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Curso de Direito Artigo Original ALIMENTOS GRAVÍDICOS E A POSSIBILIDADE DE RESPONSABILIZAÇÃO CIVIL DA MÃE QUANDO NÃO CONFIRMADA A PATERNIDADE PREGNANCY ALIMONY AND THE POSSIBILITY OF MATERNAL LIABILITY WHEN THE PATERNITY IS NOT CONFIRMED Edney Bandeira Carvalho 1 , Kadidja Leadebal 2 1 Aluno do Curso de Direito 2 Professora Mestre do Curso de Direito Resumo O presente trabalho tem por escopo o estudo da lei de alimentos gravídicos nº 11.804/2008 abordando seus aspectos processuais, as inovações advindas desta lei, a insegurança trazida ao suposto pai, bem como a possibilidade de indenização a este em caso de negativa de paternidade. A lei de alimentos gravídicos visa à proteção da gestante no que tange ao recebimento de alimentos, do genitor, a fim de custear as despesas de sua gestação. Por ser deferida baseada apenas em indícios de paternidade, ou seja, indícios que liguem a mãe ao suposto pai, a Lei de Alimentos gravídicos traz ao ordenamento jurídico profunda fragilidade quanto ao fiel cumprimento da justiça, o qual deveria ser obrigar, desde o ventre, o pai a pagar os alimentos necessários ao fiel desenvolvimento do nascituro. Entretanto, nem sempre o indigitado pai é de fato o verdadeiro genitor daquele nascituro. Diante de tal prerrogativa, sendo em ato omissivo ou comissivo, pode a autora da ação, valendo-se do direito de petição e salvaguardado que a sentença basear-se-á em meros indícios, indicar um pai de forma negligente e, com isso, obrigá-lo por força daquela sentença judicial a arcar com todo o custeio daquela gestação. Surge, assim, a grande celeuma jurídica envolvendo a referida lei, qual seja, sentenças definindo obrigações a quem não lhes pertença. Nesse prisma, faz-se necessário o estudo aprofundado de cada aspecto desta lei, bem como de todos os males que possam surgir em casos de não confirmada a paternidade. Partindo-se da técnica dedutiva, será construído todo arcabouço de argumentos valendo-se de doutrinadores, livros, artigos jurídicos, revistas jurídicas, bem como tudo aquilo que venha a contribuir para sua elaboração. Palavras-Chave: Alimentos gravídicos; nascituro; paternidade; gestante; reparação civil. Abstract The scope of the present work is the study of the law of pregnancy support alimony n. 11804/2008, addressing procedural aspects, the innovations stemmed from this law, insecurity brought to the alleged father, as well as the possibility of indemnifying him in case of paternity disprove. The law of pregnancy support alimony aims at protecting the pregnant woman with regard to receiving food sustenance from the father in order to defray the costs of her pregnancy. Once it is accepted based solely on evidence of paternity (that is, on evidence linking the mother to the alleged father), the law of pregnancy support alimony brings forth deep fragility to the legal system regarding the faithful enforcement of justice, which should be forcing the father to afford, from the womb, food sustenance for the sound development of the unborn child. However, in fact the nominee father is not always the true father of the unborn child. Faced with this prerogative, whether it is an act of omission or commission, the plaintiff may imply a father negligently, taking advantage of the right of petition and safeguarded that the sentence will be based on mere indications. That being, he may be required to bear the entire cost of that pregnancy on account of Court sentence. Thus a great stir arises surrounding that legal act regarding sentences which define obligations to whom don’t bear them. In this line, an in-depth study of every aspect of this law is necessary, as well as of all mischief that may arise in cases of paternity disprove. By using the deductive technique, the arguments framework will be built from scholars, books, legal articles, legal magazines, as well as other means that should contribute to its elaboration. Keywords: pregnancy support alimony; unborn child; paternity; pregnant woman; civil reparation. Contato: [email protected] 1. Introdução O Presente artigo visa adentrar no estudo da lei de alimentos gravídicos que trouxe a inovação de tutelar o direito aos alimentos ao nascituro, antes disponíveis a esse somente após seu nascimento com vida. Nesta lei, o legislador trouxe expressamente previsto os direitos do nascituro, possibilitando à mãe, desde a gravidez,

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Curso de Direito Artigo Original

ALIMENTOS GRAVÍDICOS E A POSSIBILIDADE DE RESPONSABILIZAÇÃO CIVIL DA MÃE QUANDO NÃO CONFIRMADA A PATERNIDADE

PREGNANCY ALIMONY AND THE POSSIBILITY OF MATERNAL LIABILITY WHEN THE PATERNITY IS NOT CONFIRMED

Edney Bandeira Carvalho

1, Kadidja Leadebal

2

1 Aluno do Curso de Direito 2 Professora Mestre do Curso de Direito

Resumo

O presente trabalho tem por escopo o estudo da lei de alimentos gravídicos nº 11.804/2008 abordando seus aspectos processuais, as

inovações advindas desta lei, a insegurança trazida ao suposto pai, bem como a possibilidade de indenização a este em caso de

negativa de paternidade. A lei de alimentos gravídicos visa à proteção da gestante no que tange ao recebimento de alimentos, do

genitor, a fim de custear as despesas de sua gestação. Por ser deferida baseada apenas em indícios de paternidade, ou seja, indícios

que liguem a mãe ao suposto pai, a Lei de Alimentos gravídicos traz ao ordenamento jurídico profunda fragilidade quanto ao fiel

cumprimento da justiça, o qual deveria ser obrigar, desde o ventre, o pai a pagar os alimentos necessários ao fiel desenvolvimento do

nascituro. Entretanto, nem sempre o indigitado pai é de fato o verdadeiro genitor daquele nascituro. Diante de tal prerrogativa, sendo

em ato omissivo ou comissivo, pode a autora da ação, valendo-se do direito de petição e salvaguardado que a sentença basear-se-á

em meros indícios, indicar um pai de forma negligente e, com isso, obrigá-lo por força daquela sentença judicial a arcar com todo o

custeio daquela gestação. Surge, assim, a grande celeuma jurídica envolvendo a referida lei, qual seja, sentenças definindo obrigações

a quem não lhes pertença. Nesse prisma, faz-se necessário o estudo aprofundado de cada aspecto desta lei, bem como de todos os

males que possam surgir em casos de não confirmada a paternidade. Partindo-se da técnica dedutiva, será construído todo arcabouço

de argumentos valendo-se de doutrinadores, livros, artigos jurídicos, revistas jurídicas, bem como tudo aquilo que venha a contribuir

para sua elaboração.

Palavras-Chave: Alimentos gravídicos; nascituro; paternidade; gestante; reparação civil.

Abstract

The scope of the present work is the study of the law of pregnancy support alimony n. 11804/2008, addressing procedural aspects, the

innovations stemmed from this law, insecurity brought to the alleged father, as well as the possibility of indemnifying him in case of

paternity disprove. The law of pregnancy support alimony aims at protecting the pregnant woman with regard to receiving food

sustenance from the father in order to defray the costs of her pregnancy. Once it is accepted based solely on evidence of paternity (that

is, on evidence linking the mother to the alleged father), the law of pregnancy support alimony brings forth deep fragility to the legal

system regarding the faithful enforcement of justice, which should be forcing the father to afford, from the womb, food sustenance for the

sound development of the unborn child. However, in fact the nominee father is not always the true father of the unborn child. Faced with

this prerogative, whether it is an act of omission or commission, the plaintiff may imply a father negligently, taking advantage of the right

of petition and safeguarded that the sentence will be based on mere indications. That being, he may be required to bear the entire cost

of that pregnancy on account of Court sentence. Thus a great stir arises surrounding that legal act regarding sentences which define

obligations to whom don’t bear them. In this line, an in-depth study of every aspect of this law is necessary, as well as of all mischief that

may arise in cases of paternity disprove. By using the deductive technique, the arguments framework will be built from scholars, books,

legal articles, legal magazines, as well as other means that should contribute to its elaboration.

Keywords: pregnancy support alimony; unborn child; paternity; pregnant woman; civil reparation.

Contato: [email protected]

1. Introdução

O Presente artigo visa adentrar no estudo

da lei de alimentos gravídicos que trouxe a

inovação de tutelar o direito aos alimentos ao

nascituro, antes disponíveis a esse somente após

seu nascimento com vida. Nesta lei, o legislador

trouxe expressamente previsto os direitos do

nascituro, possibilitando à mãe, desde a gravidez,

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receber auxílio do genitor para o bom

desenvolvimento do bebê.

Através do estudo dedutivo, serão

abordados cinco tópicos, nos quais se visam à

elaboração de um posicionamento quando da

análise da nova lei de Alimentos gravídicos versus

prejuízos causados e decorrentes da indicação de

um indigitado pai. O primeiro tópico abordará um

breve relato sobre a paternidade e sua

importância.

Ultrapassada a paternidade, serão

abordados o estudo das características dos

alimentos, bem como sua historicidade; o estudo

da obrigação de alimentar; a natureza irrepetível

dos alimentos; e, ainda, as espécies de alimentos.

Após, no terceiro tópico, será abordada a lei

de alimentos gravídicos (11.804/08), objeto direto

deste estudo. Momento este em que serão vistos

alguns pontos como sua importância, suas

particularidades, suas implicações no mundo

jurídico, bem como seu papel paralelo à lei de

alimentos comum (5.478/68).

O quarto tópico tratará do Dano Moral no

que se refere ao momento da sua ocorrência, em

se tratando de indicação equivocada de

paternidade pela genitora em um processo de

alimentos gravídicos, bem como serão discutidos

alguns conceitos.

Por fim, será estudado o instituto da

responsabilidade civil de forma que este instituto

alcance a genitora quando da indicação

equivocada da paternidade a um indivíduo que ela

sabia, ou deveria saber, não ser o pai do nascituro.

E, ainda, será dispensada grande atenção ao

estudo da relativização da repetição do indébito

para os casos em que o indigitado pai adimpliu,

por força de sentença em ação de alimentos

gravídicos, com prestação de alimentos, quando,

na verdade, este não era o verdadeiro pai –

nascendo, assim, a obrigação de ser ressarcido

todo pagamento que realizou indevidamente.

O referido estudo não tem o viés de tratar a

lei de alimentos gravídicos por um prisma

machista. Muito pelo contrário, a lei em comento

trouxe ao ordenamento jurídico uma segurança à

mãe e, principalmente, ao nascituro, garantindo-

lhe a vida desde o ventre. Entretanto, será

analisada toda essa problemática de diversos

pontos de vista a fim de se enxergar todos os

lados existentes nessa relação. Para tanto, serão

consideradas como fontes de pesquisa: livros,

revistas, artigos jurídicos, bem como tudo aquilo

que de alguma forma tenha conexão com o

assunto abordado.

O presente trabalho visa, também, a

discussão polêmica sobre responsabilizar

civilmente e, também, por danos morais a autora

da ação de alimentos gravídicos quando restar

comprovado que o indivíduo obrigado a prestar

alimentos ao nascituro, na verdade, não era o

verdadeiro genitor daquele.

2. Paternidade

Em uma breve análise sobre “paternidade“,

extraímos de sua essência etimológica na língua

portuguesa o verbete latino pater ou patris

(também interpretado como patre, patri, que possui

vínculos com a palavra “padre”, também chamado

de genitor, progenitor ou, ainda, gerador).

Popularmente conhecido como a figura

masculina de uma família que possua um ou mais

filhos, é o primeiro grau de uma linha ascendente

de parentesco. A paternidade dá-se pela

ancestralidade biológica, proveniente do

casamento, da união estável e/ou da relação

monoparental como estado de parentesco. Há

também, não menos importante, a figura da

paternidade oriunda da adoção (sem vínculo

biológico).

Rubens Paiva (2002) leciona em sua obra

que:

“Pai é alguém que, por causa do filho, tem sua

vida inteira mudada de forma inexorável. Isso não

é verdade do pai biológico. É fácil demais ser o pai

biológico. Pai biológico não precisa ter alma. Um

pai biológico se faz num momento. Mas há um pai

que é um ser da eternidade: aquele cujo coração

caminha por caminhos fora do seu corpo. Pulsa,

secretamente, no corpo do seu filho (muito embora

o filho não saiba disso).”

A verdadeira identidade de um pai não está

adstrita a vínculos biológico ou oriunda de alguma

relação jurídica. O verdadeiro pai é aquele que

nutre e avoca o carinho e cuidado por aquele que

escolheu amar.

3. Alimentos

3.1. Historicidade dos Alimentos

É sabido que, na história da humanidade, o

ser humano como ser gregário sempre conviveu

em grupos formados, em sua essência, por

indivíduos que possuíam laço sanguíneo ou

mesmo pela simples afinidade. Esta forma, além

de tudo, é uma estratégia primitiva de

sobrevivência, pois com essa união eles poderiam

se proteger dos perigos que a vida lhes impunha à

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época, inclusive podendo suprir as necessidades

mais básicas daqueles membros que se

encontravam em condições menos favoráveis de

caçar ou mesmo se proteger sozinhos. Logo, o ser

humano sempre necessitou de amparo e cuidado

por parte dos seus semelhantes.

Entretanto, nos ditos “tempos modernos”,

não há dados que possam informar, com precisão,

o momento histórico no qual a figura da obrigação

de alimentar passou a fazer parte do contexto

familiar. Versa sobre o assunto Venosa (2003):

“(...) não havia precisão histórica para definir

quando a noção alimentícia passou a ser

conhecida”.

Tal imprecisão histórica se deve ao fato da

própria constituição da família Romana, que

subsistiu durante todo período arcaico e

republicano. Nesse período, os alimentos eram

vistos como uma obrigação moral para a

assistência mútua entre os membros de uma

determinada família (os ascendentes os deviam

aos descendentes e vice-versa), configurando o

chamado officium pietatis (dever de afeição), sem

nenhuma ligação com normas de Direito positivo.

Somente a partir da verificação do vínculo

de sangue entre os membros da mesma família é

que surge o dever moral da obrigação de alimentar

no direito romano.

Sanches (apud CAHALI, 2007) aduz sobre o

momento histórico do reconhecimento da

obrigação alimentar:

“(...) terá sido a partir do principado, em

concomitância com a progressiva afirmação de um

conceito de família em que o vínculo de sangue

adquire uma importância maior, quando então se

assiste a uma paulatina transformação do dever

moral de socorro, embora largamente sentido, em

obrigação jurídica própria (...); a controvérsia então

se desloca para a extensão das pessoas

vinculadas à obrigação alimentar.”

Haja vista o conceito, à época, de família

(que possuía direta ligação com o vínculo de

sangue), os filhos tido como incestuosos não

possuíam direito algum. Somente o filho natural

seria pela mãe suprido com leite até a idade de 3

anos e qualquer outra despesa com o filho

ocorreria, nesse período, por conta do pai.

Sobre o assunto, Pereira (1988) ilustra:

“(...) no caso de não poderem pai nem mãe dar

alimentos ao filho natural, deveria este demandá-

los aos avós, preferencialmente maternos, e, à

falta de ascendentes, passava a obrigação aos

irmãos, salvo se o pretendente se tivesse afastado

da casa deles, irmãos: se houvesse casado sem

licença paterna: ou se, após o falecimento do pai,

tivesse contraído matrimônio sem licença dos

mesmos irmãos.”

Em relação ao nascituro, os alimentos são

vistos de forma nebulosa, pois vários textos

referiam-se a este como apenas uma víscera

materna, não lhe concedendo qualquer autonomia

ou direitos.

Chaves (2000) esclarece:

“Para o Direito Romano, a personalidade jurídica

coincidia com o nascimento antes do qual não se

falava em sujeito de direito. O Feto no ventre da

mãe era apenas parte desta e não uma pessoa.

Por isso, não podia ter direitos e atributos

reconhecidos ao homem, mas seus interesses

eram resguardados e protegidos de qualquer

situação contrária a seus cômodos.”

Interessante fato trouxe-nos, ainda, a

Professora Benedita Inêz Lopes Chaves (2000),

que considerava o nascituro como sujeito de

direito. Pode-se extrair esse entendimento de

normas que proibiam a execução capital de uma

mulher grávida, o que somente poderia ser feito

após o nascimento daquele nascituro, bem como

uma lei que determinava que fosse aberto o ventre

de uma mulher que morreu prenhe para tentar a

salvação do filho.

Sem sombra de dúvida, essas duas

hipóteses configuravam a tutela do direito à vida

do nascituro, que não dependia de seu

nascimento com vida, mas, antes, já o tinha no

escopo. Se os direitos sucessórios estavam

ligados ao nascimento com vida, outros direitos à

vida eram assegurados pelo simples fato de estar

o nascituro concebido no ventre materno,

assegurado direito a alimentos para o

desenvolvimento intra-uterino.

No código civil de 1916, a obrigação de

alimentar era advinda do efeito jurídico do

casamento, conforme artigo 231, III, “mútua

assistência”, 231, IV “sustento, guarda e educação

dos filhos” e 233, IV, que atribui ao marido como

chefe da sociedade conjugal “prover a

manutenção da família”.

O código civil de 1916 considera, em seu

artigo 2º, que o início da personalidade civil da

pessoa começa a partir do nascimento com vida,

impondo a lei, desde a concepção, os direitos ao

nascituro, acompanhando, assim, a corrente

natalista.

A este respeito, Semião (2000) se

manifesta:

“De acordo com a teoria natalista, o nascituro não

tem vida independente, nem mesmo existência

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própria. O feto nada mais é do que parte das

vísceras maternas, haja vista que na fase

gravídica, a mãe e o filho nascituro chegam a

manter um órgão comum a ambos, que é a

placenta”.

Com o advento do Código Civil de 2002,

entre outros, o direito de família foi ramo que teve

mais expressivas mudanças durante a tramitação

do projeto, a fim de que fosse adequado aos

ditames constitucionais.

Disposto em seu artigo 227, a Constituição

Federal traz expressamente a obrigação da

família, da Sociedade e do Estado, em assegurar

à criança, ao adolescente e ao jovem, entre

outros, o Direito à vida, à saúde e à alimentação.

Estes pontos certamente não existiriam

isoladamente, tanto que tal fato pode ser

percebido ao se adentrar neste estudo.

Para Cahali (2002), alimentos são as

“prestações devidas, feitas para quem as recebe

possa subsistir, isto é, manter sua existência,

realizar o direito à vida, tanto física (sustento do

corpo) como intelectual e moral (cultivo e

educação do espírito, do ser racional)”.

Segundo lição de Rodrigues (2007), o tema

alimentos “abrange também o vestuário, a

habitação, assistência médica, enfim, todo o

necessário para atender às necessidades da vida

e, em se tratando de menor, compreende também

o que for preciso para sua educação e instrução”.

Desta feita, observa-se que os alimentos

vão muito além do que o próprio nome possa

sugerir, pois, por alimentos, entende-se tudo

aquilo necessário para o desenvolvimento físico e

intelectual de um indivíduo.

O Código Civil atual, em seus artigos 1.694

a 1.7101, trata do tema alimentos sem fazer

distinção quanto à origem da obrigação.

Os alimentos são divididos nas seguintes

espécies:

Alimentos Naturais – São os

correspondentes ao indispensável à satisfação

das necessidades básicas de uma pessoa, para

sobrevivência.

Alimentos Civis ou Côngruos – São

aqueles destinados à manutenção da condição

social e status da família conforme sua condição

social.

Para Silvio Rodrigues, os alimentos civis ou

1 Art. 1.694. “Podem os parentes, os cônjuges ou

companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação e seguintes.”

côngruos (necessarium personae) são os

destinados a manter a qualidade de vida do

credor, de acordo com a condição social dos

envolvidos, mantendo, assim, o padrão de vida e

status social do alimentado, limitada a

quantificação, evidentemente, à capacidade

econômica do obrigado. (RODRIGUES, 2004).

Alimentos Legais ou Legítimos – são

aqueles em que a obrigação decorre de uma

obrigação legal. Podem resultar do vínculo

sanguíneo (juris sanguinis), do vínculo de

parentesco, ou do dever de mútua assistência

(casamento ou da união estável). São esses

alimentos que interessam ao Direito de Família,

sendo, portanto, mister o seu estudo.

Alimentos Voluntários – aqueles que

derivam de uma declaração de vontade inter vivos.

Nesse caso, a pessoa que não tinha o dever legal

de prestar alimentos por meio de contrato se

obriga a prestá-los, voluntariamente. Esta

modalidade de alimentos é regulada pelo direito

das obrigações.

Alimentos Testamentários – originários de

causa mortis, se materializam por meio de

disposição testamentária, em forma de legado,

conforme previsão do artigo 1.920 do Código Civil.

Esta espécie pertence ao direito das sucessões.

Alimentos Indenizatórios – são aqueles

que têm origem no dever de ressarcimento do

dano ex delicto. Ou seja, a obrigação surge da

prática de um ato ilícito, no qual o agente é

compelido, por força da lei - (Art. 948 CC)2, a

prestar alimentos à vítima de seu ato. Esta

modalidade de prestação alimentar é também

regulada pelo direito das obrigações.

Neste prisma, percebe-se que somente os

alimentos legais são pertencentes ao Direito de

Família, logo, somente a estes pode ser aplicado o

instituto da Prisão civil pelo não adimplemento.

Em análise ao momento procedimental,

destacamos:

Alimentos Provisórios – são aqueles

arbitrados liminarmente pelo juiz, sem ouvir o réu,

na inicial dos alimentos (Lei 5.478/68). Previsto

quando houver prova pré-constituída do

parentesco, casamento ou união estável, a título

de antecipação de tutela.

Alimentos Provisionais – são aqueles

arbitrados em medida cautelar, preparatória ou

2 Art. 948. “No caso de homicídio, a indenização

consiste, sem excluir outras reparações: II - na prestação de alimentos às pessoas a quem o morto os devia, levando-se em conta a duração provável da vida da vítima”.

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incidental, em ação de separação judicial, divórcio,

nulidade ou anulabilidade de casamento ou de

alimentos, dependendo de comprovação da

presença dos requisitos fumus boni iuris e

periculum in mora.

Por fim, Alimentos Definitivos – são

aqueles que decorrem de sentença judicial

arbitrando tal obrigação, seja ela de que natureza

for. Muito embora sejam definitivos, são passíveis

de revisão quanto ao seu valor sempre que esteja

presente algum requisito que possibilite a

promoção do referido pedido.

Como pode ser visto, os alimentos são

subdivididos de forma que possa ser conhecida a

sua origem e consequência jurídica para aqueles

envolvidos naquela relação.

3.2 Alimentos gravídicos

A lei de alimentos gravídicos nº 11.804, de

05 de novembro de 2008, veio para regular os

alimentos necessários ao nascituro. Tal lei trouxe

ao ordenamento jurídico a tutela à gestante para

pleitear alimentos em face do futuro pai, sendo o

fato gerador do direito a gestação em si. Visa a

proteção aos direitos do nascituro desde a

concepção, haja vista a garantia prevista no artigo

2º do código civil, “a personalidade civil da pessoa

começa com o nascimento com vida”. A lei, ainda,

confere à mãe a legitimidade ativa para a

propositura da ação de alimentos gravídicos.

Em sua obra, Stolze (2014) aduz que: “essa

terminologia, consagrada pelos comentadores da

referida norma, foi criticada por alguns

doutrinadores, entre eles Silmara Juny Chinellato:”

“A recente lei nº 11.804, de 5 de novembro de

2008, que trata dos impropriamente denominados

‘alimentos gravídicos’ – desnecessário e

inaceitável neologismo pois alimentos são fixados

para uma pessoa e não para um estado biológico

da mulher – desconhece que o titular do direito a

alimentos é o nascituro, e não a mãe, partindo da

premissa errada, o que repercute no teor da lei”.

Neste prisma, Stolze (2014) diz concordar

com o ponto de vista da ilustre professora da USP,

sendo muito mais técnico se reconhecer a lei

como dos “Alimentos do Nascituro”.

Stolze esclarece, ainda:

“Por óbvio, se a paternidade, posteriormente, for

oficialmente negada, poderá o suposto pai voltar-

se, em sede de ação de regresso, contra o

verdadeiro genitor, para evitar o seu

enriquecimento sem causa.”

A legitimidade ativa pertence à gestante,

que promoverá a referida ação em nome próprio,

não havendo necessidade de cumular a ação

investigatória de paternidade.

Segundo Berenice (2013):

“Como a obrigação perdura mesmo após o

nascimento, quando a verba fixada se transforma

em alimentos a favor do filho, ocorre a mudança

de sua natureza. A partir deste momento passa a

ser atendido o critério da proporcionalidade,

segundo as condições econômicas do genitor.”

Interessante ponto que nos traz a mesma

autora sobre a aplicação supletiva dos alimentos

gravídicos:

“Apesar de a lei (2º parágrafo único) consagrar

que os alimentos são custeados pelo pai, tal não

agasta a aplicação supletiva da lei civil, que impõe

a obrigação complementar a outros obrigados em

caráter subsidiário. Logo, possível exigir alimentos

gravídicos aos avós, com base no Código Civil

(1696 e 1698) e em toda a construção

jurisprudencial e doutrinária sobre o tema até

agora desenvolvida.”

Ainda, no entendimento de Berenice (2013)

persiste a possibilidade de se perquirir os

alimentos que eram devidos quando da gestação,

quando informa:

“Na hipótese de a gestante não ter pleiteado os

alimentos durante o período da gestação, nada

impede que, após o nascimento, pleiteie o

reembolso das despesas que integram o encargo

que a lei atribui ao genitor”.

Previsto no seu artigo 2º da citada lei, o

valor da obrigação imposta é fixado de acordo com

a necessidade versus possibilidade, levando-se

em consideração as despesas básicas inerentes a

este período da gravidez e as despesas que sejam

decorrentes deste, contribuindo o suposto pai e a

mãe na proporção dos seus recursos.

Donoso (2009) informa que os alimentos

gravídicos são fixados desde a inicial, deferidos

pela antecipação de tutela, fazendo-se necessária

a demonstração de dois pressupostos legais:

verossimilhança do direito, bem como o perigo do

dano irreparável ou de difícil reparação (artigo 273,

caput e I do CPC).

Não sendo comprovados os requisitos

necessários para a antecipação da tutela, segundo

o artigo 6º da lei 11.804/2008 c/c artigos 125 e 130

do código de Processo Civil, é facultativo ao juiz

designar audiência de justificação para analisar os

indícios de paternidade.

Temos, ainda, em seu artigo 11º, a

aplicação supletiva da lei de alimentos 5.478/68,

bem como o código Civil à lei de alimentos

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gravídicos.

Haja vista a fragilidade extraída do texto da

lei de alimentos gravídicos ao se indicar o suposto

pai, a referida lei traz um grande impasse jurídico,

pois, nesta, exigem-se apenas “indícios de

paternidade”, enquanto na lei de alimentos comum

tal comprovação é admitida apenas através de

prova cabal do vínculo de paternidade.

Em virtude da dificuldade em se juntar

provas da paternidade estando a criança ainda no

ventre da mãe, e pensando na celeridade a fim de

se garantir o desenvolvimento do nascituro, foi

possibilitada, na lei de alimentos gravídicos, essa

possibilidade de fazer prova através de meros

indícios.

Com o avanço da ciência, principalmente no

que tange à identificação de pessoas através de

exame de DNA, tornou-se mais fácil e preciso

saber a origem, a filiação de determinada pessoa,

ainda que essa esteja no ventre de sua mãe.

Contudo, ante a dificuldade e mesmo o risco ao

feto de se realizar o referido exame, tal método

não é pacificado no meio jurídico porque a coleta

do líquido amniótico do nascituro pode trazer

riscos à sua integridade, podendo levá-lo, até, à

morte. Consequentemente, como o bem maior a

ser protegido é a vida do nascituro, não é

autorizado pelo judiciário tal procedimento como

fonte de obtenção de prova de vínculo de

parentesco.

Diante dessa análise, ante a impossibilidade

de perquirir a realidade de fato quanto ao real

vínculo genético entre o nascituro e o suposto pai

através do exame de DNA, surge a seguinte

problemática: no caso de, todavia, o suposto pai

indicado pela gestante na inicial da ação, o qual

adimpliu com a citada obrigação durante todo

período gestacional, descobrir após o nascimento

do infante – realizado o devido exame de DNA –

não ser o seu verdadeiro genitor, como proceder?

A lei é clara quando diz, em seu artigo 6º:

“convencido da existência de indícios da

paternidade, o juiz fixará alimentos gravídicos que

perdurarão até o nascimento da criança,

sopesando as necessidades da parte autora e as

possibilidades da parte ré (...)”. Se o deferimento

dos alimentos à gestante é baseado em “indícios

de paternidade”, certamente encontraremos, ao

longo do tempo, sentenças baseadas em fatos

obscuros ou mesmo inverídicos, haja vista a

fragilidade das provas juntadas. Nesse ínterim, o

suposto pai está obrigado por decisão judicial a

arcar com a prestação alimentícia àquele

nascituro, por meio da figura de sua genitora.

Em análise do que vêm a ser “indícios de

paternidade” e de como um magistrado, ao proferir

sua sentença, se vale de elementos que juntos ou

individualizados traduzem e atribuem a dois

indivíduos algum vínculo, bastante a ponto de se

deferir uma obrigação como a de alimentar o

outro, pode-se imaginar como sendo “indício”

qualquer material ou circunstância que, em uma

análise social, ligue uma pessoa à outra.

Entretanto, nem sempre esse elemento de ligação

faz prova cabal que entre esses indivíduos houve

um relacionamento afetivo.

Não obstante, na sociedade, de uma forma

geral, homens e mulheres vêm buscando cada dia

mais sua liberdade: seja liberdade de expressão,

de pensamentos; seja quanto à forma em que eles

mantêm seus relacionamentos, mais

especificamente, quanto à liberdade sexual e de

parceiros afetivos.

Com o advento da tecnologia nas mais

diversas áreas como internet, telecomunicação,

entre outras, o indivíduo passa a se inserir num

mundo cada dia mais “globalizado”. Nele, se

estreitam os elos que conectam uns aos outros, a

exemplo do que acontece com as mídias sociais

(redes sociais tais como Orkut, Facebook, Twitter,

Instragram etc.), além das formas de interação

entre indivíduos através de aparelhos telefônicos

(como mensagens, Whatsapp, iMessenger etc.).

Com essas tecnologias, o ser humano,

inevitavelmente, passa a conviver e fazer parte

deste contexto social, onde, muitas vezes, se

comunica com outras pessoas e se expõe

publicamente através de mensagens, fotos e

vídeos de seu cotidiano e da forma como interage

com o mundo.

Fatalmente, haverá material que envolva

não só este indivíduo, mas, também, outros de seu

convívio mais íntimo e, às vezes, nem tão íntimo

assim. Neste ponto, volto-me para a inteligência

da lei de alimentos gravídicos em seu artigo 6º,

onde diz: “convencido da existência de indícios de

paternidade (...)”. Ora, o que são fotos ao lado de

uma pessoa; mensagens em alguma rede social;

ou um vídeo contendo alguma declaração ou

comentário, senão “indícios” de que aqueles dois

indivíduos tiveram, ao menos por alguns instantes,

certo tipo de intimidade (nem que seja para estar

um ao lado do outro, por alguns segundos, para a

pose daquela foto)?

Porém, nos dias de hoje, pode-se dizer que

duas pessoas serem vistas uma ao lado da outra

em uma imagem, por si só, seja indício de que

entre elas tenha havido uma relação íntima?

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Nasce, então, a indagação quanto à

fragilidade de elementos de que a lei de alimentos

gravídicos se vale para auferir que houve uma

relação que deu origem àquele nascituro e, assim,

deferir a tutela de uma obrigação de sustento de

outro indivíduo pelo vínculo biológico.

Como já exposto, a ação de alimentos

gravídicos tem por escopo garantir ao nascituro o

direito de alimentos, recebendo de seu genitor o

necessário para seu perfeito desenvolvimento

biológico enquanto na barriga de sua mãe.

Entretanto, quando estamos diante de casos

onde há dúvidas quanto à paternidade daquele

suposto pai obrigado pela referida ação a arcar

com a prestação alimentícia, percebemos o quão

tênue é esta linha que separa o verdadeiro pai do

suposto pai.

Adentrando os julgados quanto à matéria

em análise, encontramos o julgado:

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. ALIMEN-

TOS GRAVÍDICOS. (Nº 70050691674 –

TJRS)

Embora não haja provas da existência do

alegado relacionamento, o que poderia le-

vantar indícios acerca da paternidade, mos-

tra-se viável a fixação liminar dos alimentos

gravídicos quando comprovada a gravidez.

Com efeito, por tratar-se de alimentos graví-

dicos, é preciso ter em conta a dificuldade

de se produzir de imediato os indícios acer-

ca da paternidade que se alega.

Nesse passo, em casos como o presente,

deve-se dar algum crédito às alegações ini-

ciais a fim de garantir o direito de maior va-

lor, que é a vida e o bem estar da alimenta-

da, em detrimento da dúvida acerca da pa-

ternidade.

RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO,

POR MAIORIA.”

Inclinando-se sobre a fragilidade dos

deferimentos de ações desta natureza,

encontramos o referido Agravo, oriundo de Ação

de Alimentos Gravídicos, indeferida por falta de

indícios.

A Sentença ora indeferida foi agravada e,

em 2º grau, recebeu “POR MAIORIA, PARCIAL

PROVIMENTO, VENCIDO O DES. RICARDO

MOREIRA LINS PASTL”.

Vejamos o voto do Relator pelo provimento

do agravo:

“No presente recurso a agravante alegou

que conviveu por dois meses com o

demandado e que do relacionamento

resultou a sua gravidez. Disse que tem

direito aos alimentos gravídicos e que esta

idade do feto condiz com o período do

relacionamento.

Data venia, embora não tenha vindo

provas da existência do alegado

relacionamento, o que poderia levantar

indícios acerca da paternidade, estou em

deferir em parte a pretensão recursal.

(grifo nosso)

Com efeito, por tratar-se de alimentos

gravídicos, é preciso ter em conta a

dificuldade de se produzir de imediato os

indícios acerca da paternidade que se

alega.

Nesse passo, penso que, ao menos por

agora, mostra-se razoável a fixação de

alimentos no percentual de 10% da

remuneração líquida do demandado. Tal

valor visa a garantir o direito de maior valor,

que é a vida e o bem estar da alimentada,

em detrimento da dúvida acerca da

paternidade.

Claro, sobrevindo outras provas acerca da

situação das partes, nada impede que os

alimentos voltem a ser revistos.”

Ainda neste sentido, se pronunciou o

segundo Des. que acompanhou o Relator:

“Acompanho o em. relator.

Com efeito, tenho refletido bastante sobre o

tema dos alimentos gravídicos e a

ponderação tem me levado a concluir na

mesma linha do em. relator.

Por primeiro, é preciso ter presente que a

ação de alimentos gravídicos, em verdade,

se resolve com a concessão ou não da

liminar. Isso porque, na imensa maioria das

vezes, o processo gestacional será bem

mais célere do que o processo judicial.

Assim, caso negada, na decisão liminar, a

concessão de alimentos gravídicos

provisórios, a eventual procedência do

pedido, ao final, será inócua para o fim a

que se destina a verba, pois, certamente, a

criança já terá nascido!

Ao depois, a experiência do exercício da

jurisdição ao longo de quase 35 anos

permitiu-me observar que a imensa

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maioria das ações investigatórias de

paternidade (diria que mais de 95%)

resultam procedentes, o que evidencia

que a mulher não costuma imputar

falsamente a paternidade de seu filho.

Esse simples dado estatístico faz com

que prefira, eventualmente, cometer um

erro contra o demandado, concedendo

os alimentos (chance de 5%), do que

errar contra a demandante, negando-os

(chance de 95%).(Grifo nosso)

Ademais, tendo presente a inviabilidade de

realizar exame de DNA no feto, exigir da

gestante provas do relacionamento afetivo,

mesmo indiciárias, poderá levar a situações

cruéis, como a inviabilidade de uma

profissional do sexo vir a obter alimentos

gravídicos...

Estas, em síntese, são as razões que me

levam a acompanhar o em. relator.”

Como pode haver uma decisão totalmente

desprovida de fundamentação e em discordância

com a lei que trata do assunto em pauta? A lei de

Alimentos gravídicos, ainda que obscura quanto a

sua normatização do que vem a ser “indícios”,

imprime a necessidade ao menos de “haver indí-

cios” para o deferimento de antecipação da tutela

desejada. Neste prisma, como é possível os Ilus-

tres Desembargadores valerem-se de “achismos”,

em dissonância com o disposto na citada lei, inclu-

sive já fazendo menção da possibilidade de esta-

rem errados?

No caso em análise, a única e brilhante de-

cisão foi a do único Des. que se posicionou quanto

ao desprovimento do recurso. Vejamos:

“Rogo vênia ao eminente Relator para di-

vergir no presente caso, na compreensão

de que inexiste qualquer sorte de dado

informativo, por ora, a demonstrar a indigi-

tada paternidade e justificar a fixação dos

pretendidos alimentos gravídicos, o que se-

ria de rigor nos termos do art. 6° da Lei n°

11.804/20083. (grifo nosso)

Com efeito, neste momento proces-

sual, a confortar a versão da recorrente de

que manteve curto relacionamento com o

recorrido, de 06 a 28 de janeiro de 2012 (fl.

5), há apenas suas meras afirmações,

3 Art. 6

o Convencido da existência de indícios

da paternidade, o juiz fixará alimentos gravídicos que perdurarão até o nascimento da criança, so-pesando as necessidades da parte autora e as possibilidades da parte ré. [grifei]

tendo sido colacionados ao instrumento

somente exames médicos e uma nota

respectiva, atestando sua condição de

gestante (fls. 16/17 e 22/32), e nada mais.

Na linha da decisão hostilizada, entendo

descabida, por ora, a fixação do pensiona-

mento postulada, providência que, em ação

de alimentos gravídicos, reclama cautela,

tendo em vista a natureza irrepetível da

prestação alimentar.” (Grifo nosso).

Nessa esteira, alinho:

AGRAVO DE INSTRUMENTO.

ALIMENTOS GRAVÍDICOS

PROVISÓRIOS. A Lei n. 11.804/2008

regulamenta o direito de alimentos à

gestante. Embora possível o deferimento

liminar de alimentos, em se tratando de

ação de alimentos gravídicos, imperioso que

a demanda esteja instruída com elementos

de prova que conduzam à reclamada

paternidade. Na ausência de qualquer prova

acerca da apontada paternidade, inviável a

fixação de alimentos provisórios. Agravo de

instrumento desprovido, de plano. (Agravo

de Instrumento Nº 70043072974, Sétima

Câmara Cível, TJRS, Relator Jorge Luís

Dall'Agnol, 24/08/2011).

AGRAVO DE INSTRUMENTO. FAMÍLIA.

ALIMENTOS GRAVÍDICOS. INDÍCIOS DE

PATERNIDADE INSUFICIENTES. ART. 6º

DA LEI 11.804/08. Não havendo

demonstração suficiente da paternidade,

não é possível a fixação de alimentos

gravídicos, mormente ante o fato de os

alimentos constituírem obrigação irrepetível.

AGRAVO DESPROVIDO. (Apelação Cível

Nº 70035238021, Sétima Câmara Cível,

TJRS, Relator José Conrado Kurtz de

Souza, 01/09/2010)

AGRAVO DE INSTRUMENTO. FIXAÇÃO

DE ALIMENTOS GRAVÍDICOS.

IMPOSSIBILIDADE, NO CASO

CONCRETO. LEI Nº 11.804/08.

Considerando a inexistência de indícios da

paternidade do demandado, descabida a

fixação de alimentos gravídicos. NEGADO

SEGUIMENTO AO RECURSO. (SEGREDO

DE JUSTIÇA) (DECISÃO MONOCRÁTICA).

(Agravo de Instrumento Nº 70034876383,

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Oitava Câmara Cível, TJRS, Relator Claudir

Fidelis Faccenda, 26/03/2010)

Ante o exposto, respeitosamente, voto pelo

desprovimento do recurso.”

Ora, pela decisão proferida por estes

Desembargadores, é cristalino que não há

qualquer indício da paternidade. Extrai-se que

apenas pelo fato de juntada de exame médico

Beta HCG; a indicação de um indivíduo do sexo

masculino; e a simples verbalização de ter havido

relacionamento entre ambos, há “prova cabal”

para se deferir a tutela do alimento gravídico.

É diante de decisões como estas que se faz

necessário dispensar uma atenção maior ao caso

dos referidos alimentos.

Os julgados vêm se inclinando quanto ao

posicionamento favorável à antecipação da tutela

em decisões que não encontram consonância com

a legislação atual. Pois, ao julgar um caso de

alimentos gravídicos sem nem ao menos existir

indícios nos autos da possível paternidade, o que

seria senão uma aberração do judiciário que passa

a legislar?

4. Dano Moral.

Em se tratando de Danos Morais, o código

civil Brasileiro informa em seu artigo 186 que:

“aquele que, por ação ou omissão voluntária,

negligência ou imprudência, violar direito e causar

dano a outrem, ainda que exclusivamente moral,

comete ato ilícito”.

Logo, aquele que suportou algum tipo de

prejuízo na esfera imaterial de sua personalidade,

tem direito de ser reparado pelo dano sofrido.

Quanto à possibilidade de ser a paternidade

afastada, ainda no estudo da ilustre professora

Berenice, percebemos a possibilidade de

responsabilização da gestante, ao passo que é

contra ela que futura ação de danos poderá existir.

Vejamos:

“Mesmo que os alimentos sejam irrepetíveis, em

caso de improcedência da ação cabe identificar a

postura da postulante. No caso de restar

comprovado que a autora agiu de má-fé, ao

imputar ao réu a paternidade, tal gera o dever de

indenizar cabendo, inclusive, a imposição de

danos morais.”

A mãe que comete abuso do direito de ação

pratica o ato ilícito. Neste sentido, ensina Douglas

Philips(2010), verbis:

“Além da má-fé (multa por litigância

ímproba), pode a autora (gestante) ser também

condenada por danos materiais e/ou morais se

provado que ao invés de apenas exercitar

regularmente seu direito, esta sabia que o suposto

pai realmente não o era, mas se valeu do instituto

para lograr um auxílio financeiro de terceiro

inocente. Isto, sem dúvidas, se ocorrer, é abuso de

direito (art. 187 do CC), que nada mais é, senão, o

exercício irregular de um direito, que, por força do

próprio artigo e do art. 927 do CC, equipara-se ao

ato ilícito e torna-se fundamento para a

responsabilidade civil.”

Nesse sentido, comete flagrantemente, a

mãe, ato eivado de más intenções a fim de

ludibriar a própria justiça.

Carlos Roberto Gonçalves (2009) conceitua

o dano moral asseverando que:

“Dano moral é o que atinge o ofendido como

pessoa, não lesando seu patrimônio. É lesão de

bem que integra os direitos da personalidade,

como a honra, a dignidade, a intimidade, a

imagem, o bom nome, etc., como se infere dos art.

1º, III, e 5º, V e X, da Constituição Federal, e que

acarreta ao lesado dor, sofrimento, tristeza,

vexame e humilhação”.

Ainda, Chamone (2008), afirma que “Dano é

toda lesão a um bem juridicamente protegido,

causando prejuízo de ordem patrimonial ou

extrapatrimonial”.

Com o passar do tempo, a jurisprudência

tem se manifestado favorável à possibilidade de

indenização para aqueles que foram ludibriados

pela falsa imputação de paternidade:

“A atitude da ré, sem dúvida alguma,

constitui uma agressão à dignidade pessoal

do autor, ofensa que constitui dano moral,

que exige a compensação indenizatória pelo

gravame sofrido. De fato, dano moral, como

é sabido, é todo sofrimento humano

resultante de lesão de direitos da

personalidade, cujo conteúdo é a dor, o

espanto, a emoção, a vergonha, em geral

uma dolorosa sensação experimentada pela

pessoa. Não se pode negar que a atitude da

ré que difundiu, por motivos escusos, um

estado de gravidez inexistente, provocou um

agravo moral que requer reparação, com

perturbação nas relações psíquicas, na

tranquilidade, nos sentimentos e nos afetos

do autor, alcançando, desta forma, os

direitos da personalidade agasalhados nos

inc. V e X do art. 5° da CF” (6ª Câmara de

Direito Privado do TJSP, apel. 272.221-112,

10.10.1996).”

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Podemos trazer esse prisma do julgado

acima à realidade das ações de Alimentos

gravídicos, pois as incertezas e anseios

experimentados pelo réu são idênticos. Naquele

caso, foi omitido do réu o estado de gravidez, ao

passo que, nos alimentos gravídicos, poderá haver

casos onde a mãe, sabendo ou devendo saber,

atribui a terceiro a paternidade de seu filho,

permitindo que àquele seja imputada toda carga

oriunda do fato no tocante à responsabilidade do

pai para com um filho.

“Como foi bem reconhecido na sentença,

grande foi o sofrimento do autor em se ver

apontado como o pai do filho da ré. Não

tivesse bastado o vexame decorrente do

ajuizamento da ação de investigação de

paternidade, o autor ainda foi recolhido ao

cárcere por não ter pagado as prestações

alimentícias que a ré sabia, ou deveria

presumir, que não eram por ele devidas (fls.

63 e verso). E é público e notório o caráter

vergonhoso que isso tem, principalmente

numa cidade pequena como aquela em que

se deu o triste episódio. Assim, é evidente

que o equivalente a dois salários mínimos

não constitui suficiente para o justo

ressarcimento do enorme dano causado ao

autor” (Tribunal de Justiça. Sétima Câmara

de Direito Privado. Apelação 252.862-1/0.

Relator: Desembargador Sousa Lima.

Julgado 22/maio/1996).”

Nesse ínterim, o réu suportará todos os

encargos advindos da decisão que deferiu a

prestação, sem contar aqueles impostos quando

da ciência da negatória da paternidade.

O Superior Tribunal de Justiça, em caso

parecido, também já se posicionou quanto ao

dever de indenizar da mãe, verbis:

“Um pai que, durante mais de 20 anos, foi

enganado sobre a verdadeira paternidade

biológica dos dois filhos nascidos durante

seu casamento receberá da ex-mulher R$

200 mil a título de indenização por danos

morais, em razão da omissão referida. O

caso de omissão de paternidade envolvendo

o casal, residente no Rio de Janeiro e

separado há mais de 17 anos, chegou ao

Superior Tribunal de Justiça (STJ) em

recursos especiais interpostos por ambas as

partes. O ex-marido requereu, em síntese, a

majoração do valor da indenização com a

inclusão da prática do adultério, indenização

por dano material pelos prejuízos

patrimoniais sofridos e pediu também que o

ex-amante e atual marido da sua ex-mulher

responda solidariamente pelos danos

morais. A ex-mulher queria reduzir o valor

da indenização arbitrado em primeiro grau e

mantido pelo Tribunal de Justiça do Rio de

Janeiro. Por 3 a 2, a Terceira Turma do STJ,

acompanhando o voto da relatora, ministra

Nancy Andrighi, rejeitou todos os pedidos

formulados pelas partes e manteve o valor

da indenização fixado pela Justiça

fluminense. Segundo a relatora, o

desconhecimento do fato de não ser o pai

biológico dos filhos gerados durante o

casamento atinge a dignidade e a honra

subjetiva do cônjuge, justificando a

reparação pelos danos morais suportados.

Em seu voto, a ministra Nancy Andrighi

destacou que a pretendida indenização por

dano moral em decorrência da infidelidade

conjugal foi afastada pelo Tribunal de

origem ao reconhecer a ocorrência do

perdão tácito, uma vez que, segundo os

autos, o ex-marido na época da separação,

inclusive, se propôs a pagar alimentos à ex-

mulher. Para a ministra, a ex-mulher

transgrediu o dever da lealdade e da

sinceridade ao omitir do cônjuge,

deliberadamente, a verdadeira paternidade

biológica dos filhos gerados na constância

do casamento, mantendo-o na ignorância.

Sobre o pedido de reconhecimento da

solidariedade, a ministra sustentou que não

há como atribuir responsabilidade solidária

ao então amante e atual marido, pois não

existem nos autos elementos que

demonstrem colaboração culposa ou

conduta ilícita que a justifique.” Para Nancy

Andrighi, até seria possível vislumbrar

descumprimento de um dever moral de

sinceridade e honestidade, considerando

ser fato incontroverso nos autos a amizade

entre o ex-marido e o então amante.

“Entretanto, a violação de um dever moral

não justificaria o reconhecimento da

solidariedade prevista no artigo 1.518 do

CC/16”, ressaltou a ministra.

Contudo, não há dúvidas da existência do

dever de indenizar em certos casos, uma vez que

o pai foi ludibriado por certo período e houve a

movimentação do poder judiciário para se

conseguir fins ilícitos e prejudicar homens que não

eram realmente os pais. A mãe que abusou do seu

direito de ação deve ser condenada a restituir

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todos os valores recebidos durante a gravidez e,

ainda, a reparar os danos morais sofridos, pois é

extremamente difícil não vislumbrar danos

patrimoniais de um fato como esse. Dizer a quem

foi indicado como pai que ele não era o verdadeiro

pai gera, por mais dúvidas que o indivíduo possa

ter sobre o vínculo genético durante a gestação,

um desgaste emocional profundo que, certamente,

viola sua honra e sua moral, ensejando a

responsabilidade civil.4

A lei 11.804/2008, ao revogar o seu artigo

10º que previa a responsabilidade da gestante,

desamparou o suposto pai que pagou

indevidamente os alimentos quando, na verdade,

não os devia, em virtude de posterior

reconhecimento da não paternidade.

A despeito do referido assunto, Mendes

(2010) traz:

“O dano moral é mais que caracterizado, pois

somente a potencialidade de ter um filho já gera

uma desestabilidade pelo fato de ao nascer,

notoriamente as obrigações e o vínculo com a

prole é personalíssima, intransmissível, mudando

completamente o planejamento de vida do

homem.”

Mendes conclui, ainda, que a falta de

cuidado ao se pleitear a referida ação é

desrespeitar o direito de outrem. Portanto, entende

ser cabível o dano moral e material nos casos em

que se comprova a negatória de paternidade, pois

existiu toda uma expectativa que foi absorvida pelo

lesado.

Ao indicar erroneamente um pai, a gestante

descumpre, ao menos, o dever de cautela, afinal,

essa imputação acarretará ao pai diversas

obrigações, as quais afetarão além de sua

personalidade, seu patrimônio.

5. Responsabilidade Civil

Nas palavras de Sérgio Cavalieri (2008) “a

violação de um dever jurídico configura o ilícito,

que, quase sempre, acarreta dano para outrem,

gerando um novo dever jurídico, qual seja, o de

reparar o dano”.

O ilustre professor leciona, ainda, que:

“Sempre que quisermos saber quem é o

responsável teremos de identificar aquele a quem

a lei imputou a obrigação, porque ninguém poderá

ser responsabilizado por nada sem ter violado

4 http://jus.com.br/artigos/16927/responsabilidade-

civil-da-genitora-pelo-recebimento-indevido-dos-alimentos-gravidicos#ixzz3Cq4IUmAg

dever jurídico preexistente”.

Cavalieri nos traz, ainda, que: “Todo prejuízo

deve ser atribuído ao seu autor e reparado por

quem o causou, independente de ter ou não agido

com culpa. Resolve-se o problema na relação de

nexo de causalidade, dispensável qualquer juízo

de valor sobre a culpa”.

Logo, podemos vislumbrar a gravidade de

se imputar a um indivíduo uma paternidade

presumida baseada em “indícios” e,

posteriormente, descobrir-se que, na verdade, não

se tratava do verdadeiro pai daquele nascituro.

Certamente, nascerá um prejuízo incalculável e,

em contrapartida, surgirá a necessidade de

responsabilização da gestante que o indicou.

Nesse sentido, Pablo Stolze (2014) aduz:

“(...) na responsabilidade civil, o agente que

cometeu o ilícito tem a obrigação de reparar o

dano patrimonial ou moral causado, buscando

restaurar o status quo ante, obrigação esta que, se

não for mais possível, é convertida no pagamento

de uma indenização (na possibilidade de avaliação

pecuniária do dano) ou de uma compensação (na

hipótese de não se poder estimar

patrimonialmente este dano)”.

Vejamos uma recente apelação quanto à

matéria:

“DANOS MORAIS. ACUSAÇÃO DE FALSA

PATERNIDADE.

Ré que imputou paternidade ao autor, sen-

do que manteve relação com outro homem

no mesmo período. Autor que, posterior-

mente, descobriu não ser pai do menor por

exame de DNA. Culpa da ré configurada.

Não cumprimento do dever de cuidado, de-

corrente da ciência de que outro homem

poderia ser o pai da criança. Danos morais

caracterizados. Situação que gerou trans-

torno emocional, e abalo anímico. Configu-

ração de todos os elementos da responsabi-

lidade civil. Sentença mantida. Recurso

desprovido” (Tribunal de Justiça de São

Paulo. Sexta Câmara de Direito Privado.

APL 00288300920108260007 SP 0028830-

09.2010.8.26.0007. Relatora: Desembarga-

dora Ana Lucia Romanhole Martucci. Publi-

cação: 04/04/2014).

A concessão dos alimentos gravídicos

é embasada apenas em indícios de

paternidade, conforme reza o artigo 6º da

referida lei, e somente após o nascimento

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pode ser pleiteado pelo suposto pai o

exame de DNA, pondo fim, de fato, à

insegurança gerada naquela suposta

paternidade. Provando não ser ele o pai,

poderá ingressar com a reparação por

danos morais e materiais a fim de se buscar

a reparação por todo constrangimento e

expectativa de paternidade absorvida.

A lacuna deixada pelo veto do artigo 10º da

lei de alimentos gravídicos afasta a possibilidade

de, nos próprios autos, ser julgada a

responsabilidade objetiva da autora no caso da

negatória de paternidade com o fundamento de

que tal artigo tratava-se de norma intimidadora.

Pimenta (2009) enfatiza:

“Não ficará desamparado aquele que for

demandado em ação de alimentos gravídicos no

caso de não ser ele o pai, estando amparado pelo

direito à reparação de dano moral e material com

embasamento na regra geral da responsabilidade

civil.”

Wad (apud CHALI, 2007), aduz:

“Admite-se a restituição dos alimentos quando

quem os prestou não os devia, mas somente

quando fizer a prova de que cabia a terceiro a

obrigação de alimentar, pois o alimentando

utilizando-se dos alimentos não teve nenhum

enriquecimento ilícito. A norma adotada pelo nosso

direito é destarte a seguinte: quem forneceu os

alimentos pensando erradamente que os devia,

pode exigir a restituição do valor dos mesmos do

terceiro que realmente devia fornecê-los.”

Tal assertiva discorre quanto à possibilidade

de se buscar a devida reparação material daquilo

que foi adimplido pelo suposto pai do nascituro

àquele quem, na verdade, deveria tê-lo feito (o

verdadeiro pai biológico).

Neste ponto, percebe-se que a

jurisprudência vem se inclinando para abrir um

leque de alternativas ao suposto pai quanto à

possibilidade de reparação daquilo que foi pago

por ele indevidamente.

Quanto à possibilidade de

responsabilização, outrora prevista na Lei de

Alimentos gravídicos (11.804/08), o suposto pai

que pagou indevidamente está desamparado. Não

pode haver, nesses casos, a reparação do dano

suportado por este, uma vez que o artigo 10 da

referida lei, que previa a responsabilidade da

gestante, fora vetado.

Nessa mesma linha, Freitas (2008) discorre:

“Na discussão do ressarcimento dos valores pagos

e danos morais em favor do suposto pai, de regra,

não cabe nenhuma das duas possibilidades,

primeiro, por haver natureza alimentar no instituto,

segundo por ter sido excluído o texto do projeto de

lei que previa tais indenizações. Porém, se

confirmada, posteriormente, a negativa da

paternidade, não se afasta esta possibilidade em

determinados casos. Além da má-fé (multa por

litigância ímproba), pode a autora (gestante) ser

também condenada por danos materiais e/ou

morais se provado que ao invés de apenas

exercitar regularmente seu direito, esta sabia que

o suposto pai realmente não o era, mas se valeu

do instituto para lograr um auxílio financeiro de

terceiro inocente. Isto, sem dúvidas, se ocorrer, é

abuso de direito (art. 187 do CC), que nada mais

é, senão, o exercício irregular de um direito, que,

por força do próprio artigo e do art. 927 do CC,

equipara-se ao ato ilícito e torna-se fundamento

para a responsabilidade civil.”

A doutrina, atualmente, diverge quanto à

possibilidade de reparação civil do dano causado

quando verificado, posteriormente ao nascimento

do infante, este não ser filho do suposto pai. Parte

dela entende que a mãe (autora) deve indenizar o

suposto pai (réu). Outra parte entende, valendo-se

do princípio da irrepetibilidade dos alimentos, que,

não tendo a mãe (autora) agido de má-fé, não

caberá a ela o dever de reparar o dano causado

ao suposto pai por todo o dano por ele suportado.

5.1 Da Relativização da repetição do indébi-

to.

No ordenamento jurídico, é pacificado o

entendimento de terem, os alimentos, natureza

irrepetível, visto tratarem-se de verba destinada

exclusivamente à sobrevivência da pessoa.

Nas palavras de Berenice (2013)

percebemos essa tese. Vejamos:

“Como se trata de verba que serve para garantir a

vida e se destina à aquisição de bens de consumo

para assegurar a sobrevivência, inimaginável

pretender que sejam devolvidos. Esta verdade é

tão evidente que até é difícil sustentá-la.”

Entretanto, nem sempre, por melhores que

sejam os argumentos, devemos deixar a natureza

pétrea que alguns institutos parecem possuir para

que sejam invocados ante decisões e

entendimentos que vão contra todo o

ordenamento jurídico.

Certas situações, por mais que pareçam

dentro da normalidade vistas de um prisma

genérico, não podem ser assim interpretadas. A

própria autora, ao final, traz a ressalva de que se

deveria admitir uma hipótese de relativização

quanto à matéria alimentar, ao passo que nos diz:

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“admite-se a devolução exclusivamente quando

comprovado que houve má-fé ou postura

maliciosa do credor. Em nome da irrepetibilidade,

não é possível dar ensejo ao enriquecimento

injustificado (CC 840)5. É o que vem chamando de

relatividade da não restituição. Conforme Rolf

Madaleno, soa sobremaneiramente injusto não

restituir alimentos claramente indevidos, em

notória infração ao princípio do não

enriquecimento sem causa. A Boa-fé é um

princípio agasalhado pelo direito a assegurar a

repetição do indébito.”

Logo, ao se analisar o instituto da

irrepetibilidade dos alimentos, percebe-se onde o

legislador procurou chegar a fim de assegurar a

manutenção da Vida. Tratou-se de forma que os

alimentos devidos fossem blindados àqueles que

os recebeu, visto sua natureza exclusiva de

subsistência, não logrando, para tanto, nenhum

tipo de vantagem econômica nem mesmo

percebendo aumento de seu patrimônio.

Fato é que, ao se assumir uma paternidade,

seja por qual forma tenha se dado tal

reconhecimento, certamente, o pai deverá

assumir, dali em diante, a obrigação de prover o

sustento daquela pessoa; não se pode, mais à

frente, pleitear a devolução do que foi pago por

qualquer motivo que seja, pois, sendo o pai

biológico (comprovado por exame de DNA) ou

tendo adquirido aquela paternidade através dos

meios legalmente reconhecidos, aquele é obrigado

a cuidar e possibilitar a mantença dos filhos.

Porém, a grande celeuma surge quando

estes alimentos foram pagos por quem não

deveria, por quem não é o pai biológico nem

adquiriu a paternidade de alguma outra forma

prevista em lei. Nesse ponto de vista, qual seria a

justificativa para não se conceder àquela pessoa a

restituição do que pagou em total confronto ao

ordenamento jurídico?

Com o advento da lei de alimentos

gravídicos, abriu-se a possibilidade de estarmos

diante de sentenças em desacordo com a

realidade, pois, ao se proferir uma sentença

baseada em indícios de paternidade que liguem o

indigitado pai ao nascituro, certamente, o judiciário

passou a decidir de forma especulativa. Isso

porque o meio atualmente aceito como o mais

próximo da realidade possível é o exame de DNA;

entretanto, somente se pode fazer uso desse

exame quando do nascimento do infante. Logo,

5 Art. 884. “Aquele que, sem justa causa, se enriquecer a custa

de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários”.

nem mesmo o magistrado tem certeza absoluta do

vínculo genético existente entre o nascituro e o

suposto pai.

Contudo, os alimentos gravídicos outrora

não permeavam os julgados por suas

particularidades, visto que, em se tratando de

créditos alimentícios, estes somente eram

deferidos àqueles que, por força de lei, detinham

claramente o direito de recebê-los. Logo, não se

mencionava a possibilidade de se utilizar do

instituto da repetição do indébito, visto jamais

tratarem-se de indébitos.

No momento da decisão judicial até o

nascimento do infante, o suposto pai suportou

meses de prestações alimentícias de um filho que

nem era seu. Logo, não há como falar em

irrepetibilidade daqueles alimentos pagos, pois

não há, nem nunca houve, nenhum vínculo que

obrigue aquele réu a assegurar os alimentos ao

nascituro.

Amparado por vários dispositivos legais, o

direito de ser ressarcido em dobro daquilo que

efetivamente já tenha quitado surge quando

alguém se vê compelido a adimplir dívida já

honrada.

O artigo 876 do Código Civil prevê: “Todo

aquele que recebeu o que lhe não era devido fica

obrigado a restituir; obrigação que incumbe àquele

que recebe dívida condicional antes de cumprida a

condição”. Logo, quem recebeu aquilo que não lhe

era devido fica obrigado a devolvê-lo com a devida

correção monetária.

De acordo com Caio Mário da Silva Pereira

(1988), trata-se “de uma obrigação que ao

accipiens é imposta por lei, mas nem por isto

menos obrigação, a qual se origina do

recebimento do indébito, e que somente se

extingue com a restituição do indevido”.

Neste prisma, podemos facilmente

vislumbrar o cabimento da ação de repetição de

indébito em casos de obrigação de pagamento de

prestação alimentícia por quem, de fato, não teria

tal incumbência. Ou seja, aquele que por força da

ação de alimentos gravídicos foi compelido a

pagar o citado alimento e, posteriormente ao

nascimento da criança, constata, por meio de

exame de DNA, que não é o verdadeiro pai, deve

ser ressarcido de tudo aquilo que pagou

indevidamente ao nascituro, na figura de sua

genitora, por força daquela decisão judicial.

Perdura, ainda, consoante lembra Sílvio

Venosa(2003), “nos casos patológicos, com

pagamentos feitos com evidente erro quanto à

pessoa, é evidente que o solvens terá direito a

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restituição”.

Esta mesma linha de raciocínio é seguida

por Natália Pimenta(2009), que também entende

que subsiste a responsabilidade subjetiva, verbis:

“Não ficará desamparado aquele que for

demandado em uma ação de alimentos gravídicos,

no caso de não ser ele o pai, estando amparado

pelo direito à reparação de danos morais e

materiais com embasamento na regra geral da

responsabilidade civil.”

Negar-se o direito de regresso por meio

jurídico próprio a um indivíduo impelido a arcar

com despesa que, na verdade, não lhe pertencia,

é o mesmo que negar-lhe a própria justiça.

Ao se negar a irrepetibilidade na ação de

alimentos a um indivíduo quando verificado não

ser este o pai do nascituro com o simples

argumento de terem, os alimentos, natureza de

subsistência, e que aquele que os recebeu não

enriqueceu ilicitamente, estaria o Estado valendo-

se de uma parcela da sociedade para suprir aquilo

que é sua obrigação, conforme preceitua a carta

magna no tocante à saúde, à vida etc.

Neste sentido, é incabível que não seja

dado tratamento diferenciado à possibilidade de

revisão da sentença que deferiu a tutela do

alimento gravídico no sentido de se abrir a

hipótese de ressarcimento quando aquela decisão

não tenha tido força probatória, ou mesmo quando

venha a ser contestada com o exame de

paternidade, quando este for possível.

Previsto no artigo 876 do Código Civil, o

instituto da repetição do indébito consiste no

remédio jurídico por meio do qual é possível

pleitear quantia paga indevidamente.

Verificado que determinado valor pago por

um indivíduo fora adimplido em virtude de um fato

jurídico do qual este não deveria fazer parte, ou

mesmo caso seu pagamento tenha sido realizado

a fim de honrar dívida já quitada, pode o autor do

referido pagamento se ver restituído daquela

quantia paga, acrescida do dobro cobrado

indevidamente através desta medida processual.

Ora, não se tem por justo um entendimento

de que os alimentos devem ser tratados de modo

irretratável, ou seja, não há que se dispensar ao

assunto “alimentos” uma natureza pétrea a ponto

de não ser possível se buscar o ressarcimento do

crédito honrado indevidamente, exclusivamente

pelo fato de ter os alimentos escopo de

subsistência da pessoa alimentada.

O Direito à vida é, de fato, um bem jurídico

que deve ser mantido acima de qualquer outro,

afinal, sem este não há que se falar em perquirir

qualquer outro. Entretanto, ao se fazer uma leve

viagem na história dos “alimentos”, mais

precisamente quanto a sua “impossibilidade” de

restituição, chegamos ao Direito Português pelo

qual, em brilhantemente passagem, nos descreve

Marco Antônio Botto Muscari (2001):

Intrigado com afirmação corriqueira de que

alimentos pagos são irrepetíveis, José Ignácio

Botelho de Mesquita fez profunda pesquisa e

concluiu que a origem do ensinamento é o Direito

português antigo. Registra o eminente

processualista:

A ação de alimentos, a ação sumaríssima de

alimentos era concedida às pessoas que

provassem sua quase miserabilidade, porque a

regra de que cada um deve prover o seu sustento

era aplicada a ferro e fogo no antigo Direito

português. Consequentemente, era inútil a

pretensão à restituição. Daí decorre que só se

poderia realmente pretender a restituição quando

a pessoa viesse a dispor de recursos para essa

restituição.

Com isso pude alargar um pouco mais o

conhecimento e verificar que havia normas nas

Ordenações, a respeito da restituição dos

alimentos que a mãe prestava aos filhos quando

estes, por morte do pai, adquiriam uma condição

melhor do que a dela. A partir daí voltei mais

reconfortado para o exame do Direito atual e vejo

com agrado, no trabalho de Moura Bittencourt

sobre os alimentos, a afirmação de que deve ser

interpretada relativamente esta regra de que os

alimentos provisionais não se devolvem, mesmo

que o autor decaia da ação. E cita um caso,

julgado pelo TJSP, em que a mulher pleiteou

alimentos provisionais para poder se sustentar

durante a ação de desquite. Na partilha, os

alimentos pagos foram descontados da sua

meação o que é evidentemente uma forma de

restituição.

Quando for encontrada a afirmação de que os

alimentos provisionais não se restituem quando o

requerente decaiu da ação principal, ela tem que

ser interpretada de caso para caso. É evidente que

não se pode levar a reparação, no caso dos

alimentos provisionais, a ponto de as pessoas

pobres e sem recursos terem medo de enfrentar a

ação, ou melhor, de requerer alimentos

provisionais, com receio da volta para trás que

esta situação poderia sofrer. (Medidas cautelares

no direito de família. Revista do Advogado, n. 6, p.

63-4).

Creio que, se o requerente de alimentos

provisionais obtiver liminar e amargar, mais tarde,

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decreto de improcedência da ação principal, será

plenamente possível a repetição do que lhe foi

pago.”

Em atenta análise às palavras acima

descritas, podemos perceber o motivo do

tratamento dispensado aos alimentos àquela

época. É, por óbvio, compreensível que aquele

pobre, miserável, que não possuía condições para

mais que sobreviver, nutrir sua própria existência,

e que se viu alimentado por certo período, não

poderia satisfazer uma possível ação de

devolução daquilo que recebeu com intuito

alimentar, haja vista nem mesmo possuir recursos

para sua mantença, imagine para ressarcir o que

nem existe mais.

Porém, não se pode alegar a própria

miserabilidade como justificativa de utilizar um

remédio jurídico do qual se tem por regra como

irrestituível contra o primeiro cidadão que aparecer

à sua frente. Beira a leviandade.

Pior ainda é, atualmente, nas decisões

emanadas em ações de alimentos gravídicos, não

se ter certeza nem ao menos de que aquele

crédito depositado equivocadamente será

restituído.

É sabido que o dever de alimentar constitui

matéria de ordem pública. Logo, se permitir que

sejam deferidas decisões contra “possíveis

genitores” e, principalmente, quando se verificar

não ser aquele o verdadeiro “pai”, seria como se o

Estado transferisse sua obrigação de garantir o

Direito à Vida a um determinado cidadão. Seria

como jogar a segurança jurídica, conquistada a

duras penas, no lixo.

Com o advento da tecnologia, das formas

de interação dos indivíduos, com a crescente

evolução das chamadas “mídias sociais”, e haja

vista a forma como a lei de Alimentos gravídicos

doutrinou a efetivação da tutela requerida, a troca

de conhecimento tornou-se mais célere, aproxima

as pessoas mesmo que essas não tenham sequer

se conhecido fisicamente.

Em paralelo à Lei de Alimentos gravídicos,

essa linha tênue entre a suposta e a real

aproximação entre dois indivíduos nos faz pensar

o que o legislador quis dizer com “indícios”.

Analisando essa obscuridade, é fácil entendermos

o quão frágil é “provar” o que a lei chama de

“indícios de paternidade”. Ora, hoje em dia,

qualquer foto ao lado de alguém já pode ser

considerada “indício”. Afinal, o indivíduo estar ao

lado do outro em um retrato prova, certamente, o

vínculo genético com o nascituro que está sendo

gerado no ventre da autora da ação de alimentos?

Retornando aos tempos “atuais”, o

tratamento dispensado aos alimentos, inclusive

por maioria dos julgados, é pela sua

irrepetibilidade, por se tratar de prestação

pecuniária que visa a subsistência do Ser humano.

Cabe ressaltar que tal entendimento tem se

construído levando-se em consideração a Lei de

alimentos comum (5.478/1968), a qual exige, para

seu deferimento, a comprovação de parentesco

entre o alimentante e o alimentando, logo, por

certo, a referida análise é pormenorizada quando

de seu exame.

Diferentemente do procedimento adotado na

Lei de Alimentos “comum”, os alimentos gravídicos

(11.804/2008) requerem apenas o convencimento

da existência de indícios da paternidade do

nascituro para seu deferimento, pois naquela é

sabido existir um vínculo de parentesco entre

aquele que está pagando e quem se beneficia da

prestação, e nesta, não há certeza alguma desse

vínculo. Resta a quem paga os alimentos, fundado

na lei de alimentos gravídicos, profunda angústia e

ansiedade quanto ao seu real vínculo genético.

Em se tratando de flexibilização, Carlos

Roberto Gonçalves (2009) defende que, mesmo

concordando com a irrepetibilidade dos alimentos,

essa regra não poderá ser absoluta:

“O princípio da irrepetibilidade não é, todavia,

absoluto e encontra limites no dolo em sua

obtenção, bem como na hipótese de erro no

pagamento dos alimentos (...) porque, em ambas

as hipóteses, envolve um enriquecimento sem

causa por parte do alimentado, que não se

justifica”.

Portanto, os alimentos não podem ser

tratados como irrepetíveis sem contraposição.

Deve-se construir, a cada análise, uma linha de

raciocínio própria quanto a essa possibilidade ou

não, evitando, assim, que injustiças gravíssimas

sejam deflagradas no âmbito do judiciário, pois do

contrário, a função da justiça de promover a paz

social não seria alcançada.

Outro doutrinador que corrobora o

pensamento da possibilidade da repetição do

indébito para os alimentos é Yussef Said Cahali

(2002), conforme segue:

Para Arnoldo Wald (2006, p. 107), admite-se

a restituição dos alimentos quando quem os

prestou não os devia, mas somente quando se

fizer a prova de que cabia a terceiro a obrigação

alimentar, pois o alimentando, utilizando-se dos

alimentos, não teve nenhum enriquecimento ilícito.

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A norma adotada pelo nosso direito é destarte a

seguinte: quem forneceu os alimentos pensando

erradamente que os devia pode exigir a restituição

do valor dos mesmos do terceiro que realmente

devia fornecê-los.

Nesse prisma, a ação para reaver a quantia

paga através da repetição do indébito deve ser

dirigida contra quem de direito deveria pagar, ou

seja, ao verdadeiro pai. Todavia, a própria

gestante, tendo condições necessárias, poderá ser

acionada para restituir os valores. Com isso, as

ações de alimentos gravídicos seriam ajuizadas de

uma forma mais responsável e cautelosa.

A jurisprudência já se manifestou pela

procedência da repetição do indébito em se

tratando de alimentos comuns:

“ALIMENTOS. REPETIÇÃO DE INDÉBITO.

INDUÇÃO EM ERRO. Inexistência de

filiação declarada em sentença.

Enriquecimento sem causa do menor

inocorrente. Pretensão que deve ser

deduzida contra a mãe ou contra o pai

biológico, responsáveis pela manutenção do

alimentário. Restituição por este não é

devida. Aquele que fornece alimentos

pensando erradamente que os devia pode

exigir a restituição do seu valor do terceiro

que realmente devia fornecê-los” (SÃO

PAULO, TJ, Apelação 248/25 Luiz Antonio

de Godoy. 1ª Câmara de Direito Privado.

24/01/207).”

Por se tratar de lei recente, não há

precedentes na jurisprudência a respeito do

pedido de restituição dos gravídicos através da

repetição do indébito. As decisões existentes

versam sobre a verba alimentar da Lei nº 5.478/68

e devem servir de parâmetro para futuras decisões

acerca da restituição nos alimentos gravídicos.

A relativização da irrepetibilidade dos

alimentos na Lei 11.804/08 é imprescindível, uma

vez que as relações jurídicas devem ser norteadas

pelo princípio constitucional da razoabilidade, e

tornar essa regra inflexível seria desafiar esse

princípio. Em outros termos, a irrepetibilidade

absoluta dos alimentos gravídicos seria uma

verdadeira afronta à justiça e à pacificação das

relações sociais.

Conclusão:

Diante de todo exposto neste trabalho, resta

claro e evidente o cuidado com que se deve pau-

tar a gestante ao entrar com ação de alimentos

gravídicos, pois essa indicação, se leviana ou

imprudente, acarretará um prejuízo de difícil repa-

ração ao indigitado pai, principalmente nos casos

em que, sabidamente, a autora manteve relações

sexuais com diversos homens ao ponto de ela

mesma quedar-se em dúvida quanto à verdadeira

paternidade de seu filho intrauterino.

Isso não significa que a gestante deve ser

coagida ou desencorajada a buscar o judiciário a

fim de receber o auxílio necessário ao custeio de

sua gravidez. Entretanto, não pode a autora valer-

se deste direito para agir de forma arbitrária e

indevida, indicando como pai qualquer um ou o

primeiro que veio à mente daqueles com os quais

ela manteve algum relacionamento sexual.

A grande celeuma se instaura quando a au-

tora da referida ação, de má-fé e deliberadamente,

indica uma pessoa que com ela tenha mantido

relacionamento sexual como sendo o pai, porém, é

de inteiro conhecimento dela que aquele não é o

genitor da criança, fazendo com que a justiça de-

termine que ele arque com as despesas da gravi-

dez.

Agindo desta forma, a gestante, estará ex-

trapolando o seu direito de ação, evidenciado ain-

da mais pelos vetos do executivo no texto da lei,

cometendo um abuso de direito que é caracteriza-

do como um ato ilícito. Além do cometimento dos

ilícitos, a conduta da autora causa danos patrimo-

niais e morais ao indigitado pai, visto ter sustenta-

do um filho que não era seu. Logo, viu seu patri-

mônio diminuir ou, ao menos, não ter se aumenta-

do, em razão de assumir tal custo; ainda, foi obri-

gado por força judicial a se privar das suas verbas

injustamente; além disso, se evidencia ter sofrido

danos morais – já que ao ser indicado como pai,

passou a nutrir a esperança de se tornar pai, mo-

mento no qual o homem passa a divulgar perante

seus pares os prazeres de tornar-se pai, entretan-

to acabou não o sendo, o que lhe trouxe profundo

constrangimento e tristeza e manchou a sua repu-

tação em seu meio social.

Contudo, é evidente que as condutas dolo-

sas causam prejuízos e ensejam o dever da ges-

tante de indenizar o pai indigitado pelos prejuízos

sofridos, já que houve uma violação à finalidade e

aos limites subjetivos da Lei dos Alimentos Graví-

dicos.

Agradecimentos:

A DEUS, o autor da Vida, aquele responsável por tudo que tenho e sou.

À minha família, pelo amor, incentivo e apoio incondicional.

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À minha esposa e companheira, com quem tenho o prazer de compartilhar todos os momentos de minha vida.

Em especial, gostaria de deixar meu carinho

e agradecimento a Mestra e querida Professora Kadidja Leadebal que, muito carinhosamente, me acolheu como orientando e me guiou neste curto, porém penoso caminho de inspiração e elaboração deste estudo.

Referências:

1 - ALVES, Rubem. Um mundo num grão de areia: o ser humano e seu universo. Campinas: Verus, 2002, p.37.

2 – BERENICE, Maria Dias. Manual de Direitos Das Famílias. 9ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.

3 - CAHALI, Yussef Said. Dos alimentos. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

4 - CAHALI, Yussef Said. Dos Alimentos. 5.ed.rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.

5 - CHAMONE, Marcelo Azevedo. O dano na responsabilidade civil. Jus Navigandi, Teresina, v. 13, n. 1805, 10 jun. 2008. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/11365>. Acesso em: 9 out. 2011.

6 - CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 9. ed. rev. e ampl. São Paulo: Atlas, 2010.

7 - CHAVES, Benedita Inêz Lopes. A tutela jurídica do nascituro. São Paulo: LTr, 2000.

8 - DONOSO, Denis. Alimentos gravídicos: aspectos materiais e processuais da Lei 11.804/08. Janeiro, 2009.

9 - FREITAS, Douglas Phillips. Alimentos gravídicos e a Lei 11.804/08: primeiros reflexos.

2008. Disponível em: <http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=468> Acesso em: 04 abr. 2011.

10 - FREITAS, Douglas Phillips. Alimentos Gravídicos e a Lei 11.804/08 - Primeiros Reflexos. Disponível em: <http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=468>. Acesso em: 18 jan. 2010.

11 - GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008. v. IV.

12 - MENDES, Fabio Maioralli Rodrigues. Lei 11.804: alimentos gravídicos: a análise da lei 11.804. 2010. Disponível em: < http://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=3400>. Acesso em: 10 out. 2011.

13 - MUSCARI, Marco Antônio Botto. Aspectos controvertidos da ação de alimentos. Revista de Processo, São Paulo (103): 123-45, jul.-set/2001).

14 - PEREIRA, Caio Mário da Silva. Reconhecimento de paternidade e seus efeitos. Rio de Janeiro, Forense, 1988.

15 - PEREIRA, Caio Mário da Silva. Reconhecimento de paternidade e seus efeitos. Rio de Janeiro, Forense, 1988.

16 - PIMENTA, Natália Cristina M. A importância social da Lei dos Alimentos Gravídicos. 2009. Disponível em: < http://jusvi.com/artigos/40288>. Acesso em: 18 fev 2011.

17 - RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. 28 ed. São Paulo: Saraiva, 2007.

18 - RODRIGUES, Silvio. Direito civil brasileiro. Direito de família. 28ª ed. São Paulo: Saraiva, 2004.

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19 - SEMIÃO. Sérgio Abdalla. Os direitos do nascituro: aspectos cíveis, criminais e do biodireito. 2. ed. atual. e ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2000.

20 – STOLZE, PABLO GAGLIANO. Novo Curso de Direito civil – Direito de Família. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

21 - VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: direito de família. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003. v.7.

22 - WALD, Arnold. Direito de família. Colab. Luiz Murillo Fábregas. 4. ed. São Paulo: RT, 1981 apud CAHALI, Yussef Said. Dos Alimentos. 6. ed. São Paulo: Revista dos tribunais, 2009.

23 - http://www.escolalivrededireito.com.br/quais-as-especies-de-alimentos-em-direito-civil/

24 - http://istoedireito.blogspot.com.br/2009/12/alimentos-conceito-e-distincoes.html

25 - http://www.jurisway.org.br/v2 /cursoonline.asp?id_curso= 1148&pagina= 5&id_titulo=13524

26 - http://tj-sp.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/120939145/apelacao-apl-288300920108260007-sp-0028830-0920108260007