breves apontamentos e crÍticas sobre o direito penal do inimigo

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  • 8/8/2019 BREVES APONTAMENTOS E CRTICAS SOBRE O DIREITO PENAL DO INIMIGO

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    BREVES APONTAMENTOS E CRTICAS SOBRE O DIREITO PENAL DO INIMIGO

    SUMRIO: 1- INTRODUO: A flexibilizao das garantias processuais penais;2- O surgimento do Direito Penal do Inimigo e seus fundamentos filosficos; 3-O Direito Penal do Inimigo segundo Jakobs; 4- Direito Penal do Inimigo: Umaterceira velocidade do Direito Penal?; 5- Crticas tese do Direito Penal doInimigo; 6- CONCLUSO.

    1 INTRODUO: A FLEXIBILIZAO DAS GARANTIAS PROCESSUAIS PENAIS

    O Direito Penal tem se distanciado muito daquele idealizado pelos

    iluministas, que era voltado para proteger os cidados contra a tirania do Estado e

    caracterizado, principalmente, pela pena privativa de liberdade e pelas garantias

    individuais. Este direito caracterizado pela pena de priso, Silva Sanchez classifica

    como Direito Penal de primeira velocidade1.

    Com o surgimento de novos delitos decorrentes dos riscos ps-modernos, e

    a expanso do Direito Penal, a conseqncia foi o aumento de tipos penais. Porm,

    as penas tendem a serem mais brandas e alternativas. Este fato decorre da

    administrativizao e da implementao de acordos no mbito do processo penal,

    onde as penas privativas de liberdade so substitudas por penas alternativas, como

    restritivas de direito e de multa.

    Roxin prev o fim da pena privativa de liberdade e sua substituio por

    penas alternativas, pois com o aumento da criminalidade e dos dispositivos penais

    se chegar a um ponto em que ser invivel, econmica e politicamente, para o

    Estado mant-la. Argumenta o autor que nos ltimos anos a Alemanha tem

    aumentado consideravelmente a aplicao da multa ao invs da priso, pois o

    1 SILVA SANCHEZ. Op. Cit., p. 148.

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    Estado demonstra sua reprovao aos crimes no pela intensidade da sano e sim

    pela simples preveno2.

    O carter de gestor de riscos e de problemas sociais que assume o Direito

    Penal na sociedade do risco o distancia do seu ncleo clssico, ou seja, do

    homicdio cometido por um autor individual. Os delitos decorrentes da globalizao,

    a chamada macrocriminalidade, como a criminalidade econmica e organizada,

    terrorismo, trfico de armas e pessoas, exigem um carter de preveno e

    praticidade do Direito Penal, o qual passa a ter um mbito supranacional e

    unificado3.

    Fbio D`Avila descreve com preciso novo cenrio do Direito Penal:

    A disparidade de tais universos apresenta-se de forma muito claranos problemas enfrentados pela dogmtica penal. So evidentes asinmeras deficincias que vem atestando em sua tentativa de acompanhara pretenso poltico-criminal nestes novos mbitos de tutela, uma vez quepreparada para atender uma demanda absolutamente diversa daquela queora proposta. O direito penal liberal elaborado tendo por base oparadigmtico delito de homicdio doloso, no qual h marcante clareza nadeterminao dos sujeitos ativo e passivo, bem como do resultado e de seunexo de causalidade, defronta-se com delitos em que o sujeito ativo dilui-seem uma organizao criminosa, em que o sujeito passivo difuso, o bemjurdico coletivo, e o resultado de difcil apreciao. Sem falar, obviamente,do aspecto transnacional destes novos delitos, em que tanto a ao como o

    resultado normalmente ultrapassam os limites do Estado Nao,necessitando, por conseguinte, da cooperao internacional para aelaborao de propostas que ambicionem uma parcela qualquer deeficcia4.

    2 ROXIN, Claus. Tem futuro o Direito Peal? Doutrina Penal - primeira seo. Revista dosTribunais. n. 790. agosto de 2001, ano 90, p. 468-9.

    3 SILVA SANCHEZ. Op. Cit., p. 75- 84.4 D'AVILA, Fabio Roberto. A Crise da Modernidade e as suas Conseqncias no Paradigma Penal

    (Um breve excurso sobre o Direito Penal do Risco). Mundo Jurdico. Disponvel em:

    Acesso em: 14.dez.2004.

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    Em decorrncia da necessidade de combate aos novos e numerosos delitos,

    e da constatao de que o Direito Penal Clssico, com suas regras e princpios

    rgidos, no est preparado para tanto, surge como alternativa a teoria dualista do

    sistema penal com regras de imputao e princpios de garantias processuais de

    dois nveis5.

    Argumenta Silva Sanchez que a teoria de segunda velocidade do Direito

    Penal leva em conta que aos delitos socioeconmicos so imputadas penas

    privativas de liberdade, sendo que para estas devem ser respeitadas todas as

    garantias e princpios processuais. A proposta que estas garantias sejam

    relativizadas, mas que, em contrapartida, sejam aplicadas penas mais brandas. Ou

    seja, que onde ocorra a flexibilizao de garantias e princpios processuais ocorra

    tambm a excluso da pena de priso6. E conclui o autor:

    Isso tem duas conseqncias. Por um lado, naturalmente, admitiras penas no privativas de liberdade, como mal menor, dadas ascircunstncias, para as infraes nas quais tm se flexibilizado ospressupostos de atribuio de responsabilidade. Mas, sobretudo, exigir queali onde se impem penas de priso, e especialmente, penas de priso delarga durao, se mantenha todo o rigor dos pressupostos clssicos deimputao de responsabilidade7.

    Hassemer constata um atual enrijecimento do Direto Penal com fins de

    atender a poltica criminal e a conseqente inobservncia dos princpios

    fundamentais. Para ele represso e preveno no se separam nitidamente no

    combate a criminalidade organizada8, num sentido contrrio ao idealizado por Silva

    Sanchez, onde flexibilizando-se as regras de imputao o mesmo deveria ser feito

    com as penas.

    5 SILVA SANCHEZ. Op. Cit., p. 142.6 Idem, p. 142-3.7 Idem, ibidem.8 HASSEMER. Op. Cit., p. 68-9.

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    Como soluo, Silva Sanchez preconiza um Direito Penal ao mesmo tempo

    funcional e garantista, onde sejam preservadas as garantias individuais para o

    ncleo dos delitos individuais clssicos, para os quais prevista a pena de priso.

    Mas, para as novas modalidades de delitos, os quais no colocam um perigo real a

    bens individuais, sustenta

    a flexibilizao controlada das regras de imputao (a saber,

    responsabilidade penal das pessoas jurdicas, ampliao dos critrios deautoria ou da comisso por omisso, dos requisitos de vencibilidade do erro)como tambm dos princpios poltico-criminais (por exemplo, o princpio dalegalidade, o mandato de determinao ou o principio de culpabilidade)9.

    A teoria descrita pelo referido autor atende a um critrio de

    proporcionalidade e razoabilidade poltico-jurdica, um meio termo entre um Direito

    Penal mnimo e rgido e um Direito Penal amplo e flexvel10.

    A perda de tradies liberais, com flexibilizao das garantias individuais e

    das regras de imputao, o preo pago por Direito Penal funcional, com o fim de

    atender e aplacar o sentimento de insegurana social.Porm, um Direito Penal de

    urgncia e demasiado amplo causa insegurana jurdica e atende a fins

    basicamente simblicos, carecendo de eficcia prtica, e despertando um

    sentimento de impunidade generalizado na sociedade. Alm disso, o avano

    acelerado da macrocriminalidade criminalidade e nsia de cont-la um terreno frtil

    para o surgimento de novas teorias funcionalistas como o Direito Penal do Inimigo,

    que passaremos a analisar.

    9 SILVA SHANCHEZ. Op. Cit., p. 146.10 Idem, p. 145.

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    2 O SURGIMENTO DO DIREITO PENAL DO INIMIGO E SEUS FUNDAMENTOS

    FILOSFICOS

    O Direito Penal do Inimigo como hoje o defendido por Jakobs, resultante

    da soma de fatores como a expanso do Direito Penal, do surgimento do Direito

    Penal Simblico e do ressurgir do punitivismo11, tendo em vista a emergncia do

    Direito Penal moderno, tem razes filosficas distantes. Kant e Hobbes, entre outros

    filsofos, h muito tempo elaboraram conceitos de inimigos, que hoje fundamentam

    o atual Direito Penal do Inimigo desenvolvido por Jakobs12.

    Segundo Kant, o estado de natureza o estado de guerra, a paz s

    possvel atravs do estado civil. No estado natural os homens se ameaam

    mutuamente sem revelarem suas hostilidades, pondo em risco a segurana uns dos

    outros. Ao ingressar no estado civil, um homem d aos demais garantia de no

    hostiliz-los. Assim, um homem pode considerar o outro seu inimigo em decorrncia

    de no assegurar-lhe segurana por no participar do estado legal comum,

    tornando-se uma ameaa perptua13. Sendo que, nas palavras de Kant, posso

    obriga-lo, ou a entrar comigo num estado legal comum, ou mesmo a ou afastar-se

    de meu lado14. Assim, se um homem permanece em estado de natureza, torna-se

    inimigo, sendo legtima qualquer hostilidade contra ele. Para tanto, no necessrioque cometa delitos, pois estando fora do Estado civil, ameaa constantemente a

    paz15.

    11 CANCIO MELI, Manuel, in JAKOBS, Gnter; CANCIO MELIA, Manuel, Direito Penal doInimigo, moes e crticas. Org. e Trad.: Andr Luis Callegari e Nereu Jos Giacomolli. PortoAlegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 57-65.

    12 Idem, p. 25- 30.13 KANT, Emmanuel. A paz perptua. So Paulo: Brasil, 1936, p. 45-6.14 Idem, p. 46.15 KANT. Op. Cit., p. 46.

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    em Hobbes que a doutrina de Jakobs se identifica intimamente. Para

    Hobbes, o inimigo aquele indivduo que rompe com a sociedade civil e volta a viver

    em estado de natureza, ou seja, homens em estado de natureza so todos iguais. O

    estado de natureza, segundo Hobbes, a liberdade que cada homem possui de

    usar seu prprio poder, de maneira que quiser, para a preservao de sua prpria

    natureza, ou seja, de sua vida16. Portanto, para este autor, o estado natural dos

    homens o estado de guerra, onde todos os homens so inimigos dos outros, e um

    homem pode tudo contra seus inimigos17. Pois na guerra no h lei e onde no h

    lei, no h justo ou injusto, nem bem, nem mal18.

    Com o fim de abandonar o estado de natureza, ou seja, de guerra, os

    homens se reuniram em sociedade19 e instituram o Estado, orientados pelo medo e

    pela busca de uma vida mais segura. Portanto, os homens uniram-se entre si, em

    cidades, contra seus inimigos comuns pela busca da paz duradoura, renunciando de

    parte de seus direitos uns aos outros e ao Estado, tornando-se cidados20.

    Para Hobbes, as leis civis so feitas para os cidados, sendo que, os

    inimigos no esto sujeitos a elas, pois negaram a autoridade do Estado, dessa

    forma, podero receber o castigo que o representante do Estado achar conveniente.Pois,

    os danos infligidos a quem um inimigo declarado no podem serclassificados como penas. Dado que esse inimigo ou nunca esteve sujeito lei, e portanto, no pode transgredi-la, ou esteve sujeito a ela e professa no

    16 HOBBES. Thomas. Leviat ou Matria, Forma e Poder de um Estado Eclesistico e Civil.Trad. Joo Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da Silva. [s.l.]: Ed. Nova Cultural, 1997, p. 113.

    17 Idem, p. 109.18 Idem, p. 110.19 HOBBES, Thomas. Do cidado. So Paulo: Martin Claret, 2004. Cap. V, 10 e 11. No paginado.20 Idem, ibidem.

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    Segundo Prittwitz, quando Jakobs falou em Direito Penal do Inimigo pela

    primeira vez, em 1985, numa palestra me Frankfurt, no recebeu muito interesse,

    porm, em 1999, na Conferncia do Milnio em Berlim, o conceito causou grande

    motivao25. A atitude da doutrina mudou, pois em 1985, Jakobs usou a

    terminologia de forma crtica e, em 1999, defendeu-a avidamente26.

    3 O DIREITO PENAL DO INIMIGO SEGUNDO JAKOBS

    Jakobs defende que devem existir dois tipos de Direito, um voltado para o

    cidado e outro voltado para o inimigo. Segundo o autor, no se trata de contrapor

    duas esferas isoladas do Direito penal, mas de descrever dois plos de um s

    contexto jurdico-penal27.

    O Direito voltado para o cidado caracteriza-se pelo fato de que, ao violar a

    norma, ao cidado dada a chance de restabelecer a vigncia dessa norma, de

    modo coativo, mas como cidado, pela pena28. Neste caso, o Estado no v no

    indivduo um inimigo, que precisa ser destrudo, mas o autor de um fato normal29,

    que, mesmo cometendo um ato ilcito, mantm seu status de pessoa e seu papel de

    cidado dentro do Direito. Alm do que, no pode despedir-se da sociedade pelo

    seu ato30

    .

    Porm, existem indivduos que pelos seus comportamentos: pelos tipos de

    crimes que cometem (delitos sexuais), ou pela sua ocupao profissional

    (criminalidade econmica, trfico de drogas), ou por participar de uma organizao

    25 PRITTWITZ, Op. Cit., p. 41.26 Idem, p. 42.27 JAKOBS. In JAKOBS;CANCIO MELI. Op. Cit., p. 21.28 Idem, p. 32-3.29 Idem, p. 32.30 JAKOBS. In JAKOBS;CANCIO MELI. Op. Cit., p. 26-7.

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    criminosa (terrorismo), se afastou, de maneira duradoura, ao menos de modo

    decidido, do Direito, isto , que no proporciona a garantia cognitiva mnima

    necessria a um tratamento como pessoa31

    , e portanto devem ser tratados como

    inimigos, sendo que para este se volta o Direito Penal do Inimigo.

    Percebe-se que a tese em anlise, defendida por Jakobs, estruturada

    sobre o conceito de pessoa e de no-pessoa. Para ele, o inimigo uma no-

    pessoa, pois um indivduo que no admite ser obrigado a entrar em um estado de

    cidadania no pode participar dos benefcios do conceito de pessoa32.

    Para Jakobs, indivduo e pessoa so distintos. O indivduo pertence ordem

    natural, o ser sensorial, tal como aparece no mundo da experincia. Os indivduos

    so animais inteligentes, conduzindo-se pelas suas satisfaes e insatisfaes

    conforme suas preferncias e interesses, ou seja, sem referncia a nenhuma

    configurao objetiva do mundo externo em que participam outros indivduos33. A

    pessoa, por outro lado, est envolvida com a sociedade (mundo objetivo), tornando-

    se sujeito de direitos e obrigaes frente aos outros membros do grupo do qual faz

    parte, propiciando a manuteno da ordem no mesmo34.

    Portanto, a persona es algo distinto de un ser humano; este es resultado de

    procesos naturales, y aqulla un producto social que se define como la unidad ideal

    31 Idem, p. 35.32 Idem, p. 36.33 JAKOBS, Gnter. La idea de la normativizacin en la Dogmtica jurdico-penal, in Moiss Moreno

    Hernndez (coordenador), Problemas capitales del moderno Derecho penal a principios delsiglo XXI, Cepolcrim, D. R. Mxico D.F.: Editorial Ius Peonale, 2003, p. 69 e ss.

    34 JAKOBS. Gnter apud MARTN, Luis Gracia. Consideraciones crticas sobre el actualmenteDerecho Penal del enemigo. Revista Electrnica de Ciencia Penal y Criminologa. 2005, n.07-02. Disponvel em: Acesso em: 02 jun.2005, p.25.

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    de derecho y deberes que son administrados a travs de un cuerpo y de una

    conciencia35.

    Quando comete um delito ao cidado previsto o devido processo legal que

    resultar numa pena como forma de sano pelo ato ilcito cometido. Ao inimigo o

    tratamento diverso, a ele o Estado atua pela coao, a ele no aplicada pena e

    sim medida de segurana36.

    O inimigo um perigo que se visa combater, neste sentido o Direito se

    adianta a o cometimento do crime levando em conta a periculosidade do agente37.

    Pois, o Estado tem direito a procurar segurana frente a indivduos que reincidem

    persistentemente na comisso de delitos38. Assim, o Direito penal do inimigo

    daqueles que o constituem contra o inimigo: frente ao inimigo, s coao fsica,

    at chegar a guerra39.

    Jakobs utiliza a periculosidade do agente para caracterizar o inimigo,

    contrapondo-o ao cidado que, apesar de seu ato, oferece garantia de que se

    conduzir como cidado, atuando com fidelidade ao ordenamento jurdico, de forma

    que sua personalidade tende para tanto40

    . J o inimigo no oferece esta garantia,devendo ser combatido pela sua periculosidade, e no punido segundo a sua

    culpabilidade. No Direito Penal do Inimigo a punibilidade avana para o mbito

    interno do agente e da preparao, e a pena se dirige segurana frete atos

    35 JAKOBS. In Moiss Moreno Hernndez. Op. Cit., p. 72.36 JAKOBS. In JAKOBS;CANCIO MELI. Op. Cit., p. 24.37 Idem, p. 22-3.38 Idem, p. 29.39 Idem, p. 30.40 JAKOBS. In JAKOBS;CANCIO MELI. Op. Cit., p. 33-4.

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    futuros41, caracterizando o Direito Penal do Inimigo como um direito do autor42 e no

    do fato. Assim,

    o ponto de partida ao qual se ata a regulao a conduta norealizada, mas s planejada, isto , no o dano vigncia da norma quetenha sido realizado, mas o fato futuro. Dito de outro modo, o lugar do danoatual vigncia da norma ocupado pelo perigo de danos futuros: umaregulao prpria do Direito penal do inimigo43.

    O trnsito do cidado ao inimigo se d pela integrao em organizaes

    criminosas bem estruturadas, mas, alm disso, se d tambm, pela importncia de

    cada ato ilcito cometido, da habitualidade e da profissionalizao criminosa, de

    forma a manifestar concretamente a perigosidade do agente44. O Direito do inimigo

    poder-se-ia conjeturar seria, ento, sobretudo o Direito das medidas de

    segurana aplicveis a imputveis perigosos45, em contrapartida as medidas de

    segurana aplicadas a inimputveis no Direito Penal comum.

    O fatdico 11 de setembro de 2001 usado por Jakobs para ilustrar sua

    tese, como exemplo tpico de um ato terrorista. Dessa forma, o autor afirma que o

    delinqente por tendncia no pode ser tratado como um cidado que age

    erroneamente, pois o mesmo est intrincado numa organizao criminosa colocando

    em perigo a legitimidade do ordenamento jurdico pelo fato de rechaa-lo e no se

    adaptar a ele46. Assim, quem inclui o inimigo no conceito de delinqente-cidado

    no deve assombrar-se quando se misturarem os conceitos de guerra e processo

    penal47. Com estas afirmaes, Jakobs sustenta que a separao entre Direito

    41 Idem, p. 36.42 CANCIO MELI. In JAKOBS;CANCIO MELI. Op. Cit., p. 80.43 JAKOBS. In JAKOBS;CANCIO. Op. Cit., p. 44.44 SILVA SANCHEZ. Op. Cit., p. 149.45 Idem, p. 150.46 JAKOBS. In JAKOBS;CANCIO MELI. Op. Cit., p. 36.47 Idem, p. 37.

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    Penal do cidado e Direto Penal do inimigo visa proteger a legitimidade do Estado

    de Direito, certamente voltado para o cidado.

    Jakobs defende o Direito Penal do Inimigo afirmado que, o Estado tem o

    direito de procurar a segurana frente aos inimigos, sustentando que a custdia da

    segurana uma instituio jurdica. E argumenta que os cidados tm o direito de

    exigir do Estado as medidas adequadas a fim de fornecer esta segurana48.

    Portanto, o Estado no deve tratar o inimigo como pessoa, pois do contrrio

    vulneraria o direito segurana das demais pessoas49.

    4 DIREITO PENAL DO INIMIGO: UMA TERCEIRA VELOCIDADE DO DIREITO

    PENAL?

    A tendncia do Direito penal moderno a um aspecto simblico cada vez

    maior e necessidade de tornar-se mais efetivo frente s novas formas de

    criminalidade moderna, acarretaram uma administrativizao do Direito, e o

    surgimento novas formas de pena, mais brandas que a pena de priso, e em

    decorrncia uma possvel flexibilizao das regras de imputao e princpios e

    garantias processuais, como j fora demonstrado anteriormente. Porm, contata-se,

    com a tese do Direito Penal do Inimigo, uma outra tendncia - ou talvez seria melhordizer previso - do Direito Penal moderno, a total excluso dos direitos e garantias

    processuais dos indivduos classificados como inimigos, caracterizando uma nova

    velocidade do Direito Penal.

    48 Idem, p. 29.49 Idem, p. 42.

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    Dessa forma, o Direito Penal do Inimigo caracteriza, segundo Silva Sanchez,

    uma terceira velocidade do Direito Penal. Na qual o Direito Penal da pena de priso

    concorra com uma ampla relativizao de garantias poltico-criminais, regras de

    imputao e critrios processuais50.

    Defende o mesmo autor que o Direito de terceira velocidade deve ser

    reduzido a um mbito de pequena expresso, em casos de absoluta necessidade,

    subsidiariedade e eficcia. Porm, conclui que o mesmo inevitvel frente a

    determinados delitos como terrorismo, delinqncia sexual violenta e reiterada e

    criminalidade organizada51. Alm de consider-lo um mal menor frente o contexto

    de emergncia em que est inserido, profetizando seu crescimento e at sua

    estabilidade52.

    Silva Sanchez constata em sua obra o fenmeno social do retorno da teoria

    da neutralizao seletiva, resultante da administrativizao do Direito Penal, que

    vem de encontro com a teoria do Direito Penal do Inimigo. A teoria da neutralizao

    seletiva consiste em que possvel identificar-se um nmero pequeno de

    delinqentes que so responsveis por um grande nmero de delitos e que tendem

    a continuar delinqindo, partindo-se para tanto de critrios estatsticos. Dessa forma,neutralizando-se os delinqentes mantendo-os na priso pelo mximo de tempo

    possvel ter-se-ia uma radical reduo do nmero de delitos, importante benefcio

    a baixo custo53. A neutralizao tem-se manifestado de vrias formas, como por

    exemplo, na adoo de medidas de segurana tais como, privao da liberdade e

    50 SILVA SANCHEZ. Op. Cit., p. 148.51 Idem, p. 148-9.52 Idem, p. 151.

    53 SILVA SANCHEZ. Op. Cit., p. 130-1.

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    liberdade vigida, que visam manter o individuo sob controle do Estado mesmo aps

    cumprida a pena de acordo com a sua culpabilidade, alm da adoo de medidas

    prvias condenao em excesso54

    .

    Como o inimigo uma no-pessoa, a qual o Estado visa combater e

    neutralizar, a ele no so previstos os direitos e garantias processuais a que os

    cidados tm direito. Dessa forma, o inimigo no pode ser tratado como sujeito

    processual55, pois com seus instintos e medos pem em perigo a tramitao

    ordenada do processo56.

    Assim, ao inimigo no so previstos, no curso do processo, vrios direitos

    permitidos ao cidado, como o acesso aos autos do inqurito policial, o direito de

    solicitar a prtica de provas, de assistir aos interrogatrios, de se comunicar com seu

    advogado. Alm de que, so admitidas contra ele provas obtidas por meios ilcitos,

    como as escutas telefnicas, agentes infiltrados, investigaes secretas, alm de

    ter-se um avano da priso preventiva como regra, que exceo num processo

    ordenado. Portanto, o processo contra o inimigo no pode denominar-se processo

    e sim procedimento de guerra57.

    Manuel Cncio Meli enumera as caractersticas do Direito Penal do Inimigo,

    quais sejam: em primeiro lugar constata-se um avano da punibilidade, ou seja, o

    ponto de referencia do ordenamento um fato futuro, ao contrrio de como ocorre

    no Direito Penal do cidado que a que pune um fato j ocorrido. Em segundo

    54 Idem, p. 134-5.55 JAKOBS. In JAKOBS;CANCIO MELI. Op. Cit., p. 39.56 Idem, p. 40.57 JAKOBS. In, JAKOBS;CANCIO MELI. Op. Cit., p. 39-41.

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    lugar, as penas previstas so muito desproporcionais, e nem mesmo o adiantamento

    da punibilidade considerado para sua reduo. Em terceiro lugar, muitas garantias

    processuais so relativizadas ou at mesmo suprimidas58

    .

    Essas caractersticas vm perfeitamente de acordo com a classificao do

    Direito Penal do Inimigo como um Direito de terceira velocidade elabora por Silva

    Sanchez, embora, utilizando-se de um marco cronolgico, possa parecer que o

    Direito Penal evoluiu neste aspecto, em fase anterior s conquistas iluministas

    processo inquisitrio pode-se perceber medidas semelhantes s defendidas pela

    doutrina do Direito Penal do Inimigo, porm os inimigos eram outros.

    5 CRTICAS TESE DO DIREITO PENAL DO INIMIGO

    A tese do Direito Penal do Inimigo, apesar de bem amparada

    filosoficamente, tem recebido enumeras crticas por parte da doutrina,

    principalmente frente ao fato de o mesmo ser previsto em plena vigncia de Estados

    Democrticos de Direito, e por, ao mesmo tempo, afrontar vrios ditames dos

    mesmos. Algumas crticas so puramente emocionais, porm muitas fortemente

    embasadas, conforme se passa a analisar.

    Cncio Meli destaca algumas crticas teoria do Direito Penal do Inimigo. A

    comear pelo prprio nome utilizado por Jakobs para descrever a teoria em anlise,

    Cncio argumenta que, Direito penal do cidado pleonasmo, e Direito penal do

    inimigo uma contradio em seus termos59.

    58 CANCIO MELI. In JAKOBS;CANCIO MELI. Op. Cit., p. 67.59 CANCIO MELI. In JAKOBS;CANCIO MELI. Op. Cit., p. 54.

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    Sobre o conceito de Direito Penal do Inimigo usado por Jakobs, o referido

    autor destaca que, o mesmo constitui to s a reao do ordenamento jurdico

    contra indivduos perigosos, e que para tanto a reao desproporcional e no

    condiz com a realidade. Alega que, mesmo sem levar-se em conta os estudos de

    psicologia social em casos importantes para o Direito Penal do Inimigo, como trfico

    de drogas, criminalidade de imigrao, terrorismo, por exemplo, percebe-se na

    prtica que as reaes de combate dirigem-se mais para de inimigos em sentido

    pseudo-religioso do que na acepo tradicional- militar do termo 60. Nas palavras do

    autor:

    Em efeito, a identificao de um infrator como inimigo, por parte doordenamento penal, por muito que possa parecer, a primeira vista, umaqualificao como outro, no , na realidade, uma identificao como fontede perigo, no supe declara-lo um fenmeno natural a neutralizar, mas, aocontrrio, um reconhecimento de funo normativa do agente mediante aatribuio de perversidade, mediante sua demonizao. Que outra coisano Lcifer seno um anjo cado? Neste sentido, a carga gentica do

    punitivismo (a idia do incremento da pena como nico instrumento decontrole da criminalidade) se recombina coma do Direito penal simblico (atipificao penal como mecanismo de criao de identidade social) dandolugar ao cdigo do Direito penal do inimigo61.

    Percebe-se um significado simblico na denominao Direito Penal do

    Inimigo, pois no somente determinado fato que pertence tipificao penal, mas

    tambm outros elementos que permitam a classificao do autor como inimigo. De

    modo correspondente, no plano tcnico, o mandato de determinao derivado do

    principio da legalidade e suas "complexidades j no so um ponto de referencia

    essencial para a tipificao penal62.

    60 Idem, p. 70-1.61 Idem, p. 71-2.62 CANCIO MELI. In JAKOBS;CANCIO MELI. Op. Cit., p. 72.

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    Cncio Meli no aceita a teoria do Direito Penal do Inimigo como inevitvel,

    pois afirma ser a mesma inconstitucional, alm de no ser efetiva na preveno de

    crimes e na garantia da segurana social63

    . E em resposta a indagao que se fez

    sobre o Direito Penal do Inimigo fazer parte conceitualmente do Direito Penal

    argumentou,

    A resposta que aqui se oferece : no. Por isso, propor-se-oduas diferenas estruturais (intimamente relacionadas entre si) entre Direitopenal do inimigo e Direito penal: a) o Direito penal do inimigo no estabilizanormas (preveno geral positiva), mas denomina determinados grupos deinfratores; b) em conseqncia, do Direito penal do inimigo no um Direitopenal do fato, mas do autor64.

    A argumentao de Jakobs de que deveriam existir dois Direito Penais, um

    voltado para o cidado e outro voltado para o inimigo est destinada ao fracasso,

    conforme constata Prittwitz, pois, relata o autor que, o Direito Penal como um todo

    est infectado pelo Direito Penal do Inimigo, de forma que impensvel uma

    reforma que possibilitasse a referida diviso e que permitisse um Direito Penal

    realmente digno de um Estado de Direito65. E lamenta o autor que, o mais grave,

    porm, a possibilidade de o Direito Penal do Inimigo ser usado para legitimar

    aes de regimes autoritrios e como instrumento de dominao social, a ponto de

    que o Direito como um todo perca influncia na medida em que ameaa os direitos e

    liberdades dos cidados66.

    Segundo Luiz Flvio Gomes, no Direito Penal do Inimigo no se reprovaria

    a culpabilidade do agente, mas sua periculosidade. Com isso, pena e medida de

    segurana deixam de ser realidades distintas, que s destina a medida de63 Idem, p. 73.64 Idem, p. 75.65 PRITTWITZ. Op. Cit., p. 43.

    66 PRITTWITZ. Op. Cit., p. 44.

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    segurana para agentes inimputveis loucos, ou semi-imputveis que necessitam

    de especial tratamento curativo67.

    Como o Direito Penal do Inimigo pune o autor pela sua periculosidade, no

    entra em jogo a questo da proporcionalidade das penas, que passam a ser

    demasiadamente desproporcionais. Alm do que, trata-se de um Direito Penal

    prospectivo, em lugar do retrospectivo Direito Penal da culpabilidade, que

    historicamente encontra ressonncia no positivismo criminolgico de Lombroso,

    Ferri e Garfalo, que propugnavam, inclusive, pelo fim das penas e imposio

    massiva das medidas de segurana68. Caracterizando, dessa forma, um Direito

    Penal do autor, mais preocupado em identificar os inimigos, em contraposio ao

    Direito Penal do fato consectrio de um Estado de Direito, que busca a punio de

    um determinado fato69.

    Alm disso, no procedimento contra o inimigo no se segue o processo

    democrtico (devido processo legal), mas sim, um verdadeiro procedimento de

    guerra, que no se coaduna com o Estado de Direito, principalmente pela

    supresso das garantias penais e processuais70.

    Uma crtica pode ser feita quanto afirmao de Jakobs de que o inimigo

    uma no pessoa. Desse conceito decorre uma indagao, se o conceito de Direito

    Penal do Inimigo parte do pressuposto de que existiriam no-pessoas, resta saber

    se este conceito de no-pessoas prvio ao Direito Penal do Inimigo ou se uma

    67 GOMES. Luiz Flvio. Crticas tese do Direito Penal do Inimigo. Carta Maior. Disponvelem: Acesso em: 28 jun.

    2005.68 Idem, ibidem.69 CANCIO MELI. In JAKOBS;CANCIO MELI. Op. Cit., p. 81.70 GOMES. Op. Cit., p.1.

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    criao do mesmo. Dito de outro modo, ou os inimigos estariam identificados antes

    da incidncia do Direito Penal do Inimigo ou somente seriam classificados como tais

    aps a incidncia do mesmo. Resta que a resposta afirmativa deva ser dada

    segunda opo, conforme afirma Jakobs, pois do contrrio, estaria-se supondo que

    o Direito Penal do Inimigo pudesse ser aplicado tambm aos cidados, pois como

    saberia-se se tratar realmente de um inimigo?71.

    Ocorre que, num Estado de Direito, e garantidor da dignidade do ser

    humano, o status de pessoa no pode ser ou deixar de ser atribudo a algum, ou

    seja, ningum pode ser classificado como no-pessoa72. Assim, em no podendo

    existir no-pessoas, tambm, no poder existir Direito Penal do Inimigo.

    Seguindo na anlise do conceito de inimigo, o qual seria um indivduo que

    abandonou de forma permanente e duradoura o Direito, e partindo da a afirmao

    de que o Direito em questo o dos cidados, e que este Direito somente possa ser

    infringindo por quem seja destinatrio de suas normas, e, conforme afirma o Direito

    Penal do Inimigo este s pode ser uma pessoa, por certo se chega concluso de

    que o inimigo tambm uma pessoa, pois infringe reiteradamente as normas de

    Direito dos cidados. E para que se comprove que este indivduo em questo tenhainfringido realmente o Direito dos cidados ele ter que ser submetido

    necessariamente a um processo penal que por certo dever ser o dos cidados, pois

    ele entra no processo como cidado e protegido pelas garantias desse Direito73.

    71 MARTN, Luis Gracia. Consideraciones crticas sobre el actualmente Derecho Penal delenemigo. Revista Electrnica de Ciencia Penal y Criminologa. 2005, n. 07-02. Disponvel em:

    .Acesso em 02.jun. 2005, p. 27- 8.72 CONDE, Muoz. Edmund Mezger y el Derecho penal de su tiempo. Estudios sobre el Derecho

    penal en el nacionalsocialismo, Ed. Tirant lo Blanch: Valencia, 2002, p. 118.73 MARTN. Op. Cit., p. 29.

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    Conseqentemente, se ao fim do processo ficar comprovado que o indivduo

    cometeu o ato ilcito dever sofrer as conseqncias jurdicas do Direito Penal dos

    cidados, pois foi este Direito que o mesmo infringiu e pelo qual foi julgado. E,

    mesmo que seja com o processo que o indivduo perca sua condio de pessoa e

    passe a ser um inimigo, no resta dvida de que o mesmo dever transcorrer

    coberto das garantias processuais prprias dos cidados, resultando logicamente

    que o indivduo ao ser condenado permanece na condio de pessoa 74. Desse

    raciocnio conclui Luis Garcia Martn que,

    en principio, al Derecho penal del enemigo slo le es posible partirde la existencia previa de personas, y que si esto es as, entonces loscontenidos y las reglas materiales de ese Derecho no podrn ser otrasdistintas a las del Derecho penal del ciudadano. La argumentacindesarrollada, sin embargo, y como he dicho al principio, no tiene ms valorque el dialctico, y por consiguiente no puede ser acogida como decisiva encontra del Derecho penal del enemigo75.

    Outrossim, pode-se alegar que o Direito Penal do Inimigo uma reao do

    sistema jurdico, frente aos problemas sociais como os riscos do mundo ps-

    modernos, internamente disfuncional76. Pois, os fenmenos, frente aos quais reage

    o Direito penal do inimigo, no tem esta periculosidade terminal pra a sociedade

    como se apregoa deles77. A importncia dada a estes fenmenos est em que

    tratam-se de comportamentos delitivos que afetam elementos essenciais e

    vulnerveis da identidade das sociedades, principalmente num plano simblico78.

    Assim, uma resposta juridicamente-funcional deveria estar na afirmao do Direito

    Penal da normalidade, e no na afirmao de um Direito Penal para o inimigo.

    Portanto, a resposta idnea no plano simblico, ao questionamento de uma norma

    74 Idem, ibidem.75 Idem, p. 20 e 30.

    76 CANCIO MELI. In JAKOBS;CANCIO MELI. Op. Cit., p. 76.77 Idem. Ibidem.78 CANCIO MELI. In JAKOBS;CANCIO MELI. Op. Cit., p. 77.

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    essencial, deve estar na manifestao de normalidade, na negao da

    excepcionalidade79.

    Ao afirmar-se o sistema jurdico-penal normal se nega ao infrator a

    capacidade de questionar o sistema, e principalmente seus elementos essncias

    ameaados. Se pelo contrrio, se entender possvel e legtimo um Direito Penal do

    Inimigo, ter-se- que reconhecer, tambm, a capacidade do infrator de questionar a

    norma, pois este Direito excepcional prescinde de uma demonizao de certos

    grupos de autores, implcita em sua tipificao da reprovao de seus atos 80, porm

    baseada em critrios de periculosidade, configurando um Direito Penal do autor,

    desprovido das garantias e prerrogativas processuais de um Estado de Direito.

    Para concluir, bom frisar a lio de Prittwitz, que reconhece o sucesso

    incrvel do Estado de Direito nos ltimos dois sculos, ainda que considerando

    muitos retrocessos, como o nazismo, por exemplo, e as variadas velocidades desse

    processo em diversas partes do mundo. O autor reafirma este sucesso mesmo

    frente s polticas dos EUA que defendem a liberdade por meio da violao do

    direito liberdade. Este sucesso, afirma o autor, deve ser observado na busca por

    uma reposta aos riscos da sociedade atual, no devendo dar espao para outro queno seja o Direito compatvel com um Estado Democrtico de Direito81.

    6 CONCLUSO

    79 Idem, p. 78.80 Idem, p. 80.

    81 PRITTWITZ. Op. Cit., p. 45.

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    O Direito Penal de urgncia perde o cerne de seus fundamentos, deixa de

    ser um instrumento de proteo do cidado para tornar-se um mero instrumento de

    contenso social e gesto de riscos. Por certo que os problemas sociais devem ter

    soluo, porm o Direito Penal no o melhor e o nico caminho para tanto. O

    aumento de tipos penais e o enrijecimento das penas so resultados de um Direito

    Penal simblico, que tenta transmitir segurana a sociedade, e a idia de que o

    Estado est atento ao avano da criminalidade.

    Com o aumento dos atentados terroristas, principalmente aps o 11 de

    setembro americano, o mundo voltou-se contra o terrorismo clamando por solues

    que contenham essa violncia. O Direito Penal do Inimigo surge como alternativa

    para justificar atitudes ilcitas dos governos contra os supostos inimigos, neste caso

    especfico, os terroristas, decorrentes da nsia em mostrar resultados ao povo. Ao

    retirar-lhes o direito a um processo penal justo, desprovido de garantias penais e

    processuais, o Estado demonstra que no ir tolerar certos crimes, porm ao

    mesmo tempo, permite ao prprio criminoso que questione a ordem jurdica.

    Mesmo com fortes bases filosficas, o Direito Penal do Inimigo um

    retrocesso no desenvolvimento do Direito Penal que deveria tender a ser cada vezmais a ultima ratio, ou seja, deveria ser utilizado somente quando esgotadas todas

    as possibilidades de controle extrapenal no combate a criminalidade e gesto de

    riscos, reservando seu mbito de atuao a esferas de extrema necessidade, tais

    como a proteo aos direitos fundamentais do homem.

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