algumas formas de psicoterapia

21
1. Definir psicoterapia ou tratamento psicoterapêutico. 2. Reconhecer diferentes formas de psicoterapia. 3. Caracterizar a terapia psicanalítica identificando as suas técnicas e processos. 4. Explicitar a importância da associação livre, da interpreta- ção dos sonhos, da resistência e da transferência no pro- cesso terapêutico psicanalítico. 5. Caracterizar as terapias comportamentais em geral. 6. Identificar as técnicas terapêuticas mais frequentemente usadas no processo terapêutico comportamental. 7. Caracterizar as terapias humanistas. 8. Distinguir a terapia centrada na pessoa da terapia da Gestalt. 9. Caracterizar as terapias cognitivas. 10. Distinguir a terapia racional-emotiva de Ellis da terapia cognitiva de Beck. Psicoterapia, terapia psicanalítica, livre associação, interpretação dos sonhos, resistência, transferência, psicoterapias humanistas, terapia centrada na pessoa, atitude incondicionalmente positiva, empatia, terapia da Gestalt, psicoterapias comportamentais, tera- pia da aversão, dessensitização sistemática, economia da recom- pensa, modelação, psicoterapias cognitivas, terapia racional-emo- tiva, terapia cognitiva de Beck, psicoterapia directiva e não directiva. 1. A terapia psicanalítica. 1.1. O que entende Freud por livre associação? 1.2. Em que consiste a interpretação dos sonhos e qual a sua importância no quadro da terapia psicanalítica? 1.3. Qual o papel da resistência na metodologia psicanalí- tica? 1.4. Qual o papel da transferência na metodologia psicana- lítica? 2. As psicoterapias humanistas. 2.1. Carl Rogers: A terapia centrada na pessoa 2.1. Frederick Perls: A terapia da Gestalt. 3. Psicoterapias comportamentais. 3.1. O condicionamento aversivo ou terapia da aversão. 3.2. A dessensitização sistemática. 3.3. A economia da recompensa (token economy) 3.4. A modelação. 4. Psicoterapias cognitivas. 4.1. A terapia racional-emotiva de Albert Ellis. 4.2. A terapia cognitiva de Beck

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Page 1: Algumas formas de psicoterapia

1. Definir psicoterapia ou tratamento psicoterapêutico.

2. Reconhecer diferentes formas de psicoterapia.

3. Caracterizar a terapia psicanalítica identificando as suastécnicas e processos.

4. Explicitar a importância da associação livre, da interpreta-ção dos sonhos, da resistência e da transferência no pro-cesso terapêutico psicanalítico.

5. Caracterizar as terapias comportamentais em geral.

6. Identificar as técnicas terapêuticas mais frequentementeusadas no processo terapêutico comportamental.

7. Caracterizar as terapias humanistas.

8. Distinguir a terapia centrada na pessoa da terapia daGestalt.

9. Caracterizar as terapias cognitivas.

10. Distinguir a terapia racional-emotiva de Ellis da terapiacognitiva de Beck.

Psicoterapia, terapia psicanalítica, livre associação, interpretaçãodos sonhos, resistência, transferência, psicoterapias humanistas,terapia centrada na pessoa, atitude incondicionalmente positiva,empatia, terapia da Gestalt, psicoterapias comportamentais, tera-pia da aversão, dessensitização sistemática, economia da recom-pensa, modelação, psicoterapias cognitivas, terapia racional-emo-tiva, terapia cognitiva de Beck, psicoterapia directiva e não directiva.

1. A terapia psicanalítica.

1.1. O que entende Freud por livre associação?

1.2. Em que consiste a interpretação dos sonhos e qual asua importância no quadro da terapia psicanalítica?

1.3. Qual o papel da resistência na metodologia psicanalí-tica?

1.4. Qual o papel da transferência na metodologia psicana-lítica?

2. As psicoterapias humanistas.

2.1. Carl Rogers: A terapia centrada na pessoa

2.1. Frederick Perls: A terapia da Gestalt.

3. Psicoterapias comportamentais.

3.1. O condicionamento aversivo ou terapia da aversão.

3.2. A dessensitização sistemática.

3.3. A economia da recompensa (token economy)

3.4. A modelação.

4. Psicoterapias cognitivas.

4.1. A terapia racional-emotiva de Albert Ellis.

4.2. A terapia cognitiva de Beck

Page 2: Algumas formas de psicoterapia

Psicoterapia

Termo que descreve todo e

qualquer tratamento em que

um profissional treinado uti-

liza técnicas psicológicas

para ajudar alguém que pre-

cisa de assistência, dada a

sua desadaptação emocional

e comportamental.

Um método catártico

Segundo Freud, esta “catarse”

ou libertação de tensões e

ansiedades é possível medi-

ante a consciencialização de

um conflito doloroso. Freud

observou, nos seus pacientes,

que “reviver” um incidente

traumático e perturbador

produzia uma espécie de alí-

vio emocional. Por outras pa-

lavras, esse incidente dolo-

roso perdia muita da força e

intensidade que tinha. A sua

influência no comportamento

da pessoa tornava-se bem

menor, pelo que uma vida

mais saudável era, a partir

daí, possível.

Terapia psicanalítica

Conjunto de técnicas e de

processos em que o terapeuta

tenta conduzir o paciente à

origem, até aí inconsciente,

dos seus males, ou seja, tenta

trazer os conflitos e traumas

inconscientes (recalcados) à

consciência.

Entende-se por psicoterapia o processo que consiste em trabalhar

com pessoas com o objectivo de identificar e reduzir os seus problemas emo-

cionais, melhorando a sua capacidade de adaptação e de resposta ao meio e

aos desafios deste.

A psicoterapia envolve normalmente o diálogo entre a pessoa que é

objecto da terapia e o terapeuta.

Iremos fazer um breve percurso por algumas formas de terapia psicoló-

gica mais usadas. Há várias formas de psicoterapia: terapia individual, em

que o psicoterapeuta trabalha com uma pessoa de cada vez; terapia de grupo,

que assume várias formas e em que a interacção é mais entre os elementos

do grupo do que entre estes e o psicoterapeuta. As pessoas têm a possibili-

dade de expressar as suas dificuldades interpessoais frente a frente (caso

mais evidente nas terapias de casal e nas terapias familiares, em que se

considera que o problema está mais na dinâmica do casal e da família do

que nos indivíduos em si mesmos).

Daremos unicamente atenção às terapias de tipo individual.

1.A terapia psicanalítica

O princípio que orienta a terapia psicanalítica é o de que o paciente

se pode libertar de tensões e ansiedades ao relembrar um acontecimento

traumático infantil. Tomar consciência de conflitos e traumas recalcados

(escondidos no Inconsciente) é condição essencial da cura.

Os conflitos e incidentes mais marcantes na nossa evolução psíquica

remontam, segundo Freud, à época da infância (primeira infância, sobretudo).

Os conflitos característicos da primeira infância podem ser resolvidos,

seguindo-se um desenvolvimento psíquico saudável. Mas, como acontece

muitas vezes, podem ser mal resolvidos ou mesmo não resolvidos. Isto signi-

fica que são recalcados e reprimidos, afastados para longe da nossa consciência.

Que esses conflitos se tornem inconscientes não implica de modo algum que

sejam desactivados ou deixem de existir. Com efeito, não se manifestando

directamente ao nível da consciência, tais conflitos e incidentes traumáticos

continuam a afectar o nosso comportamento e a nossa personalidade sem

disso termos consciência. Quer isto dizer que se manifestam de forma indi-

recta provocando perturbações psíquicas, desordens no comportamento e

Page 3: Algumas formas de psicoterapia

�A “cura pela palavra” foi

desenvolvida por Freud. A

técnica da livre associação

nasceu em 1892 com uma

paciente chamada Elisabeth.

Freud sugeriu que, deitada,

fechasse os olhos e pensasse

num dos sintomas de que so-

fria, tentando recordar o mo-

mento em que dele começou

a padecer. Depois de várias

tentativas sem resultado,

Elisabeth lembrou-se de algo

importante, mas não relacio-

nado com o sintoma. Surpre-

endido, Freud perguntou-lhe

porque levara tanto tempo a

revelar esse facto importan-

te. “Podia ter dito logo, mas

não pensei que fosse aquilo

que você queria’’ – disse Eli-

sabeth. Este episódio condu-

ziu Freud a mudar a forma

como conduzia as consultas.

A partir de então, decidiu

que o paciente devia dar livre

curso às suas ideias, falar

com o menor controlo possí-

vel por parte do psicanalista.

Nasceu assim o uso da livre

associação.

Livre associação

Técnica psicanalítica em que o

paciente diz o que lhe vem à

cabeça livremente, sem auto-

censura.

sofrimentos físicos. Como esses conflitos e incidentes foram recalcados (tor-

nam-se inconscientes), são, sem que o saibamos, a causa dos nossos actuais

padecimentos físicos e psíquicos. É esta “falha” que a terapia psicanalítica, no

sentido tradicional do termo, pretende colmatar.

Freud estava plenamente convicto de que, à medida que o Inconsci-

ente se torna consciente, o doente pode aperceber-se do modo como certos

acontecimentos da sua infância determinaram o seu comportamento actual.

Relembrar os traumas da infância torna o paciente capaz de resolver conflitos

que não pôde resolver no passado. Primeiro, porque se apercebe de que as

condições que determinaram esses conflitos já não existem (eram conflitos

da infância). Segundo, porque pode, confrontando-se com essas vivências

passadas, rever a atitude que tomou a seu respeito e desenvolver comporta-

mentos mais saudáveis.

Desocultar os traumas psíquicos inconscientes, isto é, trazê-los à luz da

consciência para que o paciente lide efectivamente com eles, não é tarefa fá-

cil. Tal dificuldade deve-se ao facto de o Ego ter poderosos mecanismos de

defesa que bloqueiam o acesso à consciência dos conteúdos inconscientes.

Para desbloqueá-los são necessárias técnicas que “enganem” ou ludibriem a

vigilância do Ego. As duas técnicas são a livre associação e a interpretação

dos sonhos. Além destas duas técnicas, há dois processos que acompanham

a terapia psicanalítica: a resistência e a transferência.

1.1. O que entende Freud por livre associação?

A livre associação é um dos princípios fundamentais da terapia psi-

canalítica. Consiste no facto de o psicanalista pedir ao paciente que fale aber-

tamente, de forma espontânea, dos seus desejos, recordações, pensamentos,

fantasias, sonhos, por mais embaraçosos, vulgares, irrelevantes ou mesmo sem

sentido que possam parecer. Sem censura e sem interrupção, o paciente deve

relatar pensamentos e sentimentos tal como eles ocorrem. Constitui-se assim

um puzzle cujas peças o analista, escutando atentamente, vai tentar ligar. No

seu entender, o que o paciente relata e descreve, de forma desordenada e

conforme lhe vem à mente, é um conjunto de pistas sobre o que se passa no

Inconsciente. As livres associações, aparentemente ilógicas, “sem ponta por

onde se pegue”, são expressões simbólicas de desejos, recordações e senti-

mentos recalcados no Inconsciente e que estão na origem dos problemas

psicológicos e físicos de que padece a pessoa psicanalisada.

Para tornar mais fácil a livre associação, o paciente deve estar à von-

tade: deita-se num divã ou senta-se numa cadeira confortável enquanto o

analista, que fala só quando estritamente necessário, se senta fora do seu

campo de visão. O analista intervém para, quando for caso disso, apresentar

uma interpretação do que o paciente diz e faz. O famoso divã de Freud.

Page 4: Algumas formas de psicoterapia

1.2. Em que consiste a interpretação dos sonhose qual a sua importância no quadro da terapia psicanalítica?

A descrição de sonhos mediante a técnica da livre associação é um dos

elementos da terapêutica psicanalítica. Freud dá um relevo especial à análise

e interpretação dos sonhos. Porquê? Porque a censura, durante o sono, perde

grande parte da sua eficácia na repressão das manifestações do Inconsciente.

Os sonhos são, segundo Freud, “a estrada real de acesso ao Inconsciente”,

porque, sendo suas expressões ou manifestações relativamente livres, são o

meio mais directo de acesso aos desejos, impulsos e conflitos recalcados do

paciente. Não obstante, se a vigilância da censura diminui durante o sono, ela

permanece. Por isso, os sonhos são formas disfarçadas, muitas vezes complexas

e confusas, de conflitos e impulsos inconscientes se revelarem. Há que inter-

pretar, decifrar o seu conteúdo simbólico. Como interpreta Freud os sonhos?

Distingue o seu conteúdo manifesto do seu conteúdo latente: o conteúdo

manifesto é o conjunto de acontecimentos que ocorrem durante o sonho e de

que nos lembramos na manhã seguinte (é aquilo que sonhámos); o conteúdo

latente é o significado profundo do sonho (aquilo que ele significa). Desco-

bre-se o significado profundo do sonho – o seu conteúdo latente – conside-

rando os acontecimentos do sonho e os objectos que nele surgem como

símbolos, que exprimem, em geral, desejos inconscientes (um símbolo é

aquilo que faz as vezes de, toma o lugar de). O que se verifica, a este respeito,

na terapia psicanalítica? O paciente descreve o conteúdo manifesto, consci-

ente, do sonho; o psicanalista procura interpretar e decifrar o seu significado

escondido, inconsciente, isto é, desocultar o seu conteúdo latente, conside-

rando, para esse efeito, que o que se passa no sonho simboliza ou é a mani-

festação simbólica de forças, impulsos e desejos que escapam à nossa

consciência e que a incomodariam.

1.3. Qual o papel da resistência

na metodologia psicanalítica?

Intervindo o menos possível, escutando e anotando o que o paciente

descreve acerca da sua vida real e dos seus sonhos, o analista também está

atento a súbitas mudanças de assunto, a silêncios inesperados, a reacções

ríspidas do tipo “Isso não tem importância!” ou “Só estou para aqui a dizer

disparates!”. Porquê tal atenção? Porque, segundo Freud, esses comporta-

mentos são o sinal de que o paciente está a aproximar-se da recordação de

acontecimentos importantes, potencialmente “perigosos”, e que, por isso,

mecanismos de defesa tentam mantê-los inconscientes, ocultos.

Page 5: Algumas formas de psicoterapia

Freud deu o nome de resistência a esta tendência para evitar o con-

fronto com assuntos “ameaçadores”. A resistência é um conjunto de

manobras defensivas em grande parte inconscientes destinadas a manter na

penumbra acontecimentos e conflitos perturbadores.

No entender de Freud, a resistência é uma “espada de dois gumes”. Por

um lado, opõe-se ao esforço terapêutico, retarda o seu progresso, podendo

conduzir a um impasse (muitos pacientes têm grande dificuldade em aceitar

as interpretações do psicanalista e abandonam a terapia ou passam a faltar

frequentemente e a denotar falta de colaboração); por outro lado, onde há

resistência há agitação emocional, que assinala a eventual chegada à consci-

ência de algo até então reprimido e recalcado no Inconsciente (não há fumo

sem fogo!).

A tarefa do analista consistirá em tornar compreensível ao paciente o

fenómeno da resistência de modo que participe com empenho na libertação

das suas tensões e no esforço de compreensão de si mesmo.

1.4. Qual o papel da transferência

na metodologia psicanalítica?

A relação do paciente com o analista é outro aspecto importante da

terapia psicanalítica. O paciente pode, a certa altura, começar a relacionar-se

com o terapeuta como se ele fosse um pai excessivamente protector, uma

mãe intolerante e demasiado crítica, um irmão detestável, etc., etc.

Acontece também com frequência que o analista seja objecto de amor

e de afecto. Freud considerou sempre que o psicanalista não é o real alvo

destes sentimentos. É um alvo substituto. Os pacientes transferem para o

analista sentimentos característicos da sua relação com pessoas significati-

vamente importantes (pai, mãe, irmãos, etc.). Tal como a resistência, a trans-

ferência pode ter consequências positivas e negativas.

Resistência

A tentativa de o paciente

bloquear o tratamento ao

evitar, inconscientemente, o

“encontro” com o aconteci-

mento crucial.

Transferência

Processo mediante o qual o

paciente transfere para o psi-

canalista sentimentos que na

infância tinham por objecto

pessoas importantes (especi-

almente os pais).

Page 6: Algumas formas de psicoterapia

EXEMPLO DE TERAPIA PSIC ANALÍT IC A:

O C ASO DO HOMEM DOS RATOS

Um dos casos mais famosos e ilustrativos da terapia psicanalítica é o

de um homem de 29 anos que, de acordo com o caso, Freud denominou de

Homem dos Ratos. Este paciente consultou Freud devido a vários medos,

obsessões e comportamentos compulsivos que se manifestavam há já seis

anos e o haviam impedido de completar os estudos universitários e uma

carreira profissional. Um dos mais reveladores sintomas consistia numa fan-

tasia obsessiva com uma horrível tortura aplicada ao seu pai e a uma mulher

que o Homem dos Ratos cortejava: um grupo de ratos esfomeados agarra-

vam-se às nádegas das vítimas abrindo caminho à dentada através das vias

naturalmente disponíveis. Freud utilizou esta fantasia juntamente com ou-

tros dados para interpretar os problemas, melhor dizendo, os sintomas do

Homem dos Ratos.

Segundo Freud, a causa imediata das perturbações comportamentais

do Homem dos Ratos era um conflito sentimental: casar ou não com a mu-

lher que era sua namorada desde os 20 anos. Incapaz de, conscientemente,

tomar uma decisão, permitira ao seu Inconsciente “resolver” o conflito tor-

nando-o demasiado doente (produzindo os seus sintomas neuróticos) para

completar os estudos e iniciar uma profissão (que eram pré-requisitos para

o casamento). A causa profunda, de acordo com a interpretação freudiana,

era um conflito edipiano inconsciente, com origem na primeira infância, tra-

duzido numa relação de amor e ódio em relação ao pai. Estas duas causas

estavam ligadas. O conflito do Homem dos Ratos acerca do casamento era

uma reencenação, uma reactualização simbólica dos sentimentos de amor e

ódio a respeito do pai. Casar com a namorada seria uma expressão de

ódio, não casar seria um acto de amor em relação ao pai.

A conexão entre os dois conflitos fora, no entender de Freud, refor-

çada pela morte do pai pouco depois de o Homem dos Ratos ter come-

çado a relação sentimental com a mulher em questão. Conhecendo a

oposição do pai ao namoro, o Homem dos Ratos inconsciente e irracional-

mente acreditou que causara a morte do pai ao manter a relação que este

detestava. Contudo, também imaginara inconscientemente e de modo

irracional que o seu pai continuava vivo e que poderia matá-lo outra vez se

casasse. Entre os vários indícios que conduziram Freud às referidas conclu-

sões destacam-se os seguintes:

• Em dado momento da terapia, Freud pediu ao Homem dos Ratos para

associar livremente o conceito “Ratos” (Ratten, em alemão) e imediata-

mente o paciente pronunciou Ratten que em alemão significa “dinheiro” e

também “índices” da Bolsa. O Homem dos Ratos havia previamente men-

cionado que a namorada tinha pouco dinheiro e que o pai desejava que ele

casasse com uma prima rica. Estes factos sugeriram a Freud que a obses-

siva fantasia dos ratos se relacionava com a oposição do pai ao namoro.

Page 7: Algumas formas de psicoterapia

• Noutro momento da terapia, o Homem dos Ratos descreveu o relato

materno de um acontecimento que ocorrera quando ele tinha 4 anos. O

pai batera-lhe porque ele mordera a sua ama. O rapaz respondeu com

uma violenta descarga de inúmeras palavras agressivas. Tão surpreen-

dente foi esta reacção que o pai ficou especado e boquiaberto, nunca

mais lhe voltando a bater. Para a análise freudiana, este incidente possuía

grande significado. Segundo Freud, morder a ama era, para o rapaz, um

acto de natureza sexual e o castigo físico imposto pelo pai contribuíra

para o duradouro receio que o Homem dos Ratos desenvolvera pela

reacção do pai aos seus impulsos sexuais. Ao mesmo tempo, o seu apa-

rente poder sobre o pai – a sua raiva fizera com que o pai parasse e dei-

xasse de lhe bater – ajudou a fixar no Inconsciente o temor de que

poderia matar o pai zangando-se com ele, contrariando-o. Freud aper-

cebeu-se de ligações simbólicas directas entre o incidente infantil e a fan-

tasia obsessiva e horrível com os ratos: os ratos, mordendo e destruindo

o seu pai e a sua namorada, simbolizavam outra criatura pequena e que

também mordia – o pequeno rapaz que, outrora, mordera a sua querida

ama e, simbolicamente, mediante palavras agressivas, o próprio pai.

• O processo da transferência ocorreu igualmente durante a terapia. O

Homem dos Ratos descreveu a Freud uma fantasia em que o analista (Freud)

queria que o paciente casasse com a sua filha. No sonho, a filha de Freud

surgia sem olhos. Em seu lugar, estavam duas manchas cinzentas redondas.

Freud interpretou este último elemento como simbolizando dinheiro e a

fantasia como reconstrução simbólica do conflito interno do paciente, sur-

gindo o analista no lugar do pai que o pressionava para casar com uma

prima rica.

• A certa altura da terapia – que Freud considerou como o momento deci-

sivo –, o Homem dos Ratos saltou do sofá onde estava recostado durante

a sessão psicanalítica e começou furiosamente a insultar Freud. Reflectindo

posteriormente sobre este incidente, o Homem dos Ratos lembrou-se

de que a sua súbita fúria era acompanhada pelo medo de que Freud lhe

batesse e de que saltara para se defender.

A partir deste momento da análise, foi fácil convencer o paciente a

partilhar a interpretação de Freud: os seus padecimentos actuais tinham

origem naquele incidente de infância, quando, fisicamente punido pelo pai,

reagiu com tremenda agressividade verbal. Esta experiência de transferên-

cia ajudou o Homem dos Ratos a superar a resistência à ideia de que temia

e detestava o pai. A aceitação consciente destes sentimentos conduziu,

segundo Freud, à cura dos sintomas neuróticos. Numa sentida nota de

rodapé ao caso, Freud acrescentou que o Homem dos Ratos viveu saudável

por pouco tempo. Morreu pouco depois da cura nas trincheiras da Primeira

Guerra Mundial.”

[Peter Gray, Psychology, Worth, 2.a edição pp. 660-661, adaptado]

Page 8: Algumas formas de psicoterapia

A C T I V I D A D E 1

Assinale as afirmações verdadeiras (V) ou falsas (F).

Justifique a sua opção.

1. A psicanálise é uma terapia biomédica.

2. Na terapia psicanalítica, o paciente deve estar disposto a encarar os

seus problemas de um ponto de vista psicológico e a falar de acon-

tecimentos da sua vida, das suas memórias e sentimentos de forma

minuciosa e sem vergonha, confessando-se sem qualquer entrave e

autocensura.

3. Uma das condições do sucesso da terapia psicanalítica é que o

paciente se deixe hipnotizar.

4. A ideia básica do processo denominado livre associação é a de que o

material inconsciente pode ser alcançado através de uma associação

encadeada de ideias.

5. Os sonhos representam directamente conflitos e desejos incons-

cientes, sendo por isso a via real de acesso ao Inconsciente.

6. Os elementos conscientes de um sonho constituem o seu conteúdo

latente.

7. Desocultar desejos e sentimentos reprimidos é tarefa que consome

tempo, mas que se alcança com relativa facilidade.

8. Na terapia psicanalítica, o papel activo pertence ao terapeuta.

9. A transferência é uma forma de projecção.

10. A transferência é um processo crucial da terapia psicanalítica.

Page 9: Algumas formas de psicoterapia

2.As psicoterapias humanistas

Ao contrário das psicoterapias de inspiração psicanalítica, as tera-

pias humanistas dão mais importância aos pensamentos e sentimentos

conscientes do que aos aspectos inconscientes da mente, ao presente do

que ao passado. O seu objectivo não é tanto o de curar doenças reduzindo

tensões devidas a recalcamentos, mas o de promover o crescimento pessoal e

a autocompreensão da pessoa que solicita terapia. Há duas formas de psico-

terapia humanista: a terapia centrada na pessoa (desenvolvida por Carl

Rogers – 1902-1987) e a terapia da Gestalt (criada por Frederick Perls –

1893-1970).

2.1. Carl Rogers: A terapia centrada na pessoa

Rogers acreditava que os seres humanos são naturalmente bons,

mas que a sociedade exige de nós excessivo conformismo. Habitualmente

não recebemos louvor e estima, a não ser que correspondamos às expectativas

dos outros, a não ser que sejamos como eles querem ou esperam que seja-

mos. Em suma, vivemos em geral demasiado preocupados com as expectati-

vas do meio social. Quando não nos consideramos à altura dessas expecta-

tivas, dá-se uma redução da nossa auto-estima e da nossa crença na possibi-

lidade de sermos queridos e amados pelo que somos. Isto significa que há

uma dissonância entre o nosso eu ideal – o que desejamos ser de acordo com

as expectativas dos outros – e o nosso eu real – o que realmente somos. A

necessidade de terapia surge quando uma pessoa – e Rogers nunca utiliza o

termo paciente – dá mais importância às avaliações e opiniões dos outros

sobre si do que às suas próprias. Segundo Rogers, as pessoas muitas vezes

distorcem os seus próprios sentimentos e desejos, formam uma falsa ima-

gem de si para responderem à pressão das expectativas sociais, submetem-se

para serem aceites a juízos impostos a partir do exterior. O principal objec-

tivo da terapia humanista é o de ajudar as pessoas a tornarem-se verdadeira-

mente conscientes dos seus sentimentos e desejos, do que realmente são.

Devem ser elas mesmas, ganhar controlo sobre as suas próprias vidas, em vez

de agirem meramente segundo o que os outros esperam delas e julgam que

elas devem ser.

O que é preciso em termos muito gerais para que a terapia possa

esperar algum sucesso? Dado que a sociedade pressiona o indivíduo e que os

contextos sociais são em muitos casos fonte de desconforto, é preciso criar

um ambiente terapêutico acolhedor, que aceite as pessoas como elas são.

Neste sentido, o terapeuta que se centra na pessoa deve evitar desaprovar oCarl Rogers (1902-1987), criadorda terapia centrada na pessoa.

Page 10: Algumas formas de psicoterapia

Terapia da Gestalt

Forma humanista e directiva

de psicoterapia que procura

confrontar os pacientes com

os seus problemas emocio-

nais e fazer com que os expri-

mam adequadamente.

que esta faz ou diz em ambiente terapêutico. Rogers pensava que esta atitude

incondicionalmente positiva favorecia e fomentava a auto-estima do indi-

víduo. O terapeuta abdicava de um papel directivo, não tentando conduzir o

indivíduo a qualquer descoberta. Este devia tentar identificar-se com o cliente.

Devia limitar-se a ouvir activamente num ambiente de empatia os proble-

mas do cliente e encorajar a autonomia, a avaliação independente dos seus

actos, pensamentos e sentimentos.

2.2. Frederick Perls: A terapia da Gestalt

Tal como a terapia centrada na pessoa, a terapia da Gestalt centra-se

no presente e na consciência, procurando que o cliente desenvolva a

consciência de si mesmo e aumente o grau de aceitação de si próprio

(fomento da auto-estima). Perls acreditava que grande parte dos problemas

psicológicos advinha do facto de o indivíduo se recusar a aceitar o que é ou

ter dificuldade em expressar os seus sentimentos e desejos. Muitas pessoas

têm medo dos juízos dos outros e isso traduz-se em comportamentos

defensivos – negamos o que somos, mascaramos o que somos para evitar o

confronto com o que os outros pensam sobre nós.

Ao contrário da terapia centrada na pessoa, esta forma de psicote-

rapia tem um carácter fortemente directivo. Muitas vezes, o terapeuta

confronta, desafia e frustra as opiniões e avaliações do seu cliente. Dá opiniões

ou sugestões acerca do problema que o seu cliente está a viver e orienta-o

na descoberta do que real e verdadeiramente pensa e sente. Uma técnica

muito usada e ilustrativa é o desempenho de papéis (role playing), uma espé-

cie de dramatização de sentimentos e conflitos ou assunção de papéis como

os de indivíduo culpado ou de criança submissa. Imaginemos que um cliente

está perturbado por um conflito com a sua mãe. O terapeuta pode reactuali-

zar ou reabrir o conflito fazendo o papel de mãe, enquanto a outra parte faz o

papel que na vida real desempenha. O cliente poderá ser encorajado a reac-

tivar os sentimentos de hostilidade em relação à figura materna, gritando,

insultando, pontapeando objectos, etc. A terapia da Gestalt defende que,

assim, será o indivíduo que vai gerir os seus conflitos, em vez de serem estes

a dominá-lo.

Embora a terapia da Gestalt seja mais directiva, deve notar-se que as

teorias humanistas referidas encorajam os indivíduos a assumirem-se e a

assumirem a responsabilidade pelas suas acções e sentimentos de modo a

compreenderem-se a si mesmos. Procuram ajudá-los a desenvolver perante

a sociedade um sentido de liberdade, tomando consciência do que estão a

fazer das suas vidas.Frederick Perls (1893-1978).

Terapia centrada

na pessoa

Forma de terapia humanista

inventada por Carl Rogers e

que procura criar, sem pres-

sionar ou dirigir o cliente, as

condições que tornem possí-

vel um real conhecimento e

aceitação de si mesmo.

Page 11: Algumas formas de psicoterapia

A C T I V I D A D E 2

Assinale as afirmações verdadeiras (V) ou falsas (F).

Justifique a sua opção.

1. A terapia humanista é uma alternativa quer à terapia psicanalítica

quer à terapia comportamentalista.

2. A terapia adoptada por Rogers centra-se nas teoria ou técnicas do

terapeuta.

3. O que distingue a terapia da Gestalt da terapia de Rogers é que só

aquela acredita que uma pessoa pode, num ambiente adequado,

ultrapassar percepções distorcidas do que é e tomar uma consciên-

cia verdadeira de si.

4. Na terapia da Gestalt, o paciente decide do que falar sem direcção

ou juízos de valor do terapeuta, sendo este mais um facilitador que

ajuda o cliente no sentido da mudança desejada.

5. Segundo a terapia da Gestalt, perder contacto com as nossas emo-

ções e a nossa «voz interior» impede o desenvolvimento de um sen-

tido de auto-aceitação.

Page 12: Algumas formas de psicoterapia

3.Psicoterapias comportamentais

As psicoterapias comportamentais usam determinados princípios esta-

belecidos por teorias da aprendizagem como as de Watson e Skinner para

reduzir ou eliminar comportamentos desadaptados.

As psicoterapias comportamentais distinguem-se das terapias huma-

nistas e psicanalíticas pelas seguintes razões:

a) Ao contrário das terapias psicanalíticas, não acreditam que o com-

portamento seja influenciado por conflitos inconscientes.

b) Ao contrário das terapias humanistas, não encorajam as pessoas

a desenvolver uma percepção correcta dos seus sentimentos e

pensamentos.

Qual é a razão básica desta dupla rejeição? A crença de que são es-

tímulos externos como reforços e punições e não estados internos como

emoções e pensamentos que provocam comportamentos adaptados ou

desadaptados. Os comportamentos desadaptados não são o sinal ou o sin-

toma de problemas internos. Os próprios comportamentos são o sintoma dos

problemas. Assim, os indivíduos podem tomar consciência das razões por que

andam deprimidos e, contudo, continuarem deprimidos. A depressão é uma

resposta observável que está ligada directamente a aspectos observáveis do

meio (mau ambiente familiar, por exemplo, ou fracasso profissional).

Vejamos algumas técnicas usadas nesta modalidade de psicoterapia.

3.1. O condicionamento aversivo

ou terapia da aversão

Como tratar um problema de alcoolismo? O tratamento consiste em

associar estímulos segundo os princípios do condicionamento clássico.

Damos a um alcoólico uma droga que produz náuseas. Um pouco antes de a

droga começar a fazer efeito, damos ao paciente uma razoável quantidade

de uma bebida alcoólica. Assim, o gosto e o cheiro da bebida são seguidos por

náuseas. Ao fim de algum tempo, o emparelhamento sucessivo da droga indu-

tora de náuseas e da bebida alcoólica faz com que ver ou cheirar a bebida

alcoólica induza náuseas e provoque aversão. O álcool deixará de ser asso-

ciado a algo de agradável.

Terapias

comportamentais

Conjunto de técnicas tera-

pêuticas que procuram mo-

dificar através da aprendiza-

gem pensamentos, senti-

mentos e comportamentos

desadaptados. Quer os com-

portamentos sadios quer os

comportamentos doentios

estão ligados a condiciona-

mentos e aprendizagens. São

algo aprendido.

Terapia aversiva

Técnica comportamentalista

usada para condicionar as

pessoas a reagirem com aver-

são ou desagrado a substân-

cias prejudiciais.

Page 13: Algumas formas de psicoterapia

3.2. A dessensitização sistemática

Esta técnica baseia-se no condicionamento clássico e é sobretudo usada

para tratar fobias. O «antepassado» desta técnica é o contracondiciona-

mento, inventado nos anos 40 do século XX por Mary Cover Jones. O autor

usou essa técnica para reduzir o medo que uma criança sentia na presença

de coelhos. Começou por apresentar a uma criança chamada Peter a sua co-

mida favorita. Algum tempo depois, colocou próximo da criança uma caixa

que tinha lá dentro um coelho. A pouco e pouco, as sensações agradáveis

causadas pela sua comida favorita passaram a estar associadas à presença do

coelho e o medo que este tipo de animal causava diminuiu acentuadamente.

Hoje em dia, esta técnica foi substituída pela dessensitização sistemá-

tica, inventada pelo psiquiatra Joseph Wolpe, em 1950. Esta técnica terapêu-

tica tem duas fases. Numa primeira fase, que dura várias sessões, ensina-se

ao paciente a técnica do relaxamento muscular que lhe permita atingir um

estado de calma e tranquilidade até aí desconhecido. De seguida, procede-se

à progressiva exposição ao estímulo que causa ansiedade e medo. Essa expo-

sição pode ser realizada através da imaginação ou real. Actualmente, a exposi-

ção a objectos e situações reais é considerada mais efectiva e eficaz do que a

vivência de situações imaginárias. O processo em geral consiste em submeter

o paciente a situações imaginárias ou reais cada vez mais desagradáveis e

desconfortáveis. Imaginemos que alguém sofre da fobia das alturas. O tera-

peuta começará por pedir ao paciente que relaxe imaginando que está à janela

do segundo andar de um prédio, depois à janela do terceiro, do quarto, do

quinto e assim sucessivamente até conseguir imaginar, sem se sentir ansioso,

que está na varanda do último andar de um arranha-céus. Em situações reais

relativas a pessoas com medo de cobras, pode começar-se por pedir que

procurem a palavra cobra no dicionário, que leiam a sua definição e terminar

o processo visitando a secção de répteis no jardim zoológico. Pretende-se

que, após o tratamento, os pacientes que se sentem muito ansiosos quando

pensam acerca de um objecto (cobra), quando estão perto de uma coisa ou

quando vivem uma situação (viajar de avião) possam vencer essas fobias.

3.3. A economia da recompensa (token economy)

Em alguns hospitais psiquiátricos, os pacientes tendem a perder boa par-

te das suas aptidões sociais. Referimo-nos a competências tais como saudar

outra pessoa e responder quando se é interpelado. Trata-se de formas de com-

portamento básicas e necessárias para o dia-a-dia, seja onde for. Os psicólo-

gos descobriram que é importante recompensar os pacientes imediatamente

depois de exibirem os comportamentos desejáveis. Para o fazerem, usam uma

técnica terapêutica designada economia da recompensa ou do prémio. O

comportamento desejado é recompensado com uma rifa ou uma senha que

pode depois ser trocada por reforços ou recompensas apetecíveis (doces,

dinheiro ou uma ida ao cinema).

Dessensitização

sistemática

Técnica comportamentalista

usada para tratar fobias e ou-

tros problemas de ansiedade e

que consiste em emparelhar

a gradual exposição a uma

situação que provoca ansie-

dade com o relaxamento.

Economia

da recompensa

Técnica comportamentalista

em que os pacientes partici-

pantes ganham valiosos pré-

mios ou recompensas ao en-

veredarem por comporta-

mentos definidos como dese-

jáveis.

Page 14: Algumas formas de psicoterapia

3.4. A modelação

As terapias comportamentais até agora estudadas não faziam referência

a processos cognitivos como pensamentos e emoções no seu esforço para

modificar comportamentos desajustados. Não é o caso da terapia denomi-

nada modelação. Esta é considerada uma das formas mais eficazes de

modificação comportamental. Trata-se de, em condições controladas e pro-

tegendo devidamente o paciente, o orientar para uma progressiva aproxima-

ção ao estímulo ou situação que provoca ansiedade e medo. Como conse-

gui-lo? Imaginemos que tenho medo de cobras ou de cães. A modificação

comportamental consistiria em, ao longo de várias sessões, observar outras

pessoas a lidarem com tais animais sem que nada de mal lhes acontecesse.

Ser-me-ia depois solicitado que fizesse o mesmo. Bandura e os seus colabo-

radores mostraram que esta técnica – que corresponde a um acto tão

espontâneo e frequente na nossa vida quotidiana – pode ter taxas de

sucesso elevadas na redução do medo.

Por que razão estão aqui presentes factores internos de tipo cognitivo?

Porque o paciente, através da modelação, vai desenvolvendo autoconfiança

ou crença na sua capacidade de imitar o que observou e assim ser bem suce-

dido. Por outras palavras a auto-eficácia é a crença de que podemos dominar

a situação e, à semelhança do que aconteceu com o modelo observado,

podemos conseguir resultados positivos. Conforme vamos sendo bem suce-

didos nas progressivas aproximações à solução do problema, estes pequenos

sucessos tornam-se intrinsecamente motivantes. Bandura acreditava que a

auto-eficácia era a chave de uma terapia com bons resultados.

Modelação

Técnica terapêutica em que

se ensina uma pessoa a fazer

algo mediante a observação

e progressiva imitação de um

modelo. O terapeuta modela

o comportamento desejado e

gradualmente induz o paci-

ente a nele participar.

Terapias cognitivas

Terapias que tentam ensinar

as pessoas a pensar de forma

mais adaptada à realidade

através de uma interpretação

racional e razoável das suas

experiências e dos factos da

vida. Trata-se de ajudar as

pessoas a comportarem-se

de forma mais ajustada à

realidade mudando as suas

crenças e ideias.

Page 15: Algumas formas de psicoterapia

A C T I V I D A D E 3

Assinale as afirmações verdadeiras (V) ou falsas (F).

Justifique a sua opção.

1. Para as terapias comportamentalistas, adoptamos comportamentos

desajustados em virtude de condicionamentos.

2. Para as terapias comportamentalistas, como todo o condiciona-

mento está ligado ao ambiente que envolve o indivíduo, é preciso

agir sobre o indivíduo e também sobre o contexto social e familiar

que o envolve.

3. As terapias comportamentais dão especial importância à aprendiza-

gem como método de tratamento.

4. Na técnica da modelagem, a pessoa que sofre de uma fobia deve

observar o comportamento de outra pessoa que não sofre da

mesma fobia e ser capaz de manipular ou de enfrentar o estímulo ou

objecto que provoca ansiedade.

5. Para as terapias comportamentalistas em geral, trata-se de compre-

ender os problemas do paciente, procurando identificar a situação ou

o estímulo que está na origem do comportamento doentio ou pelo

menos indesejável, de identificar as circunstâncias que o mantêm e

de agir em consonância com esses dados.

6. A dessensitização sistemática é uma forma de tratamento para

fobias em que se ensina ao paciente técnicas de relaxamento e se

lhe pede para imaginar ou se aproximar real e gradualmente das

situações que o amedrontavam.

7. João rói as unhas e continua em idade pouco apropriada a chuchar

no dedo. Os pais decidem colocar um líquido apimentado nas pontas

dos dedos para eliminar ou reduzir tal comportamento. Estão a

utilizar a terapia da aversão.

Page 16: Algumas formas de psicoterapia

Terapias cognitivas

Terapias que tentam ensinar

as pessoas a pensar de forma

mais adaptada à realidade

através de uma interpretação

racional e razoável das suas

experiências e dos factos da

vida. Trata-se de ajudar as

pessoas a comportarem-se

de forma mais ajustada à

realidade, mudando as suas

crenças e ideias.

4.Psicoterapias cognitivas

As terapias cognitivas baseiam-se na seguinte crença: são, em

grande parte, as nossas cognições e pensamentos que estão na origem de

comportamentos desajustados e de problemas psicológicos. Imaginemos

que Henrique, jovem de 12 anos, julga que é um inútil. Pensa que é um fra-

casso quer para os seus professores quer para os seus pais por não ter ainda

decidido a sua vida profissional. Mas na realidade exagera esses aspectos

negativos e esquece os positivos. O seu tipo de comportamento é muito

comum em indivíduos que sofrem de depressão.

O objectivo das terapias cognitivas é o de mudar cognições distorcidas

(«Não presto», «Não valho nada», «Ninguém gosta de mim pelo que sou,

mas só pelo que tenho») de modo a eliminar comportamentos desadaptados.

O alvo das terapias cognitivas são os pensamentos e crenças conscientes

dos pacientes, utilizando uma abordagem directiva muito vincada na

relação com o paciente.

4.1. A terapia racional-emotiva de Albert Ellis

Ellis acreditava que desenvolvemos perturbações psicológicas por

causa das nossas crenças, em especial as que são irracionais e autodestruti-

vas. A terapia proposta por Ellis baseia-se na famosa teoria ABC das emoções.

A designa o acontecimento Activante que se dá na vida da pessoa, como, por

exemplo, um divórcio conturbado, um despedimento ou o fracasso no acesso

à universidade. B é a crença (Belief) que se forma na mente do paciente. C é

a consequência emocional dessa crença. O terapeuta trabalha com o paciente

para, no caso de isso lhe parecer verdadeiro, o convencer de que o factor B,

responsável pela passagem de A a C, resulta de uma percepção distorcida da

realidade. Suponhamos que um indivíduo acredita irracionalmente que todas

as pessoas devem gostar dele e se sente infeliz quando alguém não corres-

ponde a esse desejo. O primeiro passo consistirá em tentar convencê-lo de

que é descabido querer que todos gostem de nós e de que é normal que nem

toda a gente goste de nós. O terapeuta desafia activamente aquilo que o

paciente pensa. Conseguindo-se que o paciente admita a irracionalidade da

sua crença, trata-se de o libertar dela para que esses pensamentos não ocor-

ram de novo. Escusado será dizer que um longo trabalho espera o terapeuta

e o paciente. As nossas crenças tornam-se muitas vezes hábitos e manifes-

tam-se automaticamente, a não ser que enfrentem uma resistência activa.

Vejamos outro exemplo: Alberto vê um anúncio de emprego no jornal e fica

entusiasmado porque acredita que aquele é o emprego certo para si e ele a

pessoa certa para o lugar. Candidata-se imediatamente. A partir daí, espera

todos os dias que o telefone toque a convocá-lo para uma entrevista. Con-

Crenças irracionais

mais frequentes

segundo Ellis

1. Devemos ter amor sincero

e sermos sempre objecto de

aprovação por parte das pes-

soas que são significativas;

2. Temos de provar a toda a

hora que somos competen-

tes ou devemos ter muita

competência nalguma coisa;

3. A vida é aterradora, horrí-

vel ou catastrófica quando as

coisas não correm do modo

que queremos.

Aaron Beck e Albert Ellis, dois dosprincipais proponentes da terapiacognitiva e ambos psicanalistasdesencantados.

Page 17: Algumas formas de psicoterapia

tudo, algumas semanas mais tarde recebe uma carta informando-o de que o

seu perfeito emprego fora oferecido a outro candidato. Fica devastado.

Ellis argumentaria que Alberto não deveria ter ficado infeliz e depri-

mido por não ter conseguido o emprego nem interpretar a situação como si-

nal de falta de capacidade. Deve antes pensar que havia dezenas de candi-

datos ao lugar com muita experiência e competência. Mais, deve convencer-

-se de que a empresa que não o contratou perdeu um valioso empregado.

EXEMPLO DE CRENÇ A IRRACIONAL E ATITUDE TERAPÊUTIC A DE ALBERT ELL IS

Um jovem queixa-se de ser um fracasso e dá como garantido que não

vai entrar na faculdade que deseja porque esta exige altas classificações. Eis

um excerto da sessão terapêutica:

Ellis – A faculdade em que deseja entrar exige médias elevadas.

Jovem – Sim, muito elevadas. Não vou entrar, não vou conseguir.

Ellis – Diga-me que resultados tem obtido.

Jovem – Nos dois anos anteriores obtive média de 19 a todas as

disciplinas.

Ellis – É uma óptima média. O que aconteceu este ano para estar

tão pessimista?

Jovem – Nas classificações resultantes dos exames obtive 3 notas

de 19 e duas de 18.

Ellis – Qual é a média necessária para ingressar?

Jovem – 18,7.

Ellis – Repare bem na média que tem. Não é claro que tem mais do

que o suficiente para entrar? Parece extremamente óbvio.

Jovem – (aparentemente surpreendido) A sério?

São crenças irracionais – contrárias à razão e à lógica – que conduzem

a comportamentos desajustados e causadores de depressão como a que

apresentava este jovem. Este jovem julgava-se erradamente um incapaz – sem

competência para atingir um objectivo. Outras pessoas apresentam desejos

irracionais do tipo tudo ou nada, como, por exemplo: «Quero que toda a gente

goste de mim e me aprecie sempre». É evidente a irracionalidade deste de-

sejo, que conduz directamente na pessoa deprimida a uma crença irracional:

como não se pode agradar a gregos e troianos, a pessoa acaba por concluir

irracionalmente, devido à referida distorção cognitiva, que ninguém gosta dela.

Assim, o método terapêutico de Ellis ensina os seus pacientes a detecta-

rem crenças que distorcem a realidade e são autoderrotantes, desafia essas

crenças (as interpretações de determinadas situações) e incita-os a desen-

volverem crenças alternativas racionais, mais próximas da realidade e mais

favoráveis à auto-estima do indivíduo.

Terapia

racional-emotiva

Forma de psicoterapia criada

por Albert Ellis na qual o tera-

peuta desafia e questiona as

crenças irracionais dos seus

pacientes.

Page 18: Algumas formas de psicoterapia

Terapia cognitiva

de Beck

Forma de terapia em que o

terapeuta colabora com o

paciente para descobrir pa-

drões de pensamento nega-

tivos (distorções cognitivas)

que impedem um funciona-

mento psicológico saudável.

4.2. A terapia cognitiva de Beck

Aaron Beck é um psicoterapeuta americano que se especializou no tra-

tamento de depressões. Estava convicto de que as pessoas deprimidas têm

uma visão negativa de si mesmas, do seu mundo e do seu futuro. É frequente

interpretarem os acontecimentos de forma distorcida. São muito dadas à auto-

censura. As interpretações distorcidas que fazem das situações, são alimen-

tadas por «pensamentos automáticos», ou seja, por frases de teor negativo

que constantemente repetem a si mesmos ( «Não sou capaz de fazer amigos»)

e que ocorrem mesmo que sejam contrárias à realidade objectiva. Há um pro-

blema com esses pensamentos automáticos: são rapidamente aceites pela

pessoa deprimida e são repetidos tantas vezes que se tornam parte do habi-

tual modo de pensar do indivíduo. Por outro lado, apesar de provocarem

emoções desagradáveis, não temos geralmente consciência plena da sua

influência nas nossas reacções emocionais.

UM EXEMPLO DA TERAPIA DE AARON BECK

Uma mulher apresenta-se deprimida, dizendo que não presta para

nada porque o seu marido já não lhe dá atenção. Eis um excerto da entre-

vista com Beck:

Mulher – Sinto-me péssima. Sem o João não sou nada.

Beck – Fale-me do seu casamento.

Mulher – Horrível. Sempre a discutir por tudo e por nada.

Beck – E sem esse casamento, se ele acabasse, sentir-se-ia perdida,

sem valor?

Mulher – Não sou nada sem o João.

Beck – Diga-me como era antes de conhecer e casar com o João.

Também se sentia sem valor?

Mulher – Não. Bem pelo contrário. Sentia-me óptima, era muito

apreciada.

Beck – Tente pensar correctamente no significado dessa diferença.

Antes de conhecer o João muita gente gostava de si – e suponho

que também posso referir-me a namorados…

Mulher – Claro, isso era verdade.

Beck – Pense bem nisso.

Mulher – Se antes de conhecer o João tinha uma boa auto-estima e

me considerava valorizada, será que faz sentido dizer que sem

ele não sou nada? É isso que quer que eu pense? Devo estar a

reduzir a minha vida a uma pessoa.

Page 19: Algumas formas de psicoterapia

A terapia de Beck é mais suave do que a de Ellis. Não informa imedia-

tamente os seus pacientes sobre os seus pensamentos desajustados. De uma

forma que alguns comentadores consideram socrática, tenta que sejam os

pacientes a descobrir esses pensamentos e a corrigi-los. Prefere este proce-

dimento à terapia directiva porque torna possível que os pacientes se aper-

cebam de que podem corrigir pensamentos inadequados e não dependerem

sempre do psicoterapeuta.

VARIEDADES DE TERAPIAS PSICOLÓGICAS (PSICOTERAPIAS)

TERAPIA

PSICANALÍTICA

Forma de psicoterapia fundada e desenvolvida por SigmundFreud e cujo objectivo é trazer as influências inconscientes donosso comportamento ao nível da consciência. As técnicas fun-damentais são a associação livre e a interpretação dos sonhos. Osprocessos que a acompanham são a resistência e a transferência.A terapia é desde o início demorada e em certa medida onerosa.

Freud observou, nos seus pacientes, que “reviver” um inci-dente traumático e perturbador, normalmente com origem nainfância, produzia uma espécie de alívio emocional. Por outraspalavras, esse incidente doloroso perdia muita da força e inten-sidade que tinha. A sua influência no comportamento da pessoatornava-se bem menor, pelo que uma vida mais saudável era, apartir daí, possível.

TERAPIAS

HUMANISTAS

Terapias que acentuam a importância do presente e não dopassado, da consciência e não do Inconsciente. Partem da con-vicção de que cada indivíduo dotado de um potencial próprio decrescimento pode resolver os seus problemas desde que desen-volva um genuíno conhecimento de si. Centram-se mais na pro-moção do desenvolvimento do indivíduo do que no tratamentode perturbações comportamentais.

As duas formas mais conhecidas são a terapia centrada napessoa de Carl Rogers, que pretende encaminhar o cliente paraa sua verdadeira auto-descoberta de uma forma não directiva, ea terapia da Gestalt de Perls, que se baseia numa atitude maisdirectiva, que pode incluir o confronto com as ideias do cliente ea frustração de certos comportamentos.

Page 20: Algumas formas de psicoterapia

VARIEDADES DE TERAPIAS PSICOLÓGICAS (PSICOTERAPIAS)

TERAPIAS

COMPORTAMENTAIS

Terapias que visam mudar comportamentos problemáticospartindo do princípio de que foram aprendidos e que podem porisso ser desaprendidos, desde que se criem condições individuaise sociais que o permitam. O seu modelo teórico é, em parte, ocomportamentalismo ou behaviorismo. Trata-se de uma reedu-cação ou de uma re-aprendizagem de comportamentos adap-tados.

Entre várias técnicas utilizadas, salientam-se a terapiaaversiva, a dessensitização sistemática, a economia darecompensa e a modelação, sendo que esta é uma técnicapsicoterapêutica de tipo cognitivo-comportamental.

TERAPIAS

COGNITIVAS

Formas de psicoterapia que partem do princípio de que cog-nições erradas – crenças irracionais e padrões de pensamentodistorcidos – constituem a razão de ser dos problemas defuncionamento mental e comportamental dos indivíduos.

As duas formas de psicoterapia cognitiva são a terapiaracional-emotiva de Ellis e a terapia cognitiva de Beck. Aterapia racional-emotiva de Albert Ellis é um tipo de psico-terapia na qual o terapeuta desafia e questiona as crençasirracionais dos seus pacientes, sendo por isso mais directiva doque a de Beck.

A terapia de Beck é uma forma de terapia em que o tera-peuta colabora com o paciente para descobrir padrões de pensa-mento negativos (distorções cognitivas) que impedem umfuncionamento psicológico saudável.

Page 21: Algumas formas de psicoterapia

A C T I V I D A D E 4

Assinale as afirmações verdadeiras (V) ou falsas (F).

Justifique a sua opção.

1. O objectivo das terapias cognitivas é o de ajudar as pessoas a con-

trolarem distúrbios emocionais e comportamentais como a ansie-

dade e a depressão, ensinando ou promovendo formas mais ade-

quadas de pensar sobre as suas experiências e de as interpretar.

2. A psicoterapia cognitiva de Albert Ellis é mais directiva do que a de

Aaron Beck.

3. A terapia racional-emotiva de Ellis acredita que os pacientes podem

ultrapassar os seus problemas psicológicos maximizando as crenças

racionais e minimizando as crenças irracionais.