àlvaro de campos

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 Álvaro de Campos Ficha Informativa Perfil biográfico Em oposição a Ricardo Reis, surge "impetuosamente" um novo indivíduo "branco e moreno, tipo vagamente de judeu português, cabelo, porém, liso e normalmente apartado ao lado, monóculo", de nome Álvaro de Campos. Teve "uma educação vulgar de liceu, depois foi mandado para a Escócia estudar eng enharia, pri meiro mecânica e depois naval". Álvaro de Campos é o mais fecundo e versátil heterónimo de Fernando Pessoa, e também o mais nervoso e emotivo, por vezes até à histeria. As três fases poéticas de Álvaro de Campos Com algumas compos içõe s iniciais que alg o devem ao Decadentismo ("Opiá rio"), Álvaro de Campos é, sobretudo, o futurista da exaltação da energia até ao paroxismo (cúmulo), da velocidade e da força da civilização mecânica do futuro, patentes na "Ode  Triunfal". É o único heterónimo que reconhece uma evolução ("Fui em tempos poeta decadente; hoje creio que estou decadente, e já o não sou"). Passa por três fases: a decadentista, a futurista e sensacionista e, por fim, a intimista. 1 ª Fase: decadentista Esta fas e poé tic a traduz-se por sentimentos de tédio, enfado, náusea, can saç o, abatimento e necessidade de novas sensações. Tal é o reflexo da falta de um sentido para a vida e a necessidade de fuga à monotonia. Esta fuga era feita habitualmente à base de estupefacientes, como era o caso do ópio. Um dos poemas mais exemplificativos desta fase é o "Opiário", escrito por Fernando Pessoa em 1915 para o primeiro número do Orpheu, todavia, datado de Março de 1914 para documentar, mistificando, uma primeira fase de Campos. 2ª Fase: futurista ou de vanguarda e sensacionista A fase futurista-sensacionista assenta numa poesia repleta de vitalidade, manifestando a predilecção pelo ar livre e pelo belo feroz que virá contrariar a concepção aristotélica de belo ("Escrevo rangendo os dent es, fera para a beleza di st o, / Para a beleza disto totalmente desconhecida dos antigos". -"Ode Triunfal"). Após a descoberta do futurismo, de Marinetti, e do sensacionismo, de Walt Whitman, Campos adoptou, para além do verso livre, um estilo esfuziante, torrencial, espraiado em longos versos de duas ou três linhas, anafórico, exclamativo, interjectivo, monótono pela simplicidade dos processos, pela reiteração de apóstrofes e enumerações, mas vivificado pela fantasia verbal duradoura e inesgotável. Álvaro de Campos, além de celebrar o triunfo da máquina, da energia mecânica e da civilização moderna, canta também os escândalos e corrupção da contemporaneidade, em sintonia com o futurismo. O ideal futurista em Álvaro de Campos fá-lo distanciar-se do passado para exaltar a necessidade de uma nova vida futura, onde se tenha a consciência da sensação do poder e do triunfo. Esta fase também está marcada pela intelectualização das sensações ou pela sua

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Álvaro de CamposFicha Informativa

Perfil biográfico

Em oposição a Ricardo Reis, surge "impetuosamente" um novo indivíduo "branco emoreno, tipo vagamente de judeu português, cabelo, porém, liso e normalmente apartado

ao lado, monóculo", de nome Álvaro de Campos. Teve "uma educação vulgar de liceu,depois foi mandado para a Escócia estudar engenharia, primeiro mecânica e depoisnaval".

Álvaro de Campos é o mais fecundo e versátil heterónimo de Fernando Pessoa, etambém o mais nervoso e emotivo, por vezes até à histeria.

As três fases poéticas de Álvaro de Campos

Com algumas composições iniciais que algo devem ao Decadentismo ("Opiário"),Álvaro de Campos é, sobretudo, o futurista da exaltação da energia até ao paroxismo(cúmulo), da velocidade e da força da civilização mecânica do futuro, patentes na "Ode

 Triunfal".É o único heterónimo que reconhece uma evolução ("Fui em tempos poeta decadente;

hoje creio que estou decadente, e já o não sou"). Passa por três fases: a decadentista, afuturista e sensacionista e, por fim, a intimista.

1 ª Fase: decadentista

Esta fase poética traduz-se por sentimentos de tédio, enfado, náusea, cansaço,abatimento e necessidade de novas sensações. Tal é o reflexo da falta de um sentido paraa vida e a necessidade de fuga à monotonia. Esta fuga era feita habitualmente à base deestupefacientes, como era o caso do ópio. Um dos poemas mais exemplificativos desta

fase é o "Opiário", escrito por Fernando Pessoa em 1915 para o primeiro número doOrpheu, todavia, datado de Março de 1914 para documentar, mistificando, uma primeirafase de Campos.

2ª Fase: futurista ou de vanguarda e sensacionista

A fase futurista-sensacionista assenta numa poesia repleta de vitalidade, manifestandoa predilecção pelo ar livre e pelo belo feroz que virá contrariar a concepção aristotélica debelo ("Escrevo rangendo os dentes, fera para a beleza disto, / Para a beleza distototalmente desconhecida dos antigos". -"Ode Triunfal").

Após a descoberta do futurismo, de Marinetti, e do sensacionismo, de Walt Whitman,Campos adoptou, para além do verso livre, um estilo esfuziante, torrencial, espraiado emlongos versos de duas ou três linhas, anafórico, exclamativo, interjectivo, monótono pelasimplicidade dos processos, pela reiteração de apóstrofes e enumerações, mas vivificadopela fantasia verbal duradoura e inesgotável.

Álvaro de Campos, além de celebrar o triunfo da máquina, da energia mecânica e dacivilização moderna, canta também os escândalos e corrupção da contemporaneidade, emsintonia com o futurismo.

O ideal futurista em Álvaro de Campos fá-lo distanciar-se do passado para exaltar anecessidade de uma nova vida futura, onde se tenha a consciência da sensação do podere do triunfo.

Esta fase também está marcada pela intelectualização das sensações ou pela sua

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desordem. Como verdadeiro sensacionista, procura o excesso violento de sensações àmaneira de Walt Whitman. Contudo, o seu sensacionismo distingue-se do seu mestreAlberto Caeiro, na medida em que este considera a sensação captada pelos sentidos comoa única realidade, mas rejeita o pensamento. O mestre, com a sua simplicidade e se-renidade, via tudo nítido e recusava o pensamento para fundamentar a sua felicidade porestar de acordo com a Natureza; já Campos, sentindo a complexidade e a dinâmica davida moderna, procura sentir a violência e a força de todas as sensações ("sentir tudo detodas as maneiras").

O poema "Ode Triunfal" exemplifica claramente esta fase poética do heterónimoÁlvaro de Campos. O título sugere logo qualquer coisa de grandioso, não só no conteúdocomo na forma. A irregularidade métrica e estrófica, típicas da poesia modernista, afastamlogo o poema da lírica tradicional portuguesa. Este ritmo irregular traduz a irreverência e onervosismo do próprio poeta. A nível estilístico, sobressaem inúmeras metáforascomparações, imagens, apóstrofes, anáforas (entre outras), a fim de realçar osensacionismo de Campos. Há que destacar que nem tudo é entusiasmo nesta ode. Assim,logo no início, o poeta escreve “À dolorosa luz das grandes lâmpadas eléctricas da fábrica”

e tem “febre”. Ao longo do texto há um desfilar irónico dos escândalos da época: adesumanização, a hipocrisia, a corrupção, a miséria, a pilhagem, os falhanços da técnica(desastres, naufrágios), a prostituição de menores, entre outros. O poeta tanto manifestao desejo de humanizar as máquinas, através das apóstrofes (“Ó rodas, ó engrenagens, ómáquinas!...”), como também de se materializar ao identificar-se com as máquinas (Ah!poder eu exprimir-me como um motor se exprime! Ser completo como uma máquina! ").Omais surpreendente no poema é que, depois de o poeta ironizar os ridículos da sociedademoderna, ele identifica-se com eles ao exprimir (“Ah, como eu desejava ser o souteneurdisto tudo! ").

O Binómio de Newton é tão belo como a Vénus de Milo.O que há é pouca gente para dar por isso.

óóóó---óóóóóó óóó---óóóóóóó óóóóóóóó

Álvaro de Campos, 15-1-1928 (O vento lá fora.)

3ª Fase: a abulia o tédio (pessimismo)

Esta fase caracteriza-se por uma incapacidade de realização, trazendo de volta oabatimento. O poeta vive rodeado pelo sono e pelo cansaço, revelando desilusão, revolta,inadaptação, devido à incapacidade das realizações. Após um período áureo de exaltaçãoheróica da máquina, Álvaro de Campos é possuído pelo desânimo e frustração.

Parece apresentar pontos comuns com a 1ª fase – a decadentista –, contudo, há quesublinhar que a intimista traduz a reflexão interior e angustiada de quem apenas sente ovazio depois da caminhada heróica.

Segundo Jacinto do Prado Coelho, este Campos decaído, cosmopolita, melancólico,devaneador, irmão do Pessoa ortónimo no cepticismo, na dor de pensar e nas saudades da

infância ou de qualquer coisa irreal, é o único heterónimo que comparticipa da vidaextraliterária de Fernando Pessoa, afirmando o próprio “eu e o meu companheiro de

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psiquismo Álvaro de Campos".Em "Lisbon revisited" (1923), o poeta debate-se com a inexorabilidade da morte,

desejando até morrer (“Não me venham com conclusões! / A única conclusão é morrer."). Todo o poema é disfórico, daí a acumulação de construções negativas. Recusa a

estética, a moral, a metafísica, as ciências, as artes, a civilização moderna, apelando aodireito à solidão, apontando a infância como símbolo da felicidade perdida ("Ó céu azul - omesmo da minha infância - / Eterna verdade vazia e perfeita! ").

Nesta fase, Campos sente-se vazio, um marginal, um incompreendido (“O que há emmim é sobretudo cansaço”; "Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles: / Porque eu amoinfinitamente o finito, / Porque eu desejo impossivelmente o possível"). A construçãoantiética destes versos é, sem dúvida, o espelho do interior do poeta.

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CARACTERÍSTICAS TEMÁTICAS CARACTERÍSTICAS ESTILÍSTICAS

Decadentismo literário (1ª fase)- Opiário

abulia, tédio de viver, desencanto;

procura de sensações novas;

busca da evasão.

Futurismo ou Vanguarda e o

Sensacionismo (2ª fase)

Futurismo:• o elogio da civilização industrial,

moderna, da velocidade e dasmáquinas, da energia e da forca, doprogresso;

aniquilamento do passado e exaltação

do presente e do futuro;

ruptura com o subjectivismo da lírica

tradicional;

atitude escandalosa: transgressão da

moral estabelecida; erotismo doentio e

febril.

Sensacionismo:

vivência em excesso das sensações

«Sentir tudo de todas as maneiras.»;atitudes sadomasoquistas;

o predomínio da emoção espontânea e

torrencial;

A abulia e o tédio (pessimismo) (3ª fase):

reencontro com o ortónimo

Regresso ao abatimento, ao cansaço da vida;

 Tom introspectivo e reflexivo;

Dor de ser lúcido;

A infância como paraíso perdido;

a fragmentação do "eu, a perda de

identidade;

a ansiedade e a confusão emocional -

angústia existencial;

vivência em excesso das sensações

«Sentir tudo de todas as maneiras 

Elogio da civilização industrial e da

técnica: culto da força, da energia, da

civilização mecânica.

• Estética não aristotélica, característica dofuturismo ou vanguarda.

• Estilo torrencial, esfuziante, dinâmico eexcessivo.

• Linguagem marcada por um tom torrenciale excessivo: exclamações, apóstrofes,enumerações, interjeições acompanhadas depontuação emotiva; adjectivação abundante,onomatopeias, aliterações, metáforasousadas, oximoros, personificações,

hipérboles, etc.

• Desordem de ritmos, violência de metáforas- desespero por não poder meter assensações nas palavras(nos poemasfuturistas ou de vanguarda).

• Grafismos expressivos.

• Versos e estrofes longas.

• Estrangeirismos e neologismos.

• Construções nominais, infinitivas e

gerundivas.

• Prosaísmo da linguagem.

• Paralelismos, assíndetos, polissíndetos,

tautologias e comparações.

Raras metáforas, metonímias esinestesias.

• Predomínio do Presente do Indicativo.

• Estilo discursivo.

• Marcas de oralidade.

• Ritmo lento remetendo para a aceitação

das coisas.