos Industriais de Bordados da Madeira é transferido para as seguintes entidades: a) Para o Governo Regional é transferido o que ficará afecto a funções de assis-tência social e de previdência: propriedade do Vale Formoso e creche e jardim-de-infância anexos ao Conjunto Habitacional do Til; b) Aqueles valores que estão afectos ao Fundo Corporativo serão objecto de compensação entre débitos e créditos, cumprindo ao Instituto do Bordado, Ta-peçarias e Artesanato da Madeira estabelecer a forma e prazos de liquidação dos débitos e utilização dos créditos resultantes daquela compensação; c) O restante património é transferido para o Instituto do Bordado, Tapeçarias e Artesanato da Madeira, podendo o Bairro da Levada de Santa Luzia e o Con-junto Habitacional do Til passar aos seus utentes, nomeadamente em regime de propriedade resolúvel.

CAPÍTULO IV Do pessoal

Art. 25.º - 1 - Transita para o IBTAM todo o pessoal do ex-Grémio dos Indus-triais de Bordados da Madeira que não opte pela sua integração na Associação dos Industriais de Bordados e Tapeçarias da Madeira. 2 - O estatuto do pessoal ao serviço do IBTAM será o do funcionalismo público. Art. 26.º O estatuto dos membros do conselho administrativo será regulado pelo Governo Regional. Art. 27.º - 1 - Podem exercer funções de carácter específico no IBTAM, em comissão de serviço, por período não superior a um ano ou pelo período do mandato, quando se tratar do exercício e cargo no conselho administrativo, funcionários do Estado e de outros institutos públicos, das autarquias locais, bem como trabalhadores das empresas públicas, os quais manterão todos os direitos inerentes ao seu quadro de origem, incluindo os benefícios de aposen-tação, reforma e sobrevivência, considerando-se todo o período de comissão como serviço prestado nesse quadro. 2 - Também os trabalhadores do IBTAM podem exercer funções noutro instituto público, autarquias locais ou empresas públicas, em comissão de serviço, man-

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tendo todos os direitos inerentes ao seu estatuto profissional, considerando-se todo o período da comissão como serviço prestado no IBTAM. 3 - Os trabalhadores em comissão de serviço, nos termos dos números anterio-res, poderão optar pelo vencimento anteriormente auferido no seu quadro de origem ou pelo correspondente às funções que vão desempenhar. 4 - O vencimento dos trabalhadores em comissão de serviço constituirá encargo da entidade onde se encontrem a exercer efectivamente funções.

CAPÍTULO V

Da fiscalização, transgressões e sanções

Art. 28.º - 1 - O Instituto definirá normas sobre a produção, matérias-primas a empregar, qualificação dos produtos, mínimos de qualidade, preços mínimos sobre distribuição e comercialização e à produ-ção. 2 - Todo o produtor, distribuidor e comerciante de bordados, tapeçarias e arte-sanato em geral fica sujeito à acção disciplinar do Instituto e, pela inobservân-cia do preceituado no presente decreto, incorre nas respectivas sanções. Art. 29.º - 1 - O Instituto procederá à fiscalização da produção, distribuição e comércio dos artefactos, bordados, tapeçarias e artesanato. 2 - Os funcionários do Instituto encarregados do serviço de fiscalização, para os efeitos deste diploma, são considerados agentes da autoridade, podendo levan-tar autos das diligências que efectuem, neles exarando as declarações presta-das pelos infractores na justificação ou explicação dos seus actos. 3 - Os funcionários do Instituto encarregados da fiscalização poderão fazer a apreensão dos objectos que se relacionem com a prova de infracção à lei ou às determinações do Instituto. 4 - O acto será sempre assinado pelo funcionário do Instituto que o levantar e, se possível, pelo transgressor, seu representante ou empregado que assistiu à diligência. 5 - A pessoa que impedir as diligências dos funcionários do Instituto, devida-mente credenciados, incorrerá nas disposições do artigo 31.º do presente di-ploma. Art. 30.º - 1 - A violação do estabelecido neste diploma importa, quando outras penalida-des não tenham sido previstas, as seguintes sanções: a) Repreensão registada; b) Multa de 1000$00 até 10000$00; c) Suspensão de todo o apoio financeiro pelo período de um ano; d) Proibição do exercício da actividade. 2 - A venda de mercadorias por preço inferior ao limite fixado ou em condições diferentes das estabelecidas será punida com multa variável entre 5000$00 e 10000$00. 3 - À produção, distribuição ou venda de mercadorias não permitidas ou de forma diversa da permitida, multa variável de 9000$00 até 10000$00 acumula-da com a apreensão dos objectivos respectivos. 4 - A fuga ao pagamento das taxas, multa de 10000$00. 5 - No caso de reincidência, a pena será agravada. Na aplicação das sanções será tomado em conta o facto reincidência. Art. 31.º - 1 - Compete ao conselho administrativo do IBTAM a aplicação das sanções pre-vistas no artigo anterior. 2 - A proibição do exercício da actividade é da competência do conselho do artesanato do IBTAM.

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Art. 32.º Se as multas não forem pagas voluntariamente, no prazo de trinta dias, serão os autos enviados ao tribunal competente e os infractores julgados em processo de transgressão. Art. 33.º - 1 - Das deliberações da direcção ou do conselho administrativo cabe recurso para o conselho do artesanato; das deliberações deste acerca da matéria pre-vista na alínea d) do n.º 1 do artigo 30.º cabe recurso para a competente Se-cretaria Regional. 2 - Os recursos previstos no presente diploma deverão ser interpostos no prazo de vinte dias, a contar da data da notificação da deliberação recorrida, devendo as alegações ser apresentadas com o requerimento de interposição do recurso. 3 - As questões suscitadas no foro da actividade do IBTAM serão apreciadas pelo competente tribunal judicial. Art. 34.º Compete ao Governo Regional regulamentar a matéria contida no pre-sente diploma. Art. 35.º O presente diploma entra em vigor no dia seguinte ao da sua publica-ção. Aprovado em 1 de Fevereiro de 1978. O Presidente da Assembleia Regional, Emanuel do Nascimento dos Santos Ro-drigues. Assinado em 10 de Fevereiro de 1978. O Ministro da República, Lino Dias Miguel.

Decreto Regional n.º 7/78/M. DR 49/78 SÉRIE I de 1978-02-28 Região Autónoma da Madeira - Assembleia Regional Cria o Instituto do Bordado, Tapeçarias e Artesanato da Madeira (IBTAM) e aprova o seu estatuto Decreto Regulamentar Regional n.º 11/86/M. DR 146/86 SÉRIE I de 1986-06-28 Região Autónoma da Madeira - Governo Regional Estabelece disposições relativas à defesa da qualidade e autenticidade do arte-sanato regional Decreto-Lei n.º 65/90. DR 47/90 SÉRIE I de 1990-02-24 Ministério do Comércio e Turismo Atribui ao Instituto do Bordado, Tapeçaria e Artesanato da Madeira compe-tência para a emissão de certificados de origem em Portugal. Altera o Decre-to-Lei n.º 75-A/86, de 23 de Abril Lei n.º 55/90. DR 205/90 SÉRIE I de 1990-09-05 Assembleia da República Cria uma marca colectiva de proveniência para os bordados da Região Autó-noma da Madeira Decreto Legislativo Regional n.º 23/90/M. DR 223/90 SÉRIE I de 1990-09-26 Região Autónoma da Madeira - Assembleia Legislativa Regional

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Aprova a Lei Orgânica do Instituto do Bordado, Tapeçarias e Artesanato da Madeira Decreto Legislativo Regional n.º 7/91/M. DR 62/91 SÉRIE I-A de 1991-03-15 Região Autónoma da Madeira - Assembleia Legislativa Regional Estabelece as normas de qualidade do bordado da Madeira Decreto Legislativo Regional n.º 14/91/M. DR 137/91 SÉRIE I-A de 1991-06-18 Região Autónoma da Madeira - Assembleia Legislativa Regional Aprova a orgânica do Instituto do Bordado, Tapeçarias e Artesanato da Madeira. Revoga o Decreto Legislativo Regional n.º 23/90/M, de 26 de Setembro Decreto Legislativo Regional n.º 12/93/M. DR 171/93 SÉRIE I-A de 1993-07-23 Região Autónoma da Madeira - Assembleia Legislativa Regional Regula a actividade das bordadeiras de casa Decreto Regulamentar Regional n.º 4/97/M. DR 32/97 SÉRIE I-B de 1997-02-07 Região Autónoma da Madeira - Presidência do Governo Estabelece a estrutura orgânica da Secretaria Regional dos Recursos Huma-nos Decreto Legislativo Regional n.º 2/97/M. DR 61/97 SÉRIE I-A de 1997-03-13 Região Autónoma da Madeira - Assembleia Legislativa Regional Regulamenta a atribuição de subsídio de desemprego às bordadeiras de casa da Região Autónoma da Madeira Decreto Legislativo Regional n.º 13/97/M. DR 196/97 SÉRIE I-A de 1997-08-26 Região Autónoma da Madeira - Assembleia Legislativa Regional Cria um sistema de incentivos financeiros à realização de acções promocio-nais à exportação de bordados, vimes e tapeçarias de origem artesanal feitos na Região Autónoma da Madeira, a título de comparticipação a fundo perdi-do Decreto Legislativo Regional n.º 22/98/M. DR 216/98 SÉRIE I-A de 1998-09-18 Região Autónoma da Madeira - Assembleia Legislativa Regional Altera o Decreto Legislativo Regional n.º 12/93/M, de 23 de Julho (regula a actividade das bordadeiras de casa) Decreto Regulamentar Regional n.º 3/2001/M. DR 63 SÉRIE I-B de 2001-03-15 Região Autónoma da Madeira - Presidência do Governo Aprova a estrutura orgânica da Secretaria Regional dos Recursos Humanos Decreto Regulamentar Regional n.º 20/2001/M. DR 201 SÉRIE I-B de 2001-08-30 Região Autónoma da Madeira - Presidência do Governo Altera o Decreto Legislativo Regional n.º 14/91/M, de 18 de Junho, que aprova a orgânica do Instituto do Bordado, Tapeçarias e Artesanato da Madeira