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Alfabetização para a infância:práticas etnográficas

Universidade Federal da Bahia

ReitoraDora Leal Rosa

Vice-ReitorLuiz Rogério Bastos Leal

Editora da UniversidadeFederal da Bahia

DiretoraFlávia M. Garcia Rosa

Conselho EditorialAlberto Brum Novaes

Ângelo Szaniecki Perret SerpaCaiuby Alves da CostaCharbel Ninõ El-Hani

Dante Eustachio Lucchesi RamacciottiEvelina de Carvalho Sá HoiselJosé Teixeira Cavalcante Filho

Maria Vidal de Negreiros Camargo

Material produzido com financiamento da Fundação Coordenação de Pessoal de Nível Superior – CAPES.

Ana Katia Alves dos SantosMaria Anete Marçal de Souza

Myrla Duarte de Almeida(Organizadoras)

COLEÇÃO PIBID PEDAGOGIA - UFBA

VOLUME II

Alfabetização para a infância:práticas etnográficas

EDUFBASalvador

2012

© 2012 by autoresDireitos para esta edição cedidos à Editora da Universidade Federal da Bahia. Feito o depósito legal.

Josias Almeida Jr. - Projeto gráfico e capaAmanda R. L. Carrilho - EditoraçãoAdriana Caxiado - NormalizaçãoCida Ferraz - Revisão

Sistema de Bibliotecas - UFBA

Alfabetização para a infância : práticas etnográficas / Ana Kátia Alves dos Santos, Maria Anete Marçal de Souza, Myrla Duarte de Almeida (Organizadoras). - Salvador: EDUFBA, 2012. 166 p. - (Coleção PIBID Pedagogia - UFBA ; v. 2)

ISBN 978-85-232-0861-5

1. Alfabetização de crianças - Salvador (BA). 2. Alfabetização - Salvador (BA). 3. Prática de ensino. 4. Etnologia. I. Santos, Ana Kátia Alves dos. II. Souza, Maria Anete Marçal de. III. Almeida, Myrla Duarte de. IV. Série.

CDD - 372.4098142

Editora afiliada à

EDUFBARua Barão de Jeremoabo, s/n Campus de OndinaCEP 40.170-115 Salvador-Bahia-BrasilTelefax: (71) 3283-6160/[email protected] www.edufba.ufba.br

A tarefa do professor no dia-a-dia de sala de aula é extremamente complexa, exigindo decisões

imediatas e ações, muitas vezes, imprevisíveis. Nem sempre há tempo para distanciamento e para

uma atitude analítica como na atividade de pesquisa. Isso não significa que o professor não deva

ter um espírito de investigação. É extremamente importante que ele aprenda a observar, a formular

questões e hipóteses e a selecionar instrumentos e dados que o ajudem a elucidar seus proble-

mas e a encontrar caminhos alternativos na sua prática docente. E nesse particular os cursos de

formação têm um importante papel: o de desenvolver, com os professores, essa atitude vigilante

e indagativa, que os leve a tomar decisões sobre o que fazer e como fazer nas suas situações de

ensino, marcadas pela urgência e pela incerteza.

Marli André, 2001.

Sumário

Apresentação......................................................................................................9Introdução..........................................................................................................11

PARTE I - Bases conceituais e relatos de experiências: aproximações entre práticas etnográficas e alfabetização

CAPÍTULO 1A valorização da etnografia em práticas alfabetizadoras para a infância...............17

Ana Katia Alves dos Santos, Hildonice de Souza Batista

CAPÍTULO 2Experiências e práticas significativas do trabalho com projetos arte-educadores na Escola Ruy de Lima Maltez................................................................................41

Ana Cristina França Bastos Guimarães, Juliana Santos Silva, Luciane Pereira Fernandes,Mariana Capinã Vitoriano da Silva, Nana Karini Lopes Carvalho,Janaina Garcia Vaz Pinto, Patrícia Sierpinska Nogueira

CAPÍTULO 3Práticas alfabetizadoras na Escola Municipal Vivaldo da Costa Lima....................65

Álice Quele Leal Nascimento, Cilia Silva dos Santos, Eliete Farias da Silva,Flavia Nascimento Silva, Geruza do Nascimento Santana,Rafaela Noronha Ritter, Maria Valéria de Oliveira Oliveira

PARTE II - Experiências teórico-metodológicas alfabetizadoras fundamentadas no Estatuto da Criança e do Adolescente e nas tecnologias educacionais

CAPÍTULO 4Concepções teórico-metodológicas da alfabetização baseadas no Estatuto da Criança e do Adolescente..............................................................................................107

Camila de Andrade Coelho Silva, Sarah Louise Silva Santana

CAPÍTULO 5Tecnologia educacional: possibilidades para a prática pedagógica cidadã............121

Ana Paula de Souza, Eunice Uzeda, Vitor Reis

CAPÍTULO 6Memórias de uma experiência de implementação do Estatuto da Criança e do Adolescente em escolas municipais...................................................................143

Micheline Fernandes, Tânia Passos, Fulvia de Aquino Rocha

À guisa de conclusão........................................................................................165

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Apresentação

O segundo volume da Coleção Alfabetização para a infância finaliza e descreve as experi-ências práticas realizadas ao longo de dois anos de vigência do projeto do curso de Pedagogia do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência – PIBID, fruto do processo de intervenção, estudos e pesquisa dos bolsistas licenciandos do referido curso.

Vigente desde 2008, este programa do Governo Federal busca oportunizar a iniciação à docência e a valorização das licenciaturas, e, de forma paralela, vem fortalecendo e inten-sificando o apoio às ações voltadas ao processo de alfabetização e da educação básica. O PIBID – Pedagogia está especialmente voltado para o acesso de crianças à alfabetização e à garantia de qualidade desse processo, visando à conquista de habilidades e competências de leitura, escrita e compreensão crítica do mundo, para efetivo alcance da cidadania.

O PIBID – Pedagogia, em seu processo de formulação e estudos teórico-práticos funda-mentou-se, especialmente, na concepção de pesquisa etnográfica, esta que, ao longo dos dois últimos anos, serviu de base para a análise e a reflexão sobre a realidade educativa. Por isso, este segundo volume intitula-se Alfabetização para a infância: práticas etnográficas.

O volume sistematiza a reflexão sobre as práticas dos bolsistas licenciandos e supervi-sores que integram o programa e conta com o apoio, na produção e organização, de alguns membros do grupo de pesquisa CRIETHUS, este que atua como parceiro, dando apoio e suporte à realização do subprojeto do PIBID – Pedagogia.

Este segundo volume dá especial atenção aos aspectos da prática educativa e das in-tervenções nas escolas municipais conveniadas ao Programa, tendo como principal viés de reflexão a etnografia. Esta, que se situa no campo da pesquisa qualitativa, é compreendida como um percurso de investigação que busca abordar, analisar e compreender os fenômenos,

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de forma contextualizada na realidade, e não a partir de análises feitas em laboratórios e de forma neutra.

A pesquisa qualitativa, na formação do licenciando, colabora com o entendimento, descrição e compreensão das experiências vividas, principalmente dos educandos, na re-lação com o conhecimento e com os educadores, em várias dimensões: social, econômica, histórica, afetiva, biográfica, política e das práticas diárias. Ela também estuda as interações e comunicações cotidianas, observando-as e registrando-as. Preocupa-se em compreender como pessoas e grupos dão sentidos e produzem significados sobre o mundo que os cerca. No caso específico, como crianças e educadores dão sentido ao que aprendem e ensinam no contexto escolar.

Neste aspecto, a pesquisa qualitativa de natureza etnográfica colaborou com a formação dos licenciandos, estes que buscaram compreender e descrever essa realidade, na interação com os sujeitos que compõem o espaço escolar.

Sendo assim, é com alegria e satisfação que apresentamos mais um volume dessa coleção, esperando que a mesma continue se expandindo, como um espaço de reflexão, sistematização e difusão do conhecimento que vem sendo produzido por graduandos do curso de Pedagogia da UFBA (e de seus parceiros no projeto), visando ainda constituir material didático-pedagógico de apoio à formação de todo educador, licenciando, licenciado ou a serviço da educação bá-sica, que se preocupa diretamente com o campo da alfabetização e do letramento.

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Introdução

Valorizar a criança em sua totalidade, com suas particularidades, e promover, através de múltiplas estratégias de ensino, novas formas de aprender e garantir o acesso a modos de alfabetização e letramento significativos é o propósito dos estudos e textos deste segundo volume da Coleção Alfabetização para a infância. Esta abordagem apresenta aspectos teórico--práticos do trabalho desenvolvido pelas bolsistas do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência – PIBID, do curso de Pedagogia da Faculdade de Educação da Univer-sidade Federal da Bahia FACED-UFBA, especialmente através de práticas etnográficas como caminho metodológico para a compreensão e a intervenção dos licenciandos nas escolas públicas municipais conveniadas ao Programa.

Nessa perspectiva, os textos a seguir intencionam conduzir o leitor a percorrer o passo a passo desta iniciativa que tem alcançado resultados satisfatórios, principalmente no que diz respeito à formação para a docência em alfabetização, nas séries iniciais do Ensino Fun-damental, por parte das bolsistas do PIBID.

Sendo assim, na Parte I – Bases conceituais e relatos de experiências: aproximações entre práticas etnográficas e alfabetização, e logo no seu primeiro capítulo – A valorização da etnografia em práticas alfabetizadoras para a infância –, as autoras Ana Katia Alves dos Santos e Hildonice de Souza Batista apresentam reflexões acerca do uso e da valorização da etnografia na prática alfabetizadora do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência do curso de Pedagogia da UFBA. Abordam os aspectos teóricos e conceituais da etnografia e validam a sua adoção, como perspectiva metodológica e de pesquisa, na forma-ção dos jovens bolsistas, entre os anos de 2010 e 2012. Apresentam, também, a experiência escolar, como fonte de estudos, compreensão e ação na realidade social da escola pública, e a formação etnográfica do alfabetizador pesquisador.

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No capítulo 2 – Experiências e práticas significativas do trabalho com projetos arte-educa-dores na Escola Ruy de Lima Maltez, as autoras Ana Cristina França Bastos Guimarães, Juliana Santos Silva, Luciane Pereira Fernandes, Mariana Capinã Vitoriano da Silva, Nana Karini Lopes Carvalho, Janaina Garcia Vaz Pinto, bolsistas Pibid da graduação, e Patrícia Sierpinska Nogueira (bolsista Pibid – supervisora da Escola Municipal Ruy Lima Maltez) debatem o estudo que se encontra organizado em duas partes, uma elencando a importância das atividades lúdicas na práxis pedagógica nas séries iniciais e a outra citando a importância da formação docente. O texto apresenta uma reflexão sobre a importância do brincar, que viabiliza o processo de alfabetização do educando, por meio da contextualização dos conteúdos, de forma prática e prazerosa, no processo de aquisição da leitura e da escrita.

No capítulo 3 – Práticas Alfabetizadoras na Escola Municipal Vivaldo da Costa Lima – as autoras Álice Quele Leal Nascimento, Cilia Silva dos Santos, Eliete Farias da Silva, Flavia Nascimento Silva, Geruza do Nascimento Santana, Rafaela Noronha Ritter e Maria Valéria de Oliveira Oliveira propõem uma análise, a partir dos relatos da experiência vivenciada na Escola Vivaldo da Costa Lima, onde perceberam a necessidade de introduzir temas no pro-grama de ação, tais como conscientização, identidade, reflexão, ludicidade, resgate da cultura oral, produção coletiva, e projetos temáticos que possibilitassem aos estudantes uma maior compreensão do eu, do outro e do mundo. Debatem o papel do educador como mediador e maior motivador da práxis pedagógica e como este poderá utilizar o contexto sociocultural dos alunos enquanto instrumento oportuno e favorável ao desenvolvimento do trabalho; buscam ainda observar que o espaço escolar pode ser usado de diferentes formas, tendo em vista a realização de ações educativas intencionadas.

Na Parte II – Experiências teórico-metodológicas alfabetizadoras fundamentadas no Estatuto da Criança e do Adolescente e nas tecnologias educaticas – o capítulo 4 – Concep-ções teórico-metodológicas baseadas no Estatuto da Criança e do Adolescente –, das autoras Camila de Andrade Coelho Silva e Sarah Louise Silva Santana, ambas bolsistas da gradua-ção, analisa as contribuições do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) para a práxis pedagógica desenvolvida pelas bolsistas do PIBID-UFBA na Escola Municipal Ruy de Lima Maltez. Ressalta-se a importância do estudo do ECA nos projetos pedagógicos e nas práticas

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Alfabetização para a infância: práticas etnográficas

educativas propostas aos alunos. Destaca-se a valorização da roda dialógica, como estratégia metodológica de intervenção pedagógica, a qual permite ao educando expor as suas ideias, expressando-se de diversas maneiras, oralmente ou artisticamente. Desta forma, os alunos atendidos apresentaram excelentes resultados em seu processo de aprendizagem e em relação à formação de uma consciência crítica cidadã.

Refletindo sobre os desafios da educação, no cenário social atual, marcado pela cultura digital, os autores Ana Paula de Souza, Eunice Uzeda e Vitor Reis nos trazem, como proposição, no capítulo 5 – Tecnologia educacional: possibilidade para a prática pedagógica cidadã –, a coleta de dados e a socialização dos fundamentos relevantes de conceitos acerca de tecnologia educacional no âmbito da alfabetização digital. Constatam que o processo de informatização é uma realidade nas escolas públicas e privadas, inclusive pelo uso intensificado das tecnologias de informação e comunicação. Fazem uma ressalva a respeito da inclusão digital, no processo de alfabetização e letramento, para que a mesma se faça sempre de maneira não-excludente e contextualizada em práticas efetivas das escolas públicas municipais.

Finalizando os artigos que compõem a obra, o capítulo 6 nos traz, como tema, Memórias de uma experiência de implementação do Estatuto da Criança e do Adolescente em escolas municipais, onde as autoras Micheline Fernandes, Tânia Passos e Fulvia de Aquino Rocha, como o título já sugere, abordam as aprendizagens e as experiências vivenciadas pelo grupo de bolsistas responsáveis pelo desenvolvimento do trabalho, buscando refletir, descrever e tecer considerações acerca das experiências realizadas nas escolas Vivaldo da Costa Lima e Ruy de Lima Maltez, a partir de atividades experimentais construídas por elas mesmas e tendo como conteúdo principal dessas práticas o exercício do ECA, ações que foram pensadas para as classes de 1ª série do ciclo de aprendizagem I, conhecido como Ciclo de Alfabetização, das quais participaram crianças na faixa etária entre 6 e 8 anos de idade, professores e super-visores. Apontam como ponto de extrema importância a aproximação Escola/Universidade, possibilitada por nosso trabalho de pesquisa e intervenção, que foi desenvolvido durante os anos de 2010 (a partir de abril), 2011 e 2012 (até fevereiro). As escolas citadas pertencem ao contexto da Cidade de Salvador/Bahia. São instituições públicas de ensino fundamental, vinculadas à Secretaria Municipal de Educação, Cultura, Esporte e Lazer (SECULT), que têm,

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como público, cidadãos das camadas populares da cidade. Assim, estão inseridas numa re-alidade baiana marcada por profundas desigualdades nos âmbitos social, regional, político, econômico, de gênero, raça e etnia.

A sistematização da experiência partiu da premissa de que as crianças, bem como os adultos, atribuem significados ao que está ao seu redor. Assim, como previsto na Consti-tuição Federal Brasileira de 1988 (CFB), na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) e no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), são reconhecidos como sujeitos de direitos, com voz ativa em seus espaços, logo, capazes de opinar sobre as práticas es-colares. Tais concepções levaram-nos a nortear nosso trabalho de ação/investigação pelas vozes e as ações das crianças.

A produção deste volume intenciona possibilitar ao leitor um estudo de cunho investi-gativo que possa ampliar os seus conhecimentos sobre a temática apresentada, encontrando neste material possibilidades de aprimoramento da sua formação docente, principalmente quando atua nas séries iniciais do Ensino Fundamental e nas turmas de alfabetização.

Boa leitura!

PARTE IBases conceituais e relatos de experiências: aproximações entre práticas etnográficas e

alfabetização

CAPÍTULO 1

A valorização da etnografia em práticas alfabetizadoras para a infância

Ana Katia Alves dos Santos1

Hildonice de Souza Batista2

IntroduçãoEspecialmente a partir da década de 90, no século XX, os enfoques em alfabetização

para o público infantil ganham maior visibilidade e têm vivido período fértil no que se refere

1 Coordenadora do PIBID – Pedagogia da UFBA; Doutora em Educação UFBA; Mestre em Educação (UFBA); Especialista em Metodologia do Ensino, Pesquisa e Extensão em Educação (UNEB); Licenciada em Pedagogia (UCSAL); Professora Adjunta da Faculdade de Educação da UFBA vinculada ao Departamento de Educação II; Docente das disciplinas Metodologia e Prática da Alfabetização para a Infância e Educação e Identidade Cultural; Coordenadora do CRIETHUS – Centro de Investigação, Defesa e Educação da Infância. [email protected] Coordenadora Institucional do PIBID do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Baiano – IF Baiano; Doutoranda em Educação (UFBA); Mestre em Educação (UFBA); Especialista em Educação Transdisciplinar e Desenvolvimento Humano (UFBA); Licenciada em Letras/Espanhol (UFBA); Professora de Metodologia da Pesquisa Científica e Didática do IF Baiano; Colaboradora da Pró-Reitoria de Ensino do IF Baiano e Colaboradora membro do CRIETHUS – Centro de Investigação, Defesa e Educação da Infância. A autora tem como foco de investigação a educação indígena. [email protected].

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às propostas metodológicas chamadas emergentes. Um crescimento cada vez maior de edu-cadores, estudantes, pesquisadores e demais profissionais do campo da alfabetização reco-nhecem que todo alfabetizador deve ser pesquisador de sua prática e da realidade educativa com a qual está vinculado. Isso porque, constantemente, os alfabetizadores se deparam com inquietações, perguntas e problemas presentes no contexto da sala de aula e da escola. As soluções e as possíveis respostas para essas inquietações podem estar ali mesmo, no cotidiano dos sujeitos envolvidos (crianças, educadores, pais...). O estudo e a busca por soluções no contexto da realidade concreta são fins da pesquisa qualitativa em educação, em especial da etnografia. A etnografia vem sendo valorizada na educação e nas práticas alfabetizadoras, questionando a visão de que esta é apenas um caminho de pesquisa aplicável à Antropologia.

A etnografia está situada no campo da pesquisa qualitativa, esta que é compreendida como um caminho de pesquisa que busca abordar, analisar e compreender os fenômenos de forma contextual, quer dizer no mundo e na vida, e não de “dentro de laboratórios”. (AN-GROSINO, 2009)

A pesquisa qualitativa tenta entender, descrever e compreender, as experiências humanas (de pessoas e grupos), seja nas dimensões social, histórica, biográfica, política e das práti-cas diárias, mas também estuda as interações e comunicações cotidianas, observando-as e registrando-as. Preocupa-se em compreender como pessoas e grupos dão sentidos e produzem significados ao mundo que os cerca.

Para Angrosino (2009), a pesquisa qualitativa apresenta as seguintes características:

1. conceitos e argumentos são desenvolvidos no processo da pesquisa, minimizando a necessidade de hipóteses, antes mesmo de interagir com a realidade e seus fenô-menos;

2. os pesquisadores estão interessados em ter acesso às experiências, às interações e aos documentos em real contexto natural;

3. os métodos e a teoria devem ser intimamente ligados àquilo que se pesquisa ou estuda;

4. os pesquisadores não são neutros, mas são parte do processo de pesquisa;

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5. a pesquisa qualitativa leva a sério o contexto, os fenômenos e casos para entender uma questão específica;

6. esta pesquisa baseia-se em textos orais e escritos (notas de campo, transcrições, autobiografias etc.).

Segundo Marli André (1995), a pesquisa de natureza qualitativa tem suas raízes históricas, e surgimento, no final do século XIX, quando cientistas sociais problematizam se o método das ciências físicas e naturais, vigente na época, fundamentado em perspectiva positivista3 do conhecimento, deveria continuar servindo como referência de estudo dos fenômenos sociais e humanos. Nesse percurso, para outras abordagens de pesquisa que melhor atendessem às demandas sociais e humanas, uma delas ganha força e dá origem à pesquisa qualitativa: a Fenomenologia, abarcando ideias do interacionismo simbólico, da etnometodologia e da etnografia. (ANDRÉ, 1995) A Fenomenologia preocupa-se com os aspectos mais subjetivos das ações e comportamentos humanos, e os resultados dessas ações e comportamentos. Ela defende a necessidade de entrada e aprofundamentos no “universo conceitual dos sujeitos” (ANDRÉ, 1995), a fim de compreender os sentidos e significados atribuídos pelos próprios sujeitos às suas ações e comportamentos. Os fatos, as interações, a comunicação da vida diária dos sujeitos são motivo de atenção e busca por compreensão de sentidos atribuídos pelos sujeitos que vivem a realidade. Por isso, o contato direto com as pessoas e grupos será um caminho mais significativo de pesquisa.

Lüdke e André (1986) compreendem que o percurso metodológico qualitativo pressupõe o contato direto e prolongado do educador/pesquisador com o ambiente e a situação que está sendo analisada. Há uma maior aproximação com o mundo da vida cotidiana, permitindo-se penetrar no significado e no contexto do que está sendo estudado.

Nessa perspectiva, segundo Mynayo (1994), pode-se questionar sobre o racional e o irracional da realidade social, recusando os mitos da neutralidade e da objetividade da ci-

3 O positivismo é uma corrente filosófico-científica que faz uso do método analítico. Este método apresenta um sujeito teórico, objetivo, descompromissado com um interesse ou outra coisa qualquer que subjaz a esse objeto investigado, o qual passará a ser analisado o mais objetivamente possível.

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ência. A escolha pelo enfoque qualitativo4 possibilita uma maior aproximação da realidade experienciada. Para Bogdan e Biklen (1994), algumas das principais características da abor-dagem qualitativa, são que:

[...] na investigação qualitativa a fonte directa de dados é o ambiente natural, constituin-do o investigador o instrumento principal. […] Os investigadores qualitativos freqüentam os locais de estudo porque se preocupam com o contexto. Entendem que as acções podem ser melhor compreendidas quando são observadas no seu ambiente habitual de ocorrência. Os locais têm de ser entendidos no contexto da história das instituições a que pertencem. O significado é de importância vital na abordagem qualitativa. Os investigadores que fazem uso deste tipo de abordagem estão interessados no modo como diferentes pessoas dão sentidos às suas vidas. Por outras palavras, os investigadores qualitativos preocupam-se com aquilo que se designa por perspectivas participantes. (BOGDAN; BIKLEN, 1994, p. 47-51)

A abordagem qualitativa na prática alfabetizadora para a infância possibilita uma compre-ensão de mundo, a partir de distintos referenciais epistemológicos, que dialogam diretamente com os fenômenos culturais, sociais, políticos, econômicos e permitem “[...] assumir plenamente a vontade e a intencionalidade de rever os próprios valores e atitudes que contribuem para a manutenção do status quo atual”. (MASINI, 1989, p. 46) Para isso, essa abordagem faz uso de alguns critérios analíticos: a radicalidade5 e o rigor científico. Utiliza-se de uma ótica caleidos-cópica para perceber e questionar o que se mostra e o que se evidencia como verdade incon-teste, valendo-se da análise em perspectiva (conceitos) e da redução de todos os procedimentos investigados para a elaboração de proposições que se aproximem mais da vida em sociedade.

Diante do exposto, a prática pedagógica alfabetizadora para a infância deve estar imbricada com a vida, com os aspectos qualitativos da aprendizagem, com a etnografia da sala de aula; deve preocupar-se com o processo de ensino/aprendizagem, com o desenvolvimento humano e a formação de valores e ações que visem a participação ativa de crianças e jovens na sociedade.

4 Conceito que agrega inúmeras estratégias de pesquisa que partilham de determinadas características. Os dados analisados são denominados de qualitativos, o que significa ricos em pormenores descritivos e de complexo tratamento analítico. Sobre a temática verificar a obra de Ludke e André (1986).

5 A radicalidade nesta abordagem deve ser compreendida como a possibilidade de ir à busca das origens das coisas, de ir à radícula/raiz dos fenômenos.

Alfabetização para a infância: práticas etnográficas

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No âmbito da abordagem qualitativa, as práticas alfabetizadoras voltadas para a infância, a partir da abordagem etnográfica, compreendem que o indivíduo se reconhece enquanto sujeito ativo e coparticipativo do ser-no-mundo-com, de seu (des)velamento pessoal, consi-derando-se autônomo e em eterna (re)construção de sua formação. A prática alfabetizadora, nessa perspectiva, pode ser comparada ao Deus da mitologia egípcia, denominado de Amon (efígie do Sol criador), que por longo período vagueou como peregrino de luz em busca do conhecimento. Amon reúne a deificação de outros deuses egípcios, encarnando o dinamismo criador. Repleto de luz, esse Deus egípcio remete à ação consciente da incompletude, pois toda prática alfabetizadora é apenas um recorte transitório de um tempo que está por vir.

A abordagem qualitativa e as práticas de alfabetização para a infância, na perspectiva etnográfica, apresentam uma característica intrínseca: a dialogicidade. A concepção de dialo-gicidade, na prática de alfabetização, inspira-se na relação de reciprocidade de Martin Buber (2001), aproximando-se de uma prática pedagógica na qual o EU atua sobre o TU e o TU atua sobre EU, num constante aprendizado mútuo e recíproco; a relação do pesquisador com o objeto não deve ser antecipada, mas vivenciada em práticas investigativas no cotidiano, de modo que o EU e o TU se complementem em um NÓS.

Dialogicidade, nesse contexto, abarca a instauração de um pacto essencial entre eu-tu--nós, exigindo atitude e postura solidárias de cada educador e de cada aprendiz no espaço escolar. Perspectivar essa relação significa analisar uma situação de contradependência entre a abordagem qualitativa, a etnografia e a prática alfabetizadora para a infância: há o eu, mas, na verdade, esse eu só existe através da relação com o tu, com o outro, instaurando-se uma relação de dialogia que potencializa a ação solidária e interdependente – o nós.

Nessa percepção, a prática alfabetizadora deve ter como um de seus compromissos principais a autorrealização do indivíduo, como projeto de vida em constante criação e inter--relação, para se atingir a felicidade, a alegria, a qualidade de vida espiritual, social, cultural, econômica – sustentável6, política e psíquica.

6 O desenvolvimento sustentável, nessa concepção, preocupa-se com o confronto que há entre a sobrevivência do planeta: ho-mens, mulheres, crianças, flora, fauna, ar, água, terra e a sociedade de risco. A sociedade de risco preocupa-se com a melhoria do processo de informação, de produção tecnológica, industrial, dentre outros, a partir de uma política econômica mundial, neoliberal e globalizante, que tem como consequência direta efeitos nocivos incontáveis e imprevisíveis para o planeta. Portan-

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Alfabetização para a infância: práticas etnográficas

A infância envolvida nesse projeto de vida tem como meta fundamental aprender a viver e a conviver com o outro na diferença, visando a ação de aprender a conhecer a si mesma e a desenvolver seu aprendizado de forma coletiva, vislumbrando um potencial praxiológico de inter-agir e de trans-formar seu cotidiano, ou seja, inter-relacionando-se com o mundo no qual está inserida.

Pensar a prática alfabetizadora para a infância, por meio dessa ótica, significa também (re)pensar o aprendizado na sala de aula, os diferentes métodos e modos de acesso à leitura e à escrita, à atividade intelectual e humana que os aprendizes/professores e os aprendizes/estudantes realizam na escola.

Com efeito, a prática alfabetizadora deve se preocupar também com a formação humana, podendo possibilitar uma re-visão do sentido de ser humano, uma vez que este não é apenas uma coisa ou máquina de produção de conhecimento, nem tão pouco, este é puramente uma mônada leibniziana.7 Este é uma rede dialógica entre epistemologia8 e ontologia, pois necessita (co)existir por meio de uma vizinhança, por meio de uma relação de estar-no-mundo-com, para pensar e agir no mundo cultural, político e socioeconômico, a partir de uma prática alfabetizadora que considere a etnografia da escola.

Nesse sentido, a sociedade atual questiona a forma de um sistema único de pensar, o uso de um único método investigativo, econômico, político ou modelo cultural. Neste intento,

to, para que ocorra o desenvolvimento sustentável, faz-se necessário realizar ações transdisciplinares que visem a integração dos saberes, a integração dos seres e a integração das sociedades em torno de um objetivo comum e imprescindível: a vida no planeta Terra. Nesse sentido, a sustentabilidade deverá considerar a complexidade da vida em nosso planeta: a importância da preservação de todas as espécies vivas, principalmente a manutenção da vida humana, considerando as diferentes sociedades, as diferentes culturas e a necessidade, por parte de todos, de esforços econômicos e políticos, os quais, muitas vezes, não im-plicarão na viabilidade econômica, mas sim na viabilidade da vida.

7 A leitura de Leibniz (2000), em sua obra Monadologia, permite compreender que o ser humano não pode se constituir en-quanto sujeito social de forma isolada.

8 A epistemologia contribuirá para o aprofundamento dos estudos, para a elaboração de teorias sobre a prática pedagógica, para a produção de diversos pensares e de linhas investigativas sobre o processo de ensino/aprendizagem e da ação docente. Vale lembrar que esta palavra, em sua origem grega, é composta do prefixo epi (epistemê, do verbo epistamai e pode ser associada a doxa, technê) que significa sobre e do verbo hístemi que significa fazer com que fique firmemente em pé (histêmi dá origem a sístemi, originando sistema em português). Monteiro (2006, p. 115) irá revelar que a epistemologia da práxis pedagógica refere--se “à produção (technê) de um saber, permitido por um outro olhar (thôréô), sobre o que é feito (prassô). Por isso, é possível teorizar sobre a prática, pois essa é observável; toda prática (prassô) submetida a um novo olhar (theôréô) pode ser modificada”.

Alfabetização para a infância: práticas etnográficas

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perquirir o modelo disciplinar de conhecimento instituído pela cultura ocidental, nos últimos séculos, é algo a ser feito a partir da prática alfabetizadora, pois, na perspectiva etnográfica, não dá mais para se falar em um saber isolado, em um especialista que não considera o ser humano em seus diferentes contextos.

Na prática alfabetizadora para a infância, a etnografia deve criticar esse modelo disci-plinar, pautado no acúmulo de saberes construídos pela especialização9, que se utiliza, cada vez mais, de fragmentos menores da realidade, distanciando-se da noção de conjunto, da totalidade, e se fixando em seus constituintes.

As atitudes transformadoras ocorridas nas práticas alfabetizadoras que aplicam a abor-dagem etnográfica revelam a formação veemente de espaços de dialogicidade na escola, ou seja, essa prática de alfabetização vai de encontro ao status quo homogeneizante. Denota a luta pela vida, revela a (re)construção de processos dialógicos entre a escola, a comunidade e as práticas educativas, (re)estruturando novos estilos de conhecer e aprender, compreendendo a cultura da escola como algo dinâmico e adaptativo.

A etnografia destaca-se nesse campo, pois é o caminho científico desenvolvido por an-tropólogos a fim de estudar as culturas e a sociedade, por isso bem apropriada para o estudo da cultura infantil e das práticas que lhe dizem respeito, tais como os processos de alfabe-tização. Em sua análise etimológica, o termo etnografia significa descrição social, podendo ser compreendido como um conjunto de técnicas que visam revelar valores, hábitos, crenças, práticas e comportamentos de um grupo social, e um relato escrito resultante dessas técnicas (entrevistas abertas, observação participante, estudo de caso...). A etnografia revela diferen-tes e diversas formas de compreensão e interpretação do mundo, da vida e das experiências diárias, indicando os significados múltiplos atribuídos por pessoas e grupos.

Os estudos de Ryen e Silverman (2000) revelam que a etnografia tem seu marco fun-damental nos primeiros estudos antropológicos sobre a colonização de povos (tribos) que apresentavam um modelo cultural distinto dos valores europeus/ocidentais, a exemplo dos aspectos apontados nos escritos de Claude Lévy-Strauss (1955) sobre os indígenas brasileiros:

9 O que D’Ambrósio denominou de gaiolas epistemológicas, em palestra proferida no dia 09/09/05, durante o II Congresso Internacional de Transdisciplinaridade, realizado em Vitória, no Espírito Santo/Brasil, e perguntou: “seria possível viver fora das gaiolas?”

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Alfabetização para a infância: práticas etnográficas

Nenhuma sociedade é perfeita. Por natureza, todas comportam uma impureza incompatível com as normas que proclamam, e que se traduz de modo concreto numa certa dose de injustiça, de insensibilidade, de crueldade. Como avaliar essa dose? A pesquisa etnográfica consegue. (LÉVI--STRAUSS, 1955)

Para Ryen e Silverman (2000), esses estudos delineavam uma “metodologia colonial” que buscava compreender a cultura do diferente a partir do olhar estrangeiro. Todavia, com o passar dos anos, essa abordagem começa a ser apropriada pelos pesquisadores de países que foram colonizados e/ou considerados marginalizados, tendo como finalidade a aproximação e a análise de sua própria cultura, de sua sociedade, de sua própria história.

A etnografia adquire, nessa perspectiva, características de enxergar a cultura, a economia, o sistema político e social dos diferentes estilos de vida em sociedade, sendo, muitas vezes, denominada de etnografia urbana.

Posteriormente, a partir dos estudos desenvolvidos pela Escola de Chicago, ocorrem esforços sistemáticos para a organização de métodos e técnicas de coleta de dados, pois a etnografia permite que o pesquisador proponha seu método e percurso investigativo, con-forme a sua necessidade.

Clifford Geertz (1999), em sua clássica obra A interpretação das culturas, irá defender a necessidade de se compreender o singular em detrimento dos valores universais:

[...] pode ser que nas particularidades culturais dos povos – nas suas esquisitices – sejam en-contradas algumas das revelações mais instrutivas sobre o que é genericamente humano. E a principal contribuição da ciência antropológica à construção – ou reconstrução – de um conceito do homem pode então repousar no fato de nos mostrar como encontrá-las. (GEERTZ, 1999, p. 22)

Existe um preconceito social instaurado entre o real e o imaginário, entre a objetividade e a subjetividade, entre o conhecimento científico e o conhecimento popular. É preciso perceber outras possibilidades, a partir do olhar etnográfico. (GEERTZ, 1999) Portanto, a etnografia passa a constituir um novo campo epistemológico para a prática alfabetizadora na infância, cuja concepção de ciência objetiva, que busca dados coletados de forma precisa, é reelabo-

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rada, passando a oportunizar o reconhecimento da constituição de elementos subjetivos que pressupõem a dialética de interpretar os sinais, os sentidos, o simbólico.

A etnografia aplicada às práticas alfabetizadoras para a infância passa a ser uma estraté-gia pedagógica e metodológica que insere o licenciando do PIBID na realidade da escola e da sociedade. O futuro docente passa a estudar e a compreender elementos que são essenciais para a sua formação de professor alfabetizador.

O processo de alfabetização para a infância, na abordagem etnográfica, não ocorre de forma isolada, estando inserido na realidade da criança ou jovem que está sendo alfabetizado. E considera alguns fatores importantes:

a. as políticas públicas para a alfabetização;

b. a história da alfabetização no Brasil;

c. a influência de valores sociais e culturais no processo de alfabetização para a infân-cia;

d. o contexto da rede de ensino pública e/ou privada;

e. a comunidade (pais, responsáveis etc.);

f. a escola;

g. o Projeto Político Pedagógico da escola;

h. a cultura organizacional escolar;

i. o perfil da turma e seus valores;

j. o contexto da sala de aula (espaço, quantidade de estudantes, estrutura);

k. a carga horária;

l. o docente regente e sua formação;

m. as práticas de alfabetização e letramento;

n. o aprendizado na Universidade e sua relação com a prática em sala de aula;

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Alfabetização para a infância: práticas etnográficas

o. a metodologia adotada;

p. os recursos disponíveis;

q. o planejamento docente;

r. a questão socioeconômica da escola e dos estudantes;

s. o currículo;

t. o processo avaliativo; e

u. o material didático.

O conceito de cultura é extremamente importante, nessa abordagem, pois a sala de aula apresenta uma cultura própria e coletiva. Na sala de aula, diferentes indivíduos convivem e interagem entre si, desempenhando diferentes papéis, constituindo uma comunidade.

A sala de aula passa a viver uma etnografia interacional, conforme enfatiza Gumperz (1991), possibilitando perceber o local e suas relações com a sociedade e o processo de al-fabetização.

A alfabetização para a infância, por meio da abordagem etnográfica, é fundamental para a formação de seres humanos críticos e atuantes na sociedade brasileira. Havendo experiências bem desenvolvidas no processo de alfabetização, toda a sociedade será beneficiada. Cada criança, jovem, mulher, homem será leitor de sua própria história. Poderá ler os significados de sua sociedade, de seu contexto.

A etnografia nas práticas alfabetizadoras conduz a se pensar sobre qual é o sentido de alfabetizar e letrar dentro do espaço escolar, que não pode ter práticas pedagógicas homoge-neizantes, nem tão pouco modeladoras. É preciso observar as diferentes formas culturais e sua importância para o alfabetizar e o letrar. Indagações podem ser realizadas, na tentativa de construir sentidos para as práticas alfabetizadoras no contexto escolar:

a. qual a linguagem que os estudantes e a escola utilizam?

b. que leitura de mundo trazem consigo?

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c. quem são seus pais e/ou familiares?

d. quais suas histórias de vida?

e. quais aspectos podem ser analisados nas atividades dos estudantes que evidenciem pistas de desenvolvimento significativo para o processo de alfabetização e letramento?

A etnografia, nas práticas alfabetizadoras, analisa fenômenos invisíveis e visíveis, daí seu caráter qualitativo, pois muitos desses fenômenos não podem ser mensurados (valores, crenças, gostos, hábitos). Os fenômenos não são revelados imediatamente à experiência, eles podem ser percebidos, mas não evidenciados.

Na abordagem etnográfica da alfabetização para a infância, toda informação é relevan-te e considerada para que se tenham elementos substanciais de potencialização da prática alfabetizadora. Importa compreender a cultura da escola e dos educandos. As reflexões do processo de alfabetização são minuciosas, densas, e envolvem um conjunto de interpretações e estratégias metodológicas.

Os resultados de uma prática alfabetizadora para a infância têm seu fundamento pautado na interpretação dos fatos, na percepção da realidade e dos conceitos que formam o alfa-betizador, daí seu caráter qualitativo. Assim, para se compreender a vivência e o cotidiano alfabetizador de uma dada escola é preciso potencializar os aspectos qualitativos. É preciso captar e descrever informações, experiências estéticas e práticas exitosas.

Nesse sentido, defende-se uma etnografia da prática existencial da infância, em vários contextos, especialmente aqueles que não negam a sua condição de ser em plenitude, e da sociedade, de maneira ampla, principalmente no que se refere ao cotidiano baiano e brasileiro. Sendo assim, o próprio método favorece a vigência do lugar social, cultural e histórico, da criança e desenvolve um olhar humanizador sobre e com ela acerca dos fenômenos que lhe são relacionados, a saber: o processo de alfabetização.

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Escolha da etnografia e das rodas dialógicas como caminhos de estudos da prática da sala de aula alfabetizadora

A etnografia foi considerada como um caminho metodológico pelo Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência – PIBID, do curso de Pedagogia da Universidade Federal da Bahia – UFBA, por se reconhecer que o estudo das práticas de alfabetização e da sala de aula alfabetizadora considera a infância como um grupo cultural, nesse caso os grupos culturais das escolas Vivaldo da Costa Lima e Ruy de Lima Maltez, localizadas no Pelourinho e na Ladeira dos Galés, respectivamente, em Salvador/Bahia.

O PIBID de Pedagogia, durante os seus dois anos de vigência, buscou compreender, mediante interação, os significados dados pelos sujeitos (crianças e educadores) às suas for-mas de acessar o conhecimento relacionado à alfabetização e ao letramento.10 Além disso, a etnografia foi defendida, considerando-se a mesma defesa de Angrosino (2009), primeiro, por ser pesquisa de campo, o que implica na presença efetiva, nas escolas, dos bolsistas vinculados ao Programa.

Segundo, por ser um tipo de pesquisa que se preocupa com a personalidade, ou seja, a valorização dos sujeitos e do seu dia a dia, sua voz, opiniões e comportamentos são consi-derados de forma muito significativa.

Terceiro, é um método multifatorial, quer dizer, exige várias técnicas de estudo e coleta de dados.

Quarto, exige compromisso de longo prazo, ou seja, não pode ser realizada em apenas alguns horas ou dias, e sim busca maior tempo possível para o aprendizado e a compreensão

10 A Alfabetização articula amplo e complexo processo de construção de conhecimento e envolve a dimensão linguística, a dinâmica sociocultural e os seus aprendizados. É também apropriação crítica do código linguístico e de seu sistema, no caso brasileiro, do sistema alfabético. Ela necessita de elementos internos e externos ao sujeito para que se efetive a produção do seu conhecimento (sociais, políticos, pedagógicos, relacionais, econômicos, históricos, biológicos etc.). Ver: Ana Katia Alves dos Santos (2010, p. 93; 23). Já o Letramento envolve uma ampla variedade de saberes, conhecimentos, competências, habili-dades, capacidades, valores, usos e funções sociais, na visão de Magda Soares, o que colabora com a ampliação, sem negá-lo, do conceito de alfabetização. Ambos os conceitos, alfabetização e letramento, estão inter-relacionados.

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da realidade. Neste caso, os dois anos do projeto do PIBID – Pedagogia significaram um tempo proveitoso ao maior aprofundamento e interação com crianças e educadores.

Quinto, o pesquisador é participante. Os bolsistas foram participantes ativos.Sexto, é indutivo, ou seja, há acúmulo descritivo de detalhes.Sétimo, a pesquisa é de natureza dialógica porque o pesquisador-bolsista está em cons-

tante diálogo com os sujeitos envolvidos.E, por fim, é um método global, que busca estar atento às relações, fatos e contextos

diversos que envolvem o fenômeno estudado. No caso das práticas de alfabetização para a infância, é importante observar o contexto político e físico da escola, as relações estabelecidas entre educandos-educadores, o apoio dado por gestores, funcionários, e que os processos sejam de bons resultados, enfim...

As práticas alfabetizadoras do PIBID – Pedagogia valorizaram a etnografia, por consi-derarem a alfabetização, as classes e os grupos que a constituem como espaços de cultura e locais de valorização do cotidiano, das interpretações, dos sentidos e significados dados pelos sujeitos envolvidos. São as vivências e teorias próprias das crianças, de educadores das escolas parceiras e bolsistas envolvidos no Programa a grande fonte de inspiração para a pesquisa e os estudos.

As rodas dialógicas como técnica de interação e estudoRodas dialógicas – este é o nome escolhido para representar a principal técnica utiliza-

da na perspectiva de trabalho etnográfico do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência do curso de Pedagogia da UFBA. As rodas dialógicas constituem-se em espaços comunicativos dinâmicos de troca de saberes e novas aprendizagens que geram e produzem conhecimentos mais ampliados e significativos nos sujeitos a elas integrados.

Para o grupo PIBID – Pedagogia, as rodas dialógicas fundamentam-se em três conceitos principais, de autores e grupos culturais reconhecidos no âmbito educativo e cultural. O primeiro conceito em destaque é o “círculo de cultura”, criado e defendido por Paulo Freire (2000), conceito que sugere a reunião de sujeitos da educação para dialogarem sobre os pro-

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blemas e situações de vida comuns aos envolvidos, e de seu interesse. O círculo de cultura parte de situações-problema presentes na vida cotidiana e, após conversa aberta, reflexão e análise, os envolvidos buscam conhecer e decodificar esta realidade. Para Freire (2000), o círculo de cultura tira os sujeitos (estudante e professor) da passividade, já que os mesmos precisam se colocar, refletir, buscar caminhos de resolução para os problemas cotidianos. Ao professor cabe o importante papel de ‘coordenador de debates’, aquele que vai se preocupar em garantir o lugar da fala de todos, provocando o grupo para que supere a passividade, caso esta exista. No círculo de cultura, coletivamente, elaboram-se propostas de resolução dos problemas apresentados, com vistas à construção de conhecimentos críticos e transfor-madores da realidade.

O segundo conceito em destaque é o de “mediação”, criado e apresentado por Vygotsky (1994), que é o processo relacional estabelecido entre os seres humanos, entre si e com o mundo, ou seja, a forma dialógica de estabelecimento de relações com vistas à aprendizagem de si e da cultura, de forma geral. Segundo Berni (2006, p. 7),

É o processo que caracteriza a relação do homem com o mundo e com outros homens. [...] É aqui que está a fundamental responsabilidade dos educadores no ambiente escolar: o desenvolvimento dos alunos através da aprendizagem que vai se dar pela mediação. [...] Trata-se de espaço de trabalho no qual uma pessoa atua para ampliar os conhecimentos do aprendiz.

Nesse sentido, a mediação desenvolve o diálogo na aprendizagem e promove a autono-mia daquele que passa a se colocar e a compreender o mundo, a si mesmo e ao outro, bem como garante a produção de um conhecimento compartilhado, coproduzido e co-construído, visto que se dá na relação de mediação entre sujeitos.

Citando Magalhães (1996, p. 3-4), Berni (2006) afirma que a aprendizagem de qualquer novo conhecimento precisa do outro, visto que ela é social, necessitando da dialogia daque-le que aprende com a vida social daqueles que a cercam e também situada em contextos culturais. Vygotsky (1994, p. 115) considera que “[...] o aprendizado humano pressupõe uma natureza social específica e um processo através do qual as crianças penetram na vida intelectual daquelas/les que as cercam”.

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Outro conceito em destaque, que colabora com a fundamentação das rodas dialógicas do PIBID – Pedagogia, é a “roda de capoeira”. Este último conceito, oriundo da cultura afro--brasileira, em especial afro-baiana, caracteriza uma expressão particular da Bahia que sin-tetiza um ritual criado que une sujeitos (mestre e aprendizes) em sua ação de performance corporal, de movimento e rítmica, que integra elementos de luta (movimentos físicos ágeis e de grande complexidade), arte, dança e música (esta que marca forte presença da tradição africana), na grande parte das vezes em um círculo, no qual o mestre capoeirista organiza a roda para a performance corporal oriunda de práticas das culturas e sociedades da diáspora11 africana no Brasil. É na roda que os aprendizagem vão se desenvolvendo na arte da capoeira, pela mediação cantada e de jogo corporal de seus mestres.

Foi a partir desses três conceitos que as rodas dialógicas do PIBID – Pedagogia se es-tabeleceram. O diálogo, a mediação, a efetiva troca de saberes, a cultura e o conhecimento entre educandos e educadores são tomados como meta no trabalho etnográfico desenvolvido, pois o conhecimento escolar se constrói de forma crítica e coparticipativa. As rodas se deram tanto entre bolsistas e crianças, quanto entre bolsistas-educadores-bolsistas, como mostram as imagens a seguir.

11 Extraído dos antigos termos gregos dia (através, por meio de) e speirõ (dispersão, disseminar ou dispersar), a palavra diáspora tem sido utilizada, nos últimos anos, de várias formas. Destacamos aqui esse termo para descrever as comunidades africanas, cujas redes sociais, culturais, econômicas e políticas, atravessaram fronteiras e se fizeram presença cultural (no caso brasileiro, desde a colonização, com a chegada dos africanos na condição de escravidão). Ver: Cashmore (2000, p. 169).

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Figura 1 - Roda Dialógica na Escola Ruy de Lima MaltezFonte: Projeto PIBID - Pedagogia

Figura 2 - Roda Dialógica na Escola Vivaldo da Costa LimaFonte: Projeto PIBID - Pedagogia

Figura 3 - Roda Dialógica - Reunião entre bolsistas na FACED-UFBAFonte: Projeto PIBID - Pedagogia

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As relações ensino-pesquisa no PIBID – PedagogiaAinda que o PIBID, como Programa, priorize a docência como processo formativo dos

licenciandos, o projeto do curso de Pedagogia da FACED-UFBA considerou de fundamental importância garantir, na formação dos bolsistas, a articulação entre ensino e pesquisa. Tema atualmente muito debatido e valorizado na formação de professores, seja da educação básica, seja no ensino superior, conforme revela André (2001, p. 56):

O movimento que valoriza a pesquisa na formação do professor é bastante recente. Ganha força no final da década de 80 e cresce substancialmente na década de 1990, acompanhando os avanços que a pesquisa do tipo etnográfico e a investigação-ação tiveram nesse mesmo período. No Brasil, assim como no exterior, esse movimento caminhou em múltiplas direções: Demo (1994) defende a pesquisa como princípio científico e educativo; Lüdke (1993) argumenta em favor da combinação de pesquisa e prática no trabalho e na formação de professores; André (1994) discute o papel didático que pode ter a pesquisa na articulação entre saber e prática docente; Geraldi, Fiorentini e Pereira (1998) enfatizam a importância da pesquisa como instrumento de reflexão coletiva sobre a prática; Passos (1997) e Garrido (2000) mostram evidências, resultantes de seus trabalhos [...] Sobre as possibilidades de trabalho conjunto da universidade com as escolas públicas, por meio da pesquisa colaborativa.

No âmbito da graduação, adotamos a pesquisa como princípio educativo, a partir da visão de Pedro Demo (2007), de modo que essa fosse, de fato, formativa e útil para a ação nas escolas conveniadas, garantindo a articulação teoria-prática na construção de conhecimentos.

Como princípio educativo, a pesquisa colabora com uma formação para a autonomia intelectual, para a ação nos espaços cotidianos e para a formação da consciência crítica.

Segundo Feiberger e outros (2009, p. 6),

[...] Demo e Veiga mencionam a pesquisa como caminho didático e investigativo, por meio do qual a aprendizagem é orientada para a autonomia do aluno. [...] os sujeitos quando percorrem este caminho, atingem certa independência intelectual, porque aprendem a pensar por si, a (re)construir conhecimentos, saem da condição de objeto para atuar na condição de sujeito [...] a pesquisa se configura como experiência educativa e de emancipação.

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Nesse sentido, a pesquisa integrada à formação dos educadores possibilita a autofor-mação, no que se refere à construção da autonomia intelectual, a passagem da condição de objeto a sujeito do conhecimento e assim viabiliza a formação dos educandos, garantindo a instrumentalização para a cidadania.

O conhecimento assim produzido e (re)construído garante, como considera Demo (2007), interpretação própria e apropriada, elaboração e produção pessoal, crítica e reflexiva, além de favorecer a educandos e educadores o aprender a aprender e o aprender a pensar.

Fazer pesquisa enquanto ensina é assumir a condição de sujeito ativo, inquieto, de inicia-tiva e produtor de conhecimento, superando a perspectiva da reprodução passiva, ajudando os educadores a refletirem sobre a natureza da epistemologia que produzem ao educarem. Epistemologia pode ser, conforme Santos (2006b, p. 97),

1. [...] considerada sinônimo de Teoria do conhecimento. Ela se ocupava da natureza e do alcance do conhecimento científico. Suas questões eram: como se pode conhecer o mundo cientificamente? Em que se distingue o conhecimento obtido por um cientista do conhecimento de um leigo? Nesta perspec-tiva, se considerava que a maneira de conhecer cientificamente o objeto estava condicionada à concep-ção que se tinha do mesmo objeto, então, nesse sentido, admitia-se que subjacente à Epistemologia estava a ontologia que se ocupava dos estudos sobre a natureza ou a essência do ser a ser conhecido.

2. No segundo momento, o conceito de epistemologia ficou reduzido à análise da linguagem da ciência e estava associado ao Círculo de Viena, reunião de importantes filósofos e es-tudiosos do início do século XX, os quais consideravam que as proposições científicas refletiam de maneira especular o mundo. Tal campo ficou conhecido como Filosofia Analí-tica que deveria indicar como alcançar as proposições verdadeiras sobre o mundo natural.

3. Finalmente, com a evolução do conceito, há um renascimento da Epistemologia como Fi-losofia da Ciência. Ela passa a propor vários problemas ou aspectos da ciência e passa a ter diversos ramos: teoria do conhecimento, metodologia da ciência, semântica da ciência, lógica da ciência, ontologia da ciência, axiologia (estudo dos valores) da ciência, ética da ciência.

4. [...] então, destacam-se, principalmente, a epistemologia como teoria do conhecimento, ética e ontologia na ciência da educação, ou seja, na Pedagogia, referente aos modos de produção de conhecimento do educador na relação efetiva com o educado.

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Sendo assim, ao incorporar à sua prática docente a pesquisa, o educador vai também refletir sobre a natureza do seu modo de produzir conhecimento, junto aos educandos, e buscar a ampliação crítica da realidade educativa, de forma ativa e reflexiva.

Articular teoria-prática e ensino-pesquisa é proporcionar aos educandos, neste caso os bolsistas PIBID – Pedagogia, estudo, reflexão e elaboração própria de conhecimento, deixan-do de lado a necessidade de “receitas prontas” e a simples reprodução de conhecimento. Criando concepções epistemológicas próprias sobre aquilo que ensinam no cotidiano da sala de aula e da escola; sendo críticos e criativos na produção de conhecimento, os educadores habilitam-se a “[...] criar situações por meio das quais os alunos aprendam a gerenciar, a selecionar e a tratar as informações e os conhecimentos de forma competente e com signifi-cado”. (FEIBERGER, 2009, p. 7)

Além disso, a pesquisa como princípio da formação docente possibilita a capacidade de propor e de se fazer perguntas cotidianamente, tal qual a natureza da criança, segundo Demo [2011?]. Saber problematizar, para saber pensar e depois saber intervir no espaço da sala de aula e na educação, de forma geral. Pensar e intervir colaboram com a integração teoria-prática.

A proposta de integrar teoria e de educar pela pesquisa, segundo Demo (2007, p. 5), tem pelo menos quatro pressupostos:

- a convicção de que a educação pela pesquisa é a especificidade mais própria da educação es-colar e acadêmica,- o reconhecimento de que o questionamento reconstrutivo com qualidade formal e política é o cerne do processo de pesquisa,- a necessidade de fazer da pesquisa atitude cotidiana no professor e no aluno,- e a definição de educação como processo de formação da competência histórica humana.

É tomar a vida e o espaço escolar como ambientes educativos e de pesquisa, colaborando para que educadores e educandos se façam e se refaçam cotidianamente, garantindo-lhes a condição emancipatória de sujeitos do conhecimento. Ainda segundo Demo (2007), ambas, educação e pesquisa, juntas, coincidem porque são contra a “ignorância”; valorizam o ques-tionamento, em especial aquele que ajuda na reconstrução do conhecimento; valorizam a

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articulação teoria-prática; determinam a condição de sujeito para educadores e educandos; valorizam um ambiente de criatividade, de liberdade de expressão e de crítica; condenam a cópia e destacam a importância do saber pensar e intervir, aprendendo a aprender. Educar e pesquisar são processos relacionais e interdependentes, por isso tão valorizados no Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência do curso de Pedagogia da UFBA.

Proposta de conclusãoO uso e a valorização da etnografia e das rodas dialógicas, como perspectiva de concepção

e técnica de pesquisa, respectivamente, na prática alfabetizadora do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência do curso de Pedagogia da UFBA, ao longo dos dois anos de vigência do projeto 2010.1/2012.1, apoiaram-se em fundamentos teóricos, conceitos e argumentos da etnografia que validaram a sua adoção como perspectiva metodológica e de pesquisa na formação dos jovens bolsistas.

A etnografia é um dos caminhos científicos mais significativos para o estudo das culturas e da sociedade, por isso adotada para o estudo e a prática da cultura infantil nas classes de alfabetização. Ela colabora com a análise e a descrição dos valores, hábitos, crenças, práticas e comportamentos do grupo social infantil, em seu processo de alfabetização nas escolas municipais Ruy de Lima Maltez e Vivaldo da Costa Lima, conveniadas ao Programa.

Os bolsistas, através desta perspectiva de pesquisa, puderam ter contato direto com a sala de aula alfabetizadora, permitindo-lhes a reconstrução dos processos e das experiências cotidianas. A etnografia revelou aos bolsistas diferentes e diversas formas de compreensão e interpretação da realidade educativa, da vida e das experiências diárias da escola e da sala de aula, indicando os seus múltiplos significados.

As rodas dialógicas, inspiradas nos conceitos de círculo de cultura (Freire), mediação (Vygotsky) e roda de capoeira (cultura afro-baiana), foi uma das técnicas de destaque, pois viabilizou a ampliação de dinâmicos espaços comunicativos de troca de conhecimentos, sa-beres e novas aprendizagens geradoras de conhecimentos mais significativos e participativos para os sujeitos envolvidos.

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No que se refere às relações ensino-pesquisa, o PIBID – Pedagogia defendeu a visão de que para atuar na docência é necessário garantir aos educadores a pesquisa como princípio educativo, esta que garante a emancipação de conhecimento, a autonomia de intelectual e o desenvolvimento da consciência crítica sobre a realidade educativa.

Dessa forma, através da pesquisa como princípio educativo, garante-se a articulação teoria-prática tão necessária à formação docente e se fortalece a formação dos graduandos, como sujeitos ativos do processo de produzir conhecimento, neste caso, do conhecimento que é produzido no campo da alfabetização para a infância.

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CAPÍTULO 2

Experiências e práticas significativas do trabalho com projetos arte-educadores na Escola Ruy de Lima Maltez

Ana Cristina França Bastos Guimarães1 Juliana Santos Silva1

Luciane Pereira Fernandes1 Mariana Capinã Vitoriano da Silva1

Nana Karini Lopes Carvalho1

Janaina Garcia Vaz Pinto1

Patrícia Sierpinska Nogueira2

IntroduçãoNo volume I desta coleção – Alfabetização para a infância: perspectivas contemporâneas

–, abordamos, no primeiro capítulo, a parte teórica relativa à alfabetização e ao letramento. Agora, abordaremos o tema, destacando aspectos da dinâmica da sala de aula e das práticas

1 Bolsista de graduação.

2 Bolsista Supervisora.

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pedagógicas. Para tanto, mais uma vez nos valeremos do espaço da Escola Municipal Ruy de Lima Maltez, que se tornou nossa principal fonte de estudos e vivências docentes.

A proposta metodológica do grupo PIBID – Pedagogia UFBA propiciou novas formas de utilizar ferramentas conceituais e práticas, relacionadas a temas atuais, no campo da educação, que possibilitaram integrar o processo de alfabetização e letramento, numa perspectiva lúdica ou arte-educadora, aos estudos sobre o meio ambiente, tema norteador do último período de trabalho do projeto PIBID – Pedagogia.

A proposta do projeto deu destaque à qualificação ativa dos bolsistas pesquisadores na área da Alfabetização da Infância, que se encontra vinculada ao currículo do Curso de Pedago-gia e permitiu a construção de novos saberes docentes, com a ampliação do aprofundamento epistemológico do campo da educação aos processos de alfabetização. Sendo assim, alguns temas mediaram a investigação e a formação das crianças no processo de aquisição da leitura e da escrita e na compreensão crítica do mundo; o meio ambiente e a arte-educação foram alguns destes conteúdos mediadores. O público alvo, nesse processo formativo, foi constituído pelos alunos do ensino fundamental I do 1º ano, com idade média de 6 anos, e os alunos do 2º ano, com idade média de 7 anos. Todos foram contemplados nesse espaço pelo projeto.

Como instrumentos pedagógicos, foram empregadas as linguagens artísticas, jogos, dinâmicas, leitura fílmica e a consciência ambiental, tomando-os como base para alicerçar os projetos de trabalho, de forma a permitir criar uma metodologia articulada aos interesses e à realidade dos alunos, seguindo e respeitando seu ritmo, sem perder de vista o foco das informações a serem passadas. Nesse contexto, foi necessária a apropriação da etnografia como concepção metodológica na escola, pois, sem esse estudo, não seria possível a reali-zação desse trabalho.

A etnografia da prática escolarA etnografia da prática escolar é a principal inspiração metodológica do projeto PIBID

– Pedagogia UFBA, desenvolvido na Escola Municipal Ruy de Lima Maltez. Sendo este um método utilizado inicialmente pela Antropologia, para a coleta e a descrição de dados e fa-

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tos, baseia-se no contato entre o pesquisador e o seu objeto de estudo – grupo sociocultural onde será feita a análise de aspectos da realidade –, dando-se especial destaque às vivências cotidianas, neste caso, da sala de aula e da escola citada.

A pesquisa aqui focalizada [cotidiano escolar] se aproxima do ‘trabalho de campo’ tal como é proposto por Cicourel (1980) e Junker (1971), podendo também ser identificada como uma pes-quisa do tipo etnográfico já que utiliza técnicas tradicionalmente adotadas pela etnografia, como a observação participante e a entrevista não-estruturada. [...] O trabalho aqui proposto se volta para as experiências e vivências dos indivíduos e grupos que participam e constroem o cotidiano escolar. (ANDRÉ, 2008, p. 37)

Três fatores essenciais caracterizam a pesquisa etnográfica. O primeiro deles é o contato constante do pesquisador com a situação a ser estudada e o grupo de pessoas envolvidas, sendo que o grau de envolvimento pode variar durante a coleta de dados. O segundo é que, ao se utilizar da observação, o pesquisador fica munido de descrições do local, pessoas, fatos, entre outros aspectos, para sistematizar a situação estudada, fazendo suas análises e reflexões. O terceiro, é que este tipo de pesquisa é aberta: ora prevalece a observação, ora prevalece a análise, ou seja, teoria e prática se relacionam.

O método básico utilizado na pesquisa etnográfica é o de observação, porém, há diferentes técnicas de coleta de dados. A pesquisa etnográfica no cotidiano escolar faz-se necessária para compreender como a escola desempenha seu papel de socialização através da transmissão de conteúdos e valores.

A importância do estudo do cotidiano escolar se coloca aí: no dia-a-dia da escola é o momento de concretização de uma série de pressupostos subjacentes à prática pedagógica, ao mesmo tempo em que é o momento e o lugar da experiência de socialização que envolve professores e alunos, diretor e professores, diretor e alunos e assim por diante. (ANDRÉ, 2008, p. 40)

Segundo André (2008), o estudo do cotidiano escolar perpassa por pelo menos três di-mensões. Uma diz respeito à relação entre a ação social e o que ocorre dentro da escola. A outra trata da interação na sala de aula, que envolve mais diretamente professores e alunos. Por último, trata-se de como cada sujeito se representa socialmente através das suas ações.

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Inspirando-se então, neste método, nos primeiros contatos com a escola, procurou-se diagnosticar o cotidiano, as relações humanas existentes e todos os espaços inerentes à alfa-betização das crianças, sempre tendo em vista ações voltadas para a pesquisa, reconhecendo que todos os sujeitos ali presentes carregam saberes que lhes são imprescindíveis e que pre-cisam ser valorizados. As vozes e significados presentes no cotidiano da Escola Ruy de Lima Maltez e dos sujeitos que compõem esse espaço foram consideradas de forma significativa.

Para começar uma pesquisa etnográfica, como em qualquer outro tipo de pesquisa, faz-se necessário delimitar o problema, o que requer um referencial teórico definido para fundamentá-la e a aproximação com o real, para que não se torne uma pesquisa “vazia” de sentido e significado. Esta pesquisa também estabeleceu relações entre o cotidiano escolar e o momento social, para que dessa maneira fossem identificados os aspectos situados além das questões individuais do processo de alfabetização.

Uma das dificuldades de um pesquisador que utiliza a pesquisa etnográfica é a de siste-matizar os seus registros de observações e os materiais coletados. Para controlar a subjetivi-dade e buscar o rigor científico, é fundamental que o pesquisador estabeleça relações entre a teoria e a prática para construir e concluir a pesquisa.

Mais uma vez a teoria parece exercer papel extremamente importante no sentido de caminhar paralelamente à observação, possibilitando uma ampliação do campo do observador, indicando ‘pistas’ para um estudo mais aprofundado ou sugerindo focos para uma atenção mais sistemática. (ANDRÉ, 2008, p. 40)

Nesse aspecto, pode-se afirmar que a pesquisa etnográfica realizada na Escola Ruy de Lima Maltez fundamentou-se nos temas atuais sobre alfabetização e letramento, destacando a Psicogênese da Língua Escrita, o interacionismo sociohistórico, os conceitos cunhados por Magda Soares acerca do Letramento e as reflexões do campo da arte-educação. Essas teorias serviram de base norteadora para a compreensão e a atuação na realidade. A arte-educação e a ludicidade se fizeram sempre presentes no cotidiano da escola e do projeto proposto.

Mediadas pelas “rodas dialógicas” (vide capítulo 1 deste livro), como estratégia metodo-lógica, as práticas pedagógicas e as atividades arte-educadoras, propostas pelo projeto PIBID

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– Pedagogia na Escola Ruy de Lima Maltez, se efetivaram. Em roda, crianças, educadores e bolsistas construíram o conhecimento e avançaram nas práticas alfabetizadoras.

A seguir, apresentamos a descrição teórico-prática como resultado do trabalho etnográfico realizado pelas bolsistas e supervisora da escola destacada.

A arte-educação e o lúdico como mediadores da aprendizagem

A arte-educação foi um caminho interessante da prática alfabetizadora, buscando tra-balhar numa perspectiva lúdica que, fugindo do padrão estereotipado das aulas (lousa – alu-no – papel/lápis), se pensou em incluir metodologias que envolvessem o aluno a interagir de forma direta com o conteúdo trabalhado, possibilitando o fomento de sua criatividade e curiosidade e impactando de forma positiva na construção do conhecimento. Esta foi a meta perseguida durante as rodas dialógicas, seja de leitura ou escrita. Sendo assim, as aulas foram construídas de forma a articular todos os projetos e proporcionar um ambiente alfabetizador cheio de possibilidades.

Nesse contexto, buscamos a leitura fílmica como um recurso didático que proporcionou uma diversificada forma de interação. As imagens, os sons, as músicas e falas, o cenário, enfim, os contextos de um filme trazem uma percepção auditiva e visual muito grande para o desenvolvimento cognitivo das crianças. A construção da releitura de um filme, realizada com a participação ativa dos alunos, estimulou sua criatividade, trazendo as vivências de cada um, de forma a intercalar o real e o imaginário, sendo todo esse processo articulado às práticas de alfabetização e letramento. Paralelo a este processo, a produção escrita das falas das personagens e a construção em imagens do aprendizado (desenhos) foram elementos constitutivos dessas práticas. Os aspectos da oralidade não ficaram em segundo plano, haja vista que é a partir dela que a criança, no processo de alfabetização, adquire ferramentas significativas para a aquisição da língua, tais como a consciência fonológica, que sintetiza a conscientização dos sons constituintes das palavras, durante o aprendizado da leitura. Nesse sentido, a atuação do educador visou incentivar o aperfeiçoamento dessa oralidade existente

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para que a criança a utilizasse como apoio para a sua ampliação linguística, de forma lúdica. O filme e o desenho colaboraram muito com o processo de aquisição da leitura e da escrita.

As rodas dialógicas foram elementos-chave, inovadores, no processo ensino-aprendiza-gem. Elas proporcionaram aos seus participantes a visualização de todos os outros, ocorrendo também a interação visual, oral e humana entre eles. Mais que isso, no processo de alfabe-tização das turmas trabalhadas na Escola Ruy de Lima Maltez, as rodas dialógicas geraram uma resposta positiva dos alunos que, se sentindo mais confiantes em poder expressar suas ideias e opiniões, construíram saberes tomando como alicerce suas próprias práticas codi-dianas. Outro ponto a ser destacado nesta proposta é o aprendizado das crianças na prática do saber ouvir e respeitar o momento do outro para que possa se manifestar. Este momento também é organizado para que as crianças possam se expressar livremente ou de acordo com as provocações do mediador. Foi observado que a imagem do professor como fonte única do saber é quebrada quando se permite o seu diálogo com as crianças sentadas em posições equivalentes. A roda dialógica, nessa perspectiva, ocorreu em diversos momentos das aulas, variando de acordo com as intencionalidades do mediador.

Já as atividades lúdicas (filmes, desenho, cirandas etc.) promoveram a participação integral da criança no jogo ou brincadeira. O lúdico contribuiu no desenvolvimento motor, social, afetivo e psicológico da criança. O ato de brincar exercitou a memória e a imaginação, elementos tão importantes no processo de alfabetização.

O ato de brincar é extremamente importante, pois incentiva a utilização de jogos e brin-cadeiras. No brincar, existe sempre participação, com ou sem brinquedo, proporcionando a aquisição de novos conhecimentos.

Brincar é uma das atividades fundamentais para o desenvolvimento da identidade e da autono-mia. O fato da criança, desde muito cedo poder se comunicar por meio de gestos, sons e mais tarde, representar determinado papel na brincadeira, faz com que ela desenvolva sua imaginação. Nas brincadeiras, as crianças podem desenvolver algumas capacidades importantes, tais como a atenção, a imitação, a memória, a imaginação. Amadurecem também algumas capacidades de socialização, por meio da interação, da utilização e da experimentação de regras e papéis sociais.(LOPES, 2006, p. 110)

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Segundo Moreira (1996), “[...] a educação tradicional evita o jogo porque não se preocupa com a auto-expressão; o que vale é o atendimento a regras preestabelecidas que devem ser apenas cumpridas ou no máximo melhoradas em um caminho previamente traçado”.

Pintando, recortando papéis, jogando bola ou sendo um super-herói, a criança sente-se à vontade, utilizando uma linguagem própria que lhe é familiar. Ao ver isso respeitado e compartilhado pelo adulto, há como que um sinal verde para o desenvolvimento da espontaneidade e da criatividade. (MOREIRA, 1996, p. 55)

A brincadeira e o jogo são essenciais para se compreender a realidade através da ima-ginação, dessa forma, a criança pode ter controle da realidade, vivenciando seus medos e podendo até solucionar alguns de seus conflitos. Para que isso ocorra é necessário que os pais e professores, enfim, o adulto, respeite e vivencie as brincadeiras e os jogos com as crianças, pois só assim elas se sentirão seguras para se autoexpressar. Como afirma Moreira (1996), o professor, ao participar dos jogos e brincadeiras, ajuda os educandos a perceberem como podem conviver e participar da aprendizagem humana em geral.

O professor é o facilitador dos jogos e das brincadeiras. Ele deve brincar com as crianças, assim pode abrir espaço para que elas questionem as brincadeiras, estimulando, inventando espaços, sendo participantes, ou seja, fazendo a mediação da construção do conhecimen-to. “[O professor] deve jogar com as crianças e participar ativamente de suas brincadeiras, talvez seja o caminho mais seguro para obter informações e conhecimentos sobre o mundo infantil.” (RIZZO, 1996, p. 27)

Embasadas nessa perspectiva lúdica, as práticas pedagógicas alfabetizadoras das bol-sistas do programa PIBID – Pedagogia buscaram permitir momentos de jogos educativos e brincadeiras. Utilizando-se de dinâmicas de grupo adequadas para a idade das crianças e jogos com o alfabeto móvel, foram proporcionados momentos coletivos de aprendizagem na construção de palavras. Potencializando as aulas, agregando ludicidade e explorando o universo artístico, foi fácil compreender que é possível despertar nos educandos o interesse pela música, teatro, poesia e literatura, entendendo que estas expressões são de extrema im-portância para a construção de cada sujeito, agindo, sobretudo, nas suas funções intelectuais. Buscando inserir as dimensões artísticas, através de jogos e brincadeiras e não resumindo a

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arte em recreação, mesmo sabendo da importância desta, não se perdeu de vista o objetivo que era a alfabetização e o letramento, presentes em cada atividade apresentada aos alunos.

O papel do jogo no desenvolvimento infantil é destacado por autores como Piaget, Vygotsky, e Freinet. Cada qual com sua leitura, eles concordam que o jogo envolve não só informação, mas também afetos, representações simbólicas, conceitos, significados e as bases para o exercício de uma cidadania autônoma e cooperativa, à medida que ocasiona a participação ativa da criança, em vez do habitual posto de observadora que frequentemente lhe é reservado na sala de aula. (OLIVEIRA, 2003, p. 7)

Outra importante ferramenta, o teatro, foi utilizada por se tratar de uma linguagem ar-tística que favorece a representação simbólica, a cooperação, a comunicação, a expressão do corpo, a solidariedade, o equilíbrio, o respeito e a noção espacial, remetendo mais uma vez à expressão da criatividade, como já dito anteriormente.

A arte pode contribuir imensamente para o desenvolvimento da criança, pois é na interação da criança com seu meio que se inicia a aprendizagem. Essa arte tem início quando os sentidos da criança estabelecem o primeiro contato com o ambiente, e ela reage a essas experiências sensoriais. Tocar, cheirar, ver, manipular, saborear, escutar, enfim, qualquer método de perceber o meio e reagir contra ele é, de fato, a base essencial para a produção de formas artísticas. (ZANIN, 2004)

A conscientização da preservação e do cuidado com o meio ambiente

Como já citado anteriormente, o meio ambiente foi o tema norteador de um dos projetos realizados na Escola Ruy de Lima Maltez, e por já estar fazendo parte das atividades reali-zadas pelos alunos, como tema transversal, percebemos que infelizmente este é um assunto de caráter emergencial, que precisa ser levado à sociedade, sobretudo às crianças, para que percebam, através de um olhar sensível, o estado crítico em que se encontra nosso planeta.

Buscar desenvolver nas crianças a ideia de que é preciso construir uma consciência ambiental, é garantir-lhes o acesso a conhecimentos básicos, como o respeito à vida, por

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exemplo. A escola, portanto, constitui-se em espaço ideal para auxiliar a formação dessas crianças no sentido de que saibam que são sujeitos corresponsáveis por todo o contexto so-cioambiental. Desenvolver esse conceito é, antes de mais nada, desenvolver o pensamento crítico e político da criança.

Nesse contexto, fica evidente a importância de se educar os futuros cidadãos brasileiros para que, [...] venham a agir de modo responsável e com sensibilidade, conservando o ambiente saudável no presente e para o futuro; [...] saibam cumprir suas obrigações, exigir e respeitar os direitos próprios e os de toda a comunidade, [...] encontrem acolhida para ampliar a qualidade de suas relações intra e interpessoais com o ambiente tanto físico quanto social. (BRASIL. Ministério da Educação, 1997c, p. 25-26)

Nesse foco, o trabalho lúdico também fundamentou o estudo das questões ambientais, pois se entendeu que a linguagem expressiva se instrumentaliza a partir do uso da língua para transmitir sentimentos e posturas, possibilitando criar nas próprias crianças uma mensagem de respeito ao meio ambiente através do sensível e da crítica.

Ao propor trabalhar com os alunos nessa abordagem que envolve a questão ambiental, incorremos também na questão de desenvolver ações estimulando o reaproveitamento de materiais vistos como sucatas. Expor para os alunos uma relação direta com a degradação do meio ambiente e os excessos que cometemos na produção absurda de materiais que vão para o lixo, também configura uma análise do modo de relação dominadora do ser humano sobre a natureza. Por isso, muitas atividades tiveram como recurso didático o uso de materiais recicláveis para a confecção de trabalhos pelos alunos e, com isso, outro olhar estético pôde ser criado nas crianças, para que elas passassem a ver a beleza não apenas no “novo”, mas também naquilo conceituado como “velho”.

Para muitos, o trabalho com a reutilização de materiais pode não ter grande significado. Os materiais descartados por nós, sociedade em geral, pode e deve ser utilizado como prin-cipal fonte de matéria-prima, mas, infelizmente, para grande parcela da sociedade, é visto como sem valor, acarretando seu principal destino: o lixo. Porém, para uma grande parte da população necessitada e carente, pode ser considerado o principal meio de obtenção de renda, através das chamadas cooperativas de reciclagem. Por isso, faz-se necessária a divulgação

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desta prática de reutilização, também conhecida como reciclagem, seja para as crianças da Escola Ruy de Lima Maltez, assim como para a sociedade em geral. Propor atividades com esse tema, aliado à prática do não desperdício, pode ser uma grande chance de garantia da consciência permanente em prol do meio ambiente, propiciando para os alunos um posicio-namento de manipulação positiva do homem frente à natureza.

Etnografia do cotidiano escolar: Descrevendo algumas atividades e projetos

Projeto Expressões Artísticas: abordagens educativas na Escola Ruy de Lima Maltez (turma do 1º ano)

Criado com o objetivo de nortear as atividades do primeiro semestre de 2011, o projeto Expressões artísticas: abordagens educativas na Escola Ruy de Lima Maltez foi integrado ao projeto anual da escola, que aborda a evidente necessidade de discussão da problemática ambiental na sociedade contemporânea. Valorizando a ludicidade, este projeto utilizou a abordagem arte-educadora, buscando assim desenvolver “[...] experiências de aprender e criar, articulando percepção, imaginação, sensibilidade, conhecimentos e produção artísti-ca pessoal e grupal”. (BRASIL. Ministério da Educação, 1997a, p. 45) A partir destes dois projetos, na turma do 1º ano, o tema gerador foi “água: um recurso natural precioso”. Com base neste tema, durante as aulas, foram construídas formas de articular todos os projetos e proporcionar um ambiente alfabetizador repleto de possibilidades.

As intervenções em sala de aula, baseadas nos projetos, foram iniciadas no dia 24 de março, semana do dia mundial da água, tendo como tema a preservação da água. A aula foi iniciada com o momento da roda dialógica e a leitura do livro infantil Lá Lá a latinha de lixo, de Socorro Miranda. Após esta leitura, interpretamos e discutimos, juntamente com as crianças, as mensagens transmitidas no livro, tais como preservação ambiental, reciclagem e o cuidado com os rios. No decorrer do diálogo, um dos educandos observou que próximo

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de sua casa tinha um rio que virou esgoto porque as pessoas jogaram lixo. Aproveitando este relato, provocamos uma reflexão crítica sobre o tema.

Desde o início de nossas atividades, reservamos o momento da roda dialógica no plane-jamento. A roda geralmente ocorreu no início das aulas de forma proposital, já que a partir dela pudemos nos aproximar dos educandos, aproveitando suas falas para conhecê-los, veri-ficar seus conhecimentos prévios, que, trazidos para o cotidiano escolar, deram suporte para investigarmos atividades de acordo com os seus gostos e saberes.

As rodas de conversas, também círculos de cultura ou rodas dialógicas, fazem parte da prática pedagógica cotidiana das bolsistas junto aos sujeitos da aprendizagem. Acredita-se que a roda de conversa proporciona aos seus participantes a visualização de todos os outros, ocorrendo também a interação visual entre eles. Mais que isso, no processo de alfabetização no 1º ano do ensino fundamental, onde muitas crianças, principalmente as da rede pública, têm seu primeiro acesso à escola, o desenvolvimento da oralidade é essencial, pois ocasiona a inter-relação entre a linguagem e o pensamento.

Neste mesmo dia, 24 de março, ocorreu a exposição dialógica que sistematizou a dis-cussão ocorrida. Assim, propomos para a turma a construção coletiva de cartazes, sobre o dia da água. Neste momento, pudemos perceber que as crianças interagiam entre si, procu-rando imagens que representassem a beleza da água e sua importância. Para finalizar, todas as crianças identificaram os cartazes com seus nomes.

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Figura 1 - Atividade escrita/dia da águaFonte: Elaboração própria. Projeto PIBID - Pedagogia.

Em nossa proposta de alfabetização, valorizamos também a utilização da leitura de diversos gêneros e tipos textuais, inserindo desta forma as crianças no mundo da escrita. Acreditamos que a escola é um dos espaços que deve favorecer as práticas de letramento e contribuir para a percepção dos alunos, no que tange à diferença entre a linguagem oral e a escrita, além da variedade de textos. Realizamos debates sobre os textos lidos para aguçar o poder da oralidade, a interpretação e o senso crítico das crianças.

Já na quinta aula, escolhemos a poesia como fonte inspiradora e, como de costume, sentamos em uma roda para declamar a obra Em Família, de Luiz Camargo. As crianças ficaram encantadas com a poesia, principalmente com a parte em que o autor descreveu o som da água plim plim! Após a leitura, provocamos os educandos a interpretar a poesia. Eles colocaram suas impressões sobre o texto e enriqueceram a discussão, articulando o cotidiano vivenciado fora da escola com a obra lida, sendo isto imprescindível ao processo de alfabetização e letramento. Nesse sentido, nossa intervenção enfatizou a leitura como

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instrumento didático indispensável, que desperta a imaginação, a criatividade e a ludicidade nos pequenos leitores.

Prosseguimos a intervenção com a divisão da turma em dois grupos, que foram convida-dos a construir três palavras que lhes chamaram a atenção no texto. As crianças utilizaram o alfabeto móvel para a formação das palavras. Quando os grupos finalizaram a tarefa, colamos no quadro as palavras da forma como as crianças as construíram, respeitando as hipóteses de cada grupo, para que todos pudessem visualizar e analisar o que foi produzido, possibi-litando a compreensão dos diversos aspectos da língua escrita. Neste momento, as próprias crianças perceberam que uma só palavra foi escrita de diferentes formas, a exemplo disto, temos a palavra família que foi produzida das seguintes formas:

FA-MI-LA FA-MI-LHA

No processo de aquisição de leitura e escrita, o aprendiz “[...] deve ter a consciência dos pedacinhos que compõem a corrente da fala e perceber as diferenças de som pertinentes à diferença de letras”. (LEMLE, 2007, p. 9) Esta fase de aprendizado é bem explícita neste exemplo, pois as crianças não conseguiram representar o som da letra I com a grafia adequada dentro da palavra, assim, de acordo com o que já dominavam na língua escrita, associaram o som da letra I, com o encontro vocálico LH ou simplesmente suprimiram a letra I. Podemos analisar que, pelo grau de dificuldade da palavra escolhida, as crianças tiveram um bom resultado em sua construção. Os estudiosos em linguística afirmam que a sílaba composta por consoante-semivogal-vogal é considerada uma sílaba pesada (SANTOS, 2010), portanto não são indicadas para o processo inicial de alfabetização. Lembramos que esta palavra foi escolhida pelas próprias crianças e o processo de construção representou um passo impor-tante para a sua aprendizagem.

Caminhando para os momentos finais da execução dos projetos, partimos para a utili-zação da leitura fílmica, um recurso didático que proporciona uma diversificada forma de interação. As imagens, os sons, as músicas e falas, o cenário, enfim, os contextos de um filme trazem uma percepção auditiva e visual muito grande para o desenvolvimento cognitivo das crianças. No dia da reprodução do filme Procurando Nemo, dirigido por Andrew Stanton, as

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crianças aguardavam ansiosas, pois esta atividade culminaria na releitura do filme para a produção teatral. De início, perguntamos previamente quem já tinha assistido ao filme e algu-mas crianças responderam positivamente, mas desejaram assistir novamente. Quando o filme acabou, perguntamos o que eles mais gostaram na história, os aspectos positivos e negativos. Eles lembraram muito dos personagens, e à medida que falavam o nome dos personagens escrevíamos no quadro, para que eles pudessem visualizar a forma escrita desses nomes. Foi a partir deste momento que eles começaram a escolher, por afinidade, os personagens que iriam interpretar, antes mesmo de criar a nova história.

Nas aulas seguintes, tratamos de iniciar a produção da peça, com a mediação das bolsistas-pesquisadoras, construção que foi realizada pelas crianças. Seguindo o exemplo do filme, elas decidiram que o personagem Nemo nessa nova história também seria roubado de sua família e, diferente do filme, a mãe de Nemo não morreria, isso por que as crianças não gostaram da morte da personagem, fazendo questão de que esta se fizesse presente du-rante todo o período da encenação. Como já tinham escolhido as personagens e o enredo da história, passamos para a construção das falas e as crianças começaram a decidir o que iam falar. A construção desta releitura do filme foi processual, pois a cada ensaio surgiam novas ideias que ocorriam articuladamente com as práticas de alfabetização, com a produção escrita das falas e a construção em imagem, do aprendizado. As crianças também participaram da confecção de suas fantasias, pois no decorrer das aulas era visível o interesse de todos, que faziam questão de ensaiar para que nada desse errado no dia da apresentação. Durante este processo, fazíamos questão de enfatizar o papel da água e sua preservação, já que o lugar onde se passou a peça foi o mar, e, para que os animais aquáticos pudessem sobreviver, seria necessário um ambiente limpo e conservado.

Finalmente, numa bela tarde ensolarada e com o céu azul, ocorreu o dia tão esperado por todos. Logo após o horário da merenda, começamos a arrumar as crianças. A apresentação deles foi linda, estavam muito seguros, por se tratar de uma produção deles. Ficaram muito felizes com a apresentação, comemoravam abraçando as bolsistas pesquisadoras, avaliando a apresentação – “pró eu adorei, eu falei muito baixo?” – indagou uma aluna, demonstrando sua preocupação e interesse por todo o trabalho desenvolvido.

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Projeto Expressões Artísticas: abordagens educativas na Escola Ruy de Lima Maltez (turma do 2º ano)

Nossa abordagem consiste em promover a interação da alfabetização e do letramento dos educandos através da arte-educação, de modo a utilizar a oralidade, já que é a partir dela que a criança, no processo de alfabetização, adquire consciência fonológica, além de outros aspectos, como a conscientização dos sons constituintes das palavras durante o aprendizado da leitura e da soletração. A atuação do educador visa incentivar o aperfeiçoamento dessa oralidade existente para que assim a criança a utilize como apoio para a sua ampliação, que servirá de alicerce no processo da escrita.

Intercalando a confecção do cenário com os ensaios da peça, o produto final do nosso projeto foi a encenação da adaptaçao da fábula de La Fontaine A cigarra e a formiga, na qual os alunos tiveram a oportunidade de se caracterizar e interpretar os animais com o auxílio de máscaras e adereços, confeccionados por eles, a partir de materias de sucata. A participação dos pais na plateia, tanto quanto a comunidade escolar, provocou certa timidez nos alunos, mas não o bastante para ofuscar o seu interesse e animação.

Embora seja comum ao teatro na educação infantil se utilizar de textos já prontos, no processo de alfabetização e letramento, fica rica e mais interessante a utilização desses textos como base para uma nova releitura, esta, sendo realizada pelos educandos. Essa metodologia propicia a interação do cotidiano vivido por eles com novas informações, possibilitando à criança a recriação e a criação dos personagens que farão parte da história, a partir da sua compreensão do mundo.

O objetivo do nosso projeto foi trazer o lúdico para o processo de alfabetização e letra-mento, bem como uma forma de traduzir, através do diálogo inicial construído pelos alunos conosco, o desejo de se trabalhar com um tema que não lhes pareça estranho, contemplando aspectos que sejam concretos para a criança, tais como a grande familiaridade por parte dos educandos com o universo animal e como esse conhecimento se diferenciava de um aluno para outro, citando casos especiais, como o aluno G, que trouxe o exemplo do escorpião, como sendo um animal que ele achava interessante, distinguindo-se dos demais alunos, que, em sua maioria, só falavam de animais domésticos e de grande porte. Outro ponto curioso foi

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quando a aluna E (uma das alunas que menos falava na classe), disse que gostaria de ser uma coelhinha, associando esse animal ao gênero feminino. Já com o aluno L, que habitualmente não conseguia se concentrar nas atividades, percebemos bastante interesse de sua parte ao mostrar-se atento a tudo o que se passava na aula, fato que nos trouxe muito contentamento. Com foco na alfabetização, solicitamos aos educandos a produção de um texto, contendo palavras orientadoras, visando materializar o conhecimento sobre o tema dos animais, tra-balhado na roda dialógica. As palavras que direcionaram essa produção de texto foram: “Eu” (nome do aluno), “gostaria de ser” (nome de um animal) “por que” (características que eles associavam e admiravam naquele animal citado). Além disso, solicitamos que ilustrassem o texto escrito (metodologia aplicada para envolver todos na atividade, já que alguns ainda não dominavam a escrita), eliminando assim qualquer possibilidade de exclusão.

Estimulando a compreensão e a construção da escrita e da leitura, que são os focos cen-trais do processo de alfabetização, em se tratando da realidade da escola pública, supõe-se que este primeiro contato com a arte sensorial aconteça somente dentro do espaço escolar, depois da passagem pela pré-escola, pois é bem provável que, sem ser dessa forma, essas crianças passem uma vida inteira sem ter contatos sensoriais desse tipo. Sabemos o quanto a criança de baixa renda carece de tipos variados de lazer e, incluir no currículo essa disciplina diversificada, seria uma oportunidade de crescimento criativo de seu intelecto.

Pincelando também a conscientização ambiental, empregamos materiais reutilizáveis na prática pedagógica da aprendizagem cidadã, com a técnica das rodas dialógicas, cujo tema foi o respeito e os cuidados com os animais. Neste artigo, queremos, de alguma forma, contribuir em especial com aqueles educadores que esperam estimular a valorização do meio ambiente, partindo do próprio processo ambiental que seus educandos vivenciam, cooperando assim para o aperfeiçoamento de novas atitudes.

O meio ambiente foi o tema norteador em um dos projetos realizados na Escola Ruy de Lima Maltez, e por já estar fazendo parte das atividades realizadas pelos alunos, entendemos que infelizmente as questões acerca da ecologia e do meio ambiente se tornaram assunto urgente no mundo contemporâneo, necessitando ser debatidas profundamente e ensinados novos modos de relação com o ambiente, sobretudo junto às crianças, para que elas decidam

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por si mesmas, como viver e atuar em nosso planeta, espera-se que de forma mais sensível e crítica. Por isso, o trabalho lúdico envolvendo a natureza baseou o nosso objeto de pesquisa, pois se entendeu que a linguagem expressiva se instrumentaliza a partir do uso da língua para transmitir sentimentos e posturas e, enfim, criar nas próprias crianças uma mensagem de respeito ao meio ambiente.

Por se tratar de um tema abrangente e na tentativa de melhor utilizá-lo, fez-se um recorte focando as atividades no subtema animais e suas respectivas onomatopeias. Por perceber, na grafia desses sons, que se diferenciam por não obedecerem aos padrões formais da linguagem oral utilizada por eles, servindo como fonte rica de novos conhecimentos fonológicos e novas formas de explorar e conhecer novos sons graficamente e assim contribuir para a assimilação da relação fônica (conceito: s. f. uma forma de ensinar leitura e soletração que enfatiza as relações símbolo-som usadas especialmente na instrução inicial). As crianças e/ou sujeitos envolvidos no processo da aquisição da linguagem escrita, ao perceberem que a linguagem dos animais pode ser grafada, têm a percepção que lhes possibilita ousar a produzir não só essa grafia, mas também outras do seu cotidiano.

Inicialmente, nas rodas dialógicas, buscamos conhecer, sondar e socializar os conheci-mentos prévios das crianças sobre o tema. Em vários aspectos, o objetivo dessa atividade foi ter os primeiros contatos com as crianças, seguindo um diagnóstico informal, onde as orien-tamos para a organização de ideias, respeitando a vez do outro. Nessa atividade, detectamos a familiarização das crianças com os animais, quando começaram a discernir atributos, tais como cor, alimentação, modo de locomoção, classificação e suas preferências, assim como ampliamos os conhecimentos já adquiridos, com novas informações acerca dos cuidados que se deve ter ao entrar em contato com determinados animais, e quais animais podem ser de estimação e domesticados. Nessa perspectiva, acreditamos ter contribuído para a ampliação dos conhecimentos sobre a diversidade do reino animal, salientado que é necessário aprender a observar, a respeitar e amar os animais. Através de debates propiciados nas rodas dialógicas, pudemos também observar os aspectos da oralidade dos alunos.

Para nossa satisfação, o assunto foi muito bem recebido, propiciando um diálogo animado em que até os mais tímidos participaram de forma entusiasmada, direcionando a construção

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Alfabetização para a infância: práticas etnográficas

dos próximos objetivos do projeto. Nessa atividade diagnóstica, pudemos perceber a capa-cidade de se favorecer o processo de aprendizagem através da utilização da mensagem de autoria infantil, em que a criança, na fase da alfabetização, executa por ela mesma, se propõe a transmitir informação oral a terceiros, segundo o Dicionário de alfabetização, organizado por Theodore L. Harris e Ricard E. Hodges (1999).

Foram observados aspectos como relações interpessoais, sendo possível realizar ativida-des incluindo alunos que a princípio se recusavam a trabalhar juntos, eram inibidos ou sem interesse nas atividades.

Figura 2 - Atividades no 2º anoFonte: Elaboração própria. Projeto PIBID - Pedagogia.

Foi gratificante perceber o sucesso dessa atividade que mostrou como a roda dialógica é uma excelente ferramenta de apresentação de conteúdos, por que foi através dela que boa parte do trabalho foi construído e executado pela própria criança naquele momento. Outra grande surpresa foi a participação entusiasmada de todos, com o processo formado por um conjunto de atividades, que ressaltamos especificamente a oral, a escrita e a pictórica. O ca-pricho que os alunos demonstraram em seus desenhos – colocando desde árvores até o Sol,

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como também carros e aviões, e as cores utilizadas por eles – demonstrou como estavam confiantes e autônomos em realizar a atividade, o que ressalta o envolvimento de todos.

No encontro seguinte, socializamos os textos produzidos, como forma de estimular e valorizar o trabalho deles. Em seguida, levamos para a sala de aula um conjunto de cartões confeccionados com papel duplex, de cores variadas, contendo várias imagens, nomes e a grafia do som produzido pelo animal, para que os alunos fizessem a associação, provocando a compreensão da relação grafema-fonema, de acordo com os sons produzidos pelos animais, dentro de uma perspectiva lúdica. A proposta da nossa atividade seria que as crianças fizessem a correspondência entre a figura do animal – em um cartão, com o nome da respectiva figura desse animal – escrito em outro cartão e o som característico produzido por este animal – escrito num terceiro cartão. Todos os cartões deveriam ser organizados de forma horizontal, em um pedaço de papel metro, seguindo os seguintes critérios: imagem, nome e som.

Percebemos, nesta atividade, diversas situações nas quais os alunos usaram diferentes estratégias para realizar a correspondência. As que mais nos chamaram a atenção foram as seguintes: separavam imagem, som e nome, para só depois contar, verificando assim, se a quantidade de cartões que formavam os conjuntos estava correta (três ao todo), em seguida, relacionavam ao que haviam colocado no papel metro. Outra estratégia cognitiva empregada foi associar o nome do animal com a primeira letra dele (ou seja, para o nome pato, procu-ravam a letra “P”). Como a atividade foi realizada em grupo, percebemos que o aluno do grupo que dominava mais a leitura ficava responsável pelo nome do animal, ficando para os outros as atividade de selecionar a imagem correspondente e colar no papel metro.

Ressaltamos que tínhamos preferência em trabalhar as atividades com pequenos grupos de alunos, pois proporcionam trocas de experiências entre eles, levando-os a compartilhar saberes e a levantar questões e respostas. Além do mais, essa metodologia permite trabalhar com as diferenças, pois, através do sorteio para a formação das equipes, conseguimos fazer com que aqueles alunos que se negavam a realizar as atividades participassem ativamente da mesma, em grupo. E os alunos mais introspectivos, tiveram participação significativa através do diálogo com os colegas, conseguindo resolver alguns impasses como, por exemplo, trocar o nome do animal sorteado, ampliando dessa forma as relações interpessoais no ambiente

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escolar. Outra possibilidade encontrada foi a promoção da aceitação do próprio nome por parte de alguns alunos envolvidos, já que estes preferiam ser chamados por seus apelidos. A valorização do nome chegou como ferramenta para diferenciar um ser entre seus comuns, utilizando argumentos, tais como o cachorro tem muitos nomes, mas o cachorro de fulano se chama Pitoco, demonstrando dessa forma como o nome é importante para os indivíduos, quer sejam animais ou não e todas as coisas em geral, para que estas tenham diferenciações e sejam valorizadas em suas diferenças.

Elogiar sempre as atitudes positivas dos alunos e suas assertivas foi uma estratégia que usamos para contribuir de forma positiva na elevação da autoestima, propiciando mais avan-ço na construção do seu conhecimento. A socialização dessa atividade foi realizada após o término da mesma.

Dando continuidade ao processo, e nos concentrando no trabalho de alfabetização e letramento, fizemos, nesse terceiro momento, a inserção de uma fábula, como ferramenta de comunicação escrita e oral. Sendo um gênero textual diferenciado e rico em ludicidade, ao mesmo tempo em que aperfeiçoa a capacidade de reflexão sistemática sobre a língua e a linguagem, possui ainda uma característica muito interessante, já que as personagens são geralmente animais, forças da natureza ou objetos que apresentam características humanas, tais como a fala, os costumes etc., permitindo, dessa forma, uma maior assimilação do enredo.

Lemos para os alunos a fábula A cigarra e a formiga, de La Fontaine, aplicando em se-guida uma atividade de estudo dirigido, permitindo que eles intepretassem e construíssem um texto adaptado com as informações já compreendidas que seriam, então, a base para o enredo de uma peça encenada por eles, sob nossa orientação. Após a construção do texto, foi realizado um sorteio para determinar quem interpretaria cada personagem na peça. Foi combinado com os alunos que todos usariam máscaras e que no texto haveria o uso das onomatopeias, como forma de comunicação, com exceção dos personagens principais da fábula (a formiga e a cigarra). A preferência por algumas personagens foi unânime, como, por exemplo, o leão. Ao serem indagados sobre o por quê desse interesse, a resposta dada era: – Porque o leão é o rei da floresta e é o mais forte! – característica muito valorizada pelos alunos. Como fizemos um acordo anterior, foi acertada a troca de personagens entre

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eles, permitindo assim que todos apresentassem as personagens que mais lhes agradavam. Foi fácil sentir a empolgação entre todos, por se tratar de uma atividade que se diferenciava do cotidiano vivenciado pelos alunos no ambiente escolar. Percebemos um maior interesse na atividade referente à construção coletiva do texto, realizado em grupo, em relação à in-dividual, que foi o estudo dirigido da fábula e a valorização dos alunos sobre a orientação que demos a respeito da importância de permitir e escutar a voz do outro. A lição moral foi entedida pelos envolvidos no processo.

Figura 3 - Construção do cenárioFonte: Elaboração própria. Projeto PIBID - Pedagogia.

Nos encontros seguintes, a atividade central foi a confecção das máscaras e do cenário. Para as máscaras, utilizamos bolas de soprar, jornal e cola, além de gravuras de animais que seriam personagens da peça. Cada aluno ficou responsável em enfeitar sua máscara. A utilização do jornal foi a forma encontrada para trabalhar com as crianças a abordagem da preservação do meio ambiente. Para nós, o trabalho com a reutilização de materiais tem um grande significado, pois se constitui fonte de matéria-prima riquíssima e inesgotável, mas que, infelizmente, nem sempre é aproveitada. Nessa perspectiva, procuramos passar para os alunos que a reutilização de materiais vistos como lixo pode e deve ser fonte de renda, e para isso é preciso que nos reeduquemos no destino que damos ao nosso lixo, procurando acondicioná-lo de forma seletiva. Dentro desse contexto, da reutilização de materiais, ensinamos os alunos a construírem todo o cenário e adereços utilizados na peça (o violão, uma folha de árvore

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e a casinha da formiga foram feitos de papelão; a coroa da formiga e as flores foram feitas de tampa e de garrafa pet; as frutas, matinho e outros adereços foram confeccionados com revistas, jornal e outros tipos de papel, além de tintas, cola etc.), demonstrando assim que há a possibilidade de se reaproveitar todo tipo de material, ajudando assim a preservar o meio ambiente. Como afirma Costa e outros (2006 apud VyGOTSKy, 2003, p. 88), “o melhor são as obras compostas pelas crianças [...] pois assim elas compreendem melhor as obras e não ficam só decorando frases e palavras difíceis”.

Proposta de conclusãoFoi com muita alegria que visualizamos o modo como se desenvolveu todo o processo,

com a participação ativa das crianças, em todas as etapas. Percebemos o quanto é engrande-cedor trabalhar em parceria com educandos e os demais agentes da educação, pois o nosso desempenho sempre objetivou mudar a visão, que ainda persiste, da criança como agente passivo da construção de conhecimento.

O entusiasmo foi parceiro constante de toda a comunidade escolar. Desse modo, a compreensão das crianças foi satisfatória, pois conseguiu mobilizá-las acerca da criação da adaptação de histórias já conhecidas no cenário dos adultos. O resultado desse produto foi além da peça, alcançando aspectos intrapessoais, interpessoais, sociais, políticos e o aperfei-çoamento da capacidade de se sentir autônomo na sua oralidade em sala de aula.

Percebemos, ao longo do período de validação do projeto PIBID – Pedagogia, resultados significativos do trabalho desenvolvido pelas bolsistas pesquisadoras, quando analisamos todo o processo de desenvolvimento do acesso ao conhecimento das crianças com vistas ao alcance do êxito na sua prática escolar. A impressão referente à prática pedagógica também foi positiva, já que, por se tratar de bolsistas pesquisadoras e futuras professoras alfabetiza-doras, pôde-se desenvolver uma melhor visão sobre o processo de alfabetização e aprimorar nossa prática alfabetizadora ao longo desses dois anos.

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ReferênciasANDRÉ, Marli E. D. A. A pesquisa no cotidiano escolar. In: FAZENDA, Ivani (Org.). Metodologia da pesquisa educacional. 11. ed. São Paulo: Cortez, 2008.

BRASIL, Ministério da Educação. Parâmetros Curriculares Nacionais: artes. Brasília: Secretaria de Educação Fundamental, 1997a.

______. Parâmetros Curriculares Nacionais: 1ª à 4ª série. Brasília: Secretaria de Educação Fundamental, 1997b.

______. Parâmetros Curriculares Nacionais: meio ambiente. Brasília: Secretaria de Educação Fundamental, 1997c.

HARRIS, Theodore L.; HODGES, Richard E. Dicionário de alfabetização. Tradução de Beatriz Viégas- Faria. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1999.

LEMLE, Miriam. Guia teórico do alfabetizador. 17. ed. São Paulo: Ática, 2007.

LOPES, Vanessa Gomes. Linguagem do corpo e movimento. Curitiba: Fael, 2006.

MOREIRA, Paulo Roberto. Psicologia da educação: interação e identidade. 2. ed. São Paulo: FTD, 1996.

OLIVEIRA, Denise Soares. Oficinas de recreio. São Paulo: Paulinas, 2003.

PALANGANA, Isilda Campaner. Desenvolvimento e aprendizagem em Piaget e Vygotsky: a relevância social. 3. ed. São Paulo: Summus, 2001.

RIZZO, Gilda. Jogos inteligentes. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1996.

SANTOS, R. S. A aquisição da linguagem. In: FIORIN, José Luiz (Org.). Introdução à linguística. 6. ed. São Paulo: Contexto, 2010.

VIGOTSKy, L. S. La imaginación y el arte en la infância. Madri: Akal. 2003.

ZANIN, Vilma Pereira Martins. “Arte e Educação: um encontro possível”. Revista Científica da Universidade do Oeste Paulista, Presidente Prudente n.1, v.2, p. 57 – 66, jan./jun. 2004. Disponível em: <http://www.arteducacao.pro.br/downloads/arte-e-educacao.pdf > Acesso em 28 de Jul. 2011.

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Alfabetização para a infância: práticas etnográficas

CAPÍTULO 3

Práticas alfabetizadoras na Escola Municipal Vivaldo da Costa Lima

Álice Quele Leal Nascimento1

Cilia Silva dos Santos1

Eliete Farias da Silva1

Flavia Nascimento Silva1

Geruza do Nascimento Santana1

Rafaela Noronha Ritter1

Maria Valéria de Oliveira Oliveira2

IntroduçãoO estudo ora apresentado é baseado no desafio constante do educador, em contextualizar

os conteúdos e motivar o educando para a aprendizagem. Nesse intuito, nossa pesquisa ca-minhou, no âmbito escolar, buscando as vivências dos envolvidos no processo alfabetizador, para se chegar a um objetivo que tivesse efetiva significância no cotidiano da criança.

1 Bolsista PIBID – Pedagogia (graduanda).2 Bolsista PIBID – Pedagogia (Supervisora na Escola Vivaldo da Costa Lima).

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O professor, como mediador da aprendizagem, busca apropriar-se das tecnologias ine-rentes à prática educativa, entendendo a importância de integrar teoria e prática, respeitando a complexidade da sala de aula, por meio de pesquisa e formação continuada.

Compreendendo a relevância do entendimento de como funciona o ambiente escolar, percebemos o quanto é importante levantar os conhecimentos prévios dos alunos, aplicando diagnósticos, analisando os níveis de leitura e escrita dos educandos, imprescindíveis ao nosso trabalho. Após observarmos o ambiente da Escola Vivaldo da Costa Lima e a carência de trabalhos envolvendo conscientização, identidade, reflexão, ludicidade, resgate da cultura oral, produção coletiva, fomos instigadas a desenvolver Projetos Temáticos, possibilitando aos estudantes uma maior compreensão do eu, do outro e do mundo.

Por fim, buscamos focar nossas pesquisas na necessidade de uma prática pedagógica que estivesse inserida no universo infantil, trazendo para o alfabetizando a concretização do abstrato e dando significado ao seu aprendizado. Para iniciar este debate, faz-se necessário refletir sobre alguns aspectos da formação de professores no Brasil e do curso de Pedagogia, este que é o orientador das nossas ações no PIBID.

A prática docente: formação do educadorA partir do século XX, alguns movimentos geravam mudanças na educação, especial-

mente o movimento dos Pioneiros da Escola Nova, que lutava pela educação e pela fundação de universidades no Brasil.

Neste período, com a criação da Faculdade de Filosofia e Letras, que vai ser um dos pilares da Universidade brasileira, é instituído o curso de Pedagogia. Como todos os cursos das Faculdades de Filosofia Ciências e Letras, sua primeira finalidade era formar professores para o ensino secundário.

As Diretrizes Curriculares para o Curso de Pedagogia aplicam-se à formação inicial para o exercí-cio da docência na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental, nos cursos de Ensino Médio de modalidade Normal e com cursos de Educação Profissional, na área de serviços de apoio escolar, bem como outras áreas nas quais sejam previstos conhecimentos pedagógicos. A formação oferecida abrangerá, integralmente, a docência, a participação da gestão e avaliação

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de sistemas de instituições de ensino geral, e a elaboração, a execução, o acompanhamento de programas e as atividades educativas. (BRASIL. Ministério da Educação, 2006, p. 6)

Em 1996, a Lei de Diretrizes e Bases para a Educação Nacional (LDBEN) atribui as se-guintes funções:

Consideram-se profissionais da educação escolar básica os que, nela estando em efetivo exercício e tendo sido formados em cursos reconhecidos, são: trabalhadores em educação portadores de diploma de pedagogia, com habilitação em administração, planejamento, supervisão, inspeção e orientação educacional, bem como com títulos de mestrado ou doutorado nas mesmas áreas. (BRASIL, 1996, art. 61)

Devido às várias funções do professor, existem diversas maneiras de designá-lo, a de-pender da situação em que ele está sendo inserido. Como adjetivo, pode ser protetor, tutor, e, como sinônimo, catedrático, docente, doutor, educador, instrutor, lente, mentor, mestre, titular, treinador.

Entretanto, de acordo com a Lei complementar nº 036/2004, que dispõe sobre o Estatuto dos Servidores do Magistério Público do Município do Salvador, existem alguns critérios que devem ser analisados para que uma pessoa venha a exercer o cargo de professor.

No seu artigo 1º, observa que, para o ingresso no cargo de Professor, além de outros re-quisitos estabelecidos em lei, exigir-se-á Diploma de Professor, expedido por estabelecimento oficial ou reconhecido.

É necessário também que o professor tenha uma formação adequada a cada nível escolar.

a) para a educação infantil e o ensino fundamental da 1ª à 4ª série, exigir-se-á, como formação mínima, curso de graduação plena em Pedagogia ou curso Normal Superior, com habilitação em Licenciatura para Educação Infantil ou para as Séries Iniciais do Ensino Fundamental. b) para o ensino fundamental da 5ª à 8ª série, exigir-se-á, como formação mínima, curso de licenciatura em graduação plena, com habilitações específicas em área própria para a docência nas séries fins do ensino fundamental. (SALVADOR, 2004, art. 1º)

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O Ministério da Educação estabelece alguns requisitos para habilitar um profissional da educação:

Licenciaturas: os cursos de licenciatura habilitam o profissional a atuar como professor na Educação Infantil, no Ensino Fundamental e Médio. São cursos superiores de graduação que formam profissio-nais licenciados em Química, Física, Letras, Matemática, Geografia, Ciências Biológicas e Pedagogia. Normal Superior: curso superior de graduação, na modalidade licenciatura. Tem por finalidade for-mar professores aptos a lecionar na educação infantil e nos primeiros anos do ensino fundamental. Magistério: não é curso superior, mas de nível médio. Habilita o professor para lecionar na Educação Infantil. Pedagogia: o curso de Pedagogia é um curso superior de graduação, na modalidade de li-cenciatura e tem como finalidade formar professores para atuar na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental (até o 5º ano). É aquele professor que assume integralmente o currículo da série. Os cursos de pedagogia também formam profissionais para atuarem na gestão do sistema escolar, mas a prioridade é a formação de professores. Bacharelado: os cursos de bacharelado não habilitam o profissional a lecionar. São cursos superiores de graduação que dão o título de bacharel. Para atuar como docente, o bacharel precisa de curso de complementação pedagógica. E para lecionar no Ensino Superior exige-se que o profissional tenha, no mínimo, curso de Pós-Graduação Lato Sensu (especialização). (BRASIL, 1999)

Conforme a lei que rege a educação brasileira, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), a experiência docente é pré-requisito para o exercício profissional de quais-quer outras funções de magistério, nos termos das normas de cada sistema de ensino; para tanto, as funções designadas ao professor deverão levar em conta as seguintes recomendações:

São consideradas funções de magistério as exercidas por professores e especialistas em educação no desempenho de atividades educativas, quando exercidas em estabelecimento de educação básica em seus diversos níveis e modalidades, incluídas, além do exercício da docência, as de direção de unidade escolar e as de coordenação e assessoramento pedagógico. (BRASIL, 1996, art. 67)

A formação do docente se inicia no período escolar, no qual se adquirem conhecimen-tos, habilidades e experiências para o início da vida acadêmica. Na universidade, os futuros professores deparam-se com novos conhecimentos que lhe permitem refletir sobre educação, analisando inicialmente a sua própria educação. Segundo Tardif (2002), a formação docente

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começa antes da universidade, durante a formação escolar anterior que se transforma na formação universitária inicial.

A diversidade de disciplinas na universidade dá ao futuro educador saberes heterogêneos, até porque há diferentes modalidades de ensino, ações, objetivos e principalmente alunos de contextos sociais diferenciados, o que faz com que o professor, para cada uma dessas circunstâncias, ative um saber correspondente.

No passado, via-se a universidade como um espaço de teoria desassociada da prática, pois outros ambientes de ensino-aprendizagem se responsabilizariam pela última. Esse quadro, porém, vem mudando, já que o conhecimento não se restringe a um ambiente, dando-se na interação entre indivíduos e, partindo disso, a teoria e a prática se fundem.

Assim, a criação de alguns projetos, como o Programa Institucional de Bolsa de Inicia-ção à Docência (PIBID), o Programa de Educação Tutorial (PET), ambos de universidades públicas e financiados pelo governo federal (CAPES), que difundem a atuação inicial docente dos estudantes de Licenciatura, fazem com que os conhecimentos acadêmicos interajam com os saberes produzidos na prática. Soares e Cunha (2010), citando (GARCIA, 1999, p. 29) [...] quando retoma esse ponto, “[...]de modo a aprender a ensinar seja realizado através de um processo em que o conhecimento teórico possa integrar-se num currículo orientado para a ação”. E é a partir disso que as atividades de iniciação à docência vêm sendo desenvolvidas na Escola Municipal Vivaldo da Costa Lima, contribuindo para a formação desses futuros profissionais. Com uma formação contínua, já que não se limita à formação universitária, esses profissionais prosseguem, adquirindo novos conhecimentos e procedimentos atualizados, a partir de simpósios, congressos, seminários, eventos na área e até mesmo em especialização, nova graduação, mestrado, doutorado e pós-doutorado.

De acordo com a LDBEN, a formação dos profissionais da educação, de modo a atender às especificidades do exercício de suas atividades, bem como aos objetivos das diferentes etapas e modalidades da educação básica, terá como fundamentos:

I – a presença de sólida formação básica, que propicie o conhecimento dos fundamentos cientí-ficos e sociais de suas competências de trabalho; II – a associação entre teorias e práticas, me-

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diante estágios supervisionados e capacitação em serviço; III – o aproveitamento da formação e experiências anteriores, em instituições de ensino e em outras atividades. (BRASIL, 1996, art. 61)

Relatos das experiências pessoais em práticas alfabetizadoras

Figura 1 - Bolsistas do PIBID - PedagogiaFonte: Produção das autoras/bolsistas PIBID - Pedagogia.

Álice NascimentoEntrar no PIBID foi, a princípio, uma oportunidade de vivenciar a prática docente, essa

expectativa que eu tinha foi logo superada, porque, além da minha prática como docente, tive a oportunidade de desenvolver habilidades, como pesquisadora, de participação na organi-zação de seminários e atuar no Seminário Geral do PIBID, com a apresentação de trabalhos. Essas atividades, atreladas à experiência que tenho obtido com a docência, têm contribuído na minha formação profissional.

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O contato com a Escola Municipal Vivaldo da Costa Lima tem me proporcionado conviver com a realidade dura das escolas municipais, o que permitiu que eu não tivesse uma visão utópica da educação, porém uma visão esperançosa de que, com trabalho árduo e dedicado, a realidade pode ser alterada. Isso não quer dizer que as mudanças acontecem de imediato, mas que podem ser esperadas com paciência.

Figura 2 - Momentos de intervençãoFonte: Produção das autoras/bolsistas PIBID - Pedagogia.

Cilia SantosNo início desse projeto, eu tive um pouco de dificuldade, mas obtive o apoio e a orientação

da professora supervisora, bem como das outras bolsistas, que trocavam suas experiências. Posso dizer que, apesar de algumas dificuldades iniciais, acredito que obtive um bom cresci-mento profissional, pois a cada semana percebia o avanço de meu conhecimento no processo de alfabetização e letramento. Esse projeto teve uma grande importância para a minha futura formação como pedagoga, pois me trouxe uma ampliação da práxis pedagógica, um aumento de conhecimento científico nesse campo e uma enriquecedora experiência em sala de aula.

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As atividades desenvolvidas no Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência/Pedagogia na Escola Municipal Vivaldo da Costa Lima foram muito enriquecedoras e grati-ficantes para mim, pois, na Faculdade, aprendemos muitas teorias e práticas pedagógicas, estudamos a respeito do currículo, a importância do contexto histórico, metodologias de en-sino, psicologia, projeto pedagógico institucional, dentre outros temas. No entanto, é atuando em sala de aula que temos a oportunidade de presenciar o “dia a dia” da nossa profissão, é onde realmente conhecemos tudo o que envolve ser um educador. O PIBID trouxe para mim, mais do que o estímulo à pesquisa, acima de tudo, conhecimento prático e real da educação.

Eliete SilvaEsse processo de introdução à docência, inicialmente, nos trouxe muita ansiedade, mas,

com o trabalho feito com muita cautela e orientação, essa ansiedade foi diminuindo. As di-ficuldades já eram esperadas, por causa da deficiência da escola pública, mas diariamente foram superadas. A escola tem nos proporcionado experiências únicas para uma boa forma-ção, através de oportunidades dialógicas e formativas, autonomia e valorização da prática.

A elaboração de um plano de ação nos fez entender a importância do planejamento. A preparação de relatórios nos atentou para a observação do processo em que estamos inseridas; os seminários acadêmicos fizeram com que expandíssemos novos horizontes e transmitísse-mos os conhecimentos por nós produzidos.

A supervisão permite sermos orientadas e guiadas para um bom aproveitamento das atividades propostas, nos colocando na posição de professoras e não de estagiárias.

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Figura 3 - Bolsistas Flávia e ElieteFonte: Produção das autoras/bolsistas PIBID - Pedagogia.

Flávia SilvaDiante da minha necessidade pessoal de dar sentido a toda teoria aprendida na faculdade,

o PIBID chegou até mim a partir da vontade de iniciar, o mais cedo possível, a construção da minha prática docente. No começo, as dificuldades foram imensas, mas logo percebi o quão importante era colocar em prática todos os teóricos, estudiosos, livros e mais livros, que já passaram por minha trajetória acadêmica, um trabalho complexo, mas necessário.

E o PIBID trouxe a importância da práxis pedagógica. Essa entrada na docência ajudou a me preparar para a carreira, quebrando os primeiros obstáculos, sem falar que programas como esses alertam para a necessidade que o professor tem de, mesmo em exercício, conti-nuar os estudos para que traga sempre o melhor e o que há de mais atual para a sala de aula.

O contato com a Escola Vivaldo da Costa Lima, na qual realizei a pesquisa junto com mais cinco bolsistas, trouxe-me contribuições ricas, diante da complexidade da escola e o contexto no qual está inserida revelou dificuldades intensas vividas pela escola. A prática na escola também mostrou o descaso com a educação no país, e a falta de políticas públicas, de fato significativas, e o quanto não há preocupação com a infância neste país. Como professora,

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e como ser humano, é difícil ter que presenciar o sofrimento de uma criança, ao tentar se alfabetizar, quando as dificuldades existentes em suas vidas não permitem viver a infância de fato, e mergulhar no mundo escolar aproveitando o máximo possível, pois tão cedo já lhe é cobrada, para poder sobreviver, uma postura de adulto. Infelizmente essa é a realidade de muitas crianças e escolas brasileiras, não é só o caso da Escola Vivaldo da Costa Lima.

Com certeza, o PIBID trouxe-me uma ideia nova em relação à educação, do valor da minha profissão, e de quanto preparada devo estar para entrar numa sala de aula, principal-mente em escolas com crianças em situação de risco, que exigem muito mais dos professores, bolsistas e dirigentes.

Geruza SantanaAo iniciarmos o projeto, fiquei apreensiva sobre como seria minha atuação na escola,

assim como nas ações gerais propostas. Entretanto, pude perceber que as atividades a serem desenvolvidas só viriam acrescentar novos conhecimentos à minha formação, pois, desde o primeiro dia de trabalho, tive a possibilidade de colocar em prática meu aprendizado acadê-mico, aprimorando minha prática docente.

No convívio diário com o espaço escolar, foi possível perceber as necessidades reais de uma escola pública, suas limitações, as poucas possibilidades que o professor tem para colocar em prática suas ações, assim como as dificuldades dos alunos no aprendizado e o esforço dos professores para amenizar cada situação vivenciada nesse ambiente.

Participar dos Seminários do PIBID foi um grande aprendizado, porque reforçou as minhas ações no projeto e contribuiu com a minha formação pessoal e profissional, pois tive contato com novos conhecimentos, servindo de estímulo para estar me aperfeiçoando.

Produzir artigos coletivos para a edição de dois livros, sem dúvida, foi uma das melho-res experiências da minha vida, primeiro porque foi inédito em minha formação acadêmica, depois porque foram momentos de muita pesquisa, disciplina e integração com os outros, sem falar no respeito às opiniões diversas.

Resumindo, foi gratificante vivenciar essa prática pedagógica que, não só contribuiu com minha formação, mas também aumentou consideravelmente o meu crescimento pessoal.

Alfabetização para a infância: práticas etnográficas

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Figura 4 - Momento de integraçãoFonte: Produção das autoras/bolsistas PIBID - Pedagogia.

Rafaela RitterComo iniciante à docência, tive o privilégio de contracenar com profissionais da área de

ensino público e com colegas que me fizeram crescer e conhecer um caminho, mais alegre e motivacional, para a alfabetização de crianças. Com responsabilidades múltiplas, obtive experiências únicas e avançadas comparadas às futuras. Realizamos artigos, planejamentos mensais, projetos a serem realizados na escola, seminário, e, claro, a atuação como professora. Esta última me fez refletir o quanto é bom ser um canal que ensina e aprende conhecimentos e experiências.

Esta fase de iniciação independente da profissão, é tão importante e, ao mesmo tempo, difícil, pois se tem necessidade de paciência, estudos, incentivo, bem como o desejo de acertar a qualquer custo e de trazer resultados de forma instantânea. Sabemos que, em se tratando de educação, esses resultados não acontecerão tão rapidamente. Fatores diversos influenciam a cada momento o modo de aprendizado de cada aluno.

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Alfabetização para a infância: práticas etnográficas

Neste ano, com novos alunos, e, portanto, novos desafios, deparei-me com três meninas, as quais tinham um nível silábico muito parecido. Com um ensino voltado para, não somente a escrita, mas, sobretudo, os conhecimentos gerais e atuais e o lúdico, é possível visualizar avanços na oralidade, no desempenho em grupo e na alfabetização.

Foram realizados seis seminários e duas produções de artigos para publicação em livro. Nestes seminários, nos deparamos com insegurança, inexperiência e boas intenções! Os artigos nos auxiliaram na escrita, na produção de textos e no compartilhamento das informações, bem como no fortalecimento das relações do grupo.

Figura 5 - Momentos de socializaçãoFonte: Produção das autoras/bolsistas PIBID - Pedagogia.

As práticas pedagógicas nas atividades da escolaDevido aos altos índices de repetência nas séries iniciais e às discussões referentes ao

fracasso escolar e à qualidade da educação, na tentativa de solucionar parte desses problemas na Escola Vivaldo da Costa Lima, tomamos como referência os PCN’s, além dos autores do campo da alfabetização, visto que os mesmos ajudam a solucionar os dilemas do ensino de

Alfabetização para a infância: práticas etnográficas

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Língua Portuguesa. No entanto, eles não foram considerados “receitas prontas”, já que, por si só, não revertem o quadro apresentado. Antes, devem ser compreendidos, por toda a es-trutura educacional, desde os professores e gestores, até a comunidade na qual a instituição está inserida, servindo de norte às práticas de ensino e aprendizagem.

A construção da linguagem de cada indivíduo está intrinsecamente ligada ao meio no qual está inserido, de modo que, na sua interação com diferentes instituições sociais (igreja, escola, comunidades, família etc.), este apreende as variadas funcionalidades da língua e a maneira pela qual a linguagem se manifesta.

Esta construção é, portanto, uma das contribuições dos PCN’s para o contexto de atuação na Escola Municipal Vivaldo da Costa Lima. Priorizamos o respeito das diferentes linguagens e nos dedicamos a avaliar as falas adequadas ao contexto social de uso. Não nos centramos no ensinar a falar, pois, como abordam os PCN’s, o aluno já entra na escola sabendo o uso dos códigos da língua, nos diferentes meios e contextos.

Entendemos que não existe uma única fala “correta” a ser ensinada e dita, e sim, uma “adequação às circunstâncias de uso, ou seja, de utilização eficaz da linguagem: falar bem é falar adequadamente, é produzir o efeito pretendido”. (BRASIL, 2006, p. 26)

Nesta abordagem, nos deparamos com uma questão comum aos diferentes contextos socioculturais presentes na sala de aula. Ao ensinarmos uma aluna como se escreve seu nome e posteriormente pedirmos que falasse uma palavra que começasse com sua inicial, ela verbalizou: “abobra”, ao invés de “abóbora”. Agimos de acordo com a orientação desse documento, repetindo a palavra durante a explicação da atividade. Exemplo: Muito bem, ABÓBORA começa com “A” de Alice3, e dizemos que o uso feito por ela pode ser adaptado a seu contexto, mas existirão situações onde esta forma estará comprometida e, portanto, errada.

Ainda que a escola tenha papel fundamental na garantia de acesso a formas diversas de fala, levou-se em consideração, na prática pedagógica, o que observa o PCN de Língua Portuguesa:

Não é papel da escola ensinar o aluno a falar: isso é algo que a criança aprende muito antes da idade escolar. Talvez por isso, a escola não tenha tomado para si a tarefa de ensinar quaisquer

3 Nome fictício devido à menor idade do indivíduo.

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Alfabetização para a infância: práticas etnográficas

usos e formas da língua oral. Quando o fez, foi de maneira inadequada: tentou corrigir a fala ‘errada’ dos alunos — por não ser coincidente com a variedade lingüística de prestígio social —, com a esperança de evitar que escrevessem errado. Reforçou assim o preconceito contra aqueles que falam diferente da variedade prestigiada. (BRASIL, 1997, p. 38)

Diagnósticos com alunos do ensino fundamental I

Importância dos diagnósticos

Alfabetização e o letramento são dois conceitos com suas especificidades, entretanto, não devem ser entendidos separadamente, uma vez que se complementam. Por mais que a alfabetiza-ção seja entendida como ensinar/aprender a ler e a escrever, entende-se hoje que a aprendizagem da leitura e da escrita, enquanto instrumentos culturais, começa bem antes da vida escolar, uma vez que o sujeito vive num mundo letrado e que são as vivências desse mundo que ele leva, como conhecimento prévio, para dentro da sala de aula. “Que uma criança não saiba ler, não é obstáculo para que tenha idéias bem precisas sobre as características que deve possuir um texto escrito para que permita um ato de leitura”. (FERREIRO; TEBEROSKy, 1985, p. 39)

A partir daí, a necessidade dos diagnósticos, num caráter investigativo, e a importância dos seus resultados foram considerados na prática da escola ora destacada. Os diagnósticos funcionam como um “desbravador” da evolução de ideias e hipóteses em que o indivíduo se detém para compreender a representação alfabética da escrita. Diagnósticos esses que não se prendem a um mero levantamento e registro das suas marcas escritas, mas são também os seus comentários e estratégias que nos fazem chegar a tais hipóteses.

A análise desses diagnósticos foi utilizada para avaliar os níveis de escrita em que se en-contram os alunos do primeiro, segundo e terceiro anos do ensino fundamental I. Em muitos alunos percebemos os prejuízos, no que diz respeito à consciência fonológica, instrumento fundamental para que o indivíduo possa ler e produzir a escrita alfabética.

Emília Ferreiro e Ana Teberosky, na obra Psicogênese da língua escrita, tal qual tratam a aquisição da linguagem a partir de estudos psicogenéticos, baseados em Piaget, trazem uma ideia, também de Vygotsky, ao afirmarem (1985, p. 278): “É necessário levar as crianças a

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uma compreensão interna da escrita e conseguir que esta se organize mais como um desen-volvimento do que como uma aprendizagem”.

Figura 6 - Atividade de escritaFonte: Produção das autoras/bolsistas PIBID - Pedagogia.

Trabalho com lista

Como já expomos, é imprescindível a realização de diagnósticos, para identificarmos em que nível de escrita um aluno está. Escolhemos, para a realização dessa etapa do diagnósti-

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Alfabetização para a infância: práticas etnográficas

co, a produção de uma lista por parte dos alunos. Esse instrumento tem grande importância porque, com ele, é possível analisarmos se o aluno relaciona som com letra, se representa cada sílaba com uma letra e qual a sua noção da quantidade mínima de letras para formar uma palavra. Podemos considerar a produção dessa lista como um ditado dinâmico, com o intuito de conhecer as dificuldades dos alunos.

Figura 7 - Atividade de escritaFonte: Produção das autoras/bolsistas PIBID - Pedagogia.

Alfabetização para a infância: práticas etnográficas

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Diagnóstico eu sou assim

Objetivo: Perceber qual a visão dos alunos sobre aparência, e analisar como escrevem.Materiais utilizados: Uma boneca, lápis, papel, borracha, folhas de ofício.Descrição da atividade:1º Momento: Uma bolsista deve apresentar a boneca para os alunos e levá-los a falar o

que acham dela e por que acham isso;2º Momento: Uma bolsista deve entregar uma folha de ofício para cada aluno e explicar

que eles vão listar características da boneca;3º Momento: A bolsista vai falar a parte do corpo da boneca e eles vão dando a carac-

terística; e essa característica deve ser escrita por eles na folha.

Diagnóstico da escrita

Segundo o artigo de Eliana Albuquerque (2005), autora em educação e membro do Cen-tro de Estudos em Educação e Linguagem, as pesquisas sobre psicogênese da língua escrita, realizadas por Emília Ferreiro e Ana Teberosky, comprovaram que os alunos, no processo de aquisição da escrita, passam por diferentes etapas, que devem ser analisadas, pois as mesmas determinam o tipo de atividade que deve ser desenvolvida e como vai ser aplicada.

Como é a etapa em que o aluno se encontra que vai direcionar o gênero da atividade, é necessário ao educador saber qual é a etapa em que seus alunos estão e, para isso, é indis-pensável que seja feito um diagnóstico.

Na sondagem inicial, são identificadas as quatro hipóteses desenvolvidas pela psicogê-nese da língua escrita: pré-silábica, silábica, silábico-alfabética, alfabética.

Diagnóstico Bingo Fonológico

Um dos problemas no ensino de alfabetização é a compreensão da relação entre som e escrita. Esta complicada relação envolve uma conexão defeituosa entre grafema e fonema. Desta maneira, buscamos realizar uma atividade diagnóstica na qual trabalhamos com o

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Alfabetização para a infância: práticas etnográficas

bingo fonológico, as crianças teriam de assimilar as estruturas básicas das palavras com as figuras correspondentes a ela.

As palavras sonoras ditas por uma das bolsistas teriam que se tornar “concretas” na figura que corresponde a cada palavra. Segundo Mirim Lemle (1988, p. 16),

Quando tratamos das capacidades essenciais para alfabetização, colocamos como primeiro pro-blema o de compreender que existe uma relação de simbolização entre as letras e os sons da fala. Todo sistema alfabético de escrita tem essa característica essencial: os segmentos gráficos representam segmentos do som.

Objetivo: Diagnosticar o nível de escrita e atenção dos alunos.As cartelas são distribuídas entre os alunos reunidos em duplas e cada dupla deve, antes

de começar a jogar, reconhecer as figuras de sua cartela, tendo em mente as palavras que representam sua forma sonora, especialmente como se iniciam e como terminam.

Depois desse momento exploratório inicial, o professor irá ler as indicações nas fichas, uma a uma, tiradas aleatoriamente, e dará um tempo entre a leitura de cada uma para que os alunos procurem se têm alguma palavra com essas características em sua cartela. O pro-fessor deve enfatizar, numa segunda leitura da indicação, o som que está sendo considerado (marcado nas cartas com negrito). No caso de fonemas consonantais, cuidar para não pro-nunciar os fonemas como o nome das letras, juntando um fonema vocálico (som da vogal). Os fonemas incluídos no jogo são aqueles que podem ser “esticados”.

As indicações podem ser de vários tipos:“Rima com...” ou “Termina como...” (dar uma palavra: sabão)“Termina com...” (dar o som final em foco: /ão/)“Começa com...” (dar o som: silábico /ma/, fonêmico /R/ ou de unidade menor que a

sílaba /tr/)“Começa como...” ou “começa igual a...” (dar uma palavra: mapa)Quando a dupla encontrar uma figura cuja palavra que a representa tem a característica

“cantada” pela professora, deve marcar a casa com um marcador (grão de feijão, peça de jogo etc.). A dupla que preencher toda a cartela primeiro, deve dizer: BINGO! E ganha o jogo.

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Figura 8 - Atividade fonológicaFonte: Produção das autoras/bolsistas PIBID - Pedagogia.

Projetos temáticosDurante os dois anos de atuação e intervenção na Escola Municipal Vivaldo da Costa

Lima, realizamos diversos projetos que envolviam tanto os gêneros orais, quanto o escrito. Abordamos conteúdos, agora obrigatórios, expressos no art. 26-A da Lei 11.645, de 2008, que altera a de nº 10.639, de 2003, tendo como objetivos a transversalidade de temas e a pluralidade cultural dados em sala de aula. Estes são os projetos realizados: Projeto História Coletiva, Projeto Identidade, Projeto Folclore Brasileiro, Projeto Consciência Negra, Projeto In-dígena, Projeto Cantando e Brincando.

Na alfabetização inicial, alguns materiais podem ser de grande utilidade ao professor: alfabetos, crachás ou cartazes com os nomes dos alunos, cadernos de textos conhecidos pela classe, pastas de determinados gêneros de textos, dicionários organizados pelos alunos com suas dificuldades ortográficas mais freqüentes, jogos didáticos que proponham exercícios lingüísticos, por exemplo. (BRASIL, 1997, p. 62)

Todos esses recursos didáticos foram utilizados nos diferentes projetos.

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Alfabetização para a infância: práticas etnográficas

O Projeto Identidade

Realizado após diagnósticos de escrita e leitura, foi proposto com o objetivo de trabalhar a oralidade, pois, segundo os PCN’s, expressar-se oralmente:

É algo que requer confiança em si mesmo. Isso se conquista em ambientes favoráveis à manifes-tação do que se pensa, do que se sente, do que se é. Assim, o desenvolvimento da capacidade de expressão oral do aluno depende consideravelmente de a escola constituir-se num ambiente que respeite e acolha a vez e a voz, a diferença e a diversidade. Mas, sobretudo, depende de a escola ensinar-lhe os usos da língua adequados a diferentes situações comunicativas. De nada adianta aceitar o aluno como ele é, mas não lhe oferecer instrumentos para enfrentar situações em que não será aceito se reproduzir as formas de expressão próprias de sua comunidade. É preciso, portanto, ensinar-lhe a utilizar adequadamente a linguagem em instâncias públicas, a fazer uso da língua oral de forma cada vez mais competente. (BRASIL, 1997, p. 38)

Procedimentos do projeto

1º Momento- Atividade que trabalhará a oralidade;- As crianças procurarão em jornais e revistas pessoas que se parecem com elas e co-

mentarão suas características e o porquê da escolha da figura. No segundo momento, elas trocarão entre si essas imagens e dirão se realmente se parecem com quem as escolheu.

Material: jornais, revistas, tesouras, cola, papel ofício, lápis.

2º Momento- Confecção da carteira de identidade.Material: xerox colorida de carteira de identidade fictícia, tinta guache preta, lápis.

Projeto Folclore Brasileiro

Este foi um projeto de leitura onde a bolsista recitava um livro em voz alta sobre o per-sonagem Saci Pererê (além de outros abordados). Após esta exposição oral, pedíamos que os alunos fizessem suas interpretações e aprendizagens.

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Espera-se que o aluno reconte oralmente histórias que já ouviu ou leu, e narre acontecimentos dos quais participou (ou cujo relato ouviu ou leu), procurando manter a ordem cronológica dos fatos e o tipo de relação existente entre eles. (BRASIL, 1997, p. 76)

Esse tipo de atividade, expresso nos PCN’s, amplia a visão de mundo e insere o leitor na cultura letrada, estimula o desejo de outras leituras, possibilita a vivência de emoções, o exercício da fantasia e da imaginação, e expande o conhecimento da própria leitura, favore-cendo a estabilidade de formas ortográficas e de entonação.

Projeto Consciência Negra

O Brasil é um país reconhecido por apresentar uma construção intercultural, na qual o entrelaçamento de culturas contribuiu para a formação de um povo com ricas características na construção de suas identidades. Entretanto, esse caráter intercultural, hoje tão comentado, não foi resultado de um processo pacífico e indolor, no que diz respeito aos povos africanos e indígenas, ambos explorados e massificados, ao longo da história, sendo lhes impostas a moral e a cultura europeia e cristã, para suprir necessidades e interesses de uma elite mino-ritária, colonizadora e dominadora.

Diante disso, surge a necessidades de trabalhar, nos dias atuais, a valorização da cons-trução da história e da identidade do povo brasileiro e desmistificar conceitos e preconceitos anteriormente instaurados. Passa-se então a reconhecer a importância desses aspectos tratados, numa visão pedagógica, e garantir, desde a educação básica, uma aprendizagem pautada no respeito e na valorização étnico-cultural e social.

Assim, no ano de 2008, a Lei 11.645 observa a obrigatoriedade do estudo da história e das culturas indígenas e afro-brasileiras, em todas as escolas nacionais. Essa lei vem acres-centar à Lei anterior, a 10.639, de 2003, que já havia modificado a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, inserindo a importância dos estudos afro-brasileiros e africanos nas escolas.

Nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio, públicos e privados, torna-se obrigatório o estudo da história e da cultura afro-brasileira e indígena.

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Alfabetização para a infância: práticas etnográficas

§1o O conteúdo programático a que se refere este artigo incluirá diversos aspectos da história e da cultura que caracterizam a formação da população brasileira, a partir desses dois grupos étnicos, tais como o estudo da história da África e dos africanos, a luta dos negros e dos povos indígenas no Brasil, a cultura negra e indígena brasileira e o negro e o índio na formação da sociedade nacional, resgatando as suas contribuições nas áreas social, econômica e política, pertinentes à história do Brasil. §2o Os conteúdos referentes à história e cultura afro-brasileira e dos povos indígenas brasileiros serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de educação artística e de literatura e história brasileiras. (BRASIL, 1996)

Quando implantadas, desde a formação escolar básica, leis como estas ajudam a supe-rar ideias historicamente produzidas, tais como a passividade, por partes dos índios, com a chegada e a dominação dos portugueses, e sobre a libertação dos negros escravizados, como um ato de “bondade” da elite dominadora, negando assim a importante luta do povo negro em seu verdadeiro processo de libertação.

Essa temática, quando trabalhada em sala, faz entender as influências linguísticas, gastronômicas, comportamentais, culturais e sociais tão presentes no dia a dia, e que têm ligação direta na construção do atual mosaico chamado sociedade brasileira. Não é só estudar a história e sua influência no passado, mas também discutir questões políticas atuais, como se apresentam hoje para cidadãos ativos e participantes de uma sociedade.

Os Parâmetros Curriculares Nacionais, ao trabalharem os temas transversais, consideram a importância de discussões, para além de questões somente conteudistas, e estabelecem como importantes questões essenciais existentes nas sociedades e na relação dos alunos com ela e consigo.

Na visão dos Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1997), quando a escola não se nega ao seu papel de agente fundamental na formação do indivíduo, enquanto cidadão de uma sociedade que estabelece relações, cumpre sua função como instituição social.

Pensando nessas questões, a prática realizada na Escola Municipal Vivaldo da Costa Lima foi pautada nas bases legais, como a Lei 11.645, e em parâmetros curriculares nacionais, como o tema transversal pluralidade cultural, sendo trabalhado de forma a trazer a diversi-dade cultural e linguística dos alunos para o contexto da sala de aula. Através de projetos, os alunos puderam refletir acerca dessas temáticas, com a introdução de novos valores sociais,

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compreendendo o processo histórico e atual da situação do indígena e do negro em nosso país, para um melhor entendimento da formação do povo brasileiro, assim como da formação de sua própria identidade.

Nesse projeto, realizamos estratégias de conscientização étnica e de alfabetização. Ini-ciamos o projeto com a leitura da história Menina Bonita do Laço de Fita (MACHADO, 1986), quando conversamos sobre o respeito ao outro, assim como sobre a formação de identidade. Também realizamos atividades referentes ao dia 20 de novembro, Dia da Consciência Negra, utilizando palavras ditas por eles, como CONSCIÊNCIA, ESCRAVOS, LIBERDADE, LUTA, para reforçarmos o processo de alfabetização, como abordado nos PCN’s.

Figura 9 - Apresentação da peça Menina Bonita do Laço de FitaFonte: Produção das autoras/bolsistas PIBID - Pedagogia.

Procedimentos do projeto

Objetivos:Compreender um pouco da história dos povos afro-brasileiros por meio da sua realidade;Identificar características comuns entre os alunos e as imagens trabalhadas;

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Alfabetização para a infância: práticas etnográficas

Estimular a criatividade dos alunos na compreensão da construção de uma história;Dramatizar a estória, além de colaborar no processo de reconhecimento e respeito das

diferenças entre os indivíduos.

Atividades:Rodas dialógicas sobre o Pelourinho e o Dia da Consciência Negra.Eu sou assim?Homenagem a personalidades negras do Brasil.Conto da estória Menina Bonita do Laço de Fita.

Culminância do trabalho:Apresentação da peça Menina Bonita do Laço de Fita, pelas bolsistas, no Museu Eugênio

Teixeira Leal, no Pelourinho, com produção de vídeo elaborado pela supervisora Maria Valéria.

Figura 10 - Bastidores da peçaFonte: Produção das autoras/bolsistas PIBID - Pedagogia.

Figura 11 - Museu Eugênio Teixeira LealFonte: Produção das autoras/bolsistas PIBID - Pedagogia.

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Projeto Cultura Indígena

No primeiro bimestre de 2011, realizamos o Projeto Cultura Indígena, pelo qual buscamos valorizar e desmistificar a falsa ideia do índio, estabelecida pela sociedade. Trabalhamos a sobrevivência indígena, desde a invasão dos europeus no Brasil, até seus costumes e hete-rogeneidade cultural atual.

Liberdade de ensinar, pesquisar e divulgar o saber, respeitando os mecanismos de co-nhecimento e de socialização, próprios aos diversos povos, etnias e aldeias indígenas, que proporcionem a construção da cidadania; preservação e ensino da cultura e dos conhecimentos e saberes tradicionais das sociedades indígenas; qualidade do ensino e preservação dos valo-res e patrimônio cultural material e imaterial dos diversos povos, etnias e aldeias indígenas.

Figura 12 - Desfile da Cultura IndígenaFonte: Produção das autoras/bolsistas PIBID - Pedagogia.

Procedimentos do projeto

1º MomentoModo de vida indígena

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Alfabetização para a infância: práticas etnográficas

- Conversação sobre o modo de vida indígena;- Mostrar imagens de vários aspectos da cultura indígena, para que os alunos descrevam

e listem as características em uma folha de papel. A partir dessa lista, trabalhar a formação de cada palavra.

Material: imagens de indígenas e de elementos da sua cultura, folhas de ofício, lápis e borracha, alfabeto móvel.

2º Momento Mudanças na cultura indígena com a invasão dos europeus- Exposição oral, pelas bolsistas, sobre as transformações ocorridas na sociedade indí-

gena brasileira;- Identificar palavras referentes às mudanças ocorridas na vida do índio, e com elas con-

feccionar um cartaz comparativo da maneira de viver dos índios, antes e depois da invasão europeia.

Material: papel metro, piloto, papel ofício, cola.

3º MomentoVisão da sociedade sobre o índio- Ouvir e contextualizar a música Brincar de índio (XUXA, 1997), e trazer a importância

do indígena na sociedade brasileira; - Listar alguns dos elementos (culinária, medicina, costumes e instrumentos) do legado

cultural indígena, herdado pela nossa sociedade.Material: Som, CD com a música Brincar de Índio, letra da música em papel metro,

papel ofício, lápis e borracha.

4º MomentoSociedades indígenas- Caracterizar cada aluno com ornamentos de sociedades indígenas diferenciadas;- Desfile;

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- Autoavaliação das bolsistas.Material: tinta guache, papel crepom, kami, folhas, penas, cola, tesoura, grampeador.

Após exposições orais pelas bolsistas e atividades escritas, com cartazes expostos, re-alizamos, com a participação dos próprios alunos, um desfile de algumas tribos indígenas ainda presentes na sociedade baiana.

Figura 13 - Projeto Cultura IndígenaFonte: Produção das autoras/bolsistas PIBID - Pedagogia.

Figura 14 - Projeto Cultura IndígenaFonte: Produção das autoras/bolsistas PIBID - Pedagogia.

Projeto História Coletiva

Tomando como base a música Estudo Errado (O PENSADOR, 1995) surge o Projeto História Coletiva. Nele propomos aos alunos a construção de um livro com base na música, sendo a história – “Eu tô aqui pra quê?” – trabalhada em sala de aula. Desta forma, resgata-mos esta metodologia, pela qual os educandos teriam o direito e o prazer da construção de suas próprias histórias, entrelaçadas à letra da música.

Alguns procedimentos didáticos para implementar uma prática continuada de produção de textos na escola: solicitar aos alunos que produzam textos muito antes de saberem grafá-los. Ditar para

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Alfabetização para a infância: práticas etnográficas

o professor, para um colega que já saiba escrever ou para ser gravado em fita cassete é uma forma de viabilizar isso. Quando ainda não se sabe escrever, ouvir alguém lendo o texto que produziu é uma experiência importante. Formar escritores competentes supõe, portanto, uma prática con-tinuada de produção de textos na sala de aula, situações de produção de uma grande variedade de textos de fato e uma aproximação das condições de produção às circunstâncias nas quais se produzem esses textos. (BRASIL, 1997, p. 49)

Estes projetos proporcionaram maior exigência na escuta de leituras, um maior estudo e coerência na produção dos textos orais-escritos. A partir deste “livro”, produzido pelos alunos, trabalhamos seu contexto, sua estrutura e sua leitura de mundo, proposta por Freire, antecedendo a leitura da palavra.

Figura 15 - Estudante Ana CarolinaFonte: Produção das autoras/bolsistas PIBID - Pedagogia.

Procedimentos do projeto

Objetivos:Interpretar a letra da música;

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Aprender a trabalhar em grupo;Estimular a produção oral e escrita.

1º Momento- ouvir a música; conversar sobre a letra, autor;- Montar, com o alfabeto móvel, nomes de pessoas que aparecem na música, listando,

no caderno, outras palavras com as iniciais dos nomes retirados da música.

2º Momento- Distribuir um trecho da música para que os alunos leiam e circulem as palavras que

se iniciam com a primeira letra do seu nome. Depois pedir que formassem novas palavras com as letras do seu nome;

- Pedir aos alunos que listassem nomes de pessoas que comecem com a letra B, do nome BRENO;

- Com o trecho escrito em tirinhas, pedir que os alunos o reorganizassem e lessem para a turma.

3º Momento- Dramatizar com os alunos a letra da música para a montagem de um vídeo.

4º Momento- Cantar a música com a turma. Em seguida, solicitar aos alunos que escolham uma frase

da música para construírem um texto coletivo, conversando com eles sobre a importância do trabalho em grupo, da produção escrita;

- As bolsistas servindo como escribas, copiaram no quadro a história produzida pelos alunos. Sendo a mesma digitada e depois ilustrada pelos alunos, culminando em uma história coletiva;

- Após a produção final da história, cada aluno recebeu um exemplar, sendo anexado a seus portfólios.

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Projeto Brincando e Cantando

Quando pensamos em brincadeira, na maioria das vezes, pensamos em diversão, algazarra, falta de seriedade, tanto que, quando não acreditamos em algo que alguém nos diz, é comum falarmos: “Deixa de brincadeira fulano”. Outra premissa que é muito comum entre os adultos é dizer que as crianças só fazem brincar, como se brincar fosse nada, ou algo muito irrelevante. Porém, o conceito de brincar, segundo Luckesi (2005), contradiz todas essas visões: brincar aqui significa agir lúdica e criativamente, de tal forma que vamos constituindo nossa passagem de um estado funcional com a mãe para um estado de independência, no espaço paterno.

O ato de brincar, segundo Luckesi (2005), possibilita que o ser humano transite entre a subjetividade, “lei da mãe”, e a objetividade, “lei do pai”. Essa transição, além de nos apro-ximar da realidade, impulsiona os processos criativos, já que, para se criar algo, é necessário imaginar. O imaginário está no campo da subjetividade, e para que o imaginado tome forma é necessário nos aportarmos da objetividade.

Com essas explanações, é possível caracterizar o brincar como tudo o que nos permite transitar da objetividade para a subjetividade, de forma lúdica e criativa. Para termos uma ideia completa do que é brincar, é preciso compreender o que é ludicidade, segundo Luckesi (2005), uma experiência plena, e não necessariamente divertida.

Na visão de Luckesi (2005), o que determina uma atividade lúdica não é o teor da atividade, mas a relação que o participante da atividade tem com ela. Para ele, uma pessoa vivencia a ludicidade, ou como ele mesmo diz a “plenitude” que uma atividade proporciona, quando ela mesma se entrega totalmente à atividade.

Agora que já foi explicitado e discutido o sentido de brincar, não esquecendo que o mesmo engloba também a ludicidade, será abordada a concepção freudiana de como a brincadeira age no inconsciente, permitindo que sejam expressas externamente as sensações do interior. Para Freud, existem duas forças fundamentais: as regressivas e as progressivas, a primeira está relacionada ao passado e a segunda ao presente. A ação de brincar, inconscientemente, revela o que está relacionado a essas forças, situações, traumas, medos e perspectivas.

A psicanálise compreende o brincar como uma forma de desvendar os mistérios do in-consciente, libertação, e cooperador na construção da identidade. Através da brincadeira, é

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possível identificar se a criança está passando por problemas, bloqueios ou dificuldades. Os jogos cooperam diretamente no desenvolvimento da inteligência e no respeito e compreensão das regras. A aprendizagem dá-se por meio de dois processos: acomodação e assimilação. Luckesi (2005) assim os conceitua: assimilação é o processo de reconhecimento do que já tenho familiaridade, e acomodação é a apropriação do que ainda não tenho conhecimento. Esses fenômenos tornam possível entender como a inteligência se desenvolve:

A inteligência começa, pois, pela interação entre sujeito e meio. É assim que a inteligência se organiza ao mesmo tempo a si própria, progredindo paulatinamente no duplo sentido da acomo-dação ao objeto (processo de exteriorização) e assimilação do sujeito (processo de interiorização). (POKER, 2008, p. 65)

A aprendizagem acontece desde o nascimento da criança, e, segundo Piaget, se desen-volve com jogos em três estágios diferentes: jogos de exercício, jogos simbólicos e jogos de regras. No primeiro estágio, que vai do nascimento até os 3 anos, as crianças descobrem seu corpo e a relação do mesmo com o mundo, tomando consciência das regras no jogo em si. O jogo, nesse período, é motor e individual, e prevalece a acomodação, conceito piagetiano muito difundido. A criança apreende o mundo ao seu redor.

As crianças iniciam os jogos simbólicos, entre 4 e 6 anos. Esse é o momento do imaginá-rio, do faz de conta, da imitação, pois é quando a criança fantasia a realidade. Nesse período, uma caneta pode se tornar um avião na mente de uma criança, e o indivíduo assimila o que acomodou da fase anterior, tentando tornar natural aquilo que foi acomodado, prevalecen-do a assimilação. As regras do jogo já são consideradas, porém modificadas pelas próprias crianças, quando necessário, em seu benefício.

Os jogos de regras, a partir dos 6/7 anos de idade, é o momento da aproximação com a realidade, conforme Luckesi (2005). As regras passam a ser vistas como norteadoras do jogo, elas são discutidas e definidas pelo grupo, o que contribui para a relação futura que essas crianças terão com as regras da sociedade. Nessa etapa, as crianças, segundo Piaget, passam a ter consciência das regras.

A escola tradicional constitui-se pela transmissão de conteúdos e vê a ludicidade, não como uma forma de trabalhar esses conteúdos de um modo mais prazeroso, mas apenas para

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Alfabetização para a infância: práticas etnográficas

preencher o tempo livre das crianças, fazendo com que o trabalho com o lúdico seja mini-mizado ou negado nas práticas pedagógicas. Quando é cultivada, a criatividade possibilita a formação de uma geração com a capacidade de sonhar, inovar, imaginar e buscar novas possibilidades de resolver problemas. A maioria dos educadores, porém, prefere continuar no método tradicional, pois acredita que é o correto, ou o mais fácil, e, com isso, não possibilita espaço para que o novo se instale. Educar é muito mais do que a mera transmissão de co-nhecimento.

As atividades lúdicas, que propiciam que trabalhemos aspectos tão significativos para a huma-nidade e para o mundo de hoje, solidariedade, a autonomia e auto-expressão, se mostram como um caminho viável, exeqüível, enfim, algo que não se demonstra apenas em teorias mentais e livrescas, mas na realidade que já estamos construindo e vivenciando em nossas salas de aulas. (PEREIRA, 2004, p. 95)

De acordo com Pereira (2004), as atividades lúdicas possibilitam uma convivência har-moniosa, e também contribuem para a diversidade da educação, a compreensão do outro, o respeito e as relações intra e transpessoais. As mudanças pedagógicas têm que passar por um processo de mudança interna da pessoa, ou seja, do educador, de superar os padrões criados e estabelecidos e ter a consciência de que “qualquer mudança é possível se começar em nós”, e que não podemos mudar o que está fora, sem partir de nós mesmos essa transformação.

O brincar, nas classes de alfabetização, proporciona não só aquisição da leitura e da escrita, mas contextualiza conteúdos que antes estavam dissociados do mundo do educando e é por meio das fantasias, hipóteses, criatividade que as habilidades a serem desenvolvidas são mais facilmente alcançadas. O mais importante no brincar é que as crianças o fazem tão somente por prazer, sem medos, culpas e castigos, apenas brincam. Todavia, é ingênuo pensar que o brincar está dissociado do aprender; toda e qualquer atividade prazerosa puramente por desejos e vontades fornece ao educando possibilidades ainda maiores de assimilar saberes que são propostos nas escolas e no mundo.

O jogo é muito importante, pois ele desempenha uma grande influência na construção do homem, em todo o seu comportamento e na sua capacidade de se adaptar à sociedade. A

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oportunidade de jogar constitui ganho e desenvolvimento, já a falta do jogo pode significar uma parte de si mesmo permanentemente perdida.

Essas formas de aprendizagem e uso da língua oral, como conteúdo escolar, nos leva-ram a refletir sobre um projeto que trabalhasse concomitantemente o texto oral e escrito, com o uso do gênero discursivo, adequado à faixa etária, em canções. O Projeto Cantando e Brincando, tinha como objetivo geral o de proporcionar, por meio de jogos e musicalidade, habilidades fonológicas, interpretativas e a escrita dos alunos. Esta fusão das canções às brincadeiras favoreceu a concentração, a capacidade de análise visual e o desenvolvimento do raciocínio lógico e a atenção.

[...] não é qualquer texto que, além de permitir este tipo de “leitura”, garante que o esforço de atribuir significado às partes escritas coloque problemas que ajudem o aluno a refletir e a aprender. No primeiro caso, os textos mais adequados são as quadrinhas, parlendas e canções que, em geral, se sabe de cor. (BRASIL, 1997, p. 56)

A proposta presente no Projeto Cantando e Brincando desprende-se da ideia, ainda aceita e praticada por muitos educadores, de que o domínio do bê-á-bá, separado das práticas orais, é um caminho para o ensino da língua. Mito! Palavras, sílabas e letras descontextualizadas não garantirão o futuro gosto dos educandos pela leitura.

Trabalhar com música na educação possibilita ao aluno desenvolver habilidades ainda não adquiridas, assim como também ajuda a aprimorar seus conhecimentos. Portanto, a linguagem musical estimula a oralidade, melhora a expressão corporal, auxilia no desenvol-vimento cognitivo, funciona como um ótimo fator para a integração social do indivíduo junto a seu grupo. De acordo com os Referenciais para a Educação Infantil, o trabalho com música oferece subsídios para que a criança desenvolva as seguintes capacidades:

Explorar e identificar elementos da música para se expressar, interagir com os outros e ampliar seu conhecimento do mundo; perceber e expressar sensações, sentimentos e pensamentos, por meio de improvisações, composições e interpretações musicais. (BRASIL, 1998, p. 55)

Assim, analisando a importância que a música tem no desenvolvimento infantil, busca-mos, em nossas ações, integrar as atividades escritas à música, construindo um projeto com o

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Alfabetização para a infância: práticas etnográficas

intuito de trabalhar as habilidades cognitivas dos alunos, como também resgatar as cantigas de rodas que muitos deles ainda não conheciam. Com isso, possibilitamos maior integração na turma, o aprimoramento da oralidade e da coordenação corporal, trabalhando, ainda, a lateralidade que muitos deles não tinham noção de como se organizar no espaço.

Figura 16 - Oficina Aprendendo, Brincando e CriandoFonte: Produção das autoras/bolsistas PIBID - Pedagogia.

Procedimentos do projeto

Objetivo: Possibilitar aos educandos, por meio de jogos contextualizados com músicas infantis, o desenvolvimento das habilidades cognitivas, interpretativas, além de auxiliar na oralidade.

1º Momento: Apresentação da temática em sala com perguntas Qual a música que eles aprenderam na escola?Quais as músicas que sabem cantar?Que música ouve quando estão em casa?Sabem cantar alguma música infantil?

Alfabetização para a infância: práticas etnográficas

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Quais os jogos que sabem jogar?

2º Momento: Escolha das músicas e dos jogos - A Barata Bingo de palavras- A canoa virou Quebra-cabeça- Borboletinha Jogo da memória- Meu boneco de lata Jogo da Amarelinha- O cravo e a rosa Dominó- Se essa rua fosse minha Jogo da Rima

3º Momento: Realização das atividades- Primeiramente, apresentação [cantada] da música, reflexão sobre a mesma;- Apresentação do jogo, suas regras e combinados;- Jogando o jogo com base na letra da música;- Realização de uma atividade escrita, como uma forma de avaliar o aluno;- Por fim, um momento de brincar livre com a música. Materiais: CD com as músicas, o jogo construído, atividade escrita; rádio.

Culminância do ProjetoAs bolsistas de Pedagogia pertencentes ao grupo da Escola Municipal Vivaldo da Costa

Lima apresentaram, na Faculdade de Educação/UFBA, uma Oficina sobre a temática, no Seminário PIBID Pedagogia e Dança.

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Alfabetização para a infância: práticas etnográficas

Figura 17 - Praticando!Fonte: Produção das autoras/bolsistas PIBID - Pedagogia.

Figura 18 - Construindo!Fonte: Produção das autoras/bolsistas PIBID - Pedagogia.

Figura 19 - Criando!Fonte: Produção das autoras/bolsistas PIBID - Pedagogia.

Alfabetização para a infância: práticas etnográficas

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PortfólioDurante todo o processo de ensino-aprendizagem do Programa de Bolsas de Iniciação à

Docência (PIBID), buscamos elaborar um registro do processo de desenvolvimento da turma. Dessa forma, foi de fundamental importância a construção do portfólio dos alunos, por enten-dermos que o uso de portfólios, na educação, constitui uma estratégia de melhorar a relação ensino-aprendizagem. O portfólio apresenta múltiplos aspectos e dimensões da aprendizagem, enquanto construção de conhecimentos e, desta, enquanto condição de desenvolvimento pessoal e profissional dos participantes. Através do uso do portfólio, podem-se tornar reco-nhecíveis, quer a natureza, quer a importância das relações interpessoais desenvolvidas nos processos de ensino-aprendizagem.

O portfólio é um procedimento de avaliação que permite aos alunos participar da for-mulação dos objetivos de sua aprendizagem e avaliar seu progresso. Eles são, portanto, participantes ativos da avaliação, selecionando as melhores amostras de seu trabalho para incluí-las no portfólio.

Figura 20 - Bolsista Supervisora Maria ValériaFonte: Produção das autoras/bolsistas PIBID - Pedagogia.

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Alfabetização para a infância: práticas etnográficas

Considerações finaisA formação do educador, pedagogo, deve ter, como princípio do trabalho no campo da

alfabetização, focalizar a prática e o conhecimento que o educando já carrega consigo. Nesse sentido, deve propiciar atividades realizadas pelos educandos, iniciando com a produção de textos orais, com uma finalidade já definida, e posteriormente podendo indicar atividades com palavras retiradas dos textos, as quais tenham significado para os alunos.

Para a obtenção da leitura e da escrita, faz-se necessário um lugar em que a criança te-nha contato com diferentes gêneros textuais (música, contos, parlendas, poesias etc.). Neste meio, os jogos e suas regras são fundamentais e valorizam o ambiente.

O processo da leitura e da escrita difere de aluno para aluno, cada estudante é singular e possui seu próprio ritmo, tem sua criatividade exclusiva e busca continuadamente compreen-der o mundo que o cerca, criando suas próprias justificativas, conjecturas e discernimentos.

É preciso que o professor diagnostique e tenha conhecimento teórico sobre os níveis de desenvolvimento da escrita na criança, para trabalhar com um foco, desenvolvendo melhor suas produções. Após essa avaliação diagnóstica, o professor deverá adequar exercícios que assegurem um saber com um sentido real para o educando.

A escola, no processo de alfabetização, deve possibilitar um espaço acolhedor para que o aluno se sinta confiante e livre para expor seus conhecimentos e produza novos, sabendo que sua opinião sempre será considerada, desenvolvendo, assim, sua capacidade de produção oral e escrita. É papel da escola ensinar ao educando as formas e os usos da fala adequados aos diversos ambientes em que se encontrarão.

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Alfabetização para a infância: práticas etnográficas

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LEMLE, Miriam. Guia teórico do alfabetizador. São Paulo: Ática, 1988.

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PARTE IIExperiências teórico-metodológicas

alfabetizadoras fundamentadas no Estatuto da Criança e do Adolescente e nas tecnologias

educacionais

CAPÍTULO 4

Concepções teórico-metodológicas da alfabetização baseadas no Estatuto da Criança e do Adolescente

Camila de Andrade Coelho Silva1

Sarah Louise Silva Santana1

IntroduçãoA etnografia, ramo da ciência social antropológica, baseia-se na descrição de usos e

costumes de povos. Além disso, engloba registros de fatos observados durante o trabalho de campo.

A etnografia enquanto ponto norteador para o entendimento do ambiente escolar nos fornece inúmeros objetos para estudo e coleta de dados. Dentre eles, destacamos aqui o

1 Estudante de Pedagogia pela UFBA e bolsista do PIBID na Escola Municipal Ruy de Lima Maltez.

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educando em seu processo de produção de conhecimento, figura reflexiva e atuante, sujeito importante no trabalho de práticas e intervenções na Escola Ruy de Lima Maltez. Aqui a etnografia se faz presente porque permite uma observação direta do educando e dos seus afazeres, e uma compreensão sobre o mundo em que está inserido. É com base nela, que os relatos a seguir foram estruturados, após meses de contato, de troca de experiências e observações diretas com os sujeitos envolvidos.

O atual grupo de bolsistas que realiza intervenções relativas ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), na Escola Ruy de Lima Maltez, trabalha na perspectiva dos direitos e deveres encontrados nessa legislação, propondo atividades para que os educandos recriem e vivam, sejam no ambiente escolar ou na vida, experiências cotidianas que os levaram a desenvolver características críticas, levando em consideração que a ludicidade deve está pre-sente neste processo. As atividades lúdicas propostas na escola são descontraídas, livres de pressões quanto a resultados e agradam, sensibilizam e divertem aqueles que delas partici-pam. Para Vygotsky (1987), a aprendizagem e o desenvolvimento estão estritamente relacio-nados, sendo que as crianças se inter-relacionam com o meio objeto e social, internalizando o conhecimento advindo de um processo de construção, e que este processo deve partir da valorização da natureza, que é própria da criança, o brincar e o lúdico.

Sendo assim, na proposta de trabalho apresentada pelas bolsistas, na escola citada, procurou-se criar atividades que não são vivenciadas por essas crianças no ambiente familiar ou mesmo no ambiente escolar anterior à proposta. A seguir, relatamos as atividades propostas na prática pedagógica das bolsistas autoras deste texto.

Relato de experiência e metodologiasAs atividades desenvolvidas refletem interações e trocas de conhecimentos entre as

bolsistas e os educandos do 2° ano do Ensino Fundamental, sendo este processo bastante enriquecedor para ambos. Para isso, foi utilizado o caráter dialógico de interação, tratando todos com igualdade, e garantindo um ambiente em que todos puderam falar e expressar as

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suas ideias e opiniões, estas que viabilizaram a sistematização da produção por parte das proponentes bolsistas, a partir da organização das rodas dialógicas.

As rodas dialógicas, metodologia inspirada na visão freiriana de “aula como círculo de cultura” (dentre outros fundamentos - vide capítulo 1 desta obra), cujo principal objetivo é a participação e o diálogo de todos os envolvidos no processo de ensino aprendizagem, tornaram os educadores e educandos responsáveis pelo ambiente de convivência e aprendi-zagem nos locais de ensino. Paulo Freire (2000) traz como proposta a busca pela igualdade, apostando numa educação que tem como pressuposto o diálogo, em que todos têm direito a voz e se educam mutuamente. Este diálogo promove uma reflexão que pode conduzir qual-quer indivíduo a um nível, crítico e elevado, que gera uma ação, capaz de emancipá-los em conjunto. Se este diálogo é estabelecido de uma maneira empática, os resultados são muito mais promissores.

O uso desta metodologia é fundamental para perceber as dificuldades e os pontos nos quais os estudantes se desenvolvem melhor. É sabido que a utilização da roda dialógica tem como função identificar o conhecimento dos discentes sobre o assunto e, a partir disso, os mesmos fazem suas intervenções e colaboram de forma atuante nas atividades.

Paulo Freire (2000) compreende que não é possível alfabetizar sem uma participação cidadã ou uma compreensão do mundo real e cultural no qual se está, pois é a partir dessa visão que nos tornamos cada vez mais seres humanos atuantes. Sabendo desta importância de formar cidadãos pensantes para esta sociedade desigual é que o uso das rodas dialógicas é de fundamental importância para o desenvolvimento desta tarefa incansável. Em consonância com a ideia de Freire, Emília Ferreiro (1996) também defende uma alfabetização a partir de práticas sociais, tendo como ponto de partida a contextualização dos temas abordados no ambiente em que os indivíduos estão inseridos, ou seja, a alfabetização deve estar diretamente ligada ao letramento dos estudantes. Tal prática também pode ser abordada com o uso das rodas dialógicas, pois é neste momento que se discute a temática: inicialmente, partindo dos conhecimentos prévios dos estudantes, em seguida, trazendo informações complementares aos mesmos.

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Diante do que foi dito, as atividades são divididas em duas etapas: sendo a primeira de reconhecimento da atividade a ser dialogada e a segunda de realização efetiva desta na prática.

Figura 1 - Roda dialógica sobre o ECA Fonte: Elaboração própria. Projeto PIBID - Pedagogia.

Benefícios do uso das rodas dialógicas com estudantes do 2º ano do ensino fundamental

Durante o período de atuação na turma do 2º ano da Escola Municipal Ruy de Lima Maltez muitos desafios foram encontrados. A sala de aula possuía um alunado bem diversificado, com uma quantidade de meninos e meninas aparentemente equivalentes. Sem contar que há um estudante com necessidades educativas especiais, este que pôde participar e interagir de forma mais efetiva das atividades, graças ao uso das rodas dialógicas. A isso acrescentamos que o resultado foram aulas mais satisfatórias e proveitosas para os estudantes e mediadores, de uma forma geral.

Quanto à diversidade encontrada, tendo como foco principal o diálogo com esta criança que possui necessidades especiais, é importante notar que as discussões e atividades reali-

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zadas propuseram um aprendizado único a este estudante, que demonstrava muito interesse em participar ativamente das tarefas sugeridas.

É sabido que crianças com necessidades educativas especiais, em sua maioria, necessitam de uma atenção especializada, pois possuem dificuldades que serão supridas com bastante atenção dos mediadores. Além disso, seu aprendizado pode ser efetivamente adquirido, se lhe for dedicada uma atenção maior. De acordo com o Decreto 3298, de 1999, toda criança deve receber tipos de educação e serviços relacionados à sua necessidade e os seus pais têm o direito de participar de cada decisão relacionada à educação de seus filhos e de contestar toda decisão sobre diagnóstico, avaliação e intervenções a serem feitas junto a eles.

É importante ressaltar tais direitos da criança com necessidades educativas especiais, pois, em algumas situações, percebe-se que elas ainda estão à margem da sociedade e isso inclui a educação, que é algo de fundamental importância para o desenvolvimento de cidadãos atuantes e críticos na sociedade. Além disso, a participação dos responsáveis pela criança deve estar de acordo com o que a lei relata, pois, tal acompanhamento, colabora de forma mais abrangente para a aprendizagem destes educandos.

Em consonância com os relatos, direitos e deveres de todos os estudantes, em especial daqueles com necessidades educativas especiais, faz-se notar a importância que a roda dialó-gica possuiu no aprendizado do estudante da sala do 2º ano da Escola Ruy de Lima Maltez, pois, o mesmo demonstrou satisfação e interesse em participar das atividades realizadas que são, primariamente, interativas e propiciam o desenvolvimento de todos os envolvidos no processo de ensino aprendizagem.

Além disso, o uso das rodas dialógicas ofereceu aos estudantes um espaço de reflexão e de discussão, transformando a tarefa num momento de maior aprendizagem e ampliação do conhecimento prévio. Com o estudante que possuía necessidades especiais não foi diferente, pois ele atuava de forma colaborativa nas atividades, bem como se mostrava bastante animado com todas as tarefas que eram de cunho inclusivo. “Tenho sentido uma grande evolução dos nossos estudantes no que tange ao desenvolvimento da linguagem oral, interação, esponta-neidade e enriquecimento do vocabulário”.2

2 Alessandra, professora regente da turma do 2º ano do Ensino Fundamental.

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Utilizando a metodologia das rodas dialógicas, foi possível desenvolver, na instituição escolar em foco, atividades que ampliaram a percepção crítica dos estudantes. Assim, com o trabalho realizado, os educandos puderam adquirir uma visão letrada no que se refere aos direitos e deveres da criança e do adolescente. Os discentes demonstraram, a partir da con-versa livre, um conhecimento básico sobre seus direitos e deveres como cidadãos atuantes na sociedade; a maioria de crianças do grupo falava com bastante propriedade sobre os assun-tos abordados, tais como o direito a ruas mais limpas e o dever de conservar os ambientes públicos e particulares limpos, ou, então, o direito à vida, à saúde e à educação. “A roda é muito boa, quase todo mundo fica quieto e a gente aprende infinito mais”.3

É possível identificar na fala deste aluno que o uso da roda dialógica, momento no qual os estudantes podem expor seus pensamentos, é de fundamental importância para o desen-volvimento crítico deles.

A cada intervenção, foi possível identificar como a conversação, antes da aplicação das atividades, fazia os educandos mais atuantes, o que tornava a aula ainda mais agradável e participativa. Por isso, os mesmos se sentiam livres para mostrar seus conhecimentos e se fazerem presentes nas atividades; e não eram meramente reprodutores de conhecimentos, como numa visão tradicional de se pensar a educação.

Mostra de atividades“Os temas propostos são muito pertinentes e as técnicas usadas são lúdicas e bastante

interessantes para o desenvolvimento dos alunos”4

As atividades elaboradas e propostas pelas bolsistas do subgrupo ECA buscaram trazer o novo, ou reafirmar o conhecimento prévio dos mesmos, trazendo apenas informações adicio-nais. Cada atividade proposta tinha um determinado objetivo a ser alcançado e percebeu-se que o alcance de objetivos estava inteiramente ligado à participação das crianças.

3 Tauan, aluno do 2º ano do Ensino Fundamental.

4 Alessandra, docente do 2º ano do Ensino Fundamental.

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A partir de um olhar crítico diante das atividades foi possível perceber que atividades participativas, em que os discentes se propõem a fazer e opinar, dão resultados mais positivos do que as antes elaboradas e propostas somente pelo educador, como aquelas com cunho de pintura e contação de histórias. Assim, as bolsistas do Grupo ECA ajustaram a metodologia e a atividade de acordo com os resultados desejados.

Foi possível perceber que tais atividades estavam alcançando efeito positivo, não apenas para o momento da atividade, mas também para o cotidiano dos estudantes na sala de aula.

Primeira atividade: a importância da higiene bucalA atividade proposta teve como objetivo principal desenvolver nos estudantes a com-

preensão e a identificação da importância que a higiene e a saúde bucal trazem para a vida individual e em sociedade, destacando o direito à saúde.

Tal tema foi abordado, pois, de acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente, Título II, Capítulo I, Artigo 7º: “A criança e o adolescente têm direito a proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência”. (BRASIL, 1990)

Pensando nisso, focou-se no direito à saúde bucal. Durante o trabalho realizado, foi pro-posta inicialmente uma roda dialógica, para que os estudantes trouxessem seus conhecimentos prévios sobre o tema que seria tratado. Assim, os mesmos sentiram-se bastante à vontade em relatar suas vivências e críticas no que diz respeito a uma saúde bucal digna e acessiva.

Em seguida, os estudantes foram incentivados, juntamente com as mediadoras, a se dirigirem para a parte externa da Escola e receberam então escovas de dente e creme dental, com a finalidade de iniciar uma higienização bucal correta e rotineira, não apenas em casa, mas na escola também, visto que os mesmos recebem lanche no local.

Os educandos mostraram compreender a importância de uma boa higiene bucal para o trato individual e em sociedade, bem como a importância de frequentar o dentista. Além disso, os mesmos perceberam que um de seus deveres é manter o hábito de higienização bucal, e que é um direito seu ter acesso a uma boa saúde, porém não é o que vem acontecendo, como foi observado pelos mesmos.

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No momento da roda dialógica, os estudantes mostravam-se dispostos a relatar suas dúvidas e contribuições sobre o assunto trabalhado, que, em sua maioria, abrange temáticas que envolvem o cotidiano dos mesmos, bem como as indagações que permeiam as atividades.

Para finalizar a atividade, os educandos montaram um cartaz ilustrativo e colorido que fazia referência à higiene bucal. A atividade mostrou-se bastante válida, pois os educandos trouxeram dúvidas e contribuições que a tornaram ainda mais edificante para o conhecimento dos estudantes e das mediadoras. É importante ressaltar que tais contribuições foram trazidas durante o momento da roda dialógica, o que reforça a seriedade que esta metodologia traz para as atividades pedagógicas.

De acordo com Diego, estudante do 2º ano do Ensino Fundamental: “Este dia foi muito legal, nunca tinha escovado os dentes na escola e agora escovo todos os dias, minha escova tá até aqui”.

É possível identificar assim, que os mesmos conseguiram apreender o conhecimento discutido nas atividades, bem como levar tais conhecimentos para sua vida cotidiana.

Segunda atividade: conhecimento do corpo, coordenação motora e valorização da cultura lúdica

Para a elaboração dessa atividade, o plano de aula foi baseado em dois pontos norte-adores. O primeiro foi introduzir uma atividade que projetasse sequências de movimentos, levando em conta os limites corporais e os seus desenvolvimentos; o segundo, trazer em sala de aula o direito ao lazer, proposto no Estatuto da Criança e do Adolescente, Título III, Capítulo 1, Artigo 71°: “A criança e o adolescente têm direito a informação, cultura, lazer, esportes, diversões, espetáculos e produtos e serviços que respeitem sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento”. (BRASIL, 1990)

Para tal, de início, na roda dialógica, as bolsistas do PIBID explicaram o jogo “Brincan-do de Amarelinha” e a partir disso esclareceram a importância de retomar uma brincadeira antiga, já não tão valorizada na sociedade e na vida infantil atual. Também foi explanado, nessa conversação, o efeito dessa atividade no corpo humano, focando-se a coordenação

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motora. Depois disso, o jogo foi sequenciado por regras e movimentos de equilíbrio que, a cada nível, iam aumentando o grau de dificuldade.

Os estudantes tinham um enorme conhecimento sobre a brincadeira proposta, bem como de suas regras e movimentos básicos. Porém, quando perguntados sobre quais deles utilizava como brincadeira cotidiana, de forma unânime nenhum deles fazia uso dessa ati-vidade. Alguns deles ainda afirmavam que preferiam jogos como videogame, “correr picula” e esconde-esconde.

Essa segunda atividade encaixa-se na perspectiva já citada sobre a importância da ludi-cidade como ferramenta que facilita o trabalho do educador, sendo norteadora do desenvol-vimento da criança.

Figura 2 - Atividade “Brincando de Amarelinha”Fonte: Elaboração própria. Projeto PIBID - Pedagogia.

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Terceira atividade: respeito, convívio com os outros e amizadeEssa atividade teve um caráter marcante na intervenção das bolsistas do PIBID – Peda-

gogia, pois não estava no planejamento mensal de aulas. Sua realização foi imediata, pois algumas vezes ocorreram momentos de pouca interação entres os alunos, e, quando intera-giam, não havia respeito. Sendo assim, o objetivo geral dessa atividade foi fazer com que as crianças idealizassem o que seria manter uma relação saudável com seus colegas de classe, respeitando opiniões e diferenças, e os tratando com boas atitudes e palavras.

Seu embasamento teórico foi encontrado na Declaração Universal Dos Direitos Das Crianças, em uma afirmação que se relacionasse com o objetivo geral da atividade.

Direito a crescer dentro de um espírito de solidariedade, compreensão, amizade e justiça entre os povos.

Princípio X: A criança gozará de proteção contra atos que possam suscitar discriminação racial, religiosa ou de qualquer outra natureza. Criar-se-á num ambiente de compreensão, de tolerância, de amizade entre os povos, de paz e de fraternidade universal e em plena consciência que seu esforço e aptidão devem ser postos a serviço de seus semelhantes. (ONU, 1961)

Depois de encontrado algo que embasasse a atividade teoricamente, a prática foi voltada para fazer com que as crianças idealizem o que seria manter uma relação saudável com os colegas de classe, respeitando opiniões e diferenças, e os tratando com respeito e boas atitudes.

A roda dialógica mais uma vez foi primordial, ainda mais que essa atividade envolvia também a educação que os alunos deveriam encontrar e receber em seus lares. A cada inter-venção sempre se percebiam algumas atitudes que comprovavam a qualidade da educação doméstica a elas oferecidas e sua ausência que se refletia nas relações entre colegas.

“Os estudantes têm uma grande dificuldade em respeitar não só os colegas, mas também a he-reditariedade. Eles tratam os mais velhos como se tivessem tratando um colega qualquer e isso prejudica o desenvolvimento da aula”.5

5 Alessandra, docente do 2º ano do Ensino Fundamental.

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Dessa forma, foi proposta uma aula para se debater o uso de “palavras mágicas”, aque-las que devem ser usadas para a boa convivência: bom dia, obrigada, com licença etc. Os estudantes mostraram-se incomodados com as atitudes de alguns colegas, que falavam mal, batiam e tratavam os outros com desrespeito. Assim, em uma conversa calma e dialógica, os estudantes foram levados a refletir sobre tal tema e se as atitudes tomadas até o momento eram positivas ou negativas. Com isso, todos deram seu depoimento e passaram a discordar de algumas atitudes. A exemplo, Tauan, estudante do 2º ano do Ensino Fundamental, relatou: “Não gostei de quando Diego me empurrou, não gostei dessa brincadeira de bater e chutar”.

A partir daí, os estudantes mediados pelas bolsistas, elaboraram um cartaz onde colo-caram palavras que deveriam ser usadas no ambiente escolar e fora dele, enquanto outras palavras e ações, de cunho negativo, foram jogadas no lixo, para dar uma ideia de “elementos que não prestam”. Tal atividade resultou na maior interação entre os estudantes, bem como em um maior respeito entre os mesmos.

Quarta atividade: cuidando do meio ambienteA atividade proposta teve como objetivo principal compreender e identificar a importân-

cia da preservação do meio ambiente. Além disso, a atividade proporcionou aos estudantes conhecerem, analisarem e criticarem as ideias do livro que foi lido durante a atividade.

Inicialmente, foi realizada, pela professora da sala, a leitura do livro Lala a Latinha de Lixo, de Socorro Miranda, o qual trata de uma latinha de lixo que morava em um parque, porém as pessoas deixaram de jogar lixo nela, deixando-a muito fraca. Após uma conversa com um menino, Lala pediu-lhe que colocasse todo o lixo do parque dentro dela, pois assim ela estaria bem alimentada e iria conseguir sobreviver. O menino ajudou Lala e todos passa-ram a colocar o lixo na lixeira, para manter o ambiente limpo e a latinha feliz.

Tal história mostra a importância de manter os espaços limpos, bem como nunca se es-quecer do valor que uma lata de lixo possui para se alcançar tal objetivo. Por isso, a história escolhida foi contada de forma pausada, para que todos os estudantes compreendessem o objetivo da mesma e pudessem, a partir dela, identificar seus direitos e deveres como cidadãos.

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Tendo sempre em vista o Estatuto da Criança e do Adolescente, a fim de fortalecer e defender a ideia de que todos têm direito à saúde, porém o dever de conservar o ambiente limpo. Sendo assim, com o auxílio da história, foi discutida com os estudantes a possibilidade concreta de manter a limpeza na escola e em sociedade.

Dando continuidade ao dia de aula, após o momento da discussão do livro na roda dialógica, os estudantes puderam expressar suas ideias através de desenhos sobre a temática abordada. Assim, neste momento, surgiram diversas sugestões de formas de preservação do meio ambiente, mostrando com isso que o tema foi bem compreendido pelos estudantes.

Para finalizar o dia de aprendizagens, os estudantes foram levados para a área externa da Escola, para pôr em prática as aprendizagens adquiridas. Sendo assim, foram sugeridos aos mesmos que fossem recolhidos do pátio da escola alguns itens, para serem levados ao local apropriado, a lata de lixo. Aproveitando este momento, tratou-se também da reciclagem do lixo e da separação que deve ser realizada.

Esta temática foi bastante proveitosa para o melhor desenvolvimento dos estudantes, principalmente no que diz respeito ao direito à saúde e ao dever de manter o ambiente limpo. “A pró só faz dever e dever, vocês fazem brincadeiras legais”.6

O Estatuto da Criança e do Adolescente e a atuação das bolsistas frente à temática

É sabido que, de acordo com o Estatuto, toda criança tem direito à liberdade, ao respeito, à dignidade, de ir e vir, bem como tem o direito de expressar suas opiniões, de ter uma reli-gião, brincar, praticar esportes e se divertir. Este é o principal objetivo do trabalho proposto.

Partindo deste pressuposto, na Escola Ruy de Lima Maltez, as atividades aplicadas fo-ram baseadas nestes princípios, tendo em vista que toda pessoa tem seus direitos e deveres, onde o educador tem o dever de mediar esses saberes para os estudantes tornarem-se seres críticos e atuantes na sociedade.

6 Evelin, aluna do 2° ano do Ensino Fundamental.

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Porém, para que tal trabalho seja realmente validado, é necessário que se tenha o apoio da instituição escolar, especialmente dos professores regentes, para dar continuidade a este processo. Assim, o ponto de vista dos educadores é de fundamental importância para a am-pliação desta discussão, trazida pelo Estatuto, pois é papel da escola esclarecer tais pontos.

De acordo com Alessandra, professora regente do 2º ano do Ensino Fundamental:

“O trabalho realizado proporciona o desenvolvimento do grau de compreensão de mundo dos estudantes, e a roda dialógica permite conhecer o grau de participação e o nível de linguagem oral dos alunos”.

Tal relato mostra que o trabalho realizado na instituição escolar está surtindo efeitos positivos, no que diz respeito ao desenvolvimento dos estudantes, bem como proporciona a educadora uma maior praticidade no decorrer das aulas, pois os estudantes se tornaram ainda mais críticos e discursivos, promovendo aulas mais proveitosas para todos os envolvidos no processo de ensino aprendizagem.

Além disso, foi possível perceber que o uso das rodas dialógicas é hoje, comprovada-mente, muito proveitoso para o desenvolvimento crítico dos estudantes. “Poucas vezes fiz uso desta técnica, porém compreendo a importância da mesma e pretendo usá-la com mais frequência.”7

Foi de fundamental importância para o bom desenvolvimento das atividades a relação entre o Estatuto da Criança e do Adolescente e as rodas dialógicas, pois tal exercício propor-cionou uma maior aprendizagem dos estudantes, das mediadoras, bem como da professora regente da sala. Tendo em vista que o que os estudantes aprendem na sala de aula levam para sociedade e o conhecimento é compartilhado, nós nos mobilizamos para que todos os envolvidos neste processo de ensino aprendizagem possam além de se beneficiar, proporcio-nem este conhecimento com todos os que estão em sua volta.

É importante citar que, para o trabalho continuar dando bons resultados, outras temá-ticas devem ser abordadas.

7 Docente Alessandra, relatando sua opinião sobre as rodas dialógicas.

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“Atividades relacionadas à educação no trânsito, ao cuidado com os livros e a importância da lei-tura, assim como a higiene corporal, a economia de água e energia devem ser abordadas na sala.”8

Compreender que o trabalho realizado foi muito bem aceito é importante para a sua continuidade, porém é preciso ter em mente que algumas temáticas devem ser abordadas e o auxílio da professora regente da sala colabora ainda mais para o melhor andamento do mesmo. Além disso, o diálogo existente entre as docentes propicia uma melhor aprendizagem para os estudantes, pois as temáticas estudadas sempre estão relacionadas.

O trabalho com o Estatuto da Criança e do Adolescente propiciou muitas aprendizagens para todos os envolvidos neste processo. Alguns pontos ainda podem ser melhorados, po-rém o cotidiano com os estudantes e o diálogo constante com a professora regente da sala irão proporcionar uma melhora ainda mais edificante para todos e o objetivo principal das atividades será atingido, este que é alfabetizar cidadãos críticos e letrados tendo como base o Estatuto da Criança e do Adolescente.

ReferênciasBRASIL. Estatuto da criança e do adolescente. São Paulo: Cortez, 1990. 181p.

BRASIL. Decreto nº 3.298, de 20 de dezembro de 1999. Regulamenta a Lei no 7.853, de 24 de outubro de 1989, dispõe sobre a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, consolida as normas de proteção, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D3298.htm>. Acesso em: 12 dez. 2011.

FERREIRO, Emília. Alfabetização em processo. São Paulo: Cortez, 1996.

FREIRE, Paulo. Educação como prática de liberdade. 24. ed. Rio de janeiro: Paz e Terra, 2000.

ONU. Declaração dos direitos das crianças - 1959. 1961. Disponível em: <http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Crian%C3%A7a/declaracao-dos-direitos-da-crianca.html>. Acesso em: 12 dez. 2011.

SOARES, Magda. Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte: Autêntica, 1998.

VyGOTSKy, L. S. A formação social da mente. São Paulo: Martins, 1984.

8 Proposta feita pela professora Alessandra às bolsistas do PIBID.

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CAPÍTULO 5

Tecnologia educacional: possibilidades para a prática pedagógica cidadã

Ana Paula de Souza, Eunice Uzeda e Vitor Reis 1

Tecnologia educacionalPara que possamos falar sobre tecnologia é útil conhecer e refletir acerca da etimologia

dessa palavra: tecn(o) do grego techno – de téchné “arte ou habilidade”, que se documenta em alguns compostos formados no próprio grego (como tecnologia) e em muitos outros, introduzidos a partir do século XIX na linguagem erudita; logia – log(o) derivado do grego “palavra, estudo, tratado, conhecimento”. (CUNHA, 1982)

Ainda nesta lógica tecnológica, pode-se atribuir à máquina a vapor um papel de destaque na primeira Revolução Industrial, assim como ao computador na atual sociedade. No entanto, o computador isoladamente não pode ser considerado sinônimo de nova tecnologia. O rádio, a

1 Estudante de Pedagogia pela UFBA e bolsista do PIBID na Escola Municipal Ruy de Lima Maltez.

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televisão e o DVD, entre outros meios tecnológicos, são ainda novas tecnologias para a escola, se não puderam ser devidamente incorporados como experiências educativas. Além disso, o computador pode coexistir como tecnologia e não necessariamente substituir as anteriores.

Neste caso, podemos inferir que uma tecnologia é uma solução, dentre outras tantas possíveis, a um dado problema ou conjunto deles. Desde já, começamos a perceber que não há apenas uma única tecnologia educacional, mas tecnologias, isto é soluções resultantes do enfrentamento de problemas.

Deste modo, apresentar o tema com simplicidade recorre à frequência com que o co-nhecimento científico, produzido como resposta a um dado problema, acabe por estimular a criação de aplicações, viabilizadas através de novas tecnologias, isto é, soluções.

Tão logo, parte do princípio de que tecnologia é tudo aquilo que propicia melhoria de vida, acessibilidade ou serviço a um determinado grupo.

Para tanto, é necessário compreender os aspectos que distinguem as tecnologias em duas categorias, são elas: tecnologias independentes e dependentes.

As tecnologias independentes configuram-se por não necessitarem de fonte de energia elétrica para seu funcionamento, como exemplos temos giz, quadro, lápis, caneta, borracha, apagador, piloto, papel, livros, apostilas, dentre outros. Já as tecnologias dependentes são aquelas que só funcionam à base da própria energia elétrica ou até mesmo de um componen-te eletrônico, a exemplo de retroprojetor, computadores, mídias, software, lousa eletrônica, datashow e os demais aparatos da nova tecnologia educacional.

Ao que parece, não existe tecnologia absoluta, completa ou definitiva; sempre tem sido possível alcançar soluções cada vez melhores – no sentido de serem mais próximas da solução ideal de um problema – e esta característica central tende a permanecer.

A fim de que possamos esclarecer alguns aspectos pertinentes ao que chamamos de tec-nologia educacional, é válido ressaltar o significado de alguns conceitos que corriqueiramente são confundidos com este primeiro. Esta confusão parte do princípio de que tecnologia tende a dar suporte, por meio de seus aparatos, e não suprir as reais necessidades que a educação possa ter.

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Para ilustrar mais um pouco esta abordagem, tomem como exemplo o caso dos pro-fessores, em particular os que atuam nas escolas públicas que, em alguns casos, dispõem de laboratórios de informática, e têm o desafio de desenvolver no seu dia a dia a autonomia necessária para estabelecer um vínculo entre a própria prática e as novas tecnologias, para assim contribuírem na transformação de sua ação... Começamos aqui a construir um conceito amplo e crítico para a tecnologia educacional.

Num primeiro ponto, abordaremos os meios, também chamados de mídias, que englo-bam todos os recursos materiais, mecânicos, elétricos e eletrônicos, dentre outros, que se utilizam com fins educacionais. As mídias são um dos componentes essenciais, indispensáveis à construção de um conceito melhor estruturado de tecnologia educacional.

A mídia é algo que se coloca entre, no mínimo, dois participantes da dinâmica educacio-nal: aluno-professor, aluno-aluno, professor-aluno, dentre outras possibilidades. Toda mídia, como meio que se interpõe e viabiliza a interação entre pessoas participantes de um processo educacional, não é o agente criativo; ela pode carregar mensagens em informações, mas, por si só, é incapaz de produzir conhecimento pronto para ser oferecido.

Mais recentemente, com o advento e a disseminação da informática na educação, o software passou a ocupar um lugar importante e de destaque nos processos educativos. Um software, qualquer que seja ele, também carrega uma mensagem, tal como uma publicação impressa. Na verdade é correto dizer que um software é uma publicação com características próprias, tem sua própria legislação e tudo mais que as publicações convencionais detêm, incluindo direitos autorais. Mesmo quando um software é apenas uma ferramenta e não traz ou carrega conteúdo puramente informativo, ainda assim ele reflete uma proposta e um conjunto de intenções, carrega uma mensagem.

Por sua natureza, o meio sobre o qual um software é transportado é diferente daquele de uma publicação. Enquanto uma publicação tradicionalmente vem impressa em papel, um software vem gravado em discos magnéticos, em CD laser ou DVD, dentre outras mídias. Precisamos, primeiramente, afirmar o que não é tecnologia educacional, para depois definir com maior precisão mídias e software, ampliando e reformulando conceitos. Num domínio mais preciso, operacional e amplo, este conceito deverá afetar significativamente a criação

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pedagógica e a atuação docente. Para isto, não se deve deter ao domínio prático da tecnolo-gia, sem atentar para sua real funcionalidade, concomitante à prática do educador em sala, que será de fundamental importância para a compreensão dos novos conceitos acerca das adequações tecnológicas que vêm sendo instituídas. Neste mote, atentemos também para o que vem a ser mediação docente.

Para podermos compreender bem o significado da mediação, tanto na criação quanto na aplicação de uma tecnologia educacional, vamos recorrer a alguns fatos históricos. Até o final do século XIX e início do XX, as metodologias de ensino apoiavam-se essencialmente no discurso do professor A cátedra era o assento docente, uma posição de poder na hierarquia educacional. A chegada de uma nova mídia, no final do século XIX, pregada ou simplesmente pintada na parede, em tom negro ou verde, representava uma verdadeira heresia institucional e profissional.

Como o exemplo histórico pode mostrar, a simples chegada de uma mídia, como o quadro--negro, não significou sua imediata incorporação como elemento do processo educacional. Foi preciso que alguns docentes, de início, se entusiasmassem, experimentassem e criassem novas aplicações, utilizando-se delas nas aulas para que, ao longo do tempo, a incorporação efetiva do quadro-negro se desse.

A introdução de novas tecnologias no ambiente escolar pode provocar posições diferen-tes entre os educadores. Valente (1993) apresenta três exemplos que sintetizam as possíveis reações dos professores: indiferença, ceticismo e otimismo.

Quanto à indiferença, o professor espera qual tendência que o curso da tecnologia pode tomar, para então se definir, enquanto, nas demais visões, pode-se assumir uma posição mais crítica em relação ao uso das novas tecnologias da informação na prática pedagógica. No caso dos céticos, seu primeiro argumento diz respeito à pobreza do sistema educacional brasileiro. Como falar em computadores, se falta giz nas escolas? Na visão otimista, acredita-se que, como o computador faz ou vai fazer parte do cotidiano, a escola deve preparar os alunos para lidar com esta tecnologia. Na verdade, este argumento apenas justifica a informática como disciplina, isolada e descontextualizada, conduzindo-nos à mera ação da instrução.

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Para Valente (1993), computador na educação não significa aprender sobre computadores, mas sim por meio de computadores.

De fato, alterações substanciais em uma dada tecnologia educacional ocorrem na medi-da em que a incorporação efetiva de mídias acontece por ação mediada. Nesta perspectiva, a inserção de novas mídias dedicadas à educação pode trazer ressignificados conceituais e operacionais pedagógicos, pressupondo a tomada de consciência dos mediadores, contando com suas competências e habilidades para a gestão dos processos de ensino-aprendizagem.

Tecnologia educacional, portanto, é mais do que um conceito recorrente: representa, a cada momento, no tempo histórico, a complexidade dos processos pedagógicos, na esteira da tomada de decisão de seus gestores.

Educação e inclusão digitalNo final do século XX, a sociedade mundial foi movida pela inserção das novas formas

de tecnologias, que mudaram as relações de informação e comunicação e que passaram a ser mediadas pelo mundo digital. O Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) no Brasil articulou grandes esforços no sentido de formular diretrizes para um programa que conduzisse o país a adentrar na sociedade da informação. Assim, no ano de 2000, foi publicado o Livro Verde da Sociedade da Informação (Socinfo).

No referido documento, são trazidos objetivos que visam universalizar os serviços, facilitando o acesso, bem como formar criticamente o cidadão, ao usar os serviços da rede, a fim de favorecer seus interesses individuais e comunitários como exercício de cidadania.

O programa Socinfo remete a alfabetização digital às habilidades de utilização do com-putador e da internet. Porém, muitos teóricos observam que o termo alfabetização refere-se à decodificação de símbolos e esta habilidade sozinha não dá conta do processo de domínio das ferramentas e linguagem do mundo digital. Para Bonilla (2001, p. 7),

Alfabetização digital é um processo ‘meramente’ de compreensão de informações. Apesar do ‘me-ramente’, ligar alfabetização à compreensão já é um avanço, pois historicamente é considerado

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alfabetizado aquele que apenas codifica e decodifica símbolos, independentemente do processo de compreensão.

Contudo, a compreensão de informações e uso das ferramentas digitais não é suficiente para dar conta do processo de inclusão digital; na visão de Buzato (2003), pessoas alfabeti-zadas não são necessariamente “letradas”.

O letramento digital corresponde à ação crítica de compreensão e reelaboração consciente de conhecimentos tecidos no âmbito da informação eletrônica, e o reconhecimento desse meio como uma prática social. Vale ressaltar que, obviamente, todo esse processo perpassa pelo domínio das convenções ortográficas, pois um indivíduo que não aprendeu a ler e a compreender o que escreveu e não der conta do sistema alfabético, não poderá fazer uso do mundo digital, como analisa Xavier (2007): “[...] a principal condição para a apropriação do letramento digital é o domínio do letramento alfabético pelo indivíduo”.

A escola, como mediadora das relações do sujeito com o mundo e com o ambiente de emancipação humana, necessitou dominar as Tecnologias da Comunicação e da Informação, por conta das demandas culturais, sociais e econômicas vigentes.

Assim, a inserção das novas formas de comunicação no século XXI vem alterando os modelos de educação já existentes, sendo preciso admitir novas práticas pedagógicas que favoreçam a manipulação e a exploração desses novos meios de comunicação. Estes meios não devem ser concebidos como substitutivos da ação do professor, mas admitidos como uma nova forma de interação com o conhecimento que se dá em ambiente digital. Este processo deve ocorrer em conjunto envolvendo essa tal experiência. Nessa perspectiva, Lévy (1999, p. 179) observa:

[...] é preciso colocar as pessoas nessa situação de curiosidade, nessa possibilidade de exploração. Não individualmente, não sozinhas, mas juntas, em grupo. Para que tentem se conhecer e conhecer o mundo a sua volta. Uma vez compreendido esse princípio básico, todos os meios servem. Os meios audiovisuais, interativos, os mundos virtuais, os grupos de discussão, tudo o que quisermos [...].

É inegável que o computador representa uma ferramenta muito atraente e eficaz à aprendizagem, se utilizado com planejamento e direcionamento pedagógicos. Os objetivos

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para a utilização desse recurso precisam ser refletidos e demarcados nas atividades propostas. Caso contrário, todo meio digital na escola recai numa ferramenta sem funcionalidade, assim como os outros recursos habituais à prática pedagógica.

Tecnologias da comunicação e da informaçãoA era das tecnologias da comunicação e da informação parece não findar. A cada ano,

um avanço é lançado e apresentado aos espectadores deste grande espetáculo de larga escala. Neste mundo globalizado, onde as tecnologias encantam, e em ocasiões desencantam, muitas realidades e explicações são mantidas debaixo do pano e suscitam perguntas que geram o desejo de respostas rápidas. São apenas estas novíssimas tecnologias que fazem a diferen-ça? Qual é o grau de importância que elas apresentam, atualmente, para os indivíduos? São todos que possuem o direito de acesso? Como ensinar o uso destas tecnologias que tendem apenas ao avanço? É claro que o bombardeio de questões não leva a uma resposta pronta e veloz, mas o exercício da reflexão proporciona a revisão de ações e mudanças, a partir da vida singular do indivíduo e sua participação na sociedade.

Ao longo da história, foram observados diversos meios de inovação por parte do ser humano. Lugares inalcançáveis, sabores distintos, armamentos pesados, conquistas imen-suráveis, batalhas derradeiras, comunicação mais rápida, informação compartilhada em velocidades absurdas, acesso ao mundo com simples cliques, todos estes exemplos e milha-res de outros foram alcançados pelo homem, com apenas uma necessidade: facilitar a sua vida. Entretanto, estas tecnologias vistas no cotidiano não são, em sua grande maioria, as mesmas que facilitaram a vida dos antepassados. Alguns estudiosos deste tema propõem a divisão de cinco gerações que classificam e organizam a evolução dos tipos de tecnologia da comunicação e da informação.

A primeira geração é marcada pelos suportes mais simples. Para propagar as teorias e pensamentos do seu líder Sócrates, Platão foi um dos únicos que registraram os diálogos de aprendizagem e reflexão que são tão conhecidos pelo mundo. Utilizando-se apenas da voz do seu mestre e da sua capacidade de escrever desenvolveu, segundo Madjarof (2005), a grande

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história do pensamento de Sócrates, bem como a sua biografia. Não se estendendo muito na história, pode-se perceber a utilização de mapas para definições de territórios e como meio de conquista de outras nações.

A segunda geração, por sua vez, introduz um material tão utilizado por todo o mundo, o livro impresso. Com a cultura letrada, que começava a apreciar a literatura clássica, o belo das poesias e poemas, a graça do teatro, e as letras que envolviam as melodias das músicas, os povos se interessaram em gravar essas conquistas humanas em materiais impressos, com o objetivo de torná-las sólidas e difundi-las por gerações.

A cultura audiovisual abrange a terceira geração, que se apresenta munida de recursos visuais em questões de chamar a atenção e divulgar a informação e o conhecimento de diversos meios. A fotografia, o rádio, o vídeo, o cinema e a televisão aparecem em cena por-tando o poder da imagem e do som, pelas casas, estabelecimentos, ruas, escolas, invadindo a sociedade por completo.

Com o processo contínuo de inovações, a quarta geração expõe a vivacidade do compu-tador. O objetivo de sua construção e operação era auxiliar em assuntos de guerra, porém seu desempenho foi tão bem apresentado que, sob os olhos do poderio capitalista, ampliou seus limites e alcançou as centenas de casas do globo. Juntamente com o computador, a internet se integra a esta geração, possibilitando uma conexão mais veloz entre pontos geograficamente separados, unindo o planeta em questões de bytes.

Para encerrar as divisões de gerações, a quinta e atual, volta-se para as tecnologias com aspectos e tamanhos compactos, mostrando o quanto podem evoluir e suas proporções dimi-nuir, propondo o uso fácil e de portabilidade acessível para todos que as desfrutam. A linha dos “i”: iPod, iPad, iPhone, e a outra linha dos “m” Mp3, mp4, mp5, são exemplos desta geração.

Analisando as gerações que permeiam a história das tecnologias, é notório perceber quanto o ser humano buscou a facilidade e a criação de pontes que o auxiliassem em seus avanços. Tais atividades tornaram-se essenciais na vida das pessoas que, atualmente, não param de produzir novas tecnologias e melhorar outras. Em algumas nações, o pensar na vida sem as novas tecnologias revela-se como um mito, desvendando o fator dependência

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que as tecnologias guardam, e muitos conseguem se prender a ponto de não conseguirem vislumbrar o mundo sem as tecnologias inovadoras.

O lema apresentado no cartaz das novas tecnologias da comunicação e da informação remete ao poder de conectar todas as partes do globo em um único mundo. A capacidade de unir diversas nações, linguagens desconhecidas, visões opostas, pensamentos divergentes e colocá-los em um mesmo cesto é dedicada a estes avanços. Porém, é correto afirmar que todas as nações recebem este aparato tecnológico e conseguem realizar essas articulações com os seus vizinhos globais? Não. Existe um ponto que deve ser revisto na questão da acessibilidade às inovações. Mesmo percebendo o barateamento das máquinas e o fácil acesso às bandas largas da internet, ainda há muito que ser feito para as nações consideradas subdesenvolvi-das, que não possuem capital suficiente e acabam sendo marginalizadas, perdendo o acesso a este novo mundo.

A partir desta situação, como a escola deve proceder em suas ações? Sabe-se que o ponto de partida do contato de um indivíduo com a sociedade em que ele está inserido se dá, na maioria das vezes, nas instituições formais de ensino. Os governos mundiais estão interessa-dos em apresentar as tecnologias na escola, como uma forma de proximidade do instrumento novo ou uma forma de criar novos clientes? Muito se vê em propostas de aplicar o ensino da informática, a compra de computadores e instrumentos audiovisuais para escolas, mas será que todas estas promessas são uma forma de criar mais um espaço na instituição formal, sem o trabalho do professor?

É inevitável pensar em trabalhar com as tecnologias na sala de aula, porém o que precisa ser revisto é o objetivo central deste trabalho. Ramos (2002) propõe em seu artigo que “[...] precisamos ter coragem para propor o inusitado, para ousar, para transgredir, para construir coletivamente novas regras”. E ainda conclui que “[...] não tem sentido [...] a educação num mundo de comunicação como este a que chegamos prender-se às soluções legitimadas apenas em outros contextos históricos”. O inovar é preciso, mas o refletir faz parte do exercício do docente. Compreendendo o mundo em que participa e atua, o educador saberá que a alfa-betização digital deve ser realidade em sua instituição, para que seu aluno, o outro cidadão, se insira neste mundo cada vez mais globalizado.

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Alfabetização digital – formação do alfabetizadorPara que o trabalho com as tecnologias da comunicação e da informação nas instituições

formais de ensino seja exercido de maneira satisfatória para todos os envolvidos, é necessário realizar e investir na formação do alfabetizador. Grande parte da população dos adultos ha-bitantes deste planeta tem consciência da necessidade de ter proximidade e saber manusear as inovações tecnológicas. Isso porque eles sabem como o mercado exclui aqueles que não respondem a suas condições necessárias, tornando a corrida competitiva, para ambos os lados, o mercado que almeja crescer sem limites, e os empregados que precisam do trabalho para a sobrevivência em sociedade.

Trabalhar com as crianças que serão inseridas neste mundo capitalista e globalizado, mergulhado na mais pura inovação tecnológica, é um grande desafio para os educadores. Antes de ensinar ao aluno como portar-se diante dessas tecnologias, devem primeiro se capacitar nestes avanços e sempre renovando e percebendo as evoluções ao seu redor.

Na década de 1970, segundo Lucena (2003), o Brasil tomou suas primeiras iniciativas para informatizar as escolas públicas, através da criação da Secretaria Especial de Informática (SEI), que era responsável pela coordenação e execução da Política Nacional de Informática. Retirando as falácias da defesa pela informatização do ensino público, o real motivo para tal motivação inovadora era a presença majoritária das empresas estrangeiras no Brasil, que apareciam dotadas de tecnologias comuns, para eles, e incomuns, para os brasileiros. Por um lado, estas tecnologias eram instaladas e promovidas no país, por outro, a escola estava se tornando no mais novo curso para preparar o trabalhador futuro da multinacional a se envolver com as novas tecnologias. A partir deste início pouco amedrontador, apareciam em cena, várias políticas em prol das tecnologias da comunicação e da informação no ambiente escolar. Porém, como é possível inserir as inovações, sem saber se os mediadores do conhe-cimento estão preparados para exercer esta função?

Além da preparação inicial, em seu curso de graduação, o educador precisa da formação continuada como uma realidade em sua vivência. Comparando com a velocidade das inova-ções atuais, não é possível a um educador se preparar para a utilização de tais tecnologias e pensar que estará pronto para trabalhar a vida inteira com elas. Estes cursos de formação

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continuada propostos pelas secretarias municipais, estaduais, ou realizados pela iniciativa do próprio alfabetizador, não podem apresentar um caráter apenas de treinamento na utilização de tal tecnologia. Eles também devem buscar ampliar os horizontes e refletir sobre o material inovador que será um meio pedagógico de discutir, investigar e aprender.

O educador precisa saber trabalhar com as tecnologias, para não ser um mero reprodutor, como um manual de instruções. Ele pode encaminhar o aluno a fazer reflexões sobre o uso, a consequência e o conteúdo das tecnologias, propondo uma proximidade mais real e que-brando os limites das funções básicas e superficiais que rodeiam as inovações tecnológicas.

Trabalhar com tecnologias, comuns aos alunos e ao professor, como a televisão, o rádio e o jornal impresso, é uma maneira de apresentar as inovações tecnológicas próximas e pro-mover a reflexão sobre estes meios de comunicação. Entretanto, este exercício de reflexão pode parecer difícil pelo contato quase que diário que os alunos mantêm. Assim, Leite (2004, p. 107) propõe:

Trata-se, então, de formar o leitor crítico (alunos e professores) ao aprender a conviver, ler e en-tender melhor os significados, mecanismos de ação e resultados práticos da influência dos meios de comunicação de massa na vida das pessoas.

Então, o educador precisa fazer com que a articulação ocorra e auxilie os alunos a viverem nesta era digital. Mais à frente, Leite (2003, p. 108) apresenta uma das funções da escola na sua relação aos meios de comunicação: “a escola reveja sua relação com os meios de comunicação, consciente da relevância dessa opção política para a sociedade”. Ou seja, investir nestes meios tão próximos das crianças, do alunado, é trabalhar com a ação política dele, desde o seu primeiro contato com a sociedade.

Após serem apresentadas as tecnologias e como elas podem ajudar no fazer pedagógico, na inserção de indivíduos na sociedade inovadora, o educador deve tomar o seu caminho. É claro que as faltas do Estado com as instituições existirão, por isso ele deve estar preocupado em desenvolver a mediação do conhecimento, de forma conectiva, onde as ligações entre o real, o imaginário, o atual, o passado, o presente, a visualização, possam ser percebidas

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e a partir disto, uma concepção possa ser construída. Lucena (2003, p. 242) classifica esta atuação como um meio hipertextual; em seu texto, ela defende este termo:

Pensar na educação de forma hipertextual é pensar de forma interativa, onde a comunicação entre professor e aluno acontece bidirecionalmente e não apenas na transmissão de informações por meio de um único emissor. Desta forma, ao modificar a comunicação, o professor redimensiona a sala de aula, convidando o aluno a ser autor e co-autor das produções.

Permitindo-se atuar neste campo, comprometendo-se em continuar estudando e ino-vando, acompanhar os avanços, praticando a reflexão em sala e antes do encontro diário, são alguns passos que o alfabetizador pode realizar para que a sua prática seja estabelecida e consiga envolver seus alunos.

Tecnologia assistiva e educação

Para as pessoas sem deficiência, a tecnologia torna as coisas mais fáceis. Para as pessoas com deficiência, a tecnologia torna as coisas possíveis.

Radabaugh, 1993.

Tecnologia Assistiva (TA) ainda é um termo novo que vem sendo empregado no sentido de denominar o acervo com o qual a tecnologia pode contribuir também para a autonomia e independência da pessoa com deficiência. Todos os recursos, equipamentos e produtos, que podem potencializar as capacidades funcionais dessas pessoas, estão no âmbito da Tec-nologia Assistiva.

Historicamente, as pessoas com deficiência foram exterminadas, abandonadas, segrega-das ou tidas como incapazes e inaptas para a convivência social e, obviamente, não tinham

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o direito de ingressar na escola regular. É somente a partir da Política de Educação Inclusiva (2008), que as crianças com deficiência tiveram o direito de frequentar as escolas de Ensino Regular no Brasil, não ficando mais restritas às classes de Educação Especial. O objetivo precípuo da referida política é:

[...] o acesso, a participação e a aprendizagem dos alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação nas escolas regulares, orientando os sistemas de ensino para promover respostas às necessidades educacionais especiais [...]. (BRASIL, 2008)

A política supracitada representou um grande avanço para as crianças com deficiência, visto que elas tiveram assegurado o direito de compartilhar do espaço de aprendizagem na escola. Considerando que este é um espaço privilegiado de interações, extremamente relevante para a formação global da criança, mas que, historicamente, foi um espaço seleto, onde ape-nas os eleitos como aptos poderiam desfrutar, percebe-se que através desta política, enfim, inicia-se um processo de mudanças significativas, no que tange às práticas pedagógicas nas escolas brasileiras.

Em concordância com as demandas da política da inclusão, foi definida a oferta do Aten-dimento Educacional Especializado, no contraturno escolar regular das pessoas com deficiên-cia, e não, como antes, com um caráter substitutivo, mas agora caminhando paralelamente ao ensino regular. As Diretrizes da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva explicitam que:

O atendimento educacional especializado tem como função identificar, elaborar e organizar re-cursos pedagógicos e de acessibilidade que eliminem as barreiras para a plena participação dos alunos, considerando suas necessidades específicas. As atividades desenvolvidas no atendimento educacional especializado diferenciam-se daquelas realizadas na sala de aula comum, não sendo substitutivas à escolarização. Esse atendimento complementa e/ou suplementa a formação dos alunos com vistas à autonomia e independência na escola e fora dela. (BRASIL, 2011)

O Atendimento Educacional Especializado (AEE) é oferecido preferencialmente em Salas de Recursos Multifuncionais, que serão agregadas à própria escola, ou em Centros Especiali-zados. As Salas de Recursos Multifuncionais ou os Centros Especializados são espaços apro-

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priados para desenvolver atividades, tais como Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS e LIBRAS tátil); Alfabeto digital; Tadoma; Língua Portuguesa na modalidade escrita; Sistema Braille; Orientação e mobilidade; Sorobã (ábaco); Estimulação visual; Comunicação Alternativa e Aumentativa (CAA); Desenvolvimento de processos educativos que favoreçam a atividade cognitiva e Informática Fácil com um conjunto de hardware e software especial.

O professor responsável pelo Atendimento Educacional Especializado deve ter uma rela-ção estreita com o professor do ensino regular para, juntos, traçarem um trabalho conjunto e paralelo, no intuito do crescimento e da aprendizagem do aluno. O professor do ensino regular também pode ser instrumentalizado, através de cursos de Libras, Braille, Informática Fácil e oficinas de Adaptação de Materiais Didáticos. Como exemplo de articulação entre o AEE e o ensino regular podem-se citar os cursos de formação de professores, os quais ocorrem no Instituto de Cegos da Bahia e tratam da adaptação de material didático. Participaram desses cursos professoras da Escola Ruy de Lima Maltez, situada no bairro de Brotas, em Salvador, e credenciada ao PIBID – Pedagogia, com vistas à inclusão e aprendizagem de duas crianças deficientes visuais, as quais ingressaram na referida escola.

O AEE destina-se a alunos com deficiência física, intelectual ou sensorial, com transtornos globais e alunos com altas habilidades. Nessa perspectiva, as Tecnologias Assistivas podem ser um canal essencial de comunicação e interação das pessoas com necessidades especiais com o mundo. Hoje, existe uma gama imensa de recursos e equipamentos que podem contribuir para a autonomia e a qualidade de vida dessas pessoas. Porém, é relevante considerar que todo esse acervo tecnológico de ponta não está ao alcance de todos os deficientes, pois seu valor de consumo é bastante elevado. O suporte ofertado pelo Sistema Único de Saúde (SUS) não atende a todos os que precisam de algum auxílio das TA’s, nem tampouco às especifici-dades de algumas deficiências. A maior parte dos deficientes somente tem contato com tais tecnologias nas Salas de Recursos Multifuncionais ou nos Centros Especializados.

O decreto nº 2011 afirma, ainda, a necessidade de formação continuada para os pro-fissionais do AEE, pois estes devem adequar tais recursos com vistas às especificidades de cada aluno. E faz um alerta para os educadores, com relação à aquisição de conhecimentos tecnológicos, pois estes, no mundo atual, são indispensáveis a uma prática educativa que

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oportunize aos estudantes acesso a informações, ao conhecimento e participação social pelos inúmeros canais existentes. Contudo, no caso de um estudante deficiente, o acesso à informática pode criar possibilidades, antes sequer admitidas, de interação com os outros e com o mundo.

Por fim, vale enfatizar que as TA’s não se restringem ao ambiente escolar, mas atentam para uma equipe interdisciplinar maior, com profissionais diversificados, tais como fonoau-diólogos, médicos, assistentes sociais, psicólogos, engenheiros, designers e terapeutas ocu-pacionais, pois, com certeza, estes profissionais, em ação conjunta, farão um trabalho muito mais satisfatório e atento às especificidades da TA que será adequada a cada caso.

As tecnologias no cotidiano escolar: vivências nas escolas conveniadas ao Pibid – Pedagogia

O trabalho de um educador, atualmente, está sempre se voltando para o âmbito da pes-quisa. A vivência nas salas de aula, nas coordenações pedagógicas, nas classes hospitalares, nas instituições de caráter não-formal, entre outras, oferece ao educador inteirado com o meio a chance de envolver a pesquisa no seu local de trabalho. A sua utilização não se apresenta como um motivo de autodestaque, ou simplesmente uma forma de suplicar atenção, porém auxilia e proporciona desenvolvimento, juntamente com a atividade de reflexão da prática e da postura no ambiente da educação.

Lawrence Stenhouse foi um grande professor-pesquisador que defendeu, em sua tese, a necessidade do fazer acontecer uma harmonia entre a sala de aula e a pesquisa, pois tal interação corresponderia a um maior rendimento no trabalho do educador. Ferrari (2008), em seu texto sobre a obra de Stenhouse, cita uma frase que motiva a inserção da pesquisa no cotidiano do educador: “A técnica e os conhecimentos profissionais podem ser objeto de dúvida, isto é, de saber, e, consequentemente, de pesquisa”. A partir desta visão, o grupo de apoio técnico do PIBID – Pedagogia, interessado em não apenas mediar o conhecimento, mas articulá-lo à prática, como uma forma de pesquisa, propôs uma oficina sobre as tecnologias da comunicação e da informação. Este tema, debatido na primeira parte deste artigo, foi

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apresentado às escolas conveniadas ao Programa, com o objetivo de dialogar com os alunos e buscar a visão deles sobre essas tecnologias e como elas fazem parte da vida do ser huma-no. Além do contato com os alunos, os gestores e professores da escola disponibilizaram-se a participar de questionários e entrevistas, apontando seu parecer sobre estas tecnologias atuais, seu envolvimento com a educação e o seu poder e avanço neste mundo globalizado.

Apresentação da oficinaA oficina proposta pelo grupo de apoio técnico do PIBID – Pedagogia apresenta como

tema as tecnologias da comunicação e da informação e seu envolvimento com a educação. O primeiro ponto para a realização do trabalho é o desenvolvimento da roda dialógica, atividade que orienta as concepções teóricas e práticas do PIBID – Pedagogia, e já mostrou resultados positivos e satisfatórios, através do fazer pedagógico das bolsistas do programa, com o tema geral da oficina. A partir da apresentação de vários tipos diferentes de tecnologias e do con-tato das crianças com os objetos, as bolsistas sugerem pontos relativos ao conhecimento das tecnologias, à acessibilidade dos educandos e às formas de utilização deles e das pessoas mais próximas.

Logo após, as bolsistas explanam a diferença entre as tecnologias independentes e as dependentes, propondo a sua identificação pelos alunos em objetos de sua própria vivên-cia, gerando mais diálogo e questões a serem tratadas. Para finalizar e praticar, as bolsistas propõem aos educandos a construção de dois cartazes: um para exemplificar as tecnologias dependentes e outro as independentes, trabalhando sempre a partir do concreto. Para a ilustração dos cartazes, podem ser utilizados recortes de figuras de revistas ou desenhos dos próprios educandos. Ao finalizar a construção do cartaz, as bolsistas voltam-se para o tema da oficina, articulando o trabalho feito pelos alunos e os conceitos que foram apresentados. Ao final, as bolsistas propõem a fixação dos cartazes na sala de aula, para que o tema possa voltar a ser discutido, em outros momentos.

Vivência nas escolas

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As oficinas foram propostas nas duas escolas conveniadas ao programa, a Escola Mu-nicipal Vivaldo da Costa Lima e a Escola Municipal Ruy de Lima Maltez, situadas, respec-tivamente, nos bairros do Pelourinho e Brotas. Na primeira escola, a oficina foi aplicada às turmas de 1º e 2º anos do Ensino Fundamental, num total de vinte e dois educandos. Já na segunda, apenas os alunos do 2º ano participaram, num total de nove alunos. Nas duas escolas foi executado o plano da oficina e as entrevistas e questionários, com professoras das turmas e gestoras das instituições.

Roda-dialógicaNa Escola Vivaldo da Costa Lima, este momento foi de grandes perguntas e articulações

com a vida diária, por parte dos educandos. O conhecimento das tecnologias apresentadas não foi de grande surpresa, talvez o que mais tenha causado alerta, por parte das bolsistas, eram as crianças que não as conheciam. Uma das crianças, ao tomar o mouse do computador no momento da apresentação dos materiais, afirmou que não conhecia aquele objeto, causando um pouco de movimentação em seus colegas ao lado.

Já na Escola Ruy de Lima Maltez aparentava existir uma intimidade das crianças com o assunto que iríamos abordar. Falar de tecnologia não parecia ser algo novo. As crianças interagiram de modo descontraído, e, no momento da apresentação dos componentes, elas reagiram de modo bem familiar, como se nada daquilo que lhes fora apresentado fosse no-vidade, tanto as peças quanto a sua nomenclatura.

Um momento muito interessante chamou a atenção das bolsistas, quando o aluno Fernando, de oito anos de idade, citou o ferro de passar a carvão, como um exemplo de tec-nologia independente, e Caíque, da mesma idade, disse que “tecnologia dependente é aquilo que precisa ser ligado na tomada de eletricidade”.

Produção dos cartazesNo momento destinado à produção de cartazes na Escola Vivaldo da Costa Lima, os

alunos se dedicaram bastante e todos queriam deixar sua pequena marca no cartaz. As bolsistas separaram os alunos em dois grupos, que seriam os autores dos cartazes, e logo

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foram colorindo e fixando as imagens das tecnologias nos cartazes. Durante a interação com as imagens que seriam coladas no cartaz, vários alunos, que ficaram com as tecnologias dependentes, mostraram o desejo de possuir tais objetos. Das televisões mais avançadas aos celulares mais compactos, a vontade de fazer parte deste mundo tão avançado é real nos alu-nos e comprova como essas tecnologias sabem se apresentar de forma atrativa e convidativa. As crianças que ficaram responsáveis pelo cartaz das tecnologias dependentes, praticavam o reconhecimento daqueles objetos, comuns em seu cotidiano, e se animavam ao destacar que eram tipos de tecnologias.

Na Escola Ruy de Lima Maltez, este aspecto não se deu de modo diferente. As crianças estavam superenvolvidas com a produção, indicando que a apreensão do que foi exposto durante a roda dialógica fora fixado. Foram formados dois grupos. O primeiro, que se encar-regou das tecnologias independentes, e trouxe objetos do seu dia a dia – garfo, colher, cama – para inserir na confecção do cartaz. E o segundo, que usou da imaginação e se debruçou nesta obra. Coloriram, decoraram, pintaram todos os objetos que haviam escolhido para representar as tecnologias dependentes.

O que as bolsistas puderam perceber é que parte da produção também remetia ao desejo de obter aqueles equipamentos. No caso das meninas, por exemplo, houve muita represen-tação de aparelhos de televisores planos e com o maior número de polegadas possível. Já o grupo de tecnologias independentes, em alguns momentos, aparentou dificuldades para a identificação destas, no cotidiano, e a equipe precisou estar mais próxima da mediação desse trabalho, que por fim também foi muito proveitoso.

Conclusão da oficinaPara a conclusão da oficina na Escola Vivaldo da Costa Lima, os educandos falaram

para a professora regente da turma o que aprenderam na oficina e o que colaram nos carta-zes. Enquanto a professora fixava no mural da classe os trabalhos realizados por eles, cada um, que desejasse contar a sua experiência com as tecnologias, se apresentava em seu lugar ou no meio da classe. Alguns alunos ficaram tímidos e outros queriam falar sobre outros temas, assim a professora regente pediu a uma das bolsistas que os auxiliasse na lembrança

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da diferenciação dos tipos de tecnologias. Neste momento, o educando Rafael, de sete anos de idade, encontrou uma incoerência em um dos cartazes, onde um óculos de sol estava no cartaz das tecnologias dependentes, assim sinalizou aos bolsistas e foi procurar uma nova imagem para ser colocada naquele cartaz.

A finalização da oficina na Escola Ruy de Lima Maltez ocorreu de modo similar ao da escola anterior, em que os alunos expuseram seus cartazes à turma e à professora, apresen-tando o que cada um havia produzido e lembrando o conceito e a diferença entre ambas as tecnologias. Uma das crianças chegou a citar que o ventilador da sala de aula era um exemplo de tecnologia dependente, porque necessitava ser ligado na tomada para funcionar, fato que deixou tanto a professora da turma quanto os bolsistas bem contentes, porque puderam notar que as crianças haviam entendido o sentido singular de cada tecnologia.

Visão das gestorasAmbas as gestoras das escolas conveniadas concordam com a questão da formação

continuada dos professores com relação às tecnologias educacionais. Concordam com a presença dos cursos sugeridos pelo governo para a formação dos professores, mas a maioria das escolas municipais de Salvador funciona em casarões adaptados, onde os espaços são pequenos, as instalações elétricas precárias, como é o caso das escolas municipais Vivaldo da Costa Lima e Ruy de Lima Maltez. Assim, ainda que as professoras recebam essa formação, a escola não dispõe de espaço e equipamentos para a prática pedagógica cotidiana. As duas escolas possuem computadores na secretaria, com acesso à internet, para uso prioritário dos profissionais da escola, e as crianças não têm acesso.

A Escola Municipal Ruy de Lima Maltez recebeu vinte computadores através do projeto Cidade Educadora, que objetivou informatizar as escolas municipais. Contudo, a diretora da escola e supervisora Patrícia Sierpinska julgou adequado devolver as máquinas, uma vez que a escola não possui espaço físico para sua instalação.

Há uma queixa muito grande, por parte das gestoras e professoras das escolas, por conta do descaso com que é tratado o uso dessas tecnologias no espaço escolar público, pois reco-nhecem que atualmente um espaço escolar que desconsidera o avanço tecnológico se torna

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pouco atraente; nas palavras da supervisora supracitada: “Hoje apenas o quadro e o professor não são atraentes para as crianças [...]” e analisa que “infelizmente o acesso às tecnologias não é democrático”. Isto se dá pelo fato de que estas ainda são vistas como instrumentos à parte da educação. Não atuam no âmbito da complementaridade e sim como substitutivas, o que é um grande engano.

Assim, quando há formação para o uso e a aplicação dos equipamentos, não há meios materiais para a sua realização. Não fica claro que a execução das atividades curriculares tem de estar em concomitância com o uso dessas novas tecnologias, ou seja, que elas devem caminhar no processo de ensino-aprendizagem, como complementares ao processo, jamais como substitutivas.

ConclusãoA construção deste artigo é resultado de vivências teóricas e práticas tecidas no âmbito

do PIBID – Pedagogia e conhecimentos correlatos ao curso. No trabalho com o tema das tec-nologias educacionais, percebemos a gama de recursos que elas englobam, e como podem melhorar, estratificar ou desorganizar o fazer pedagógico. Portanto, é de extrema importância que os profissionais de educação estejam atentos a tal uso, tanto quanto ao domínio crítico desses conhecimentos, tendo em vista, individual e coletivamente, quais impactos o uso dessas tecnologias pode exercer socialmente.

Não se trata aqui de virtualizar o ensino tradicional e achar que ingressamos numa nova era. A ênfase é dada ao fato de que a tecnologia, como apoio ao ensino, é limitada e até desnecessária. Ela perfaz um caminho muito mais longo do que é apresentado. O que se pretende é que a tecnologia seja usada como uma ferramenta para a aprendizagem. A postura pedagógica dos professores e professoras define qual utilização será feita. É necessário investir na formação continuada desses profissionais para o uso pedagógico das tecnologias disponí-veis, e não limitar a dimensão da tecnologia educacional a cursos de informática básica, por exemplo. A informática instrumental é apenas um fim em si mesmo, seu uso não se valida por si só, enquanto a informática pedagógica é um meio para a aprendizagem dos alunos.

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CAPÍTULO 6

Memórias de uma experiência de implementação do Estatuto da Criança e do Adolescente em escolas municipais

Micheline Fernandes, Tânia Passos1

Fulvia de Aquino Rocha2

IntroduçãoA memória e a aprendizagem vivenciada pelo grupo de bolsistas responsáveis pela im-

plantação do debate acerca do Estatuto da Criança e do Adolescente, no âmbito do Programa Institucional de Iniciação à Docência (PIBID)/Subprojeto de Licenciatura em Pedagogia da Universidade Federal da Bahia, dão embasamento à escrita deste texto. Buscamos refletir,

1 Bolsistas PIBID – Graduandas em Pedagogia

2 Membro do grupo de pesquisa CRIETHUS-UFBA; Mestranda em Educação e Contemporaneidade da UNEB; Bolsista do CNPq.

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descrever e tecer considerações acerca das experiências realizadas nas escolas Vivaldo da Costa Lima e Ruy de Lima Maltez, a partir de atividades experimentais, construídas por nós bolsistas, tendo como conteúdo principal dessas práticas o exercício do Estatuto da Criança e do Adolescente. Pensadas para as classes de 1ª série do ciclo de aprendizagem I, conhecido como Ciclo de Alfabetização, contaram com a participação de crianças, na faixa etária entre 6 e 8 anos de idade, professores e supervisores.

A aproximação Escola/Universidade, possibilitada por nosso trabalho de pesquisa e intervenção, foi desenvolvida durante os anos de 2010 (a partir de abril), 2011 e 2012 (até fevereiro). As escolas citadas pertencem ao contexto da Cidade de Salvador/Bahia. São ins-tituições públicas de ensino fundamental, vinculadas à Secretaria Municipal de Educação, Cultura, Esporte e Lazer (SECULT), e têm, como público, cidadãos das camadas populares da cidade. Assim, estão inseridas numa realidade baiana marcada por profundas desigualdades nos âmbitos social, regional, político, econômico, de gênero, raça e etnia.

A sistematização da experiência partiu da premissa de que as crianças, bem como os adultos, atribuem significados ao que está ao seu redor. Assim, como previsto na Constituição Federal Brasileira de 1988 (CFB), na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) e no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), são reconhecidos como sujeitos de direi-tos, com voz ativa em seus espaços, logo capazes de opinar sobre as práticas escolares. Tais concepções levaram-nos a nortear nosso trabalho de ação/investigação pelas vozes e ações dessas crianças.

Compreendemos que os textos, sob a forma de lei, são gêneros textuais construídos so-cialmente. Em uma sociedade democrática, estes servem como meio de organizar, controlar e disciplinar a sociedade, bem como de operar mudanças nas práticas sociais cotidianas, destinando-se a todos os cidadãos, que também necessitam conhecer o que dizem essas mesmas leis a que estão submetidos, para se apropriarem criticamente de seus textos e exi-girem seus direitos e qualidade de vida. A lei outorga direitos e deveres quando estes ainda não existem formalizados no cotidiano.

A partir do século XX, o trabalho constante das organizações e movimentos sociais com-prometidos com a promoção dos direitos da infância resultou em conquistas. Em 1959, temas

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específicos da infância passam a figurar na Declaração Universal dos Direitos Humanos; na Assembleia Geral das Nações Unidas foi aprovada e promulgada a Declaração Universal dos Direitos da Criança e do Adolescente, tratado que visa à proteção de crianças e adolescente de todo o mundo.

No Brasil, foram elaboradas diversas políticas públicas para serem implementadas pelo Estado, com a participação da sociedade. Estes documentos destacam a condição particular da infância, em relação à sobrevivência, à autonomia e ao crescimento, que necessita de cuidados especiais, da prevenção contra situações de negligência, violência, pobreza e discri-minação, situações que colocam esse segmento da sociedade em estado vulnerável. Em 1980, o país vivenciou um período de redemocratização, rompendo com o regime militar, repressor e excludente. O Estado representado por diversos segmentos da sociedade civil organizada elaborou a nova carta constitucional do país. Em 1988, foi promulgada a Constituição Federal do Brasil, também conhecida como “Constituição Cidadã”, que diz no artigo 227, Emenda Constitucional nº 65, de 2010:

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissiona-lização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (BRASIL, 1988)

Baseado nos direitos assegurados pelo artigo 227 da CFB, no dia 13 de julho de 1990 foi promulgado a Lei n° 8.069/90, denominada Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), legitimando a situação específica das pessoas na faixa de 0 aos 18 anos e criando diversas políticas básicas voltadas à educação, à saúde, ao esporte, à cultura e à profissionalização.

Nessa perspectiva, o popularmente conhecido ECA passa a embasar os documentos oficiais de ensino do governo nacional. Em 25 de setembro de 2007, foi promulgada a Lei n° 11.525, que acrescentou ao §5° do Art. 32 da Lei n° 9.394/96 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), a seguinte medida:

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O currículo do ensino fundamental incluirá, obrigatoriamente, conteúdo que trate dos direitos das crianças e dos adolescentes, tendo como diretriz a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, que institui o Estatuto da Criança e do Adolescente, observada a produção e distribuição de material didático adequado. (BRASIL, 1996)

O pedagogo e um dos redatores do ECA, Antônio Carlos Gomes da Costa, numa entrevista, pontuou a diferença fundamental entre o ECA e a LDBEN. Enquanto esta é um documento que trata da oferta, dos deveres dos estabelecimentos de ensino, o ECA trata da demanda da educação, dos direitos daqueles que a demandam, ou seja, do direito das crianças e dos adolescentes perante a escola. Dessa forma, a educação deve promover o espaço da gestão democrática, “[...] o espaço onde direitos e deveres se encontram”. (ECA NA ESCOLA..., 2006)

Nessa perspectiva, continua a ser urgente que as instituições educativas se movimentem no sentido de transformar suas práticas pedagógicas em atitudes cada vez mais democráticas. Sendo a educação um dos direitos fundamentais para o exercício da cidadania, faz-se neces-sário, portanto, propiciar, desde a infância, experiências que favoreçam o desenvolvimento de uma nova relação de convívio, onde o diálogo, o respeito e a ação cooperativa são impres-cindíveis. Como destaca Morin (2001), a educação do futuro, e o presente que vivemos já é a construção de nosso futuro, por isso, ensino necessita estar centrado na condição humana e isso só é possível a partir do entendimento de nossa própria posição nesse mundo. Contri-buir para o desenvolvimento dessa consciência é um dos compromissos de nosso trabalho. Portanto, na concepção teórica do programa PIBID – Pedagogia, o desenvolvimento de uma prática pedagógica voltada a grupos sociais inseridos em contextos singulares, não poderia propor o acesso às tecnologias de leitura e escrita de forma mecânica, descomprometida com a cidadania.

Nossa defesa é por um processo de alfabetização e letramento que se proponha ensinar a ler, a escrever, a refletir criticamente a realidade da qual se faz parte, possibilitando as construções de maneira contextualizada, situando o ato da leitura e da escrita no cotidiano das crianças e dando a possibilidade de atribuírem sentidos às suas vivências.

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Memórias das ações planejadasImersas na concepção situada acima, utilizamos a temática dos direitos das crianças e

dos adolescentes, para pensar ações que possibilitassem atingir o objetivo de contribuir no processo de alfabetização e letramento das crianças, de modo a levar os aprendizes a refletirem sobre sua condição existencial no mundo e a construir saberes linguísticos para o exercício da cidadania. Para tanto, necessitávamos ampliar nosso repertório de reflexões teóricas, pois como acentua Freire (2002, p. 32):

Não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino. Esses que-fazeres se encontram um no corpo do outro. Enquanto ensino, continuo buscando, reprocurando. Ensino porque busco, porque indaguei, porque indago e me indago. Pesquiso para constatar, constatando, intervenho, intervindo, educo e me educo. Pesquiso para conhecer o que ainda não conheço e comunicar ou anunciar a novidade.

Assim sendo, estabelecemos grupos de estudos com as bolsistas e voluntários, onde o espaço do diálogo esteve aberto a reflexões acerca de temas como: infância, alfabetização, didática, língua portuguesa, ação docente alfabetizadora, direitos humanos, especificamente os direitos da criança e do adolescente, o Estatuto da Criança e do Adolescente e o documento de ampliação do ensino fundamental para nove anos – Lei n°10172/2001.

O grupo responsável por trabalhar o ECA nas escolas iniciou seu trabalho com a produ-ção/elaboração de materiais didáticos, através de oficinas criativas de onde surgiram mate-riais pedagógicos alternativos para atender a nossas necessidades de intervenção. Contamos com a parceria de algumas alunas do curso de artes visuais do Centro Estadual de Educação Profissional (CEEP) e com a coordenação do professor Ives Quaglia (artista plástico). A partir da reutilização de materiais recicláveis foram produzidos: jogos de memória, classificadores (portfólios), cantinhos de leitura (stand), lixeiras, caixas de palavras, tabuleiro para jogos, crachás para a identificação das crianças, entre outros recursos.

Conseguimos, ainda, junto ao Ministério Público da Bahia, Centro de Apoio Operacional (CAOIFA) e às Promotorias de Justiça da Infância e da Juventude, alguns exemplares do Esta-tuto da Criança e do Adolescente e materiais de campanha, como folders, cartazes e panfletos que abordavam temas da campanha contra o bullying e contra a violência e o abuso sexual

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de crianças e adolescentes. Também foram selecionados gêneros discursivos multimodais e multissemióticos, como: vídeos (youtube), músicas (cd) e livros que tratam da cultura infantil e do ECA, valendo-nos assim do que outras tecnologias podem oferecer a nosso favor.

Nos primeiros contatos com as escolas, nos propomos a conhecer a realidade da qual começávamos a fazer parte. O estudo da realidade incluiu o conhecimento do contexto so-cial, econômico, político e cultural da comunidade, permeado por elementos que compõem a mesma, como: características, dificuldades, problemas, pontos favoráveis e possibilidades. Dessa forma, como processo contínuo e dinâmico, constatamos aspectos da realidade mais evidentes nos quais poderíamos atuar.

Para a realização do diagnóstico, fizemos entrevistas com alunos e professores das esco-las, utilizando como instrumento para levantamento das informações questionários elaborado por nós, além das rodas dialógicas com as crianças, metodologia utilizada por Paulo Freire, onde foi perguntado a respeito do ECA e da relação delas com suas famílias. Durante muito tempo, a criança foi considerada como “aquela que não fala”, tendo como consequência o silenciamento da sua voz. Por meio do diálogo, nas rodas, procuramos firmar uma visão desta, dando voz e vez a elas, como sujeitos de direitos, produtos e produtores culturais da história.

Para Freitas (2007, p. 147), “[...] educar não é homogeneizar, produzir em massa, mas produzir singularidades [...] deixar vir à tona a diversidade de modos de ser, de fazer, de construir: permitir a réplica, a contra palavra”. Assim, utilizamos o formato das rodas dialó-gicas, por entendermos que o conhecimento também é construído na coletividade. O diálogo é uma forma de fazer circular sentidos e significados, sem que para isso tenha que haver concordância ou discordância. A presença da escuta e do respeito para/com o outro, além do estímulo à linguagem oral, são importantes recursos que enriquecem suas produções escritas.

Feito o diagnóstico, elaboramos nossa proposta de intervenção e traçamos ações/objetivos que, ao longo de nosso caminhar, nos empenhamos em alcançar. Durante o processo, houve momentos em que a reflexão sobre a ação e a avaliação do que foi previsto no planejamento nos levou a perceber o que havíamos conseguido e decidir sobre adaptações e alterações das ações que estavam sendo desenvolvidas. Uma vez que, na prática cotidiana, as intenções estabelecidas são postas à prova, ratificamos a importância do planejamento constante. O

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registro das atividades realizadas com as crianças foi uma importante estratégia para que pudéssemos tomar consciência dos avanços, nossos e delas, e, assim, compreender como vinha ocorrendo o processo de ensino e aprendizagem.

Ressaltamos que durante nossas intervenções a parceria com os professores supervisores, membros do grupo de pesquisa CRIETHUS e demais bolsistas foi imprescindível. O diálogo abriu caminho para a troca de ideias sobre atividades, jogos educativos, técnicas de trabalho. Esta interação potencializou o trabalho coletivo entre as instâncias.

Memórias de nossos ‘sujeitos’ a infânciaAs crianças com as quais trabalhamos nas escolas são iguais a quaisquer outras do

mundo; têm as mesmas necessidades, exigências e humanidade. No entanto, rejeitando uma concepção generalizada de infância, estudos contemporâneos, realizados pela sociologia da infância, têm buscado tornar evidente uma diversidade de infâncias:

As crianças são também seres sociais e, como tais, distribuem-se pelos diversos modos de estra-tificação social: a classe social, a etnia que pertencem, a raça, o gênero, a região do globo onde vivem. Os diferentes espaços estruturais diferenciam profundamente as crianças. (SARMENTO, 2004, p. 10)

Portanto, há peculiaridades pessoais e do contexto, apontadas pela história individual e do lugar onde habitam. Elas são membros de um grupo social que muitas vezes é marcado pela exclusão. A ausência de melhores condições de educação, moradia, saúde e alimentação, são algumas características dessa exclusão. Grande parte das crianças dessas escolas poderia ser considerada como aquela em situação de risco psicossocial e vulnerabilidade, de acordo com as situações adversas existentes no contexto social em que se encontra, desde pobreza até negligência e violência. Suas características psicossociais revelam experiências com situações de violência na família e no bairro. A maioria delas mora nos arredores dos bairros do Pelourinho e Galés (região central da cidade), onde o tecido social se encontra dilacerado e a violência, o tráfico de drogas e o roubo se apresentam como um recurso social de sobrevivência, numa sociedade em que as disparidades sociais são gritantes, em consequência da concentração

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de renda desigual nas mãos de uma minoria dominante. São condições macroeconômicas responsáveis pela configuração microssocial.

Dessa forma, buscamos estabelecer vínculos positivos com as crianças, na busca de vivenciar situações de intercâmbio e diálogo na construção de novos saberes.

A pobreza pode ser entendida como a impossibilidade de desenvolvimento. Desse enten-dimento, surgem pensamentos preconceituosos, presentes dentro e fora da escola, e estigmas que colocam essas crianças no lugar da impossibilidade de aprendizado, do fracassado, e outros adjetivos que influenciam na formação do autoconceito e no processo de constituição de sua identidade. Para a mudança dessa ideologia, determinante e fatalista, partimos do pressuposto de que nenhuma criança é destituída de capacidade, reafirmando a característica principal das crianças enquanto pessoas em desenvolvimento.

Faz-se necessário estarmos atentos para esse tipo de violência, uma vez que essas rela-ções podem ser instituídas para a manutenção do domínio, do medo, da subordinação, da submissão e da alienação. As crianças necessitam saberem-se sujeitos de direitos, aprender/apreender que estão protegidas por leis, caso venham a sofrer algum tipo de violência ou privação. Como já ressaltamos, promover esse tido de apropriação pelas crianças já está pre-visto em lei e presente nos documentos oficiais que norteiam a educação brasileira. Veja-se o que consta a respeito, no Estatuto da Criança e do Adolescente, em seus artigos 15 e 17:

A criança tem direito à liberdade, ao respeito, e à dignidade como pessoas humanas em processo de de-senvolvimento e como sujeitos de direitos civis, humanos sociais garantidos na constituição e nas leis. O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, idéias e crenças, dos espaços e objetos pessoais. (BRASIL, 1990)

Necessitamos ter olhos e ouvidos sensíveis, capazes de ver e ouvir nossas crianças como “cidadãs, pessoa que tem direitos, que produz cultura e é nela produzida” (sujeito de direito e de cultura). (SALVADOR, 2006, p. 22)

Memórias das práticas educativas com o ECA

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Para atingir o objetivo de levar as crianças a refletirem sobre sua condição existencial no mundo e a construir saberes para o exercício da cidadania, através de nossas ações, embasa-das nos princípios do ECA, buscamos realizar dinâmicas que promovessem a arte-educação, articulando o lúdico à prática docente. Colaborando, assim, na construção e formação da subjetividade, da identidade, da ética, da cidadania, da estética e do intelecto, a partir de atividades que abordaram os direitos da criança através do brincar e das linguagens artísti-cas do desenho e da música. Trabalhamos com o conhecimento sobre direitos e deveres das crianças; com a formação do autoconceito e com os conceitos de esquema e imagem corporal; com o prazer que o movimento do corpo proporciona a cada um e na promoção das relações de uns com os outros.

Segundo Vygotsky (1987), o estudo isolado da palavra, no plano puramente verbal, não é característico do pensamento infantil. Dessa forma, afirma que o material sensorial e a palavra são partes indispensáveis à formação de conceitos. Nessa perspectiva, utilizamos também em nossa prática, além da linguagem musical, verbal ou gráfica, a imagem como coadjuvante da linguagem verbal e do texto escrito. Descrevemos, a seguir, algumas de nossas experiências, para que muitos significados possam emergir para os nossos leitores, a partir de nossos relatos sobre esta singular experiência.

Dinâmica: gosto e não gostoConcebida com o objetivo de estabelecer vínculos com as crianças.Pensando de que forma iríamos nos apresentar à turma, em nosso primeiro dia de inter-

venção, surgiu a ideia de elaborar uma proposta que nos possibilitasse conhecer um pouco das crianças com as quais iríamos conviver.

Para começar, rompemos com aquela organização tradicional da sala de aula, que se caracteriza pelas cadeiras enfileiradas, umas atrás das outras, e pedimos a ajuda das crianças para fazermos um círculo que oportunizaria uma visão mais ampla e clara de todos para todos. Entendemos que, dessa forma, estaríamos estimulando verdadeiramente a escuta, o respeito e a afetividade entre os participantes do grupo, aspectos que ali gostaríamos de ver nascer.

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Sala disposta, explicamos que a dinâmica consistiria em nos apresentar com nome e depois dizer ao grupo algo de que mais gostávamos e depois algo de que não gostávamos. Iniciamos com a nossa apresentação, para que as crianças também ficassem mais desinibidas em suas respostas. Logo depois, foi a vez delas se expressarem.

Dentre as situações que as crianças relataram gostar mais, destacamos: “gosto de brincar” (unanimidade); “gosto de ver televisão” (desenho); “gosto de praia”; “gosto de brincar no parque”; “gosto de piscina”; “gosto de estudar”; “gosto de jogar bola”; “gosto de basquete”; “gosto de dormir”; “gosto de assistir Patati Patatá” (dois palhaços que fazem vídeos voltados para o público infantil); “gosto do dia do meu aniversário”; “gosto de cantar”; “gosto de ser quietinha”; e “gosto de ser modelo”.

Identificamos a escolha da brincadeira como algo de que mais gostam. Porém, a realidade que vivemos na escola em que se desenvolveu essa atividade mostrou que a prática do brincar ainda ocupa um lugar secundário em seus espaços. Ainda está presente nos discursos que brincadeira não é “coisa séria”, devendo estar limitada ao horário do recreio; e que se deve separar escola de brincadeira, ou ainda usá-la com fins puramente didáticos, esvaziando-a de sua essência lúdica. Apesar de estudos pontuarem há muito tempo a importância da brin-cadeira, Bomtempo, Hussein e Zamberlan (1986) afirmam que a educação ainda substitui o jogo por atividades consideradas “mais sérias”.

Percebemos também, através das falas das crianças, uma influência muito grande da mídia, especificamente da televisão, na vida das crianças, quando falam do gosto por dese-nhos, da vontade de ser modelo. Surge, então, a preocupação com um padrão de beleza que a mídia e a sociedade colocam como o mais bonito, implicando também numa cultura do consumo e ainda atuando, prematuramente, na construção da subjetividade das crianças, sem que as mesmas tenham ainda condições de fazer escolhas, de forma crítica e autônoma.

Outra fala que merece destaque é quando a criança diz que gosta de “ser quietinha”. Na verdade, percebemos a ideologia do adulto opressor, que poda a criança dos seus atos criativos, importante elemento de seu desenvolvimento. Como acentua Leite (2001, p. 148) a esse respeito:

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Desvalorizando a expressividade própria da infância, entendendo a produção cultural das crianças como uma cultura inferior que deve ser superada, o adulto contribui para formação da auto-imagem e do auto-conceito negativo delas; contribui para calá-las e destituí-las do papel de criadoras; contribui para que se vejam como reprodutoras, copistas.

Dentre as situações que não gostavam, citaram: “não gosto de briga”; “não gosto de brigar”; “não gosto que ninguém me bata”; “não gosto de apanhar”; “não gosto que puxe meu cabelo”; “não gosto que bata nos meus colegas”; “não gosto de brincar de matar”; “não gosto de dançar”; “não gosto de fumar pedra”; “não gosto de cheirar pó”; e “não gosto de brincar com menino de rua”.

Notamos, na fala das crianças, uma preocupação em relação à preservação de sua integridade física, e também com a do outro. Todavia, não era esse comprometimento que demonstravam durante nossas atividades. Também ficou nítido, nas falas, o reflexo da reali-dade que vivem em suas comunidades.

O teatro de bonecosA atividade teve como objetivo a inserção da temática dos direitos e deveres das crian-

ças no ensino fundamental, através da apresentação do ECA, de forma lúdica, ajudando-as na formação desses conceitos, percebendo a importância de ter seus direitos respeitados e também de cumprir com seus deveres.

A parceria com o teatro de bonecos foi feita, por acreditarmos no poder que a arte tem de comunicar, sensibilizar, emocionar, relacionar com outros fatos do cotidiano, estimular o pensamento e interpretar. Além disso, pelo seu caráter lúdico, que permite uma maior compreensão, por parte das crianças, de temas tão complexos para elas, como as questões referentes aos seus direitos e deveres, presentes ECA. O teatro mostrou-se como uma forma de interação única, na medida em que, através da ludicidade, podemos trabalhar os medos e as frustrações, e abrir um caminho fértil para que a imaginação se aproxime do real, criando uma identificação das crianças com os personagens e situações. A história que encenamos foi uma adaptação feita a partir da revista em quadrinhos, criada por Maurício de Souza, sobre o ECA. Desse enredo nasceram três personagens que vivem juntos a descoberta da existência

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de um documento que lhes garante, enquanto crianças, direitos e deveres. A história esclarece que o Estatuto são leis que protegem os direitos das crianças e adolescentes, no que tange à vida e à saúde, à liberdade, respeito e dignidade, ao convívio familiar e comunitário, à educação, cultura, esporte e lazer.

Percebemos, durante a encenação, o entusiasmo e o brilho nos olhos das crianças. Após a encenação, fizemos uma roda para ouvir o que elas tinham a dizer sobre aquela experiência e o que havia ficado de mais significativo. Durante a roda, descobrimos que desconheciam a existência do Estatuto, e que a encenação promoveu o entendimento de algumas informações trazidas pelo documento.

Ao serem perguntadas sobre a parte que mais acharam importante, disseram: “As crianças têm que tomar vacina”; “Criança tem que brincar”; “Criança não pode brincar com arma”; “Criança tem que obedecer ao pai”; “Criança tem que obedecer a mãe”; “Criança tem que obedecer a professora”; “Tem que estudar pra ser alguém na vida”; “A gente tem que aprender as coisas, tem que estudar, se nossos pais não colocarem a gente na escola, a gente nunca vai aprender as coisas”; “Tem que dar comida aos pequenos”; e “As crianças têm direitos desde a barriga da mãe”.

Em um momento da apresentação, Joãozinho pergunta a Maria o que ela vai ser quando crescer. Aproveitamos para perguntar às crianças o que seriam quando crescessem e elas responderam: “Quero ser professora”; “Vou ser bombeiro”; “Vou ser policial”; e “Quero ser jogador de futebol”.

Dinâmica do espelhoO foco desta prática está em buscar o entendimento das percepções que as crianças

fazem de si mesmas. Seu autoconceito, a imagem que o sujeito constrói de si, levando em consideração as experiências nas várias esferas da sua vida, familiar, escolar, emocional, e também a interpretação que os outros fazem dessas experiências.

A relação dialógica, que se estabelece entre o Eu e o Outro, pressupõe que o Eu se co-nheça, identificando-se consigo próprio, diferenciando-se do outro, mas reconhecendo que este constitui uma identidade diferente, com outros valores, necessidades e capacidades;

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neste reconhecimento de identidades, surgem os conceitos de respeito, empatia, exigência e partilha. (ALARCÃO, 1991)

Chegamos à sala com uma caixa na mão, o que já despertou a curiosidade das crianças, que nos perguntavam do que se tratava. Então explicamos a elas que faríamos uma atividade que consistia em, um por um, levantar, ir em direção a caixa e abri-la (ficou combinado que quem abrisse a caixa não poderia dizer aos colegas da existência de um espelho dentro dela). Depois de aberta a caixa, as crianças se deparavam com um espelho e era então pedido que falassem sobre a pessoa que estavam vendo, no caso, elas próprias. Isso despertou ainda mais curiosidade nos colegas, que achavam que dentro da caixa tinha uma foto de alguém, como um deles ou a professora. Dentre as respostas dadas pelas crianças, estavam: “é inteli-gente, gosta de fazer dever de casa”; “é bonita, inteligente, esperta, gosta de aprender”; “ele é gente boa”; “gosta de brincar e fazer dever”; “é inteligente, gosta de brincar no recreio”; e “ele brinca, joga bola”.

Os reforços positivos e negativos atuam de forma diferenciada no autoconceito que a criança tem de si. Segundo Coopersmith (1967), uma criança rejeitada, que é alvo de punições severas, tende a ficar submissa e passiva, por experenciar menos o amor e o sucesso (podendo também mudar para o oposto extremo de agressão e dominação). Ao contrário, uma criança acolhida, tendo respeito e afeto dos seus semelhantes, se mostrará muito mais segura de si e da sua imagem refletida e interpretada pelo outro. O autor acentua como é significativo para a formação do “eu”, o relacionamento entre a criança e os adultos importantes da sua vida.

Esses adultos, por serem referências vivas para a criança, devem apresentar uma autoi-magem de si mesmos. Percebemos que a construção do autoconceito da criança implica um movimento que faz com que o outro também precise se conhecer enquanto sujeito individual e social.

Dinâmica: faça o que se pede

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Com essa dinâmica, buscamos que as crianças olhassem para seu próprio corpo, afinal, como sujeitos constituídos por um corpo, este se apresenta como parte da nossa identidade, uma unidade de existência que nos dá visibilidade e nos permite acesso no mundo social.

Não há corpo que não esteja investido de sentidos e que não seja o corpo de um sujeito que se constitui por processos de subjetivação nos quais as instituições e suas práticas são fundamentais, assim como o modo pelo qual, ideologicamente, somos interpelados em sujeitos. (ORLANDI, 2001, p. 10)

Para a realização da dinâmica, todos ficaram de pé e em círculo. Explicamos que a ativi-dade consistia em “Fazer o que se pede”, ou seja, cada integrante da roda daria um comando a ser realizado por todos. Alguns dos comandos dados pelas crianças foram: “Quero que todo mundo abrace o colega”; “Quero que todo mundo pegue no joelho do colega”; “Quero que todo mundo pegue no seu cabelo”; “Quero que todo mundo pegue no pé do colega”; “Quero que todo mundo fique estátua”; “Quero que todo mundo pule”; e “Quero que todo mundo corra”.

O desenvolvimento da imagem corporal é possibilitado a partir da integração de percep-ções que cada sujeito tem dos outros e do mundo. Percebemos que, por vivenciarem poucos momentos lúdicos, em que seus corpos são colocados em situação prazerosa de movimentos, a presença do toque foi uma experiência significativa, para que descobrissem outras formas de interagir com seus pares, que não através de (re)ações agressivas.

Campanha no dia nacional contra o abuso e a exploração sexual de crianças e adolescentes

O abuso e a exploração sexual causam lesões emocionais, físicas e sociais. Interferem no desenvolvimento moral, da autoestima, na formação de valores e contribuem para o desa-juste da personalidade em formação, o que desencadeia dificuldades de aprendizagem. Nessa perspectiva, elegemos o tema em torno do qual a atividade iria se desenvolver, atendendo às necessidades das crianças e garantindo a vivência de práticas sociais concretas. Para tanto, levamos esse assunto através de recursos, como textos multissemióticos registrados em vídeos

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(youTube), que mostravam propagandas referentes ao “Dia Nacional de Combate ao Abuso Sexual e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes”, nos quais artistas, como Carlinhos Brown, Claúdia Leite, Ivete Sangalo, Xuxa e a Turma da Mônica, eram os protagonistas.

Após a exibição, fizemos uma roda de conversa para que as crianças pudessem se expressar. Neste momento, as conversas foram feitas num clima de descontração, solicitando, sempre, o respeito pelas ideias de cada um, para que todos pudessem falar de seus interesses, desejos, dúvidas, opiniões e sentimentos. Uma criança comentou: “Eu vi sobre violência sexual, não pode violentar”; Meu irmão foi estuprado”; “Tem gente que pega a gente e coloca dentro do carro, carro azul, carro amarelo”; e “Você sabe que tem carro preto, amarelo, pegando criança?”

Propomos a realização de uma manifestação na escola, para que pudessem divulgar para as crianças das outras salas o que haviam aprendido. Ficaram animadas com a proposta e, então, combinamos como poderíamos realizar a atividade e distribuímos as tarefas entre o grupo: quem iria falar, segurar os cartazes, panfletar (folders da campanha que conseguimos por meio do Ministério Público). Assim, durante a manifestação, uma criança se expressou com o seguinte discurso:

“Bom dia, meu nome é Larissa e vim dizer sobre a violência sexual contra crianças, isso é muito ruim, abusar das crianças, pegar nas crianças, tirar a roupa das crianças, tem que ter cuidado com o carro preto que vem pegar as crianças, as crianças têm que ter cuidado com os estranhos que vêm pegar nela”.3

O manifesto foi realizado e os panfletos foram distribuídos para as professoras lerem junto com as crianças, bem como as crianças levarem para casa e pedir para algum adulto ler com elas.

A presença da arte: o desenho e a músicaA arte, na forma da construção de desenhos livres e da música, se fez presente em nossas

práticas, que se mostraram ricas fontes de expressividade e aprendizagem.

3 Registro das bolsistas.

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Se as instituições educativas e seus profissionais compreendessem os trabalhos da criança e sua capacidade expressiva como criação/recriação de sua realidade estariam não só valorizando a produção, mas contribuindo para o fortalecimento da luta pela expressividade, pela legitimação de uma cultura. (LEITE, 2003, p. 91)

O desenho mostrou-se um recurso rico em informações para o entendimento do universo das crianças e como mais uma maneira de revelarem conteúdos psíquicos, após as brincadeiras vividas. Por meio do desenho, a criança fala de si e do mundo. O desenho também se revela em seu potencial socializador, na medida em que a criança nunca desenha sozinha e sim para o outro e com o outro. Essa forma de expressão ganhou espaço significativo nas nossas práticas, por ter se mostrado um interlocutor entre nós e as crianças, uma vez que constata-mos maior desenvoltura na oralidade delas, quando tinham o desenho como “suporte” das falas, que registrávamos, desempenhando o papel de escribas.

De acordo com Araújo (2002), quando a criança desenha, cria um modo simbólico bas-tante expressivo de manifestar seus pensamentos, uma vez que sua produção está repleta de sentido e significado.

O desenho proporciona ainda a expressão, a criatividade, o desenvolvimento da coorde-nação motora fina, as capacidades de atenção e concentração. Segundo Lacerda (1995), ele também contribui para o desenvolvimento da linguagem oral, ao oportunizar a construção de narrativas importantes para sua estruturação.

A integração entre os aspectos sensíveis, afetivos, estéticos e cognitivos, bem como a promoção da interação e da comunicação social, conferem caráter significativo à linguagem musical. Assim como o desenho, é mais uma importante forma de expressão humana, o que por si só já justificaria sua presença no contexto da escola, e particularmente na educação infantil. (BRASIL, 1998)

A música foi um elemento que permeou nossas práticas. Já no nosso primeiro encontro, ficamos surpresos com o poder que a música revelou, quando um dos alunos disse que que-ria cantar uma canção do grupo de palhaços Patati Patatá, foi um momento extremamente contagioso de emoção, alegria e união entre as crianças que, naquele momento, estavam na mesma sintonia. Outros alunos também exteriorizaram o gosto pela música.

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Em uma de nossas intervenções, já cientes do gosto particular das crianças pela música, resolvemos fazer um círculo e cada um teria a oportunidade de cantar uma canção. Dentre os artistas escolhidos pelas crianças, estavam Ivete Sangalo, alguns grupos do pagode baiano e Patati Patatá. Para estimular a linguagem musical e atrelá-la ao trabalho, fizemos um resgate de músicas infantis, algumas envolvendo a temática dos direitos da criança e outras cantigas de roda, de conhecimento das crianças, como “baratinha” e “alecrim”.

Nas atividades envolvendo desenho, ambientamos o espaço com música, num volume mais baixo, de modo a criar uma atmosfera mais tranquila e propícia à criação. Sempre que podiam, lá estavam eles, próximos ao som, cantando, dançando e desenhando.

Assim, fica o aprendizado da necessidade da escola e dos educadores de explorar o potencial criativo das crianças, estimulando o movimento, a partir de diversos gêneros musi-cais, que extrapolem os presentes em suas culturas, como uma forma de proporcionar acesso também aos clássicos. Do mesmo modo, estimular o desenho livre, em lugar de um desenho pronto, pobre em recursos imagéticos e baseado em padrões adultos, que limita o potencial expressivo da criança, fazendo até mesmo com que esta crie um bloqueio ao desenho, para não correr o risco de frustrar as expectativas do adulto. Adulto este que, na maioria das ve-zes, espera que o desenho da criança se aproxime dos padrões reais, quando sabemos que o desenho é, para a criança, a porta de entrada em um mundo de sonhos, do possível e do impossível – o mundo das possibilidades.

Considerações finaisO movimento de ação-reflexão esteve a todo tempo atrelado à essência do nosso traba-

lho. Por isso, antes da ação, num primeiro momento, sentimos a necessidade de conhecer um pouco mais a realidade dos sujeitos com quem iríamos compartilhar saberes, de modo que nossas práticas os tocassem. Num segundo momento, de posse de algumas informações, fomos conduzindo nossas práticas, sem deixar a reflexão de lado, replanejando sempre que necessário. E daí em diante seguimos nesse movimento de refletir, planejar, agir, replanejar, enriquecendo nossa ação e estreitando os laços com as crianças.

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Tendo o ECA como suporte, pudemos trabalhar temas como identidade, os direitos e os deveres da criança, violência e abuso sexual de crianças e adolescentes, trabalho infantil. Porém, o que consideramos de mais relevante foi privilegiar a possibilidade das crianças vi-venciarem sua condição de ser criança. Nos nossos encontros, priorizamos a voz das crianças, as opiniões, seus movimentos, suas brincadeiras, sem deixar de trabalhar a construção de limites, porém sem opressão.

Esbarramos, em muitos momentos, com a desfavorável estrutura física e espacial das escolas, sem área de lazer para as crianças, salas de aula pequenas e mobiliário inadequado, confirmando que esse espaço continua sendo um lugar que secundariza a brincadeira, as práticas corporais, a possibilidade das crianças se relacionarem com seu próprio corpo, com o outro e com o mundo.

A instituição escolar parece ainda carregar as marcas de uma tradição que continua a secundarizar as questões ligadas ao corpo e ao movimento, ignorando sua importância no desenvolvimento infantil. A organização do ambiente escolar reflete uma busca incessante pela disciplina dos corpos, quando da arrumação das salas e o agrupamento de carteiras individualizadas e enfileiradas, além da própria estrutura física e espacial das escolas, que não oferece possibilidades de trabalhos envolvendo o corpo. É difícil acreditar que escolas que têm como público alvo as crianças careçam de espaço e atividades, para o brincar, o descobrir as dimensões do próprio corpo e sua relação com o outro. Contudo, conseguimos possibilitar às crianças a experimentação de alternativas de aprendizagem em sala, cons-truindo outro olhar sobre o movimento no espaço escolar, não como transgressor, mas como uma dimensão múltipla, repleta de sentidos e significados. Buscamos outros modos/formas de nos relacionarmos no espaço, em busca de um ambiente que favorecesse a expressão oral e o exercício da escuta; a elaboração participativa de regras, a construção da autonomia e a definição clara dos direitos e deveres de todos.

A escola é um lugar onde a relação com o conhecimento ocorre de forma diferenciada dos demais. Através de conhecimentos sistematizados, os sujeitos se apropriam de certas habilidades e saberes historicamente construídos. Nesse espaço, a brincadeira normalmente é negada e, quando utilizada, obedece a fins puramente didáticos.

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A brincadeira apresenta-se como uma prática completa, na medida em que envolve não só aspectos lúdicos, mas também cognitivos. Pela brincadeira, as crianças usam a imaginação, exercitam o pensar, o falar, socializam com as outras crianças ou até mesmo com adultos, aprendem a lidar com regras, de modo que através da brincadeira constroem sentido para o mundo e suas relações. Por também possuir um caráter simbólico, surgem, no movimento do brincar, as práticas sociais das crianças, desvelando suas histórias nesse universo conflitante das relações sociais.

Foi nesse sentido que investigamos as práticas sociais que faziam parte do cotidiano das crianças, através da promoção das rodas dialógicas e do jogo simbólico (de imaginação ou imitação), cientes de que a criança tende a reproduzir nesses jogos as atitudes e as relações predominantes em seu meio ambiente. Através da conduta lúdica, a criança expressa e integra as experiências já vividas, o que nos permitiu uma aproximação, a construção de vínculos com elas e que se apropriassem dos conceitos que trabalhamos.

Obtivemos grandes vitórias com o trabalho a partir dos princípios do ECA. A democracia só se realiza efetivamente a partir da participação. Portanto, em nossa experiência, aprende-mos e ensinamos a participar, participando, assim pudemos oferecer condições e situações para que todos pudessem opinar, recusar, concordar e propor. A partir dessa experiência de convivência, vimos crianças, que tinham na agressividade a única forma de expressar suas insatisfações e de se relacionar com os outros, direcionarem essa força natural do ser humano a sua face positiva e construírem atitudes de respeito e solidariedade. Observamos, também, a elevação da autoestima, a melhora no convívio do grupo, o entendimento acerca de seus direitos e deveres e o desenvolvimento da capacidade de se expressar, das mais diversas formas, seja por meio do desenho, da música, do teatro, da dança, dando, assim, o primeiro passo para a construção de ações cidadãs.

Estão envolvidos na construção do “eu” infantil, a família e o educador, que, assim como a primeira, acaba sendo um interlocutor da criança, com as suas experiências de mundo, dando a elas sentido e significado. Assim, vimos que, quando nos propomos a valorizar o que a criança traz consigo para a sala de aula, damos significado e valorizamos seus conhe-cimentos. E para que esta construção se efetive e seja cada vez mais frutífera, é preciso que

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as partes em questão assumam uma postura de aceitação dos pensamentos, sentimentos e valores pessoais da criança, mantendo boas expectativas em relação ao seu desempenho.

A escola precisa saber quem é o sujeito do conhecimento com quem ela se relaciona e de que lugar este sujeito fala, de modo a não reproduzir, na vida dessas crianças, a lógica dominante e perversa de estigmas, preconceitos e mais violência. Em lugar disso, a escola necessita se aproximar da comunidade, como forma de criar um laço identitário entre sujeito/comunidade/escola, fortalecendo esta tríade e validando saberes e culturas próprias desses lugares.

“O trabalho do grupo do ECA na Escola Vivaldo da Costa Lima tem sido de grande importância. No decorrer das intervenções, pude observar as contribuições que o trabalho realizado pelas bolsistas deste grupo trouxe aos nossos alunos. As acadêmicas têm trabalhado com valores, cidadania e conscientização, buscando, desta forma, resgatar a autoestima das crianças, por meio de atividades lúdicas e dinâmicas nas quais envolveram e despertaram o interesse de toda a turma. Em opor-tunos momentos, o trabalho dos alunos do 1° ano é apresentado por toda a escola, como forma educativa de conscientização dos direitos e deveres de todas elas. Este trabalho sério, afetivo e profissional das bolsistas do ECA tem ajudado, não só as crianças quanto a todos nós educadores desta unidade escolar, ainda que de forma simples, mas que podemos sentir que as sementes já estão lançadas para o resgate da cidadania”.4

Fica a nossa contribuição, uma semente plantada com bastante amor, dedicação, pesquisa e doação. No intuito de ver um dia a criança ocupar a importância que merece como cidadã, sujeito de direitos, não só no espaço escolar, mas nas outras esferas sociais.

Este texto é nossa contribuição formalizada, para dar suporte à memória e não apagá--la. Que as reflexões e experiências escritas aqui sejam mais uma fonte de estudo e reflexão sobre a alfabetização da infância, construídas por um grupo de pesquisadores e estudantes bolsistas em iniciação à docência, que estão na prática cotidiana registrando e socializando suas experiências.

4 Depoimento da professora supervisora Valéria Oliveira.

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À guisa de conclusão

Em busca de construir relações mais estreitas entre o Ensino Superior e a Educação Básica, o Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência – PIBID, do curso de Pedagogia da Universidade Federal da Bahia – UFBA, tem se constituído em elemento decisivo no campo da Formação para a Docência. Além de incentivar os jovens bolsistas para a docência, este programa também contribui com a melhoria do ensino nas escolas públicas, incentivando intervenções através de experiências educativas relevantes para a realidade destas instituições de ensino.

Proporcionar, aos futuros professores, o envolvimento em espaços educativos, resulta em um constante movimento de busca pelo conhecimento teórico-prático, uma vez que o fazer docente pressupõe o aprofundamento de teorias que orientem as práticas pedagógicas. Nesse sentido, o PIBID viabiliza efetiva formação, com base na relação íntima entre teoria e prática. Além disso, permite uma atuação, de maneira inovadora, em ações pedagógicas, no caso do PIBID – Pedagogia da UFBA, no campo da Alfabetização e do Letramento. Nes-se caminho de inovações teórico-práticas, o uso da abordagem etnográfica fez-se presente, como viés compreensivo e descritivo da realidade vivida pelos bolsistas, em interação com as crianças e educadores das escolas públicas. Abordagem que fundamenta e sintetiza este segundo volume da Coleção PIBID – Pedagogia – UFBA.

Os textos, aqui sistematizados, partem do entendimento de que a educação formal é fator importante na configuração social e, sendo assim, a atuação dos bolsistas nas instituições focou o desenvolvimento humano e social e suas intervenções valorizaram os saberes e as práticas dos educandos, como demonstrado nos capítulos desta obra.

Os resultados do capítulo 1 destacaram a importância do uso e da valorização da etno-grafia na prática alfabetizadora do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência do curso de Pedagogia da UFBA. A etnografia foi adotada como perspectiva metodológica

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e de pesquisa na formação dos jovens bolsistas, entre os anos de 2010 e 2011, e contribuiu, sobremaneira, na formação, para além do ensino, dos licenciandos.

Já o capítulo 2 defendeu as atividades lúdicas e o poder da arte-educação nas séries iniciais do ensino fundamental e na formação docente. Os autores chamaram a atenção para o brincar no processo alfabetizador.

O capítulo 3 sintetizou e destacou a necessidade de ampliação de conhecimento acerca da implantação do Estatuto da Criança e do Adolescente na escola pública, dando ênfase a esse documento como suporte para as intervenções educativas realizadas na Escola Municipal Ruy de Lima Maltez.

O capítulo 4 enfrentou a questão do desafio constante do educador em sua tarefa de contextualizar os conteúdos e motivar o educando para a aprendizagem, focalizando o relato das experiências educativas dos bolsistas na Escola Vivaldo da Costa Lima. O professor foi defendido como um mediador da aprendizagem, respeitando a complexidade da sala de aula, por meio de pesquisa e da formação continuada.

O capítulo 5 refletiu sobre a Tecnologia Educacional e suas possibilidades na prática educativa. Debateu sobre as tecnologias digitais e as rápidas transformações que interferem e influenciam direta e indiretamente os processos escolares. O texto abre a defesa sobre a inclusão digital no processo da alfabetização e do letramento.

O último capítulo apresenta a memória e as aprendizagens vivenciadas por um grupo de bolsistas que estudou as possibilidades de intervenção mediada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. Refletiu e descreveu, ainda, as experiências realizadas nas escolas Vivaldo da Costa Lima e Ruy de Lima Maltez, a partir de atividades experimentais, pensadas para as classes de 1° ano do ciclo de aprendizagem I, conhecido como Ciclo de Alfabetização.

Sendo assim, as experiências descritas pelos bolsistas, neste segundo volume, constatam o relevante papel social da Instituição de Ensino Superior (IES) e os impactos positivos de um trabalho em construção coletiva (professores, supervisores e licenciandos), focado na formação de futuros professores e no desenvolvimento e aprendizagem das crianças e dos adolescentes envolvidos no processo educacional da escola pública. O salto qualitativo no fazer docente dos bolsistas foi fonte de destaque, ao longo dessa produção, visto que, diante das dificuldades, fizeram do estudo e da reflexão um caminho fundamental a sua atuação docente.

Alfabetização para a infância: práticas etnográficas

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20x21cm

Slimbach

Alcalino 75 g/m2 (miolo) Cartão Supremo 300 g/m2 (capa)

Setor de Reprografia da Edufba

Cian Gráfica

400 exemplares

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Papel

Impressão

Capa e Acabamento

Tiragem