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431 Edryane Faustino Borges* ALIMENTOS GRAVÍDICOS: pOSSIbILIDADES DE pRESTAçãO DE ALIMENTOS pARA O NASCITuRO FooD grAvIDIC: PossIBIlItIEs ProvIsIon oF FooD For UnBorn AlIMEntos grAvÍDICos: PosIBIlIDADEs DE PrEstACIÓn DE AlIMEntos Al nIño Por nACEr Resumo: O presente trabalho objetivou analisar os alimentos gravídicos, introduzidos através da Lei n. 11.804/08, sendo este um direito garantido à mulher no período de gestação, em prol do nascituro e convertido em favor do mesmo quando houver o nascimento com vida. Vislumbra-se que o nascituro tem direito a alimentos e ao pleno desenvolvimento do processo de gestação. A Lei busca resgatar o amparo à mulher grávida para que esta, no decorrer da gestação, não fique jogada à sorte até o nascimento com vida do nascituro, mesmo com frágeis indícios de paternidade. Daí o intuito de aprofundar os estudos sobre alimentos gravídicos, acre- ditando que o magistrado seja cauteloso com os indícios de pa- ternidade para que o suposto pai não venha a sofrer danos morais. Abstract : This study aimed to analyze the food gravidic, introduced by Law n. 11.804/08. Since this is a right guaranteed to women during pregnancy, in favor of the unborn and converted in favor of it when there is a live birth. Thus, food pregnancy appreciates the maintenance obligation in order that the child is unable to sustain itself and needs help. It is conjectured that the unborn * Bacharel em Direito pela FACI. Procuradora Municipal do Município de Ananindeua e advogada.

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Edryane Faustino Borges*

ALIMENTOS GRAVÍDICOS: pOSSIbILIDADES DE pRESTAçãO DE ALIMENTOS pARA O NASCITuRO

FooD grAvIDIC: PossIBIlItIEs ProvIsIon oF FooD For UnBorn

AlIMEntos grAvÍDICos: PosIBIlIDADEs DE PrEstACIÓn

DE AlIMEntos Al nIño Por nACEr

Resumo:

O presente trabalho objetivou analisar os alimentos gravídicos,introduzidos através da Lei n. 11.804/08, sendo este um direitogarantido à mulher no período de gestação, em prol do nascituroe convertido em favor do mesmo quando houver o nascimentocom vida. Vislumbra-se que o nascituro tem direito a alimentos eao pleno desenvolvimento do processo de gestação. A Lei buscaresgatar o amparo à mulher grávida para que esta, no decorrerda gestação, não fique jogada à sorte até o nascimento com vidado nascituro, mesmo com frágeis indícios de paternidade. Daí ointuito de aprofundar os estudos sobre alimentos gravídicos, acre-ditando que o magistrado seja cauteloso com os indícios de pa-ternidade para que o suposto pai não venha a sofrer danos morais.

Abstract :

This study aimed to analyze the food gravidic, introduced byLaw n. 11.804/08. Since this is a right guaranteed to womenduring pregnancy, in favor of the unborn and converted in favorof it when there is a live birth. Thus, food pregnancy appreciatesthe maintenance obligation in order that the child is unable tosustain itself and needs help. It is conjectured that the unborn

* Bacharel em Direito pela FACI. Procuradora Municipal do Município de Ananindeuae advogada.

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child has the right to food and the full development of the pro-cess of pregnancy, because their fundamental right to life isguaranteed in the Constitution. Law 11.804 of 05 November2008, seeks to recover the relief that a pregnant woman duringpregnancy does not get the luck to play the live birth of the un-born child, even with weak evidence of paternity. Hence in orderto deepen the studies on food gravidic, believing that the ma-gistrate be cautious with the evidence of paternity, that the al-leged father will not suffer damages.

Resumen:

Este estudio tuvo como objetivo analizar los gravídicos alimentos,introducidos por la Ley n 11.804/08, siendo este un derecho ga-rantizado a la mujer durante el embarazo, en nombre de los nonacidos y convertido a favor del mismo cuando hay un nacimientocon vida. Prevé que el niño por nacer tiene derecho a la alimen-tación y al desarrollo completo del proceso de gestación. La Leytiene por objeto llevar el apoyo a las mujeres embarazadas paraque estas, durante el embarazo, no se queden abandonadas alazar hasta el nacimiento con vida de los niños, incluso con unadébil evidencia de la paternidad. De ahí el objetivo de profundizarlos estudios sobre los alimentos gravídicos, en la creencia de queel magistrado sea cauteloso con las pruebas de paternidad paraque el presunto padre no sufra daños morales.

Palavras-chaves:

Alimentos gravídicos, nascituro, responsabilidade civil.

Keywords:

Food gravidic, unborn, liability.

Palabras clave:

Alimentos gravídicos, no nacidos, responsabilidad civil.

Introdução

vislumbra-se que o nascituro é um ente concebido, emboranão nascido, aquele que se encontra no ventre materno. o novelCódigo Civil, em seu art. 2º, protege as expectativas de direitodo nascituro, provocando grande embate no que tange aos direi-tos do nascituro e ao surgimento de sua personalidade civil, pro-piciando o nascimento de teorias que buscam justificar omomento da personalidade civil.

Com a entrada em vigor da lei n. 11. 804/2008 (lei de Ali-mentos gravídicos), a qual possui como finalidade a proteção à mulhergrávida e aos direitos do nascituro, garantindo a ambos uma gestaçãosaudável, surge grande controvérsia na doutrina e jurisprudênciaquanto ao cabimento da prestação de alimentos para o nascituro.

Cabe salientar que a lei, ao mesmo tempo em quebusca proteger os direitos do nascituro e da gestante com a pres-tação de alimentos durante a gravidez, acaba por esbarrar nosdireitos do suposto pai, visto que este tem, por muitas vezes, odever jurídico de arcar com o ônus pecuniário. nesse sentindo,surgem vários posicionamentos a respeito do assunto, cada autorcom uma opinião diferente, demonstrando seus pontos positivosou negativos, gerando mais dúvidas quanto ao cabimento daprestação de alimentos para o nascituro.

Há muito tempo se discute o assunto em questão, tendoaumentado, com a lei de Alimentos gravídicos, as controvérsias,surgindo vários argumentos, visões e opiniões bem divergentes, nãose chegando, até o presente momento, a um denominadorcomum. o assunto é bem delicado por se tratar de alimentos paraum ser que ainda não nasceu, pois se cria uma expectativa devida, uma probabilidade. A importância da prestação dos alimentosse deve a que este possa vir a nascer com vida, originando outracontrovérsia, que é o direito à vida do nascituro como um dos

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pressupostos da obrigação alimentar, aumentando o embate, queparece não ter fim.

Diante do exposto, e em virtude do grande embatedoutrinário e jurisprudencial ainda existente acerca do assunto,e não tendo uma posição unânime, por se tratar de questõesrecentes, o presente trabalho tem por escopo analisar o cabi-mento da prestação de alimentos para o nascituro, levando emconsideração os direitos da gestante, do nascituro e do supostopai, levantando os argumentos a favor e os argumentos contra areferida prestação de alimentos.

A finalidade a ser alcançada com a elaboração da seguintepesquisa, em razão da grande divergência doutrinária e jurispru-dencial existente, e de lacuna deixada na lei de Alimentos gravídi-cos, a qual entrou em vigor no dia 06 de maio de 2008, é serealmente é possível a prestação de alimentos para o nasciturodurante o estado de gravidez da gestante.

Quais são as pessoas que possuem o dever de prestaros alimentos para o nascituro? Qual o momento em que ocorrea extinção dos alimentos gravídicos? E ainda, quais são as pos-sibilidades de incidência de dano moral? Há aplicação do dispo-sitivo do Código Civil no que tange à responsabilidade civil?

CApÍTuLO I: NOçÕES pRELIMINARES

FAMÍLIA

o termo família têm várias concepções. no sentidoamplo, abrange todas as pessoas que estiverem ligadas porlaços sanguíneos ou por afinidade, incluindo pessoas estranhas;compreende, também, indivíduos de seus serviços domésticos

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(artigo 1.412, § 2º do Código Civil). Entretanto, no sentido restrito, a família abrange, além

das pessoas unidas pelos vínculos do matrimônio e filiação (côn-juge e prole), a entidade familiar composta pelos pais que vivemem união estável ou por qualquer dos pais e seus descendentes,independentemente de existir vínculo conjugal, de acordo com oartigo 226, §§ 3º e 4º da Constituição Federal. Assim, a famílianão se origina apenas do casamento, mas também da união es-tável e da entidade monoparental. Imperioso esclarecer que oCódigo Civil de 2002 traçou uma breve diferença entre família eentidade familiar, salientando que aquela decorre do matrimônio,(artigo 226, § 1º e § 2º da Constituição Federal) e esta da uniãoestável, bem como da comunidade monoparental, aquela for-mada por qualquer dos pais e seus descendentes (artigo 226, §3º e § 4º da Constituição Federal).

Assim, existem quatro espécies de família: a legítima; ailegítima; a monoparental; e a substituta. A família legítima, tam-bém chamada de família matrimonial (artigo 1.597, inciso I a v eartigo 1.618, parágrafo único, ambos do Código Civil), oriundado casamento civil como ato formal, prevista em lei, possui totalamparo legal e estatal, sendo composta pelos cônjuges e por suaprole. Por conseguinte, a família ilegítima, também chamada defamília não matrimonial, não tem por base o casamento civil edecorre de relações extraconjugais, do concubinato e de uniõesestáveis, ambas reconhecidas para o direito como entidadefamiliar, visto que deixou de existir o casamento como requisitofundamental para a legitimação da família.

A família monoparental, ampliada pela ConstituiçãoFederal, composta por um dos pais e seus descendentes, inde-pendentemente de vínculo conjugal que a tenha originado, des-vincula-se da ideia de um casal relacionado com seus filhos, poisestes vivem com apenas um de seus genitores.

Por fim, o direito consagrou a existência da família substituta,

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nos termos do artigo 28 da lei n. 8.069, de 1990, que se configuraráatravés da guarda, tutela e adoção.

ALIMENTOS

Conceito

os alimentos são considerados tudo aquilo necessário àsubsistência humana, ou seja, à manutenção do ser humanocom vida. Em regra, são prestações para a satisfação das ne-cessidades vitais daquele que não pode provê-las por si. Abrangetudo que é considerado necessário à vida, como habitação, ali-mentação, vestuário, tratamento médico, transporte, diversões, e,se o alimentando for pessoa menor de idade, instrução e educa-ção (artigo 1.701, in fine, do Código Civil). Existem alguns queconsideram, ainda, as despesas realizadas com sepultamento,possuindo uma conotação muito ampla.

Para Cahali (2003, p. 16), na lição de Josserand, oconceito de alimento:

Constituem os alimentos uma modalidade de assistência im-posta por lei, de ministrar os recursos necessários à subsis-tência, à conservação da vida, tanto física como moral e socialdo indivíduo [...].

requisitos

A obrigação alimentar está configurada quando seusrequisitos de validade são corretamente preenchidos, quaissejam, a existência de companheirismo, de vínculo de paren-tesco ou conjugal, de situação de necessidade do alimentando,das possibilidades econômicas do alimentante e da proporciona-lidade na fixação dos alimentos, sendo estes fundamentais a todae qualquer pretensão alimentar.

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o fornecimento de alimentos decorre de “companheirismo”(DInIZ, 2004, p. 499), vínculo de parentesco ou conjungal entre oalimentando e o alimentante. Assim, deverá o alimentando, emação de alimentos, demonstrar o vínculo familiar com o alimen-tante para adquirir o direito questionado na pretensão alimentar,assim como preceitua o artigo 1.694, caput, do Código Civil.

outro requisito fundamental é a “existência de necessi-dade do alimentando” (DInIZ, 2004, p. 500), o estado de pe-núria da pessoa que necessita de alimentos, quando esta nãotem bens suficientes ou está impossibilitada de prover com o seupróprio trabalho a sua subsistência, seja por doença, idade avan-çada ou qualquer outro motivo relevante, possuindo direito a pen-são alimentícia mesmo que culpado por essa situação.

nesse sentido, os alimentos serão apenas os indispen-sáveis à subsistência, como é o caso daquele parente que dácausa ao seu estado de necessidade por descuido, irresponsa-bilidade ou qualquer outro motivo.

Cabe ressaltar, a regra é que cada indivíduo deve proversua própria mantença e, em caso de impossibilidade, deverá re-correr ao alimentante, sendo a obrigação de prestar alimentosde caráter subsidiário.

É de suma importância analisar as possibilidades eco-nômicas do alimentante, de modo a verificar a sua capacidade fi-nanceira, para que não haja privação do necessário ao seu própriosustento. Desse modo, não poderá fornecer alimentos se o devedorpossui apenas o indispensável para a sua subsistência, sendo in-justo privar-se de seu sustento para socorrer parente necessitado.

Além dos requisitos citados anteriormente, outro impor-tante é a proporcionalidade na fixação dos alimentos, como pre-ceitua o artigo 1.694, §1º, do Código Civil de 2002: “os alimentosdevem ser fixados na proporção das necessidades do reclamantee dos recursos da pessoa obrigada”.

Faz-se necessário, para a quantificação de valores, o binômio

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necessidade/possibilidade, ou seja, as necessidades do alimen-tando e as possibilidades econômicas do alimentante, para fixaro valor da pensão alimentícia devida.

Assim, para que sejam fixados os alimentos, é de suma im-portância que atendam aos requisitos das necessidades do alimen-tando e as possibilidades econômico-financeira do alimentante, semprejuízo de sua própria subsistência, sendo necessário, para tanto,provas que demonstrem tais condições.

sujeitos da Prestação Alimentícia

o dever de sustento recai apenas aos pais, conforme oartigo 1.566 do novel Código Civil, não se estendendo aos demaisparentes, ao passo que a obrigação alimentar abrange os pa-rentes, recaindo sobre descendentes, ascendentes e colateraisaté o segundo grau.

na obrigação alimentar surge a figura do alimentando,aquele que necessita dos alimentos, sendo “o credor da relaçãojurídica alimentar” (vADEMECUM, 2010, p. 284), e o alimentante,aquele que deve alimentos, sendo o devedor da pretensão alimen-tar. Cabe esclarecer que essas pessoas podem ser sujeitos ativose passivos, uma vez que o credor também pode ser devedor, con-figurando tal obrigação de modo de cumprimento alternativo.

A pretensão alimentar possui duas modalidade, a pensãoalimentícia própria, ocorrendo mediante a prestação em dinheiro;e a pensão alimentícia imprópria, ocorrendo mediante o forneci-mento de hospedagem, sustento, e, ainda, o necessário à educa-ção, quando o alimentando for pessoa menor de idade.

As obrigações alimentares surgem em razão das relaçõesparentais e são recíprocas entre ascendentes, descendentes e cola-terais de 2º grau, sendo o que prescreve o artigo 1.696 do CC: “o di-reito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos, e extensivo

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a todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximosem grau, uns em falta de outros” (vADEMECUM, 2010, p. 284).

E, no artigo 1.697 do mesmo código: “na falta dos ascen-dentes cabe a obrigação aos descentes, guardada a ordem de su-cessão e, faltando estes, aos irmãos, assim germanos comounilaterais” (vADEMECUM, 2010, p. 284).

Assim, o alimentando não poderá escolher o devedor dealimentos.

o rol de pessoas obrigadas à prestação alimentar étaxativo, e não inclui parentes por afinidade, sogros, cunhados,padrastos, enteados, entre outros. nesse sentido, apenas aspessoas ligadas pelo mesmo tronco ancestral devem alimentos.A ordem é preferencial, seguindo, primeiramente, entre pais e filhos;na falta destes, os ascendentes, e os de graus mais próximosexcluem os de grau mais remoto; os descendentes, seguindo aordem sucessória; e, por último, os irmãos, unilaterais ou bilate-rais, sem distinção. segundo Diniz (2004, p. 510):

Quem necessitar de alimentos deverá pedi-los, primeiramente,ao pai ou à mãe (rt, 490:108). na falta destes, por morte ou in-validez, ou não havendo condição de os genitores suportarem oencargo, tal incumbência passará aos avós paternos ou mater-nos; na ausência destes, aos bisavós e assim sucessivamente.

Assim, o alimentando não poderá auferir a responsabili-dade da pretensão alimentícia a seu gosto, escolhendo o parenteque deverá prover o seu sustento.

nesse panorama, existem, pois, quatro classes de paren-tes que estão obrigados a prestarem alimentos entre si, são elas:“pais e filhos; na falta, os ascendentes na ordem de proximidade;os descendentes, de acordo com a ordem de sucessão; e ainda,os irmãos, tanto germanos quanto unilaterais” (DIAs, 2009, p. 484).

nesse mesmo sentido, na ausência dos filhos são chama-dos netos, bisnetos, e assim sucessivamente, e, na ausência dos pais,poderão ser chamados avôs, bisavôs, e assim sucessivamente.

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na ausência dos descendentes, tal obrigação incidirásobre os colaterais de segundo grau, sendo estes os irmãos, nãoimportando serem germanos ou unilaterais. nesse diapasão, ostios estão incumbidos de prestarem alimentos aos sobrinhos,bem como os primos não se devem alimentos reciprocamente.

no que tange aos chamados alimentos complementares,são amparados pelo dispositivo legal do artigo 1.698, 1º parte,no qual o parente, devedor primário, que não tiver condições fi-nanceiras de arcar sozinho com o encargo alimentar, poderáacionar os de grau mais próximo, que também concorrem com oônus alimentar. nessa mesma linha de raciocínio, proclama aJurisprudência dos tribunais (AlvEs; loPEs, s/d):

AlIMEntos. AvÓs.oBrIgAÇÃo sUPlEMEntAr. os avós,tendo condições, podem ser chamados a complementar o pen-sionamento prestado pelo pai que não supre de modo satisfa-tório a necessidade dos alimentandos. Art. 397 do Código Civil.Precedentes. recurso conhecido e provido. (stJ - 3ª t.; rEspnº 579.385-sP; rela. Min. nancy Andrighi; j. 26/8/2004; v.u.)

no caso de haver mais de uma pessoa obrigada a prestaralimentos, estes serão satisfeitos na forma de concurso de paren-tes, na medida em que cada parente contribuirá de acordo com a suaquota-parte, não devendo arcar sozinho, o alimentante, com o ônusalimentar, distribuindo-se a dívida entre todos (art. 1.698 do CC).

CApÍTuLO II: ALIMENTOS GRAVÍDICOS

NASCITuRO

Conceito

Define-se o nascituro como sendo o ente concebido, mas

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ainda não nascido, portanto, encontra-se no ventre materno, em es-tado fetal, e, nesse sentido, possui existência intrauterina. logo,desde a concepção até o nascimento com vida, o embrião é um nas-cituro, gerado e concebido com existência no ventre materno. li-mongi França (apud gAglIAno e PAMPlonA FIlHo, 2008, p. 82)conceitua o nascituro como “o que está por nascer, mas já concebidono ventre materno”.

Dessa feita, o nascituro é aquele que ainda não nasceu,e, ainda, que se encontra ligado pelo cordão umbilical à gestante,aquele que está, portanto, em um estado de transição entre aconcepção e o nascimento. no entanto, o nascituro é passívelde alguns direitos, compatíveis com a sua condição especial,como bem demonstra o artigo 4º do Código Civil. Porém, éimprescindível que ocorra o nascimento com vida, sendo esteum acontecimento futuro e certo.

o Código Civil de 2002 têm várias disposições a respeitodo nascituro e não o reconhece como pessoa natural, mas põe asalvo seus direitos desde a concepção, de acordo com a redaçãovigente no artigo 2º: “a personalidade civil da pessoa começa donascimento com vida, mas a lei põe a salvo, desde a concepção,os direitos do nascituro”. logo, respeita-se os direitos do nasciturouma vez que nesse instante já começa a formação de um novo ser.

nesse sentido, imperioso que, para o ordenamento JurídicoBrasileiro, o feto nasça com vida, bem como haja o funcionamentodo aparelho respiratório para que o nascituro seja reconhecido pelodireito como pessoa natural e venha a adquirir personalidade jurí-dica. Portanto, a partir do momento que o feto sai do ventre maternoele passa a existir como pessoa natural. logo, adquire personali-dade jurídica, deixando de ter, apenas, uma expectativa de direitose passando a ser sujeito de direitos e obrigações. Conclui-se quea personalidade deriva da pessoa, sendo esta um ente físico oucoletivo suscetível de ser sujeito de um dever jurídico.

segundo gusmão (2008), sobre a personalidade:

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[...] aptidão genérica a ter direito e deveres. Definindo: perso-nalidade, para o direito, é a qualidade que tem a pessoa deser sujeito de direito e de obrigações.[...] como a aptidão que tem a pessoa, em função de seu estadopessoal, de adquirir direito e assumir obrigações.

vislumbra-se que o nascituro não possui personalidadejurídica material. A lei vigente lhe concede a personalidade materialapenas se nascer com vida. no entanto, o ordenamento jurídicopreserva seus interesses futuros diante da probabilidade de nascercom vida, adquirir a almejada personalidade jurídica e ter aptidãopara ser titular de direitos e contrair deveres na ordem jurídica.

necessário esclarecer a diferença entre a personalidade ju-rídica formal e a personalidade jurídica material. A primeira refere-se tão somente aos direitos da personalidade, ou seja, aos direitosextrapatrimoniais, como, por exemplo, o direito à vida e à integridadefísica, sendo tutelados desde a concepção. no entanto, a persona-lidade jurídica material refere-se aos direitos patrimoniais, os quaissó serão adquiridos se o nascituro nascer com vida, caso contráriohá uma mera expectativa de direitos, terão natureza jurídica de di-reitos futuros não deferidos (art. 74, III, e parágrafo único do CC).

Como bem salienta Diniz (1999), o nascituro possui per-sonalidade jurídica formal, aduzindo que:

[...] tem o nascituro personalidade jurídica formal, no que serefere aos direitos personalíssimos, passando a ter personali-dade jurídica material, adquirindo os direitos patrimoniais,somente, quando do nascimento com vida. Portanto, se nas-cer com vida, adquire personalidade jurídica material, mas, setal não ocorrer, nenhum direito patrimonial terá.

De acordo com o novo Código Civil, a personalidade ju-rídica da pessoa humana começa no nascimento com vida, a partirdo momento que o recém-nascido adquiriu vida autônoma e passoua respirar, sem que fosse necessário a participação da mãe paraisso. Entretanto, a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitosdo nascituro, os quais, segundo Diniz (1999, p. 15), “permanecem

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em estado potencial, nascendo com vida, o nascituro, adquirirápersonalidade, sendo capaz de possuir direitos e contrair obriga-ções no mundo jurídico”. Contudo, se nascer morto, não chegaa adquirir vida e não terá personalidade jurídica. vislumbra-se,que o nascimento é o fator determinante da personalidade, a qualfunda-se na existência.

ressalta-se que a personalidade é atributo da pessoa hu-mana e está intimamente ligada a esta. o tempo de duração é a vida.Enquanto viver, “o homem é dotado de personalidade”1. somentecom a morte cessa a sua personalidade. ressalta-se, ainda, que nãoexiste nenhuma hipótese de perda de personalidade em vida.

Com a personalidade surgem os chamados direitos dapersonalidade, os quais são inerentes a pessoa humana, estandoa ela intimamente ligados, de maneira permanente e perpétua,se enquadrando nesse rol o direito à vida, à liberdade física, den-tre outros, e sendo excluídos desse rol os da órbita patrimonial.

teorias

Existe grande controvérsia em relação ao início da persona-lidade jurídica, o que origina três escolas, com o intuito de tentar dirimiressa questão, e, ainda, de definir a posição jurídica do nascituro.

Teoria Natalista

A teoria natalista está prevista no artigo 4º do CódigoCivil e entende que a aquisição da personalidade jurídica ocorrea partir do nascimento com vida. no entanto, o nascituro não éconsiderado pessoa, apenas possui mera expectativa de direito.

nesse sentido, o ordenamento Jurídico Brasileiro preserva

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1 Disponível em: http://jus.uol.com.br/revista/texto/4493/os-direitos-da-personalidade.Acesso em: 28 nov. 2010.

os direitos futuros do nascituro, caso haja o nascimento com vida,sendo essa uma condição para que seja o nascituro sujeito de di-reitos, em virtude de existir uma probabilidade muito grande de queeste venha a nascer com vida.

ressalta-se, contudo, que o nascituro, segundo a teorianatalista, possui uma condição jurídica especial, vez que, mesmonão sendo considerado pessoa natural, foram criados alguns me-canismos com o intuito de proteger-lhe a integridade física e psi-cológica, garantindo-lhe o direito à vida, bem como os direitoseventuais no caso de nascer vivo.

Conclui-se, portanto, que antes do nascimento não há quese falar em personalidade jurídica. Para a teoria natalista, é neces-sário, desse modo, o preenchimento de dois requisitos: o nascimentoe a vida. observa-se que esta é a teoria adotada pelo Direito Civil.

Teoria da Personalidade Condicional

Já para os seguidores da teoria da personalidade condi-cional, o nascituro possui direito, sob uma condição suspensiva,que tem sua efetivação com o nascimento com vida e se extingueno caso de este não chegar a viver.

nesse diapasão, a personalidade jurídica tem início coma concepção, mas faz-se imprescindível que ocorra o nascimentocom vida. Essa corrente defende que o nascituro possui direitos,mas estes estão subordinados a uma condição suspensiva: onascimento com vida.

Teoria Concepcionista

Para a teoria concepcionista, o nascituro adquire persona-lidade jurídica desde a concepção, visto que antes de ocorrer o nas-cimento com vida já existe proteção aos seus interesses, tanto quepor diversas ocasiões a própria lei assegura direitos ao nascituro,

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tanto no âmbito civil como nos demais ramos do direito, sendo,portanto, considerado pessoa. Assim, na qualidade de pessoa onascituro seria considerado sujeito de direitos pela sociedade, aptoa ser agraciado com os direitos da personalidade.

não obstante, essa personalidade persiste apenas paraos direitos da personalidade, sem caráter patrimonial, como o di-reito à vida ou a uma gestação saudável. tem por fundamento ofato de que futuramente o nascituro será sujeito de direitos e,nesse condão, protege, antecipadamente, os direitos que esteadquirirá quando for pessoa física.

salienta-se que a doutrina majoritária adota a teoria na-talista, reconhecendo ao nascituro mera expectativa de direitos.

ALIMENTOS GRAVÍDICOS

Conceito

Com o advento da lei n. 11.804/2008, surge à gestanteo direito de buscar alimentos durante a gravidez ao suposto pai.nesse sentido, a obrigação de alimentar o filho ocorre antes deseu nascimento com vida, como frisa o art. 1º da referida lei.“Art. 1º. Esta lei disciplina o direito de alimentos da mulher ges-tante e a forma como será exercido”, uma vez que seria injustoter a mãe que suportar sozinha os encargos da gestação. Essaassistência material em forma de alimentos gravídicos possibilitaque a gestante continue a gravidez com dignidade.

nesse viés, os ensinamentos de Miranda (1995, p. 215):

a obrigação de alimentos pode começar antes do nascimentoe depois da concepção (CC, arts. 397 e 4º), pois, antes de nascer,existem despesas que tecnicamente se destinam à proteçãodo concebido e o direito seria inferior à vida se acaso recu-sasse atendimento a tais relações inter-humanas, solidamentefundadas em exigências de pediatria.

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ressalta-se que os alimentos gravídicos são asseguradosdesde a concepção, compreendendo estes as despesas da ges-tante em itens como alimentação especial, assistência médica epsicológica, exames complementares, internações, parto, medica-mentos e demais prescrições preventivas e terapêuticas indispen-sáveis e a critério do médico, de acordo com o artigo 2º dasupracitada lei, não se tratando de um rol exaustivo, podendo exis-tir outras despesas compreendidas pelos alimentos gravídicos.

na lição de lomeu (2008) os alimentos gravídicos:

[..] os alimentos gravídicos podem ser compreendidos comoaqueles devidos ao nascituro, e, percebidos pela gestante, aolongo da gravidez, sintetizando, tais alimentos abrangem osvalores suficientes para cobrir as despesas adicionais doperíodo de gravidez e que sejam dela decorrentes, da concepçãoao parto, inclusive as referentes a alimentação especial,assistência médica e psicológica, exames complementares,internações, parto, medicamentos e demais prescriçõespreventivas e terapêuticas indispensáveis, a juízo do médico,além de outras que o juiz considere pertinentes.

Importante frisar que o ordenamento jurídico prima pelaproteção ao direito da vida e da dignidade da pessoa humana,sendo tais direitos fundamentais, assegurados pela ConstituiçãoFederal, em seu art. 5º, caput.

Prevê a Declaração Universal de Direitos Humanos2: “Direitoà vida: 1. toda pessoa tem o direito de que se respeite sua concep-ção. ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente [...] (Decla-ração Universal Dos Direitos Humanos, art. 4º - Pacto de são Joséda Costa rica).

Cabe ressaltar, que a Carta Magna, no art. 1º, inciso III,assegura a dignidade da pessoa humana, impedindo que sejaameaçada sua integridade física, inclusive do nascituro, bem comoo art. 7º da lei n. 8.069/90, do Estatuto da Criança e Adolescente,

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2 DEClArAÇÃo Universal de Direitos Humanos. Disponível em:<http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/instrumentos/sanjose.htm>.Acesso em: 01 dez. 2010.

protege a vida e a saúde da criança, através da realização de po-líticas sociais que possibilitem o nascimento e o desenvolvimentosaudável e normal do menor.

nesse sentido, o ordenamento jurídico protege o nasci-turo, garantindo-lhe a vida mediante a possibilidade de percep-ção de alimentos, propiciando-lhe condições dignas e sadias dedesenvolvimento, uma vez que este é titular do direito mais im-portante que é a vida.

nesse caso, infere-se que o direito a alimentos é vistocomo um dos atos inerentes à conservação do nascituro, sendodevido a isso que se vislumbra a necessidade da concessão doinstituto para a sobrevivência e o desenvolvimento saudável do feto,consagrando o direito à vida e à dignidade da pessoa humana.

ressalta-se que o nascituro tem direito a alimentos, uma vezque possui necessidades próprias como despesas médicas, even-tuais cirurgias fetais, despesas com parto e nutrição, entre outras.

Imperioso ressaltar que os alimentos gravídicos devemser fixados de acordo com a necessidade da gestante e as pos-sibilidades do alimentante, nesse caso o suposto pai, de acordocom a redação dada pelo art. 2º, parágrafo único, da nova lei:

Parágrafo único. os alimentos de que trata este artigo referem-se à parte das despesas que deverá ser custeada pelo futuropai, considerando-se a contribuição que também deverá serdada pela mulher grávida, na proporção dos recursos de ambos.

Com relação à fixação do quantum dos alimentos gravídicos,deve-se levar em consideração a proporcionalidade, na medida em quea contribuição em benefício do menor é obrigação de ambos os pais.

Sujeitos

no que se refere ao possível devedor, e de acordo como parágrafo único do art. 2º da lei de Alimentos de gravídicos,in verbis, o encargo é imposto ao suposto pai:

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Parágrafo único. os alimentos de que trata este artigo referem-se à parte das despesas que deverá ser custeada pelo futuropai, considerando-se a contribuição que também deverá serdada pela mulher grávida, na proporção dos recursos de ambos.

no caso da impossibilidade de o suposto pai arcar comas despesas ou só poder fazê-lo parcialmente, aplica-se por ana-logia as leis 5.478/68 e 5.869/73, de acordo com o dispositivo11 da supracitada lei, pois assim é possível o cabimento dos ali-mentos gravídicos avoengos.

Imperioso o estabelecido no art. 6º, parágrafo único, dalei 11.804/2008, no qual após o nascimento com vida do nasci-turo os alimentos convertem-se em pensão alimentícia em favordo menor até que uma das partes solicite revisão:

Art. 6º Convencido da existência de indícios da paternidade, ojuiz fixará alimentos gravídicos que perdurarão até o nasci-mento da criança, sopesando as necessidades da parte autorae as possibilidades da parte ré. Parágrafo único. Após o nascimento com vida, os alimentosgravídicos ficam convertidos em pensão alimentícia em favordo menor até que uma das partes solicite a sua revisão.

nesse diapasão, os alimentos perdurarão mesmo após onascimento, momento em que a verba de caráter alimentar fixadase transforma em alimentos em favor do filho, mudando, portanto,sua natureza, e podendo ser estabelecido valores diferenciados,vigorando um montante para o período da gravidez e valoresoutros, a título de alimentos ao filho a partir do seu nascimento.

Há a possibilidade de a mãe promover a ação em re-presentação do nascituro.

nesse sentido, venosa (2008, p. 317):

[...] são legitimados ativamente para essa ação o investigante,geralmente menor, e o Ministério Público. o nascituro tambémpode demandar a paternidade, como autoriza o art. 1.609, pará-grafo único (art. 26 do Estatuto da Criança e do Adolescente)[...].

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nesse prumo, o nascituro tem legitimidade ad causam, re-presentado pela mãe, para a propositura da ação de alimentos,tendo seu direito assegurado, conforme Apelação Cível n. 193648-1 do tribunal de Justiça de são Paulo, de 14 de setembro de 1993.

Meios de Provas

segundo o art. 6º da lei de Alimentos gravídicos, nãohá necessidade de prova de parentesco ou a obrigação alimentar,bastando, para tanto, indícios de paternidade: “convencido daexistência de indícios de paternidade, o juiz fixará alimentos graví-dicos que perdurarão até o nascimento da criança, sopesandoas necessidades da parte autora e as possibilidades da parte ré”(grifos nossos).

Imperioso analisar a questão da realização do exame deDnA, não sendo viável tal prova pericial, uma vez que a coleta delíquido aminiótico pode colocar em risco a vida da criança, e hajavista o custo do exame, que deverá ser suportado pela gestante.

Assim, os ensinamentos da Desembargadora Dias (2006):

não há como impor a realização de exame por meio da coleta delíquido amniótico, o que pode colocar em risco a vida da criança.Isso tudo sem contar com o custo do exame, que pelo jeito teráque ser suportado pela gestante. não há justificativa para atribuirao Estado este ônus. E, se depender do sistema Único de saúde,certamente o filho nascerá antes do resultado do exame.

Entretanto, a gestante possui o ônus de fornecer provas quecomprovem os indícios de paternidade, como fotografias, cartas, e-mails, mensagens de celular, conta-corrente conjunta, testemunhas,dentre outras, sob pena de ensejar na improcedência da ação por faltade provas. nesse momento, o juiz fixará desde logo os alimentosprovisórios, se convencido das provas trazidas aos autos. o simplespedido da autora não goza de presunção de veracidade.

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no que tange ao quantum dos alimentos gravídicosdevidos, o juiz deverá aplicar o disposto no art. 1.604 do CódigoCivil, seguindo o binômio alimentar, a necessidade da gestantee a possibilidade do suposto pai.

Cabe ressaltar que os juízes deverão utilizar-se das regrasdo livre convencimento, segundo o art. 131 do CPC, para analisarcorretamente os fatos e indícios de paternidade existentes emcada caso concreto, se apoiando na verdade processual, umavez que, como disciplina o art. 1.597 do Código Civil, no nascituroa paternidade é presumida.

no entanto, embora não seja necessária a existência de provapré-constituída da paternidade, é indispensável a prova da gravidez.

Contudo, visto que o suposto pai não pode exercer o pe-dido de exame de DnA para utilizar como matéria de defesa, nadaobsta que sejam utilizados outros meios para a comprovação danegativa de paternidade antes do nascimento, como exemplos trai-ção, vasectomia, impotência sexual, novas núpcias, que podemser produzidas pelo mesmo sem trazer risco ao feto, conforme es-tabelecido nos artigos 1.587 a 1.602 do novel Código Civil.

Responsabilidade Civil

Imperioso ressaltar a questão da responsabilidade civil,uma vez que o suposto pai pode ser obrigado a pagar pensão ali-mentícia e só depois ser comprovado que não é pai. logo, poderáocorrer durante a fase processual o pagamento indevido do réu.

ocorre que, de acordo com o Princípio da Irrepetibilidadedos alimentos, não há devolução dos alimentos já prestados comofonte de subsistência e em favor do alimentando, devido a própriacaracterística dos alimentos, os quais são irrepetíveis, por asse-gurar a sobrevivência do credor, sendo impertinente tal ato. Porém,em vista da negativa de paternidade, caberá o ressarcimento dos

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valores já pagos a título de pensão alimentícia e a possibilidadede danos morais em favor do suposto pai.

Assim, Dias (2007) explica: “[...] como os alimentos ser-vem para garantir a vida e se destinam à aquisição de bens deconsumo para assegurar a sobrevivência é inimaginável preten-der que sejam devolvidos [...]”.

Infere-se, no caso de a gestante ter por escopo obterauxílio financeiro de terceiro inocente, agindo de má-fé, fica con-figurada a existência de ato ilícito, gerando o dever de indenizar,conforme arts. 187 e 927 do Código Civil, in verbis:

Art. 187. também comete ato ilícito o titular de um direito que, aoexercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seufim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.[...]Art. 927. Aquele que, por ato ilícito causar dano a outrem, ficaobrigado a repará-lo.

A lei de Alimentos gravídicos impunha, de acordo como estabelecido no art. 10 da lAg, a responsabilidade objetiva àgestante, ou seja, independentemente de culpa, atentando contrao livre exercício do direito de ação. no entanto, o artigo supra-mencionado foi vetado e se passou a aplicar a responsabilidadesubjetiva para o caso em questão, ou seja, sendo necessário acomprovação de culpa para gerar o dever de indenizar.

nesse viés, a responsabilidade civil da gestante serásubjetiva, em caso de negativa de paternidade, sendo de sumaimportância a comprovação da existência de culpa, de acordocom o estabelecido no art. 186 do Código Civil: “Art.186. Aqueleque, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência,violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamentemoral, comete ato ilícito”.

logo, a ação ou omissão do agente deve ser voluntária,negligente ou imprudente, fazendo-se necessário a comprovaçãoda culpa, como anteriormente dito.

Para que seja configurada a responsabilidade civil subjetiva,

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faz-se necessário a existência de uma ação ou omissão do su-jeito ativo, bem como a existência de um dano sofrido pela vítima,e, ainda, o nexo de causalidade entre o causador do dano e a ví-tima, desde que verificada culpa ou o dolo do agente.

vislumbra-se a extinção da responsabilidade objetiva dagestante em face da violação ao princípio constitucional doacesso à justiça (art. 5º, XXXv). no entanto, comprovada a ne-gativa da paternidade, subsiste a responsabilidade subjetivapelos danos morais (honra e imagem) e materiais (pagamentode alimentos indevidos), que por má-fé ou culpa a genitora tenhacausado ao réu.

Assim, se comprovada a culpa, de acordo com o art. 186do Código Civil, a gestante pode responder pela indenização devida.

ocorrendo o nascimento com vida, ou em caso deaborto, se dará a extinção dos alimentos gravídicos, se compro-vado que o nascituro não é filho do suposto pai, sendo então amãe a única a arcar com tais despesas. no entanto, se compro-vado que o nascituro é filho do suposto pai, os alimentos graví-dicos são automaticamente convertidos em alimentos, nosmoldes do artigo 6º, parágrafo único, da lei 11.804/2008, in ver-bis: “Parágrafo único. Após o nascimento com vida, os alimentosgravídicos ficam convertidos em pensão alimentícia em favor domenor até que uma das partes solicite a sua revisão”.

observa Freitas (2008) o caso de extinção dos alimentosgravídicos da seguinte forma: “A extinção se dará automatica-mente em casos de aborto e, também, após o nascimento, com-provado que a paternidade não é daquele obrigado pelosalimentos gravídicos”.

nesse diapasão, a extinção dos alimentos gravídicosocorrerá automaticamente nos casos de aborto ou de natimortoe mesmo após o nascimento, se comprovada não ser do réu apaternidade em questão.

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CONCLuSãO

A prestação de alimentos, sempre foi uma questão muitodelicada a ser tratada, uma vez que está ligada ao princípio dadignidade da pessoa humana, respaldada na Constituição Federalde 1988. A questão passa a ser mais importante quando estáatrelada à obrigação alimentar devida ao nascituro.

Acredita-se que seja realmente possível a prestação dealimentos para o nascituro, uma vez que os alimentos são indis-pensáveis à subsistência humana. Ao ser concebido o alimentoà gestante durante seu estado de gravidez, o nascituro estará sebeneficiando de forma indireta, já que este necessita da mãe paraque venha a ter um desenvolvimento saudável, e, nesse sentido, es-tará garantindo o direito maior a todo e qualquer ser humano,qual seja, o direito a vida humana.

os alimentos gravídicos visam proporcionar ao feto umdesenvolvimento saudável, já que oferece à gestante toda aassistência necessária para que o feto venha a nascer com vida.Estes tem por finalidade cobrir as despesas especiais ocorridasno período de gravidez, tais como: assistência médica, psicológica,exames complementares, internações, parto, medicamentos,prescrições preventivas, terapêuticas e outras consideradas in-dispensáveis para o desenvolvimento conveniente do feto, deforma que este não venha ser privado de ter acesso aos nutrien-tes necessários para o seu nascimento com vida.

Cabe ressaltar, ainda, que os alimentos gravídicos são de-vidos ao nascituro e percebidos pela gestante durante o seu períodode gestação, sendo tal ônus custeado pelo suposto pai e, também,pela mulher grávida, de forma proporcional ao recurso de ambos.os referidos alimentos se extinguem quando ocorre o nascimentocom vida, mudando de natureza, e convertendo-se em favor dofilho, como pensão alimentícia, até que seja pedido sua revisão.

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Como bem assevera a doutrina pátria, os alimentos graví-dicos são exclusivamente para garantir o desenvolvimento normaldo nascituro, para que este possa vir a nascer com vida, existindo,nesse sentido, uma real possibilidade de que haja a concessão deprestação de alimentos para o nascituro, partindo-se dessa premissa.

no que tange à responsabilidade civil, como foi vetado oart. 10, que dispunha sobre a responsabilidade da autora da açãoquanto aos danos morais e materiais causados ao réu, no casode resultado negativo do exame de DnA, tem-se que suprir essalacuna buscando-se outro amparo jurídico, qual seja, a aplicaçãoda regra geral da responsabilidade subjetiva constante do art.186 do Código Civil, no qual a autora poderá vir a responder pelaindenização cabível desde que verificada a sua culpa, ou seja,que esta agiu com dolo ou com culpa em sentido estrito ao pro-mover a ação de alimentos.

os alimentos gravídicos são devidos pela simples exis-tência de indícios de paternidade. E esse é um dos pontos maisquestionados em relação a essa legislação, já que tal pressu-posto para o pagamento de alimentos fere veemente o Princípioda Presunção da Inocência, previsto no art. 5º, lvII da CF. Muitosafirmam até que a lei dos Alimentos gravídicos é inconstitucio-nal, já que ninguém pode ser considerado culpado sem que hajaprovas materiais para a comprovação.

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