álvaro.magalhães2014
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Álvaro Magalhães: quando eu for grande... quero ser um brincador!
Ana Margarida Ramos CIDTFF – Universidade de Aveiro
O Brincador
Quando for grande, não quero ser médico, engenheiro ou professor. Não quero trabalhar de manhã à noite, seja no que for. Quero brincar de manhã à noite, seja com o que for. Quando for grande, quero ser um brincador. Ficam, portanto, a saber: não vou para a escola aprender a ser um médico, um engenheiro ou um professor. Tenho mais em que pensar e muito mais que fazer. Tenho tanto que brincar, como brinca um brincador, muito mais o que sonhar, como sonha um sonhador, e também que imaginar, como imagina um imaginador… A mãe diz que não pode ser, que não é profissão de gente crescida. E depois acrescenta, a suspirar: “é assim a vida”. Custa tanto a acreditar. Pessoas que são capazes, que um dia também foram raparigas e rapazes, mas já não podem brincar. A vida é assim? Não para mim. Quando for grande, quero ser brincador. Brincar e crescer, crescer e brincar, até a morte vir bater à minha porta. Depois também, sardanisca verde que continua a rabiar mesmo depois de morta. Na minha sepultura, vão escrever: “Aqui jaz um brincador. Era um homem simples e dedicado, muito dado, que se levantava cedo todas as manhãs para ir brincar com as palavras”.
Obra: géneros e registos (exemplos)
� Romance juvenil – A Ilha do Chifre de Ouro (1998), O Último Grimm (2007) e O Rapaz dos Sapatos Prateados (2013)
� Narrativas seriadas e “hybrid novel” – coleções “Triângulo Jota”; “Crónicas do Vampiro Valentim”; “Novas Crónicas do Vampiro Valentim”; “Lucas Scarpone”; “Mata dos Medos”
� Narrativa breve e muito breve – coletâneas de contos - O menino chamado Menino (1983), Isto É que Foi Ser! (1984), Histórias Pequenas de Bichos Pequenos (1985), O Homem que não queria sonhar e outras histórias (1987), Hipopóptimos Uma História de Amor (2001), Três Histórias de Amor (2003), O Rapaz da Bicicleta Azul (2004), O Segredo (2007), O Senhor Pina (2013)
� Teatro - Enquanto a Cidade Dorme (2000), Todos os Rapazes São Gatos (2004)
� Poesia
Tendências transversais à sua produção literária
� Temáticas ligadas ao tratamento do tempo e da constatação da sua passagem e inexorabilidade, à perda e à morte
� Condição reflexiva do sujeito poético, com aproximações ao pensamento filosófico de cariz existencialista
� Temática animal como aproximação à génese e à primitividade humana
� Metapoesia e reflexão de cariz metalinguístico: centralidade da palavra como a matéria-prima por excelência da criação literária
� Centralidade da infância como topos: origem; verdade; essência
� Sonho, onirismo e fantasia como forma de superação dos limites humanos
� Valorização das leituras, das aventuras e das brincadeiras infantis
� Exploração das potencialidades da língua e das suas implicações nonsensicais
� Humor
Três histórias de amor
� Tematização do amor, originalmente cruzado com o tema da morte – eixos centrais da vida/existência
� Fruição intensa da vida
� Perenidade dos afetos
� Universo animal
� Recriação da tradição oral
O Rapaz dos Sapatos Prateados
� Temáticas ligadas ao tempo, à existência, às palavras e à poesia, a deus, à morte e à vida, à essência, eixos transversais da poética do autor
� Viagem pelas suas memórias pessoais e pelos seus valores, tributo às suas referências, sem deixar de ser uma história de aventuras, mistério e humor.
Obra poética mais relevante
� O reino perdido (1986)
� O limpa-palavras e outros poemas (2000)
� O brincador (2005)
O Reino Perdido Estamos no Inverno, entristeceu a luz e eu levo as pequenas coisas do dia para dentro da casa e da página muito branca onde brilha agora o sol. O gato adormeceu junto ao fogão, está a sonhar com a primeira serradura; a mãe espreita da velha fotografia e parece ensaiar um passo mas conAnua parada; no tecto, sobre a cabeça, a lâmpada vigia-‐me, como o olho de um insecto. Enquanto lá fora passa o vento que leva para longe o nosso tempo e não o traz de volta, tento abrir, com uma chave de palavras, a porta fechada do meu reino perdido.
O Caçador de Borboletas Sorridente, ao nascer do dia,
ele sai de casa com a sua rede.
Vai caçar borboletas, mas fica preso
à frescura do rio que lhe mata a sede
ou ao encanto das flores do prado.
Vê tanta beleza à sua volta
que esquece a rede em qualquer lado
e antes de caçar já foi caçado.
À noite, regressa à casa cansado
e estranhamente feliz
porque a sua caixa está vazia,
mas diz sempre, suspirando:
Que grande caçada e que belo dia!
Antes de entrar, limpa as botas
num tapete de compridos pêlos
e sacode, distraído,
as muitas borboletas de mil cores
que lhe pousaram nos ombros, nos cabelos.
«Aniversários»
«Aniversários», de Álvaro Magalhães
1
As abelhas não fazem anos.
Nenhuma viveu um ano
para o poder fazer.
Com um dia de vida
qualquer abelha vai trabalhar.
Com dois já pode namorar
e com cinco casa e tem filhos.
Com vinte dias de vida
uma abelha está acabada:
é uma avelha.
5
Os anões são tão pequeninos
que não fazem anos.
Fazem aninhos.
Os gigantes são tão grandalhões
que não fazem anos.
Fazem anões.
Mistérios da Escrita
Escrevi a palavra flor.
Um girassol nasceu
no deserto de papel.
Era um girassol
como é um girassol.
Endireitou o caule,
sacudiu as pétalas
e perfumou o ar.
Voltou a cabeça
à procura do sol
e deixou cair dois grãos de pólen
sobre a mesa.
Depois cresceu até ficar
com a ponta de uma pétala
fora da Natureza.
A Gata Branca Ela andava por todo o lado, enterrava as unhas duras no sofá ou descia, vagarosa, do telhado. Depois, desenrolou até ao fim o novelo da lã e agora está sob a terra, no quintal: é uma semente adormecida. Com ela foi essa parte de mim e eu não sei o que fazer a esse amor nem onde está o tempo branco que foi meu - esse pedaço da minha vida.
Experiência de animação da leitura a partir de O Limpa-Palavras,
de Álvaro Magalhães
Recursos
� http://conta-meumconto.blogspot.com/2008/02/o-limpa-palavras.html
� http://www.catalivros.org/portal/bo/portal.pl?pag=02n4_ficha_do_livro&janpap_id=227
� http://videos.sapo.pt/eOCj5dqJZABp6vSefKuN
� http://www.youtube.com/watch?v=iWPv0m4b9FI
� http://catatu.catalivros.org/fala_estar_le-nos/le_LM11_entr_a_magalhaes_1_a.pdf
O Limpa-Palavras Limpo palavras. Recolho-as à noite, por todo o lado: a palavra bosque, a palavra casa, a palavra flor. Trato delas durante o dia enquanto sonho acordado. A palavra solidão faz-me companhia. Quase todas as palavras precisam de ser limpas e acariciadas: a palavra céu, a palavra nuvem, a palavra mar. Algumas têm mesmo de ser lavadas, é preciso raspar-lhes a sujidade dos dias e do mau uso. Muitas chegam doentes, outras simplesmente gastas, estafadas, dobradas pelo peso das coisas que trazem às costas. A palavra pedra pesa como uma pedra. A palavra rosa espalha o perfume no ar. A palavra árvore tem folhas, ramos altos. Podes descansar à sombra dela. A palavra gato espeta as unhas no tapete. A palavra pássaro abre as asas para voar. A palavra coração não pára de bater. Ouve-se a palavra canção. A palavra vento levanta os papéis no ar e é preciso fechá-la na arrecadação.
No fim de tudo voltam os olhos para a luz e vão para longe, leves palavras voadoras sem nada que as prenda à terra, outra vez nascidas pela minha mão: a palavra estrela, a palavra ilha, a palavra pão. A palavra obrigado agradece-me. As outras não. A palavra adeus despede-se. As outras já lá vão, belas palavras lisas e lavadas como seixos do rio: a palavra ciúme, a palavra raiva, a palavra frio. Vão à procura de quem as queira dizer, de mais palavras e de novos sentidos. Basta estenderes um braço para apanhares a palavra barco ou a palavra amor. Limpo palavras. A palavra búzio, a palavra lua, a palavra palavra. Recolho-as à noite, trato delas durante o dia. A palavra fogão cozinha o meu jantar. A palavra brisa refresca-me. A palavra solidão faz-me companhia.
Análise do Poema
� Definição do trabalho do poeta e da escrita poética
� Arte poética aplicada ao universo da literatura para a infância
� Metáfora do limpa-palavras para definir o poeta
� Negação do conceito da arbitrariedade do signo
� Categorias de palavras, funcionalidade (ligação entre a palavra e o conceito/objeto) � Pesadas – pedra � Perfumadas – rosa � Protetoras – árvore � Vivas – gato, coração � Voadoras – pássaro, vento � Sonoras – canção � …
Pré-leitura
� Exploração de elementos paratextuais, como o título
� Relação com as profissões: � O que é um limpa-palavras? � Onde trabalha? � A que se dedica?
� Expectativas sobre o conteúdo do texto
Leitura
� Expressiva, em voz alta
� Com fundo musical apropriado
� Acompanhada de imagens e/ou objetos, nomeadamente os que são referidos no poemas (palavras que precisam de ler limpas)
Pós-leitura
� Perceber o que significa “limpar palavras” e o sentido que o poema atribui ao poeta e à poesia;
� Identificar as emoções que o poema transmite e o tom que o domina;
� Escolher outras palavras que precisam/podem ser “limpas”;
� Identificar objetos, seres, conceitos para os quais elas remetem;
� Descobrir textos/livros que procedam a essa limpeza;
� Selecionar lugar para contar/ler/dizer poemas/textos de modo a limpar as palavras dos maus usos;
� Preparar atividades de escrita (nomeadamente poética) a partir da leitura do poema;
� Propor outras atividades para o poeta, para além de limpar as palavras.
Proposta de trabalho:
� Proposta de leitura com um grupo de crianças/jovens: � Todos sabem o que é um poeta? O que fazem os poetas? Quais são as suas
ferramentas de trabalho? Que matérias usam para trabalhar? � Estabelecer relações com outras profissões até se chegar à matéria prima usada
pelo poeta: “A Palavra”. � E o que fazem os poetas com as palavras? Álvaro Magalhães explica tudo isto, num
poema a que se chamou o Limpa-Palavras. Mas que título! Porque necessitarão os poetas de limpar as palavras? Que palavras se podem limpar? Onde podem recolher-se as palavras? Em que lugares é que se encontram as palavras? Que palavras nos podem fazer companhia?
� O poema que vamos ler tem a palavra “pedra”? É uma palavra leve ou pesada? Que som pode fazer uma pedra? O autor usa também a palavra “rosa”. É uma palavra cheirosa ou fedorenta?
� Ir apresentando palavras que estão no texto, solicitando a reflexão sobre as suas características, os sons ou gestos que lhe podem estar associados: árvore, gato, pássaro, coração, vento, obrigado, adeus, fogão, solidão. Este jogo em torno destas palavras deve ser conduzido de forma a levar a algumas expressões do autor.
� http://195.23.38.178/casadaleitura/portalbeta/bo/documentos/prat_ser_poeta_a.pdf
bibliografia
� GOMES, José António, RAMOS, Ana Margarida e SILVA, Sara Reis da (2009): «“Palavras que não servem para falar”: uma leitura de O Limpa-Palavras e outros poemas, de Álvaro Magalhães» in ROIG RECHOU, Blanca-Ana, SOTO LÓPEZ, Isabel e NEIRA RODRÍGUEZ, Marta (coord.), A Poesía Infantil no Século XXI (2000-2008), Vigo: Edicións Xerais de Galicia, pp. 359-372 (ISBN 978-84-9914-026-1)
� RAMOS, Ana Margarida (org.) (2013). Mistérios da Escrita – Uma aproximação à obra de Álvaro Magalhães. Alfragide: ASA (ISBN: 9789892325132) (e-book) {colaboração de José António Gomes, Sara Reis da Silva e Carlos Nogueira}
Obrigada!