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    EMANCIPAO SEM UTOPIA

    Amy Allen2

    traduo de Inara Luisa Marin, Felipe Gonalves Silva

    e Ingrid Cyfer

    RESUMO

    No presente texto Amy Allen discute qual concepo de

    emancipao seria compatvel com uma anlise complexa, diagnstica e explicativa da dominao de gnero contem-pornea em seu entrelaamento com questes de raa, classe, sexualidade e imprio. Allen explora esta questo a partir

    dos debates sobre sujeio e modernidade para ento, apoiando-se em Michel Foucault, defender uma concepo

    negativista de emancipao como um caminho frutfero e produtivo para uma teoria crtica feminista.

    PALAVRAS-CHAVE: teoria crtica; feminismo; emancipao; utopia; poder

    Emancipation without Utopia:Subjection, Modernity, and the NormativeClaims of Feminist Critical Theory

    ABSTRACTIn this text Amy Allen discusses which concept of emancipa-

    tion would be compatible with a complex explanatory-diagnostic analysis of contemporary gender domination as it is

    intertwined and entangled with race, class, sexuality, and empire. Allen explores this question from the debates over

    subjection and modernity and afterwards, drawing on the work of Michel Foucault, defends a negativistic conception

    of emancipation as fruitful and productive way for a feminist critical theory.

    KEYWORDS:critical theory; feminism; emancipation; utopia; power

    NOVOS ESTUDOS 103 NOVEMBRO 2015 115

    A emancipao sempre foi central para o projeto dateoria social crtica da Escola de Frankfurt. Na declarao clssica deMax Horkheimer, a teoria crtica tem no apenas o objetivo tericode compreender o que constitui a emancipao ou as condies sobas quais ela possvel como tambm o ambicioso objetivo prtico de

    emancipar o homem da escravido.3Embora as esperanas de umaemancipao efetiva e o papel a ser cumprido pela teoria crtica nes-se processo tenham sido abalados pelos eventos histricos dos anos

    subsequentes, a ideiada emancipao continua central para as com-preenses contemporneas do que seja a teoria crtica. Assim AxelHonneth conclui seu recente panorama da teoria crtica: Sem umconceito realista de interesse pela emancipao, que supe um n-

    [1] Or iginalme nte publicad o em:

    Hypatia, v. 30, n. 3, p. 513-529, vero

    de 2015.

    [2] Agradeo imensamente a Susan-

    ne Letwo, Albena Azmanova, Sally

    Haslanger, Dimitar Vatsov, Kenneth

    Walden, a dois pareceristas an ni-

    mos deHypatia, e aos participantes

    do workshop sobre Gnero na Fi-

    losofia do MIT e da Conferncia do

    Vigsimo Aniver srio de Constella-

    tionse aos integrantes do Grupo dePesquisa de Teoria Crtica por seus

    teis comentrios a verses anterio-

    res deste artigo.

    Sujeio, modernidade e as exigncias normativas

    da teoria crtica feminista1

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    116 EMANCIPAO SEM UTOPIA: SUJEIO, MODERNIDADE E AS EXIGNCIAS NORMATIVAS DA TEORIA CRTICA FEMINISTA Amy Allen

    [3] Horkheimer, 1972, p. 246.

    [4] Honneth, 2008, p. 807-808.

    [5] Benhabib, 1986, p. 226.

    [6] Benhabib, 1986, p. 142.

    [7] Benhabib, 1986, p. 142.

    [8] Ver McNay, 2000; Brown, 2005;Allen , 2008; McNay, 2008; Weir,

    2013.

    [9] Brown, 2005, p. 101.

    [10] Brown, 2005, p. 108-109.

    cleo incorruptvel de susceptibilidade racional por parte dos sujeitospara o propsito da crtica, esse projeto terico no tem futuro.4

    A emancipao est ligada intimamente quilo que Seyla Benha-bib chamou do aspecto utpico-antecipatrio da teoria crtica. Como

    Benhabib explica, essa a dimenso propriamente normativa da te-oria crtica, que v o presente da perspectiva da transformao radicalde sua estrutura bsica e interpreta as reais crises vividas e os protes-tos luz de um futuro antecipado.5Esse futuro antecipado precisa-mente a ideia de uma sociedade emancipada ou de boa sociedade. Noentanto, se a teoria crtica pretende evitar sucumbir a uma filosofiameramente normativa,6isto , se ela pretende manter sua distinometodolgica, deve tambm incluir um outro aspecto, que Benhabibchama de diagnstico-explicativo: desse modo, a teoria crtica anali-

    sa do ponto de vista da terceira pessoa ou do observador as contradi-es internas, limitaes e crises7do sistema social existente.

    A tarefa central do diagnstico explicativo da teoria crtica a an-lise das relaes de poder em toda a sua profundidade e complexida-de, pois so as relaes de dominao e opresso que escravizam osseres humanos e bloqueiam a emancipao, gerando crises sociais epatologias. Em anos recentes, tericas crticas feministas, seguindo oinfluente trabalho de Nancy Fraser, voltaram-se para as anlises do po-der de Michel Foucault para elaborar uma considerao diagnstico-

    -explicativa mais adequada da subordinao de gnero.8No entanto,pela perspectiva de uma anlise foucaultiana que assume no existirnada fora do poder, quaisquer que sejam as vises de boa vida nas quaisas esperanas emancipatrias ou utpico-antecipatrias venham a re-pousar podem ser desmascaradas como iluses perigosas ou mesmoinstrumentos de opresso e subordinao. Como escreve WendyBrown, resumindo as implicaes dessa compreenso do poder paraas exigncias de uma teoria poltica normativa, todas as concepesdo Bem parecem agora consociadas com o fundamentalismo.9

    Assim, parece que nos encontramos presas a um paradoxo: a teoriacrtica feminista precisa tanto do momento diagnstico-explicativocomo do utpico-antecipatrio no apenas para ser verdadeiramentecrtica, mas tambm, como sugere Wendy Brown, para ser verdadeira-mente feminista.10E, no entanto, a tentativa de fazer jus ao primeiromomento parece minar a prpria possibilidade de emancipao daqual se imagina que o ltimo dependa. Embora se possa tomar esseparadoxo como uma razo para se rejeitar conjuntamente as anlisesdo poder foucaultianas e butlerianas, isso tambm pode ser tomado

    como um mote para repensarmos nossa compreenso de emancipa-o e suas relaes com as dimenses utpico-antecipatrias da crti-ca. A seguir, tentarei dar conta dessa tarefa perguntando que concep-o de emancipao se mostra compatvel com uma complexa anlise

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    NOVOS ESTUDOS 103 NOVEMBRO 2015 117

    [11] Foucault, 2003, p. 29-30.

    [12] Butler, 1993.

    diagnstico-explicativa das relaes contemporneas de subordina-o de gnero no modo como estas se encontram entrelaadas e enre-dadas com raa, classe, sexualidade e imprio. Exploro essa questoatravs da anlise de dois debates nos quais a relao paradoxal entre

    poder e emancipao apresentada de modo particularmente salientee aparentemente intratvel: os debates sobre sujeio e modernidade.

    Argumento que, apesar de a tenso entre o diagnstico explicativo eos aspectos utpico-emancipatrios de uma teoria crtica feministano poder ser completamente eliminada, ela pode ser transformadade paradoxo paralisante em tenso produtiva, atravs de uma reela-borao da noo de emancipao que mantenha o aspecto utpico-

    -antecipatrio da teoria crtica. Vale dizer, uma concepo de emanci-pao que seja negativista em dois sentidos interconectados isto

    , que defina a emancipao negativamente como a transformao doestado de dominao em um terreno mvel e reversvel de relaes depoder e que, desse modo, no se faa prisioneira de uma viso utpicapositiva isenta de relaes de poder oferece o melhor modelo parauma teoria crtica feminista luz das complexidades e ambivalnciasdo discurso emancipatrio.

    SUJEIO

    A anlise da sujeio de Foucault, ampliada e estendida por JudithButler, oferece um rico modelo para compreender no apenas comomas tambm por que normas de subordinao de gnero so assu-midas e performadas pelos indivduos, modelo este que se mostrouextremamente produtivo para a teoria feminista e queernos ltimos 25anos. Essa anlise parte de um insight bsico de que o poder trabalhaatravs da constituio dos sujeitos: o indivduo em si mesmo um

    efeito de poder; no uma espcie de ncleo elementar, um tomoprimitivo ou alguns mltiplos, matria inerte sobre a qual o poder

    aplicado, ou ainda que se mostra atingido por um poder que subordi-na e destri, mas sim um efeito do poder.11A sujeio, assim, pos-suiria um duplo significado: os indivduos so constitudos comosujeitos no interior e atravs de um processo de sujeio ao poder.Tomando essa ideia foucaultiana, os primeiros trabalhos de Butlerse apoiam produtivamente na noo de Derrida de citacionalidadeou iterabilidade para interrogar os mecanismos de sujeio; a ideiacentral aqui que as normas e categorias de subordinao de gnerono podem manter sua fora por si ss, mas que precisam ser per-

    formativamente citadas por sujeitos para que sejam mantidas e re-produzidas.12No entanto, os ltimos trabalhos de Butler fornecem,por meio de uma maior inflexo psicanaltica, um modo de pensara prpria dinmica da sujeio; a ideia-chave nesse ponto que os

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    [13] Butler, 1997.

    [14] Ver Allen, 1998; 2005.

    [15] Conforme Nancy Fraser afir-

    mou, Habermas tende a reservar o

    termo poder ao funcionamento

    dos sistemas administrativos e eco-nmicos; assim, ele apresenta as

    estruturas normativas do mundo da

    vida, por meio da qual os indivduos

    so socializados, como estruturas li-

    vres de poder (Fraser, 2013, p. 19-51);

    ver tambm Allen, 2008, p. 101-122).

    Similarmente, embora Honneth seja

    crtico da fico de Habermas de um

    mundo da vida sem poder (Honneth,

    1991, p. 298), e embora seu primei-

    ro livro inclua uma detalhada e em

    grande parte simptica discusso da

    anlise de Foucault do poder (p. 149-202), ele tambm tem sido criticado

    por desconsiderar as complexidades

    da subordinao de gnero em sua

    teoria do reconhecimento (McNay,

    2008; Allen, 2010).

    [16] Ver, por exemplo, Butler, 1995,

    p. 39; Foucault, 1997a, p. 167.

    [17] Foucault, 1977, p. 30.

    [18] Koopman, 2013, p. 169-170.

    [19] Koopman, 2013, p. 172.

    indivduos precisam to desesperadamente do reconhecimento dosoutros para sobreviver comoselvessociais que lhes seria prefervel a

    vinculao a formas de identidade subordinadas e dolorosas alter-nativa de no serem reconhecidos.13

    Essa anlise da sujeio crucialmente importante para uma teoriacrtica feminista, na medida em que fornece uma descrio sofisticadae repleta de nuances sobre o modo como a subordinao de gnero fun-ciona em toda a sua profundidade e complexidade.14Alm disso, essadescrio preencheu uma lacuna crucial nas anlises do poder ofereci-das por representantes contemporneos da teoria crtica da Escola deFrankfurt, as quais tendem a dar insuficiente ateno ao fenmeno dasujeio.15No entanto, apesar de seu carter extremamente produtivopara a teoria crtica feminista, esse modelo de sujeio tambm recai

    de forma particularmente aguda na relao paradoxal entre poder eemancipao acima delineada. Afinal, se o sujeito constitudo porrelaes de poder e, como assumem Foucault e Butler, no existe nadaque lhes seja externo,16no pode ser admitida a possibilidade de umsujeito livre de relaes de poder; sendo assim, no existiria qualquerpossibilidade para uma emancipaogenuna. O sujeito que gostara-mos de emancipar j , como Foucault coloca, o efeito de uma sujeiomuito mais profunda do que ele mesmo.17

    Talvez seja por isso que Foucault tende a preferir a linguagem da

    experimentao, da contraconduta e das prticas de liberdade quelasda emancipao. De fato, Colin Koopman recentemente argumentouque existem duas concepes distintas de liberdade operando emFoucault: uma concepo liberacionista, em que liberdade enten-dida como emancipao ou liberao dopoder, e uma concepotransformativa, segundo a qual a liberdade entendida nos termosde prticas de resistncia autotransformadora, experimentao econtraconduta nas relaes de poder.18Koopman argumenta que,enquanto Foucault considera a primeira concepo de liberdade pe-

    rigosa e cmplice das relaes de poder, na medida em que pressu-pe a possibilidade de uma liberdade purificada de relaes de poder,a segunda pode ser entendida como um gesto do autor na direode uma resposta reconstrutiva sua problematizao genealgicada modernidade. Como escreve Koopman, poder e liberdade sosimultaneamente produzidos [na modernidade] para tornar a liber-dade emancipatria ineficaz contra o poder disciplinar; portanto,

    a liberdade [na modernidade] precisa ser procurada em outro lugarque no no ideal romntico de autonomia, paradigmaticamente as-

    sociado a eventos de liberao e emancipao.19De modo similar, por isso que Butler, emancipao ou liberao,

    prefere a linguagem da performatividade, da ressignificao pardicae das maneiras subversivas de citao ou reiterao de normas. Assim

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    [20] Butler, 2000, p. 740.

    [21] Butler, 2000, p. 740.

    [22] Butler, 2000, p. 741.

    [23] Butler, 2000, p. 741.

    [24] Butler, 2000, p. 741.

    [25] Brown, 2005, p. 111-112.

    [26] Para uma anlise semelhante

    que discute o trabalho de Foucault em

    relao ao trabalho de Cornel West,

    ver Stone, 2011.

    [27] Foucault, 1997b.

    [28] Foucault, 1997b, p. 282.

    como Foucault, ela mostra-se ctica em relao prpria ideia de umponto de vista que esteja para alm ou livre das relaes de poder, ideiada qual as noes de liberao ou emancipao parecem depender. As-sim, ela explica: Sigo Foucault em certa medida aqui ao me perguntar

    se a liberao, como termo central, promete-nos uma liberdade radicalsem reservas que parece se mostrar, em ltima instncia, impossvel eque ir apenas nos entregar mais uma vez a novas coaes e nos mer-gulhar em formas de cinismo poltico.20Entretanto, essa rejeio da-quilo que Koopman chama de concepo liberacionista de liberdadeno impede, segundo Butler, a possiblidade de uma mudana socialradical.21Tal mudana se faz possvel em e atravs de um processo de

    desterritorializao ou citao de normas de poder em um contextoradicalmente novo.22O termo correto para o tipo de insurreio po-

    ltica possibilitada atravs dessa desterritorializao citacional no, como sugere a autora, nem liberao nem emancipao, mas sim

    subverso crtica ou ressignificao radical.23Diferentemente danoo de liberao, a noo de ressignificao radical no implica afantasia de transcender o poder como um todo.24

    Do ponto de vista da dimenso utpico-emancipatria da crticafeminista, no entanto, o problema com essa viso foucaultiana-butle-riana da mudana social radical habilmente articulada por Brown:

    Gnero considerado (e vivido) por jovens acadmicas e ativistas con-temporneas que cresceram sob o ps-estruturalismo como algo flexvel,proliferado, problematizado, ressignifcado, metamorfoseado, teatralizado,parodiado, reposicionado, resistido, imitado, regulado [...] mas no emanci-pado. Gnero quase infinitamente plstico e divisvel, mas, ao ser entendidocomo um domnio de sujeio sem qualquer lugar fora dele, no pode ser li-berado no sentido clssico; os poderes que o constituem e regulam no podemser embargados ou abolidos.25

    Sob a luz do que foi dito acima, pode ser surpreendente constatarque o prprio Foucault no renega consistentemente a linguagem daemancipao ou liberao.26Com efeito, em sua ltima entrevista, elediscute as relaes entre poder, dominao e liberao de uma maneiraque complexifica a distino de Koopman entre a concepo liberacio-nista e transformativa de liberdade.27Apesar de assinalar que sempresuspeitou da noo de liberao, na medida em que esta repousa ta-citamente sobre a imagem de uma natureza humana livre e desimpe-dida que existe fora ou alm do poder, Foucault acrescenta que isso

    no significa que a liberao enquanto tal ou esta ou aquela formade liberao no existam: quando um povo colonizado tenta se libe-rar de seus colonizadores, essa de fato uma prtica de liberao emsentido estrito.28Entretanto, essa prtica de liberao simplesmente

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    120 EMANCIPAO SEM UTOPIA: SUJEIO, MODERNIDADE E AS EXIGNCIAS NORMATIVAS DA TEORIA CRTICA FEMINISTA Amy Allen

    [29] Foucault, 1997b, p. 292.

    [30] Foucault, 1997b, p. 283.

    [31] Foucault, 1997b, p. 292.

    [32] Foucault, 1997b, p. 283.

    [33] Foucault, 1997b, p. 292.

    [34] Foucault, 1997b, p. 292.

    [35] Foucault, 1997b, p. 293.

    no suficiente para o completo entendimento da liberdade, j queela envolve definir certas prticas de liberdade. Isso sugere que aquiloque Koopman chama de concepes liberacionista e transformativade liberdade no so mutuamente excludentes e que, sobretudo, no

    se trata aqui de rejeitar a primeira em favor da ltima.Alm isso, Foucault tambm reconhece que prticas de liberdade,

    no sentido em que ele emprega o termo, requeremoupressupemcertograu de liberao ou emancipao. Ao afirmar esse ponto, ele apelapara uma distino entre poder e dominao: relaes de poder so

    mveis, reversveis e instveis;29estados de dominao, ao contr-rio, consistem em relaes de poder que se tornaram bloqueadasou congeladas, uma condio que ocorre quando um indivduo ougrupo social tem sucesso em bloquear um campo das relaes de po-

    der, imobilizando-as e prevenindo qualquer movimento de reversi-bilidade.30Em um estado de dominao, as relaes de poder sofixadas de tal maneira que se mostram perpetuamente assimtricase permitem uma margem extremamente limitada de liberdade.31Liberdade, entendida como liberao ou emancipao de um estadode dominao , ento, s vezes uma condio poltica ou histri-ca para uma prtica da liberdade32entendida como um exercciotransformativo que sempre acontece dentro das relaes de poder.Para ilustrar essa distino, Foucault oferece o exemplo das mulhe-

    res em casamentos tradicionais dos sculos xviiie xix. Emboraessas mulheres fossem capazes de exercer poder dentro de seus ca-samentos at certo grau elas poderiam enganar seus maridos,furtar dinheiro deles, recusar sexo33, elas continuavam em um es-tado de dominao, na medida em que essas opes eram, em ltimainstncia, somente estratagemas que nunca conseguiram reverter asituao.34As relaes de poder nas quais elas se encontravam eramperpetuamente assimtricas e fixas, de tal maneira que ofereciamum espao extremamente limitado para as prticas de liberdade.

    Emancipao ou liberao, para Foucault, refere-se ento especi-ficamente transformao do estado de dominao em um campomvel, reversvel e instvel de relaes de poder dentro do qual aliberdade pode ser praticada. Para saber, em cada caso particular, oque seria necessrio para reverter uma situao de dominao, ne-cessitamos uma anlise do tipo e da forma precisa da dominaoem questo.35Mas se, independentemente dos resutados dessaanlise, liberarmo-nos ou emanciparmo-nos da dominao no sig-nifica de modo geral colocarmo-nos fora das relaes de poder, isso

    no significa abandonar o fardo de continuarmos nos engajando emprticas de liberdade que representem maneiras de reconfigurar erenegociar as relaes de poder. Por essa razo, apesar de aderir cau-telosamente ideia de liberdade como liberao ou emancipao em

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    NOVOS ESTUDOS 103 NOVEMBRO 2015 121

    [36] Foucault, 1997b, p. 298.

    [37] Deixarei de lado aqui a questo

    sobre se essa uma crtica justa a

    Habermas, uma vez que responder

    a ela exigiria uma longa e complexa

    discusso que nos desviaria do foco

    deste artigo.

    [38] Brown, 2005, p. 109.

    [39] Uma falha similar pode ser en-

    contrada na anlise de Judith Butler

    da subjetivao, que identifica sujei-

    o entendida como estar sujeito

    a relao a subordinao (Butler,

    1997). Sobre esse ponto, ver Allen,

    2005; 2008, p. 72-95. Apesar disso,

    conforme sustentarei adiante, o tra-balho mais recente de Butler apela

    implicitamente para uma noo de

    emancipao no sentido foucaultia-

    no do termo.

    [40] Embora a distino entre poder

    e dominao aparea explicitamente

    apenas em suas ltimas entrevistas,

    essa distino parece ser consistente

    com a distino que Focault faz desde

    seus primeiros trabalhos entre infini-

    tesimal, capilaridade, microfsica das

    relaes de poder e suas transforma-es e concatenao com mecanis-

    mos gerais ou formas de dominao

    total (Foucault, 2003, p. 30).

    [41] Foucault, 2000, p. 342.

    contextos especficos, Foucault mantm-se crtico acerca das con-cepes utpicas que projetam relaes sociais livres de relaes depoder como um todo. Ele se remete aqui especificamente imagemda situao ideal de fala apresentada por Jrgen Habermas como

    sendo utpica em um sentido problemtico:

    A ideia de que poderia existir um estado de comunicao que per -mitisse jogos de verdade que circulassem livremente, sem nenhum con-trangimento ou efeitos coercivos, parece-me utpica [...]. No acho quea sociedade pode existir sem relaes de poder, se com isso entendemosas estratgias pelas quais os indivduos tentam direcionar ou controlar aconduta dos outros. O problema, ento, no tentar dissolv-los na utopiade uma comunicao completamente transparente, mas sim adquirir re-

    gras de direito e tcnicas de gerenciamento, alm de uma moralidade, umthos e uma prtica do self que nos permitam jogar esses jogos do podercom o mnimo de dominao possvel.36,37

    A imagem que surge nessa entrevista, assim, a de um modelo deemancipao sem utopia, no qual a emancipao entendida comoliberdade ou liberao do estado de dominao. O ideal normativoque propulsiona a dimenso utpico-antecipatria da crtica apre-sentado, nesse ponto, como um tipo negativista de transformao do

    estado de dominao em um campo mvel e reversvel de relaes depoder, no uma noo utpica positiva da boa sociedade livre comoum todo das relaes de poder.

    Isso sugere uma resposta preocupao de Brown de que o fe-minismo ps-estruturalista possa ter gerado uma crtica da do-minao masculina quase sem sada,38o que, portanto, minariaa possibilidade de emancipao. Essa preocupao parece ter suasrazes em uma falha de apreciao na distino de Foucault entrerelaes de poder e estados de dominao.39H recursos no tra-

    balho tardio de Foucault40 os quais frequentemente passaramdespercebidos por suas intrpretes feministas para a teoriza-o da emancipao dos estados de dominao de gnero, em queisso significa transformar um campo no qual as relaes de podermostram-se congeladas ou bloqueadas, assimtricas e irreversveis,em um campo reversvel, mvel e instvel no qual o poder exerci-do apenas sobre sujeitos livres e somente na medida em que estesso livres.41Isso no significa emancipar ou liberar um sujeitoformado em algum espao puro isento das relaes de poder por

    isso as aspas em livre , mas sim capacitar um sujeito que foiconstitudo por relaes de poder a se engajar em prticas de liber-dade, autotransformao e experimentao dentro de um campodiscursivo e social instvel e reversvel.

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    [42] De acordo com o Blacks Law

    Dic tion ary , coverture designava na

    common lawo status da mulher casa-

    da segundo o qual ela s poderia ter

    propriedades e peticionar perante

    as cortes, dentre outras coisas, por

    meio da personalidade jurdica do

    marido. (N. T.)

    [43] Fraser, 1997, p. 225-235; Allen,

    1999.

    [44] Ver tambm Foucault, 2000,

    p. 331-332, texto no qual ele faz uma

    distino entre lutas contra domi-

    nao, explorao e subordinao,

    associando o primeiro tipo de luta

    com o feudalismo, o segundo com o

    sculo xixe o terceiro com o sculo

    xx. Embora Foucault reconhea que

    lutas contra formas de dominao e

    explorao no tenham desapareci-

    do e que os mecanismos de sujeio

    no podem ser estudados fora de sua

    relao com os mecanismos de ex-plorao e dominao (p. 332), esse

    esquema tripartite implica ver a do-

    minao como uma relquia feudal e,

    assim, obscurece algumas de suas for-

    mas generificadas contemporneas.

    [45] A expresso master/subjectem

    Amy Allen refere-se ao modelo de po-

    der entendido como dominao, ou

    seja, a relaes didicas de mastery

    and subjection. Ver Allen, Amy. The

    Power of Feminist Theory: Domination,

    Resi stance, Solidarity. Boulder, CO:Westview, 1999. p. 15. (N. T.)

    [46] Butler, 2004, p. 204.

    Com certeza, a distino de Foucault entre relaes de poder e esta-dos de dominao permanece mal desenvolvida, como evidente emalguns dos exemplos que ele usa para ilustrar essa distino. Ao tomara mulher casada sob o regime de coverture42como exemplo paradigm-

    tico, ele parece pressupor um entendimento clssico da emancipaocomo liberao de uma condio de escravido, servido ou autoridadepatriarcal. No pano de fundo dessa noo de emancipao encontra-sea afirmao de que a dominao de gnero mais bem entendida nostermos de uma relao de submisso. No entanto, tal entendimento indiscutivelmente insuficiente para se entender as dominaes de g-nero nas sociedades ocidentais contemporneas do capitalismo tardio,nas quais a dominao de gnero vivida atravs de uma pluralidade deformas sociais cultural e simbolicamente mais fluidas.43Ao definir do-

    minao nesses termos insatisfatoriamente simplistas, Foucault efeti-vamente a desloca para o passado.44E, ao faz-lo, obscurece as maneirascomo as relaes de poder e gnero continuam a ser bloqueadas, conge-ladas, em estruturas assimtricas com limitado espao para a liberdadee reverso da situao, mesmo que as relaes de dominao (master/subject relations)45tenham sido largamente desmanteladas, pelo menosno Ocidente. O que Foucault tende a no ver, surpreendentemente tal-

    vez, a maneira pela qual os modos de sujeio profundamente enraiza-dos no gnero ou seja, aqueles que subordinam um sujeito inteligvel

    ao domnio e performance de um conjunto de normas de gnero quedesvalorizam sistematicamente a feminilidade e punem a transgressodos binarismos estritos de gnero servem eles prprios para entrin-cheirar cada vez mais o estado de dominaode gnero.

    A viso negativista da emancipao vale dizer, uma concepono utpica de emancipao como a transformao de um estado dedominao de gnero em um campo mvel de relaes de poder mostra-se ainda assim til aqui, mesmo que essa viso precise serbaseada em uma anlise mais precisa do que a oferecida por Fou-

    cault a respeito das formas que a dominao de gnero assumemnas sociedades ocidentais contemporneas. Tal viso, acredito, podeser encontrada em Undoing Gender, de Butler. Nesse texto, ela ofereceuma anlise ampla da dominao de gnero, que inclui no apenasa subordinao da mulher, o heterossexismo e a homofobia, mastambm o violento policiamento das fronteiras de gnero atravs dotratamento de intersexuais, transexuais e transgneros. O feminis-mo se refere transformao social das relaes de gnero,46escreve,sem que isso signifique apenas desmantelar a dominao patriarcal

    e a opresso heterossexista, mas tambm desafiar as estruturas de in-teligibilidade que impedem que os corpos em desconformidade como gnero sejam lidos como de fato humanos. Como Butler admite,

    h uma inspirao normativa aqui, e ela tem a ver com a habilidade

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    NOVOS ESTUDOS 103 NOVEMBRO 2015 123

    [47] Butler, 2004, p. 219.

    [48] Para um argumento nesse senti-

    do, ver Weir, 2013, p. 118-150.

    [49] Para uma anlise semelhante

    sobre como a poltica de identidade

    de gnero e as polticas de justia

    econmica se desarticulam, ver Fra-

    ser, 2013.

    [50] Cheng, 2001.

    [51] Brown, 2005, p. 106.

    [52] Para uma anlise semelhante so-

    bre como a poltica de identidade de

    gnero e as polticas de justia econ-

    mica se desarticulam, ver Fraser, 2013.

    de viver, respirar e se mover, pertencendo, sem dvida, a algum lugardaquilo que se chama filosofia da liberdade.47Apesar de Butler nousar o termo emancipao, ela implicitamente apela a uma viso deemancipao no sentido preciso de Foucault: uma viso que no nos

    remeta a uma forma utpica de vida social alm ou fora das relaesde poder, mas que, ao contrrio, vislumbre a transformao radical doestado de dominao de gnero em relaes de poder mveis, rever-sveis e instveis, as quais possam ser vistas tambm como prticasde liberdade. No temos aqui uma noo simplista de emancipaodas mulheres, entendida como a eliminao da relao patriarcal dedominao exemplificada pela coverturemencionada por Foucault,tampouco trata-se da ideia de uma emancipao dognero ou dasres-tries da identidade per se.48Em vez disso, trata-se da emancipao

    de um estado de dominao de gnero ligado quilo que Butler cha-ma de legislao indesejada da identidade.49

    MODERNIDADE

    Apesar da grande importncia da anlise da sujeio de gneropara a teoria feminista entre outras coisas, ela abriu a teoria femi-nista para as teorias queere trans, em que alguns dos mais animadorestrabalhos tericos sobre gnero tm sido feitos atualmente , ela ob-

    viamente no oferece uma anlise explicativo-diagnstica completada subordinao de gnero contempornea em seu entrelaamentocom a raa, a classe, a sexualidade e o imprio. A anlise da sujeiocomo elemento central para a construo do gnero e da identidade se-xual revela-nos no mximo um componente ainda que crucial detal avaliao. E, embora a inflexo psicanaltica da anlise da sujeiode Butler tenha sido produtivamente estendida para a compreensodas dinmicas psquicas da sujeio racial,50o modelo foucaultianode emancipao da dominao de gnero, implcito em sua anlise,

    deixa o ponto de vista da modernidade e da contnua subordinaoaos imperativos do capitalismo neoliberal no problematizados.51, 52

    A emancipao da dominao de gnero para mulheres, queerse transnas sociedades industrializadas do capitalismo tardio do Norte global,no sentido esboado na seo anterior, mostra-se amplamente conec-tada com a misria, abjeo e sujeio violncia existentes na maiorparte do resto do mundo.

    Diante de tais complexidades, o que se exige uma precisa e espe-cfica anlise da dominao que ilumine as estruturas entrecruzadas

    e sobrepostas de gnero, sexualidade e raa, com aquelas da classe,da cultura e do imperialismo ps-colonial teorizadas em um quadrotransnacional. Os estudos produzidos nos ltimos vinte anos nessainterseco do feminismo transnacional com a teoria ps-colonial de-

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    124 EMANCIPAO SEM UTOPIA: SUJEIO, MODERNIDADE E AS EXIGNCIAS NORMATIVAS DA TEORIA CRTICA FEMINISTA Amy Allen

    [53] Grewal; Caplan, 1994; Spivak,

    1999; Mohanty, 2003; Grewal, 2005;

    Mahmood, 2005.

    [54] Duggan, 2003; Berlant, 2011;

    Halberstam, 2011.

    [55] Puar, 2007.

    [56] Abu-Lughod, 2013, p. 89.

    [57] Mahmood, 2008, p. 84.

    [58] Abu-Lughod, 2013, p. 105.

    [59] Mahmood, 2008, p. 82.

    ram grandes passos na direo desse projeto,53assim como trabalhosque propem uma crtica queerdo neoliberalismo,54particularmentenas suas formas transnacionais.55Esse corpo de estudos avana muitono sentido de disponibilizar o tipo de anlise diagnstico-explicativa

    da dominao de gnero em sua interseco com raa, classe, sexuali-dade e imprio, buscando satisfazer a profundidade e a extrema com-plexidade que a teoria crtica feminista requer.

    Obviamente, no posso considerar aqui em todos os seus detalhesa complexa anlise da dominao que tem emergido dessa literatura.Em vez disso, gostaria de esboar dois desafios inter-relacionados queesse tipo de anlise transnacional, ps-colonial e feminista-queerdadominao apresenta para a ideia de emancipao, na qual se apoia a

    vertente utpico-antecipatria da teoria crtica feminista. Ambos os

    desafios exigem a transformao das relaes firmadas entre as no-es de emancipao e crtica utpico-antecipatria com as pressu-posies insuficientemente problematizadas sobre a superioridadedesevenvolvimentista da modernidade europeia ou ocidental, ou seja,com as estruturas informais de dominao imperialistas.

    O primeiro desafio relaciona-se s maneiras pelas quais o prprioconceito de emancipao encontra-se presente no feminismo impe-rialista e homonacionalista. Como Lila Abu-Lughod e Saba Mahmoodargumentam, a linguagem da emancipao, entendida sob o modelo

    de uma concepo liberal de liberdade negativa, aparece proeminente-mente em discursos do orientalismo com vis de gnero. Abu-Lughode Mahmood analisam o tipo popular de literatura contempornea vol-tada ao mercado de massas que conta histrias de mulheres que esca-param de uma sociedade islmica retratada como violenta e opressiva,histrias que so sempre contadas em termos de emancipao.56Tais histrias servem no apenas agenda neoconservadora ao justi-ficarem, por exemplo, a interveno no Oriente Mdio sob o funda-mento da promoo dos direitos da mulher, mas tambm provocam

    aquilo que Mahmood chama de pthose admirao entre leitorasfeministas, uma reao que ela vincula ao modelo emancipatrioda poltica subscrito em tais relatos.57De outro lado, como Abu-

    -Lughod argumenta, essas histras tambm produzem um horrorque [...] endossa um sentido seguro de distino moral e superiori-dade feminista ocidental.58

    De acordo com essa anlise, a suposio no problematizada deque a emancipao fundamental para o feminismo levou feminis-tas a uma cumplicidade com o imprio. Repensar essa cumplicidade

    requer, como Mahmood diz, colocar nossas mais ntimas e preza-das suposies e crenas sob avaliao crtica, incluindo nossas su-posies sobre a validade universal do interesse na emancipao.59

    Abu-Lughod estende esse ponto quando se pergunta: A ideia de

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    NOVOS ESTUDOS 103 NOVEMBRO 2015 125

    [60] Abu-Lughod, 2013, p. 45.

    [61] Para uma reflexo convincente

    acerca dessas questes no trabalho de

    Mahmood, ver Weir, 2013, p. 118-150.

    [62] Certamente, muitos tericoscrticos argumentariam que a ideia

    de liberdade negativa do liberalismo

    lastimavelmente inadequada e gos-

    tariam de complement-la com uma

    concepo de autonomia e liberdade

    social mais rica. No entanto, isso no

    significa que eles no acreditem que

    a liberdade liberal seja desnecessria

    para uma ordem social justa, mas ape-

    nas que uma liberdade insuficiente.

    [63] Ver Allen, no prelo.

    [64] Ver McCarthy, 2009.

    [65] Ver Benhabib, 1995b; Honneth,

    2014.

    liberao [...] abarca os fins para os quais todas as mulheres lutam?Emancipao, igualdade e direitos so parte de uma linguagem uni-

    versal ou um dialeto particular?.60A teoria crtica feminista pode sefixar quilo que Honneth chama de centralidade do interesse pela

    emancipao e, com isso, continuar sendo verdadeiramente crtica?Por outro lado, dada a necessidade crucial de uma anlise feministada dominao que possua um carter interseccional, ps-colonial etransnacional, pode ela evitar essa questo e continuar sendo verda-deiramente feminista?61

    Mas o problema em uma teoria crtica feminista ainda maisprofundo do que a discusso precedente pode sugerir, conduzindo-

    -nos ao segundo desafio acima mencionado. Pois a teoria feministano invoca simplesmente uma noo de emancipao que engloba

    uma concepo liberal de liberdade.62A teoria crtica contempor-nea, ps-habermasiana, encontra-se profundamente compromenti-da com uma leitura da histria ligada ao progresso, a qual enxerga amodernidade europeia e as concepes de liberdade, autonomia eemancipao que se encontram em seu cerne como resultado deum processo de desenvolvimento e aprendizado histrico.63Essaleitura progressiva da histria resolutamente ps-metafsica porisso, ela no faz nenhuma reivindicao sobre a necessidade ou ine-

    vitabilidade do progresso, entendendo-o em termos deflacionrios,

    pragmticos e altamente diferenciados.64Ainda assim, ela vincula oaspecto utpico-antecipatrio da teoria crtica a uma reivindicaoda superioridade cognitiva e normativa dos valores do Esclarecimen-to europeu sobre formas de vida tradicionais ou pr-modernas.Tericos crticos, de Habermas a Honneth e Benhabib, adotaram essaestratgia para justificar as reivindicaes normativas da teoria crticaem uma tentativa de evitar os gmeos malignos do fundacionalismo edo relativismo. Procurando ancorar a normatividade no mundo socialexistente, mas sem recair no relativismo historicista ou no convencio-

    nalismo, eles leem a histria como um processo de aprendizado ouevoluo social que conduz at ns, isto , aos herdeiros da tradiodo Esclarecimento. Dessa maneira, seu olhar prospectivo ou sua vi-so da emancipao ou da boa sociedade orientada para o futuro, queserve de ancoragem normativa para a crtica, encontram-se baseadosem um olhar retrospectivo sobre a emergncia da modernidade e desuas noes normativas centrais de liberdade e autonomia, as quaisso lidas como resultado de um processo de aprendizado e desenvol-

    vimento histrico. O feminismo, assim, introduzido nesse modelo

    do processo de aprendizado como uma expanso da ideia de liberdadecomo autonomia que emerge no Renascimento europeu.65

    Na verso que Benhabib elabora dessa narrativa, entre os marcosda modernidade encontramos a emergncia de uma forma ps-con-

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    126 EMANCIPAO SEM UTOPIA: SUJEIO, MODERNIDADE E AS EXIGNCIAS NORMATIVAS DA TEORIA CRTICA FEMINISTA Amy Allen

    [66] Benhabib, 2004.

    [67] Ver Benhabib, 2004, p. 299.

    [68] Benhabib, 2004, p. 293; ver

    tambm Benhabib, 2002, p. 94-100.

    [69] Benhabib, 2004, p. 293.

    vencional secular e autnoma da identidade individual. Autonomia,nesse sentido moderno, compreende as seguintes capacidades: tomaruma distncia crtica de suas prprias crenas e comprometimentos(reflexividade); entender suas prprias crenas e comprometimentos

    como um conjunto particular de crenas e comprometimentos entreoutros (pluralizao); e diferenciar as crenas que se referem ao mun-do subjetivo, mundo intersubjetivo e mundo objetivo (descentrali-zao).66A suposio de que essa forma de identidade constitui umavano sobre formas anteriores de vida emerge claramente, de modobastante irnico, na tentativa de Benhabib de defender a teoria crti-ca habermasiana contra as crticas feministas ps-coloniais.67Nessecontexto, Benhabib defende o direito de garotas muulmanas vesti-rem o vu nas escolas francesas com o argumento de que tal ao as

    envolve na esfera pblica de uma democracia secular liberal, desafian-do-as a oferecer um relato do significado de suas aes e de suas razespara isso e, assim, engajando-as em um processo saudvel, multicul-tural e de mltiplas fs, ao longo do qual os sentidos so negociados,articulados e examinados.68Tal discurso no requer que essas garo-tas muulmanas abandonem o ncleo de suas crenas religiosas, masas fora a desenvolver uma relao mais reflexiva com sua f e suasreivindicaes identitrias, sujeitando suas crenas religiosas, comotodas as crenas religiosas em uma sociedade democrtica pluralis-

    ta, a uma prtica de dar razes que exerce sobre elas uma pressoelevada para a justificao.69Para os crticos que enxergam a uma

    protestantizao do isl ou um passo na direo da criao de um eu-roisl, Benhabib responde que isso representa um ganho para o isl,tal como o Esclarecimento teria sido para o cristianismo e o judas-mo essas religies, sob a presso da emergncia do pensamentoiluminista no sculo xviii, se abriram s foras da descentralizao,da reflexividade e da pluralizao, o que as levou dessa maneira a setransformarem por dentro.

    Mas para ver isso como um ganho geral, Benhabib tem de admitirque a reflexividade, o pluralismo e a descentralizao so capacidadesindisputavelmente vlidas, devendo ser adquiridas e desenvolvidaspor membros de culturas tradicionais ou grupos religiosos. Ao es-tipular que essas so capacidades que emergem no, e atravs do, pro-cesso de modernizao, Benhabib assume tambm a superioridadedesenvolvimentista do ponto de vista da modernidade na medidaem que este ltimo habilita as capacidades para a reflexo, a descentra-lizao e a pluralizao. A afirmao tcita da superioridade do ponto

    de vista moderno tambm emerge na reivindicao de Benhabib deque, como feminista, faz parte de sua responsabilidade julgar as prti-cas de grupos culturais que subordinam as mulheres; abster-se de umengajamento crtico em todas essas prticas seria equivalente a negar

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    [70] Benhabib, 2005, p. 758.

    [71] Chakrabarty, 2008, p. 238.

    [72] Narayan, 1997.

    [73] Zerilli, 2009, p. 297.

    [74] Ver Mahmood, 2005, p. 197-198.

    [75] Mahmood, 2001, p. 225.

    que somos contemporneos morais em uma sociedade civil global.70

    No entanto, ao assumir a superioridade do desenvolvimento damoderna perspectiva do Esclarecimento europeu, Benhabib trata osgrupos culturais cujas prticas ela considera necessrio avaliar no

    propriamente como contemporneos morais, mas sim como aquiloque Dipesh Chakrabarty chama de encarnaes humanas do princ-pio do anacronismo.71Isso no quer dizer que as feministas nuncadevam julgar as prticas ou normas de gnero das culturas ou socie-dades diferentes das suas; como Linda Zerilli argumentou persua-sivamente apoiando-se no trabalho de Uma Narayan,72tal recusaem julgar pode ser to condescendente como a pressa em julgar.73Isso quer dizer que, no importa quais julgamentos faamos, elestero de ser baseados em uma compreenso genuna das outras for-

    mas de vida que procuramos avaliar, bem como no reconhecimentode que a pressa em julgar impede tal processo de entendimento.Em outras palavras, temos de abordar outras formas de vida comhumildade e abertura para o que podemos aprender e desapren-der sobre ns mesmos com o encontro, e no apenas o que elespossam apreender conosco.74Mas isso exige aceitar a suposiode que nossos comprometimentos normativos inclusive nossosengajamentos em uma concepo particular de emancipao comosendo central para o feminismo sero necessariamente susten-

    tados [vindicated] em e atravs de nosso encontro com o Outro.75Isso, entretanto, exige que se abandone, ou ao menos se suspenda,a suposio da superioridade desenvolvimentista do nosso pr-prio ponto de vista.

    O que pode ento restar da noo de emancipao no despertardessa crtica feminista ps-colonial? Temos de considerar que essacrtica da emancipao que surge do primeiro desafio esboado acima

    aquele que ressalta o entrelaamento dos discursos de emancipaocom formas problemticas do feminismo imperialista e do homona-

    cionalismo acusa uma concepo particular de emancipao queest atrelada noo liberal de liberdade negativa. A suposio quepropulsiona os discursos do orientalismo com vis de gnero, anali-sados por Abu-Lughod e Mahmood, que as mulheres precisam seremancipadas de um isl retratado como opressivo. Essa suposiono apenas funde todas as instncias de opresso que ocorrem nassociedades islmicas com o isl por si s como tambm pressupe queser livre ou emancipado significa ser secular, ou pelo menos manterum comprometimento religioso de uma maneira reflexiva e pluralista.

    Notem que essa crtica no considera que a ideia negativista de eman-cipao implique a minimizao da dominao que articulei anterior-mente com base no ltimo Foucault. Sem dvida, como as crticas de

    Ann Stoler apontaram, o prprio Foucault pode ser culpado de su-

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    128 EMANCIPAO SEM UTOPIA: SUJEIO, MODERNIDADE E AS EXIGNCIAS NORMATIVAS DA TEORIA CRTICA FEMINISTA Amy Allen

    [76] Stoler, 1995.

    [77] Foucault, 1977.

    [78] Allen, no prelo.

    [79] Foucault, 1994, p. 126.

    [80] Foucault, 1994, p. 126-127.

    cumbir a formas problemticas de orientalismo,76e tende a pressuporum ponto de vista ocidental ou moderno, europeu, insuficientementeproblematizado, como base para sua anlise do poder. No entanto, seuideal negativista de emancipao, entendido como a transformao de

    um estado de dominao em um campo reversvel e mvel de relaesde poder, pode render frutos mesmo depois do despertar da crticafeminista ps-colonial acima esboada desde que esteja enraizadoem um entendimento mais preciso que aquele fornecido pelo prprioautor acerca desse tipo de dominao imperialista ps-colonial.

    Outro aspecto da noo de emancipao de Foucault sua ausn-cia de referncia a uma concepo positiva de utopia torna-o sens-

    vel ao segundo desafio esboado acima. Esse movimento no apenasevidencia o comprometimento do autor com a ideia de que no h

    nada fora do poder, mas tambm sinaliza sua ruptura com um tipo defilosofia da histria ligada noo de progresso, a qual continua a pro-pulsionar os aspectos utpico-antecipatrios da teoria crtica nos tra-balhos dos tericos contemporneos da Escola de Frankfurt apesarda rejeio de Habermas, Honneth e Benhabib de uma filosofia da his-tria clssica. Em contraste com aqueles que baseiam suas aspiraesutpico-emancipatrias em uma leitura progressiva da ascenso doEsclarecimento europeu como resultado de um processo (certamentefrgil e contingente) de aprendizagem histrico, Foucault resoluta-

    mente recusa os dois movimentos: de um lado, famosa (ou infame,dependendo do ponto de vista) sua recusa de ler a histria do Esclare-cimento como uma narrativa do progresso;77de outro, ele evita apoiarsua compreenso da emancipao em uma viso da boa sociedade queencontra seus fundamentos normativos em uma leitura progressivado passado. Como argumentei com maiores detalhes em outro texto, afinalidade do mtodo filosfico-histrico de Foucault no sustentarnem subverter as nossas formas de vida presentes, mas sim proble-matiz-las ao abrir linhas de fragilidade e fraturas nas formas de

    vida.78Para Foucault, a funo do diagnstico explicativo do presenteno dar uma simples caracterizao do que somos.79Mas, ao se-guir as linhas de fragilidade no presente, tal diagnstico nos permite

    apreender por que e como aquilo que- pode no mais seraquilo-que-.Nesse sentido, qualquer descrio precisa sempre ser feita de acordocom esses tipos de fratura virtual que abrem o espao de liberdadeentendido como um espao de liberdade concreta, ou seja, de possveltransformao.80Essas linhas de fragilidade e fratura fornecem ummodelo para pensar como os estados de dominao podem ser trans-

    formados em campos mveis e instveis de relaes de poder dentrodos quais a liberdade pode ser praticada.

    Para a tarefa de abrir linhas de fragilidade e fratura, Foucault apelano ideia de utopia, mas de heterotopia. Em contraste com as uto-

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    NOVOS ESTUDOS 103 NOVEMBRO 2015 129

    [81] Foucault, 1986, p. 24.

    [82] Muoz, 2009, p. 22.

    [83] Munz, 2009, p. 30.

    [84] Muoz, 2009, p. 12.

    pias, que seriam espaos irreais ou imaginrios que projetam a ima-gem de uma sociedade em sua forma perfeita, as heterotopias soespaos reais que servem como contralocais nos quais a sociedadeda qual eles fazem parte pode ser representada, contestada e inver-

    tida.81Heterotopias servem como um espelho para nossa forma devida, abrindo em seu interior uma fratura que cria um tipo de distnciavirtual entre ns mesmos e nossa forma de vida. Essa distncia oconcreto espao de liberdade.

    Talvez no faa mais sentido chamar o modelo crtico apresenta-do aqui de utpico-antecipatrio. Certamente ele antecipatrio e

    utpico em sentidos muito diversos daqueles em que Benhabib, porexemplo, utiliza esses termos. Considero, no entanto, que ele mui-to prximo de um tipo de utopismo ou futuridade queerarticulado

    por Jos Muoz. Apoiando-se no trabalho da tradio mais antiga daEscola de Frankfurt, no trabalho de Ernst Bloch e Theodor Adorno,Muoz entende o utopismo queercomo sendo animado por um olharposterior dirigido a diferentes momentos, objetos e espaos que pos-sam nos oferecer uma iluminao emancipatria daquilo que queer(queerness).82Para a utopia queer, voltar-se quilo que Bloch chamade no-mais-consciente o caminho essencial para se chegar ao ain-da-no-l. Essa manobra, a virada para o passado com fins de criticaro presente, propulsionada pelo desejo de futuridade.83Apesar de

    Muoz apresentar sua avaliao da futuridade utpica queercomoum antdoto para o antiutopismo reflexivo, que frequentemente nopassa da invocao habitual das devoes ps-estruturalistas,84suaavaliao ressoa profundamente como se fosse uma concepo de cr-tica articulada por um dos mais proeminentes ps-estruturalistas: acrtica consiste em escrever uma histria do presente capaz de abrirem seu interior linhas de fragilidade e fratura que sejam tambmespaos de iluminao emancipatria, espaos que nos habilitem atransformar estados de dominao em campos reversveis e mveis de

    relaes de poder, e a praticar a liberdade nesses campos.

    EMANCIPAO SEM UTOPIA

    A discusso acima sugere que a teoria crtica da Escola de Frankfurtcontempornea poderia, em certo sentido, ser vista como demasiada-mente utpica e, em outro sentido, como insuficientemente utpica.Se, como Brown sugere, sua concepo normativa da boa sociedade articulada de um ponto de vista que reivindica estar para alm ou

    fora das relaes de poder, essa concepo responsvel por proje-tar uma viso de bem associada ao fundamentalismo, sendo, nessesentido, excessivamente utpica. Se, por outro lado, sua viso da boasociedade tira sua fora normativa de uma leitura da histria vincula-

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    130 EMANCIPAO SEM UTOPIA: SUJEIO, MODERNIDADE E AS EXIGNCIAS NORMATIVAS DA TEORIA CRTICA FEMINISTA Amy Allen

    [85] Ver Kompridis, 2006.

    [86] Muoz, 2009, p. 22.

    [87] Butler, 1995.

    [88] Ver Tully, 2008.

    [89] Essas duas caracter sticas

    aproximam Foucault do trabalho de

    Adorno, conforme argumento com

    maiores detalhes em Allen, no prelo.

    da a uma concepo de progresso e desenvolvimento, isso pressupeuma leitura fechada da histria de acordo com a qual nossa formade vida representa o ponto final desse desenvolvimento progressi-

    vo, estreitando o horizonte poltico para uma tentativa de realizao

    mais completa dos ideais e princpios normativos da modernidade.85Desse modo, a teoria crtica em seu sentido habermasiano e ps-ha-bermasiano est comprometida com o que Muoz chama de tempocontnuo (straight time), seguindo uma ordenao linear, progressivae temporal do passado, do presente e do futuro e, assim, dizendo-nosque no h nenhum futuro a no ser o aqui e agora da nossa vida coti-diana.86O que estaria excludo aqui a possibilidade de uma formamais radical de transformao social que no seja necessariamente en-tendida, pelo menos do ponto de vista do futuro, como uma regresso.

    Foucault oferece um modelo alternativo da crtica utpico-eman-cipatria, enraizada em uma ideia de emancipao que negativistaem dois sentidos inter-relacionados: extrai suas atitudes normativasdo objetivo negativo de transformar estados de dominao em cam-pos reversveis e mveis de relaes de poder; isso evita que se assumauma viso concreta de utopia isenta de poder. Ao faz-lo, ele evita aacusao de compactuar com o fundamentalismo, ou de se engajarem um derradeiro jogo de poder ao tentar se colocar para alm dele,no domnio daquilo que Habermas chama de fora no coercitiva do

    melhor argumento.87Isso tambm oferece uma concepo de eman-cipao que no se apoia, nem tampouco refora, o tipo de leitura pro-gressiva da histria que faz com que algumas verses da teoria crticacompactuem com o imperialismo informal.88A concepo peculiarde Foucault sobre a emancipao sem utopia fornece uma viso queerheterotpico-utpica que trabalha abrindo as linhas de fragilidade efratura no presente que servem como sinais ou iluminaes antecipa-trias de outros mundos possveis. Esses sinais no so vislumbres deformas de vida livres de poder, mas, ao contrrio, matizes de luz lan-

    ados pelas linhas de fragilidade e fratura abertas dentro dos estadosde dominao, os quais do indicao de como tais estados podem sertransformados em campos mveis e reversveis de relaes de podernas quais a liberdade pode ser praticada.89Assim, Foucault preserva omomento utpico-antecipatrio da crtica, mas sem cair na armadilhade ser muito ou insuficientemente utpico.

    Iniciei este texto esboando um paradoxo: a teoria crtica feministaprecisa tanto de um diagnstico explicativo quanto de elementos ut-pico-antecipatrios para ser verdadeiramente crtica e verdadeiramente

    feminista. Afirmei tambm que fazer justia ao primeiro aspecto da cr-tica, ao oferecer uma anlise detalhada e precisa do funcionamento dasrelaes de poder de gnero em toda a sua profundidade e complexidade,parece minar a prpria ideia de emancipao na qual a dimenso utpi-

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    co-antecipatria repousa. Espero ter mostrado que podemos encontrarno trabalho de Foucault na sua concepo negativa de emancipaosem utopia e em sua abordagem queer-heterotpica da crtica ferra-mentas para repensar esse paradoxo. Meu argumento geral neste tex-

    to foi que existe uma concepo de emancipao e, portanto, de crticautpico-antecipatria que pode sobreviver a um diagnstico sofisticadoe repleto de nuances da dominao de gnero, uma vez que essa concep-o se intersecciona com as dinmicas ps-coloniais e neoimperiais. Noentanto, quero concluir sugerindo que o paradoxo desenhado acima enraizado em uma tenso essencial e irreconcilivel entre o real e o ideal,e que essa mesma tenso que propulsiona a crtica. Sendo assim, a pr-pria resoluo desse paradoxo no pode ser reformular um ou outroaspecto da crtica a ponto de dissolver a tenso; faz-lo seria cortar as

    razes ou dissipar o frisson que a impulsiona. O melhor que podemosesperar descobrir como fazer desta uma tenso produtiva para a teoriacrtica feminista.

    Amy Allen professora de filosofia no Dartmouth College.

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