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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
INSTITUTO DE MATEMÁTICA
DEPARTAMENTO DE MATEMÁTICA PURA E APLICADA
KAREN MARIA JUNG
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE ÂNGULO
Porto Alegre
2008
Karen Maria Jung
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE ÂNGULO
Trabalho de conclusão de curso de graduação apresentado ao Departamento de Matemática Pura e Aplicada do Instituto de Matemática da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, como requisito parcial para a obtenção do grau de Licenciado em Matemática.
Orientadora: Marilaine de Fraga Sant’Ana
Porto Alegre
2008
Karen Maria Jung
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE ÂNGULO
Trabalho de conclusão de curso de graduação apresentado ao Departamento de Matemática Pura e Aplicada do Instituto de Matemática da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, como requisito parcial para a obtenção do grau de Licenciado em Matemática.
Aprovado em: ___ de _______________ de ______
BANCA EXAMINADORA
_____________________________________________
Prof. Dra. Marilaine de Fraga Sant’Ana - Orientadora – UFRGS
_____________________________________________
Prof. Dr. Marcus Vinícius de Azevedo Basso – UFRGS
_____________________________________________
Prof. Ms. Marlusa Benedetti da Rosa – UFRGS
RESUMO
Este trabalho trata de alguns aspectos sobre o conceito de ângulo. Apresenta algumas definições adotadas para ângulo e sua trajetória histórica ao longo do tempo. Através de um paralelo entre as teorias de aprendizagem cognitiva e geométrica e as experiências vividas durante as atividades de docência na graduação e, ainda, o contato professor-aluno, debatemos algumas considerações sobre o ensino e a aprendizagem de ângulo. Levando em conta essas perspectivas do ensino-aprendizagem, apresentamos algumas alternativas de abordagem do conceito de ângulo.
PALAVRAS-CHAVE Ângulo, gênese do conceito de ângulo, ensino-aprendizagem.
ABSTRACT
This paper deals with some aspects about the concept of angle. It presents some
definitions assumed for angle and its historical trajectory over time. By means of a parallel between the cognitive and geometric learning theories and the experiences lived during the teaching activities at the undergraduate course and the teacher-student contact, we’ve debated some considerations about the angle teaching and learning. Considering these prospects of the teaching-learning, we've presented some alternatives of approaching the concept of angle.
KEYWORDS Angle, genesis of the angle concept, teaching-learning.
LISTA DE FIGURAS Figura 2.1 – Representação do ângulo .......................................................................... 13 Figura 2.2 – Representações para o ângulo ................................................................... 13 Figura 4.1 – Ilustração da definição de ângulo...................................................................... 19 Figura 4.2 – Ilustração da definição apresentada por Arconcher.......................................... 21 Figura 4.3 – Representação de flechas fabricadas pelos homens primitivos........................ 24 Figura 6.1 – Diagrama apresentado por Piaget...................................................................... 37 Figura 6.2 – Transferidor não-graduado................................................................................. 41 Figura 6.3 – Inclinação do corpo............................................................................................ 42 Figura 6.4 – Diferentes lugares de observação....................................................................... 43
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO.................................................................................................................. 8
2 JUSTIFICANDO A ESCOLHA DO TEMA................................................................... 11
3 INÍCIO DE DISCUSSÃO.................................................................................................. 15
3.1 OBJETIVOS..................................................................................................................... 15
3.2 METODOLOGIA............................................................................................................. 16
4 ÂNGULO: CONCEITO E HISTÓRIA........................................................................... 18
4.1 DEFININDO ÂNGULO................................................................................................... 19
4.1.1 Primeira definição e alguns ângulos........................................................................... 19
4.1.2 Segunda definição........................................................................................................ 21
4.1.3 Terceira definição........................................................................................................ 22
4.2 ÂNGULO NA HISTÓRIA............................................................................................... 22
5 APRENDIZAGEM DA GEOMETRIA (E DE ÂNGULO)............................................ 27
5.1 TEORIA DE JEAN PIAGET: DESENVOLVIMENTO COGNITIVO E
GEOMÉTRICO...................................................................................................................... 27
5.1.1 Teorias de Aprendizagem............................................................................................ 28
5.1.2 Teorias de Aprendizagem Geométrica....................................................................... 30
5.2 MODELO DE VAN HIELE............................................................................................. 30
5.3 MAIS ALGUMAS CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS..................................................... 32
6 RELACIONANDO TEORIA COM PRÁTICA.............................................................. 35
6.1 A TEORIA DE PIAGET EM RELAÇÃO AO CONCEITO DE ÂNGULO................... 36
6.2 COMPARANDO TEORIA E PRÁTICA......................................................................... 38
6.3 ALTERNATIVAS DE ENSINO-APRENDIZAGEM DE ÂNGULO............................. 42
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................................ 45
REFERÊNCIAS.................................................................................................................... 47
1 INTRODUÇÃO
Quando comecei a escrever este trabalho, pensei que poderia ser, simplesmente, mais
um trabalho escrito por mim. Pensei na intensidade que o define: Trabalho de Conclusão de
Curso, na importância que ele representa depois de quatro anos intensos de trabalho. Isso me
deixou um pouco assustada, já que ele caracteriza um aprendizado, uma experiência vivida
durante a graduação.
Depois de escolhido o assunto, não me entusiasmei muito, pois acreditava que ele não
iria me acrescentar mais conhecimento, pois, no meu ponto de vista, ângulo era um elemento
fácil de ser apresentado e compreendido, mas claro, não necessariamente entendido por todos
os alunos. Pensava que a situação que originou este trabalho era uma situação isolada, e que
os alunos, com os quais trabalhei, estavam confusos.
Mas, depois que comecei a estruturar o trabalho e a pesquisar sobre o tema escolhido,
pude perceber como foi bom ter escolhido esse assunto. Pois, além de eu ter percebido que o
conceito de ângulo é difícil de ser entendido, este trabalho me fez pensar em como pode ser
difícil de ensiná-lo. Apesar de existirem alternativas de abordar ângulo sem a necessidade de
uma linguagem matemática, algumas apresentadas no capítulo 6 deste trabalho, mesmo assim,
pode ser difícil para um aluno compreender o que ângulo significa, o que ele representa.
Para desenvolver este trabalho, foram pesquisadas fontes que pudessem nos dar
alguma informação sobre o assunto escolhido, tais como, livros que apresentam possíveis
definições e sua história, artigos que tratam do ensino-aprendizagem, etc. Nessa busca,
percebi que este não é um tema muito explorado, pois não são muitos os trabalhos que falam
especificamente sobre ângulo.
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Mas, para atender as novas dúvidas, conseguimos encontrar alguns trabalhos que
pudessem nos dar respostas, ou, pelo menos, acrescentar informações. Como eu havia
percebido através de alguns trabalhos que ensinar ângulo poderia ser uma tarefa difícil, foram
encontradas algumas alternativas que podemos utilizar para que fique mais palpável ao aluno
o significado de ângulo, não considerando somente a definição matemática. Pois, como será
apresentado no capítulo 4, não temos uma definição única para ângulo e, tampouco, uma
origem histórica definida.
A abordagem histórica de ângulo, tratada no capítulo 4, é curiosa, já que a idéia de
ângulo surgiu e/ou se desenvolveu intuitivamente e, somente depois, foi proposta uma
definição. Talvez, isso faça com que o ensino de ângulo não seja abordado sobre sua origem
histórica, já que essa não é bem definida.
Existem alguns trabalhos que não chegaram a serem utilizados como base teórica neste
trabalho mas que podem ser considerados quando nos referimos a ângulo. João Manoel Matos
em seu artigo “Metáforas corpóreas na base do conhecimento matemático. O caso do ângulo”,
também retrata o assunto como sendo, simultaneamente, simples e complexo.
Nosso trabalho aborda o conceito de ângulo a partir de uma experiência vivida na
prática docente e, a partir dessa situação, estruturamos o trabalho.
No capítulo 2 será apresentado o motivo que levou a construir este trabalho.
Relatamos como aconteceu tal situação e em qual momento isso aconteceu.
No capítulo 3 apresentamos os objetivos e a metodologia que guiaram este trabalho.
No capítulo 4 apresentamos algumas definições que podem apresentar o conceito de
ângulo e, também, em que momentos da história da matemática o ângulo começou a ser
percebido, ou utilizado.
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No capítulo 5 relatamos algumas formas de ensino-aprendizagem de ângulos.
Apresentamos algumas teorias da aprendizagem e do desenvolvimento cognitivo, juntamente
com o desenvolvimento cognitivo geométrico.
No capítulo 6 relatamos alguns momentos das práticas docentes que podem ser
relacionados com a teoria apresentada no mesmo capítulo. Para tentar auxiliar na
aprendizagem também são apresentadas algumas alternativas de abordagem de ângulo.
2 JUSTIFICANDO A ESCOLHA DO TEMA
O ensino da Matemática sempre foi um tema muito discutido em diversas situações na
área da Educação. Quando nos referimos ao ensino da Geometria, o assunto acaba sendo
ainda mais debatido. Por que o ensino da Geometria é tão lembrado e discutido? Leivas
(2004) no seu artigo “Desenhar ou Representar Geometricamente” argumenta que muitos
professores acabam não trabalhando a Geometria em sala de aula e, uma justificativa para tal
fato, seria a dificuldade de desenhar. Este é um argumento que muitos professores utilizam
para não abordar a Geometria em sala de aula. Mas, segundo Leivas (2004), o professor não
precisa ser um desenhista, cabe a ele conseguir representar o objeto matemático de forma a
estabelecer um bom canal de comunicação com os alunos.
O tema abordado neste trabalho é, especificamente, sobre o ensino de ângulo. Esta
escolha se originou a partir do trabalho realizado na disciplina de Estágio em Educação
Matemática II, durante o primeiro semestre de 2008. A carga horária dessa disciplina consiste
em, além de aulas teóricas, noventa horas de prática docente. Dessas noventa horas, quarenta
horas são destinadas para o desenvolvimento de um projeto, que fica a critério do aluno sobre
qual assunto abordar. O projeto desenvolvido foi aplicado com grupos de, em média, seis
alunos, de sexta série e oitava série do Ensino Fundamental. O contato com esses alunos foi
durante oito semanas, com cinco horas/aula por semana. Em cada semana trabalhávamos
algum conceito, ou seja, cinco horas/aula para cada conteúdo. Também é importante destacar
que nem todos os alunos freqüentavam o projeto todas as semanas.
O assunto tratado foi Geometria. Foram trabalhados alguns conceitos, tais como:
apresentação e classificação de figuras planas e sólidos geométricos; áreas e perímetros;
ângulos.
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No decorrer do projeto percebemos que o conhecimento dos alunos em relação à
geometria era limitado. Notamos isso, pois quando os alunos eram questionados sobre um
determinado assunto, ou eles não sabiam, ou se confundiam com nomenclaturas e definições.
Atribuímos essa “confusão” ao fato de eles não ter um conhecimento claro, ou no mínimo
necessário, sobre a Geometria.
O projeto se desenvolveu com atividades teóricas e práticas. Tentamos percorrer uma
linha de raciocínio através dos conceitos tratados, pois como os alunos tinham pouco
conhecimento sobre a Geometria, a apresentação dos conceitos deveria ser dada de forma
mais lenta e que pudesse facilitar a compreensão. E, como o principal objetivo do projeto era
proporcionar aos alunos algum contato com a Geometria, não nos preocupamos em apresentar
os conceitos de forma rápida, mas sim de forma que os alunos pudessem identificar padrões,
por exemplo, a diferença entre um quadrado e um retângulo não-quadrado.
Iniciamos o trabalho com a apresentação das figuras planas mais conhecidas, tais
como: triângulo, quadrado, retângulo, paralelogramo. Para cada figura mostramos suas
características e, tentávamos estabelecer algumas semelhanças entre elas, por exemplo, entre
um quadrado e um retângulo não-quadrado, entre um retângulo e um paralelogramo não-
retângulo.
Para conseguirmos trabalhar essas semelhanças e diferenças, discutimos as noções de
medida, paralelismo, perpendicularismo, ângulos. Por exemplo, para diferenciar um retângulo
de um paralelogramo não-retângulo olhamos para seus ângulos, que segundo os alunos, “é a
medida da “curvinha” que fica entre os lados da figura”. Por isso eles dizem que “o
paralelogramo é deitado, é mais pontudo”, pois a medida do ângulo é menor em uma parte.
Através desses questionamentos, percebemos que estes alunos não tinham uma
estrutura formada sobre o conceito de ângulo. O conceito que eles apresentavam era
“provisório”, ou seja, estava expresso de acordo com o conhecimento que eles haviam
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adquirido até então. Resolvemos então preparar um encontro somente tratando desse assunto.
Trabalhamos com a definição de ângulo, os ângulos mais conhecidos, os nomes que alguns
recebem, como usar um transferidor, etc.
Primeiramente, desenhamos no quadro a representação do ângulo, conforme a Figura
2.1.
Figura 2.1 – Representação do ângulo .
Definimos para os alunos que ângulo era a medida (tamanho) da abertura que os dois
segmentos apresentados tinham. Para isso desenhamos a “curvinha” que eles já conheciam.
Em seguida, desenhamos um ângulo de 90° e o apresentamos como ângulo reto. A
partir dele mostramos os ângulos agudo, obtuso e raso. Foram propostas algumas atividades
para que os alunos pudessem trabalhar com as definições apresentadas e também pudessem
trabalhar com o transferidor.
Durante estas atividades percebemos que o conceito que os alunos tinham de ângulo
não era aquele que definimos. Pois, com o uso do transferidor notamos que ângulo para eles
era a medida da “curvinha” que eles conheciam, ou seja, o tamanho dela. Então, para nos
certificarmos, desenhamos uma outra representação de ângulo, conforme a Figura 2.2.
Figura 2.2 – Representações para o ângulo .
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Questionamos então o que eles podiam dizer a respeito desses dois ângulos: a e b. A
afirmação deles: são diferentes. Estava confirmada a dúvida. Ângulo para aqueles alunos era a
medida da “curvinha”.
A partir dessa situação nos questionamos sobre o motivo que leva os alunos a
acreditarem que ângulo é a medida da “curvinha” desenhada. Será uma linguagem equivocada
do professor no momento da definição de ângulo? Será um conceito muito complicado para o
aluno compreender? Qual é a correta definição de ângulo?
Tais razões conduziram este trabalho, para tentar compreender quais podem ser as
causas que fazem o conceito de ângulo ser um tanto quanto difícil para o aluno compreender e
também para o professor ensinar.
3 INÍCIO DE DISCUSSÃO
3.1 OBJETIVOS
O principal motivo para a escolha deste tema foi devido a um momento em que alunos
apresentaram seu entendimento sobre ângulo. Inicialmente, o objetivo deste trabalho seria
apresentar os motivos que levaram os alunos a concluir que ângulo é a medida da “curvinha”
que o representa. Esses motivos podem estar relacionados tanto com a definição de ângulo,
como também pela maneira que este assunto é abordado pelo professor em sala de aula. Desta
forma, traduzimos essa inquietação inicial nos seguintes objetivos:
Investigar como o conceito de ângulo é entendido pelos alunos e se ele pode ser
trabalhado de uma maneira que fique mais acessível para compreendê-lo, apresentando
algumas abordagens que poderiam facilitar essa compreensão.
Admitindo como hipótese o entendimento provisório do aluno sobre ângulo, mostrar
algumas definições que apresentam o conceito de ângulo e também verificar como foi sua
construção histórica.
Apresentar alguns momentos de aprendizagem, vivenciados nas práticas docentes, que
podem ser analisados através da teoria pesquisada. Verificar assim, como pode um aluno se
comportar diante de uma situação e o que ele precisa saber para a aprendizagem acontecer.
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3.2 METODOLOGIA
Este trabalho se estruturou a partir de bibliografias pesquisadas que pudessem nos
trazer alguma contribuição sobre o assunto escolhido. Interpretamos alguns momentos
vivenciados nas práticas docentes com a teoria pesquisada.
Essas práticas docentes analisadas aconteceram em momentos distintos da graduação.
Refiro-me a momentos distintos, pois um deles aconteceu no início do curso, quando eu
acreditava que ângulo era um elemento fácil de ser compreendido, portanto, não levado muito
em conta por mim. Já, os seguintes momentos, aconteceram no final do curso, quando eu
“parei” e percebi de que tinha algo “estranho” naquelas situações de aprendizagem.
Uma das primeiras observações foi durante o trabalho realizado na disciplina de
Laboratório de Prática de Ensino-Aprendizagem em Matemática II, no segundo semestre de
2006. Elaboramos um relatório na qual descrevemos todas as atividades realizadas durante
aquele semestre e, a partir desse relatório, apresentei neste trabalho, alguns apontamentos e
colocações de alunos.
Já a observação que levou este trabalho a ser concretizado aconteceu durante a
primeira prática docente, na disciplina de Estágio em Educação Matemática II, no primeiro
semestre de 2008. Nessa disciplina desenvolvemos um projeto de geometria, realizado com
alunos de sexta série e oitava série do Ensino Fundamental.
Durante este projeto observei (conclui) que o conceito de ângulo tinha algumas
limitações para ser compreendido, portanto, devia ser melhor conhecido por mim e pelos
alunos para ser atribuído algum significado a ele. Significado no sentido de como podemos
tratar o assunto e de como ele foi tratado pelo aluno.
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A partir destas conclusões e destas constatações, buscamos nas bibliografias algumas
respostas para as nossas dúvidas e algumas considerações que podemos levar em conta
quando convivemos com situações em que são necessárias mais informações acerca do
assunto tratado.
4 ÂNGULO: CONCEITO E HISTÓRIA
A presente seção tem por finalidade mostrar as diversas definições, encontradas na
literatura, para ângulo. Uma das definições apresentadas é encontrada no livro de Geraldo
Dolce, Fundamentos de Matemática Elementar, v.9. Adotamos esta referência pois é a
bibliografia básica da disciplina de Geometria I, da UFRGS1. Igualmente, serão citadas
definições encontradas em diferentes artigos, que serão mencionados ao longo do texto.
Como a elaboração deste trabalho se deu a partir de dificuldades apresentadas por
alunos, podemos verificar que o professor deve tomar cuidado quando ele define certos
conceitos. No caso deste trabalho, a forma como o professor explica o conceito de ângulo
pode confundir o aluno e levá-lo a uma interpretação equivocada da definição.
Acreditamos que o conceito de ângulo é um elemento da Matemática que o aluno
precisa compreender, pois é o ângulo que nos faz distinguir, por exemplo, um retângulo de
um paralelogramo não-retângulo, ou, um losango não-quadrado de um quadrado. Mas, para o
aluno conseguir perceber tais diferenças é necessário entender o que realmente significa a
expressão “ângulo”.
Primeiramente, expomos as definições mais encontradas nas bibliografias pesquisadas
e, em seguida, abordaremos brevemente sobre a importância e necessidade do estudo de
ângulo.
1 Segundo o plano de ensino da disciplina de Geometria I, disponível em http://euler.mat.ufrgs.br/~comgradmat/planodeensino/082/082MAT01341.pdf.
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4.1 DEFININDO ÂNGULO
4.1.1 Primeira definição e alguns ângulos
Segundo Dolce (2005), define-se ângulo como “à reunião de duas semi-retas de
mesma origem, não contidas numa mesma reta (não colineares).” A definição é ilustrada
conforme a Figura 4.1.
Figura 4.1 - Ilustração da definição de ângulo.
Dolce (2005) também define interior e exterior de um ângulo. Essa definição é
importante pois ela facilita a compreensão de ângulo, evitando que esse seja confundido como
sendo a medida da “curvinha” desenhada entre duas retas.
Dolce (2005) define interior de um ângulo, por exemplo , como “a interseção de
dois semiplanos abertos, a saber: com origem na reta e que contém o ponto e, com
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origem em e que contém o ponto . Interior de . Os pontos do interior de
um ângulo são pontos internos ao ângulo” (DOLCE, 2005, p.20-21).
E, exterior de um ângulo como “o conjunto dos pontos que não pertencem nem ao
ângulo nem ao seu. O exterior de é a reunião de dois semiplanos abertos, a saber:
com origem na reta e que não contém o ponto (oposto ao ) e com origem na
reta e que não contém o ponto (oposto ao ). Exterior de . Os pontos
do exterior de um ângulo são pontos externos ao ângulo” (DOLCE, 2005, p.21).
Após as definições, de interior e exterior de um ângulo, podemos dizer que se ambas
forem tratadas como apresentadas aqui, isso poderá facilitar o entendimento do conceito de
ângulo quando esse for abordado em sala de aula. Pois, aqui, ambas as definições são tratadas
como lugar geométrico, assim, o ângulo pode ser visto como uma região entre duas semi-
retas, e não somente como o “traço” que se pode fazer entre as semi-retas.
Dolce (2005) também trata de várias definições relativas a ângulos, tais como: ângulos
consecutivos e adjacentes; ângulos opostos pelo vértice; congruência e comparação de
ângulos: reto, agudo, obtuso, nulo e raso; ângulo suplementar adjacente; ângulos
complementares e suplementares; medida e unidade de medida de ângulos.
Destacamos aqui a definição de ângulos reto, agudo e obtuso. Mas, primeiramente,
definimos ângulo suplementar adjacente conforme Dolce (2005) apresenta “Dado o ângulo
, a semi-reta oposta à semi-reta e a semi-reta determinam um ângulo que
se chama ângulo suplementar adjacente ou suplemento adjacente de .” (DOLCE, 2005,
p.26).
Portanto, temos:
• Ângulo reto é todo ângulo congruente a seu suplementar adjacente. A medida de um
ângulo reto é de .
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• Ângulo agudo é um ângulo menor que um ângulo reto. A medida de um ângulo
agudo é tal que
• Ângulo obtuso é um ângulo maior que um ângulo reto. A medida de um ângulo
obtuso é tal que .
4.1.2 Segunda definição
Uma segunda definição encontrada para ângulo é apresentada por Cláudio Arconcher,
num artigo elaborado para a Secretaria da Educação Básica, e que encontramos no site do
Ministério da Educação. Esta definição é apresentada da seguinte maneira “Considere duas
semi-retas de mesma origem, não opostas, contidas num plano . ... Dizemos que as semi-
retas e são os lados do ângulo e fazem parte dele.” (ARCONCHER, p.149).
Arconcher salienta que, para não haver ambigüidade na identificação do ângulo pela
notação tradicional , devemos providenciar nomes exclusivos para cada um deles, e ,
por exemplo. A Figura 4.2 ilustra a definição apresentada para ajudar na sua interpretação.
Figura 4.2 – Ilustração da definição apresentada por Arconcher.
Podemos notar que na segunda definição menciona-se o termo plano, que na primeira
está implícito. Essa definição, segundo Arconcher, facilitaria o entendimento do aluno
principalmente quando se estuda a Geometria Espacial, pois se pode planificar, por exemplo,
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a superfície lateral de um cone e verificar que esta é um setor circular, tendo-se assim o
ângulo destacado como uma região plana.
4.1.3 Terceira definição
Uma definição um pouco mais sofisticada de ângulo, encontrada num artigo publicado
por Antonio José Lopes (Bigode)2, é relacionar este com a idéia de rotação. Segundo Lopes,
Herder Lexikon define ângulo como “... a figura formada por duas semi-retas com origem
comum; pode ser formada pela rotação que leva uma semi-reta sobre a outra. A medida desta
rotação dá a grandeza do ângulo.”
Podemos verificar que existem muitas definições que apresentam o conceito de
ângulo, isso mostra que não existe uma definição ideal, ou seja, uma definição que seria capaz
de “servir” para qualquer contexto. Portanto, cabe ao professor analisar qual definição é mais
conveniente para ser trabalhada com seus alunos.
4.2 ÂNGULO NA HISTÓRIA
A história da matemática, segundo Eves (2004), tem sua origem um pouco contestada,
pois ela poderia ter diversos relatos iniciais. Influenciada pelos primeiros registros de Tales de
2 Artigo disponível em http://www.matematicahoje.com.br/telas/Autor/artigos/artigos_publicados.asp?aux=SemiRetas, acesso em: 30 jul. 2008.
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Mileto, por volta de 600 a.C., ou as primeiras representações de números e contagens,
poderiam ser o início da Matemática. Ou mesmo, seguindo a opinião que Platão defendia, que
consistia em dizer que a Matemática sempre existiu, e cabia a humanidade descobri-la.
Da mesma forma que a história da Matemática tem suas origens em discussão, a
história do conceito de ângulo também não apresenta uma origem precisa. Euclides em Os
elementos (300 a.C.) apresenta a seguinte definição “Ângulo plano retilíneo é a inclinação
recíproca de duas linhas retas, que se encontram, e não estão em direitura uma com outra.”
(EUCLIDES apud LORENZONI, p.10, 2003). Com esta definição, Euclides já se preocupava
com questões do tipo “Por que os ângulos da base de um triângulo isósceles são iguais?”.
Porém, em meados de 600 a.C, Tales de Mileto também utilizou a idéia de ângulo para
verificar a altura de uma das pirâmides egípcias. Através da semelhança de triângulos, estes
formados pela altura e sombra do sol projetada no chão, da pirâmide e de uma estaca fincada
no chão, concluiu que, no momento em que a sombra e a altura de cada objeto forem iguais
poderia se medir o comprimento da sombra projetada pela pirâmide e assim, encontraria a
altura dela. Neste caso, temos o ângulo de utilizado, intuitivamente, para encontrar a
altura da pirâmide.
Visto isso, podemos dizer que, como não se conhecia tal definição, o ângulo primeiro
foi utilizado e aplicado pelas civilizações (através de idéias intuitivas), sendo definido
somente mais tarde.
Por isso, registros históricos acreditam que a definição de ângulo se desenvolveu
intuitivamente. A construção dessa definição poderia aparecer devido a várias idéias
primitivas associadas a ângulo, por exemplo, o homem primitivo produzia suas flechas
sempre da maneira que pudesse facilitar sua caça e, podemos observar pela Figura 4.3, que
apresenta uma representação de flechas, elas eram sempre as que apresentavam uma ponta
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mais aguda. O motivo da ponta ser dessa forma é a maior facilidade com que essa penetrava
no animal na hora da caça.
Figura 4.3 – Representação de flechas fabricadas pelos homens primitivos.
Como muitos conceitos podem surgir a partir de necessidades encontradas,
acreditamos que a noção de ângulo também tenha aparecido pelo mesmo motivo. Outro fato
importante que podemos citar e que na antiguidade foi percebido pelos homens era que alguns
caminhos percorridos pelas montanhas cansavam mais que outros, ou seja, nessa situação
temos a idéia de inclinação, também podendo ser uma situação intuitiva relacionada a ângulo.
Segundo Boyer (1974), a Geometria poderia ser discutida a partir de duas teorias, uma
defendida por Heródoto e outra por Aristóteles. Heródoto acreditava que a geometria se
originava no Egito, pela necessidade prática de fazer novas medidas de terras a cada
inundação no vale do Rio Nilo. Sob essa visão, poderíamos pensar que a geometria surgiu a
partir de alguma necessidade, nesse caso, a mensuração. Outro exemplo de utilização da
noção de ângulo, pelos egípcios, poderia ser na construção das pirâmides, já que a inclinação
da face de uma pirâmide era equivalente ao que hoje conhecemos por cotangente.
Para Aristóteles, a geometria pode ter sido conduzida por uma classe sacerdotal,
objetivando seu lazer e seus rituais; podemos relacionar aqui a construção de templos e
altares.
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Porém, ambas as teorias são contestadas, pois não são encontrados registros escritos
confirmando que alguma delas possa ter originado as primeiras idéias, ou os primeiros
conceitos geométricos. Boyer (1974) nos diz que
Devemos ter em mente que a teoria da origem da geometria numa secularização de práticas rituais não está de modo nenhum provada. O desenvolvimento da geometria pode também ter sido estimulado por necessidades práticas de construção e demarcação de terras, ou por sentimentos estéticos em relação a configuração e ordem. Podemos fazer conjecturas sobre o que levou os homens da Idade da Pedra a contar, medir e desenhar. (BOYER, 1974, p. 5)
Os babilônios também não conheciam o conceito formal de ângulo, mas o utilizavam
em seus trabalhos. Foram encontrados fragmentos, datados do segundo milênio antes de
Cristo, que consistiam em primitivos planisférios, mais conhecidos como astrolábios,
utilizados, pelos antigos astrônomos, para “medir a altitude das estrelas, isto é, o ângulo de
elevação entre a estrela, o observador e o horizonte.” (LORENZONI, 2003, p.4). Estes
fragmentos revelam o quão interessados eram os babilônios pela astronomia e como,
intuitivamente, possuiam habilidades com a medição de ângulo.
Como já descrito na página 21, temos poucos registros históricos sobre as primeiras
definições de ângulo. Acreditamos que ângulo tenha sido utilizado intuitivamente e mais tarde
tenham surgido suas primeiras definições.
A definição apresentada por Euclides, descrita na página 20, pode ter sido umas das
primeiras formalizações do conceito de ângulo, juntamente com a definição de Aristóteles
(384 – 322 a.C.) que apresentava ângulo como uma deflexão ou uma quebra de linhas.
Após essas definições, alguns matemáticos (filósofos) também apresentaram seu
entendimento sobre ângulo, tais como Apolônio (séc. III a.C.)3 e Plutarco (séc. V)4. Ambos
apresentaram idéias diferentes sobre ângulo, talvez isso também mostre a dificuldade de
3 Apolônio definiu ângulo como “uma contração de uma superfície num ponto de uma linha quebrada ou uma contração de um sólido num ponto de uma superfície quebrada.” (Apolônio apud Heath, 1953 apud Lorenzoni, 2003).
4 Plutarco formalizou ângulo como “a primeira distância sob o ponto sob numa linha ou numa superfície quebrada” (Plutarco apud Heath, 1953 apud Lorenzoni, 2003).
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entender e definir ângulo, e também, qual das definições apresentadas pode ser a mais
conveniente.
Podemos notar que a origem da geometria é uma questão em aberto e que, por
conseqüência disso, podemos ter poucas informações quanto às primeiras manifestações do
conceito de ângulo. O que podemos discutir, e que já foi apresentado aqui, são as noções
intuitivas e primitivas e as possíveis formas de como podemos caracterizar ângulo.
5 APRENDIZAGEM DA GEOMETRIA (E DE ÂNGULO)
A geometria é um ramo da Matemática que estuda as formas planas e espaciais,
proporcionando a descoberta e a aprendizagem da realidade. Servindo também como
ferramenta para outras áreas do conhecimento. Incluímos aqui vários conceitos que
constituíram a geometria, por exemplo, seus postulados. Como ângulo é um elemento
fundamental conhecido na geometria, ele já se encontra incluído nela.
Existem várias teorias sobre a construção do conhecimento e que apresentam a
aprendizagem da geometria como uma construção dividida por fases, ou etapas, isto é, que
afirmam que somente temos capacidade de aprendermos algo quando estamos no tempo certo
para aprender.
5.1 TEORIA DE JEAN PIAGET: DESENVOLVIMENTO COGNITIVO E GEOMÉTRICO
Uma das principais teorias do conhecimento foi proposta por Jean Piaget, descrita em
Teorias de Aprendizagem por Anamaria Píffero Rangel (2004). Biólogo por formação, ele
elaborou uma explicação para o desenvolvimento do conhecimento humano. Para Piaget, o
conhecimento adquirido ao longo da vida era resultado da interação com o meio, podendo ser
tanto físico como social. A partir dessas considerações, Piaget apresentou etapas da vida em
que poderíamos “encaixar” cada fato novo conhecido ou aprendido.
28
5.1.1 Teoria da aprendizagem
Piaget definiu alguns momentos da nossa vida como etapas ou estágios de
desenvolvimento do conhecimento. Esses estágios são sucessivos, ou seja, “cada um deles é,
ao mesmo tempo, o resultado das possibilidades abertas pelo anterior e a condição necessária
do seguinte. Todo estágio inicia por uma reorganização, num outro nível, das principais
aquisições do estágio anterior.” (RANGEL, 2004, p.47).
Piaget citou ainda quatro fatores fundamentais que são necessários para a construção e
organização do conhecimento: maturação, experiência, transmissão e equilibração. Esses
quatro fatores são importantes para o desenvolvimento cognitivo, pois auxiliam, estruturam e
fundamentam as informações às quais somos submetidos, principalmente quando nos
referimos ao fator equilibração, que, acreditamos, integra os anteriores, pois “equilibração é
uma compensação ou uma correção de uma perturbação que originou a busca de uma
solução”(RANGEL, 2004, p.45), ou seja, ela estrutura os fatores anteriores organizando-os e
assim, buscando o conhecimento.
Os quatro estágios do desenvolvimento cognitivo, apresentados por Piaget, serão
apresentados, brevemente, aqui.
O primeiro deles, chamado sensório motor, é o ponto de partida no desenvolvimento
cognitivo. Este estágio, definido, aproximadamente, para crianças de zero a dois anos de
idade, mostra as ações motoras como base para o desenvolvimento. Trabalha principalmente
com os reflexos, tais como pegar e sugar e, a partir deles, a criança vai armazenando
informações. Manusear e explorar objetos, repetição das ações de adultos e o início da
linguagem são características deste estágio.
29
O próximo, denominado período pré-operatório, define o comportamento da criança
de, aproximadamente, dois aos seis anos (em média). Nesta etapa as informações
armazenadas do primeiro estágio começam a se contextualizar e conceituar através do
pensamento. Ela identifica objetos simbolicamente e consegue agir sobre eles, chegando
assim aos seus objetivos. Próximo dos seis anos a criança já pode estar capacitada para
desenvolver as operações lógicas.
As próximas etapas são denominadas período operatório concreto e formal. Ambos
apresentam a característica de um desenvolvimento mais estruturado, onde se consegue
construir opiniões e integrações com a sociedade. É nesse estágio que alguns conceitos
estudados começam a se “organizar” e, quando estudados com outros conteúdos, fazem algum
sentido. Durante esse período é importante que sejam apresentadas as diferentes formas de se
abordar um assunto, pois como algumas estruturas já estão formadas, existe uma maior
possibilidade do conteúdo ser melhor compreendido em sala de aula.
Verificamos que esses estágios de desenvolvimento cognitivo são uma possível
maneira de organizar as fases de aprendizagem da nossa vida. Através dessa organização
conseguimos saber em qual etapa podemos trabalhar determinados conteúdos com as crianças
e/ou adolescentes.
Na construção do conhecimento geométrico as teorias não são tratadas de modo
diferente. Precisamos passar por diversas fases do processo cognitivo para compreendermos o
real significado de qualquer ente geométrico.
30
5.1.2 Teoria da aprendizagem geométrica
No capítulo oito do livro “Concepcion de la geometria en el niño segun Piaget” de
Holloway (1969), é abordado o tema “Medicion angular”. Neste capítulo, Holloway apresenta
a investigação que Piaget realizou em crianças para verificar como o conceito de ângulo é
construído, desenvolvido e entendido pelas crianças.
A investigação se apresentou de forma equivalente aos níveis de aprendizagens
apresentados na seção 5.1.1. Primeiramente, Holloway apresenta a forma como Piaget
realizou sua pesquisa em relação ao conceito de ângulo, descrita no capítulo 6, e que é o foco
do nosso trabalho. Em seguida, ele também apresenta uma investigação de como as crianças
desenham um triângulo e como elas compreendem que a soma dos ângulos internos de um
triângulo é sempre .
5.2 MODELO DE VAN HIELE
Em meados dos anos 50, Dina van Hiele Gedof e Pierre van Hiele, citados por
Kubiczewski (2002) propuseram um método de ensino baseado no desenvolvimento do
pensamento geométrico. Da mesma forma que Piaget apresentou estágios de desenvolvimento
cognitivo, foram apresentados níveis que poderiam auxiliar no ensino da geometria, estes
níveis também podem ser considerados fundamentais para a organização de um currículo de
geometria.
A proposta, conhecida como Modelo de Van Hiele, apresenta cinco níveis:
31
• nível básico: onde há visualização e reconhecimento de formas através da
aparência física;
• nível de análise: reconhecimento das características e propriedades dos
elementos geométricos, mas sem relações entre esses elementos;
• nível de dedução informal: relação entre características e propriedades de
formas geométricas, mas não há possibilidades de demonstrações formais e
construções lógicas;
• nível de dedução: compreensão da geometria através da relação entre axiomas,
definições, postulados e, suas demonstrações;
• nível do rigor: exige mais atenção devido a relação entre vários sistemas
axiomáticos, compreendendo também a geometria não-euclidiana.
Para atingir o próximo nível é fundamental que o anterior esteja bem estruturado pelo
aluno. Pois, em cada nível são passadas informações necessárias para o nível seguinte, já que
eles obedecem uma seqüência, onde cada qual apresenta sua linguagem e seu modo de
abordagem.
Portanto, seguindo essa linha de raciocínio, seria mais produtivo o professor
considerar o nível em que o aluno está para o desenvolvimento do conteúdo, já que assim ele
poderia se colocar ao nível do aluno, facilitando a aprendizagem e ambos estariam se
remetendo às mesmas dúvidas, da mesma maneira. Dizemos isso, pois talvez, em alguns
momentos, os alunos não conseguem compreender certo conteúdo devido ao fato do professor
não utilizar uma linguagem que ele compreenda e, no momento em que o professor consegue
se colocar na posição de aluno, isso pode ser evitado.
32
5.3 MAIS ALGUMAS CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS
Duval (2005), citado por Almouloud (2003), também apresenta três processos
cognitivos que ocupam funções epistemológicas e que são, segundo ele, necessários para um
bom entendimento da geometria:
• a visualização, para a exploração heurística de alguma situação;
• a construção de ações realizadas e de resultados observados através da
representação de algum objeto matemático;
• o raciocínio, sendo o processo para conduzir a explicação.
Os processos cognitivos apresentados acima podem contribuir no desenvolvimento do
conhecimento do aluno, pois proporcionam o trabalho do espaço perceptivo (o “perceber” do
conceito) e representativo (a representação do conceito). O desenvolvimento desses planos
pode se dar através da contribuição do professor como um mediador no processo de
ensino/aprendizagem, auxiliando assim na formação do aluno.
Refletindo sobre o desenvolvimento cognitivo e sobre como podemos relacioná-los
com o ensino de geometria, Lúcia Moysés (2000), citada por Leivas (2004), apresenta
algumas contribuições para um ensino de geometria de qualidade, tais como: contextualizar a
matemática e seu ensino para que o aluno perceba seus significados; relacionar, com o aluno,
os significados, considerando a parte e o todo do objeto em estudo; proporcionar aplicações
na realidade dos objetos estudados. Esses aspectos são somente uma pequena abordagem do
que é necessário considerar quando discutimos o ensino de geometria.
Partindo de aspectos como os apresentados anteriormente, podemos tratar do ensino de
geometria como uma forma de contextualizar a matemática na nossa realidade, já que não é
muito difícil relacionar, nesse caso, a matemática com o cotidiano. Sendo assim, conseguimos
33
ter uma abordagem mais concreta dos entes geométricos, portanto, podemos relacionar os
significados presentes. Citamos aqui, por exemplo, a construção de uma sala de aula, que tem
por necessidade o conhecimento de formas geométricas, suas relações no espaço, medidas,
ângulos, etc.
As discussões sobre as formas de como poderíamos trabalhar a geometria surgem a
partir de problemas encontrados no ensino e na dificuldade que os alunos apresentam nessa
área. Segundo Almouloud (2003), a maioria dos problemas relacionados à geometria tem
origem didática e lingüística. Este autor cita alguns exemplos, tais como, a dificuldade que os
alunos apresentam em interpretar os problemas e de produzir uma explicação para a solução
destes, mostrando assim uma limitação ao vocabulário básico de um texto; a não-
compreensão de alguns entes matemáticos é um obstáculo para a demonstração de algumas
propriedades. Alguns livros didáticos também não apresentam problemas que envolvem
interpretação de textos matemáticos, dificultando o ensino e a aprendizagem.
Com isso, podemos verificar a importância de definirmos de forma conveniente
qualquer elemento matemático. A maneira como ele se apresenta, através de linguagem ou
escrita, é fundamental para ser bem compreendido, tanto pelo professor como pelo aluno.
Pirola (1995) enumera alguns atributos que devem ser levados em conta quando
pretendemos apresentar algum conceito novo:
• aprendibilidade: a facilidade de compreensão de alguns conceitos frente a
outros. Na geometria podem-se levar exemplos concretos para ensiná-los;
• perceptilidade de exemplo: a geometria apresenta muitos exemplos que podem
auxiliar da compreensão de conceitos;
• utilidade: mostrar, se possível, a utilidade do conceito em questão, podendo ser
através da resolução de problemas;
34
• generalidade: trabalhar com conceitos mais gerais e tentar chegar a uma
particularidade, por exemplo, trabalhar os diversos polígonos chegando em
triângulos e em seguida, em ângulo;
• numerosidade de exemplos: sempre que possível, apresentar muitos exemplos e
solicitar que os próprios alunos dêem exemplos do conceito trabalhado.
Levando em conta esses atributos, podemos abordar o conceito de ângulo de uma
maneira que faça o aluno refletir sobre a definição apresentada, que ele possa verificar como o
ângulo define as diversas figuras planas e como ele está presente em nosso cotidiano.
Seguindo a possibilidade de podermos mostrar o ângulo em situações do nosso
cotidiano, Bairral (2002) apresenta em seu artigo “Aulas diferentes de Matemática: o caso dos
ângulos” uma série de alternativas que podem ser consideradas para trabalhar o ângulo de
forma intuitiva, não entrando na linguagem matemática rigorosa. Bairral apresenta o artigo
como sendo uma forma de despertar no professor como está sendo sua prática em relação ao
ensino de ângulo e que, com isso não é necessário esperar chegar na quinta série para ser
trabalhado esse conteúdo.
Algumas das alternativas apresentadas por Bairral estão descritas no capítulo 6.
6 RELACIONANDO TEORIA COM PRÁTICA
Um bom entendimento sobre os conceitos de geometria pode ser algo difícil de ser
alcançado. Principalmente, quando não é levada em conta a melhor maneira de trabalho de
cada conteúdo.
No capítulo 5, vimos que, visando o aprendizado de geometria, podemos trabalhá-la
através de etapas de aprendizagem, ou seja, podemos organizar níveis que definem a
seqüência na qual os conteúdos são abordados por vez, assim, seguiríamos uma linha de
raciocínio que poderia contribuir no desenvolvimento cognitivo dos alunos e facilitaria o
entendimento de alguns conceitos trabalhados.
Como foi descrito no capítulo 2, este trabalho se originou de uma situação em que
alunos do Ensino Fundamental expressaram seus conhecimentos sobre o conceito de ângulo,
demonstrando um entendimento equivocado e confuso sobre o que seria ângulo. Um semestre
após essa situação, presenciei outra situação semelhante com alunos do Ensino Médio.
Tal situação aconteceu na disciplina de Estágio em Educação Matemática III, na qual
realizei minha prática docente. Ao abordar, em geometria espacial, prismas retos e oblíquos,
perguntei aos alunos o que eles entendiam pela palavra ângulo, e, para minha admiração, a
resposta dada por eles remetia à mesma resposta dos alunos do Ensino Fundamental.
O que mais intriga nessa constatação é que alunos do Ensino Fundamental e Ensino
Médio demonstram ter o mesmo entendimento sobre ângulo. Apesar de alunos do Ensino
Médio apresentarem um maior tempo com o convívio escolar, no sentido de terem
experimentado um maior número de conteúdos, os alunos com os quais eu trabalhei, mesmo
assim, ainda não haviam construído o conceito.
36
O que aconteceu (ou não aconteceu) a esses alunos para que eles não tenham
aprendido tal conceito? Como eles conseguiram passar por outros conteúdos, que dependiam
do conceito de ângulo, se nem ao menos tinham uma compreensão do significado do ângulo
na geometria?
Como apresentado no capítulo 5 deste trabalho, para auxiliar o aluno no momento em
que se trabalha algum conceito, seja ele qual for, é sempre importante contextualizá-lo no
cotidiano do aluno, mostrando suas aplicações e buscando alternativas, para não ficar somente
no nível do material didático. E, mesmo que este conceito apresente várias definições,
podemos mostrá-las, cada qual em seu contexto, delimitando-as e trabalhando-as através de
sua importância.
O ensino da geometria, como já abordado na seção 5.2 , seria melhor aproveitado se
fossem obedecidas algumas etapas da aprendizagem da criança. Assim, a compreensão de
certos conteúdos seria melhor estruturada pelo aluno e conseqüentemente, ele conseguiria
fazer uma relação entre diferentes assuntos.
6.1 A TEORIA DE PIAGET EM RELAÇÃO AO CONCEITO DE ÂNGULO
Da mesma forma que Piaget definiu níveis para o desenvolvimento cognitivo, ele
investigou como o conceito de ângulo poderia ser desenvolvido ou, abstraído pela criança.
Acabou encontrando que, mesmo sendo um dos conceitos mais elementares da geometria, a
noção de ângulo se desenvolve muito lentamente na mente das crianças. Apesar de estar
presente em nosso meio, o conceito é difícil de ser compreendido.
37
Hollway (1969) traz em seu livro “Concepcion de la geometria en el niño segun
Piaget” algumas considerações sobre a pesquisa realizada por Piaget. Para a realização dessa
pesquisa, era necessário, primeiramente, compreender o significado do diagrama apresentado
por Piaget, semelhante ao da Figura 6.1, que consistia na definição de ângulo.
Para Piaget, a partir desse diagrama, definimos ângulo como a relação entre os
comprimentos dos braços e e, a distância entre eles. Ou seja, construindo triângulos a
partir de retas perpendiculares a , cortando , conseguimos dizer que as distâncias entre
os segmentos e são proporcionais, através de semelhança de triângulos. Com esta
mesma idéia, conseguimos dizer que as representações que fazemos para o ângulo (a famosa
“curvinha”) também são proporcionais, portanto, correspondendo ao mesmo ângulo.
Figura 6.1 - Diagrama apresentado por Piaget.
Hollway (1969) apresenta a forma de como foi realizada a investigação de Piaget e,
também apresenta os resultados obtidos em cada idade relacionada. Piaget desenvolveu a
investigação de forma similar aos níveis de aprendizagem. Foram estudadas crianças de
quatro a dez anos (aproximadamente) e seu objetivo foi verificar como esse conceito é
desenvolvido e percebido por elas.
Piaget apresentou às crianças o diagrama e solicitou que elas o reproduzissem, o
estudassem e medissem o ângulo da maneira mais conveniente a elas. Também foram
fornecidas às crianças ferramentas de medição, tais como régua (não graduada), compasso,
tiras de papel, pedaços de corda, etc.
As crianças de quatro a seis anos adotaram como critério para calcular a medida do
ângulo o cálculo visual, elas também não acreditavam na importância dos instrumentos de
medida de ângulo, como o compasso.
38
Já nas crianças de sete a sete anos e meio, começam a aparecer as primeiras
“vontades” de medir, ainda que seja por alguma unidade de medida maior que a linha
desenhada. Medem, primeiramente, as linhas e , por exemplo, mas não são capazes de
medir o ângulo, ou a inclinação de .
Quando foram analisadas as crianças de sete anos e meio a oito anos e meio, Piaget
percebeu que elas não enxergavam dois ângulos, mas percebiam o encontro de duas linhas
retas. No entanto, reproduziam o desenho com cuidado, apresentando as retas e inclinações de
forma precisa através das ferramentas fornecidas.
Até os nove anos as crianças já compreendem a figura como um sistema de ângulos.
Elas conseguem localizar o ponto e medir , mas ainda não constroem
a perpendicular de a . Em torno de dez anos as crianças já formam uma estrutura e
conseguem fazer uma correspondência entre o comprimento dos braços e a distância entre
eles. Conseguindo, dessa maneira, perceber que existe uma proporção entre as distâncias dos
braços e dizer que essa proporção é equivalente ou, também existe, quando desenhamos
diversas “curvinhas”.
6.2 COMPARANDO TEORIA E PRÁTICA
Comparando as crianças de aproximadamente dez anos de idade, pesquisadas por
Piaget, e os alunos com os quais trabalhei e citei no capítulo 2, percebemos que os alunos
entendiam o ângulo como a medida da “curvinha” representada, não apresentando a estrutura
que poderia fazê-los concluir que existe uma proporção entre diversas “curvinhas” desenhadas
39
na mesma abertura. E, mesmo esses alunos tendo em torno de doze anos a dezessete anos não
conseguiam estabelecer essa relação.
Para trabalhar com a turma de Ensino Fundamental, durante a disciplina de Estágio em
Educação Matemática II, foram propostas algumas atividades para verificar o entendimento
dos alunos sobre ângulo. As atividades foram diversas, mas algumas delas exigiam a
utilização do transferidor, ferramenta para medir ângulo. Alguns dos alunos não conheciam o
transferidor e nem sabiam sua finalidade, outros não sabiam como utilizá-lo, mas o conheciam
e, outros já haviam utilizado, mas não lembravam naquele momento.
A Atividade 1 foi proposta com o objetivo dos alunos trabalharem com o transferidor.
Atividade 1: Você deverá medir cada ângulo abaixo com o auxílio do transferidor e
classificá-los de acordo com suas aberturas:
medida do ângulo:________________ classificação:____________________
medida do ângulo:________________ classificação:____________________
medida do ângulo:________________ classificação:____________________
medida do ângulo:________________ classificação:____________________
medida do ângulo:________________ classificação:____________________
medida do ângulo:________________ classificação:____________________
40
medida do ângulo:________________ classificação:____________________
medida do ângulo:________________ classificação:____________________
medida do ângulo:________________ classificação:____________________
Para os alunos que não conheciam o transferidor e sua finalidade, essa atividade se
apresentou difícil. Como a definição de ângulo foi apresentada antes dessa atividade, a maior
dificuldade apresentada foi na utilização do transferidor.
Conforme mostrado no enunciado da Atividade 1, a definição apresentada aos alunos
remete o ângulo à “abertura entre duas retas”. Sendo assim, com a ajuda do transferidor, eles
conseguiram entender que o ângulo não é a medida da curvinha, como eles conheciam, mas
sim, essa abertura.
A primeira dificuldade apresentada pelos alunos foi na forma de como utilizar o
transferidor, já que eles não o conheciam, e de como precisamos “colocá-lo no papel” para
medir o ângulo. A maior dificuldade apresentada foi na medida dos ângulos maiores que
, já que os transferidores utilizados eram somente até . Porém, para alguns alunos,
determinados ângulos não poderiam ser medidos. O motivo seria o tamanho de um dos
segmentos que o definia, esse segmento não atingia a graduação do transferidor e assim, eles
não poderiam dar a medida do ângulo. Ou seja, esses alunos não entendiam que se pode
estender um segmento o quanto se quer, de modo a chegar na graduação do transferidor.
Percebemos que, mesmo esses alunos já estarem nos últimos anos do Ensino
Fundamental, eles ainda não tinham estruturado a noção de infinidade de uma reta e não
41
compreendiam que podemos somar dois ângulos para se obter um maior que . Piaget
encontrou o primeiro problema em crianças de, aproximadamente, sete anos de idade.
A Atividade 1 também foi desenvolvida na disciplina de Laboratório de Prática de
Ensino-Aprendizagem em Matemática II, no segundo semestre de 2006, com alunos de quinta
e sexta série do Ensino Fundamental. Porém, nesse caso, utilizamos um transferidor sem
graduação, conforme Figura 6.2.
Figura 6.2 - Transferidor não-graduado.
Utilizamos este transferidor para os alunos medirem os ângulos dados através da
contagem de cada marcação do transferidor e/ou da comparação com os ângulos mais
conhecidos, como , , e . Através do relato de um aluno, percebemos que ele
conseguiu compreender que não precisamos, necessariamente, de um transferidor para medir
um ângulo, porque podemos compará-lo com um ângulo que conhecemos e calcular,
aproximadamente, qual sua medida. Um aluno apresentou o seguinte relato “... A segunda
atividade era para nós desenharmos uma figura e dizermos quanto achamos que é o ângulo, e
depois confirirmos se esta certo. Conclusão: Eu tirei várias conclusões sobre a aula vou citar
uma que achei mais importante: Que pode saber a medida do ângulo só olhando para a
figura...”.
Nesta situação, já verificamos que uma alternativa possível para se medir um ângulo é
compará-lo com outro já conhecido, e um transferidor não graduado é um meio para tornar
mais acessível essa comparação, não fazendo da atividade um simples processo mecânico de
medição.
42
6.3 ALTERNATIVAS DE ENSINO-APRENDIZAGEM DE ÂNGULO
Por estes exemplos apresentados, vimos que, atividades envolvendo o conceito de
ângulo com algum outro conceito geométrico, por exemplo, ângulos em polígonos, talvez
nem sempre sejam uma boa alternativa para fazer o aluno compreender seu significado. Como
já abordado neste trabalho, sempre é importante relacionar conteúdos trabalhados com algo do
nosso cotidiano, algo que possa se aproximar ao máximo da definição matemática sem entrar
propriamente no rigor da matemática.
Partindo dessa perspectiva, podemos citar novamente o Modelo de Van Hiele, descrito
na seção 5.2, que propõem em um primeiro momento trabalhar com a visualização e o
reconhecimento físico dos conceitos. O ângulo deve ser bem trabalhado e compreendido nesse
estágio, na própria forma que o Modelo sugere: a partir da visualização e da caracterização
física.
Bairral (2002) elaborou um trabalho onde são abordadas algumas situações simples,
que acontecem a todo momento conosco e que podem ser aproveitadas para remeter o estudo
de ângulo. Por exemplo, quando movemos nosso corpo para observar algum objeto, como a
situação da Figura 6.3; quando observamos nossa sombra projetada do chão, devido a alguma
luz incidente que, conforme a posição dessa luz, nossa sombra fica menor ou maior.
Figura 6.3 - Inclinação do corpo.
43
Ângulo também pode ser considerado como uma mudança de direção. Por exemplo,
quando estamos caminhando numa certa rua e precisamos tomar uma rua transversal a essa,
no momento em que chegamos nessa rua precisamos mudar nossa direção, ou seja, tomar um
ângulo que nos faça caminhar pela rua desejada.
O campo de visão que uma pessoa apresenta também está associado ao conceito de
ângulo. Este exemplo pode ser tratado, por exemplo, nas embarcações, pois é necessário ter
um bom espaço visível para controlar a viagem, e isso depende do lugar que se toma na
embarcação. Conforme a Figura 6.4, podemos verificar que, dependendo do lugar, a
visibilidade é maior do que em outros.
Figura 6.4 – Diferentes lugares de observação.
Como já nos referimos a embarcações e viagens marítimas, lembramos da rosa-dos-
ventos. Ela é uma maneira de organizarmos os pontos de localização geográfica para
conseguirmos nos orientar. Sendo assim, se alguma viagem está tomando o rumo Norte,
precisamos saber qual a medida da direção que temos que seguir para tomarmos o caminho do
rumo Nordeste, por exemplo.
Os exemplos mencionados acima remetem à definição de ângulo, dada na seção 4.1,
como sendo a rotação (ou mudança de direção) de algum objeto, do nosso corpo, do nosso
44
olhar, ou seja, conseguimos trabalhar com a definição de ângulo com o nosso próprio corpo,
sendo assim, uma maneira mais agradável para alguém aprender um conceito.
Bairral (2002) também sugere um trabalho com ângulo através de situações dinâmicas
ou estáticas. Na idéia de estática podemos dar como exemplos o encontro das paredes e a
importância da “triangulação” em construções, devido à rigidez. Idéias dinâmicas podem ser
exploradas em poliedros, construídos a partir de uma face fixa e outras faces flexíveis
construídas por elásticos, por exemplo.
Essas alternativas para o ensino de ângulo, apresentadas por Bairral, são uma forma de
investigar a importância do ângulo em cada situação e, quando for abordado esse assunto na
geometria, a relevância dele se torna mais compreensível, não sendo mais necessário o
desenho da “curvinha” para representá-lo.
Através das diferentes situações de aprendizagem apresentadas, podemos verificar que
existem alternativas relacionadas ao cotidiano que facilitam o trabalho e a compreensão de
alguns conceitos. Sendo assim, podemos introduzi-los sem a necessidade de trabalharmos
com o rigor e a linguagem matemática, já que ambas as características, em certos momentos,
se apresentam difíceis de serem entendidas.
Tratando ângulo não somente através de suas definições matemáticas, as crianças
conseguem lhe atribuir diferentes significados e reconhecê-lo em seu dia-a-dia. Esse
reconhecimento pode ser uma maneira dos próprios alunos construírem o significado
matemático de ângulo, através da reflexão sobre as situações apresentadas com as possíveis
comparações geométricas.
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho procurou apresentar algumas considerações sobre o conceito de ângulo.
Abordamos tanto definições, quanto perspectivas históricas e de ensino-aprendizagem. É
importante destacar que a construção deste trabalho partiu de experiências vividas nas práticas
docentes ao longo do curso de Licenciatura em Matemática, nas quais realizamos a coleta de
dados, ou seja, levamos em conta como o ângulo foi entendido por alguns alunos, sem a
pretensão de generalizar a situação experimentada.
Verificamos que não existe somente uma definição para ângulo. Temos, pelo menos,
três formas de caracterizá-lo e apresentá-lo. Consideramos esse fato como um elemento que
dificulta tanto a abordagem escolhida pelo professor quanto a compreensão do aluno acerca
do tema. Assim, podemos pensar em ângulo como um elemento que merece cuidado no
momento de sua abordagem, já que, para alguns alunos, ele pode ser entendido como a
medida da “curvinha” que o representa, o que verificamos nas experiências com alunos.
Sua origem histórica se construiu intuitivamente e se desenvolveu sob essa
perspectiva, ou seja, primeiramente o ângulo foi utilizado para mais tarde ser proposta uma
definição a ele. Dessa forma, podemos verificar que sua abordagem, sob a perspectiva
histórica, poderia fornecer uma abordagem para ângulo em sala de aula, o que talvez
facilitaria sua compreensão.
Considerando as formas de trabalhar o ângulo em sala de aula, verificamos que é um
conceito que pode ser difícil de ser abordado e compreendido, se considerarmos somente sua
linguagem matemática. Um possível facilitador seria levar em consideração os níveis de
aprendizagem. Cada nível apresenta uma possível estrutura para se trabalhar ângulo, onde é
respeitada uma seqüência de informações que podem favorecer a aprendizagem, já que é
46
levado em conta a construção do conceito e o “amadurecimento” do aluno a cada novo
conteúdo experimentado.
Como descrito no Capítulo 6, Piaget investigou como o elemento ângulo pode ser
percebido pelas crianças e apresentou alguns resultados de sua investigação. Comparando
com a experiência vivida nas práticas docentes, percebemos que os alunos citados neste
trabalho ainda apresentavam um conceito provisório sobre o que significa ângulo, ou seja,
para eles o conceito de ângulo estava definido como sendo a medida da “curvinha” usada para
representá-lo. Pensando em alternativas para o ensino deste conceito e para facilitar a
compreensão do aluno, apresentamos algumas abordagens intuitivas do mesmo. Sugerimos a
utilização de situações do nosso cotidiano, que envolvem esse conceito, como uma maneira de
auxiliar na sua abordagem e no seu entendimento.
Como, para este trabalho, não foi possível realizar uma investigação sobre como seria
a “reação” do aluno diante da utilização de alternativas para a compreensão do conceito de
ângulo, cabe ao professor, ou futuro professor, verificar se, utilizando as estratégias
apresentadas neste trabalho, é possível facilitar a compreensão do aluno sobre ângulo.
REFERÊNCIAS
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