allan eckert_aconteceu em hawk's hill

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LIVRO

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ACONTECEU EM HAWK'S HILL Allan Eckert

O mundo confinado do pequeno Benjamin MacDonald reduziase s gramneas da pradaria e s elevaes rochosas da terra por onde corria o rio Vermelho. Ben, que gostava de seguir os ratos dos campos e de observar as aves, sentiase muito mais feliz a falar com os animais do que com as pessoas.Tmido, de estatura inferior ao normal, obcecado pela vida dos animais, o mais novo dos MacDonalds era considerado "diferente" facto que criava problemas tanto em famlia como com a vizinhana. Foi ento que, naquele Vero, tendo Ben seis anos de idade, um acontecimento arrepiante e dramtico Lhe trouxe, a ele e a toda a sua famlia, uma prova de f, de amor e de coragem.Baseado num incidente real, este relato da extraordinria provao de uma criana num meio agreste tornase, nas mos de Allan Eckert, a histria dura, terna e incrivelmente comovedora do desenvolvimento da unio de uma famlia. K Verdadeiramente memorvel... destinado talvez a tornarse um clssico." Times de Louisville (Kentucky) " Um grande livro... a observao da vida animal realmente atenta e exacta e a aventura deliciosamente estranha.", Suplemento literrio de The Times (Londres)

PRLOGO

Esta histria uma verso ligeiramente romanceada de um incidente que realmente ocorreu no Canad, em 1870.Nesse ano, cerca de trinta quilmetros ao norte de Winnipeg, as plancies pelas quais corria o rio Vermelho eram ainda em grande parte desertas. Aqui e alm surgiam trigais cuidadosamente semeados em esquadria, mas na sua maior parte as colinas suavemente abauladas encontravamse ainda revestidas do seu traje original de gramneas pontuadas por agrestes formaes rochosas. Numa dessas colinas erguiase um grupo de edifcios uma casa principal, um amplo celeiro, numerosos telheiros e edifcios anexos. Sob muitos aspectos o conjunto era ainda imperfeito e mstico, mas, tal como a prpria superfcie da terra, todos os anos se alterava.Este conjunto formava a herdade de William MacDonald.Vinte anos atrs, MacDonald e sua mulher, recmcasados, oriundos de Toronto, haviamse estabelecido na regio sabendo apenas que queriam colonizar novas terras algures na rea de Winnipeg, embora nenhum deles conhecesse a zona. Animava a ambos a certeza de que, quando chegassem ao lugar certo, imediatamente o reconheceriam. Haviam sido informados de que a nica terra da pradaria que no fora objecto de reivindicao se situava a norte, ao longo da margem ocidental do rio Vermelho, nos cinquenta quilmetros abaixo onde comeava a floresta. Mas s no seu segundo dia deviagem a regio se patenteou ante eles, oferta instalao de colonos.Ao anoitecer desse dia, cansados de caminhar ao lado dos bois, que avanavam lenta e penosamente, tinhamse detido para descansar no cimo daquela colina. Permaneceram tranquilamente enlaados, formando um belo par. William MacDonald, alto e rijo, com um rosto de traos correctos e um olhar que reflectia simultaneamente fora e calma, era de uma robusta ascendncia escocesa. O seu carcter harmonizavase com o de sua mulher, Esther, de corpo esguio e cabelo"escuro, olhar inteligente e doce, cujos atractivos nem mesmo o cansao desgastante daquela longa jornada conseguia diminuir.Enquanto permaneciam assim silenciosos, deixando o seu olhar vaguear por aquela solitria mas agradvel paisagem, ouviram um grito, um penetrante cri, cri, cri, lmpido como o som de uma campainha. Ambos ergueram os olhos e viram uma magnfica guiadecaudavermelha e asas abertas descrevendo crculos suaves. William e Esther MacDonald olharamse e, sem pronunciarem uma nica palavra souberam que era aquele o lugar. Chamaramlhe Hawk's Hill (A Colina da guia). E, medida que se apossavam da terra, tambm a terra se apossava deles e eles se tornavam parte dela, passando a amla com a intensidade feroz que o apangio do colonizador pioneiro.Quando ali chegaram, a maior parte da rea era ainda territrio ndio, percorrido por bandos errantes de crees que pescavam nas guas dos rios, caavam o bisonte nas plancies, montavam armadilhas s raposas, aos visons, aos castores, s lontras, aos texugos, s martas e a outros animais cuja pele vendiam aos homens brancos da Companhia da Baa de Hudson, que tinha direitos sobre todo aquele territrio. Em 1870, porm, a situao alterarase. Os ndios tinhamse deslocado para o Oeste, seguindo as manadas de bisontes, cujo nmero diminua progressivamente, at que na altura aqueles animais corpulentos e hirsutos e os pelesvermelhas que os caavam s raramente eram vistos. De facto verificavamse mudanas radicais. A Companhia da Baa de Hudson acabara de transferir todo o territrio para o governo canadiano. Em Forte Gany, em torno do qual estava a ser construdo Winnipeg, fora colocado um governador. Construamse estradas e a agricultura comeava a suplantar o comrcio de peles como incremento da economia. Corria que em breve uma linha frrea ligaria Winnipeg com o Leste. Quando tal acontecesse, a cidade rebentaria pelas costuras. Uma quantidade de outras pequenas comunidades surgia e com elas numerosas igrejas e escolas com um nvel de ensino razovel pagas pelos residentes.Uma dessas comunidades era North Comers, cuja escola era frequentada por trs dos quatro filhos dos MacDonalds: John, de dezasseis anos, Beth, de doze, e Coral, de nove. O mais novo, Benjamin, completaria seis anos no Vero de 1870. E, estranhamente, naquele perodo de desenvolvimento, em que a civilizao abria caminho atravs da agreste imensido canadiana, o problema mais grave da famlia MacDonald centravase neste filho mais novo.

Capitulo Um

BENJAMIN MacDonald seguia um rato, actividade que nada tinha de inusual, uma vez que Ben a praticava frequentemente. A criana tambm seguia aves, quando estas caminhavam em vez de voarem, bem como esquilos, lebres e quaisquer animais que se lhe deparassem. O pormenor estranho naquela situao no era tanto o facto de Ben seguir o rato como o de o rato estar obviamente a deixarse seguir.O pequeno roedor moviase calmamente, detendose aqui para farejar, ali para agarrar e mordiscar um gro de trigo cado do celeiro, de quando em vez erguendose nas suas patas traseiras para olhar sua volta, o focinho e as orelhas a agitaremse delicadamente enquanto ele apreendia o que o rodeava atravs do olfacto e da audio. A criana acompanhava cada um dos movimentos gatinhando atrs do rato. Quando este se detinha para morder um gro de trigo Ben parava tambm, sentandose sobre os calcanhares e mordiscando como o rato: A determinada altura o rato soltou um guincho agudo. Imediatamente, e numa imitao extraordinariamente perfeita, Ben emitiu o mesmo som. O pequeno roedor voltou a cabea e olhouo. Ben olhou para trs, No seria possvel prever por quanto tempo se prolongaria este jogo se no se verificasse uma interrupo. A determinada altura, porm, soaram passos pesados perto da porta, e o som familiar em voz baixa.A voz de William MacDonald ecoou no celeiro. Ben! Ben! Eu vite entrar, portanto no finjas que no ests a. Anda c.Quando o rapaz, que voltara a cabea ao ouvir o som da voz do pai, procurou de novo o rato com os olhos, o minsculo roedor desaparecera. Franziu o sobrolho, ergueuse relutantemente e, pestanejando quando saiu para a luminosidade da manh seguiu o pai at junto de sua me, que olhava em direco a leste contemplando a estrada marcada pelos sulcos das rodas dos carros. Estava no celeiro disselhe MacDonald. De gatas, como de costume. A sua voz reflectia desagrado. Esther MacDonald sacudiu levemente a cabea em direco ao marido e depois, sorrindo afectuosamente, acocorouse e estendeu os braos para o seu filho mais novo, to pequeno e franzino para os seus seis anos. Ben rodeoulhe o pescoo com os braos quando ela o enlaou e o beijou. Ela seguroulhe a mo e apertoua entre as suas. Depois indicou com a cabea um homem montado a cavalo e acompanhado por um co que seguia pela estrada. Mr. Burton disse. O teu pai encontrouo quando voltava de Winnipeg, e ele disseLhe que vinha c esta manh. Agora ele o nosso vizinho mais prximo, e o teu pai quis que ns o conhecssemos. Ben, ns gostvamos que tu comeasses ainteressarte pelas pessoas tanto quanto pelos animais. E eu gostava que cumprimentasses Mr. Burton como um homenzinho. Fazes isso pela me?O olhar de Ben fixouse por instantes no cavaleiro. Depois a criana sacudiu a cabea e baixou os olhos. Esther suspirou. Que que esperavas? perguntou o marido numa voz triste. Um milagre? Will, ele ainda muito pequeno. D tempo ao tempo.MacDonald suspirou.Eu sei, eu sei. Tu dizes sempre isso. Mas difcil terpacincia. Bem, vamos ver o que quer Burton.George Burton, descontraidamente montado sobre o cavalo,aproximavase dos MacDonalds. Acompanhavao um enorme copardo, que no revelava qualquer mansido. Era bvio que o dono apenas refreava os mpetos de violncia do animal custa de ordens constantes e ameaadoras, em voz baixa.Burton era um comerciante de peles com a rudeza e o desleixo tpicos dos habitantes daquela regio fronteiria. Era um homem espadado, com uma hirsuta barba negra a revestirLhe o que parecia ser um queixo sem energia. Os seus olhos nunca fitavam de frente os dos seus interlocutores, o que criava uma incmoda impresso de falta de carcter.MacDonald teve de repetir para si mesmo que no era justo julgar uma pessoa que apenas conhecia h alguns meses e com quem trocara apenas um escasso nmero de palavras. No entanto, algo naquele homem o fimtava. Era em parte a sua cordialidade, que no parecia sincera; em parte tambm o facto de Burton se ter limitado a declararlhe que iria visitlos, sem previamente lhe perguntar se o podia fazer. E dizase que Burton era um covarde e um jactancioso, que fora despedido da Companhia da Baa de Hudson por fraude.Tanto quanto se sabia, caara por sua conta durante anos, a norte e a oeste de Winnipeg, at ser obrigado a abandonar a regio, que a sua brutalidade para com os ndios tornava perigosa. Esta a razo por que, segundo se dizia, se fazia sempre acompanhar pelo corpulento co, que, de acordo com o que corria, matara um ndio que uma noite aparecera furtivamente perto do acampamento de Burton, dilacerandolhe o pescoo.Embora duvidasse da veracidade desta histria, MacDonald no deixava de desconfiar do virulento canino. E, quer tivesse ou no adquirido o dinheiro recorrendo a meios fraudulentos, Burton dispunha obviamente de uma soma suficientemente avultada para, quando comprara a herdade de Cecil, que confinava a sul com as terras de MacDonald, se vangloriar de que tencionava tornarse um proprietrio rural.Quando Edgard Cecil, que ficara mutilado em consequncia de uma queda de cavalo, considerara prefervel para a famlia vender a sua herdade, MacDonald sentirase tentado a comprar as terras. Arrependiase agora de o no ter feito. A terra era boa, e a substituio de Cecil por Burton como vizinho no oferecia quaisquer vantagens. Bem, agora era demasiado tarde. William MacDonald resolveu ignorar os rumores e envidar todos os esforos para manter boas relaes com um novo vizinho. Quando Burton desmontou, MacDonald sorriu com uma cordialidade que no correspondia aos seus sentimentos e apertou a mo do visitante. O corpulento co, notou, mantinhase rgido, alerta, ao lado do cavalo. Esta a minha mulher, Esther apresentou MacDonald; a quem agradou constatar que Burton era pelo menos suficientemente corts para retirar o chapu e saudar Esther com um "minha senhora" respeitoso. Os outros pequenos, John, Beth e Coral, esto na escola em North Corners, e este o nosso filho mais novo, Benjamin. Ah, Benjamin? Burton teve um sorriso aberto e parecia prestes a estender a mo ao rapaz quando o co, sbita e inesperadamente, se precipitou para Ben.- Lobo" ! gritou Burton.Procurou agarrar o co quando este passou por ele, mas no o conseguiu.O co estava exactamente em frente de Ben, os dentes arreganhados, rosnando ameaadoramente. E ento, igualmente sbita e inesperadamente, a agressividade do animal desapareceu abruptamente e a cauda que pendia quase rente ao cho agitouse ligeiramente, enquanto o rosnar era substitudo por um gemido quase inaudvel.Ben no revelara o mais leve vestgio de medo. Avanara ao encontro do co, puserase de gatas e emitira um queixume semelhante ao de "Lobo", Depois ergueuse at aproximar o seu nariz do focinho do co. "Lobo" gemeu de novo, desta vez emitindo um som mais profundo, e Ben respondeu no mesmo tom. Toda esta breve cena decorrera no espao de segundos. Burton avanou ento, agarrou o co pelo cachao e arrastouo para junto do cavalo, ordenandolhe: Sentate ! Quieto !Depois disse, numa voz que reflectia estupefaco: Meu Deus, inacreditvel. "Lobo", nunca deixou ningum aproximarse dele seno eu. Foi ensinado a ser mau. Garanto que apanhei um bom susto. No duvidei de que ele se ia atirar garganta do pequeno. Sacudiu a cabea hirsuta e olhou para Ben, que se erguia de novo. "Lobo", deve ter percebido que o rapaz era apenas um beb. Que idade tem ele?MacDonald, ainda no completamente refeito, respondeu, de dentes cerrados: Seis anos. Seis!? Burton contemplou Ben, a sua prpria contextura macia acentuando a pequenez da "criana. Seis! Pegou em Ben e ergueuo acima da sua cabea. Meu Deus, rapaz, tu pareces um pequeno cabide vestido. E balouou a criana uma ou duas vezes, como que avaliando o peso de um objecto. No h dvida, o pequeno no pesa muito mais do que a maior parte dos texugos que tenho apanhado e pesa menos que um castor.O mau cheiro que o homem exalava enjoava Ben, e a sua voz troante e as liberdades que ele tomava aterrorizavamno, mas, embora se agitasse desesperadamente para se libertar, no pronunciou uma palavra. William MacDonald parecia prestes a interferir quando o caador, por entre gargalhadas ruidosas, pousou a criana, que correu a refugiarse no celeiro, escalando num pice a escada que conduzia ao palheiro e enfiandose entre o feno colocado junto parede da frente, donde podia espreitar, atravs de uma larga fenda nas tbuas, os adultos que se encontravam no exterior.Quando notou que nem William nem Esther MacDonald partilhavam do seu divertimento, George Burton deixou abruptamente de rir. Parece que assustei o pequeno. Peo desculpa. Mas noparecia arrependido. que no consigo perceber como que ele e "Lobo," se entenderam. Aquele garoto falou com "Lobo",. Como que ele fez isso? Ben gosta de animais. De todos os animais. E eles parecem perceber que ele no lhes faz mal. Mesmo animais selvagens? Burton mostravase cptico. Sim, mesmo esses. Esther parecia arrependida do que dissera. E eles tambm no tm medo dele. E fala com eles? Bem, imita os sons que eles fazem, mas.. Fala com os animais! Burton fez soar um estalo com a lngua e olhou MacDonald. Seis anos, foi o que disse? Nunca o diria. muito pequeno para a idade que tem. Tem seis anos repetiu secamente MacDonald. pequeno e tmido, mas o mais novo e passa muito tempo sozinho. No convive muito. Queria falar comigo sobre alguma coisa? Queria, MicDonall, estava a pensar... MacDonald interrompeu o agricultor com firmeza , no MicDounall. Diabos me levem. Burton deu uma palmada na coxa. - No h dvida que comecei mal. Peo desculpa outra vez. Vim aqui para... bem, estava a pensar "se voc coloca algumas armadilhas na sua terra. No respondeu MacDonald. Dedicamonos exclusivamente agricultura. Semeamos trigo e alguns legumes. E criamos alguns carneiros. Porqu? Bem, estava a pensar, sendo ns vizinhos, se no se importaria que eu colocasse armadilhas na sua terra.MacDonald ficou surpreendido. Ouvi dizer que voc tencionava dedicarse agricultura. Tenho estado a tentar respondeu Burton com um esgar , mas no me parece que tenha nascido para ser lavrador. Acho que vou limitarme a viver daquilo que tive a sorte de ir poupando mais qualquer extra que consiga arranjar colocando algumas armadilhas por a, talvez num crculo de trinta a cinquenta quilmetros, se pudesse entrar um pouco nas suas terras. No obstante a sua reaco imediata ser a de recusar, MacDonaldacabou por fazer um gesto vago de assentimento. Est bem assentiu lentamente , no vejo qualquer inconveniente. Mas no queria. que colocasse armadilhas nas proximidades, pois Ben podia ser apanhado. Voc de facto um bom vizinho. No tenha qualquer receio de que o pequeno possa ser apanhado. No vou colocar armadilhas seno a alguns quilmetros desta casa. De acordo? Est bem. Aps um breve silncio, MacDonald acrescentou com mal contida relutncia: Estou a esquecer as regras bsicas da cortesia. No quer entrar para tomar qualquer coisa? No h dvida de que escolhi um bom vizinho. O riso de Burton estrondeou. Agradeolhe, mas no, acho que eu e aqui o "Lobo," vamos andando. Foi um prazer conhecla, minhasenhora. Inclinou a cabea em direco a Esther. No sou pessoa para me esquecer de um favor.William e Esther ficaram a observlo a afastarse ao longo da estrada. Achas que fizeste bem? perguntou Esther suavemente. - Depois de tudo o que ouvimos a respeito dele?... Will, ele... ele assustame.MacDonald dirigiulhe um olhar rpido. Nunca at hoje condenei um homem com base no que se dizdele, e no tenciono fazlo agora. Um homem tem o direito de ser julgado pelos actos que comete e no pelos que outros lhe atribuem.Esther ruborizouse. No estou a basear em boatos os meus sentimentos para com ele. Simplesmente no gostei dele. Nem do co. E no gostei da maneira como pegou em Ben. E tambm no penso que tu tenhas gostado. Tens razo. No gostei. Mas.. bem, querida, talvez eleestivesse apenas a tentar mostrarse amvel. E pediu desculpa por ter assustado Ben. MacDonald sacudiu a cabea. J vi Ben quase to assustado por minha causa, portanto no vejo como que esse argumento pode ser usado contra Burton. Fez uma pausa, mas como Esther no respondesse, prosseguiu: Quanto a deixlo caar com armadilhas, no vejo inconveniente. Os nicos castoresvivem na zona arborizada ao norte, na ribeira do Lobo, e ele poder apanhar uma marta ou uma ou duas lontras descreveu com a mo um gesto abarcando a pradaria, mas no vai conseguir muito mais. Coiotes e raposas que rondam as colnias dos cesdapradaria e talvez alguns texugos. Para falar verdade, no me importava de me livrar de alguns texugos; j perdemos dois cavalos que partiram aspernas em tocas de texugos. verdade reconheceu Esther. Acho que estou a ser parva. Tambm no posso dizer que tenha gostado dele ou do co, mas ele no pediu grande coisa, Esther, e o mnimo que podemos fazer tentar cultivar boas relaes de vizinhana. Ele pode ficar por c muito tempo.Ergueu uma mo e cortoulhe a palavra quando ela tentou comear a falar. J sei, j sei o que ests a pensar. Mas Ben devia ter tido medo do co e no do homem. Foi uma estupidez dele prse de gatas diante de um animal daqueles. Que vamos ns fazer com aquele rapaz? Will, por favor. Ela tocoulhe levemente no brao. At agora Ben tem passado toda a vida na Colina da guia. A maior parte do tempo s, como disseste ao Burton, e por isso os seus amigos so os animais. Assim que, em Setembro, comear a ir escola, vais ver que fica mais acessvel.MacDonald bateu iradamente com o punho fechado na palma da outra mo. No. altura de enfrentarmos a situao, Esther. H qualquer coisa de estranho em Ben, para alm da sua timidez e da sua aparncia franzina. Porque que ele s fala por monosslabos? Porque que ele anda sempre sozinho, em vez de se juntar famlia quando estamos a fazer qualquer coisa em conjunto? No possvel comunicar com ele. E como que a escola o vai mudar se ele no falar com ningum a no ser contigo e com John e se se comportar como se as pessoas o aterrorizassem? Como que pensas que ele vai reagir na escola confrontado com crianas muito mais altas que ele? Ele s d pelos ombros a uma criana normal... William !A palavra ".normal", escaparaseLhe inconscientemente. Muito bem disse MacDonald, imediatamente contrito. - As crianas da idade dele so, em mdia, muito mais altas e... Subitamente bateu com a mo na nuca, num gesto de exasperao. Oh, Esther, de que que serve estarmonos a enganar? Ele no normal. V como ele procede com os animais. E como os animais reagem com ele. At eles sentem que ele diferente. Temos de admitir que... No! interrompeu Esther numa voz estridente. William MacDonald, ouve o que te digo. O nosso Ben no anormal. O que ele precisa do nosso amor e da nossa ajuda, e no de condenao e desespero.Ester Veio colocarse diante dele, de mos nas ancas. Tu queixaste de que s vezes ele olha para ti com medo. Eusei que verdade, e isso uma punhalada no meu corao masalguma vez perguntaste a ti mesmo porqu? Alguma vez tentastefalar com ele.Agora foi ela a cortarlhe a palavra quando ele comeou aobjectar. Espera. Eu disse falar com ele e no para ele. Alguma vez lhe ds a oportunidade de comunicar contigo? A abertura de que ele necessita? Quando que tu alguma vez lhe deste ouvidos? Quando lhe falas, o que raro, dslhe ordens! Colocaste em p na frente dele, dominandoo com a tua altura, como um gigante de mos atrs das costas, nunca tentas tocarlhe! E ordenaslhe que faa isto e aquilo. Alguma vez fizeste algum esforo para desceres, por pouco que fosse, at ao seu nvel? Quando foi a ltima vez que te puseste de ccoras para falar com ele? Ou que estendeste os braos para ele?Posso contar pelos dedos de uma das mos as vezes em que lhepegaste ao colo desde que ele saiu do bero. Quando foi a ltima vez que o felicitaste. pelo que quer que fosse?William MacDonald, que nunca vira Esther verdadeiramentezangada com ele, ficou sem fala. Os olhos dela dardejavam, eembora fosse consideravelmente mais baixa do que ele, Esthererguiase indignadamente sua frente, fazendoo sentirse diminudo Que que alguma vez deste de ti mesmo a Ben? continuouela. Desse amor que sentes pelo teu filho John no sobra nem um bocadinho para o teu filho Ben? Ele faz tanto parte da famlia, parte de ti, como os outros trs filhos!Interrompeuse abruptamente e levou os ns dos dedos boca.Soluos silenciosos sacudiramlhe os ombros. William rodeoulhe os ombros com um brao e ela enterrou o rostono peitilho da sua camisa. Permaneceram assim vrios minutos, aps o que ela ergueu a cabea e falou. Will, ele s vezes encolhese com medo de ti, verdade eu jo vi fazer isso, tal como tu. Mas vi outra coisa em que tu noreparaste. J o vi olharte com uma nsia que me quebra o corao. J o vi seguirte sem que tu o notes, tentando fazer o que tu fazes, de ser como tu. E vio sentarse sozinho e chorar. A voz quebrouselhe. Tal como tu, tambm eu no sei explicar por que motivo ele se comporta assim com os animais e eles reagem assim com ele. Porque que um animal selvagem deixa Ben toclo quando simples vista de qualquer um de ns corre a esconderse? No ser possvel que, de algum modo, os animais selvagens pressintam a solido dele e intuam que ele no representa qualquer ameaa? E no sentir Ben que, tal como ele, os animais so absolutamente impotentes perante ns? E com quem mais pode ele brincar? Talvez tudo isto seja idiota. Talvez haja outros motivos. Mas competenos a ns darlhe a compreenso de que ele necessita, e no nos limitarmos a desistir!MacDonald permanecia em silncio, embaraado por saber que ela falava verdade. Esther secou as faces com as costas de uma das mos. Prometi s crianas fazerlhes uma torta. melhor ir andando.Decorridos uns momentos MacDonald seguiua. Depois de os pais terem desaparecido no interior da casa, Ben afastouse da fenda na parede do celeiro atravs da qual estivera a observar e a ouvir. Inconscientemente levou as mos aos sovacos, por onde Burton o segurara. Estremeceu. Antipatizara com o homem apenas o vira sentimento que rapidamente se transformara em dio. O prprio cheiro do homem lhe causara nuseas. Despiu a camisa e enterroua sob o feno. George Burton tocaraa. Estava decidido a nunca mais voltar a vestila. Percebia, da conversa que ouvira, que o pai autorizara Burton a colocar armadilhas nas suas terras. O pensamento de algum sobretudo aquele homem poder apanhar um animal selvagem assustava Ben. Depois de Burton se afastar ouviu os pais falarem em mandlo para a escola no Outono e observouos atentamente, muito Deliberadamente mais absorvido em testemunhar a ira de sua me do que as palavras que eles trocavam. Tambm o assustou constatar que ela, sempre to meiga, podia encolerizarse tanto. Quanto escola Ben no deixava de querer frequentla tal como Coral, Beth e John. No entanto, tambm a perspectiva de ingressar na escola o preocupava. Preferia continuar a viver como at ento, observando e seguindo os animais da herdade e aprendendo por si mesmo a conhecer as suas caractersticas e os seus hbitos. Na companhia deles tinha possibilidade de experimentar uma sensao de parentesco e uma ausncia do medo que to facilmente o dominava na presena de pessoas. Ben no imaginava sequer os motivos por que receava tanto as pessoas. No era, como o seu pai parecia pensar, atrasado nos seus processos mentais. Era, pelo contrrio, inteligente. Conseguia raciocinar e relacionar com extrema facilidade para a sua idade e retinha uma quantidade surpreendente de informaes que aprendia de sua me e dos outros. Simplesmente, guardava para si o que aprendia. Sentia sempre que as pessoas o foravam, tentando arrancar dele mais do que ele queria dar, ou se impacientavam com o que ele calava.O pai era o mais intimidante; era to grande, to exigente e mesmo to... ameaador. Coral, de nove anos, era a irm mais prxima da sua idade, de quem ele gostava bastante e com quem por vezes conversava, embora no tanto quanto ela gostaria. Mas partilhavam de facto de uma espcie de relacionamento. Com Beth, de doze anos, no mantinha qualquer espcie de comunicao. Ela revelava uma acentuada superioridade para com ele e irritavase quando ele a ignorava, o que determinava que a ignorasse ainda mais acintosamente. Por outro lado, sentia uma grande atraco por John, e imitava o irmo mais velho tal como imitava os animais, embora a maior parte das vezes John no tivesse conscincia do facto. John tentava ajudlo, o que Ben sabia e apreciava. Mas mesmo com John experimentava uma sensao de prudncia e de reserva. Eram todos mais velhos do que ele, sabiam tudo quanto ele sabia e muito mais, portanto que podia dizer que eles desejassem ouvir?S com sua me, quando estavam sozinhos os dois, se abria inteiramente. Conversavam e ela lialhe textos e explicavalhe coisas, sempre meiga, sempre paciente, nunca o forando. Apenas ela parecia compreender o seu amor pelos animais e a sua necessidade de isolamento.Ben desceu lentamente a escada do palheiro, imerso nos seus pensamentos, o sobrolho franzido", Detevese alguns minutos porta do celeiro, observando uma enorme galinha branca a esgaravatar o terreiro cacarejando alegremente e debicando as sementes que encontrava e os insectos que conseguia desalojar. Subitamente, Ben acocorouse e colocou as mos nos sovacos formando com os braos como que umas asas. Depois avanou na sua direco, bamboleandose no jeito caracterstico dos patos e dos galinceos.A galinha viuo aproximarse e interrompeuse, erguendo a cabea. Ele detevese e levantou tambm a cabea, olhandoa. Ela esgaravatou o cho mais uma ou duas vezes. Ben imitoua. Quando ela cacarejou de novo, ele imitou o som com perfeio e avanou. Ento ela aproximouse dele, debicou a extremidade, que se arrastava pelo cho, do cinto de couro que lhe prendia as calas e comeou a afastarse.O jogo comeara. Ben seguiua. CERCA de dois quilmetros a norte da Colina da guia um afloramento de escarpados rochedos cinzentos destacavase sobre o verdeesmeralda das gramneas da pradaria. Os rochedos amontoavamse desordenadamente, como se a mo de um gigante os tivesse deixado cair numa formao que ocorria com frequncia a espaos nesta vasta regio. Um destes rochedos encontravase a cerca de trinta metros dos restantes, como se se tivesse desmoronado e rolado por si s. Abruptamente moveuse, mas s depois de percorrer trs metros ou mais se desvaneceu a iluso de que se tratava de um rochedo. Era um ser de carne e osso, coberto de pelagem.Tratavase de um corpulento texugofmea de quatro anos, baixo e entroncado, que pesaria uns dez quilos abonados. Tinha pernas curtas musculosas e patas enormes armadas de poderosas garras curvas, O corpo, cinzentopardo, era estufado de branco no focinho e no dorso, e os longos plos da sua felpuda pelagem encrespavamse sob a aco da brisa ligeira que os agitava. O animal inspeccionava cautelosamente a rea. Nesse dia percorrera um longo trajecto e desconhecia o territrio. Procurava um local apropriado para fazer uma toca, pois em breve daria luz.Cerca de quilmetro e meio a leste do local onde este corpulento texugofmea se encontrava, o rio Vermelho, em cujas margens as rvores se alinhavam, corria para norte, rumo ao lago Winnipeg. A sul erguiase a elevao suave da Colina da guia e um extenso trigal verde. A norte e a oeste estendiase a superfcie ondulante da pradaria, verdejante na Primavera, ocasionalmente interrompida por afloramentos rochosos como aquele. Ela ergueu as patas dianteiras do solo para observar a zona por sobre aquele mar de gramneas, e imediatamente as linhas do seu corpo se tornaram bastante ntidas. Assemelhavase a um pequeno urso, mas naquela posio erguida percebiase que era de facto um membro da famlia das doninhas, a segunda espcie de maiores dimenses da famlia, apenas suplantada pelo gluto. E, tal como os seus parentes, era carnvora e uma feroz lutadora.A experincia ensinaralhe que os cuidados que teria de dispensar s crias a impediriam de percorrer grandes distncias para caar as suas presas. Vira no muito longe uma colnia de cesdapradaria e sabia que os seus obesos residentes de caudas negras a sustentariam durante aquele perodo restrito. Sabia tambm que as suas crias, quando nascessem, seriam vulnerveis at terem crescido o suficiente para aperfeioarem as suas prprias defesas, e que aquela topografia ajudaria a proteglas. Se um filho se afastasse da toca e fosse atacado por algum predador, a pilha de rochedos constituiria um refgio adequado. Quanto a ela, no tinha medo; sempre que possvel, preferia a fuga luta, mas quando a batalha era inevitvel, era ela quem desferia o ataque, com uma fria temvel. Mesmo os linces mais corpulentos a deixavam em paz.Satisfeita com a inspeco, baixou as patas dianteiras e comeou a moverse, descrevendo crculos progressivamente mais amplos, de focinho rente ao solo. Os seus movimentos eram graciosos. Parecia quase deslizar sobre a terra. Depois detevese abruptamente e comeou a escavar. Com uma velocidade inacreditvel as suas poderosas garras dianteiras rasgavam a terra. Decorridos alguns momentos a sua cabea e quartos dianteiros haviam desaparecido. A espessa cauda escura, com apenas dez ou doze centmetros de comprimento, agitavase para trs e para diante enquanto ela cavava. Ao fim de uns instantes as patas traseiras comearam a ajudar, no s escavando como tambm lanando para longe a terra removida pelas patas anteriores. Em menos de dois minutos apenas os seus quartos traseiros eram visveis, e a terra que voava sua volta transformarase numa verdadeira chuva de granizo. A escavao prosseguia obliquamente, e quando a profundidade da abertura passou a impedila de arremessar para o exterior a terra removida, passou a recuar rapidamente, usando as quatro patas para empurrar a terra empilhada atrs dela at a poder lanar para o exterior.Por trs vezes, durante a primeira etapa da escavao, veio superfcie para se erguer sobre as patas traseiras e perscrutar os arredores. Nas duas primeiras no viu nada, mas terceira ficou a olhar, durante alguns minutos, um animal que se encontrava a cerca de uns setenta metros. Soltou um som baixo mas intenso, e o animal detevese, ergueuse e repetiu, como um eco, o chamamento dela. Era outro texugo o seu companheiro , que a seguira at quele local. Embora no a ajudasse a abrir a toca, permaneceria nas proximidades e, uma vez terminado o perodo de aleitao, traria presas para as crias ratos, esquilos e aves que nidificassem no solo. A fmea repetiu o chamamento, aps o que retomou a escavao.Embora desenvolvesse uma enorme energia, no afrouxava o ritmo. Continuou a escavar, rosnando, at atingir uma profundidade de cerca de metro e meio. Nessa altura passou a escavar no sentido horizontal durante aproximadamente mais trs metros. Depois comeou a alargar a cmara que constituiria a rea de residncia. Repetidas vezes recuou, empurrando a terra solta atrs de si at superfcie, onde as suas patas posteriores a pulverizavam sobre as gramneas, evitando assim que entrada da sua toca se acumulasse uma elevao de terra, como acontece nas colnias dos cesdapradaria. Quando escavava tocas temporrias para se abrigar no se preocupava em disseminar a terra to cuidadosamente. Agora, porm, o instinto advertiaa de que um montculo denunciaria a sua presena e poria em perigo as crias que em breve nasceriam.Ao cair da noite completara no s um tnel de quatro metros e meio, como tambm uma cmara circular, abobadada, com cerca de metro e vinte de dimetro e noventa centmetros de altura. A abertura da entrada, ao nvel do solo, media quase trinta centmetros do topo ao fundo e quarenta e cinco de largura, e estava to bem camuflada que mesmo a escassos metros de distncia era difcil descobrila.Ela emergiu ento da cavidade e afastouse, movendose atravs das gramneas. A cerca de nove metros detevese e sacudiuse vigorosamente, fazendo voar pedaos de terra presos sua pelagem. Em seguida continuou a avanar e subitamente lanouse para o lado com uma velocidade inesperada. Investiu e ouviuse um guincho curto e penetrante quando ela apanhou e esmagou um rato dos campos, que engoliu inteiro. Depois de lamber brevemente o focinho prosseguiu na mesma direco. A quinze metros da entrada da toca recomeou a escavar sem hesitao.Desta vez o tnel descia com uma inclinao mais pronunciada e era nivelado profundidade de metro e meio. Novamente o texugo trabalhou sem interrupes, ofegando, rosnando, emitindo sons raivosos sempre que encontrava uma pequena pedra, que depois comprimia firmemente contra a parede do tnel de terra hmida. Continuou a cavar este tnel rectilneo ao longo de aproximadamente doze metros, findos os quais a terra sua frente se desmoronou subitamente e ela desembocou na cmara principal da toca. Era uma extraordinria obra de engenharia, realizada sem o menor erro. O animal construra uma toca muito segura, com um tnel curto de acesso fcil e uma longa galeria para qualquer fuga de emergncia.Embora se sentisse exausto e a sua respirao fosse ofegante, o texugo no estava ainda preparado para descansar. Apenas a sua respirao se normalizou, saiu atravs da entrada principal e imediatamente comeou a arrancar com as garras, da base dos novos rebentos primaveris, molhos de gramneas secas do ano anterior. Reuniuos numa bola compacta que prendeu entre o queixo e o pescoo, servindose das patas anteriores como se fossem mos. Depois, lentamente, para no deixar cair a sua carga, recuou para a toca, onde comeou a desfazer a bola e a espalhar as ervas pelo cho. Ao romper do dia o solo da toca estava revestido de uma camada de quase um centmetro de espessura de gramneas secas e macias. E o texugo cobrira cerca de metade desse revestimento de gramneas com uma camada de musgo verde e esponjoso que encontrara nas terras sombrias e hmidas a norte do afloramento rochoso.Finalmente, enroscouse no ninho que construra e adormeceu. Em breve a sua terceira ninhada nasceria.Na sua primeira ninhada tivera trs filhos, cuja criao e treino decorreram sem problemas. Construra a toca a trinta quilmetros de distncia, na direco do noroeste, perto da floresta. Apenas uma vez, durante esse perodo, um perigo lhe ameaara a prole. Uma das suas crias, que acabara de sair da toca depois de se lhe terem aberto os olhos, quase fora apanhada por um lince; ela atacara o felino, obrigandoo a fugir aos uivos. Sara do recontro sem um pedao da orelha direita, arrancada pelos dentes do seu adversrio. parte esse rasgo, permanecera inclume.No ano anterior tivera a segunda ninhada. No escolhera com suficiente prudncia o local para a toca, que escavara perto de um rio o rio Lobo , o qual, depois de emergir da floresta, corria ao longo dos limites da pradaria. Poucos dias apenas aps o nascimento das crias desencadearase uma tremenda tempestade, que engrossara o rio, o qual inundara a cmara. Ela no conseguira salvar os filhos.No incio do ltimo ms de Dezembro acasalara novamente. Sendo o perodo de gestao dos texugos de apenas seis a oito semanas, as crias deveriam ter nascido em Fevereiro. Como, porm, naquela regio setentrional o Inverno uma poca rigorosa, aprouvera Natureza retardar o desenvolvimento dos embries durante dois ou trs meses. Consequentemente, agora, ao fim da primeira semana de Maio, o texugofmea estava prestes a parir a sua ninhada. Poderia ter at sete filhos ou apenas um, mas qualquer que fosse o nmero de crias proteglasia por todos os meios contra homens ou feras, mesmo a custo da sua prpria vida. E, com sorte, talvez esses filhos vivessem os catorze anos aproximados que representam a durao mdia da existncia de um texugo.Mas poucos animais selvagens qualquer que seja a espcie a que pertenam vivem uma vida to longa quanto possvel. Quase sempre esta interrompida por uma morte violenta. OBvIAmente, George Burton divulgara amplamente a notcia de que Ben MacDonald "falava com"os animais", tanto em Winnipeg como na pequena comunidade do entreposto comercial de North Corners. Nas seis semanas que se seguiram visita de Burton Colina da guia os MacDonalds receberam visitas em nmero superior s de todos os anos anteriores. Inicialmente a famlia ficou perplexa com todas aquelas atenes, mas em breve se tornou claro que o objectivo dos visitantes era ver Ben. Numa regio e numa altura em que as diverses eram em nmero reduzido, uma criana capaz de se comportar como os animais e de imitar os sons por estes emitidos valia uma viagem. Mas s num domingo, na igreja de North Corners, William e Esther MacDonald reuniram finalmente todas as peas do puzzle e chegaram concluso horripilante de que Ben estava a ser discutido como uma espcie de monstro ou de ser atvico, uma crianaanimal. Jurolhes que verdade afirmava nesse dia Hany Pollete"a um grupo restrito, aps o servio religioso. Claudia e eu fomos l a semana passada, e l estava aquela criana a falar com uma galinha! Os outros, Beth, Coral e John interrompeu Horace Deedly , so completamente normais. Tenho pena por eles, tenho mesmo. Quando lhes fazem qualquer pergunta sobre o comportamento do irmo mais novo, ficam atrapalhados. Quando l fomos, o nosso filho Elmer estava a brincar com John perto do celeiro quando Ben apareceu, gatinhando atrs de uma ovelha e balindo como ela. E quando Elmer desatou a rir e perguntou por brincadeira se estava a crescer l a Ben por debaixo das roupas, John ficou extremamente irritado e ameaou Elmer, mandandoo embora para casa.Claudia Pollete fungou em sinal de desprezo. H qualquer coisa que no regula bem na cabea daquele rapaz, e eu para j no quero os meus filhos ao p dele. Os MacDonalds deviam ter suficiente respeito pelos outros para no trazerem um aborto daqueles para junto de pessoas normais.Isto, e muito pior, ouviram os MacDonalds quando vinham a sair da igreja. Uma presso suave no brao impediu William de tomar uma atitude que, Esther sabiao, ele lamentaria mais tarde; mas enquanto ajudava Ben a subir para o carro, Esther estava plida. Beth, Coral e John seguiramnos silenciosamente. O pai pegou nas rdeas, incitou o cavalo e o carro afastouse.Pouco conversaram de regresso a casa, mas era evidente que se sentiam dominados por uma sensao doentia. Nas semanas anteriores, discusses acesas entre Esther e William travadas quando ambos se encontravam a ss tinhamse tornado um lugarcomum. Esther continuava a defender que Ben estava simplesmente a atravessar uma fase e que estabeleceria relaes com as pessoas apenas ingressasse na escola. William tinha igual certeza de que tal no sucederia, excepto se se recorresse fora, e frequentemente sugeria que talvez a criana precisasse de ser castigada com firmeza.Quanto a Ben, estava em grande parte inconsciente do tumulto que causava. No era evidentemente verdade que, tal como corria na regio, o pequeno Benjamin MacDonald conversasse realmente com animais. Mas existia de facto uma afinidade extraordinria entre o rapaz e os animais. Mesmo quando o viam distncia, os animais da herdade corriam para ele, que por seu lado logo imitava os seus sons e movimentos. Frequentemente tocavalhes, emitindo um estranho som semelhante a um zumbido que parecia acalmlos. E no eram apenas os animais de maiores dimenses que despertavam a curiosidade de Ben. A criana passava horas deitada de bruos a observar as formigas afadigandose em torno dos seus formigueiros ou estudando uma lagarta que mastigava uma folha ou o caule de uma gramnea.Nesse dia, por exemplo, depois de a famlia, silenciosa e deprimida, acabar o seu almoo de domingo, Ben afastouse at um pequeno charco pantanoso situado no sop da Colina da guia, onde passou mais de duas horas a observar papafigos a construrem os seus ninhos cncavos entretecidos nas hastes dos canios. Depois deitouse de costas a fim de observar uma bela guia que se elevava graciosamente nos ares, descrevendo espirais, at a ave se tornar um simples ponto escuro no azul lmpido do cu. Embora se esforasse por no pestanejar para a no perder de vista na vastido do firmamento, Ben acabou por ter de o fazer; seguidamente, embora se esforasse por ver a enorme ave, esta desaparecera, e a criana experimentou um sentimento de pesar, um desejo intenso de ser capaz de abrir os braos e de se elevar nos ares juntamente com aquela majestosa ave de cabea branca, de rapidamente cruzar o cu e de experimentar uma sensao de domnio sobre toda a terra. Inundaramselhe os olhos de lgrimas de desejo e de frustrao. O voo das aves! O nico acto significativo que no podia sequer pensar em imitar.Voltouse de lado e arrancou uma erva, cuja macia extremidade chupou. apreciou aquele sabor, doce e sumarento. Preparavase para se levantar quando ouviu um zumbido forte e observou, fascinado, um enorme abelho que veio pousar a cerca de um metro da sua cara, desaparecendo em seguida numa cavidade pouco maior que o seu prprio corpo. Decorrido um momento o mesmo abelho, ou outro igual a ele, apareceu e afastouse a voar; o seu zumbido foise perdendo distncia at se restabelecer a quietude anterior, apenas cortada pelo rumorejar das gramneas agitadas pelo vento e o chapinhar de patosbravos num dos charcos prximos.O pai de Ben queixavase frequentemente daqueles charcos, terra desperdiada, dizia, que podia ser drenada e cultivada. Ben esperava que tal nunca acontecesse. Adorava os charcos pantanosos, onde a vida pululava patos e gansos de numerosas variedades, papafigos briges e ruidosos, de asas quer vermelhas quer cor de ferrugem, e ocasionalmente mesmo um grande abetouro. E uma vez vira, emocionado, uma grande gara azul pousar suavemente na gua pouco profunda e ali permanecer, sobre as suas pernas fortes como vigas, espera de um peixe" r ou qualquer outra presa que passasse ao seu alcance. O local era frequentemente visitado por ratos almiscarados, e uma vez, para sua imensa surpresa e prazer, encontrara um jovem castor.Ben nem sempre sabia os nomes das aves que via, mas era perspicaz a reconhecer as diferenas entre as diversas espcies. Sabia, por exemplo, que vira quatro espcies de andorinhas verdesescuras, castanhas, multicores e, menos frequentemente, azuis , e lamentava no saber os seus nomes. Havia tanto que quereria saber sobre os animais! At ento, porm, fora a observao o nico meio que lhe permitira adquirir conhecimentos nesse campo. Um dia prometeu a si mesmo que viria a saber tudo sobre as aves, os mamferos, os insectos, os rpteis e os batrquios existentes na rea da Colina da guia. S este propsito o fazia esperar ansiosamente por ingressar na escola, onde tinha a certeza de que lhe ministrariam esses conhecimentos. No podia saber que a sua prpria observao lhe fornecera um conhecimento mais especializado do que a escola provavelmente lhe proporcionaria.Quando o abelho se perdeu distncia, Ben ergueuse de um salto e continuou a vaguear pelo sop da Colina da guia, apreciando a liberdade da longa tarde. No se encontrava a mais de quilmetro e meio de casa quando um pequeno peneireiro de linhas aerodinmicas se precipitou subitamente na sua direco, a uma altura de cerca de dez metros, as suas estreitas asas pontiagudas alternadamente batendo e planando. A ave mergulhou e descreveu uma curva a cerca de trinta metros de distncia do rapaz, aps o que as suas asas subitamente se distenderam e comearam a bater a uma velocidade muito maior, enquanto o peneireiro pairava para depois mergulhar em voo picado sobre a erva alta. Ben, curioso de saber por que motivo o peneireiro mergulhara, comeou a rastejar em direco ao local onde a ave desaparecera. Graas sua capacidade de se mover silenciosamente, viu o peneireiro antes de este, ocupado a despedaar algo preso nas suas garras, o ver a ele. Ben identificou imediatamente a presa como sendo um ratocanguru, animal possuidor de umas patas traseiras to altas e de uma cauda to longa que, surpreendentemente, conseguia deslocarse atravs das gramneas dando saltos de mais de metro e meio de altura.O peneireiro devorara j metade do pequeno roedor quando reparou no rapaz. Abriu ento as asas e soltou um grito agudo: quili, quili, quili. Ben sorriu e imediatamente respondeu, embora no conseguisse emitir um som to alto e penetrante como a ave. Esta sacudiu grotescamente a cabea e inclinoua lateralmente. Ben imitoua e repetiu o chamamento. No te fao mal, peneireiro disse, em voz suave. S te quero ver mais perto. No te preocupes, que no te fao mal.No se aproximou mais, mas o peneireiro estava agitado. Abruptamente elevouse nos ares sem largar o ratocanguru, o que lhe dificultava o voo. Desapontado, Ben seguiuo com o olhar at ele desaparecer. Depois rastejou at ao local onde se desenrolara o pequeno drama. Pegou num osso e constatou que era parte do crnio e do maxilar superior do roedor, e que ainda tinha os dois incisivos. Cada um dos dentes, amarelados e curvos, apresentava na superfcie frontal, da raiz at extremidade, um longo sulco direito. Ben no conhecia esta particularidade, que estudou com um interesse profundo mais uma informao a acrescentar sua soma de conhecimentos da vida animal.Revolvia entre as mos aquele pequeno tesouro quando subitamente ouviu um dbil guincho. Sem mover a cabea, inspeccionou com os olhos a rea circundante. Depois viuo e ficou surpreendido por no o ter notado antes. A uma distncia inferior a um metro havia uma bola de gramneas entrelaadas o ninho do roedor que o peneireiro matara. Cautelosamente, Ben virou a bola e viu ento a abertura, cujo dimetro dificilmente igualava o do seu dedo polegar. Encostou a abertura ao ouvido e sorriu ao ouvir as vozes dos vrios e inquietos ocupantes.Cuidadosamente, comeou a desfazer o ninho. No seu interior encontravamse quatro crias de ratoscangurus corderosa e glabros com as bocas minsculas abertas que guinchavam debilmente. Mas o seu prazer ao vlos desvaneceuse instantaneamente ante a certeza de que a morte esperava agora os pequenos roedores, que haviam ficado sem me. Desejou poder salvlos, alimentlos, mas conhecia a impossibilidade dessa tarefa.Enquanto reflectia sobre aquela pequena tragdia ouviu um estalido exactamente sua frente. Ergueu os olhos, surpreendido, e viuse perante um enorme texugo, evidentemente to surpreendido como ele com o encontro. Um silvo malvolo escapouse do animal e transformouse gradualmente num assustador rosnar. O texugo arreganhava os beios, expondo uma assustadora fiada de dentes.O corao de Ben pulsava descompassadamente. Vira por duas vezes texugos distncia na pradaria e desejara ver um deles de perto. Ouvira sempre, fascinado, as histrias que seu pai contava sobre esses animais destemidos que conseguiam manter distncia uma matilha de ces e que, quando acossados, atacavam o homem. Era, pois, bvio que o texugo podia facilmente matar uma criana frgil como Ben. No obstante, o rapaz, naquele breve momento, no sentira verdadeiramente medo. Ficara alerta e profundamente excitado, mas no receoso. O texugo parecia experimentar aproximadamente as mesmas sensaes. Os seus plos tinhamse eriado, mas aps o silvo e o rosnar iniciais permanecera silencioso, de olhos fixos nos de Ben. Os segundos transformaramse em minutos e ambos continuavam a fitarse. Abruptamente, o corpulento texugofmea emitiu um curto grunhido gutural. O esforo de Ben em responder foi to bem sucedido que os beios do animal ficaram ligeiramente menos arreganhados e este soltou um rpido som de chamamento. Ben imitou igualmente este som, repetindo no fim o grunhido gutural.Um ligeiro movimento na sua mo recordoulhe os pequenos roedores. Em qualquer dos casos, as crias estavam condenadas. Seria prefervel uma morte rpida e misericordiosa a uma agonia morosa e fome. Foi, pois, com um sentimento de compaixo e d, e no de crueldade, que pegou lentamente num deles. Apertou a minscula cabea entre o polegar e o indicador e sentiulhe o corpo flcido. Era a primeira vez que, deliberadamente, matava o que quer que fosse. Estendeu o brao em direco ao texugo, com o ratocanguru a balouarlhe dos dedos. O texugofmea no se moveu, mas mostrou os dentes e enrugou o focinho. Ben lanoulhe o pequeno corpo. Instantaneamente o texugo se encolheu e rosnou, descontraindose porm gradualmente quando verificou que a criana permanecia imvel. O focinho contraiuseLhe e ento, sem desviar os olhos de Ben, farejou o minsculo roedor. Com uma delicadeza inesperada levou a oferta boca; depois, durante outro longo momento, limitouse a fitar a criana antes de, finalmente, mastigar uma ou duas vezes e engolir.Ben sorriu e lanouLhe outro ratocanguru. Enquanto o animal devorava este, aproximouse mais alguns centmetros. Depois, estendeulhe o terceiro roedor, mantendoo na mo. O texugofmea esticou um pouco o pescoo, mas depois recuou. Ben permanecia imvel e continuava a segurar a presa. Desta vez o focinho do animal tocou o alimento, mas mais uma vez o texugofmea recuou. Ben deixou cair o ratocanguru na vertical e, quando ela se inclinou para a frente a fim de o apanhar, os dedos dele afloraram ao de leve a lista de pelagem branca que lhe subia pelo focinho. Ela olhouo com fixidez, mas no rosnou. Restava a Ben um ratocanguru. A criana colocouo na palma da mo e estendeu o brao no solo, ao mesmo tempo que emitia sons de chamamento.Com menos hesitao o texugofmea inclinouse para a frente e retirou a oferta da palma da mo. Enquanto ela deglutia o alimento ele ergueu a mo e tocoulhe levemente no maxilar inferior. Embora os msculos se lhe contrassem, o animal no se afastou e comeou a emitir suaves sons de chamamento. Ben voltou a mo para lhe tocar na face. Vagarosamente, deixoua deslizar at uma orelha redonda e felpuda, que apresentava um rasgo profundo, que parecia feito deliberadamente por algum que tivesse querido marcla, e perguntou a si mesmo como teria o animal sido ferido. O texugo estremeceu ao seu toque, deixando escapar um dbil som de queixume. Depois, para sua surpresa e prazer, voltou a cabea e lambeulhe rapidamente o pulso. Em seguida, soltando mais uma vez sons de chamamento, comeou a afastarse. Ben gatinhou na sua esteira, procurando imitar o seu andar bamboleante e deslizante. Mas o texugo era demasiado rpido e em breve a criana ficou muito para trs.Ergueuse e olhou sua volta, mas nem a mais leve ondulao da erva alta revelava que caminho o texugo seguira. Olhou para o Sol. Era mais tarde do que supusera, horas de voltar para casa. Mas algo de maravilhoso acontecera: tocara efectivamente num texugo. Alimentarao e fora lambido pela sua lngua. Quando chegou a casa o sentimento do maravilhoso persistia.Inicialmente no falou a ningum na experincia, mas todos notaram a mudana que nele se operara. mesa, aps a orao de graas, William MacDonald abordou directamente o assunto. No sei o que fizeste hoje, filho disse ele, colocando uma mo no ombro de Ben , mas tens estado a sorrir desde que voltaste para casa. Divertistete?No esperava uma resposta. Ficou to estupefacto como os restantes quando Ben olhou directamente para ele, sem deixar de sorrir, e assentiu com vivacidade. Divertime, pai.William olhou para Esther e encontrou o seu olhar aprovador. Que foi que fizeste, Benjy? perguntou Coral. Viste alguma coisa engraada?Ele voltou a assentir com a cabea. Vi um texugo enorme. Um texugo! MacDonald recuperara a voz, que reflectia desaprovao. No te aproximes desse animal, Ben. Os texugos so muito maus, e um deles pode desfazer um rapazinho como tu em dois segundos. Esperemos que George Burton o apanhe numa das suas armadilhas.O sorriso de Ben desvaneceuse. Os lbios tremeramlhe. Curvou a cabea e no pronunciou mais uma palavra. A porta fecharase de novo. O corpulento texugofmea no regressou imediatamente sua toca. O facto de ter casualmente encontrado um ser humano era extremamente inquietante. Normalmente s caava de noite e raramente era vista pelo homem, mesmo distncia. De momento, porm, estava quase sempre esfomeada, pelo que tambm caava durante o dia, a fim de manter nas glndulas mamrias o fluxo de leite com que alimentaria as trs crias que tinha na toca. A direco em que o vento soprara foraLhe adversa, impedindoa de captar o cheiro do rapaz, e a quietude deste mascararalhe a presena. Mais surpreendente era o facto de ela no ter imediatamente fugido dele. E, por mais estranho que fosse, no s aceitara o alimento que ele lhe oferecera como permitira que ele a tocasse. De qualquer forma instintiva parecia ter percebido que representava uma ameaa mais sria para ele do que ele para ela. Devido talvez compleio franzina dele.Em qualquer dos casos; as crias do ratocanguru haviamLhe aguado o apetite, pelo que seguiu em direco grande colnia de cesdapradaria, a uma distncia segura do local do seu encontro com o ser humano. De caminho expulsou uma galinhadafloresta do seu ninho e devorou os ovos que encontrou, esmagandoos um a um entre os dentes e sorvendolhes o contedo. galinhadafloresta no prestou ateno. Cem metros mais adiante arrancou um fruto trgido de roseira brava e mastigouo. Avistava j sua frente a colnia dos cesdapradaria, cujos numerosos residentes sentados sobre montculos de terra, vigiavam a rea a fim de detectarem qualquer perigo. No momento em que os viu um dos vigias descobriua e soltou um latido agudo, seguido por um churrrr penetrante. A este sinal de aviso, os cesdapradaria desapareceram instantaneamente nas suas tocas. Um deles, que se encontrava a alguma distncia da toca, correu to velozmente que caiu, rolou sobre si, ergueuse imediatamente e retomou a corrida. Junto toca detevese apenas por um instante para se erguer e inspeccionar a reacircundante, aps o que mergulhou no orifcio, desaparecendo.O texugo avanou em direco ao local onde ele desaparecera.No parecia demasiado apressado. A sua tcnica altamente desenvolvida de caa aos cesdapradaria, a sua presa favorita, garantialhe praticamente o xito.Detevese por um momento para farejar entrada da toca do animal aps o que comeou a descrever uma espiral alargada em torno da abertura. Encontravase talvez a quatro metros e meio ou cinco metros da entrada da toca quando estacou e comeou a escavar quase na vertical. Atravs de um processo ainda inexplicvel para o homem, conseguira localizar o ponto exacto em que devia escavar para alcanar a sua presa. Nenhum animal na Amrica do Norte escava to rapidamente como o texugo. Em noventa segundos desaparecera. Em menos de trs minutos encontravase quase a dois metros de profundidade e encontrara o tnel do codapradaria apenas a cerca de trinta centmetros da sua cmara. Imediatamente comeou a alargar o tnel para sua comodidade. Em seguida apanharia o corpulento roedor na sua prpria cmara. Pelo menos assim o esperava. O nico factor que no podia determinar era se a toca para a qual se dirigia dispunha de um tnel de fuga alm do tnel principal. Nesse caso a presa escaparseia.Interrompeu a tarefa para escutar. sua frente, e no obstante a sua prpria respirao ofegante, ouvia o animal encurralado a escavar febrilmente, tentando desesperadamente abrir uma nova sada a partir da sua cmara. Embora tambm fosse um escavador exmio, no conseguia competir com a velocidade da sua adversria. Decorridos alguns segundos ouviuse um dbil grito abafado quando ela alcanou a presa e lhe ps termo vida com uma poderosa dentada que lhe partiu a espinha.Cinco minutos aps o momento em que comeara a escavar, o texugofmea regressava superfcie com o objecto da sua caada. Deixouo cair e sacudiuse, espalhando a terra que se agarrara sua espessa pelagem. O codapradaria era um corpulento macho adulto com cerca de setenta e cinco centmetros de comprimento, o que representava uma pesada carga. Transportandoo na boca, o texugo dirigiase agora para a sua toca.FaltavaLhe ainda percorrer cerca de oitocentos metros quando lhe chegou s narinas um cheiro intenso e intrigante. Mesmo tendo colado ao focinho o codapradaria, cujo odor aspirava, o novo cheiro era dominante. Se no tivesse j uma presa, tloia seguido at sua origem.Mas retomou a jornada. As suas crias comearam a ganir de excitao apenas comeou a descer o tnel da toca. O texugo arrastou o codapradaria at cmara e deitouse no cho para comear a devorlo, ao mesmo tempo que os seus trs filhos, ganindo e aninhandose contra ela, encontravam os seus mamilos trgidos e iniciavam sofregamente o seu prprio repasto.Agora, com trinta e trs dias de idade, eram ainda cegos e vulnerveis. Dentro de duas semanas os olhos abrirselhesiam e eles estariam prontos para o desmame. Comearia ento a trazerlhes presas, e o seu companheiro, que continuava a percorrer a zona, caaria tambm para ajudar a suprir as suas necessidades, depositando o que quer que apanhasse junto da entrada do tnel. S em meados de Julho as crias sairiam da toca a fim de aprenderem com ela a caar. Naquele momento, havia cinco horas que no comiam e estavam esfomeadas. Enquanto os filhos mamavam, devorou cerca da quarta parte do codapradaria, aps o que, saciada, limpou os filhos lambendoos com a lngua e se deitou, adormecendo rapidamente.L fora, medida que a escurido caa, o cheiro que tanto a atrara era agora detectado pelo seu companheiro. Este acordara h momentos do seu sono diurno e sara da sua toca para caar durante a noite. Imediatamente seguiu o fascinante aroma oleoso. Embora no soubesse que o cheiro que detectara pertencia a uma sardinha, o seu sentido olfactivo dizialhe que se tratava de peixe, e de sabor agradvel. Seguiu o odor at sua origem. Se nessa altura se tivesse detido, poderia tambm ter detectado um cheiro que assinalava uma presena humana. Mas o intenso aroma da sardinha dominava todos os outros, e a fome tomarao descuidado. Comeou a escavar num local onde a terra fora recentemente removida e onde o cheiro era mais intenso. Imediatamente algo pareceu saltar de debaixo da terra e uma dor aguda lhe atingiu as patas anteriores. Recuou de um salto, rosnando ferozmente, apenas para ser lanado por terra quando distendeu completamente a corrente da armadilha de ao que Lhe prendia as patas dianteiras. Guinchou, uivou e remexeu a terra num frenesim para se tentar libertar, mordendo impotentemente o metal.O aro de metal na extremidade da corrente oposta que se ligava armadilha estava firmemente preso a uma grossa estaca de madeira profundamente enterrada no solo. Tivesse ele podido raciocinar naquele transe e talvez fosse capaz de escavar com as patas traseiras o suficiente para desenterrar a estaca e se afastar, a coxear, arrastando a armadilha consigo. Tal raciocnio, porm, ultrapassava a sua capacidade, e o instinto levavao a sacudir e morder o objecto que o prendia, a prpria armadilha. Lutou durante toda a noite, arquejando penosamente e gemendo de dor.George Burton era mais hbil a colocar armadilhas do que a verificlas. Durante duas noites e a maior parte de dois dias o texugo permaneceu naquela situao angustiante, com a sede, a fome e a agonia a aumentarem medida que a sua luta enfraquecia. Porm, ao ouvir o som do cavalo de Burton que se aproximava, o animal arremeteu de novo, esforandose por se libertar, rosnando profunda e assustadoramente.Burton parou e desmontou. Bem murmurou , parece que arranjei alguns pincis para a barba. No h dvida de que arranjei.Mantevese a prudente distncia do alcance do texugo, que se revelava ainda bastante aguerrido e que no demonstrava qualquer vestgio de medo. apenas uma malevolncia mortal. Embora tivesse uma espingarda, Burton no tencionava estragar uma pele perfurandoa desnecessariamente com uma bala. Desapertou da parte de trs da sela um forte basto, avanou com ele para o texugo e esperou at que o animal, que se debatia violentamente, atingisse um estado de exausto tal que se limitou a resfolegar, fitando o inimigo. Nessa altura ergueu o basto, com a destreza adquirida por uma longa experincia. Com um golpe maldosamente preciso atingiu o texugo na parte superior do focinho. Depois, com o vontade de quem desempenha uma tarefa familiar, abriu a armadilha, torcendo o nariz ao sentir o odor de almscar do texugo, e amarrou firmemente o cadver do animal s traseiras da sua sela.Demorou mais tempo a desenterrar a estaca que segurara a armadilha, mas em breve carregara o cavalo e estava pronto a partir. Aquele lugar, sabiao bem, remexido como estava e impregnado do cheiro a almscar, deixara de ser apropriado para a colocao de armadilhas. Como para regressar a casa tinha de passar pela herdade dos MacDonalds, dirigiu o cavalo em direco Colina da guia, calculando que agradaria a MacDonald saber que ele apanhara um texugo. Percorrera apenas oitocentos metros, porm, quando subitamente puxou as rdeas e saltou do cavalo. Acocorouse, perscrutando um grande orifcio de forma oval que dava acesso a um tnel que se enterrava obliquamente no solo. Olhem s murmurou. Acho que tenho aqui outro texugo. No h dvida que encontrei uma toca com crias. Com sorte, texugo velho, a tua grande texuga vai ter contigo daqui a pouco.Trabalhou rapidamente, ansioso por chegar Colina da guia antes do pr do Sol. Longos anos nas regies fronteirias haviamlhe ensinado que por vezes no era aconselhvel chegar inesperadamente a casa de algum aps o anoitecer. Havia quem acreditasse facilmente em fantasmas e considerasse mais prudente disparar primeiro e fazer perguntas depois.Desligou a estaca da armadilha e desta vez prendeu a corrente a um pesado esporo rochoso. No queria martelar na estaca, pois o rudo poderia alertar a fmea caso esta estivesse na toca. Abriu uma cavidade com cerca de doze centmetros de profundidade, introduziu nela a armadilha e armoua, utilizando de novo como isco o contedo de uma lata de sardinhas. Como habitualmente, enfiou a ltima sardinha na boca e ergueuse para observar a sua obra. A armadilha estava bem colocada. Quem no soubesse que a armara naquele lugar, nunca suspeitaria da sua existncia. Qualquer animal que escavasse o solo naquele ponto procura de peixe seria apanhado pelas mandbulas de ao, tal como acontecera ao texugo. Ainda no perdi a prtica comentou Burton. Vamos, cavalo. Vamos fazer uma visita.

Capitulo Dois

GEoRGE Burton apeouse do cavalo na Colina da guia exactamente hora de jantar dos MacDonalds. Embora Esther lanasse a William um olhar desesperado, foram obrigados a convidlo, convite que ele aceitou com entusiasmo. Enquanto Esther e as filhas punham o jantar na mesa, os restantes membros da famlia saram para ver o texugo que ele apanhara. Quando Burton fez o corpulento animal cinzento rolar para o solo; MacDonald e John acocoraramse junto dele, inspeccionandoo e felicitando Burton pela envergadura da sua presa. Ben deixouse ficar um pouco para trs, o rosto plido e sem expresso. No h dvida de que o enganei afirmou Burton em tom jactancioso. Apanheio pelas patas dianteiras. Os texugos no so animais fceis de apanhar. Este estava capaz de me fazer em pedaos quando o abati.John tocou cautelosamente nas patas posteriores e assobiou. Veja s o tamanho destas garras, No admira que eles escavem com tanta rapidez.Burton riu. No conheo mais nenhum animal destas dimenses, excepto talvez o gluto, que seja to feroz. O meu co, o "lobo", forte e feroz, mas muito cauteloso com os texugos. Foi uma vez descuidado quando era cachorro. Agora respeitaos.O mais velho dos MacDonalds arrancara alguns plos do corpo e observavaos agora de perto. Isto para mim uma surpresa comentou. Sempre pensei que a pelagem deles era s cinzenta, mas repara aqui, John. Na extremidade os plos so cinzentos, mas depois h uma risca branca seguida de uma risca preta. E a raiz tem uma tonalidade prateada. A cor alterase at certo ponto com as estaes. Burton no parecia desanimado pelo facto de os seus comentrios estarem a ser ignorados. muito mais clara no Inverno do que no Vero. Venham jantar! chamou Esther, e os dois homens e John ergueramse e dirigiramse para casa.Ben permaneceu imvel no mesmo local. Ben.... Ben! chamou o pai. Comecem a servirse disse Esther. Eu vou busclo. Saiu e aproximouse de Ben, passandoLhe o brao sobre os ombros. Ben, querido disse em voz suave. No tens fome?Ben sacudiu a cabea sem a fitar. Ela seguiulhe o olhar, preso ao texugo morto, e acenou em sinal de compreenso. Eu deixo qualquer coisa para tu depois comeres, querido. Podes ficar c fora.Entrou em casa e Ben ouviua transmitir aos outros o que lhe dissera. Acocorouse junto do texugo morto e estendeu a mo para ele. O corpo, que comeava a ficar rgido, estava cado de lado, ocultando a orelha direita. Ben flo rolar suavemente, esperando ver a orelha rasgada. Mas a orelha estava intacta e inclume. Inundouo uma onda de alvio. Sentouse e acariciou suavemente a pelagem do animal, ronronando e, ocasionalmente, soltando um chamamento em voz baixa semelhante ao emitido pelo texugofmea.A conversa no interior da casa ouviase claramente. Burton era quem mais falava, e a sua voz elevavase e baixava interrompida por exploses de riso que nunca pareciam naturais. Ben ouvia sem prestar ateno, at que notou que estavam a acender os candeeiros e ouviu o som dos pratos a serem levantados da mesa. Desta vez apreendeu as palavras de Burton. Minha senhora, foi o melhor jantar da minha vida. Muito obrigado.No ouviu a resposta de Esther; depois Burton continuou: V isto, rapaz disse, obviamente mostrando qualquer coisa a John. Que , Mr. Burton? Um dente de texugo, rapaz. A maior parte dos ndios Ps Negros, Sioux e Cheyennes anda sempre com um. Consideramno um feitio poderoso para afastar os espritos maus. Eu doulhes razo, porque at agora nunca fui incomodado pelos espritos maus. Soltou uma gargalhada ruidosa. J comeu texugo, MacDonald? prosseguiu a voz.Ben deduziu que o pai sacudira a cabea, pois o caador acrescentou: Pois no sabe o que tem perdido. Especialmente os presuntos. No h nada melhor. No me parece que gostasse. MacDonald parecia cansado da loquacidade de Burton. Ben ouviuo arrastar a cadeira. Acho que melhor meterse ao trabalho, se quer realmente esfolar aqui o texugo, Burton.Obviamente, esperava que o caador mudasse de ideias e se retirasse. Tambm acho. J alguma vez esfolou um? J esfolei coiotes, castores e ratos almiscarados. Nunca um texugo. " Ento porque no experimenta este? Esfolase exactamente como um pequeno rato almiscarado. Experimente. Boa ideia, pai. Porque no? concordou a voz de John.- Tente esfollo. Gostava de ver.MacDonald saiu para o alpendre levando consigo uma lanterna acesa, embora o cu se apresentasse ainda tingido de cor. Ben ergueuse rapidamente e afastouse alguns metros. Ficou hirto quando viu Burton voltar o cadver do animal com a extremidade da bota e passar a William MacDonald a sua faca de esfolar. Depois, quando o pai ajoelhou ao lado do texugo e se preparou para enfiar a lmina por sob a pele de uma das patas posteriores, os olhos dilataramselhe. Estremeceu e precipitouse para a frente, passando por entre John e Burton, e bateu no brao do pai, fazendo a faca cairlhe da mo.MacDonald estivera toda a noite dominado por um sentimento de irritao para com Burton, primeiro por este praticamente se ter feito convidado para o jantar e agora por ter insistido em que esfolasse o texugo em seu lugar. A sua irritao explodiu subitamente, fixandose em Ben. Com um movimento quase reflexo reagiu pancada, e a sua mo aberta atingiu lateralmente a cabea da criana.Sob a fora da palmada, Ben caiu. John precipitouse na sua direco para o ajudar a levantarse, mas Ben ergueuse de um salto e correu para a escurido do celeiro. Que disparate disse amargamente MacDonald, censurandose a si mesmo. Que disparate ter feito uma coisa destas.Burton interpretouo mal e assentiu. Pois , o mido no devia portarse assim. Do que ele precisa de umas boas surras!MacDonald fitou Burton, agora sem disfarar os seus sentimentos. Eu estava a referirme a mim mesmo esclareceu friamente , e no a Ben. Nunca lhe bati, e no devia terlhe batido agora. Muito menos quando estava doido... com outra coisa. John disse, voltandose para o filho mais velho , vai busclo ao celeiro. Dizlhe que eu no lhe queria bater e que quero pedirLhe desculpa.John foi buscar uma lanterna a casa e seguiu para o celeiro. MacDonald esfolava agora rapidamente o texugo, e a conversa morrera. Cortou a pele de cada uma das patas traseiras, fez uma inciso para ligar os dois cortes e depois praticou um corte circular em torno de cada uma das patas, soltando a pele. Agarre as patas disse concisamente a Burton ao fim de alguns minutos.O caador obedeceu e segurouas enquanto MacDonald puxava a pele, retirandoa como quem descala uma meia. O cadver ficou finalmente esfolado, excepo das patas dianteiras e da cabea. Em seguida MacDonald praticou novas incises circulares em torno das patas e soltou a pele que as revestia. Estava a esfolar as orelhas, os olhos e os beios quando John saiu finalmente do celeiro. Ben est no fundo do terceiro estbulo, pai disse, enquanto o cadver Ficava finalmente esfolado. No quer sair. Penso que o pai no queria que eu o trouxesse fora.MacDonald suspirou. Est bem, John, obrigado. Ergueuse e estendeu o cabo da faca a Burton. Depois atiroulhe a pele. Leve tambm a carcaa, Burton disse.Sem esperar por uma resposta deu meia volta e dirigiuse para o celeiro. Viu que John deixara a lanterna no estbulo. A irritao agora desaparecera, substituda por um arrependimento que se aprofundou quando viu a um canto a criana de seis anos de rosto enterrado nos joelhos. MacDonald aproximouse do filho e sentouse a seu lado, no cho coberto de palha, sem pronunciar uma palavra. Depois estendeu hesitantemente a mo, fazendo meno de tocar no cabelo da criana, mas recolheua sem concretizar o gesto. Aclarou a garganta. Ben disse , tu sabes que eu no tinha inteno... Eu... eu estava irritado, no contigo, mas com Burton... E bati com a mo sem pensar. Nunca te magoaria intencionalmente, filho.No obteve resposta. Estendeu de novo a mo curtida, pousandoa desta vez no ombro da criana. Pareceulhe sentir o rapaz encolherse. Ben, desculpa. Acredita, por favor, que estou arrependido. Acho que sei como te deves ter sentido. Eu no devia ter sido to impulsivo... Queres... s capaz de... me perdoar?Continuando a no obter resposta, MacDonald exalou o ar de forma audvel. Ergueuse e olhou para o filho. Como devia parecer grande aos olhos da criana! Desejava desesperadamente tomar qualquer atitude que permitisse a comunicao entre ambos, mas simplesmente ignorava qual. Suspirou de novo e dirigiuse para a entrada do estbulo, onde se deteve e olhou para trs. Ben no se movera. A tua me vem j c, filho.Sentados mesa da cozinha, Esther e John aguardavamno. William sacudiu a cabea enquanto se deixava cair numa cadeira. Apoiou os cotovelos sobre a mesa e apertou a cabea entre as mos. Ele to pequeno, Esther. De facto nunca tinha percebido como ele pequeno. S esta noite. E batiLhe mesmo! Meu Deus Esther, que bruto que eu sou!Esther levantouse e veio colocarse atrs da cadeira dele, pousandolhe as mos sobre os ombros. Inclinouse e beijoulhe a cabea. Eu sei, Will, eu sei. claro que no querias baterlhe. Falaste com ele? Com ele, no. Falei para ele. Como sempre, para ele. Ele ficou sentado, calado, sem sequer olhar para mim... Eu... eu no consegui chegar at ele. Esther, eu adoro Ben... ainda mais do que julgava, creio. Que que tenho que me impea de conversar com o meu prprio filho? Ele hde mudar afirmou Esther em voz suave. Vers. Claro que hde mudar, pai interveio John. No se preocupe.Mas o olhar que John e sua me trocaram reflectia as dvidas que ambos alimentavam sobre a realizao desse desejo. Aps uns instantes Esther falou calmamente. Vou l fora agora falar a Ben. Durante trs dias aps o seu regresso toca com o codapradaria, o texugofmea permaneceu com os filhos, amamentandoos, lambendoos como uma gata e devorando os restos da sua presa. Tal como todos os texugos, tinha complexas exigncias alimentares. Ossos, penas ou outros materiais semelhantes eram sempre bem enterrados sob o solo do tnel de sada. Ela prpria nunca obrava seno longe da toca, e mesmo assim abria uma cova onde enterrava os dejectos, que depois cobria de terra. Este comportamento apenas se alterava aproximao da poca do cio. Nessa altura deixava expostas as suas fezes e urina, cujo cheiro, misturado com o almscar das suas glndulas olfactivas, atraa um macho. Um texugomacho conseguia seguir um cheiro desses de uma distncia de doze ou treze quilmetros.No incio da sua quarta noite na toca o animal sentiu de novo o aguilho da fome. Lambeu as crias e subiu o tnel, chiando levemente. Como sempre, emergiu cautelosamente, escutando e farejando. A brisa que soprava do nordeste era fresca e no trazia qualquer som ou cheiro indicador de risco. Uma vez no exterior, ergueuse sobre as patas traseiras e perscrutou atentamente os arredores especialmente no sentido para onde soprava o vento, do qual no lhe chegaria nenhum cheiro. Mais uma vez no detectou qualquer sinal de perigo. Deixouse cair de novo sobre as quatro patas e dirigiuse para sudoeste.Quase imediatamente estacou, farejando. Sentira de novo o cheiro que detectara quando regressara toca com o codapradaria. Desta vez seguiuo. A cerca de dezoito metros da entrada da toca o cheiro era bastante intenso num local onde algo tentador fora obviamente enterrado. No entanto, a precauo fla descrever vrios crculos em torno da rea, at que finalmente se deteve com o focinho colado ao solo, exactamente sobre o local. Lamuriando de excitao, mas ainda desconfiada, estendeu a pata anterior direita e raspou levemente o solo, afastando a camada de ervas. Depois, afundou um pouco mais as garras na terra solta e retirou um objecto carnudo, coberto de terra. Farejouo, lambeuo hesitantemente e depois devorouo com avidez. O sabor intenso a azeite excitoua tremendamente. Avidamente, e agora menos desconfiada, estendeu novamente a mesma pata para desenterrar mais alimento.As suas garras escavaram o solo. Sentiuas tocar no peixe, mas simultaneamente percebeu que a terra se afundava ligeiramente sob a sua pata. Instantnea e instintivamente recuou de um salto. Os seus reflexos, extraordinariamente rpidos embora, no o foram suficientemente. As mandbulas de ao saltaram da terra, fechandose sobre dois dos dedos da sua pata anterior direita. O osso de um dos dedos partiuse quando as mandbulas da armadilha agarraram ambos os dedos perto do ponto em que estes se ligavam pata. A dor foi agudssima. Rosnando, guinchando, rugindo, agitouse e debateuse, mas o aperto daqueles dentes de ao no afrouxou.Comeou assim um perodo de incomparvel agonia. Lutou contra a armadilha at que, vencida pela exausto, ficou cada no solo, ofegante e gemendo. Depois descansou, lambendo a pata, tentando em vo aliviar a dor latejante nos dedos, agora tremendamente inchados. Ao longo dessa noite e do dia e da noite que se seguiram lutou e descansou alternadamente. E na alvorada do segundo dia apenas conseguira arrastar o esporo rochoso ao qual a corrente da armadilha estava ligada at perto da entrada da toca.Foi ento que a angstia atingiu o auge, pois agora ouvia o choro e os gritos dos seus filhos esfomeados. Todas as crias enfraquecem rapidamente se lhes negado por muito tempo o leite materno. Agora, tal como ela os ouvia, tambm os texugos recmnascidos esfomeados a ouviam rosnar e gemer enquanto lutava; e gritavam mais alto, incapazes de compreender por que motivo a me no ia ter com eles, que ainda eram incapazes de ir ter com ela.A mais de trinta quilmetros de distncia, num bar de Winnipeg, George Burton jogava as cartas, tentando em vo transformar os lucros que auferira da venda da pele do texugo numa soma mais avultada. Se lhe ocorreu o pensamento das suas outras armadilhas no o revelou.Ao nascer do Sol da sua terceira manh de aprisionamento, o texugofmea percebeu pelos seus gritos que as crias estavam muito fracas. Ao anoitecer os gritos haviam cessado, e durante essa noite ela j quase no lutou. As suas prprias foras estavam muito diminudas e a lngua apresentavase tumefacta devido falta de gua. Depois, exactamente aps o alvorecer, ouviu um grito dbil, breve, que pareceu despertar nela uma ltima e violenta exploso de energia. Ergueuse e correu desvairadamente para a toca. Quando a corrente ficou distendida o choque lanoua para trs to violentamente que Lhe cortou a respirao. E teve ainda outra consequncia: partiu o osso do segundo dedo preso. Agora as mandbulas de ao prendiamlhe exclusivamente um pedao de msculo, pele e tendes. Apenas recobrou foras, o animal comeou a morder a sua prpria carne, soltandoa partcula a partcula. Quando o Sol atingiu o znite, o ltimo tendo branco distendido separouse e o texugofmea ficou livre.Ignorando a dor, precipitouse para a toca, chorando alto. No obteve resposta dos filhos. Quando tocou com o focinho no primeiro, constatou que ele estava rgido e frio. O segundo, um pequeno macho, estava quente e flcido, e moveuse ligeiramente quando ela lhe tocou. O terceiro estava morto, tal como o primeiro. Vigorosamente, lambeu o filho que sobrevivia, ronronando suavemente, expondo os mamilos junto dele, mas a cria no conseguia erguer a cabea. Mudou de posio, colocandoo de forma que o mamilo exercesse presso contra o focinho dele. O pequeno texugo tentou chupar, mas j no tinha foras. Ao cair da noite tambm ele estava morto.O texugofmea acariciou com o focinho os pequenos corpos, mas decorrido algum tempo desistiu. Dirigindose para o tnel de emergncia, escavou at este se desmoronar, fechando a entrada, aps o que, recuando pelo tnel principal, afundou da mesma maneira a entrada deste. Era uma manobra instintiva, executada sem que percebesse a razo por que o fazia.Manquejando penosamente, dirigiuse para sul, afastandose daquele local trgico. O latejar doloroso da sua pata ferida, porm,intensificavase a cada quilmetro. Comeou a procurar um local para se refugiar. No lhe seria possvel escavar uma toca temporria. Tinha de encontrar uma das suas antigas tocas e ali permanecer at apata se curar.Ergueu a cabea por sobre a erva e olhou sua volta. luz do luar via vagamente a leste, a curta distncia, um afloramento familiar de rochas e uma srie de colinas baixas, ondulantes uma das quais a Colina da guia. Orientandose por pontos de referncia na paisagem, percorridos cerca de oitocentos metros, encontrava aquilo que procurava: uma das suas prprias escavaes de havia mais de um ano. A entrada bem oculta pelas gramneas, era adjacente a uma enorme rocha em forma de bacia sobre a qual, enquanto ali residira, muitas vezes se aquecera ao sol. O tnel descia obliquamente por mais de um metro e oitenta antes de nivelar, prolongandose at uma cmara muito mais ampla do que a que recentemente escavara para as suas crias. A cmara no era realmente obra sua. Ela escavara sob o afloramento rochoso at encontrar uma bolsa formada pela surreio geolgica dessas rochas em qualquer era distante. A cavidade, em forma de cone, tinha um dimetro de base de cerca de dois metros e quarenta e uma altura at ao vrtice do cone superior a dois metros. Atravs de algumas fendas no topo, em locais onde as rochas se no ajustavam perfeitamente, o luar penetrava no recinto, iluminandoo debilmente.A no mais de sessenta centmetros do local em que desembocava o tnel de entrada, saa o tnel de emergncia. O texugo experimentouo, percorrendoo integralmente e assomando cautelosamente a cabea pela abertura terminal. O luar desaparecera quando acabou a sua inspeco, e o cheiro de uma tempestade de chuva pairava no ar. Evitando remover as gramneas que disfaravam a entrada do tnel, o animal no utilizou essa sada e recuou at vasta cmara, satisfeito por poder permanecer ali em segurana.O texugofmea perdera o seu companheiro, a sua toca, as suas crias e uma parte da sua pata anterior direita. Tinha dores e sofria o desconforto decorrente de ter as glndulas mamrias tumefactas devido ao leite que no seria bebido. Mas a tudo isto iria sobreviver. Benjamin MacDonald no tinha qualquer inteno de fugir. Por um lado, mesmo se tivesse considerado esta hiptese, no imaginava sequer para onde ir. As suas viagens mais longas tinham sido at igreja de North Corners. Sozinho, nunca ultrapassara a margem do rio Vermelho, a cerca de quilmetro e meio para leste, pelo que fora repreendido e obrigado a prometer que no voltaria l sozinho. Mas nesse dia acabou por ir muito mais longe.Pouco depois da meianoite nuvens espessas tinham comeado a acumularse nos cus e para oeste ouviase o ribombar abafado dos troves. John, Coral e Beth estavam na escola era o seu ltimo dia do ano lectivo , e tanto sua me como seu pai estavam ocupados William a reparar arreios e Esther a amassar po. Assim, Ben ficou entregue a si mesmo. Tal nunca constitura nem constitua um problema.Desde a noite em que George Burton aparecera com o texugo morto que havia uma certa tenso na famlia. Ben notava que todos envidavam esforos para o acarinharem e o inclurem em tudo quanto faziam. At Beth deixara surpreendentemente de tentar darlhe ordens e procedia com extrema solicitude.Para quem at ento fora praticamente ignorado esta situao constitua uma experincia inebriante. A alterao mais radical operarase no pai, que se detinha a cada momento para lhe falar, acariciandolhe o cabelo, acocorandose a seu lado para Lhe explicar coisas e parecendo incapaz de deixar de se censurar por lhe ter batido. Pediralhe desculpa mais duas vezes.E Ben, por seu lado, estava a abrirse um pouco. Pessoalmente no atribua grande importncia ao facto de o pai lhe ter batido, pois na sua prpria conscincia sentiase culpado de uma grave falta: na sua fria, batera de facto no pai. Tal como o pai, tambm Ben desejava ser perdoado, mas ainda no estava preparado para expressar o seu desejo em palavras. Preferia exprimilo por aces, pelo que sorria mais frequentemente, prestava mais ateno ao que se dizia e respondia quando lhe falavam; obviamente apreciava a ateno que lhe dispensavam. Embora fosse suficientemente esperto para perceber que a nova atitude para com ele era resultado de um esforo consciente, no a considerava como tal menos agradvel.No havia portanto nenhuma razo para Ben querer fugir. E de facto no o fez; limitouse a, ao passear, se afastar. Depois do pequenoalmoo ficou a ver Beth, Coral e John partirem para a escola, John montando "Dilly,", a sua gua, Beth e Coral noutro cavalo. Todos se voltaram; acenandolhe e gritando: "Adeus, Ben!" e ele correspondeu ao aceno. Durante algum tempo ficou a brincar sobre o montculo de terra fresca ao lado do novo poo que o pai e John tinham estado a abrir. Como, porm, para Ben a observao era muito mais divertida do que brincadeiras de imaginao, deixou o montculo de terra e caminhou ao longo da vedao do curral at curva, cerca de cinquenta metros a sul da casa. Foi a que se Lhe deparou o corpulento galodapradaria.A ave saltou das ervas prximas do poste colocado no ngulo da vedao e comeou a descer pela colina, arrastando uma asa e cacarejando de forma agitada. Ben imediatamente percebeu que devia haver um ninho nas proximidades e resolveu procurlo mais tarde, mas de momento toda a sua ateno se concentrava em seguir a ave, cacarejando como ela e imitando todos os seus movimentos, mesmo o balanar da cabea. Ela precediao cerca de quatro metros, afastandoo da sua rea de nidificao, desceu at ao sop da colina e subiu depois a elevao seguinte. Depois, a meio caminho do segundo declive, ergueu voo com um poderoso bater de asas e, num voo rasante, desapareceu sobre outra colina. Ben correu atrs dela at ao local onde deixara de a ver, embora soubesse que no a encontraria. Detevese finalmente, de respirao ofegante. Vai, galo! gritou ele, com um sorriso. Volta para o teu ninho e para os teus ovos. No penses que me enganaste.O ribombar de um trovo abafoulhe as palavras. Olhou para o cu. Como no parecia mais carregado do que estivera toda a manh e ele no estava disposto a regressar a casa, avanou, subindo e descendo mais algumas elevaes, at que viu, distncia, um falcoperegrino descrever crculos sobre um charco de margens pantanosas e depois afastarse voando. Ben resmungou, lamentando que a ave no se tivesse aproximado, e dirigiuse tambm para o charco. Nunca estivera perto daquele. No obstante os canios que se aglomeravam na margem o impedirem de se aproximar do charco, atravs de uma pequena abertura entre as hastes conseguiu ver uma tartaruga de gua doce assomar por momentos a cabea acima da gua.Ben retomou de novo o passeio. A determinada altura detevese para observar um pequeno pintassilgo que balouava sobre uma haste, subindo e descendo ao sabor da brisa fresca, as asas negras dobradas sobre a penugem amarelomanteiga do seu corpo. De repente correu e saltou, tentando acompanhar uma borboleta no seu voo levssimo e errtico. Subitamente, a sua forma diminuta afastouse num redemoinho, levada por uma rajada de vento mais forte do que qualquer das outras que at ento haviam soprado. Ben olhou para o cu, franziu a testa ao constatar que escurecera acentuadamente e perguntou a si mesmo porque no notara antes que a trovoada parecia prximo. Provavelmente j passava da hora de almoo e era de facto altura de regressar a casa. Comeou a andar rapidamente. Decorrida uma hora continuava a andar, mas com uma ligeira incerteza no esprito. Compreendeu com um choque que sem o sol no conseguia orientarse e caminhar em direco a casa. Tanto os campos como as colinas ondulantes pareciam iguais. No havia vestgio da crista da Colina da guia. Nenhum dos charcos lhe parecia familiar, nem qualquer dos afloramentos geolgicos rochosos.Passou outra hora, depois duas. Experimentava uma sensao de pnico semelhante que sentia a menina da histria que sua me Lhe contava que entrara num mundo diferente. As nuvens que se acastelavam, ameaadoras, pareciam fecharse sobre ele, e o vento aoitavalhe a camisa, as calas, o cabelo. Viu sua frente um afloramento rochoso e comeou a correr, num esforo para o alcanar antes que comeasse a chover. Caiu, ergueuse, constatando que perdera um sapato, e precipitouse para diante. O seu outro sapato voou momentos depois, mas no parou. Chegou aos rochedos no preciso momento em que as primeiras gotas comeavam a cair. Mas no havia nenhuma salincia, nenhum buraco em que pudesse enfiarse, nenhum abrigo para a tempestade. Agora sentia medo, to cego pelas suas prprias lgrimas como pela chuva contundente. A pradaria quase desaparecera sob o aguaceiro torrencial, e, sem saber que outra coisa fazer, voltouse e comeou a correr, como se acreditasse que podia escapar tromba de gua que o vento lanava contra ele.Subitamente o cho faltoulhe e um p afundouselhe no solo. Soltou um pequeno grito e caiu ao comprido sobre a erva molhada. Viu ento ao lado de uma rocha um grande buraco.A chuva atingiao furiosamente, afastando qualquer esperana que ele tivesse alimentado de lhe escapar. Quase sem pensar, introduziu os ps, bem juntos, no buraco e enfiouse nele. Cabia mesmo justa. No conseguiu fazer passar os ombros, demasiado largos para aquela abertura. Emergiu de novo um pouco e inclinouse para trs, escavando a terra com os dedos para alargar o orifcio. As mos doeramlhe, mas continuou a escavar. Finalmente conseguiu introduzirse no buraco e descobriu que, em baixo, a cavidade eramais espaosa, embora os ombros Lhe continuassem a roar nas paredes do tnel. Continuou a descer at deixar de sentir a chuva a baterlhe na cabea; depois, com uma mistura de lgrimas e de chuva a escorrerlhe pelo queixo, parou e deixouse ficar.A chuva continuou a cair durante o resto do dia. Ocasionalmente abrandava, mas exactamente quando ele estava prestes a sair os cus rasgavamse noutro dilvio. Se tivesse sabido em que direco devia seguir, a criana teria enfrentado a tempestade e corrido para casa,mas estava totalmente desorientada. Nunca se sentira to pequena, to s, to receosa. Um raio de luz incandescente sulcou os ares, ao mesmo tempo que um trovo ensurdecedor ribombava, exactamente sobre a sua cabea, e Ben enterrou o rosto na terra do tnel, sacudido por um novo acesso de soluos. Mas aquele relmpago prximo pareceu assinalar trguas temporrias. A chuva diluiuse num chuvisco pesado, embora o trovo distante continuasse a ouvirse, sem interrupes.Escurecera havia quase uma hora e Ben encontravase num estado de semisonolncia quando subitamente ergueu a cabea. Ouvia um som estranho que se aproximava do lado de fora da toca, um arquejar e um rosnar intermitentes. Quando a dbil iluminao do tnel foi subitamente bloqueada pelo volume de qualquer animal que entrava, ficou aterrorizado, sem ser capaz de o identificar.O texugofmea estivera afastado da toca desde manh. A fome levarao a caar e, uma vez que a ferida a impedia de escavar procura de presas, andara de charco em charco, apanhando rs e mesmo um pato recmnascido. Finalmente, acalmada a fome, regressara toca junto ao afloramento rochoso para descansar. S quando estava parcialmente no interior farejou a criana, e imediatamente rosnou ameaadoramente. Naquele local remoto era um som horripilante. Sai! Sai! gritou Ben.Mas o rosnar aumentou de int