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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO DIRETORIA DE PROJETOS ESPECIAIS PROJETO A VEZ DO MESTRE ALUNOS DE CLASSES POPULARES: É POSSIVEL O SUCESSO ESCOLAR? Por: Cecilia Bello da Silva Orientador: Nilson Guedes de Freitas Rio de Janeiro, RJ, Agosto/2002

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO

DIRETORIA DE PROJETOS ESPECIAIS PROJETO A VEZ DO MESTRE

ALUNOS DE CLASSES POPULARES: É POSSIVEL O SUCESSO ESCOLAR?

Por: Cecilia Bello da Silva

Orientador: Nilson Guedes de Freitas

Rio de Janeiro, RJ, Agosto/2002

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO

DIRETORIA DE PROJETOS ESPECIAIS PROJETO A VEZ DO MESTRE

ALUNOS DE CLASSES POPULARES: É POSSIVEL O SUCESSO ESCOLAR?

Por: Cecilia Bello da Silva

Trabalho monográfico apresentado

como requisito parcial para a

obtenção do Grau de Especialista em

Supervisão Escolar.

Rio de Janeiro, RJ, Agosto/2002

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Agradecimentos

Agradeço a todos os meus colegas, professores e

alunos que me ajudaram nesta difícil caminhada, mas que se tornou prazerosa

por estar cercada de pessoas maravilhosas que fizeram desta luta uma vitória.

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Dedicatória

Aos meus alunos e ex-alunos a quem devo muitas

de minhas aprendizagens.

Aos meus pais, filhos e amigas a quem devo ser

hoje uma profissional preocupada com a formação do caráter de meus alunos.

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“O problema dos alunos encontra-se na matéria; o

dos professores é saber o que está fazendo a mente dos alunos com a

matéria”.

John Dewey

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- Sumário - Resumo ................................................................................................................................... 06

Introdução .............................................................................................................................. 08

Capítulo I

A Escola: De Quem? Para Quem? ................................................................................ 11

O Significado da Escola ................................................................................................. 12

As desigualdades Sociais Promovem o Fracasso Escolar? ..................................... 13

Capítulo II

Abordagens Teóricas: Vygotsky e Piaget ..................................................................... 15

Pedagogia Dialética e Realidade Educacional:

Expectativa de Sucesso Escolar ................................................................................... 18

O Ato Pedagógico e a Dialética: Relação Dialógica .................................................... 20

Capítulo III

As Novas Tecnologias e Mudanças na Escola ............................................................. 23

Proposta Educativa Democrática:

Mudança na Sociedade Excludente .............................................................................. 26

Capítulo IV

Escola da Vida: Querer é Poder ..................................................................................... 29

Estímulo: Vínculo Afetivo na Construção de um Ideal ............................................... 30

Capítulo V

Avaliação: Princípio, Meio ou Fim de um Aprendizado? ........................................... 32

Avaliação Classificatória ou Diagnóstica? .................................................................. 34

Capítulo VI

Depoimentos .................................................................................................................. 36

Análise dos Depoimentos ............................................................................................. 42

Conclusão ............................................................................................................................. 45

Anexos .................................................................................................................................. 48 Bibliografia ............................................................................................................................ 50

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- Resumo -

Este trabalho é uma tentativa de rever a Escola e

alterar a impressão de instituição seletiva e excludente que durante anos vem

causando àqueles que a procuram para obter melhores condições de acesso à

cultura, com o tema Sucesso Escolar, lançando um desafio aos educadores e

apontando uma série de fatores que podem intervir na visão pessimista dos

envolvidos na área educacional que teimam em excluir o aluno da camada

social mais pobre; partindo-se da hipótese que a família, os estímulos

ambientais, a motivação, a ação pedagógica e o próprio sistema educacional

podem ser referenciais de sucesso escolar. Busca-se sensibilizar todos os

envolvidos na educação para dar um novo sentido à escola. Através da

reflexão e discussão em torno das questões fundamentais relacionadas ao bom

desempenho dos alunos de classe popular, repensando a escola como espaço

democrático no qual a criança da camada popular pode ser incluída e dominar

as habilidades necessárias ao processo educacional recuperando assim, o

direito de uma experiência sociocultural formadora, constituindo-se como grupo

social legitimado, no qual ganhem condições de fazer valer seus interesses, e

neste sentido, fortalecerem-se politicamente, numa expectativa de uma nova

tendência no mundo atual: valorização, competência e igualdade de condições

para todos.

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Introdução

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- Introdução -

O bom desempenho escolar é sempre atribuído ao

aluno de classe elitizada, justificando-se seu acesso à cultura dominante.

Contudo, uma criança leva para a escola uma

bagagem de conhecimento que não é reconhecida pelos professores. A

reprovação já é logo prevista e antecipadamente esse aluno é rotulado de

fracassado.

O discurso das elites quanto ao fracasso escolar da

camada social pobre traz uma desigualdade quase cruel à sociedade mais

carente.

Nesta perspectiva, o desafio é procura para a escola

um significado mais positivo para os alunos de classe popular.

Considerando fatores internos ou externos que

possam desmistificar essa previsão pessimista por parte dos educadores

questiona-se: o aluno pobre pode superar o fracasso escolar?

Apontando fatores que podem servir de indicadores

de sucesso na aprendizagem dos alunos de classe popular, busca-se colocar

em discussão a afirmação de professores que costumam rotular o aluno de

classe popular de fracassado.

A questão colocada nesta pesquisa é uma temática

que enfoca um dos principais conflitos de classe na sociedade brasileira: o

sucesso escolar é possível para os alunos de classe popular?

Há muitos anos não nos deparamos com boas

notícias sobre aprendizagem dos alunos de classe populares. O índice de

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analfabetismo cresce a cada ano; a evasão e a repetência afastam a criança

da classe e causam a degradação das camadas mais pobres num país onde a

pluralidade cultural não é respeitada.

No entanto é preciso refletir e colocar em questão os

planos educacionais na melhoria da qualidade de ensino.

É preciso buscar condições de mudanças nessa

visão pessimista em relação ao aluno de classe pobre. Será que não há

nenhuma saída para ele? Estará realmente condenado ao fracasso o aluno que

não pertence à elite?

Na escola, o que mais acontece é a necessidade de

o professor ouvir sempre as respostas corretas. Será que isso faz com que

seus alunos avancem em seus conhecimentos? Resposta sem comparação de

idéias, sem discussão, mostra quem é mais inteligente?

Para Freire (1979), a pedagogia deve deixar espaço

para o aluno construir seu próprio conhecimento, sem preocupar em repassar

conceitos prontos, o que freqüentemente ocorre na prática tradicional, que faz

do aluno um ser passivo, em que depositam os conhecimentos para criar um

banco de respostas em sua mente. Não estaria aí um erro do professor,

deixando de lado a emancipação do aluno de classe popular?

Dewey (1979), considerou o meio social e a

educação como fatores de progresso, embora não tenha enfatizado a

perspectiva histórica do desenvolvimento do indivíduo. Então por que não

valorizar o meio social em vive a criança da camada popular para que esta

possa compartilhar sua vivência, numa interação com outras crianças de meio

social mais elitizado?

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Para tanto, será feita inicialmente abordagem das

teorias de Vygotsky e Piaget sobre a aprendizagem, por serem concepções

que nos dão a visão de homem e a sua relação com o mundo, para que sejam

observadas e analisadas em diferentes contextos no campo educacional.

Um olhar sobre as potencialidades dos professores e

alunos na relação entre teoria e prática, poderá mostrar, a seguir, que o poder

de mudança da sociedade está baseada na reflexão e identificação de

situações-problemas para a construção de novas teorias de acordo com o

contexto social transformando-se a prática pedagógica num movimento

dialético entre o ser e a sociedade.

Supondo-se um ensino universalizado e a

democratização do conhecimento, esse trabalho prossegue observando as

inovações educativas e as possíveis mudanças na instituição educacional.

Impondo decisão e planejamento por parte dos órgãos internos e externos à

escola observa-se que é possível compatibilizar as práticas que visam à

otimização do ensino na sociedade do mundo contemporâneo.

Ao final, numa análise dos depoimentos dos

professores, procura-se explicitar e extrair elementos significativos que

originam o sucesso escolar.

Uma vez que procura se entender as dificuldades e

possibilidades do desenvolvimento de uma sociedade sob novas perspectivas

educacionais, é oportuno buscar aprofundamento cada vez maior sobre a

construção e estruturação de um ensino que constitua características de

respeito àqueles que buscam a escola para adquirir conhecimento sob novos

prismas tornando-se mais reflexivo e atuante nas relações com o mundo no

qual vive.

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- Capítulo I -

A Escola: De Quem? Para Quem?

Ao recordar a infância, recente ou distante, toda

pessoa vê diante de si a imagem dos momentos vividos em família. E quase

sempre, apesar das lutas e sacrifícios, os melhores momentos da sua vida é

que são recordados, como num filme alegre, mesclado com alguns momentos

de tristeza e decepções. A convivência com adultos e outras crianças propicia

condições de aprendizado num processo natural.

Explorando seu ambiente, desenvolvendo

habilidades cognitivas, a criança vai aprendendo a ler o mundo, analisando,

interpretando, recebendo informações e formando sua personalidade. Segundo

Freire (1981), a leitura do mundo precede da leitura da palavra. O que pode ser

entendido com este pensamento de Paulo Freire? Se a leitura do mundo vem

antes da criança ir para a escola, quer dizer que ela tem antecipadamente um

mundo que lhe impõe várias leituras. A experiência adquirida no dia-a-dia junto

a seus pais e amigos, mediante variadas formas de aprendizagem, vai criando

condições de organizar e ordenar suas idéias perante um mundo que vai se

descortinando diante de seus olhos. Os seus pais, sua casa, o quintal, a

árvore, a terra, as brincadeiras e jogos com amigos, enriquecem sua vida, e a

descoberta de que há sentido nas palavras trazem uma expectativa da criança

em relação à escola.

Encantada, a criança aguarda o momento em que

será acompanhada por sua mãe até aquela escola a qual ouve os amigos

falarem. Uma sensação indefinida toma conta dela: será a mesma coisa lá

dentro? Tudo o que aprendeu lá fora será aproveitado? As estórias que ouvia

serão recontadas pela professora?

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O Significado da Escola

Qual é o sentido da escola para uma criança recém-

chegada ao ambiente escolar?

Fazer uma leitura do sentido da escola é verificar

que foi criada para oferecer ao aluno a possibilidade de igualdade social. Num

repetido discurso em favor da democratização do ensino a escola pública não é

uma doação do Estado ao povo; é uma conquista lenta e progressiva das

camadas populares na busca de um espaço para análises criticas, onde os

professores transmitam-lhes a cultura de base produzida no cotidiano aliada a

uma prática de construção para uma sociedade democrática. A competência da

escola atual seria então a formação de sujeitos pensantes, capazes de

construir uma realidade social promovendo a igualdade de condições de

exercício da liberdade política e intelectual.

Na verdade, a escola pública agoniza tentando

conservar seu primeiro objetivo: igualdade de condições para todos.

A democratização do ensino no mundo

contemporâneo ante as transformações atuais trariam aos alunos das camadas

populares meios de aquisição de aprendizagem na mesma proporção dos

alunos das classes elitizadas?

A escola deveria ser o lugar no qual a realidade dura

da criança pobre desaparecesse, transportando-na a um mundo de maiores

possibilidades culturais e de interação, através do envolvimento com

professores e colegas, e da própria comunidade. A vida seria mais fácil se

houvesse conexão entre o cotidiano e a vida escolar. A criança tem a seu favor

a leitura de mundo. A valorização das descobertas e as associações entre sua

realidade e a vida escolar ainda lhe dão a capacidade de competir com a elite

na busca da realização, num mundo de intensas transformações sociais.

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A escola teria, pois o compromisso de reduzir a

distância entre as classes dominantes a as classes dominadas, adaptando e

ajustando os alunos às oportunidades de acesso ao saber.

As Desigualdades Sociais promovem o Fracasso Escolar?

Segundo a ideologia da deficiência cultural, na

explicação de Magda Soares (1992), “as diferenças sociais teriam sua origem

em diferenças de aptidão, de inteligência: a posição dos indivíduos na

hierarquia social estaria determinada por suas características pessoais”.

Tal concepção afirma que as desigualdades sociais

seriam provenientes da falta de cultura e inteligência, criando-se assim uma

barreira entre a classe dominante e a classe dominada, já que esta não teria

acesso às condições de uma vida escolar privilegiada, estando então fadada

ao fracasso escolar por ser portadora de deficiências socioculturais.

O meio pobre em que vive a criança da camada

popular sem ‘estímulos sensórios’ não permitiria sua condição de

aprendizagem.

Entretanto, sabe-se, como afirma Paulo Freire

(1981), que a ‘pobreza cultural’ é relativa quando se tem o enriquecimento

através de estímulos vinculados ao contexto social.

O aluno é marginalizado a partir do momento em

que sua cultura é considerada inferior não por deficiências intelectual ou

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cultural, mas por não estar dentro de um modelo, que é o comportamento das

classes dominantes: a permanência desse aluno na escola é impossível, pois a

mesma, a serviço da classe dominante, o empurra para o fracasso tratando-o

de forma discriminativa e transformando diferença em deficiência cultural.

Caberia à escola mudar essa ideologia respeitando a diversidade cultural de

cada indivíduo.

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- Capítulo II -

Abordagens Teóricas: Vygotsky e Piaget

Partindo-se do pressuposto que a motivação, os

estímulos internos ou externos podem determinar o sucesso escolar, faz-se

necessário um aprofundamento em teorias da aprendizagem, de modo a

facilitar o entendimento de que o pensamento de uma criança pode ser

formalizado mediante sua compreensão do mundo num enfoque interacionista,

no ambiente escolar.

As teorias de Vygotsky e Piaget enfocam o

desenvolvimento cognitivo de forma diferente. Piaget supõe o equilibração

como um princípio básico para explicar o desenvolvimento cognitivo.

Lev Vygotsky entende que esse desenvolvimento se

dá através do contexto social ou cultural no qual ele ocorre.

A teoria de Vygotsky tem como perspectiva o

homem como sujeito total enquanto mente e corpo, organismo biológico e

social, integrado em um processo histórico.

Tanto Piaget como Vygotsky concebem a criança

como um ser ativo, atento, que constantemente cria hipóteses sobre o

ambiente.

Vygotsky vai além de Piaget e privilegia o ambiente

social em que a criança nasce, reconhecendo que, “em se variando esse

ambiente o desenvolvimento também variará”. Para ele o desenvolvimento

humano se dá através da interação com adultos e outras crianças mais

experientes, na construção do real.

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Estaria assim explicado que o grande problema da

escola é memorização e repetição evidenciando uma aprendizagem mecânica

e, portanto, ilusória. Para compensar tais falhas seria preciso uma mudança na

postura dos educadores que seguem o modelo tradicional de ensino.

O homem nas suas relações com o mundo em que

vive, internaliza os signos fornecidos pela cultura, operando mentalmente sobre

os objetos e fatos reais através do seu sistema de representação simbólica,

num processo chamado mediação. Para Vygotsky, é com a interiorização de

instrumentos e sistema de signos, produzidos culturalmente, que se dá o

desenvolvimento cognitivo (Vygotsky,1988).

Procurando entender a teoria Vygotskyana lembra-

se que a criança convive diariamente com parentes, amigos, num ambiente

cheio de signos e com isso adquiri conhecimentos cognitivo. Então por que a

criança não é entendida como um referencial social para a escola?

Com a experiência adquirida no meio social ela será

capaz mais tarde de apreender os significados e transformá-los em

conhecimentos ao longo do seu processo de desenvolvimento histórico e

social.

Para Vygotsky, o indivíduo interioriza formas de

funcionamento psicológico apreendidas através da cultura, mas ao assumi-las

torna-as suas, reelabora-as ou as recria, e as incorpora às suas estruturas. O

aluno constrói seus próprios significados dentro do seu ambiente social e

emprega-os como instrumentos do seu pensamento individual para atuar no

mundo. Assim, um aluno que vai para o sul após viver no nordeste, com

certeza leva a base de sua cultura, e as informações internalizadas deverão ser

transformadas num novo esquema de significação, possibilitando a apropriação

dos instrumentos de mediação fornecidos pela nova cultura. Seu jeito de falar,

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suas atividades e posturas diante das idéias diferentes farão uma inter-relação

formando-se uma nova aprendizagem.

Assim, o professor precisa conhecer os interesses,

as necessidades, as capacidades e as experiências anteriores dos alunos para

propor planos cuja concepção resulte de um trabalho com a participação de

todos. Isso torna o ato de aprender um “ato de alegria e contentamento no qual

o cognitivo e o efetivo estão unidos dialeticamente” (Freire, 1995). Não há

sentido na ação sem parceria. Alunos e professores devem aprender juntos na

construção de projetos de interesse do aluno em seu contexto social. Mesmo

que um aluno pobre conviva com um aluno de classe social mais elevada, os

dois têm capacidade de se relacionarem aproveitando-se as experiências de

cada um.

Segundo Paulo Freire (1995), “Ninguém educa

ninguém” pois o homem não é objeto de sua educação. Transformando sua

realidade após compreendê-la, o homem se modifica transformando sua ação

e sua reflexão em um processo dialético.

A visão de mundo do aluno deve ser priorizada, e o

diálogo entre o conhecimento que o educando traz e a construção de um saber

cientifico resultaria numa educação reflexiva estabelecendo-se a relação entre

teoria e prática para aquisição da aprendizagem.

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Pedagogia Dialética e Realidade Educacional:

Expectativa de Sucesso Escolar?

As pedagogias estudadas ao longo dos anos

mostraram-se limitadas e com restrições na área da reflexão. O aluno,

encarado como simples expectador-receptor de informações teve sua cultura

pouco explorada e não desenvolveu seu senso crítico. Os questionamentos

foram deixados de lado; a escola passou a ser mero instrumento de

reprodução cultural a serviço dos denominadores.

As várias pedagogias cada uma com o intuito de

promover a educação, seja com o objetivo de adaptar os indivíduos à

sociedade, seja em elaborar críticas à escola nas sociedades capitalistas, têm

dado sua contribuição aos estudos sobre a possível saída para que a escola

deixe de ser um paradoxo cultural.

A dialética – palavra de origem grega, tendo o

significado de arte do diálogo, do debate e da discussão – foi difundida por

Heráclito de Éfeso, considerado o ‘pai’ da dialética ocidental. Para ele “a luta é

a mãe, rainha e princípio de todas as coisas”.

A concepção dialética para uma pedagogia dialética

baseia-se na relação escola-sociedade a fim de se obter mudanças qualitativas

numa educação que pode transformar uma realidade.

Em termos modernos Hegel retoma a problemática

da dialética, mas encara as contradições como um produto apenas do ‘espírito’,

da ‘idéia’. Marx (1979) critica essa concepção idealista da dialética. Em seu

lugar propõe o materialismo dialético.

Dialética é o “modo de pensarmos as contradições

da realidade” (Konder,1979). “A dialética considera as coisas e os conceitos no

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seu encadeamento, nas suas relações recíprocas, no seu movimento,

aparecimento, desenvolvimento e decadência” (Engels,1979). Nos princípios

básicos da dialética tudo se relaciona, tudo se transforma.

Na Pedagógica Dialética, na relação educação e

sociedade, a escola é vista como um espaço de luta da sociedade e não como

agência poderosa capaz de redimir todos os males do mundo,

permanentemente a serviço das classes dominantes.

A pedagogia dialética procura captar o movimento

possível que existe na escola transformando a realidade educacional.

Recebendo o saber dominante, as classes dominadas terão a chance de

reelaborar criticamente esse saber, contrastando-o com a realidade concreta

de suas vidas. Aprendendo a “dominar o domínio” haverá uma mudança

qualitativa na educação.

As contradições internas das quais a escola está

repleta, podem ser expostas e analisadas pelas forças progressistas, que

poderão utilizá-las em prol das transformações sociais.

A educação escolar numa concepção dialética tem

como função promover a transmissão-compreensão dos conteúdos extraídos

do “saber científico, desenvolvendo assim o senso crítico do aluno,

questionando-se os conteúdos ideológicos”. (Engels, 1979).

Os valores cultivados na educação dialética têm

pressupostos numa visão histórico-social do mundo. A liberdade

historicamente situada e a responsabilidade como compromisso social pela

emancipação popular, resulta na autonomia de consciência e senso crítico.

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O Ato Pedagógico e a Dialética: Relação Dialógica

As relações dialógicas entre professor e aluno são

formas de elaboração de um processo de aprendizagem no qual o

comportamento de cada um, mutuamente trocando suas dúvidas, conflitos e

lutas, vai resultar num significado para seu papel diante da sociedade (Freitas,

2000).

Um exemplo de relação dialética pode ser mostrado

no caso de uma professora, amiga que lecionava na zona rural do município de

Cabo Frio; buscando no seu aprendizado a visão de mundo na qual a relação

professor-aluno fosse baseada em laços de amizade, troca e crescimento,

conseguiu transmitir aos seus alunos ensinamentos valiosos, tais como valores

morais, auto-estima e aspirações em adquirir conhecimentos.

Apesar de serem pessoas simples, num cenário

visto como de classe dominada, elas tinham a seu favor a convivência em

grupo. Não desfrutavam ainda de tanta informação via mídia, e a relação

família não era banalizada. O individualismo não fazia parte do seu cotidiano e

as crianças ainda não haviam sido violentadas por informações massacrantes

de consumismo.

Valorizando o contexto social, numa prática

dialógica, os conceitos geraram um estabelecimento de profundas relações de

respeito e conscientização do ato de cada um.

O sucesso da professora pode ser resumido na

busca da recriação de uma realidade mais autêntica, através de significativa

aprendizagem.

Um breve exame na prática pedagógica de muitos

educadores mostra àqueles que determinam antecipadamente o destino dos

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alunos a este ou aquele conceito, que é necessário um entendimento da

dialética na relação dialógica.

Toda oportunidade para conseguir somar o

aprendizado é importante, estimulando o interesse e a curiosidade dos alunos,

explorando sua leitura do mundo. Observar seus centros de interesse, saber

mais sobre qualquer tema, pegar no lápis e criar; desenvolvendo um universo

de palavras com significados é um meio de transformar uma realidade dura e

rude das crianças da camada popular que, muitas vezes, não encontram na

escola o estímulo que poderia representar sua ascensão na vida escolar.

Lea Tiriba (s.d) em seu trabalho numa escola da

favela mostra como mudou o destino de crianças fadadas ao fracasso escolar

utilizando componentes do seu ambiente no planejamento escolar. Mudou a

prática pedagógica de professoras inexperientes que lá lecionavam e lançou

mão de várias formas de expressão para alcançar a construção do saber e

assim, a autonomia por meio da sensibilização das professoras. Ao agir desta

maneira, a educadora mudou o rumo pessimista daquelas crianças e de seus

professores.

O professor e o aluno em respeito recíproco numa

interação de solidariedade “consciência constituída a partir de sua relação com

um meio cultural mediado pela linguagem” (Vygotsky, 1956), torna o estudo

mais interessante, por buscar uma contraposição reflexiva entre o saber

instituído e a experiência concreta dos alunos.

Portanto, a ação de educar, ou melhor, para se

ajudar alguém em seu caminho para educar-

se, deve necessariamente estar implícito a

alteridade e, desse modo, ser uma relação

dialógica. Pois, educar – homens -, da forma

colocada, está intrinsecamente associado com

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a plenitude das possibilidades do ser humano,

sua auto-criação e sua diversidade.

E na interação com o outro, trocando

significados, possibilitamos a construção do

conhecimento e, portanto, é o que temos de

mais pleno em educação e no educar para

cidadania. 1

1

Freitas, Nilson Guedes. Pedagogia do Amor, p. 178,179.

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- Capítulo III -

As Novas Tecnologias e Mudanças na Escola

“O mundo contemporâneo está marcado pelos

avanços na comunicação e na informática e transformações tecnológicas e

científicas” (Libâneo, 1996).

Essas transformações, segundo o autor, intervêm

nas várias esferas da vida social provocando mudanças econômicas, sociais,

políticas, culturais, afetando também as escolas e o exercício da docência.

“A transformação geral da sociedade repercute, sim,

na educação, nas escolas, no trabalho dos professores” (Frigotto, 1996).

Assim, a demanda do mundo contemporâneo vem

exigindo dos docentes uma nova competência: uma práxis política socialmente

significativa passando acentuadamente pelas mediações econômicas”.

(Assoman, 1994) afirma que “quem discutir cidadania, tem que juntar os

assuntos educação e trabalho.

As novas tecnologias, impondo um novo modelo de

educação, marginalizariam os alunos de classe popular por não terem essas

possibilidades de superar a nova realidade impostas pelas tecnologias como

fontes de conhecimento. A educação básica de qualidade estaria ameaçada se

não houvesse mudança na atitude docente. Assim, a preparação do professor

que vai usar o computador, o vídeo, a mídia, a multimídia, deve ser um

processo que o mobilize e o prepare para incentivar seus alunos a vivenciarem

essas novas formas de estudos, tendo em mente que nem todos tiveram

contato anterior com tais meios de informação e estes ainda são

desconhecidos por uma grande parcela da população escolar.

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Supõe-se que no processo haja vivências e

reflexões para dar autonomia em suas decisões e saber definir quais

abordagens vai trabalhar, pois os alunos precisam compreender os conceitos

envolvidos ou levantar hipóteses e testá-las. Para eles tais princípios ainda não

têm uma representação significativa. Mas, aos poucos, com o professor

auxiliando e com experimentações podem chegar a um domínio dos princípios

tecnológicos e formar conceitos viabilizando experiências ricas em

aprendizagem, mesmo em um cenário de poucos recursos de infra-estrutura.

O desafio dos professores é utilizar as novas

tecnologias acessando a todos os níveis sociais e aproveitar os conhecimentos

desenvolvidos com a prática cotidiana. Formalizando-se esses conhecimentos,

aproveitando-os na vida escolar, os alunos poderiam avançar em seus saberes

de modo mais sistemático e eficaz, o que abriria portas para compreensão de

novos conhecimentos por meio de uma linguagem compartilhada e

cientificamente validada. Essa linguagem facilita a realização de extrapolações

e articulações mais sofisticadas.

As novas tendências que afetam a escola e os

professores trazem a necessidade de se repensar a prática, os objetivos e

processos pedagógicos. Diante dessas exigências deveria surgir um novo tipo

de profissional: aquele que se fortaleceria política, social e culturalmente

adquirindo uma formação na práxis, propiciando a conexão entre os

conhecimentos adquiridos e a reflexão, para transformação profissional que a

atualidade exige.

Contudo, a contradição existe, pois não é garantido

ainda, às camadas mais pobres um favorecimento do uso dos meios de

comunicação e informação, pois não se reconhece por parte dos políticos

educacionais, mobilização para que todas as escolas promovam o uso de

computadores, vídeos e outros meios de aprendizagem. Há ainda uma

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relutância por parte dos professores, que se acham despreparados para tal

postura pedagógica.

A escola é um ambiente privilegiado para a

aprendizagem, e as novas tecnologias podem contribuir decisivamente para o

trabalho daqueles educadores que vislumbram, no futuro, a escola com novas

responsabilidades diante de uma nova sociedade de conhecimento. E o

professor, “transforma-se num elemento indispensável nas articulações de

receber informação na busca de uma educação básica de qualidade” (Libanêo,

1996).

A formação do professor para uma prática reflexiva

encontra-se além de um simples olhar metodológico no sistema educacional. A

sua relação com os alunos e com a sociedade deve assumir uma nova

dimensão: o questionamento diante da complexidade de suas competências e

o direcionamento de um novo olhar sobre ser aluno, rompendo com a

tradicional relação aluno e professor.

A reflexão numa análise coletiva pode

modificar a postura dos professores,

integrando-os no ambiente escolar, mostrando

uma nova visão sobre o ensino, propiciando

maior conhecimento e provocando a

conscientização a respeito da contínua

evolução do conhecimento e da necessidade

de assumir a perspectiva de um novo tempo.2

2 LIBANÊO, José Carlos. Adeus Professor, Adeus Professora? Novas exigências educacionais e profissão docente, 2001

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Proposta Educativa Democrática:

Mudança na Sociedade Excludente?

O ritmo e a direção do desenvolvimento da

educação no país são determinados pelas constantes Leis e Diretrizes criadas

ao longo de muitos anos.

Em pesquisa realizada em junho de 2002 por órgãos

não governamentais divulgada pela TV Globo, no Jornal Nacional, mostrou que

78% dos jovens brasileiros têm o sonho de cursar uma faculdade. Baseando-se

nesta pesquisa, os órgãos não governamentais estão discutindo sobre o

comportamento e os sonhos de realização pessoal destes jovens, que

acreditam no apoio da família para conseguir seus objetivos.

É importantes que órgãos não governamentais se

preocupem com o processo de desenvolvimento da educação, da capacidade

de jovens, porém uma questão se torna essencial: não estariam os órgãos

governamentais se omitindo de suas atribuições? A mobilização para formação

de jovens não estaria a cargo das políticas estatais? A responsabilidade de

atuação na área da educação deve ou não deve ser do sistema

governamental?

Nesta perspectiva, as políticas educacionais em seu

discurso, vêm promovendo estratégias de ação e programas educacionais na

tentativa de proporcionar um crescimento e melhoria no sistema educacional.

Contudo, o comprometimento é relativo se forem analisadas as demandas da

sociedade e a quantidade de cidadãos escolarizados. No que se refere aos

fazeres pedagógicos, há ainda uma contraposição: quem faz as leis nem

sempre atua na escola ou na sala de aula. A aplicação e determinações legais

das diretrizes curriculares nem sempre passam por uma abordagem aos

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conteúdos fundamentais que devem ser compartilhados pelos alunos de todos

os níveis sociais.

As contradições contidas no seu conteúdo privam a

população mais carente de aquisição de direitos consolidados, e ao mesmo

tempo inviabilizados. Politizando-se progressivamente as ações na área da

educação, geralmente o resultado não se concretiza. As ações econômicas

estatais não se voltam para a classe popular como deveriam e o

desenvolvimento de estratégias que propõem nem sempre se direcionam para

os alunos da camada popular.

Assim a organização curricular organizada pelos

Conselhos Federais e/ ou Estaduais da Educação, voltado para uma

especificidade dos conteúdos e valorização do capital reduz a aprendizagem a

um saber objetivo, baseado na transmissão do conhecimento científico.

Caberia à escola expressar-se como organização

com cultura própria, objetivos, funções e estruturas definidas. Desta forma, a

possibilidade da escola colaborar para a transformação social é se tornar um

espaço de análises das determinações legais, num estudo sobre o que vai ou

não ser priorizado pelo seu corpo docente e discente, selecionando e

construindo o seu currículo para assumir uma função de colaboradora com o

sistema educacional mediante propostas efetivas e se revelando como

instrumento importante na melhoria do ensino.

A escola deveria se prestar à garantia de elementos

essenciais à democratização, ou seja, precisaria propor respostas educativas

traduzindo-se como um espaço de sínteses e transmissão do saber crítico,

garantindo o acesso do aluno da classe popular, filtrando-se o privilégio dos

representantes da classe dominante dos órgãos governamentais.

A conscientização de um plano educacional voltado

às novas realidades poderia possibilitar um novo tipo de prática por parte dos

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docentes: um intenso processo de ‘aprender a aprender’ para ensinar aos

alunos, uma medida inibidora da excludência proporcionada pelos sistemas

educacionais. É preciso recuperar os anos ‘perdidos’ para a educação

brasileira.

Mudanças na estrutura e na dinâmica da sociedade

influenciaria, por conseguinte, a educação, que assumiria um novo papel: o de

rever os conceitos e enfrentar o desafio de se voltar para uma educação da

qual todos possam ter acesso.

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- Capítulo IV -

A Escola da Vida: Querer é Poder

Existem, no campo educacional, dificuldades de

aprendizagem e adaptação à escola, por parte de alunos sem assistência

familiar. Essas dificuldades podem ser sanadas? Que fatores podem contribuir

para o estímulo desses alunos, abandonados à própria sorte por negligência de

seus familiares?

Numa reportagem mostrada no ‘Fantástico’ show de

variedades da TV Globo, um juiz dava entrevista contando como conseguiu

chegar a este cargo: conta que ele era muito pobre. Todos os dias passava em

frente ao Fórum de sua cidade. Parava, ficava um longo tempo olhando o

prédio e pensando: “um dia vou ser juiz e trabalhar aqui”. O tempo passou, ele

correu atrás de seu sonho, estudou muito, e com seu próprio esforço conseguiu

realizar o seu ideal de vida. Lá estava sendo entrevistado e dizendo que toda

pessoa consegue alcançar o seu objetivo, bastasse apenas querer. O desejo

de vencer faz com que ultrapasse todas as barreiras. Não se sabe o quanto

sofreu até chegar ao topo; mais que os outros alunos, ou se os mesmos

chegaram ao sucesso antes dele, porém sua vitória aconteceu. Daí pergunta-

se: o que ocorreu para que o seu projeto de vida se realizasse? Estímulo, força

de vontade, família apoiando...

A escola tenta responsabilizar o ambiente, a

desigualdade social, a carência de estímulos verbais, pelo fracasso dos alunos

pobres. Na verdade cada instituição está muito inserida na vida do aluno.

Há alunos que conseguem superar os traumas e

rótulos recebidos em casa ou em grupo social em que vive. O educador, a

família e todos os envolvidos no processo de aprendizagem deveriam ser mais

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cautelosos ao dirigir-se a uma criança em fase escolar. Traumas de infância

podem mudar negativamente a assimilação de alunos causando sérios

transtornos à aprendizagem escolar.

Um educador pode alterar a vida de um aluno

positivo ou negativamente, caso não esteja comprometido com a produção de

conhecimento e valores de uma sociedade. Muitas vezes não tendo noção de

que se é um agente que teve interagir no mundo dos alunos, o professor deixa

de criar uma história de vida significativa através de uma ação pedagógica

baseada na troca de experiências.

Estímulo: Vínculo Afetivo na Construção de um Ideal

Percebe-se que o vínculo afetivo pode ser um

grande indicador de estímulos na construção de um ideal: alcançar o sucesso,

recebendo apoio e acompanhamento familiar no processo de aprendizagem.

Para ilustrar ainda mais esta questão, mostramos

uma situação ocorrida numa turma de quarta série da Escola Zélio Jotha

(1998). Era uma classe de alunos muito interessados e pesquisadores. A

grande maioria estava sempre propondo atividades investigativas. O

impressionante era a capacidade de buscar, de resolver e apresentar os temas

que a própria classe escolhia, sob a orientação da professora.

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Os pais estavam sempre acompanhando e

auxiliando a professora dando-lhe apoio no que dependia da família para a

elaboração dos trabalhos propostos.

Num dos seminários que muitas vezes eram

apresentados no estudo dos vários temas foi impressionante o desembaraço e

a maneira a qual foram buscar fundamentação para o estudo em foco.

Surpreenderam a todos, pois trouxeram muito mais do que se esperava,

fazendo com que a turma inteira se interessasse, olhando atenciosamente

cada detalhe da apresentação. Era uma abordagem sobre a Educação

Ambiental e, além do que haviam estudado, trouxeram terrário expondo de

maneira inédita a uma quarta série o assunto em pauta.

Ao terminarem a exposição, todos elogiaram, e

ainda surpresa a professora comentou sobre a atuação dos elementos da

equipe elogiando e dizendo que a equipe superou o esperado, numa atividade

onde a cooperação foi o ponto chave para o êxito. O trabalho em equipe

surpreendeu a professora que viu o resultado no trabalho baseado na

coletividade.

É relevante considerar a prática pedagógica de

educadores, porque ela supõe a possibilidade de sucesso a partir da sua

atuação enquanto parte integrante do processo escolar. E na escola

juntamente com seu professor que o aluno é motivado. Despertando seu

interesse seria bem mais fácil se obter o sucesso escolar.

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- Capítulo V -

Avaliação: Princípio, Meio ou Fim de um Aprendizado

Apesar de quase unânime a idéia de que a avaliação

é um fator relevante na exclusão de alunos de classe popular, está se tentando

construir propostas que redefinam um novo caminho no processo avaliativo, no

qual o aluno tenha facilidade de organizar seu pensamento e responder as

questões que inteiramente correspondam a sua prática e seus valores sociais.

À perspectiva do aluno em relação a avaliação torna-

se um temor, pois freqüentemente esse mecanismo demarca e limita a

possibilidade de demonstração de um saber verdadeiramente adquirido.

O aluno olha a avaliação como meio de se chegar à

aprovação. Se for bom ‘ganhará o valor necessário para o prosseguimento em

sua caminhada; se for ‘ruim’ logo seu caminho se fará restrito, e quem sabe

nem possa mais caminhar.

Assim, o aluno se coloca nas mãos do professor

deixando que este defina quais questões deverá aceitar para que em seu

diagnóstico seja classificado neste ou naquele lugar. Com certeza será

reconhecido por todos se for o melhor da classe.

A avaliação é uma questão relevante que deve ser

discutida pelos aparelhos educacionais sem pretensão de colocar na ‘balança’

os alunos e dar-lhes o peso de acordo com as suas respostas. Segundo

Esteban (1999),

O processo de avaliação do resultado escolar

dos alunos e alunas está profundamente

marcado pela necessidade de criação de uma

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nova cultura sobre a avaliação, que ultrapasse

os limites da técnica e incorpore em sua

dinâmica a dimensão ética.4

Se mudarmos nossa concepção de educação de

mecanicista para sociointeracionista, passaríamos a ver o educando como

sujeito de sua própria aprendizagem.

Levando-se em conta que tanto professor quanto

aluno são seres pensantes, com suas histórias de vida e com direito de errar e

procurar acertar, por que não se adota na escola uma avaliação reflexiva e

dialógica?

O ritmo dos alunos deve ser respeitado e o tempo

escolar deve ser adaptado para que se tenha compreensão dos conhecimentos

mutuamente trocados, professor e aluno, numa relação dialógica numa

metodologia que valoriza a realidade, numa auto-aprendizagem. Segundo

Esteban (1999),

A avaliação como prática de investigação pressupõe

a interrogação constante e se revelam em instrumento importante para

professores e professoras comprometidos como escola democrática.

4 ESTEBAN, Maria Tereza. Avaliação: Uma Prática em Busca de Novos Sentidos. Rio de Janeiro: DP & A, 1999.

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Avaliação Classificatória ou Diagnóstica?

Encarar uma avaliação mediante fatos que trarão

bons ou maus resultados é um desafio quase extremo. Constantemente num

banco da escola o aluno olha folhas cheias de perguntas que naquele

momento parecem apenas um amontoado de palavras desconexas e pensa se

realmente sabe aquilo tudo que lhe é questionado.

Preocupado com o futuro tenta dar o máximo de si,

faz e refaz as questões com medo de errar, esperando ao final do tempo

marcado de um longo sofrimento, chegar em casa e dizer contente aos

familiares que está aprovado ou pelo menos, acha que está. Sua classificação

dependerá de seu bom desempenho.

Em uma visão emancipadora, esse tipo de

avaliação, a classificatória, é uma reprodução do autoritarismo que o professor

procura desempenhar na sala de aula. Único dono do saber, seleciona e

distribui as questões, transformando informações em verdadeiras armadilhas,

normalmente não se dá conta que acabará sendo colaborador na exclusão

social de pessoas que são capazes de crescer caso fossem avaliados e

encarados como parte e não o único sujeito do processo de aprendizagem.

É preciso buscar ‘juntos’ uma maneira de pensar a

avaliação escolar para que ela venha a ser, realmente, mais que um recurso

pedagógico.

A avaliação deverá ser um meio da reconstrução de

uma indagação cotidiana: todos têm um potencia?l Então que a avaliação

venha a ser uma contribuição para que a escola desempenhe seu papel na

educação e formação do aluno cidadão.

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O aluno tem muito para dar. Tem criatividade, tem

emoção, tem força de vontade. A inteligência de cada um não deverá ser

medida, cada conhecimento deve ser somado para se obter a unidade nas

classes populares. Não adianta apenas fragmentar este conhecimento e sim

levar a todos os mais amplos campos valorizados para se adquirir o sucesso,

pois cada aluno tem habilidades que poderão ser estimuladas e desenvolvidas

na prática escolar.

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- Capítulo VI -

Depoimentos

Depoimento nº 1

Segundo a depoente, apesar de os alunos de classe

popular terem uma dificuldade maior de assimilação, o objetivo é alcançado

porque dentro de uma proposta interdisciplinar o seu tempo seria respeitado,

buscando-se uma ação pedagógica que resultaria no aprendizado.

A interdisciplinaridade, abordando temas em todas

as áreas e estabelecendo relações entre as várias disciplinas, podem ser uma

perspectiva de uma prática real, que busca objetivo real de sucesso escolar.

A escola deve permitir à criança a aquisição de

conhecimentos, pois ali vai adquirir nova experiência anterior. E neste processo

é a motivação que leva a um resultado positivo quando da transmissão dos

conceitos a um aluno, obtendo-se o resultado esperado, ou seja, o

aprendizado.

O trabalho de professores em escola públicas e

particulares não deveriam ser diferenciados. Tratá-los igualmente no que diz

respeito às atividades, embora sabendo que devem ser diferenciadas quanto

ao contexto das crianças, é importante, não obstante que na escola particular

os alunos recebem muito mais atenção por parte dos pais. Assim, deve-se

procurar na escola pública, compensar a falta de acompanhamento dos pais na

aprendizagem.

Cada professor pode contribuir para a melhoria da

qualidade de ensino desta mesma escola pública e, quem sabe, desestabilizar

a hegemonia da classe dominante.

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O posicionamento diante da questão da autonomia

do professor em sala de aula deve ser aqui registrada. Comprometido com o

seu trabalho, procurando fugir da ‘complicação’ dos conteúdos básicos,

atendendo aos interesses dos seus alunos na abordagem dos temas polêmicos

e importantes para o crescimento dos mesmos, valorizando-se a cidadania

(Freinet, 1920), recorreria às aulas passeio para despertar o interesse dos

alunos através da sua interação com o professor; para Freinet, aproximando as

crianças dos conhecimentos da comunidade, elas podem transformá-los e,

assim, modificar a sociedade em que vivem. Esse é um trabalho de cidadania

de democratização do ensino. Sua pedagogia traz embutida uma preocupação

com a formação de um ser social que atua no presente. Caberia ao professor

ter sensibilidade de atualizar a sua prática.

O sucesso escolar da criança é o produto do seu

trabalho que, ao final do dia, é apresentado aos colegas, elevando sua auto-

estima, pois apresenta aos demais sua própria produção numa interação com a

turma. A escola ativa e cooperativa seria um espaço de investigação e

experimento, fazendo com que a criança avance em sua construção de

conhecimentos.

Ao dizer que “se o aluno se interessa não importa a

escola...” é reconhecido que a interação professor e aluno traz a expansão e

troca dos conhecimentos. O contato entre esses dois elementos traz como

conseqüência o sucesso escolar.

Podemos verificar que a depoente acredita no

potencial dos alunos de classe populares na frase “A criança pobre no dia-a-

dia, na esperteza, ‘dá um banho’ na criança da escola particular”.

A visão de mundo é colocada como afirmação de

que o conhecimento prévio contribui para o desenvolvimento da aprendizagem.

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A vivência do aluno de classe popular deve ser

explorada a fim de se obter êxito em seu trabalho pedagógico. Assim, o saber

científico se transformaria em saber social.

A família é apresentada como instituição que

determina em parte o sucesso escolar de um aluno, independente da escola

em que se encontre.

Os pais usariam a escola como instrumento de

relação entre os filhos e o professor, cabendo a si, apenas a colaboração na

educação destas crianças.

A responsabilidade seria basicamente do aluno e do

educador, ficando a família como mediação da estrutura social no processo

ensino aprendizagem.

Os pais dos alunos da classe média seriam muito

mais comprometidos com a educação dos seus filhos do que aqueles da classe

popular. Assim, segundo este depoimento é necessário tentar compensar as

deficiências, transmitindo aos alunos ensinamentos que talvez não houvesse

adquirido previamente à sua entrada na escola, já que a ‘privação cultural’ é

colaborada por alguns teóricos (Bernstein, 1960) como um entrave à aquisição

de valores, comportamento e linguagem dos alunos pertencentes às camadas

populares.

Constata-se no depoimento a preocupação com a

questão social dos alunos, evidenciando-se que “é do professor a tarefa de

educar” em todo processo de escolarização dos alunos de classe popular.

Segundo Neidson Rodrigues (1996),

O educador não se encontra limitado pela

busca de respostas homogêneas, já que tem

por finalidade preparar e estimular o educando

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para decisões homogêneas, comportamentos

não previstos.3

Neste sentido a relação professor e aluno toma

dimensão fundamental no sucesso escolar.

Fundamentando-se na citação acima, é possível

afirmar que há realmente possibilidade de um aluno se interessar pelo estudo a

partir do momento em que sua escola, na figura dos educadores,

proporcionem-lhe múltiplos conhecimentos, aproveitando as oportunidades

dadas, mudando o seu comportamento e atitude. A transformação do aluno se

daria pelo interesse em buscar novos conhecimentos, já que seria

constantemente estimulado por algum fator interno.

Depoimento nº 2

A escola pública, na visão da depoente é uma

instituição na qual se pode acreditar. A condição de humildade não diminui a

postura de se achar que as pessoas das camadas populares percebem um

mundo e podem ter as mesmas oportunidades que os outros, de classe mais

elevadas. Para a depoente basta apenas a vontade de lutar e crescer; embora

os percalços queiram mostrar que existam classes dividindo os seres, o

importante é está sempre com motivação e coragem de mudar a sua história.

3 Neidson Rodrigues (1996)

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Na sua opinião não é por nascer pobre que alguém será sempre pobre.

Perseguir o sucesso deve ser tarefa incansável, e a seu ver, a “família é a parte

mais importante”.

Percebe-se a importância da família na experiência

que seus filhos adquirem. A vivência em família pode contribuir para que a

criança tenha necessidade de vencer na vida, mesmo quando se tem pouco

poder aquisitivo. Caberia àqueles com os quais convive, a estimulação para

que consiga sua realização pessoal.

A figura da mãe surge no depoimento como aquela

figura preocupada com a conquista permanente do sucesso para seus entes

queridos.

Depoimento nº 3

Observa-se que os alunos têm a influência da

família, através do seu comportamento em relação aos companheiros de

classe.

Muitas mães com as quais conversou-se contam que

travam uma verdadeira batalha pessoal para não tirarem seus filhos da escola.

O trabalho, a luta do dia-a-dia, muitas vezes sem uma perspectiva de futuro,

deixa-as desanimadas de continuar levando seus filhos em fase pré-escolar

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para a escola. Caberia a direção e professoras fazerem um trabalho de

orientação e atendimento individual a essas mães mostrando-lhes a

necessidade de continuarem proporcionando às crianças melhores momentos

de vida através de uma boa condição de aprendizagem.

“As crianças independentemente e distantes ainda

desta realidade cruel vão passando pela escola e achando um paraíso,

sentindo-se felizes”, diz a depoente. Ela acredita que o sucesso escolar, além

do ambiente em que se vive, pode ser também “resultado da vontade interna

que se tem de vencer na vida”.

Metas são ideais para serem conquistados. O desejo

de atingi-las gera uma cobrança de nós mesmos. Por isso precisam ser

ajustadas à realidade. Seriam esses ajustes que nos proporcionariam a

vontade de vencer na vida? Segundo Dewey (1897),

Educação é um processo de vida e não uma

preparação para a vida futura e a escola deve

representar a vida presente – tão real e vital

para o aluno como a que ele vive em casa, no

bairro ou no pátio.

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Análise dos Depoimentos

Partindo dos depoimentos transcritos, uma questão

deve ser clareada: o papel de cada instituição (escola, família) dentro do

processo de educação de uma criança.

Nos três depoimentos vimos que o educador e a

família são colocados como sujeitos responsáveis pelo objeto da ação

(aluno/filho).

No entanto, se olharmos através das ‘lentes’ do

cotidiano escolar, a prática na escola ainda não se legitimou. Existem ainda

educadores que teimam em reproduzir alunos autômatos, alienados, infelizes,

voltando-se para uma educação distante daquela que o mundo de hoje,

informatizado e globalizado exige.

Os futuros cidadãos gostariam (ou querem?) ser

ativos, participativos, reflexivos, pois como diz Dewey (1897) a escola deve

representar a vida real e vital para o aluno como a que ele vive em casa, no

bairro ou no pátio. Por que devemos separar um aluno de seu cotidiano familiar

logo que ele chega a sala de aula?

Quantas vezes ele chega e corre a mesa para contar

à professora algum fato ou deseja desabafar algum problema e logo é intimado

a sentar-se, pois “está na hora da aula”. Que aula é essa que só ensina

realidade distante?

A falta de conhecimento pedagógico não permite a

identificação nas atitudes e nos interesses das crianças da referência

fundamental para um trabalho pedagógico. A mesmice nos planejamentos, as

atividades repetitivas não deixam espaço para inovações. A quebra da rotina

pode ser o ponto de partida para as educadoras mudarem a escola, que

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passaria a vivenciar uma nova forma de contato com a escrita e principalmente

com o mundo que as cerca, produzindo novos saberes e definindo rumos de

suas próprias vidas e de seu grupo social.

A avaliação e o planejamento, reformulados,

abririam uma nova concepção de ensino, no qual a interação seria uma forma

de transmissão dos conhecimentos.

Para ilustrar melhor a questão do desprezo de

educadores – espera-se que seja a minoria – em afirmar que seus alunos não

aprendem porque não querem ou porque não têm interesse em saber. Mas

será que existe alguém que não saiba nada? Que não se interessa por nada

dentro do contexto escolar e social? Ou é a escola que não representa para o

aluno um espaço significativo no qual ele pode re-viver e re-criar seu ambiente

familiar? Não disse alguém que a escola é nossa segunda casa?

Os alunos muitas vezes não aprendem porque não

conseguem revelar o que sabem. Tudo que trazem de experiência são

absolutamente ‘empacotadas’ e jogadas num canto da mente, porque os

ambientes são restritivos e chegam a impedir que se manifestem. O espaço

explorado é uma sala com cinco, seis metros e seu lugar deve se restringir a

uma mesa e cadeira. Como uma criança de favela, periferia ou zona rural se

adaptará a um ambiente no qual mal consegue se mexer? As atividades

lúdicas perceptivas, que trazem do seu dia-a-dia são esquecidas e trocadas por

típico papel como uma proposta de tarefa que não diz nada para a criança.

A corda, o futebol, a pipa, a bola de gude não seriam

exercícios reais mais propícios a sua vivência e desenvolvimento da

aprendizagem? É possível perceber a alegria nos olhos das crianças quando a

atividade escolar é feita num ambiente mais aconchegante: a assimilação é

bem maior.

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Conclusão

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- Conclusão -

O papel que cabe à educação no processo de

desenvolvimento da pessoa, mais recentemente, na garantia de acesso dos

alunos de classes sociais mais pobres, vem crescendo, visando o

desenvolvimento cultural do país.

Consciente das potencialidades das suas ações,

mas não menos preocupados com os seus limites, escola e sociedade vêm

apostando na interação entre si para sustentar a meta de atender

indiscriminadamente a clientela que a procura buscando encontrar maiores

conhecimentos.

Na linha desse raciocínio, coloca-se a questão que

deve tratar, ou seja, a continuidade e realização de várias propostas educativas

onde a postura dos envolvidos neste processo parta de uma aquisição de

maior competência para lidar com as exigências do mundo moderno, mediante

as diferenças culturais, e ao mesmo tempo, articulando com a sociedade na

qual se está inserido, ampliando o leque de ações e estratégias que possam

levar a população escolar a maiores resultados positivos.

Os desafios da escola se ampliam, sua função não

mais se limita a construir conhecimentos. A intenção educativa deve estar

agora orientada para provocar a organização das informações que chegam

fragmentadas, transformando-as em saberes completos, por meio da

estimulação para uma participação ativa e crítica dos alunos nas diferentes

tarefas que se desenvolvem na sala de aula.

Deve-se ter, portanto, clareza a respeito de qual

aluno queremos formar e, conseqüentemente, uma redefinição do papel do

professor, novos objetivos, conteúdos e estratégias metodológicas, de formas a

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conseguir mudanças significativas, visando formar cada vez mais cidadãos

conscientes, numa ascensão da qualidade de ensino.

Todos os setores da sociedade podem viabilizar a

consolidação da igualdade de condições para alunos das camadas sociais

mais pobres e delinear novas situações para que a educação seja de fato uma

apropriação do saber, no contexto social voltado para a promoção do sucesso

escolar.

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Anexos

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- Anexos -

Pergunta: - Alunos de classes populares:

é possível o sucesso escolar?

Depoimento I

“Com certeza. A possibilidade de não dar certo é

que para alguns professores é mais fácil subestimar a capacidade dos alunos

do que trabalhar para que os mesmos alcancem o sucesso.

O aluno não alcança pela falta de recurso. A partir

do momento que ele tem que pagar uma faculdade fica difícil.

Existe diferença entre esses alunos e os de classe

média. É a educação recebida em casa. Os pais dos alunos de classe popular

vêem a escola como um meio de se livrar de seus filhos. E os pais de classe

média vêem a escola como um espaço que irá preparar os filhos para o futuro.

Se o aluno se interessa não importa a escola em

que ele está, pública ou particular. A criança pobre, no dia-a-dia, na esperteza,

‘dá um banho’ na criança da escola particular”.

(Prof. Assunção – 4ª série – Escola Municipal Prof. Zélio Jotha, Cabo Frio 2002)

Depoimento II

“A escola pública é tida como nível inferior, mas ao

meu ver não, porque quem faz a escola são os professores; se eles forem

competentes a escola passará a ser forte.

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As crianças de escola popular merecem todo o

respeito. Só acho que a situação financeira é diferente, porém a inteligência é a

mesma. A criança tem vivência, no dia-a-dia de uma escola. Veja bem, tem

criança que em casa às vezes só há um pão para ser dividido entre outros

irmãos. Então aí esta criança já tem noção do que é dividir.

A família é a parte mais importante; uma criança que

tem pai ou mãe equilibrados dá tudo de si para o estudo pronto para ser

integrado na sociedade. Mesmo as crianças que têm pais problemáticos, com

exceções, conseguem vencer tudo isso (alcoolismo, violência) tornando-se

grandes homens.

Por isto, repito e peço: vamos, professores, cuidar

de nossas crianças pobres para melhorar nosso país”.

(Dona Maria Luiza, mãe de aluno, Escola Zélio Jotha)

Depoimento III

“Eu acho que é possível sim, alunos de classes

populares obterem sucesso, porque quando têm um objetivo de vida se

empenham e dedicam-se muito mais do que os de classe média devido ao

sonho de serem alguém e mostrarem para a sociedade que existem e são

capazes de vencer”.

(Mara – Professora de Pré-escola)

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9- SOARES, Magda. Linguagem e Escola: uma perspectiva social. 9ª

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10- TITIBA, Lea. Construindo uma pedagogia de vida. (s.d)