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    F a c u l d a d e d e L e t r a s

    U n i v e r s i d a d e C o i m b r a

    E s t u d o s A r t s t i c o s3 A n o 1 C i c l o

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    Catarina Godinho

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    Catarina Godinho

    ndice

    Introduo.. 3

    Pedro Almodvar: Vida epercurso .....4

    Primeiras Longas-Metragens: Pepi, Lucy, Bom y outras chicas del montn (1980)e Laberintode Pasiones(1982).. 6

    Ao encontro da esttica: Entre Tinieblas (1983), Qu he hecho yo para mercer esto?(1984)8

    El Deseo e A Lei do Desejo ....11

    Da Maturidade Contemporaneidade....12

    Arqutipos e sua profundidade...16

    Bibliografia..19

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    Introduo

    Almodvar gosta da indisciplina, do novo, do desafio em quebrar regras formais eestticas. conhecido e reconhecido por misturar gneros, misturar humor com drama, narrar a

    realidade da vida, a impureza da vida sobre a viso perfeita de Almodvar em captar essarealidade.

    O objecto que me ajudou a construir este trabalho, a perceber o mundo de Almodvar eonde o tipo de cinema que produz se insere foi um livro de Frdric Strauss, Conversas comPedro Almodvar. Este tal como o nome indica, so entrevistas feitas a Almodvar em que orealizador fala abertamente sobre o seu trabalho, dando exemplos ao longo do livro de vriaspassagens dos seus filmes, bem como influncias que geraram o produto final e ainda unsquantos episdios caricatos ao longo da sua carreira cinematogrfica. Emprega uma obrigaoconstante em explicar tudo aquilo que faz quando fala do seu trabalho e quando no encontraexplicao enfatiza humildemente a sua prpria ingenuidade cinematogrfica.

    Passo a citar uma frase que aparece no livro que referi. Pedro Almodvar refere queEm todos os tipos de drogas faz-se a mesma experincia que no amor: a da dependncia.Penso que esta frase caracteriza na sua ntegra o que o trabalho do cineasta espanhol.

    Passando do melodrama ao filme com caractersticas noir e de suspense, Almodvarnunca deixa para segundo plano a ousadia e extravagncia nas suas histrias. Sempre com umadireco rigorosa, este sagrou o seu sucesso e manteve-o desde Todo sobre mi madre, de 1999.

    O trabalho de direco fotogrfica que escolhe em todos os seus filmes, deixam-nosperplexos, mas ao mesmo tempo, pacifica e visualmente satisfeitos, o vermelho corpredominante nos cenrios e nos figurinos, mas no de uma forma exuberante, com excepo dofilmeMujeres al borde de un ataque de nervios de 1987. O kitsch est constantemente presenteem suas obras, elementos esses provindos de influncias literrias, teatrais, musicais e flmicas.

    esta a complexidade do mundo de Almodvar, esta trama narrativa perfeitamenteharmonizada com os elementos exteriores e formais na sua cinematografia.

    A sexualidade tambm bastante abordada nos seus filmes, trazendo histriapersonagens que escondem, exacerbam, at desprezam a sua sexualidade ou a sexualidadedaqueles que se encontram fora dos padres sociais convencionais. Mesmo assim, apresentamnaturalidade em suas vidas, misturada com uma incrvel viso de realidade crua, que nosperfura, nos faz olha verdadeiramente para aquelas personagens, aquelas pessoas quepoderamos ser ns mesmos.

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    Pedro Almodvar: Vida e percurso

    Almodvar descobre o mundo incrvel das artes desde muito pequeno. Desde sempre foiacompanhado por uma inexplicvel sensao de tdio pelo seu quotidiano e tudo o que o

    rodeava desde tenra idade no o confortava.

    A formao de Almodvar tem como base a simples observao. Uma caracterstica dasua personalidade, notada desde a sua infncia era o facto de ser bastante observador e aformao que obtm ao longo da vida no se centra na formao acadmica, mas sim no olharatento sobre a vida, sobre a prpria escola de rua em que cresce e que desde cedo faz com quedesenvolvesse uma maturidade fora do comum sobre si prprio, sob o mundo e sobre asociedade que o circundava.

    Pedro Almodvar, talento nato na cinefilia, tem antes disso uma grande paixo pelaliteratura. Desde a sua infncia at sua juventude, prosseguindo esta paixo at sua vidaadulta, Almodvar sonha em um dia escrever um romance que se equiparasse ao trabalho degrandes escritores da histria da literatura.

    Todas as descobertas que fez foi por si prprio, sem apoio de nenhum familiar ouamigo, pois vivia num centro social pobre que no o conseguia acompanhar nem apoiar nas suas

    buscas artsticas. Sentia-se sozinho, incompreendido pelos demais, havendo poucas trocas deinformao nas relaes que manteve pois Almodvar era demasiado maduro para os restantesque o rodeavam.

    Apenas quando se muda para Madrid e se integra numa sociedade cosmopolitaconsegue compreender que existiam mais pessoas como ele, pessoas que o compreendiam eaceitavam tal como era, em suma, uma cidade com um grau de intelectualidade artsticaapurada, sensvel. O que me fascina em Almodvar esta capacidade de aprender e maisdesenvolver a sua linguagem esttica cinematogrfica pessoal. Isto sem qualquer tipo de

    formao acadmica na rea do cinema. Almodvar conseguiu trazer novos cones estticos linguagem do cinema contemporneo.

    No teve oportunidade de seguir estudos em Madrid, no tinha possibilidadesmonetrias para tal. Assim sendo, tudo o que aprendeu foi com base na experimentao, e nasruas de Barcelona Madrid. Como passatempos ldicos frequentava bastante a cinemateca, e liabastante.

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    Comeou a fazer curtas-metragens, mas a sua grande ambio e desejo era produzirlongas-metragens e em Madrid obteve a liberdade total para o fazer, aps trs anos a trabalharnuma Companhia Telefnica., altura em que comprou a sua primeira cmara, a Super 8. Os seusfilmes abordam a ironia e os paradoxos de temas to distintos como o amor e o sexo.

    Dito de uma forma sucinta, os filmes de Pedro Almodvar vo mostrar a deflagrao dodesejo sexual e fala muito sobre ele ao longo da sua carreira cinematogrfica. Os seus filmesretratam, na sua grande maioria, ideias fortemente ligadas sexualidade, como se nela secentrasse nas relaes, impulsos e desejos; como se essa fosse a verdadeira maneira de viver, desaborear a vida. Todos os filmes vo demonstrar como a profundidade das personagens e do seumundo reside na aparncia, e que Almodvar sabe revelar muito bem.

    O cinema de Almodvar tocado pelos sentimentos, pelas relaes sociais eprincipalmente pela caracterizao de simples cenas do quotidiano espanhol, emersas emtradio e at um certo provincianismo muito, mas muito caricato. Nota-se que este umcinema criado atravs da observao e reflexo das pessoas, das suas diferenas, como soinseridas na sociedade, como se relacionam com todo um mundo do qual fazem parte.

    A sua linguagem cinematogrfica fortemente influenciada por princpioshitchcockianos, dando a conhecer cenas de amor inseridas em filmes de um determinado gnerocinematogrfico (o melodrama), mas representando-as com tcnicas de filmagem de outros

    gneros (suspense, comdia, drama). Posteriormente irei explicar um pouco melhor estainfluncia em Hitchcock.

    Nas suas personagens, encontramos a busca por uma relao qualquer com o mundo e aprpria definio crua do que o desejo, mas contrastando por outro lado com o anseio e buscapela independncia, pela juno plena e equilibrada com o universo.

    Ser verdadeiramente livre, quando se fala de amor. Caracterizar to bem relaes e

    personagens to diferentes e dar-lhes uma beleza profunda, uma personalidade singular, mas queacaba por representar um todo. Ele explora bastante a liberdade. Penso que este seja um dostemas mais prevalecentes ao longo do seu trabalho enquanto cineasta. Sem querer desvalorizaroutros temas como a sexualidade, o desejo, o amor que so tambm temas predominantes. Ofacto de Almodvar ter lido bastante enquanto criana e condicionado ao um certo percurso devida, fez com que a sua carreira seguisse este rumo, criando linhas estticas to pessoais na sualinguagem cinematogrfico-narrativa.

    Ao longo de toda a carreira cinematogrfica, teve em bastante ateno a construo doguio e tal como refere a Frdric Strauss, se o guio lhe agrada desde a sinopse, comea aconstruir personagens e imaginar cenrios, deixando fluir criativamente o seu trabalho.

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    Primeiras Longas-Metragens: Pepi, Lucy, Bomy outras chicas del montn e Laberinto de

    Pasiones

    Uma jovem madrilena independente chantageada por um polcia, por ter em sua possemarijuana. Para no sofrer represlias, esta diz que faz qualquer coisa, menos dar-lhe prazersexual. Ele diz que isso que quer dela. Viola-a. Pepi quer vingar-se. O polcia agredido pelosBomitoni, grupo onde a sua amiga Bom vocalista. Apenas no dia seguinte Pepi se apercebeque no teria sido agredido o polcia, mas sim o seu irmo gmeo.

    Prossegue com outro plano, o de se aproximar da mulher do polcia. Estas, juntamentecom Bom, levam uma vida bomia e quase s nocturna, participando em vrias festas. Uma emparticular apresentada pelo prprio Almodvar. O polcia acaba por encontrar a sua mulher, e

    esta vtima de grande violncia. Suas amigas ficaram transtornadas at receberem umtelegrama para a irem ver ao hospital. Quando chegaram ao hospital a mulher estava feliz, juntamente com o seu marido violento e tirnico. Pepi e Bom continuam a viver e fazemprojectos para o futuro.

    O guio foi idealizado inicialmente para uma novela, tendo sido adaptado mais tardepara esta longa-metragem. Nessa poca, Almodvar fazia parte de uma companhia de Teatro deMadrid, perodo em que contacta pela primeira com Carmen Maura, tornando-se uma das suasactrizes fetiches.

    Pepi, Luci, Bom y otras chicas del montn foi filmado em um ano e meio, com umpequeno oramento, sendo a equipa constituda por voluntrios, alguns sem qualquer tipo deexperincia a nvel formal/tcnico. A direco e o guio ficou a cargo de Almodvar, enquantoque a produo a cargo de Feliz Rotaeta e Pepon Corominas. Do elenco faziam parte actorescomo Carmen Maura, Flix Rotaeta, Olvido Gara, Eva Silva, Kiti Manver, entre outros.

    Laberinto de pasiones o segundo filme de Almodvar, um filme que aborda a vida emMadrid na dcada de 80 e uma histria de amor entre uma jovem ninfomanaca e o filho de umimperador rabe.

    Sexilia sofre de fobia ao sol e ninfomanaca. Decide fazer psicanlise, mas apsicanalista est mais interessada em seduzir o pai de Sexilia.

    Como podemos perceber, este um filme um pouco louco. Louco mas muitomovimentado, nada difuso, cruzando assim personagens excntricas. Almodvar com Laberintode Pasiones tenta mostrar uma Madrid protagonista de uma comdia pronta a surgir emqualquer esquina, sendo a cidade elemento central que pretende representar de forma intuitivaneste filme.

    Teremos de compreender queLaberinto de pasiones um dos filmes de Almodvar querene gneros to distintos como a comdia, a aco, o musical ou at o romance.

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    Almodvar refere que bastante complicado conseguir filmar uma comdia to rpida edinmica e para o conseguir teria de haver um grande domnio tcnico, quer a nvel visual,como que uma inteligente estratgia narrativa, para que esta comdia exagerada e at um poucoirreal pudesse surgir e ser retratada na sua plenitude.

    Laberinto de pasiones foi considerado a nvel formal um filme bastante hesitante, pois etal como Almodvar refere em Conversas com Pedro Almodvar este filme era um grandedesafio no mbito tcnico, pois a comicidade ou a comdia foi feita para ser rpida, inteligentena sua forma e contedo. O que esplndido de se ver neste filme a forma como aspersonagens so construdas por Almodvar, personagens essas que estaro presentes em outrosfilmes.

    As personagens nos filmes de Almodvar, tal como referi anteriormente, so a seda, aparte mais relevante do trabalho de Almodvar. Cada uma delas tem um intuito de representarsimbolicamente pessoas, comunidades, estilos de vida. No so apenas mulheres, so asdiferentes mulheres, as perturbadas, as nervosas, as maldosas, falando num sentido bastante

    lato. A questo das personagens ser discutida posteriormente, visto que estas so um dosadornos mais relevantes das narrativas que Almodvar cria.

    Em Laberinto de pasiones poderemos ver Antnio Banderas e Imarol Arias pelaprimeira vez no grande ecr.

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    Ao encontro da esttica: Entre Tinieblas(1983), Qu he hecho yo para mercer esto?

    Entre Tinieblas(v. figura 1. Anexos PPT), filme de Almodvar de 1983, um dos filmesmais marcantes da sua carreira cinematogrfica, pois foi com ele que pudemos comear acompreender a arte de Almodvar e o que este queria realmente representar nos seus filmes:pessoas e as suas relaes, o seu modo de sentir. Isto o facto mais importante no trabalho deAlmodvar. Isto tambm que me fascina neste realizador. a construo profunda das suaspersonagens, so as razes que o motivam a fazer determinadas escolhas formais/tcnicas, e ossimbolismos que cada um dos seus filmes acarretam consigo.

    O filme comea com Yolanda Bell, uma jovem cantora de bolero, que leva a vida entre

    drogas e exageros desnecessrios com o seu namorado. At que este morre de overdose. Aherona matou o seu namorado e esta decide fugir. Busca refgio no convento. A madreSuperiora deste convento tem um grande fascnio por Yolanda Bell e pelo seu trabalho enquantocantora de bolero. O convento das redentoras humilhadas tem tentado salvar, ao longo dos

    tempos, jovens que levam uma vida de perdio, mas existem poucas as que querem ser salvas.

    Negros Hbitos da autoria de Almodvar, mas produzido por Luis Calvo.

    Um dos primeiros paradoxos que damos conta no filme a forma como as freiras nosso apresentadas. Estas, mesmo confinadas s paredes do convento, conseguem ser maisdinmicas e criativas do que os restantes que no esto presos a uma religio, um stioespecfico que casa, sem nunca ser. Mas o que elas representam a pessoa que est presa, mas livre de esprito. Numa poca em que todos ns queremos ter, na sua essncia mais pura aliberdade nas mos, temos possibilidades e obstculos como pessoas comuns. Penso que estarelao da freira com a cantora de bolero quase que uma stira, pois tanto uma como outraesto confinadas a algo, uma religio, outra fama, arte.

    Para Almodvar, este no um filme anti-clerigal. As freiras so na realidade bastantecrists e tal como Cristo quando desce terra aprende a conhecer as suas fraquezas, estas, numatentativa de se aproximarem das jovens perdidas que chegam ao convento, acabam por cometerpecados, pelos menos assim considerados aos olhos da igreja. Uma delas, a Madre Superiorapode ser caracterizada como uma freira que se deixou corromper por paixo aquelas jovensperdidas, que chegavam ao convento abandonadas e sem qualquer tipo de amparo.

    A Madre Superiora representa o fascnio pelo mal. Conseguimos perceber esse fascnio

    pelas imagens que decoram as paredes do seu quarto, imagens de Brigitte Bardot e Ava Garder,entre outras personalidades.

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    Entre Tinieblas foi o primeiro filme de Almodvar a ser filmado com os meiosadequados para um filme exibido no grande ecr e nele que este se apercebe da fora dalinguagem cinematogrfica, principalmente do grande plano. Existem vrios grandes planos da

    Madre Teresa, que esto simplesmente sublimes e assombradores. Almodvar perceber que como grande plano um contedo narrativo especfico representado, de uma maneira bastante forte,tal como a cena que retrata.

    O uniforme das freiras e os vrios planos picados so extraordinrios e causam umefeito visual maioral.

    Tambm deveremos referir o facto de Almodvar utilizar animais exticos nos seus

    filmes. Neste temos a presena de um tigre, e acabamos por acompanhar o seu crescimento, queacaba por ser um paradoxo, que mais adiante vou explicar.

    Almodvar refere que o tigre, tal como o lagarto de seu filme Que hecho yo paramercer esto? no tm uma finalidade meramente plstica. O tigre emNegros Hbitos representaa fora masculina, a prpria presena da masculinidade, visto que neste filme maior parte dosactores so do sexo feminino. Foi uma forma de filmar o selvagem, a fora espectacular e oirracional do filme. Quem sabe, talvez represente as questes irracionais da prpria vida.

    O tigre um elemento surrealista, quase que stiro da elite e sociedade da poca dofilme ser rodado (era comum na altura, os mais abastados terem animais selvagens em suascasas) e este o elo de ligao que ajuda a compreender o papel da irm Perdida, interpretadapor Carmen Maura. O crescimento do tigre ao longo do filme e de no final compreendermos queeste fica a crescer de forma selvagem acaba por retratar a evoluo das personalidades dasfreiras ao longo do filme. Estas tambm evoluem de um modo selvagem, mesmo que confinadasao convento.

    No prximo filme que remeto uma pequena anlise o Qu he hecho yo para mereceresto?, filme datado de 1984, com actores como Carmen Maura, Chus Lampreave, ngel Lpez,Vernica Forqu e Kiti Manver, entre outros que constituem o elenco deste filme. O prprioAlmodvar representa no Qu he hecho yo para merecer esto? aparecendo como cantor numcanal de TV.

    Gloria vive com o seu marido, dois filhos e a sogra num pequeno apartamento nocorao de Madrid. Trabalha imenso para sustentar a casa, o marido no a ajuda muito, e esta

    toma anfetaminas para se manter acordada. Este filme evolui numa sucesso de acontecimentoscaricatos, onde todas as histrias pessoais de cada personagem se acabam por cruzar.

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    posta em evidncia as histrias amorosas no esquecidas, simbolizadas pelapersonagem interpretada por ngel de Andrs Lpez (Antonio), uma alma perdida no filme,Toni, filho de Gloria e Antonio, que se prostitui, e a loucura representada pela personagem daav. esplndida todas esta miscelnea de personalidades to diferentes, com problemas todiferenciados, mas todos eles interligados entre si (um gerou o outro). A cada dia vivenciamosna vida de Gloria a sua vida deteriora-se, passa por transformaes constantes ao seu redor.

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    El Deseo e La Ley del deseo

    La Ley del Deseo(v. figura 1,2 PPT ref. La Ley del Deseo) o filme que marca o comeoda El Deseo, produtora de filmes de Almodvar e de seu irmo, Augustin. Aqui sim, Almodvar

    obtm a liberdade necessria para criar aquilo que desejava, com a tcnica desejada. Este filme datado do ano de 1987 e narra a histria de Pablo Quintero (Eusebio Poncela), um director deteatro homossexual, que foge de um quotidiano que no lhe d o amor como este deseja, umamor puro, verdadeiro e capaz de tudo. Pablo tem uma irm, Tina, que cuida de uma meninachamada Aba (ver fig.4, ref. La Ley del Deseo).

    Pablo ama Juan, que apenas nutre uma grande ternura por ele. A sua relao tem os diascontados. Juan vai de frias e Pablo conhece Antonio, filho de burgueses andaluzes. Em poucashoras, Antonio torna-se o seu amante perigoso e ciumento, que o comea a controlarobcecadamente (ver fig.5, ref. La Ley del Deseo). Antonio nunca estivera com outro homem.

    Pablo tenta escapar ao amor doentio de Antonio mas tarde de mais (ver fig.3, ref. La Leydel Deseo). Antonio descobre por Pablo que Juan o seu grande amor e decide ir de encontro aesse. Pablo no consegue chegar a tempo para salvar o seu amado. Antonio mata Juan e Pablo notificado como sendo o suspeito principal.

    De regresso a Madrid, cego pela dor e pelo dio, Pablo tem um acidente que o deixaincapacitado. Quando Pablo recupera a memria apercebe-se que o homem que se aproximou desua irm, Tina, era Antonio.

    Com a polcia, desloca-se ao apartamento de Tina e Antonio pede uma hora a ss comPablo. Fazem amor e de seguida Antonio suicida-se. Pablo atira a sua mquina de escreverjanela fora, percebendo que perdeu a pessoa que mais o amou.

    A irm de Pablo mudou de sexo e mais uma vez e magicamente, Almodvar prende-nosao ecr com a narrao da histria desta mulher, que outrora foi homem e que, ao longo dofilme, o cineasta nos vai revelando o seu passado e os traumas vividos pela mesma.

    Do elenco, para alm de Carmen Maura e Eusebio Poncela, fazem parte nomes comoAntonio Banderas, Miguel Molina, Manuela Velasco, entre outros.

    Uma das cenas mais marcantes deste filme a cena em que Antnio e Pablo fazemsexo. Este de facto um filme muito lcido da condio homossexual e o modo como estacondio compreendida.La Ley del Deseo um filme deveras profundo no que diz respeito aoseu discurso narrativo, onde a continuidade e aleatoriedade dos acontecimentos soespectaculares.

    La Ley del Deseo ganhou vrios prmios, de entre os quais o Prmio de Melhor Filmede Longa-Metragem do Ano, no Festival de Berlim e Vencedor de Melhor Longa-Metragem noSan Francisco International Lesbian & Gay Film Festival em 1987 e posteriormente em outros

    festivais.

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    Da Maturidade at Contemporaneidade emAlmodvar

    Madrid, sbado, dia 24 de Abril de 1999. A dvida permanece em Almodvar comouma doena maligna que o corri. Qualquer artista que estreia um novo elemento de expressoesttica sente esta presso por parte de uma sociedade sempre predisposta a julgar, a criticardestrutivamente. a sensao de nsia que a expectativa traz. E quando estamos inseridos numdeterminado grupo social normal que o que tenhamos mais receio o de no sermos aceites.Almodvar tem medo assim que os seus filmes no sejam aceites. Apesar de fazer aquilo quegosta e principalmente, aquilo que sente, no pode colocar de parte que a opinio dos demais importante para a sua carreira cinematogrfica. Ainda assim e a partir de Todo sobre mi Madre(ver fig. 1 PPT, ref. Todo sobre Mi Madre), este conseguiu conquistar um lugar ao sol. Um filme queviria a enfatizar e constatar o que era realmente o trabalho conceitual de Almodvar, tornando-oassim um dos gnios espanhis do cinema.

    O genrico do filme indica-nos desde logo que a histria se desenrola por consequnciade uma morte, ou de algum que se depara constantemente com a morte. Em Todo sobre Mi

    Madre, os dois elementos esto presentes. O filme comea com uma morte.

    Manuela vive apenas com o seu filho Estebn. No dia do seu dcimo stimo aniversrioEstebn morre atropelado. Esta morte acaba por aproximar o passado e o futuro de Manuela,onde Almodvar intercala a histria da vida desta mulher, com inmeros episdios exteriores,que se acabam por cruzar com a identidade pessoal de Manuela. Almodvar apropria-se deManuela para assim narrar a histria que quer contar (ver fig. 3 PPT, ref. Todo sobre mi Madre).

    Estebn era apaixonado por literatura, querendo ser escritor (ver fig. 2 PPT, ref. Todo sobremi madre). Existe uma cena maravilhosa (0h3m15s) em que Estebn escreve no seu caderno eposteriormente deparamo-nos com um plano em que vemos a caneta a escrever para a cmara. costume em Almodvar, por consequncia de influncias sobre o trabalho de outros realizadores(como Hitchcock), existirem planos onde este nos d a perspectiva da cmara e, vice-versa, a dapersonagem. Por exemplo, em Que he hecho para mercer esto, existem algumas cenas(personagem principal a colocar roupa na mquina) em que a cmara filma como se estivessedentro dos electrodomsticos. Esta tambm uma influncia de anncios publicitrios. Mas oque realmente pretendo salientar o facto de Almodvar optar outro tipo de viso, deperspectiva das suas personagens, um olhar muito mais intimista sobre elas, mais natural everdadeiro.

    Manuela trabalhava na Organizao Nacional de transplantes do hospitalRmon e Cajal

    (Madrid). Tanto a me como o filho, nutriam um grande carinho por Huma Rojo, quedesempenha no filme o papel de Blanche Duboisna pea Um elctrico chamado desejo(verfig. 4,5 PPT, ref. Todo sobre mi Madre). Estebn vive transtornado com a ideia de no conhecer opai, de no conhecer a sua histria, algo que nos vamos apercebendo ao longo do decorrer dofilme.

    Depois da morte do seu filho, Manuela decide abandonar Madrid e regressar aBarcelona. Decidida a atender o ultimo pedido do filho (saber de seu pai), parte procura dohomem que amou, que com a evoluo do filme conseguimos perceber que o marido deManuela trata-se de Lola, outrora tambm ela Estebn, como o filho. O encontro entre Manuelae Lola apenas se d quase no final do filme. Manuela encontra Agrado, amiga de longa data, quefaz com que Manuela conhea Rosa, que est grvida de Lola (ver fig.5 PPT, ref. Todo sobre mi

    Madre). Esta torna-se a sua misso de vida, prometendo amiga que cuidaria do seu filho (ver fig. 7 PPT, ref. Todo sobre mi Madre). Rosa morre, e Manuela encontra Lola no funeral. Lola

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    conhece os seus filhos (ver fig. 6 PPT, ref. Todo sobre Mi Madre). Existe outra cena esplndida naaltura em que Lola conhece os seus dois filhos (o beb, ao vivo, e seu falecido, por umafotografia. Fotografia essa que beija. Neste momento Almodvar filma como se fosse a prpriaLola a beijar a fotografia do filho, est simplesmente explosivo, a nvel sentimental e brilhante ano que diz respeito tecnicidade praticada (1h26m00s).

    Em suma, importante pr em evidncia em Todo sobre mi Madre a natural mostra doquotidiano, a maneira como Almodvar nos consegue encantar e convencer, quer a nvel visualcomo auditivo do filme. Apurador de sentidos, Todo sobre mi Madre representa a realidade,realidade essa retratada de uma maneira crua, rgida e azeda, realidade essa vivificada porespaos pobres e com um grande aglomerado de pessoas constante ao longo do filme. Esta a

    juno de um mundo atribulado de movimentos e relaes contrastado com um mundo deluxria, frieza, um mundo translcido onde as personagens se escondem uma das outras. Acomponente teatral bastante abordada neste filme, como em grande parte dos filmes deAlmodvar. comum encontrarmos nos seus filmes passagens de outros filmes, haver umaforte presena de elementos publicitrios, como cartazes de espectculos, figuras clebres(como Marilyn Monroe), espectculos, como concertos e peas de teatro, ou msicas

    riqussimas de paixo, dor de amor e garra, muita, muita garra. Todos estes elementosintensificam o caractr melodramtico de seus filmes, das suas personagens. Tudo emAlmodvar melodrama.

    Em 2002, Almodovar realiza Hable con Ella (ver fig.1 PPT, ref. Hable com Ella), umfilme que fala da amizade entre dois homens, que relatam episdios passados da sua vida, quedesabafam a longa convalescena sentida pelos autos do desejo e da paixo.

    Um espectculo de Pina Bausch no caf Muller (ver fig. 2 PPT, ref. Hable com Ella) abre ofilmeHable com Ella, com dois homens lado a lado (ver fig. 3 PPT, ref. Hable com Ella) que nose conhecem, mas que sabemos que as suas histrias se vo acabar por cruzar no desenrolar dofilme.

    Trata-se de Benigno, um jovem enfermeiro, e Marco, um escritor quarento. Marcoemociona-se e Benigno v as lgrimas por entre a obscuridade das cadeiras do teatro. Tambmele gostava de dizer que est comovido com o espectculo, mas no se atreve. Meses mais tarde,os dois homens reencontram-se na clnica El Bosque, onde Benigno trabalha. Lydia (ver fig.4PPT, ref. Hable com Ella), recente namorada de Marco e toureira profissional, encontra-se emcoma na sequncia de um acidente durante uma tourada. Benigno cuida de uma rapariga, Alicia(v. figura 6 PPT, ref. Hable com Ella), uma jovem bailarina. O tempo passa na clnica e Marco eBenigno (ver fig. 5 PPT, ref. Hable com Ella) tornam-se cada vez mais prximos, onde a vida dasquatro personagens posta em evidncia (ver fig. 7 PPT, ref. Hable com Ella), onde traumaspassados so discutidos, onde o presente avana e onde o amanh um destino inesperado.

    tambm um filme que aborda a temtica comunicacional entre casais, identificando omaior problema entre todos eles: a falha de comunicao. O que acontece quando essa possvelfalha de comunicao torna-se produto certo. De forma sublime, Almodvar mostra-nos que omonlogo face ao mutismo incutido pode revelar-se um verdadeiro dilogo, e a forma como aspersonagens so delineadas est simplesmente brilhante.

    Todas as suas caractersticas pessoais e o prprio sentido do filme pem em causa aprpria eloquncia do corpo humano. Este tema deveras incitado anlise visual narrativapois so esses elementos que proporcionam os momentos mais fortes a nvel visual. Esteperfeccionismo narrativo-visual est constantemente marcado nas cenas da coreografia de PinaBausch e at nos momentos de cuidados de higiene de Alicia.

    A noo de tempo est intrinsecamente abordada em Hable con Ella. Durante todo ofilme, Almodvar pretende criar uma ligao entre quem conta a histria e quem a ouve.

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    impressionante como este consegue reter o tempo, at condens-lo e fazer com que este nuncaperca o sentido de continuidade eloquente que faz parte dos filmes de Almodvar. Tudo nosseus filmes tem de ser explicado narrativamente, possuir truques de narrao e decinematografia para instalar-se assim entre a vida do narrador e a do espectador. Poderemosdizer que este um filme sobre o prazer de narrar uma histria, da arte de a contar. De como apalavra, no seu sentido mais solitrio, pode ser a ncora de fugir solido, loucura ou atmesmo morte.

    um filme com uma temtica extremamente forte. EmHable com Ella no retratada amorte, mas sim o limbo que encontramos no meio da vida e da morte. A incerteza que aconvalescena traz ao seres que ficam aprisionados na vida. Mas acaba por ser um dos filmesmais ternos de Almodvar.

    O cineasta consegue-nos mostrar uma loucura, mas uma loucura que acaba por serbenfica, uma loucura to terna e cheia de bom senso, que acaba por ser difcil dissoci-la doque desde sempre indicado como normal, ou dentro dos padres estabelecidos pela sociedade.

    O genrico de La mala Educacin vem desde logo revelar o intuito central do filme,provocar, chamar a cena o suspense. Genrico de msica e apresentao visual recheada defortes tenses, dando-nos a entender que este um dos trabalhos de Almodvar com maisinfluncia no trabalho de Hitchcock. Verdadeiramente sublime este genrico. Mostra-nos umclssico, mas um clssico dentro do seu tempo, dentro da sua contemporaneidade especfica.Cruzes, a prpria temtica religiosa, grades e sombras fazem parte dos elementos estticos esimblicos deste filme. Bastante complexo no que diz respeito construo narrativa.Poderemos identificar dois lugares predominantes neste filme: a Espanha cosmopolita, urbana eat underground e o espao religioso, da tradio e dos costumes.

    La mala educacin conta a histria de dois rapazes, Ignacio e Enrique (ver fig.3 PPT, ref. La mala educacin), que crescem entre o cinema e o medo numa escola religiosa nos anos

    sessenta. Ali descobrem o amor, o cinema e o padre Manolo, director da instituio e professorde literatura, testemunha e participantes dessas descobertas. As trs personagens reencontram-se mais duas vezes ao longo do filme, uma no final dos anos setenta e outra em 1980 (ver fig. 1,2PPT, ref. La mala educacin). Este ltimo reencontro marcar a vida de todos (ver fig.5 PPT, ref. Lamala educacin). Nos ltimos momentos do filme deparamo-nos com um Almodvar que quermostrar o trabalho do realizador e do seu trabalho em estdio, com filmagens irreais dentro defilmagens reais.

    J falando em Volver (ver fig.1 PPT, ref. Volver) poderemos dizer que comea com umaincrvel panormica num cemitrio, onde mulheres de todos os tamanhos e feitios andam de umlado para o outro, limpando rapidamente as campas de seus familiares falecidos. O vento forte constante ao longo do filme, o calor, que fere, que queima.

    Raimunda (Penlope Cruz) est casada com um operrio desempregado e tem uma filhaadolescente (Yohana Cobo), Sole (Lola Dueas), irm de Raimunda (ver fig.2 PPT, ref. Volver) cabeleireira e a me de ambas morreu num incndio com o marido.

    Existem duas cenas neste filme do qual gosto bastante. Uma delas a filmagem dentrodo carro (0h11m05s) em que a escolha de planos claramente uma influncia sobre o trabalhode Hitchcock. A outra o momento em que a filha de Raimunda conta que o pai abusou dela(0h18m00s). Nos dois, acamara colocada de forma intimista, quase que reaccionariamentetransparente. A cmara so as personagens a olharem para outras, a cmara no algo exterior cena, mas sim uma presena em cena.

    Uma das cenas finais (ver fig.4 PPT, ref. Volver), cena onde h o dilogo entre Raimunda ea sua me sublime quando falamos de tons e de tipo de iluminao escolhida, bem como ocenrio inebriado de cores vivas, quando a morte e a vida esto a ser confundidas e andam de

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    mos dadas pela rua.

    Volver no se enquadra numa comdia surrealista, mesmo que muitas vezes o parea. Acomunicao entre vivos e mortos relatada por episdios estridentes, por vezes hilariantes ouprovocando-nos a sensao autenticidade emocional, caracterstica que est latente nainterpretao inteligente de Penlope Cruz. Este um filme de viagens fsicas e espirituais.

    Aps o lanamento da longa-metragem Volver, Almodvar diz que um ciclo se fechou.E que outro ter de comear, continuando com a ambio dos seus anteriores perodoscinematogrficos. Uma coisa promete: uma reviravolta do seu trabalho realizado at ento, umamudana na sua vida e no seu cinema.La Piel que habito ser o seu prximo filme. Esperemosum filme recheado de emoes, de tenses, onde o seu trabalho ser posto a nu, este prometequebrar antigas convenes, antigas formalidades e tcnicas, novas estticas, novos olhares,novas histrias.

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    Arqutipos e sua profundidade

    Todas as personagens construdas ao longo da sua carreira cinematogrfica pretendemconstituir uma ligao ao no filme com algo ou algum. Essa a sua busca essencial. Tambm

    querem a independncia, a liberdade de esprito, principalmente no que diz respeito ao campoamoroso.

    As principais actrizes que influenciaram o seu trabalho foram as que fazem parte dasdcadas de 40/50. Na espontaneidade das actrizes que escolhe, rev algumas actrizes clebrescomo Carole Lombard, Shirley Maclaine ou Katherine Hepburn. Marilyn Monroe tambm uma grande influncia, principalmente um cone deste arqutipo que Almodvar pretendia criar,servindo-se muitas das vezes de imagens de Marilyn como forma de adornar a cena, com umcone to expressivo como Marilyn.

    Sabemos ento que nos filmes de Almodvar encontramos a mulher amargurada, queem quase todos os filmes a personagem principal da sua histria, com problemas por resolver.Almodvar no pretende contar a histria da mulher que resolveu os seus problemas e deu avolta sua vida, mas sim a mulher que aprendeu a viver resignadamente com a sua sorte, o seufado. Por no poder mud-lo.

    Tambm notrio em quase todos os filmes de Almodvar aparecer crianas, em maiorparte das vezes do sexo feminino. Elas trazem um adorno especial narrativa. Em Que hecho yo

    para mercer esto? a menina maltratada e mal-amada pela me e detm um dom sobrenatural.

    Existe alis, numa das ltimas cenas, a mostra de como a menina consegue controlarobjectos com o poder da mente. Mais tarde, num filme americano intitulado Matilde, esta ideiafoi recriada e aprofundada.

    No filme La Ley del Deseo o arqutipo feminino infantil representado por Ada quase quesantificado nesse filme. A menina que tenta ajudar todos aqueles que esto ao seu redor,desejando-lhes o melhor da vida. Suficientemente sria e madura para nutrir um grande carinhopor Pablo.

    Nos filmes de Almodvar, a figura masculina caracterizada com a imagem do tpicomacho latino: machista, superior, bruto, mal-educado. Este arqutipo repete-se ao longo dosseus filmes. Lembro-me do marido de Gloria (Carmen Maura) em Que he hecho yo para merceresto? e a forma como este a desprezava, como se Gloria fosse apenas um objecto de prazer eobedincia ao homem, Antonio.

    Tanto a figura feminina como a masculina destruda, desconstruda, enfrentando odesafio de aprender a viver com os dilemas da vida. Almodvar tenta desmontar um antigo eambguo conceito de homem-mulher, cruzando as personagens com modelos fora da lgicacultural pr-estabelecida. O que quero dizer que Almodvar no se prope a caracterizar ohomem e a mulher assente em esteretipos de personalidade globais a cada sexo; este pretendemostrar o lado contrrio, a mulher que no vista como o sexo frgil, mas sim como um serterno, paciente, mas forte e inteligente ao mesmo tempo e o homem, desvinculado da palavraheri, isto , deixando de enaltecer a sua poderosa virilidade. Almodvar retrata avulnerabilidade quando falamos do ser humano global.

    Essa desconstruo de ambos os sexos est marcadamente presente em Hable com Ellaonde Almodvar nos apresenta mulheres resistentes aos azares da vida e homens sensveis,

    mostrando assim as ambiguidades do ser humano e que nem todos os comportamentos soprprios de um determinado gnero, ou de outro. Este enaltecimento da condio feminina no

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    est inserido como uma temtica superficial, mas sim como forma de quebrar antigosparadigmas. Por exemplo, Benigno em Hable com Ella enfermeiro, profisso essanormalmente executada pelo sexo feminino, que se apaixona por uma paciente em coma. Estarelao que vemos a evoluir ao longo do tempo extremamente unilateral, onde Almodvarlimitasse a problematizar o tema ao invs de julgar ou apontar o dedo com a constituio de umolhar crtico sobre a histria. Ele limitasse a ser um humilde contador de histrias, com umolhar diferente, mas com os ingredientes certos para nos tocarem no corao.

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    Assim como Fassbinder, que indo mais longe que Douglas Sirk, expe as falhas domundo onde o melodrama nasce, destruindo ao mesmo tempo as expectativas que o espectadorpossa ter face ao comum melodrama, que tem sempre um fim positivo, Almodvar tambm nosmostra que o seu cinema no apenas uma histria bem contada, com uma boa qualidade deimagem. Este no se limita a usar e abusar do melodrama para assim expor os seus prpriossentimentos, bem como no se limita a fazer ver esse simples carcter melodramtico nos seusfilmes. Almodvar agarra no melodrama e transfigura-o para a realidade. A realidade mais crua,mais verdadeira que este possa encontrar. A verdade que continua escondida aos olhos de umasociedade moderna, mas convencional e preconceituosa.

    Como Fassbinder, que desnudava todos os mecanismos psicolgicos do ser humano nosseus filmes, Almodvar tambm o faz e de uma forma sublime. encantador percebermos aternura que este tem pelas mulheres, a maneira como as retrata, sem deixar de lado todas asloucuras, comportamentos instveis ou maldade que possam ter ou possuir. Todas elas soretratadas naturalmente, e essa naturalidade faz delas, at a mais odiosa e malfica mulher, teralgo que a caracteriza como um ser nico, cheia de possibilidades, mas tambm iluses.

    O cinema de Almodvar como um espelho. E o espelho o material que confirma a nossa

    identidade.

    O cinema de Almodvar deve ser visto com olhos de sentir.

    S assim conseguiremos entender a sua singularidade.

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    Bibliografia

    STRAUSS, Frdric, Conversas com Pedro Almodvar, CAHIERS DU CINMA, 200-2004

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    Melodramaticamente realizado por

    Catarina Godinho

    Estudos Artsticos

    3 Ano 1 Ciclo

    Faculdade de Letras Universidade Coimbra2010/2011