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Alguns Apontamentos Semióticos Breves... LUNA Alguns Apontamentos Semióticos Breves Sobre a Obra Esotérica de Raji Guenol: Selos de Planetas e Quadrados Mágicos d.o.i.10.113/2236-1499.2013v1n10p119 Prof. Dr. Jairo Nogueira Luna UPE – Campus Garanhuns Resumo: Buscamos neste breve artigo comentar alguns trechos da obra inédita de Raji Guenol – místico e exotérico indiano que viveu no Brasil nas décadas de 70 e 80 do séc. XX – do qual possuo uma obra manuscrita obtida nos tempos em que tinha um sebo de livros na cidade de São Paulo. Nos trechos que comento e busco analisar, Raji Guenol interpreta os quadrados mágicos e os selos dos planetas, signos exotéricos de ampla divulgação e utilização encontrados em inúmeros autores da área, como Cornelius Agrippa, P.V. Piobb, Raimón Arola e muitos outros. As interpretações de Raji Guenol apontam para um conhecimento profundo do tema que supera todos os outros autores e aponta para uma origem mais antiga e hermética. Palavras-chave: Semiótica, Quadros Mágicos, Esoterismo, Hermetismo, Raji Guenol 1. Breve Histórico No início da década de 80, do século XX, fiz amizade com integrantes de uma banda de rock independente chamada The Lee Bats. A banda era formada por cinco rapazes que tinham preocupações de unir a poesia e a música do rock, bem como de fazer traduções ou transcriações de músicas internacionais para a língua portuguesa buscando recriar condições culturais em termos de procedimentos antropofágicos. Como fazia letras na PUC-SP, logo me interessei pelas idéias do grupo. Assim, assisti a ensaios e viajei com eles para alguns lugares em realizaram apresentações. Revista Diálogos – N.° 10 – Novembro de 2013 119

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Alguns Apontamentos Semióticos Breves Sobre a Obra Esotérica de Raji Guenol: Selos de Planetas e Quadrados Mágicos

d.o.i.10.113/2236-1499.2013v1n10p119

Prof. Dr. Jairo Nogueira Luna UPE – Campus Garanhuns

Resumo: Buscamos neste breve artigo comentar alguns trechos da obra inédita de Raji Guenol – místico e exotérico indiano que viveu no Brasil nas décadas de 70 e 80 do séc. XX – do qual possuo uma obra manuscrita obtida nos tempos em que tinha um sebo de livros na cidade de São Paulo. Nos trechos que comento e busco analisar, Raji Guenol interpreta os quadrados mágicos e os selos dos planetas, signos exotéricos de ampla divulgação e utilização encontrados em inúmeros autores da área, como Cornelius Agrippa, P.V. Piobb, Raimón Arola e muitos outros. As interpretações de Raji Guenol apontam para um conhecimento profundo do tema que supera todos os outros autores e aponta para uma origem mais antiga e hermética. Palavras-chave: Semiótica, Quadros Mágicos, Esoterismo, Hermetismo, Raji Guenol 1. Breve Histórico No início da década de 80, do século XX, fiz amizade com integrantes de uma banda de rock independente chamada The Lee Bats. A banda era formada por cinco rapazes que tinham preocupações de unir a poesia e a música do rock, bem como de fazer traduções ou transcriações de músicas internacionais para a língua portuguesa buscando recriar condições culturais em termos de procedimentos antropofágicos. Como fazia letras na PUC-SP, logo me interessei pelas idéias do grupo. Assim, assisti a ensaios e viajei com eles para alguns lugares em realizaram apresentações.

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O grupo passou totalmente despercebido da mídia e das gravadoras. Eles produziram alguns discos independentes de tiram reduzida. Em 1984 o grupo entrou num processo de dissolvição. O baterista Cid morreu num acidente de carro na ponte Rio-Niterói, o tecladista Marcos, de nacionalidade macedônica, voltou ao país natal poucos anos antes da conquista da independência e do fim da Iugoslávia. Eu tinha mais amizade com o cantor J.J. Gallahade, juntos escrevemos alguns poemas e letras de canções e fizemos algumas traduções. João (Alvin) era o guitarrista e quando de uma passagem da banda pela Bahia – Arembepe, aldeia hippie – fez amizade com um guru indiano que há algum tempo perambulava pelo recôncavo baiano. Seu nome, Raji Guenol. Raji influenciou muito João, de tal forma, que alguns meses depois, no início de 1985, João decidiu ir à Índia e depois seguiria para o Nepal, atendendo a convite feito por carta de Raji que já se encontrava de volta a sua terra natal. Com a saída de João para o Oriente, os Lee Bats terminaram seu ciclo com esta formação original. Em 1995, eu já tinha há muito terminado o curso de Letras, era professor de ensino fundamental da rede pública municipal e estadual e também tinha ficado sócio num negócio de livros usados – sebo – que ficava na avenida Consolação, próximo à Av. Paulista. Meus sócios eram dois amigos do tempo de universitário – Eugênio e Carlos Henrique – o sebo se chamava Sebo Paulista, ficava no número 2.230 da av. Consolação, ocupando dois apartamentos do segundo andar de um pequeno prédio. Uma tarde que estava cumprindo meu horário no sebo, reencontrei J.J. Gallahade que apareceu por lá procurando livros de poesia. Logo o reconheci apesar de estar usando uma barba mal cuidada e os cabelos desalinhados e meio ensebados. Conversamos um bocado, ele comprou alguns livros e disse-me que estava de partida para Los Angeles, onde inclusive já estiver algum tempo antes, sobrevivendo como artesão de bijouterias ao estilo hippie e às vezes atuando como músico em casas noturnas. Antes de ir, porém, disse que voltaria no dia seguinte, para

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deixar-me um material dos Lee Bats – fitas de ensaios, fotos, e uns cadernos diversos. Como prometido, no dia seguinte me trouxe o material e nunca mais o vi nem tive notícias. O material era vasto, colocado em algumas caixas de sapato. Muitas fitas k7, álbuns de fotografias, papéis diversos e alguns cadernos manuscritos. Dentre eles haviam dois cadernos totalmente preenchidos da autoria de Raji Guenol e com dedicatórias para João. Numa delas dizia: “Para João... Que leia com sabedoria e faça uso com virtuosidade!” É desse caderno que faço alguns apontamentos e revelações acerca do conhecimento esotérico de Raji Guenol. O esoterismo desde há muito me interessa como leitura e não foi por acaso que um capítulo de minha tese de doutorado faz uma análise do esoterismo de Almada Negreiros em seus poemas1, bem como escrevi um livro sobre o esoterismo em Mensagem de Fernando Pessoa2. Portanto, sinto-me autorizado a interpretar e comentar a obra de Raji Guenol, ressaltando que aqui, comento apenas alguns trechos referentes especificamente ao tópico dos Quadrados Mágicos e dos Selos dos Planetas. 2. Os Quadrados Mágicos nas Ciências Ocultas Os quadrados mágicos são geralmente tidos como curiosidades matemáticas e não têm outras maiores aplicações do que exercícios numéricos. Um quadrado mágico é uma matriz ou uma tabela disposta de números em progressão aritmética em que a soma de cada coluna, linha ou diagonal dá sempre o mesmo resultado.

1 LUNA, Jayro. José de Almada Negreiros, Poeta (Do Futurismo e do Sensacionismo à Poética da Ingenuidade na Poesia de Almada Negreiros). USP/FFLCH, tese de doutoramento, orientação do prof. Dr. Carlos Alberto Vecchi. São Paulo, 2001. 2 LUNA, Jayro. A Chave Esotérica de Mensagem de Fernando Pessoa: Abordagem Numerológica, Astrológica e Cabalística. São Paulo, Epsilon Volantis, 2005.

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Sua origem é desconhecida, mas há registros de sua existência em épocas da Antiguidade na China3 e na Índia. O quadrado de 9 casas (3 x 3) é encontrado pela primeira vez num manuscrito árabe, no fim do Século VIII, e atribuído a Apolônio de Tiana (I Século) por Marcellin Berthelot (Collection des anciens alchimistes grecs)4.

Na Idade Média os quadrados mágicos se tornaram conhecidos de muitos ocultistas e admiradores das artes mágicas, tendo seu uso proliferado como técnica mágica de produção de Pantáculos e Talismãs, onde eram associados a Planetas que atribuíam a eles o poder de atrair proteção astral e poderes sobrenaturais para seus detentores.

Contudo, foi dos árabes que as Escolas de Mistério Ocidentais receberam as idéias dos Quadrados Mágicos 5 . Em 1300 D.C., Manual Moschopoulos, um sábio greco-bizantino, escreveu um tratado sobre os Quadrados Mágicos, inspirado pela tradição árabe. Ele é tido como o primeiro estudioso ocidental a travar contato com os Quadrados Mágicos. Também, em 1450 D.C., o italiano Luca Pacioli trabalhou com uma vasta variedade de Quadrados Mágicos, tendo influenciado bastante a Tradição Mística Ocidental. Mas o mais antigo livro que mostra os Quadrados Mágicos tal como são os atualmente empregados, é o "De Occulta Philosophia" de Henry Cornielius Agrippa, escrito de 1507 à 1510 D.C., que tem o seu Cap. XXII do Livro II (Magia Celestial), intitulado "Das tábuas dos Planetas, suas virtudes, formas, e como os nomes Divinos, Inteligências, e Espíritos são dispostos sobre elas", dedicado aos Quadrados

3 Consta que o quadrado mágico de nove casas surgiu no centro da China, milhares de anos atrás, às margens de um rio; inscrito na carapaça de uma tartaruga, que é o símbolo da longevidade; e foi interpretado como revelação da geometria secreta do universo que está por trás de todas as coisas. 4 (3 vol., Paris, 1887–1888).5 Manuscritos árabes do século X (Kitab al Mawazm de Djabir b Hoyân) e do século XI (Al Ghazadi).

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Mágicos Planetários. Estes lá aparecem em suas conhecidas formas de ordem de 3 à 9.

Um quadrado mágico de ordem é uma tabela quadrada, formada por casas, com o mesmo número de linhas e de colunas. Em cada casa está escrito um número natural, de tal forma que os primeiros números naturais estejam escritos e que a soma dos números de cada linha, de cada coluna ou de cada uma das duas diagonais sejam iguais. À esse valor dá-se o nome de constante mágica. A constante mágica de um quadrado mágico depende unicamente de . Assim, para um quadrado mágico de

ordem , a constante mágica vale . Um quadrado mágico é uma matriz quadrada de números

consistindo dos inteiros positivos distintos 1, 2, ..., n ^ 2, dispostos de tal modo que a soma dos números de n em qualquer linha diagonal horizontal, vertical ou principal é sempre o mesmo número (Kraitchik 1942, p 142;. Andrews 1960, p 1;. Gardner 1961, p 130;. Madachy 1979, p 84;. Benson e Jacoby 1981, p 3,.. Ball e Coxeter 1987, p 193)6, conhecida como a constante mágica:

Na tradição esotérica da idade média, passando por

Agrippa, Athanasius Kircher, entre outros, os quadrados mágicos 6 Conforme nos informa o site Wolfram Mathworld: Ball, W. W. R. and Coxeter, H. S. M. "Magic Squares." Ch. 7 in Mathematical Recreations and Essays, 13th ed. New York: Dover, 1987. Benson, W. H. and Jacoby, O. Magic Cubes: New Recreations. New York: Dover, 1981. Madachy, J. S. "Magic and Antimagic Squares." Ch. 4 in Madachy's Mathematical Recreations. New York: Dover, pp. 85-113, 1979. Gardner, M. "Magic Squares." Ch. 12 in The Second Scientific American Book of Mathematical Puzzles & Diversions: A New Selection. New York: Simon and Schuster, pp. 130-140, 1961. Andrews, W. S. Magic Squares and Cubes, 2nd rev. ed. New York: Dover, 1960. Kraitchik, M. "Magic Squares." Ch. 7 in Mathematical Recreations. New York: Norton, pp. 142-192, 1942.

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eram atribuídos aos sete planetas conhecidos, consideravam o Sol e a Lua como planetas:

TABELA DE CORRESPONDÊNCIA

Planeta Quadrado Mágico Soma Linha, coluna ou diagonal

Soma Total Saturno Ordem 3x3 15 45 Júpiter Ordem 4x4 34 136 Marte Ordem 5x5 65 325 Sol Ordem 6x6 111 666 Vênus Ordem 7x7 175 1225 Mercúrio Ordem 8x8 260 2080 Lua Ordem 9x9 369 3321

A substituição de números por letras foi uma operação

considerada mágica realizada por muitos estudiosos cabalistas e alquimistas. Um dos mais conhecidos quadrados mágicos resultantes desta operação foi o que contém inscrita a frase latina de entendimento místico “Sator Arepo Tenet Opera Rotas”7, um palíndromo formado por palavras de cinco letras, que na forma dum quadrado mágico assim se apresenta:

S A T O R A R E P O T E N E T O P E R A R O T A S

7 É difícil estabelecer com certezas o significado literal da frase composta por estas cinco palavras, já que o termo AREPO não existe estritamente na língua latina. Algumas conjecturas sobre esta palavra levam à tradução, com sentido pouco claro, como o semeador, com o seu carro, mantém com destreza as rodas, da qual se tenta tirar algum sentido através da referência a um semeador como citação de um texto dos Evangelhos.

Se se pensar que o termino AREPO é o nome próprio de um misterioso semeador, chega-se à tradução: “Arepo, o semeador, mantém com destreza as rodas”, o que parece aludir a práticas agrícolas. (fonte wikipédia).

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O que permite sua leitura não apenas de trás para diante,

mas também na vertical em ambos os sentidos.

(Fig.1) Alguns estudiosos dos quadrados mágicos buscam

analisar a seqüência numérica espacialmente de modo a montar uma linha que demonstre o complexo caminho realizado pela seqüência numérica na disposição das células. Conforme na figura abaixo, encontrada no site Wolfram Mathword8. Podemos observar o caminho da linha do início (número 1) para o último número do quadrado mágico. Notemos como os quadrados 8 http://mathworld.wolfram.com/MagicSquare.html

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mágicos de ordem ímpar (Saturno – 3x3; Marte – 5x5; Vênus – 7x7 e Lua – 9x9) apresentam uma linha que vai se configurando como uma tela ou rede à medida que o número de células vai aumentando, de Saturno para a Lua. No caso dos quadrados mágicos de ordem par (Júpiter - 4x4; Sol – 6x6 e Mercúrio – 8x8), a linha forma um diagrama que se concentra nas quatro células centrais (fig.1). No livro de Cornelius Agrippa, De Occulta Philosophia libri três (1531), o famoso ocultista alemão apresenta os selos, ou seja, sete figuras que são ligadas aos quadrados mágicos. Além dos selos dos planetas, são também apresentados os selos das inteligências e os selos dos espíritos, ligados, cada um por sua vez a um planeta, de sorte que cada planeta tem seu quadrado mágico, seu selo, seu selo de inteligência e seu selo de espírito. Os selos das inteligências são considerados benéficos, protegidos por entidades benéficas, ao passo que os selos dos espíritos são considerados maléficos, guardados por entidades negativas. Cada um desses selos seria utilizado em cerimônia específica para conjuração de sua respectiva entidade, guardadas os horários adequados de cada planeta. Como exemplo apresentamos a seguir, os selos do planeta mercúrio (fig.2):

(fig.2) O primeiro selo é o do planeta mercúrio, governado pelo

arcanjo Rafael, o do meio é o selo (sigilo) da inteligência de Mercúrio, governado por Tiriel e o terceiro é o selo (sigilo) do

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espírito de Mercúrio, governado por Taphthartharath. Estes selos são entendidos como símbolos que são gravados em talismãs, pantáculos e que guardam diversas propriedades mágicas referentes à saúde, aos poderes psíquicos e premonitórios. Evidentemente estamos no campo da magia, cujos resultados científicos modernos e práticos são contestados e que não guardam ligação com o empirismo científico nem com métodos conhecidos de aferição e demonstração. Portanto, em termos estritamente científicos não são mais considerados que curiosidades referentes à História da Ciência em seu passado mais obscuro, assim como toda a Alquimia. Conhecem-se vários métodos de construção de quadrados mágicos em termos práticos e que são ensinados como curiosidades matemáticas. No livro esotérico de P.V. Piobb, Formulário Prático de Alta Magia 9 , são apresentados dois métodos bem práticos, um para produção de quadrados mágicos de ordem ímpar e outro para quadrados mágicos de ordem par. Na Internet é possível baixar pequenos softwares para produção e exercícios matemáticos com os quadrados mágicos. Não nos ateremos aqui a explicar como produzir um quadrado mágico uma vez que não é o objetivo deste texto, mas o leitor não 9 Pierre Vincent Piobb nasceu em Paris, em 1874. De origem italiana, sua família estabeleceu-se na França, vinda de Florença. Viaja pela Europa, investigando o Hermetismo, a Magia, a Cabala, a Astrologia e, principalmente, o Simbolismo usado nos rituais. Torna-se conferencista, requisitado por instituições do assunto, escritor, ocultista e jornalista. Passa a ter seus artigos em revistas científicas e Sociedade das Ciências Antigas Culturais. Trava contato com a Maçonaria, a Rosacruz do Reverendo Swinburne Clymer quando este assume o poder constitutivo da Ordem dos Magos para o continente europeu. Clymer então exerce, na Confederação Universal de Ordens, Sociedades e Fraternidades de Iniciados, o cargo de Supremo Grão Mestre em 1929 e, até a passagem derradeira de Piobb, em 1942, com 68 anos, essas organizações Iniciáticas tiveram extrema importância em sua vida, pois Clymer não iria para a Europa. O Formulário da Alta Magia foi a primeira obra de Piobb e considerada até hoje como uma das mais elucidativas, publicada em 1937.

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encontrará maiores dificuldades em encontrar este aspecto prático na Internet e em livros. 3. As Interpretações de Raji Guenol Entramos aqui no ponto central de nosso texto presente. Tudo o que temos de Raji Guenol acerca deste tópico seria suficiente para todo um livro, mas buscaremos aqui resumidamente apresentar alguns dos pontos das interpretações de Raji Guenol. Como já dissemos, aqui o que expomos é extraído de dois cadernos manuscritos de 100 páginas cada um. A escrita de Raji Guenol em algumas páginas é bem clara e coerente, em outras, chega a ser estenográfica e muito lacunar de modo que fica extremamente difícil a leitura. Parece que tem páginas que o místico indiano pretendia a leitura fácil de outras pessoas, como se fizesse o esboço de algum artigo ou texto para revista, com título, citações, referências e bibliografia. Outras páginas contêm anotações sem qualquer indicação deste tipo e com escrita muito irregular e de difícil leitura. Partes do texto está em inglês, mas um inglês tão ruim quanto o nosso, com várias incoerências gramaticais e ortográficas, outras partes estão em português, mas também um português facilmente observável que se trata do texto de um estrangeiro que ainda guarda imperfeições em relação ao correto usado de nossa gramática. Ao que sabemos, Raji Guenol era natural do reino do Sikkim, principado encravado entre o Nepal e o místico reino do Butão. Tinha 53 anos em 1984, quando João Loco o conheceu. Sua língua natural não sei ao certo, mas com certeza não era o inglês, nem muito menos o português. Embora o inglês fosse de uso corrente na Índia, onde vivera por muitos anos, acreditamos que o nepalês fosse a língua que aprendera em sua terra natal, mas também pode ser o tibetano, ou ambas. Mas à medida que vamos avançando na leitura – lenta e dificultosa do manuscrito guenoniano – e vamos comparando com outros autores que tratam do assunto, vamos percebendo a

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originalidade do seu pensamento e a antiguidade de suas referências. Com referência aos quadrados mágicos, o entendimento de Raji Guenol nos parece muito mais profundo e amplo. Assim ele define o quadrado mágico:

“A magic square is a map, much more than a talisman, a seal or something. It's like a diagram of an experiment energy. In a magic square is inscribed a dynamic high energy, which we call the sign stamp is only the outline of the map, since we can not seize it at all, to be included in a higher-dimensional space that can hold our understanding.”10(caderno 1, p. 33)

É claro que a afirmação de que um quadrado mágico é um mapa ou um diagrama de um experimento de alta energia é uma afirmação que parece fazer parte de um discurso esotérico que carece de comprovações, podendo cair no âmbito da falácia, da fé ou do dogma. Mas Raji Guenol vai aos poucos expondo provas dessa afirmação que ao irmos percebendo seu verdadeiro significado sempre nos deixa um tanto quanto surpreso e nos causa admiração. Tomaremos como exemplo, algumas das interpretações que ele faz do quadrado mágico de Vênus (7x7, soma da linha 175, soma geral 1225 e contendo 49 células). Como se pode observar, é um quadrado mágico de ordem ímpar, com o número 1 começando uma célula abaixo da célula central, esta ocupada pelo número 25, e terminando na célula acima da central, com o número 49.

10 “Um quadrado mágico é um mapa, muito mais que um talismã, um selo ou algo do tipo. É como um diagrama de um experimento energético. Num quadrado mágico está inscrito um processo dinâmico de alta energia, do qual o signo que chamamos selo é apenas o esboço desse mapa, uma vez que não podemos apreendê-lo de todo, por estar incluso em um espaço de mais dimensões que pode conter nosso entendimento”.

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Ao quadrado mágico de Vênus são atribuídos os selos de Uriel, da inteligência de Vênus – Hagiel e do espírito de Vênus – Kedemel. Jean Pierre Bayard em Os Talismãs11, cita Paracelo: “Os selos dos planetas, isso é certo, possuem grande força e virtude” (p.34).

(fig.3) Os selos de Vênus:

(fig.4)

11 BAYARD, Jean-Pierre. Os Talismãs. São Paulo, Pensamento, 1985.

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Alguns textos apontam a semelhança entre este selos e alguns elementos de escrita árabe, mas tais aproximações são muito mais imaginativas do que efetivas. Os nomes dos selos da inteligência e do espírito podem ser facilmente compreendidos se utiliza da gematria, pela qual se associa números às letras e tomando por base o alfabeto hebraico em uso corrente na cabala, se obtém os nomes dos guardiões dos selos. Como exemplo vejamos a obtenção do nome Hagiel – inteligência de Vênus a partir do quadrado mágico:

(fig.5) Para Raji Guenol, um quadrado mágico não é um talismã, é um mapa ou um diagrama. Em termos semióticos isto é significativo, haja vista que um mapa ou diagrama está na classe dos ícones, ao passo que um talismã é um símbolo. Quando Guenol se refere a um mapa energético ele, no caso de Vênus, nos faz a seguinte demonstração:

“On the Seal of Venus, Hagiel, we see that it consists of four different parts. One is the cup with the cross, the second is the moon with the sun, the third is the sickle-shaped sword and the fourth is the cross with canes.” (Caderno 1, p. 52).

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No que se refere à primeira parte, a taça com a cruz, percebe-se facilmente que se refere à seguinte parte do desenho:

(fig.6)

Raji Guenol observa que esta figura é composta por sete células que se situam inicialmente na parte superior central do quadrado, compreendendo os números 16 + 41 + 10 + 48 + 17 + 42 + 49, cuja soma dá 223. Tal soma não se enquadra no valor padrão do quadrado mágico de ordem 7, que deveria ser 175. Mas Guenol nos leva a fazer a soma de outras sete células que formam a imagem de cabeça para baixo deste signo e a situando na parte central inferior do quadrado mágico:

(fig.7) Assim, somamos 40 + 9 + 34 + 8 + 33 + 2 + 1 = 127. Se somamos os dois resultados (223 + 127 = 350) e dividimos por dois, temos 175. A partir daí, Raji Guenol vai fazendo girar os dois signos, o de cima, uma casa a cada operação de soma para a direita e respectivamente, o signo inferior, uma casa a cada operação para a esquerda, de modo a que se complete cada signo uma volta de 360°. O surpreendente é que a cada operação se repete o mesmo, um dos signos terá um resultado maior que 175, ao passo que o outro um resultado menor, mas de tal forma proporcionalmente distantes do valor 175, que a divisão por dois, dá sempre 175.

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Guenol denomina o signo superior de “Taça com Cruz”, pois assim lhe parece. A taça, na sua posição inicial dá como soma (16+10+17+49 = 92), e a cruz inicial dá como resultado (41+42+48+49=180). A figura inferior, Guenol denomina Homem Vitruviano com Cruz, pois assim lhe parece. E se a dividimos em duas somas, como no signo superior, temos que a taça soma (40+34+33+1=108) e a cruz, por sua vez soma (1+8+2+9=20). A soma de taça superior com cruz inferior dá 200 e a soma de taça inferior com cruz superior também dá 200. Observa que se subtraímos o valor da célula central que vai ficando neutra em todo o processo de giro completo das duas figuras pelo quadrado mágico, se obtém 175 para cada valor. Guenol faz as mesmas operações de soma para as outras partes do selo de Vênus, para o gládio, observando que além de dar uma volta de 360 graus, também se pode ir centralizando o gládio para linhas e colunas mais internas, sempre se obtendo na soma do gládio superior com seu inverso o valor 350 e na divisão 175. Quanto ao Sol e a Lua, o primeiro é composto por quatro células e a Lua por três, a soma do Sol com a Lua, considerando-se também o que ele denomina de Lua Negra e Sol Negro (seus inversos), dá soma 350 e divisão 175. O mesmo ocorre com os cruzamentos de bastões ou canas, sendo que estes se referem à soma conhecida das linhas, colunas e diagonais, pois fazendo eles girarem uma casa por vez até completar a volta temos o passar pelas linhas e colunas dos bastões. Conclui a este respeito Raji Guenol:

“Num quadrado mágico existe dois grupos de movimentos distintos. O primeiro é o que matematicamente define o quadrado mágico, qual seja, que a soma de linhas, colunas e diagonais dá sempre o mesmo resultado. O outro ponto é que existe um movimento interno, o mais rico em energia. Ocorre nesse grupo uma variação de energia intensa, mas que não é vista por fora, pois quando um grupo de células apresenta

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um valor acima um outro gripo simetricamente oposto apresenta um valor menor que equilibra o resultado se visto externamente.” (Caderno 1, p. 59)

Raji Guenol argumenta que os selos dos quadrados mágicos apresentam estas características. Temos o que ele chama de movimentos, que é o resultado das somas. O movimento externo é o que se dá pela soma de linhas, colunas ou diagonais. O movimento interno é o que provoca uma troca intensa de energia, ou como Guenol mesmo diz “a large fluctuation energy similar to what occurs in a vacuum or in the world of particles” (caderno 1, pg.60). E mais adiante, observa que esta flutuação de energia ocorre num espaço multidimensional: “the map of the planet we call “label” is a artifice to realize the rich and so shy movement power fluctuation that happens in a space of many dimensions that are not observable by the look of the man who is stuck in the material world.” (caderno 1, pg.60). Na análise dos selos dos planetas, Guenol ainda nos apresenta os selos dos planetas Terra (ordem 10), Netuno (ordem 11), Urano (ordem 12) e Plutão (ordem 13). Não encontramos em nenhum livro ou autor esotérico referências a estes selos. No caderno 1 de Guenol ele coloca duas referências incompletas. Um autor lendário Johann Faust (“ler isto em Johann Faust” – pg. 61) ao comentar as propriedades do quadrado mágico da Terra. E a outra, “cf. Maha Prajna-Paramita-Shastra”, mas não traz referência da página. A obra é atribuída ao místico e alquimista indiano Nagarjuna (séc. I e II d.c.). Consultamos uma edição em inglês da obra e não conseguimos encontrar um trecho que coincida em conteúdo com o que Guenol comenta na página 62 acerca do selo de Netuno. Apresentamos a seguir o selo de Netuno, conforme está em seu caderno 1:

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(fig.8)

No selo proposto por Raji Guenol identificamos

iconicamente quatro figuras: O tridente de Netuno ao centro, parte superior; um peixe no lado esquerdo da figura, uma âncora no lado direito e na parte inferior central, um barco com quatro escudos, ao modo viking, mas com vela triangular. O espaço das figuras é definido pelo cruzamento dos bastões ou canas, como é comum em vários selos, para identificar a soma igual das linhas, colunas e diagonais, a característica matemática definidora dos quadrados mágicos. O quadrado mágico de Netuno é de ordem 11 (11x11), portanto de ordem ímpar e com soma 671. Guenol nos mostra em seu caderno as somas internas que dão origem às quatro figuras, todas resultando ao final no valor 671. O que diferencia este selo guenoniano dos outros selos conhecidos é a iconicidade das figuras: o tridente, o peixe, a âncora e o barco são facilmente identificáveis ao passo que em outros selos, quando Guenol denomina de “Taça com cruz”, “Homem Vitruviano com Cruz” (no selo de Vênus, p.ex.), ou “marés” e “fases da lua” (no selo da Lua) ou “raios de Sol” (no selo do Sol), ou “Phobos” e “Deimos” (no selo de Marte), apenas para exemplificar algumas

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das denominações, ele o faz com base numa visão muito sintetizadora e abstrativa, uma vez que os traços que compõem os selos são bem esquemáticos e simplificadores. Não é de deixar de notar que no selo de Netuno, as quatro figuras apresentadas são ligadas ao tema mitológico netuniano, uma vez que Poseidon / Netuno é o deus dos mares na mitologia greco-latina. Acerca do valor 671, Guenol observa que é produto de 11 por 61. Numerologicamente o número 11 tem significados importantes, associados ao conceito de “Avatar”, ao passo que o número 61, no Tarot, refere-se à carta da Solitude ou Solidão (arcano menor, quatro gládios). É regida pelo planeta Netuno. Guenol cita como referência deste estudo de Tarot, Etteila12. Guenol observa que este selo é dotado de alta energia uma vez que as quatro figuras giram 360 graus pelo espaço do quadrado mágico em “moto contínuo, como um mar revolto e que o iniciado deve navegar aí como um argonauta ou um Ulisses.”(Caderno 1, pg.66). Numa parte final de seu estudo dos quadrados mágicos e dos selos dos planetas, Raji Guenol nos diz que existe uma coerência crescente entre o movimento do selo de Saturno até o movimento do selo de Plutão. Esta coerência, segundo ele, é a demonstração do processo de criação da matéria, ou seja, da transformação da energia em matéria e que seria, portanto, fundamental para a obtenção da pedra filosofal. Este movimento crescente implicaria na existência de outras dimensões, haja vista a dinâmica complexa dos movimentos representados nos selos, pois, para Guenol os selos são apenas a transposição de um movimento multidimensional para um diagrama bidimensional. Tal se daria, uma vez que ao mesmo uma determinada célula é –

12 Cinco folhetos intitulados Manière de se récréer avec le Jeu de Cartes, nomées Tarot [Como relaxar com o jogo de cartas chamado Tarô] foram publicados em Amsterdã e Paris entre 1783 e 1787; o autor era um cartomante que se autodenominava Etteilla, pseudônimo de Jean François Alliette (c. 1724–1792).

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no caso do selo de Netuno, p.ex. – parte do tridente, parte do barco, parte do peixe e parte da âncora e que isto só seria possível em se considerando realidades simultâneas. Expõe o hermetista do Sikkim que as quatro figuras estão relacionadas com os quatro elementos. O tridente de Netuno – deus dos Mares – representa a água; o barco à vela, uma vez que se move com a força do vento, representa-o; a âncora que prende o barco à terra, é a representação desta dentre os quatro elementos; ao passo que o peixe, uma vez pescado costuma ser tratado no fogo (frito, cozido ou assado) e portanto é o que saindo da água vai para o fogo e transforma-se em alimento. Assim, os quatro elementos estão correlacionados nas quatro figuras do selo de Netuno. Essa correlação com os quatro elementos da alquimia (fogo, águar, ar e terra), Guenol desenvolve para todos os outros selos também. 3. A Semiótica dos Selos dos Planetas Os selos dos planetas têm sido tratados pelos diferentes autores como figuras simbólicas. Aqui entendemos símbolo como um objeto ou figura que representa um conceito ou uma idéia, neste sentido ele é uma alegoria. Mas se adentramos no âmbito da Semiótica notaremos que isto vai um pouco mais profundamente na questão, uma vez que o símbolo não tem com seu objeto qualquer outra ligação que o da convenção ou do acordo implícito entre aqueles que compartilham do conhecimento do símbolo. Jean-Pierre Bayard assim escreve acerca dos quadrados mágicos em seu livro Os Talismãs:

“O que nos resta, atualmente, dessa pesquisa sobre a numerologia, sobre a aritmosofia, presta-se frequentemente ao riso. Toda uma glosa numérica nasceu, na maioria das vezes, da divulgação de movimentos espiritualistas que esqueceram o verdadeiro espírito tradicional. Oswald Wirch, autor maçônico muito

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considerado, deduziu dos números e das cartas do Tarô muitas interpretações, mais pessoais do que simbólicas; Abellio, conhecedor da matéria, se alça a considerações quase que inacessíveis para seus contemporâneos.” (BAYARD, J.P. p. 94)

Atenta Bayard para o fato do conhecimento original dos quadrados mágicos parece ter se perdido ou se diluído entre inúmeras interpretações que fogem ao seu significado primeiro, assim ao considerar que um certo Wirch deduziu interpretações mais pessoais que simbólicas, está indiretamente se referindo ao sentido simbólico dos mesmos quadrados mágicos e selos correspondentes. Raimón Arola, em O Simbolismo do Templo, observa acerca dos quadrados mágicos que “estão intimamente ligados ao simbolismo do número sete, que já mencionamos ao falarmos sobre a ‘pedra cúbica em ponta’. Os sete quadrados mágicos são sete escadas ou passagens, acima do que está o templo de Salomão.” (AROLA, R. p. 85) Aqui novamente a ideia implícita de que os quadrados mágicos são símbolos mágicos e que, portanto, guardam poderes nesta relação simbólica com a magia. No livro de P.V. Piobb, Formulário de Alta Magia, lê-se assim no que se refere ao quadrado mágico:

“Em geral, a solução de um quadrado mágico exprime uma relação qualquer com um número simbólico. Este gênero de solução significa então que a ideia do quadrado mágico tem uma relação x com tal símbolo, cujo valor é conhecido iniciaticamente; e x exprime, pela interpretação usual dos números, tal e tal concepção ou evocação de concepção”.(PIOBB, P.V. p. 108-109)

Assim as relações entre o número ou números relacionados ao quadrado mágico são tomadas como simbólicas.

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Do mesmo se percebe isto em autores como Agrippa, Kircher e outros alquimistas. Porém, Raji Guenol não faz referência ao sentido simbólico dos quadrados mágicos, antes trata-os como mapas ou diagramas de um processo que envolve algum tipo de energia. Ou seja, para Guenol não são símbolos ou dotados de aspectos simbólicos. São mapas ou diagramas práticos para construção de artifícios ou de operações que envolvem energia. Não nos diz nos seus cadernos qual seja a especificidade ou natureza dessa energia de modo claro, nem tampouco esclarece como ou de que modo se opera por meio de algum artifício ou instrumento essa energia, mas nas entrelinhas de seu texto se percebe de que ele trata tudo de uma maneira físico-química e que envolve uma prática operacional, portanto, empírica. Em termos semióticos, Guenol ao considerar os quadrados mágicos e seus selos como diagramas ou mapas e não como elementos simbólicos, está passando a configuração desses desenhos e tabelas para o âmbito dos ícones. Em Peirce os ícones compreendem além dos desenhos, fotografias, também as tabelas, os mapas, os diagramas. Essa passagem de Símbolo para Ícones revela mais do que a modificação da natureza do signo, revela também uma ligação por semelhança entre o signo e seu objeto. Deste modo, se no nível simbólico a relação signo-objeto se dá por convenção, arbitrariedade, no caso dos ícones, a relação só é possível mediante o estabelecimento da semelhança formal entre signo e objeto. Mais especificamente, é um tipo degenerado de ícone, denominado hipoícone:

“O hipoícone designaria assim uma espécie de parte baixa do ícone, um lugar de representações virtuais ou de indiferenciação. Ele é então dividido em: imagem, diagrama e metáfora.”(SOUZA, L.S. p.166)

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E mais especificamente no caso dos diagramas, Santaella especifica:

“O diagrama designa uma similitude ou uma analogia de proporção entre duas relações diádicas (A está para B o que C está para D). Como um exemplo narrativo, podemos mostrar uma sucessão de acontecimentos (A,A1, A2...) pode ser paralela ou a uma sucessão na mesma narrativa ou em outra (B, B1, B2...). A noção clássica de metonímia se enquadra na noção de diagrama: Juazeiro, com seus vinhos, representa na Bahia, o que Bordeaux representa na França.” (SOUZA, L. S. p.116-167)

Elisabeth Walther-Bense nos confirma essa característica do diagrama e a associa também aos mapas:

“Ícones como mapas de cidades, cartas geográficas, curvas de febre, esquemas e diagramas empregados no campo da técnica e da ciência também se revelam bastantes apropriados à compreensão internacional. Assim também a visualização do nosso ambiente obviamente depende da eficácia imediatamente comunicativa dos signos não verbais e representa uma iconização. De qualquer modo, isso não quer dizer que os signos icônicos não necessitem de nenhuma explicação; visto que assim como cada signo é explicado por meio de outros signos, também o ícone é explicado ou interpretado.” (WALHTER-BENSE, E. p. 16)

Se analisamos os selos dos planetas e os entendemos como representação icônica de uma relação de números colocados dentro de um quadrado mágico, temos efetivamente a natureza diagramática nesta relação. Neste sentido, um hipoícone. Porém, se pensamos que os selos dos planetas representam por

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semelhança um objeto ou relações entre objetos que estão dispostos num hiperespaço que contém por sua natureza mais do que as três dimensões de nosso espaço e contêm uma ideia de tempo que ultrapassa ou modifica nossa percepção de tempo, podemos supor deterministicamente que tal representação apresenta um objeto que não se pode perceber pelos sentidos normais ou ainda duvidarmos de sua existência até que se prove efetivamente a existência de outras dimensões em termos observáveis e analisáveis. Ou, resumindo, podem representar estes selos objetos que não existem. Nesta questão, em termos semióticos, assim se expressa Lúcia Santaella:

“Há pouca dúvida de que as imagens podem referir-se a algo que não existe ou que nunca existiu, mas elas mentem por isso? O surrealismo deu evidências amplas de pinturas que se referem a meros objetos imaginários. Vamos considerar, por exemplo (...) a Girafa em chamas (1935) de Salvador Dalí, que mostra uma mulher estranha com gavetas abertas em emergindo de suas pernas. Dificilmente nos inclinaremos a chamar o pintor deste trabalho de mentiroso, porém mesmo a categoria de verdade, pelo menos no sentido positivista, não parece aí aplicável.” (SANTAELLA, L. p. 196)

Não podemos buscar na relação icônica proposta uma análise do objeto, como se teria num mapa ou diagrama comum. É como se tivéssemos um mapa de continente não conhecido ou imaginário. O mapa de Athanasius Kircher que mostra o continente da Atlântica situado no meio do Atlântico, entre a Europa e a América, de 1669, por exemplo. Sabendo que não se encontrou nenhum continente assim especificado entre a América e a Europa, o mapa seria mentiroso? Depende de como analisamos o mapa. Se ele se refere ao nosso tempo presente e se suas proporções são corretas, não existe tal continente e assim,

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enquanto mapa é mentiroso. Mas se o mapa se refere a um tempo muito antigo, em que as massas continentais ainda se definiam, ele pode não ser; ou ainda, que suas proporções não são eficientes, e superestimando o tamanho de algumas ilhas, como a Ilha da Madeira, ou alguma dos Açores, então o mapa não pode ser taxado de mentiroso. É claro que aí entram questões interpretativas relativas ao modo como Kircher obteve os dados para produção dos mapas, as fontes, etc... Quando, pois, Raji Guenol nos apresenta os selos dos planetas, circunscritos nos quadrados mágicos, nos dizendo que são mapas ou diagramas de processos energéticos de um hiperespaço está nos propondo um limite interpretativo, ao qual não podemos ir além da observação das propriedades intrínsecas do mapa ou diagrama, sem termos a efetiva possibilidade de comparação o quanto ele é semelhante ao objeto que busca manter relações de semelhança. Como substituto desse objeto está o quadrado mágico, este observável e analisável diretamente. Enquanto ligação do selo com o quadrado mágico, a relação A está para B, assim como C para D, sucessivamente é inequívoca. Porém, o próprio quadrado mágico não realiza todas as qualidades do objeto que substituiu, é ele também um mapa, um diagrama do objeto. Quadrado mágico e selo do planeta são ambos hipoícones. E estando o selo em relação direta com o quadrado mágico, cria-se assim um conjunto de analogias com um objeto ou objetos cuja exploração não pode ser direta, nem verificável. Se isto parece estranho, não menos estranho é se considerar, por exemplo, na física moderna a existência dos quarks e de toda a teoria que organiza essas infinitesimais partículas em diversos tipos de acordo com massas, energia, spin e/ou rotação, etc... Afinal nenhum quark foi até hoje observado seja livre (o que a física moderna considera um estado não natural do quark) ou dentro de um próton ou outra partícula subatômica. Mas os indiretamente se tem a observação dos resultados esperados caso os quarks existam. O comportamento das partículas no modelo padrão, as interações entre as mesmas,

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encaixa-se na possibilidade de existência dos quarks. Do mesmo modo, os selos dos planetas e mais ainda, os selos das inteligências e dos espíritos inscritos nos planetas, respondem em Raji Guenol a uma teoria compatível em termos de realidade física, porém, não observável, uma vez que a idéia de movimento por ele demonstrado na análise dos quadrados mágicos e do modo muito dinâmico com que nos propõe imaginar este movimento sugere a possibilidade de existência do que ele nos diz existir. Por fim, não como conclusão, mas como nota apensa ao final do texto, esclarecemos que é nossa proposta poder publicar integralmente os cadernos de Raji Guenol, que tratam também de outros assuntos esotéricos, mas ainda não dispomos de uma possibilidade concreta de fazer isto, nem tampouco apoio de qualquer editora ou casa publicadora para tal. Acreditamos que a divulgação integral do texto de Raji Guenol enriqueceria sobremaneira o âmbito do estudo do esoterismo, incluindo uma possibilidade de revisão dos conceitos esotéricos em termos de lógica e de aplicabilidade científicas. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AGRIPPA, Cornelius. Três Livros de Filosofia Oculta. São Paulo, Madras, 2012. AROLA, Raimón. O Simbolismo do Templo: O espelho da contemplação, a interseção entre o Céu e a Terra. Rio de Janeiro, Objetiva, 1986. BAYARD, Jean-Pierre. Os Talismãs: Psicologia e Poderes dos Símbolos de Proteção. São Paulo, Pensamento, 1985. PIOBB, P.V. Formulário de Alta Magia. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1982. SANTAELLA, Lúcia & NOTH, Winfried. Imagem: Cognição, Semiótica, Mídia. São Paulo, Iluminuras, 2008. SOUZA, Licia Soares. Introdução às Teorias Semióticas. Petrópolis, RJ / Salvador, BA, Vozes / Fapesb, 2006.

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WALTHER-BENSE, Elisabeth. A Teoria Geral dos Signos. São Paulo, Perspectiva, 2000.

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