breves apontamentos e crÍticas sobre o direito penal do inimigo
TRANSCRIPT
-
8/8/2019 BREVES APONTAMENTOS E CRTICAS SOBRE O DIREITO PENAL DO INIMIGO
1/24
BREVES APONTAMENTOS E CRTICAS SOBRE O DIREITO PENAL DO INIMIGO
SUMRIO: 1- INTRODUO: A flexibilizao das garantias processuais penais;2- O surgimento do Direito Penal do Inimigo e seus fundamentos filosficos; 3-O Direito Penal do Inimigo segundo Jakobs; 4- Direito Penal do Inimigo: Umaterceira velocidade do Direito Penal?; 5- Crticas tese do Direito Penal doInimigo; 6- CONCLUSO.
1 INTRODUO: A FLEXIBILIZAO DAS GARANTIAS PROCESSUAIS PENAIS
O Direito Penal tem se distanciado muito daquele idealizado pelos
iluministas, que era voltado para proteger os cidados contra a tirania do Estado e
caracterizado, principalmente, pela pena privativa de liberdade e pelas garantias
individuais. Este direito caracterizado pela pena de priso, Silva Sanchez classifica
como Direito Penal de primeira velocidade1.
Com o surgimento de novos delitos decorrentes dos riscos ps-modernos, e
a expanso do Direito Penal, a conseqncia foi o aumento de tipos penais. Porm,
as penas tendem a serem mais brandas e alternativas. Este fato decorre da
administrativizao e da implementao de acordos no mbito do processo penal,
onde as penas privativas de liberdade so substitudas por penas alternativas, como
restritivas de direito e de multa.
Roxin prev o fim da pena privativa de liberdade e sua substituio por
penas alternativas, pois com o aumento da criminalidade e dos dispositivos penais
se chegar a um ponto em que ser invivel, econmica e politicamente, para o
Estado mant-la. Argumenta o autor que nos ltimos anos a Alemanha tem
aumentado consideravelmente a aplicao da multa ao invs da priso, pois o
1 SILVA SANCHEZ. Op. Cit., p. 148.
1
-
8/8/2019 BREVES APONTAMENTOS E CRTICAS SOBRE O DIREITO PENAL DO INIMIGO
2/24
Estado demonstra sua reprovao aos crimes no pela intensidade da sano e sim
pela simples preveno2.
O carter de gestor de riscos e de problemas sociais que assume o Direito
Penal na sociedade do risco o distancia do seu ncleo clssico, ou seja, do
homicdio cometido por um autor individual. Os delitos decorrentes da globalizao,
a chamada macrocriminalidade, como a criminalidade econmica e organizada,
terrorismo, trfico de armas e pessoas, exigem um carter de preveno e
praticidade do Direito Penal, o qual passa a ter um mbito supranacional e
unificado3.
Fbio D`Avila descreve com preciso novo cenrio do Direito Penal:
A disparidade de tais universos apresenta-se de forma muito claranos problemas enfrentados pela dogmtica penal. So evidentes asinmeras deficincias que vem atestando em sua tentativa de acompanhara pretenso poltico-criminal nestes novos mbitos de tutela, uma vez quepreparada para atender uma demanda absolutamente diversa daquela queora proposta. O direito penal liberal elaborado tendo por base oparadigmtico delito de homicdio doloso, no qual h marcante clareza nadeterminao dos sujeitos ativo e passivo, bem como do resultado e de seunexo de causalidade, defronta-se com delitos em que o sujeito ativo dilui-seem uma organizao criminosa, em que o sujeito passivo difuso, o bemjurdico coletivo, e o resultado de difcil apreciao. Sem falar, obviamente,do aspecto transnacional destes novos delitos, em que tanto a ao como o
resultado normalmente ultrapassam os limites do Estado Nao,necessitando, por conseguinte, da cooperao internacional para aelaborao de propostas que ambicionem uma parcela qualquer deeficcia4.
2 ROXIN, Claus. Tem futuro o Direito Peal? Doutrina Penal - primeira seo. Revista dosTribunais. n. 790. agosto de 2001, ano 90, p. 468-9.
3 SILVA SANCHEZ. Op. Cit., p. 75- 84.4 D'AVILA, Fabio Roberto. A Crise da Modernidade e as suas Conseqncias no Paradigma Penal
(Um breve excurso sobre o Direito Penal do Risco). Mundo Jurdico. Disponvel em:
Acesso em: 14.dez.2004.
2
-
8/8/2019 BREVES APONTAMENTOS E CRTICAS SOBRE O DIREITO PENAL DO INIMIGO
3/24
Em decorrncia da necessidade de combate aos novos e numerosos delitos,
e da constatao de que o Direito Penal Clssico, com suas regras e princpios
rgidos, no est preparado para tanto, surge como alternativa a teoria dualista do
sistema penal com regras de imputao e princpios de garantias processuais de
dois nveis5.
Argumenta Silva Sanchez que a teoria de segunda velocidade do Direito
Penal leva em conta que aos delitos socioeconmicos so imputadas penas
privativas de liberdade, sendo que para estas devem ser respeitadas todas as
garantias e princpios processuais. A proposta que estas garantias sejam
relativizadas, mas que, em contrapartida, sejam aplicadas penas mais brandas. Ou
seja, que onde ocorra a flexibilizao de garantias e princpios processuais ocorra
tambm a excluso da pena de priso6. E conclui o autor:
Isso tem duas conseqncias. Por um lado, naturalmente, admitiras penas no privativas de liberdade, como mal menor, dadas ascircunstncias, para as infraes nas quais tm se flexibilizado ospressupostos de atribuio de responsabilidade. Mas, sobretudo, exigir queali onde se impem penas de priso, e especialmente, penas de priso delarga durao, se mantenha todo o rigor dos pressupostos clssicos deimputao de responsabilidade7.
Hassemer constata um atual enrijecimento do Direto Penal com fins de
atender a poltica criminal e a conseqente inobservncia dos princpios
fundamentais. Para ele represso e preveno no se separam nitidamente no
combate a criminalidade organizada8, num sentido contrrio ao idealizado por Silva
Sanchez, onde flexibilizando-se as regras de imputao o mesmo deveria ser feito
com as penas.
5 SILVA SANCHEZ. Op. Cit., p. 142.6 Idem, p. 142-3.7 Idem, ibidem.8 HASSEMER. Op. Cit., p. 68-9.
3
-
8/8/2019 BREVES APONTAMENTOS E CRTICAS SOBRE O DIREITO PENAL DO INIMIGO
4/24
Como soluo, Silva Sanchez preconiza um Direito Penal ao mesmo tempo
funcional e garantista, onde sejam preservadas as garantias individuais para o
ncleo dos delitos individuais clssicos, para os quais prevista a pena de priso.
Mas, para as novas modalidades de delitos, os quais no colocam um perigo real a
bens individuais, sustenta
a flexibilizao controlada das regras de imputao (a saber,
responsabilidade penal das pessoas jurdicas, ampliao dos critrios deautoria ou da comisso por omisso, dos requisitos de vencibilidade do erro)como tambm dos princpios poltico-criminais (por exemplo, o princpio dalegalidade, o mandato de determinao ou o principio de culpabilidade)9.
A teoria descrita pelo referido autor atende a um critrio de
proporcionalidade e razoabilidade poltico-jurdica, um meio termo entre um Direito
Penal mnimo e rgido e um Direito Penal amplo e flexvel10.
A perda de tradies liberais, com flexibilizao das garantias individuais e
das regras de imputao, o preo pago por Direito Penal funcional, com o fim de
atender e aplacar o sentimento de insegurana social.Porm, um Direito Penal de
urgncia e demasiado amplo causa insegurana jurdica e atende a fins
basicamente simblicos, carecendo de eficcia prtica, e despertando um
sentimento de impunidade generalizado na sociedade. Alm disso, o avano
acelerado da macrocriminalidade criminalidade e nsia de cont-la um terreno frtil
para o surgimento de novas teorias funcionalistas como o Direito Penal do Inimigo,
que passaremos a analisar.
9 SILVA SHANCHEZ. Op. Cit., p. 146.10 Idem, p. 145.
4
-
8/8/2019 BREVES APONTAMENTOS E CRTICAS SOBRE O DIREITO PENAL DO INIMIGO
5/24
2 O SURGIMENTO DO DIREITO PENAL DO INIMIGO E SEUS FUNDAMENTOS
FILOSFICOS
O Direito Penal do Inimigo como hoje o defendido por Jakobs, resultante
da soma de fatores como a expanso do Direito Penal, do surgimento do Direito
Penal Simblico e do ressurgir do punitivismo11, tendo em vista a emergncia do
Direito Penal moderno, tem razes filosficas distantes. Kant e Hobbes, entre outros
filsofos, h muito tempo elaboraram conceitos de inimigos, que hoje fundamentam
o atual Direito Penal do Inimigo desenvolvido por Jakobs12.
Segundo Kant, o estado de natureza o estado de guerra, a paz s
possvel atravs do estado civil. No estado natural os homens se ameaam
mutuamente sem revelarem suas hostilidades, pondo em risco a segurana uns dos
outros. Ao ingressar no estado civil, um homem d aos demais garantia de no
hostiliz-los. Assim, um homem pode considerar o outro seu inimigo em decorrncia
de no assegurar-lhe segurana por no participar do estado legal comum,
tornando-se uma ameaa perptua13. Sendo que, nas palavras de Kant, posso
obriga-lo, ou a entrar comigo num estado legal comum, ou mesmo a ou afastar-se
de meu lado14. Assim, se um homem permanece em estado de natureza, torna-se
inimigo, sendo legtima qualquer hostilidade contra ele. Para tanto, no necessrioque cometa delitos, pois estando fora do Estado civil, ameaa constantemente a
paz15.
11 CANCIO MELI, Manuel, in JAKOBS, Gnter; CANCIO MELIA, Manuel, Direito Penal doInimigo, moes e crticas. Org. e Trad.: Andr Luis Callegari e Nereu Jos Giacomolli. PortoAlegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 57-65.
12 Idem, p. 25- 30.13 KANT, Emmanuel. A paz perptua. So Paulo: Brasil, 1936, p. 45-6.14 Idem, p. 46.15 KANT. Op. Cit., p. 46.
5
-
8/8/2019 BREVES APONTAMENTOS E CRTICAS SOBRE O DIREITO PENAL DO INIMIGO
6/24
em Hobbes que a doutrina de Jakobs se identifica intimamente. Para
Hobbes, o inimigo aquele indivduo que rompe com a sociedade civil e volta a viver
em estado de natureza, ou seja, homens em estado de natureza so todos iguais. O
estado de natureza, segundo Hobbes, a liberdade que cada homem possui de
usar seu prprio poder, de maneira que quiser, para a preservao de sua prpria
natureza, ou seja, de sua vida16. Portanto, para este autor, o estado natural dos
homens o estado de guerra, onde todos os homens so inimigos dos outros, e um
homem pode tudo contra seus inimigos17. Pois na guerra no h lei e onde no h
lei, no h justo ou injusto, nem bem, nem mal18.
Com o fim de abandonar o estado de natureza, ou seja, de guerra, os
homens se reuniram em sociedade19 e instituram o Estado, orientados pelo medo e
pela busca de uma vida mais segura. Portanto, os homens uniram-se entre si, em
cidades, contra seus inimigos comuns pela busca da paz duradoura, renunciando de
parte de seus direitos uns aos outros e ao Estado, tornando-se cidados20.
Para Hobbes, as leis civis so feitas para os cidados, sendo que, os
inimigos no esto sujeitos a elas, pois negaram a autoridade do Estado, dessa
forma, podero receber o castigo que o representante do Estado achar conveniente.Pois,
os danos infligidos a quem um inimigo declarado no podem serclassificados como penas. Dado que esse inimigo ou nunca esteve sujeito lei, e portanto, no pode transgredi-la, ou esteve sujeito a ela e professa no
16 HOBBES. Thomas. Leviat ou Matria, Forma e Poder de um Estado Eclesistico e Civil.Trad. Joo Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da Silva. [s.l.]: Ed. Nova Cultural, 1997, p. 113.
17 Idem, p. 109.18 Idem, p. 110.19 HOBBES, Thomas. Do cidado. So Paulo: Martin Claret, 2004. Cap. V, 10 e 11. No paginado.20 Idem, ibidem.
6
-
8/8/2019 BREVES APONTAMENTOS E CRTICAS SOBRE O DIREITO PENAL DO INIMIGO
7/24
-
8/8/2019 BREVES APONTAMENTOS E CRTICAS SOBRE O DIREITO PENAL DO INIMIGO
8/24
Segundo Prittwitz, quando Jakobs falou em Direito Penal do Inimigo pela
primeira vez, em 1985, numa palestra me Frankfurt, no recebeu muito interesse,
porm, em 1999, na Conferncia do Milnio em Berlim, o conceito causou grande
motivao25. A atitude da doutrina mudou, pois em 1985, Jakobs usou a
terminologia de forma crtica e, em 1999, defendeu-a avidamente26.
3 O DIREITO PENAL DO INIMIGO SEGUNDO JAKOBS
Jakobs defende que devem existir dois tipos de Direito, um voltado para o
cidado e outro voltado para o inimigo. Segundo o autor, no se trata de contrapor
duas esferas isoladas do Direito penal, mas de descrever dois plos de um s
contexto jurdico-penal27.
O Direito voltado para o cidado caracteriza-se pelo fato de que, ao violar a
norma, ao cidado dada a chance de restabelecer a vigncia dessa norma, de
modo coativo, mas como cidado, pela pena28. Neste caso, o Estado no v no
indivduo um inimigo, que precisa ser destrudo, mas o autor de um fato normal29,
que, mesmo cometendo um ato ilcito, mantm seu status de pessoa e seu papel de
cidado dentro do Direito. Alm do que, no pode despedir-se da sociedade pelo
seu ato30
.
Porm, existem indivduos que pelos seus comportamentos: pelos tipos de
crimes que cometem (delitos sexuais), ou pela sua ocupao profissional
(criminalidade econmica, trfico de drogas), ou por participar de uma organizao
25 PRITTWITZ, Op. Cit., p. 41.26 Idem, p. 42.27 JAKOBS. In JAKOBS;CANCIO MELI. Op. Cit., p. 21.28 Idem, p. 32-3.29 Idem, p. 32.30 JAKOBS. In JAKOBS;CANCIO MELI. Op. Cit., p. 26-7.
8
-
8/8/2019 BREVES APONTAMENTOS E CRTICAS SOBRE O DIREITO PENAL DO INIMIGO
9/24
criminosa (terrorismo), se afastou, de maneira duradoura, ao menos de modo
decidido, do Direito, isto , que no proporciona a garantia cognitiva mnima
necessria a um tratamento como pessoa31
, e portanto devem ser tratados como
inimigos, sendo que para este se volta o Direito Penal do Inimigo.
Percebe-se que a tese em anlise, defendida por Jakobs, estruturada
sobre o conceito de pessoa e de no-pessoa. Para ele, o inimigo uma no-
pessoa, pois um indivduo que no admite ser obrigado a entrar em um estado de
cidadania no pode participar dos benefcios do conceito de pessoa32.
Para Jakobs, indivduo e pessoa so distintos. O indivduo pertence ordem
natural, o ser sensorial, tal como aparece no mundo da experincia. Os indivduos
so animais inteligentes, conduzindo-se pelas suas satisfaes e insatisfaes
conforme suas preferncias e interesses, ou seja, sem referncia a nenhuma
configurao objetiva do mundo externo em que participam outros indivduos33. A
pessoa, por outro lado, est envolvida com a sociedade (mundo objetivo), tornando-
se sujeito de direitos e obrigaes frente aos outros membros do grupo do qual faz
parte, propiciando a manuteno da ordem no mesmo34.
Portanto, a persona es algo distinto de un ser humano; este es resultado de
procesos naturales, y aqulla un producto social que se define como la unidad ideal
31 Idem, p. 35.32 Idem, p. 36.33 JAKOBS, Gnter. La idea de la normativizacin en la Dogmtica jurdico-penal, in Moiss Moreno
Hernndez (coordenador), Problemas capitales del moderno Derecho penal a principios delsiglo XXI, Cepolcrim, D. R. Mxico D.F.: Editorial Ius Peonale, 2003, p. 69 e ss.
34 JAKOBS. Gnter apud MARTN, Luis Gracia. Consideraciones crticas sobre el actualmenteDerecho Penal del enemigo. Revista Electrnica de Ciencia Penal y Criminologa. 2005, n.07-02. Disponvel em: Acesso em: 02 jun.2005, p.25.
9
-
8/8/2019 BREVES APONTAMENTOS E CRTICAS SOBRE O DIREITO PENAL DO INIMIGO
10/24
de derecho y deberes que son administrados a travs de un cuerpo y de una
conciencia35.
Quando comete um delito ao cidado previsto o devido processo legal que
resultar numa pena como forma de sano pelo ato ilcito cometido. Ao inimigo o
tratamento diverso, a ele o Estado atua pela coao, a ele no aplicada pena e
sim medida de segurana36.
O inimigo um perigo que se visa combater, neste sentido o Direito se
adianta a o cometimento do crime levando em conta a periculosidade do agente37.
Pois, o Estado tem direito a procurar segurana frente a indivduos que reincidem
persistentemente na comisso de delitos38. Assim, o Direito penal do inimigo
daqueles que o constituem contra o inimigo: frente ao inimigo, s coao fsica,
at chegar a guerra39.
Jakobs utiliza a periculosidade do agente para caracterizar o inimigo,
contrapondo-o ao cidado que, apesar de seu ato, oferece garantia de que se
conduzir como cidado, atuando com fidelidade ao ordenamento jurdico, de forma
que sua personalidade tende para tanto40
. J o inimigo no oferece esta garantia,devendo ser combatido pela sua periculosidade, e no punido segundo a sua
culpabilidade. No Direito Penal do Inimigo a punibilidade avana para o mbito
interno do agente e da preparao, e a pena se dirige segurana frete atos
35 JAKOBS. In Moiss Moreno Hernndez. Op. Cit., p. 72.36 JAKOBS. In JAKOBS;CANCIO MELI. Op. Cit., p. 24.37 Idem, p. 22-3.38 Idem, p. 29.39 Idem, p. 30.40 JAKOBS. In JAKOBS;CANCIO MELI. Op. Cit., p. 33-4.
10
-
8/8/2019 BREVES APONTAMENTOS E CRTICAS SOBRE O DIREITO PENAL DO INIMIGO
11/24
futuros41, caracterizando o Direito Penal do Inimigo como um direito do autor42 e no
do fato. Assim,
o ponto de partida ao qual se ata a regulao a conduta norealizada, mas s planejada, isto , no o dano vigncia da norma quetenha sido realizado, mas o fato futuro. Dito de outro modo, o lugar do danoatual vigncia da norma ocupado pelo perigo de danos futuros: umaregulao prpria do Direito penal do inimigo43.
O trnsito do cidado ao inimigo se d pela integrao em organizaes
criminosas bem estruturadas, mas, alm disso, se d tambm, pela importncia de
cada ato ilcito cometido, da habitualidade e da profissionalizao criminosa, de
forma a manifestar concretamente a perigosidade do agente44. O Direito do inimigo
poder-se-ia conjeturar seria, ento, sobretudo o Direito das medidas de
segurana aplicveis a imputveis perigosos45, em contrapartida as medidas de
segurana aplicadas a inimputveis no Direito Penal comum.
O fatdico 11 de setembro de 2001 usado por Jakobs para ilustrar sua
tese, como exemplo tpico de um ato terrorista. Dessa forma, o autor afirma que o
delinqente por tendncia no pode ser tratado como um cidado que age
erroneamente, pois o mesmo est intrincado numa organizao criminosa colocando
em perigo a legitimidade do ordenamento jurdico pelo fato de rechaa-lo e no se
adaptar a ele46. Assim, quem inclui o inimigo no conceito de delinqente-cidado
no deve assombrar-se quando se misturarem os conceitos de guerra e processo
penal47. Com estas afirmaes, Jakobs sustenta que a separao entre Direito
41 Idem, p. 36.42 CANCIO MELI. In JAKOBS;CANCIO MELI. Op. Cit., p. 80.43 JAKOBS. In JAKOBS;CANCIO. Op. Cit., p. 44.44 SILVA SANCHEZ. Op. Cit., p. 149.45 Idem, p. 150.46 JAKOBS. In JAKOBS;CANCIO MELI. Op. Cit., p. 36.47 Idem, p. 37.
11
-
8/8/2019 BREVES APONTAMENTOS E CRTICAS SOBRE O DIREITO PENAL DO INIMIGO
12/24
Penal do cidado e Direto Penal do inimigo visa proteger a legitimidade do Estado
de Direito, certamente voltado para o cidado.
Jakobs defende o Direito Penal do Inimigo afirmado que, o Estado tem o
direito de procurar a segurana frente aos inimigos, sustentando que a custdia da
segurana uma instituio jurdica. E argumenta que os cidados tm o direito de
exigir do Estado as medidas adequadas a fim de fornecer esta segurana48.
Portanto, o Estado no deve tratar o inimigo como pessoa, pois do contrrio
vulneraria o direito segurana das demais pessoas49.
4 DIREITO PENAL DO INIMIGO: UMA TERCEIRA VELOCIDADE DO DIREITO
PENAL?
A tendncia do Direito penal moderno a um aspecto simblico cada vez
maior e necessidade de tornar-se mais efetivo frente s novas formas de
criminalidade moderna, acarretaram uma administrativizao do Direito, e o
surgimento novas formas de pena, mais brandas que a pena de priso, e em
decorrncia uma possvel flexibilizao das regras de imputao e princpios e
garantias processuais, como j fora demonstrado anteriormente. Porm, contata-se,
com a tese do Direito Penal do Inimigo, uma outra tendncia - ou talvez seria melhordizer previso - do Direito Penal moderno, a total excluso dos direitos e garantias
processuais dos indivduos classificados como inimigos, caracterizando uma nova
velocidade do Direito Penal.
48 Idem, p. 29.49 Idem, p. 42.
12
-
8/8/2019 BREVES APONTAMENTOS E CRTICAS SOBRE O DIREITO PENAL DO INIMIGO
13/24
Dessa forma, o Direito Penal do Inimigo caracteriza, segundo Silva Sanchez,
uma terceira velocidade do Direito Penal. Na qual o Direito Penal da pena de priso
concorra com uma ampla relativizao de garantias poltico-criminais, regras de
imputao e critrios processuais50.
Defende o mesmo autor que o Direito de terceira velocidade deve ser
reduzido a um mbito de pequena expresso, em casos de absoluta necessidade,
subsidiariedade e eficcia. Porm, conclui que o mesmo inevitvel frente a
determinados delitos como terrorismo, delinqncia sexual violenta e reiterada e
criminalidade organizada51. Alm de consider-lo um mal menor frente o contexto
de emergncia em que est inserido, profetizando seu crescimento e at sua
estabilidade52.
Silva Sanchez constata em sua obra o fenmeno social do retorno da teoria
da neutralizao seletiva, resultante da administrativizao do Direito Penal, que
vem de encontro com a teoria do Direito Penal do Inimigo. A teoria da neutralizao
seletiva consiste em que possvel identificar-se um nmero pequeno de
delinqentes que so responsveis por um grande nmero de delitos e que tendem
a continuar delinqindo, partindo-se para tanto de critrios estatsticos. Dessa forma,neutralizando-se os delinqentes mantendo-os na priso pelo mximo de tempo
possvel ter-se-ia uma radical reduo do nmero de delitos, importante benefcio
a baixo custo53. A neutralizao tem-se manifestado de vrias formas, como por
exemplo, na adoo de medidas de segurana tais como, privao da liberdade e
50 SILVA SANCHEZ. Op. Cit., p. 148.51 Idem, p. 148-9.52 Idem, p. 151.
53 SILVA SANCHEZ. Op. Cit., p. 130-1.
13
-
8/8/2019 BREVES APONTAMENTOS E CRTICAS SOBRE O DIREITO PENAL DO INIMIGO
14/24
liberdade vigida, que visam manter o individuo sob controle do Estado mesmo aps
cumprida a pena de acordo com a sua culpabilidade, alm da adoo de medidas
prvias condenao em excesso54
.
Como o inimigo uma no-pessoa, a qual o Estado visa combater e
neutralizar, a ele no so previstos os direitos e garantias processuais a que os
cidados tm direito. Dessa forma, o inimigo no pode ser tratado como sujeito
processual55, pois com seus instintos e medos pem em perigo a tramitao
ordenada do processo56.
Assim, ao inimigo no so previstos, no curso do processo, vrios direitos
permitidos ao cidado, como o acesso aos autos do inqurito policial, o direito de
solicitar a prtica de provas, de assistir aos interrogatrios, de se comunicar com seu
advogado. Alm de que, so admitidas contra ele provas obtidas por meios ilcitos,
como as escutas telefnicas, agentes infiltrados, investigaes secretas, alm de
ter-se um avano da priso preventiva como regra, que exceo num processo
ordenado. Portanto, o processo contra o inimigo no pode denominar-se processo
e sim procedimento de guerra57.
Manuel Cncio Meli enumera as caractersticas do Direito Penal do Inimigo,
quais sejam: em primeiro lugar constata-se um avano da punibilidade, ou seja, o
ponto de referencia do ordenamento um fato futuro, ao contrrio de como ocorre
no Direito Penal do cidado que a que pune um fato j ocorrido. Em segundo
54 Idem, p. 134-5.55 JAKOBS. In JAKOBS;CANCIO MELI. Op. Cit., p. 39.56 Idem, p. 40.57 JAKOBS. In, JAKOBS;CANCIO MELI. Op. Cit., p. 39-41.
14
-
8/8/2019 BREVES APONTAMENTOS E CRTICAS SOBRE O DIREITO PENAL DO INIMIGO
15/24
lugar, as penas previstas so muito desproporcionais, e nem mesmo o adiantamento
da punibilidade considerado para sua reduo. Em terceiro lugar, muitas garantias
processuais so relativizadas ou at mesmo suprimidas58
.
Essas caractersticas vm perfeitamente de acordo com a classificao do
Direito Penal do Inimigo como um Direito de terceira velocidade elabora por Silva
Sanchez, embora, utilizando-se de um marco cronolgico, possa parecer que o
Direito Penal evoluiu neste aspecto, em fase anterior s conquistas iluministas
processo inquisitrio pode-se perceber medidas semelhantes s defendidas pela
doutrina do Direito Penal do Inimigo, porm os inimigos eram outros.
5 CRTICAS TESE DO DIREITO PENAL DO INIMIGO
A tese do Direito Penal do Inimigo, apesar de bem amparada
filosoficamente, tem recebido enumeras crticas por parte da doutrina,
principalmente frente ao fato de o mesmo ser previsto em plena vigncia de Estados
Democrticos de Direito, e por, ao mesmo tempo, afrontar vrios ditames dos
mesmos. Algumas crticas so puramente emocionais, porm muitas fortemente
embasadas, conforme se passa a analisar.
Cncio Meli destaca algumas crticas teoria do Direito Penal do Inimigo. A
comear pelo prprio nome utilizado por Jakobs para descrever a teoria em anlise,
Cncio argumenta que, Direito penal do cidado pleonasmo, e Direito penal do
inimigo uma contradio em seus termos59.
58 CANCIO MELI. In JAKOBS;CANCIO MELI. Op. Cit., p. 67.59 CANCIO MELI. In JAKOBS;CANCIO MELI. Op. Cit., p. 54.
15
-
8/8/2019 BREVES APONTAMENTOS E CRTICAS SOBRE O DIREITO PENAL DO INIMIGO
16/24
Sobre o conceito de Direito Penal do Inimigo usado por Jakobs, o referido
autor destaca que, o mesmo constitui to s a reao do ordenamento jurdico
contra indivduos perigosos, e que para tanto a reao desproporcional e no
condiz com a realidade. Alega que, mesmo sem levar-se em conta os estudos de
psicologia social em casos importantes para o Direito Penal do Inimigo, como trfico
de drogas, criminalidade de imigrao, terrorismo, por exemplo, percebe-se na
prtica que as reaes de combate dirigem-se mais para de inimigos em sentido
pseudo-religioso do que na acepo tradicional- militar do termo 60. Nas palavras do
autor:
Em efeito, a identificao de um infrator como inimigo, por parte doordenamento penal, por muito que possa parecer, a primeira vista, umaqualificao como outro, no , na realidade, uma identificao como fontede perigo, no supe declara-lo um fenmeno natural a neutralizar, mas, aocontrrio, um reconhecimento de funo normativa do agente mediante aatribuio de perversidade, mediante sua demonizao. Que outra coisano Lcifer seno um anjo cado? Neste sentido, a carga gentica do
punitivismo (a idia do incremento da pena como nico instrumento decontrole da criminalidade) se recombina coma do Direito penal simblico (atipificao penal como mecanismo de criao de identidade social) dandolugar ao cdigo do Direito penal do inimigo61.
Percebe-se um significado simblico na denominao Direito Penal do
Inimigo, pois no somente determinado fato que pertence tipificao penal, mas
tambm outros elementos que permitam a classificao do autor como inimigo. De
modo correspondente, no plano tcnico, o mandato de determinao derivado do
principio da legalidade e suas "complexidades j no so um ponto de referencia
essencial para a tipificao penal62.
60 Idem, p. 70-1.61 Idem, p. 71-2.62 CANCIO MELI. In JAKOBS;CANCIO MELI. Op. Cit., p. 72.
16
-
8/8/2019 BREVES APONTAMENTOS E CRTICAS SOBRE O DIREITO PENAL DO INIMIGO
17/24
Cncio Meli no aceita a teoria do Direito Penal do Inimigo como inevitvel,
pois afirma ser a mesma inconstitucional, alm de no ser efetiva na preveno de
crimes e na garantia da segurana social63
. E em resposta a indagao que se fez
sobre o Direito Penal do Inimigo fazer parte conceitualmente do Direito Penal
argumentou,
A resposta que aqui se oferece : no. Por isso, propor-se-oduas diferenas estruturais (intimamente relacionadas entre si) entre Direitopenal do inimigo e Direito penal: a) o Direito penal do inimigo no estabilizanormas (preveno geral positiva), mas denomina determinados grupos deinfratores; b) em conseqncia, do Direito penal do inimigo no um Direitopenal do fato, mas do autor64.
A argumentao de Jakobs de que deveriam existir dois Direito Penais, um
voltado para o cidado e outro voltado para o inimigo est destinada ao fracasso,
conforme constata Prittwitz, pois, relata o autor que, o Direito Penal como um todo
est infectado pelo Direito Penal do Inimigo, de forma que impensvel uma
reforma que possibilitasse a referida diviso e que permitisse um Direito Penal
realmente digno de um Estado de Direito65. E lamenta o autor que, o mais grave,
porm, a possibilidade de o Direito Penal do Inimigo ser usado para legitimar
aes de regimes autoritrios e como instrumento de dominao social, a ponto de
que o Direito como um todo perca influncia na medida em que ameaa os direitos e
liberdades dos cidados66.
Segundo Luiz Flvio Gomes, no Direito Penal do Inimigo no se reprovaria
a culpabilidade do agente, mas sua periculosidade. Com isso, pena e medida de
segurana deixam de ser realidades distintas, que s destina a medida de63 Idem, p. 73.64 Idem, p. 75.65 PRITTWITZ. Op. Cit., p. 43.
66 PRITTWITZ. Op. Cit., p. 44.
17
-
8/8/2019 BREVES APONTAMENTOS E CRTICAS SOBRE O DIREITO PENAL DO INIMIGO
18/24
segurana para agentes inimputveis loucos, ou semi-imputveis que necessitam
de especial tratamento curativo67.
Como o Direito Penal do Inimigo pune o autor pela sua periculosidade, no
entra em jogo a questo da proporcionalidade das penas, que passam a ser
demasiadamente desproporcionais. Alm do que, trata-se de um Direito Penal
prospectivo, em lugar do retrospectivo Direito Penal da culpabilidade, que
historicamente encontra ressonncia no positivismo criminolgico de Lombroso,
Ferri e Garfalo, que propugnavam, inclusive, pelo fim das penas e imposio
massiva das medidas de segurana68. Caracterizando, dessa forma, um Direito
Penal do autor, mais preocupado em identificar os inimigos, em contraposio ao
Direito Penal do fato consectrio de um Estado de Direito, que busca a punio de
um determinado fato69.
Alm disso, no procedimento contra o inimigo no se segue o processo
democrtico (devido processo legal), mas sim, um verdadeiro procedimento de
guerra, que no se coaduna com o Estado de Direito, principalmente pela
supresso das garantias penais e processuais70.
Uma crtica pode ser feita quanto afirmao de Jakobs de que o inimigo
uma no pessoa. Desse conceito decorre uma indagao, se o conceito de Direito
Penal do Inimigo parte do pressuposto de que existiriam no-pessoas, resta saber
se este conceito de no-pessoas prvio ao Direito Penal do Inimigo ou se uma
67 GOMES. Luiz Flvio. Crticas tese do Direito Penal do Inimigo. Carta Maior. Disponvelem: Acesso em: 28 jun.
2005.68 Idem, ibidem.69 CANCIO MELI. In JAKOBS;CANCIO MELI. Op. Cit., p. 81.70 GOMES. Op. Cit., p.1.
18
-
8/8/2019 BREVES APONTAMENTOS E CRTICAS SOBRE O DIREITO PENAL DO INIMIGO
19/24
criao do mesmo. Dito de outro modo, ou os inimigos estariam identificados antes
da incidncia do Direito Penal do Inimigo ou somente seriam classificados como tais
aps a incidncia do mesmo. Resta que a resposta afirmativa deva ser dada
segunda opo, conforme afirma Jakobs, pois do contrrio, estaria-se supondo que
o Direito Penal do Inimigo pudesse ser aplicado tambm aos cidados, pois como
saberia-se se tratar realmente de um inimigo?71.
Ocorre que, num Estado de Direito, e garantidor da dignidade do ser
humano, o status de pessoa no pode ser ou deixar de ser atribudo a algum, ou
seja, ningum pode ser classificado como no-pessoa72. Assim, em no podendo
existir no-pessoas, tambm, no poder existir Direito Penal do Inimigo.
Seguindo na anlise do conceito de inimigo, o qual seria um indivduo que
abandonou de forma permanente e duradoura o Direito, e partindo da a afirmao
de que o Direito em questo o dos cidados, e que este Direito somente possa ser
infringindo por quem seja destinatrio de suas normas, e, conforme afirma o Direito
Penal do Inimigo este s pode ser uma pessoa, por certo se chega concluso de
que o inimigo tambm uma pessoa, pois infringe reiteradamente as normas de
Direito dos cidados. E para que se comprove que este indivduo em questo tenhainfringido realmente o Direito dos cidados ele ter que ser submetido
necessariamente a um processo penal que por certo dever ser o dos cidados, pois
ele entra no processo como cidado e protegido pelas garantias desse Direito73.
71 MARTN, Luis Gracia. Consideraciones crticas sobre el actualmente Derecho Penal delenemigo. Revista Electrnica de Ciencia Penal y Criminologa. 2005, n. 07-02. Disponvel em:
.Acesso em 02.jun. 2005, p. 27- 8.72 CONDE, Muoz. Edmund Mezger y el Derecho penal de su tiempo. Estudios sobre el Derecho
penal en el nacionalsocialismo, Ed. Tirant lo Blanch: Valencia, 2002, p. 118.73 MARTN. Op. Cit., p. 29.
19
-
8/8/2019 BREVES APONTAMENTOS E CRTICAS SOBRE O DIREITO PENAL DO INIMIGO
20/24
Conseqentemente, se ao fim do processo ficar comprovado que o indivduo
cometeu o ato ilcito dever sofrer as conseqncias jurdicas do Direito Penal dos
cidados, pois foi este Direito que o mesmo infringiu e pelo qual foi julgado. E,
mesmo que seja com o processo que o indivduo perca sua condio de pessoa e
passe a ser um inimigo, no resta dvida de que o mesmo dever transcorrer
coberto das garantias processuais prprias dos cidados, resultando logicamente
que o indivduo ao ser condenado permanece na condio de pessoa 74. Desse
raciocnio conclui Luis Garcia Martn que,
en principio, al Derecho penal del enemigo slo le es posible partirde la existencia previa de personas, y que si esto es as, entonces loscontenidos y las reglas materiales de ese Derecho no podrn ser otrasdistintas a las del Derecho penal del ciudadano. La argumentacindesarrollada, sin embargo, y como he dicho al principio, no tiene ms valorque el dialctico, y por consiguiente no puede ser acogida como decisiva encontra del Derecho penal del enemigo75.
Outrossim, pode-se alegar que o Direito Penal do Inimigo uma reao do
sistema jurdico, frente aos problemas sociais como os riscos do mundo ps-
modernos, internamente disfuncional76. Pois, os fenmenos, frente aos quais reage
o Direito penal do inimigo, no tem esta periculosidade terminal pra a sociedade
como se apregoa deles77. A importncia dada a estes fenmenos est em que
tratam-se de comportamentos delitivos que afetam elementos essenciais e
vulnerveis da identidade das sociedades, principalmente num plano simblico78.
Assim, uma resposta juridicamente-funcional deveria estar na afirmao do Direito
Penal da normalidade, e no na afirmao de um Direito Penal para o inimigo.
Portanto, a resposta idnea no plano simblico, ao questionamento de uma norma
74 Idem, ibidem.75 Idem, p. 20 e 30.
76 CANCIO MELI. In JAKOBS;CANCIO MELI. Op. Cit., p. 76.77 Idem. Ibidem.78 CANCIO MELI. In JAKOBS;CANCIO MELI. Op. Cit., p. 77.
20
-
8/8/2019 BREVES APONTAMENTOS E CRTICAS SOBRE O DIREITO PENAL DO INIMIGO
21/24
essencial, deve estar na manifestao de normalidade, na negao da
excepcionalidade79.
Ao afirmar-se o sistema jurdico-penal normal se nega ao infrator a
capacidade de questionar o sistema, e principalmente seus elementos essncias
ameaados. Se pelo contrrio, se entender possvel e legtimo um Direito Penal do
Inimigo, ter-se- que reconhecer, tambm, a capacidade do infrator de questionar a
norma, pois este Direito excepcional prescinde de uma demonizao de certos
grupos de autores, implcita em sua tipificao da reprovao de seus atos 80, porm
baseada em critrios de periculosidade, configurando um Direito Penal do autor,
desprovido das garantias e prerrogativas processuais de um Estado de Direito.
Para concluir, bom frisar a lio de Prittwitz, que reconhece o sucesso
incrvel do Estado de Direito nos ltimos dois sculos, ainda que considerando
muitos retrocessos, como o nazismo, por exemplo, e as variadas velocidades desse
processo em diversas partes do mundo. O autor reafirma este sucesso mesmo
frente s polticas dos EUA que defendem a liberdade por meio da violao do
direito liberdade. Este sucesso, afirma o autor, deve ser observado na busca por
uma reposta aos riscos da sociedade atual, no devendo dar espao para outro queno seja o Direito compatvel com um Estado Democrtico de Direito81.
6 CONCLUSO
79 Idem, p. 78.80 Idem, p. 80.
81 PRITTWITZ. Op. Cit., p. 45.
21
-
8/8/2019 BREVES APONTAMENTOS E CRTICAS SOBRE O DIREITO PENAL DO INIMIGO
22/24
O Direito Penal de urgncia perde o cerne de seus fundamentos, deixa de
ser um instrumento de proteo do cidado para tornar-se um mero instrumento de
contenso social e gesto de riscos. Por certo que os problemas sociais devem ter
soluo, porm o Direito Penal no o melhor e o nico caminho para tanto. O
aumento de tipos penais e o enrijecimento das penas so resultados de um Direito
Penal simblico, que tenta transmitir segurana a sociedade, e a idia de que o
Estado est atento ao avano da criminalidade.
Com o aumento dos atentados terroristas, principalmente aps o 11 de
setembro americano, o mundo voltou-se contra o terrorismo clamando por solues
que contenham essa violncia. O Direito Penal do Inimigo surge como alternativa
para justificar atitudes ilcitas dos governos contra os supostos inimigos, neste caso
especfico, os terroristas, decorrentes da nsia em mostrar resultados ao povo. Ao
retirar-lhes o direito a um processo penal justo, desprovido de garantias penais e
processuais, o Estado demonstra que no ir tolerar certos crimes, porm ao
mesmo tempo, permite ao prprio criminoso que questione a ordem jurdica.
Mesmo com fortes bases filosficas, o Direito Penal do Inimigo um
retrocesso no desenvolvimento do Direito Penal que deveria tender a ser cada vezmais a ultima ratio, ou seja, deveria ser utilizado somente quando esgotadas todas
as possibilidades de controle extrapenal no combate a criminalidade e gesto de
riscos, reservando seu mbito de atuao a esferas de extrema necessidade, tais
como a proteo aos direitos fundamentais do homem.
22
-
8/8/2019 BREVES APONTAMENTOS E CRTICAS SOBRE O DIREITO PENAL DO INIMIGO
23/24
-
8/8/2019 BREVES APONTAMENTOS E CRTICAS SOBRE O DIREITO PENAL DO INIMIGO
24/24
HOBBES, Thomas. Do cidado. So Paulo : Martin Claret, 2004.
JAKOBS, Gnter. La idea de la normativizacin en la Dogmtica jurdico-penal, inMoiss Moreno Hernndez (coordenador), Problemas capitales del moderno
Derecho penal a principios del siglo XXI, Cepolcrim, D. R. Mxico D.F.: EditorialIus Peonale, 2003.
KANT, Emmanuel. A paz perptua. So Paulo: Brasil, 1936.
MARTN, Luis Gracia. Consideraciones crticas sobre el actualmente Derecho Penaldel enemigo. Revista Electrnica de Ciencia Penal y Criminologa. 2005, n. 07-02. Disponvel em: .Acesso em02.jun. 2005.
PRITTWITZ, Cornelius. O Direito Penal entre o Direito Penal do Risco e o Direito
Penal do Inimigo: Tendncias atuais em direito penal e poltica criminal. RevistaBrasileira de Cincias Criminais, So Paulo: Revista dos Tribunais; IBCCRIM, n.47, Papel. Mar/abr. 2004.
ROXIN, Claus. Tem futuro o Direito Peal? Doutrina Penal - primeira seo. Revistados Tribunais. n. 790. agosto de 2001, ano 90.
SILVA SANCHEZ, Jesus-Maria. A expanso do Direito Penal. Aspectos dapoltica criminal nas sociedades ps-industriais. Trad. de: Luiz Otvio de OliveiraRocha. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.
24