alfabetizacao e letramento

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ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO VICE-REITORIA DE ENSINO DE GRADUAÇÃO E CORPO DISCENTE COORDENAÇÃO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Rio de Janeiro / 2008 TODOS OS DIREITOS RESERVADOS À UNIVERSIDADE CASTELO BRANCO

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Page 1: Alfabetizacao e letramento

ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO

VICE-REITORIA DE ENSINO DE GRADUAÇÃO E CORPO DISCENTE

COORDENAÇÃO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA

Rio de Janeiro / 2008

TODOS OS DIREITOS RESERVADOS À

UNIVERSIDADE CASTELO BRANCO

Page 2: Alfabetizacao e letramento

UNIVERSIDADE CASTELO BRANCO

Todos os direitos reservados à Universidade Castelo Branco - UCB

Nenhuma parte deste material poderá ser reproduzida, armazenada ou transmitida de qualquer forma ou por quaisquer meios - eletrônico, mecânico, fotocópia ou gravação, sem autorização da Universidade Castelo Branco - UCB.

Universidade Castelo Branco - UCBAvenida Santa Cruz, 1.631Rio de Janeiro - RJ21710-250 Tel. (21) 2406-7700 Fax (21) 2401-9696www.castelobranco.br

Un3a Universidade Castelo Branco

Alfabetização e Letramento / Universidade Castelo Branco. – Rio de Janeiro: UCB, 2008. - 100 p.: il.

ISBN 978-85-86912-79-5

1. Ensino a Distância. 2. Título.

CDD – 371.39

Page 3: Alfabetizacao e letramento

Responsáveis Pela Produção do Material InstrucionalResponsáveis Pela Produção do Material Instrucional

Coordenadora de Educação a DistânciaCoordenadora de Educação a DistânciaProf.ª Ziléa Baptista Nespoli

Coordenadora do Curso de GraduaçãoCoordenadora do Curso de GraduaçãoAna Noguerol - Pedagogia

ConteudistaConteudistaMorgana Silva Rezende

Supervisor do Centro Editorial – CEDISupervisor do Centro Editorial – CEDIJoselmo Botelho

Page 4: Alfabetizacao e letramento
Page 5: Alfabetizacao e letramento

Apresentação

Prezado(a) Aluno(a): É com grande satisfação que o(a) recebemos como integrante do corpo discente de nossos cursos de graduação,

na certeza de estarmos contribuindo para sua formação acadêmica e, conseqüentemente, propiciando oportunidade para melhoria de seu desempenho profi ssional. Nossos funcionários e nosso corpo docente esperam retribuir a sua escolha, reafi rmando o compromisso desta Instituição com a qualidade, por meio de uma estrutura aberta e criativa, centrada nos princípios de melhoria contínua.

Esperamos que este instrucional seja-lhe de grande ajuda e contribua para ampliar o horizonte do seu conhecimento teórico e para o aperfeiçoamento da sua prática pedagógica.

Seja bem-vindo(a)!Paulo Alcantara Gomes

Reitor

Page 6: Alfabetizacao e letramento

Orientações para o Auto-Estudo

O presente instrucional está dividido em três unidades programáticas, cada uma com objetivos defi nidos e conteúdos selecionados criteriosamente pelos Professores Conteudistas para que os referidos objetivos sejam atingidos com êxito.

Os conteúdos programáticos das unidades são apresentados sob a forma de leituras, tarefas e atividades com-plementares.

As Unidades 1 e 2 correspondem aos conteúdos que serão avaliados em A1.

Na A2 poderão ser objeto de avaliação os conteúdos das três unidades.

Havendo a necessidade de uma avaliação extra (A3 ou A4), esta obrigatoriamente será composta por todo o conteúdo de todas as Unidades Programáticas.

A carga horária do material instrucional para o auto-estudo que você está recebendo agora, juntamente com os horários destinados aos encontros com o Professor Orientador da disciplina, equivale a 60 horas-aula, que você administrará de acordo com a sua disponibilidade, respeitando-se, naturalmente, as datas dos encontros presenciais programados pelo Professor Orientador e as datas das avaliações do seu curso.

Bons Estudos!

Page 7: Alfabetizacao e letramento

Dicas para o Auto-Estudo

1 - Você terá total autonomia para escolher a melhor hora para estudar. Porém, seja disciplinado. Procure reservar sempre os mesmos horários para o estudo.

2 - Organize seu ambiente de estudo. Reserve todo o material necessário. Evite interrupções.

3 - Não deixe para estudar na última hora.

4 - Não acumule dúvidas. Anote-as e entre em contato com seu monitor.

5 - Não pule etapas.

6 - Faça todas as tarefas propostas.

7 - Não falte aos encontros presenciais. Eles são importantes para o melhor aproveitamento da disciplina.

8 - Não relegue a um segundo plano as atividades complementares e a auto-avaliação.

9 - Não hesite em começar de novo.

Page 8: Alfabetizacao e letramento
Page 9: Alfabetizacao e letramento

SUMÁRIO

Quadro-síntese do conteúdo programático ................................................................................................. 11Contextualização da disciplina ................................................................................................................... 12

UNIDADE I

CAMINHANDO PELA HISTÓRIA DA ESCRITA E DO CONHECIMENTO

1.1 – A história da escrita ............................................................................................................................ 131.2 – A história da alfabetização ................................................................................................................. 171.3 – As diferentes concepções de aprendizagem ....................................................................................... 18

UNIDADE II

ALFABETIZAÇÃO X LETRAMENTO?

2.1 – O conceito de alfabetização ao longo da história .................................................................................. 242.2 – Os métodos de alfabetização .............................................................................................................. 292.3 – As contribuições de Emília Ferreiro: a psicogênese da língua escrita ...............................................34

UNIDADE III

ALFABETIZAR LETRANDO: A CONSTRUÇÃO DE UMA PRÁTICA

3.1 – Saberes necessários para ler e escrever .............................................................................................. 463.2 – Os diferentes tipos de texto ................................................................................................................ 573.3 – O ambiente alfabetizador ................................................................................................................... 643.4 – A alfabetização com textos ................................................................................................................. 683.5 – Os “erros” mais comuns e possíveis estratégias de intervenção ........................................................77

Glossário ..................................................................................................................................................... 93Gabarito ....................................................................................................................................................... 95Referências bibliográfi cas ........................................................................................................................... 97

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Page 11: Alfabetizacao e letramento

11

I - CAMINHANDO PELA HISTÓRIA DA ESCRITA E DO CONHECIMENTO1.1 - A história da escrita1.2 - A história da alfabetização1.3 - As diferentes concepções de aprendizagem

UNIDADES DO PROGRAMA OBJETIVOS

II - ALFABETIZAÇÃO X LETRAMENTO2.1 - O conceito de alfabetização ao longo dahistória2.2 - Os métodos de alfabetização2.3 - As contribuições de Emília Ferreiro: apsicogênese da língua escrita

III - ALFABETIZAR LETRANDO: A CONSTRU-ÇÃO DE UMA PRÁTICA3.1 - Os conhecimentos lingüísticos necessários àaquisição da leitura e da escrita3.2 - Tipologia textual3.3 - O ambiente alfabetizador3.4 - O texto na alfabetização3.5 - O erro como etapa de aprendizagem e asestratégias de intervenção

• Conhecer a história da escrita, para compreender melhor a relação com a evolução conceitual da crian-ça, na construção da base alfabética;

• Conhecer a história da alfabetização, compre-endendo o momento atual como resultado dessa trajetória;

• Conhecer as diferentes concepções de aprendiza-gem e suas implicações no conceito de alfabetização e na prática pedagógica.

• Compreender que o conceito de alfabetização vem sofrendo modifi cações em função dos avanços científi cos que são incorporados à sociedade;

• Entender o conceito de letramento como um “estado” que se adquire em função da apropriação da escrita;

• Perceber que alfabetização e letramento são conceitos complementares na atual perspectiva de aquisição da língua escrita;

• Conhecer a classifi cação dos métodos de alfabeti-zação, relacionando-os com as diferentes concepções de aprendizagem;

• Conhecer os principais aspectos da teoria da psico-gênese da língua escrita e sua infl uência no processo de alfabetização.

• Conhecer a relação do sistema fonológico com o sistema gráfi co da língua, possibilitando a compre-ensão das soluções que as crianças apresentam para as convenções ortográfi cas;

• Compreender o fenômeno da variedade lingüística para desfazer o mito da unidade lingüística;

• Reconhecer os diferentes tipos de textos que circulam na sociedade e que fazem parte do trabalho pedagógico na perspectiva do letramento;

• Identifi car a sala de aula como um dos ambientes que pode facilitar o processo de aquisição da língua escrita;

• Compreender os aspectos que identifi cam uma prática pedagógica que tem o texto como objeto de estudo;

• Reconhecer o “erro” como uma etapa do processo de construção do conhecimento.

Quadro-síntese do conteúdo programático

Page 12: Alfabetizacao e letramento

12 Contextualização da Disciplina

Em uma sociedade grafocêntrica como a nossa, saber ler e escrever é habilidade essencial para exercer nossos direitos e usufruir os conhecimentos produzidos pelo homem que circulam no espaço cultural.

Um dos grandes desafi os da escola tem sido garantir a todos que passam por ela o acesso aos conhecimentos produzidos pela sociedade, especifi camente a aquisição da leitura e da escrita. O fato de termos conseguido praticamente universalizar o acesso das crianças ao Ensino Fundamental não tem garantido que TODOS se apropriem deste bem cultural: a língua escrita.

Ensinar a ler e a escrever de modo que os sujeitos realmente se apropriem da língua escrita, ou seja, a utilizem no contexto social, é a função do educador da escola atual.

A aquisição da leitura e da escrita implica a construção de sentidos, que se dá, necessariamente, no processo de interlocução, isto é, nas interações que um sujeito estabelece com o outro em um determinado contexto social, histórico e cultural.

Um curso de formação de professores não pode deixar de refl etir sobre as questões que impedem a alfabetização e muito menos deixar de buscar práticas que garantam o sucesso da alfabetização. Para isso, é essencial que o futuro professor se aproprie das diferentes teorias que nos ajudam a compreender o processo de aquisição da língua escrita, percebendo os aspectos lingüísticos, sociais e culturais que a compõem.

É necessário também que todos incorporem a dimensão política do fazer pedagógico, pois “a alfabetização não é um luxo nem uma obrigação; é um direito. Um direito de meninos e meninas que serão homens e mulheres livres (pelo menos é isso que desejamos), cidadãos e cidadãs de um mundo onde as diferenças lingüísticas e culturais sejam consideradas uma riqueza e não um defeito”1.

Certamente, não temos a pretensão de esgotar aqui todos os aspectos e as discussões que existem hoje sobre o processo de aquisição da língua, pois isto seria impossível visto à complexidade do tema e à necessidade que a prática pedagógica impõe de estarmos sempre fazendo novas refl exões, buscando compreender o percurso de cada aluno. O que pretendemos aqui é despertar em você, futuro pedagogo, a crença de que todos os sujeitos podem aprender e o desejo de investigar, de procurar o melhor caminho para cumprir o seu papel: propiciar a todos o acesso à leitura e à escrita.

1FERREIRO, E. Passado e Presente dos Verbos Ler e Escrever. São Paulo: Cortez, 2002, p. 38.

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13UNIDADE I

CAMINHANDO PELA HISTÓRIA DA ESCRITA E DO CONHECIMENTO

1.1– A História da Escrita

Vinte mil anos antes da nossa era, em Lascaux, ho-mens traçam seus primeiros desenhos. Será preciso esperar 17 milênios para que se inicie uma das mais fabulosas facetas da história da humanidade – a escrita. Acredita-se naturalmente que aqueles que inventaram os primeiros signos escritos queriam perpetuar rastros de suas lendas.

George Jean

O surgimento da escrita marca a história da humani-dade. Podemos acreditar que, desde os primeiros tem-pos, o homem procurou registrar suas impressões sobre o mundo e comunicá-la a outros homens, utilizando para isso pedra, materiais inorgânicos e orgânicos à base de tintas vegetais e minerais.

Na Pré-história, o homem já se comunicava através de desenhos feitos nas paredes das cavernas. Com esse tipo de representação (pintura rupestre), trocava mensagens, passava idéias e transmitiam desejos e necessidades. Porém, ainda não era um tipo de escrita, pois não havia organização, nem mesmo padronização das representações gráfi cas.

Temos conhecimento de que a escrita foi inventada

por volta de 3.300 antes de Cristo, pelos sumérios, na Mesopotâmia (atual Iraque). Acredita-se que uma das razões para a sua invenção foi a necessidade de registrar as atividades comerciais (compra e venda). A primeira forma de escrita foi a pictográfi ca, onde cada “desenho” representava um objeto ou um ser específi co.

Na fi g.1 encontramos desenhos simplifi cados represen-tando, de forma estilizada, uma cabeça de boi, a fi m de

Os pictogramas representam tanto idéias quanto objetos.

Um pássaro e um ovo, lado a lado, signifi cam “fecundi-dade”.

Vários traços descendo do céu, “a noite”.

Dois traços cruzados sim-bolizam “inimizade”.

Dois traços paralelos, a “amizade”.

Fonte: JEAN, G. A Escrita - memória dos homens. Rio de Janeiro: Objetiva, 2002.

Fonte: JEAN, G. A Escrita - memória dos homens. Rio de Janeiro: Objetiva, 2002.

designar boi. Já a fi g. 2, que representa a mulher, é o de-senho de um triângulo pubiano com a fenda da vulva.

Os vários pictogramas empregados poderiam expressar uma idéia, surgindo, assim, o termo de escrita ideográfica, com sinais para palavras individuais ou conceitos. A fig. 3 representa mulher estrangeira, pois ao lado do triângulo pubiano (mulher) foi acrescentado o símbolo de montanha (vindas de outro lado da montanha, estrangeira).

Por volta de 2.900 a.C. os pictogramas primitivos desapareceram, deixando de representar o objeto por ele designado para retirar o seu significado do contexto. Surge, então, a escrita cuneiforme, que possui esse nome por ser traçada em barro, formando uma suposta cunha. Essa escrita tam-bém utilizava pictogramas, porém não era uma criação livre do “escritor”. Foram encontrados verdadeiros “catálogos”, dicionários primitivos que apresentavam diferentes significados para o mesmo símbolo. Um desenho de pé podia dizer “andar”, “pôr-se de pé”, “transportar” etc. Os pic-togramas podiam representar tanto idéias quanto objetos. Veja os exemplos abaixo:

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14Enquanto os símbolos cuneiformes riscam toda Mesopotâmia, outros sistemas de escrita nascem e se desenvolvem no vizinho Egito e, também, na longínqua China. De uma ponta a outra do mundo, os homens dedicam-se a transcrever sua história sobre a pedra, o barro e o papiro, vendo nisso um presente divino (JEAN, 2002: 25).

Os caracteres da escrita egípcia são chamados de hieróglifos, palavra que signifi ca “escrita dos deuses” (do grego hieros, “sagrado”, e gluphein, “gravar”). Eles também eram pictogramas, porém os desenhos eram muito rebuscados e estilizados constituindo uma ver-dadeira obra de arte. “Logo que a ‘escrita dos deuses’ começa a ser decifrada, ao prazer da compreensão une-se o prazer da contemplação.”2

No Egito, como na Mesopotâmia, saber ler e escrever era, ao mesmo tempo, privilégio e poder. Será que no mundo de hoje, principalmente no Brasil, isso é diferente?

Este conjunto de signos hieroglíficos é lido, excepcionalmente, da esquerda para a direita. O primeiro signo, à esquerda, lê-se “hb”. O segundo é determinativo: a perna demonstra tratar-se de uma palavra relativa a algo que passa com o pé. O terceiro é um pictograma fi gurativo: um homem que dança, signifi cando o todo “dançar”.

No ano de 2000 a.C., a China inventa a escrita que perdura até hoje. É uma escrita marcada por pictogra-mas. A escrita chinesa é um caso único: “codifi cada em 1500 antes da nossa era e constituída em sistema coerente entre 200 a.C. e 200 d.C., é perceptivelmente a mesma que os chineses lêem e escrevem hoje”3. Veja os exemplos abaixo:

Fonte: JEAN, G. A Escrita - memória dos homens. Rio de Janeiro: Objetiva, 2002.

Na escrita chinesa, as “chaves”, em números de 214, colocadas ao lado de um outro caractere especifi cam-lhes o sentido.

O elemento “poder” (c), prece-dido da chave “água”(a), signifi ca “rio”(d). Porém, o mesmo ele-mento associado à chave “pala-vra” (b) dá “criticar”(e).

Fonte: JEAN, G. A Escrita – memória dos homens. Rio de Janeiro: Objetiva, 2002.

2 JEAN, G. A Escrita - memória dos homens. Rio de Janeiro: Objetiva, 2002, p. 28.3 IDEM: 45.

Alguns pictogramas, datados das origens da escrita chinesa, chega-ram até nós. Há entre as formas antigas, à esquerda, e as formas modernas, à direita, 30 séculos...

Do alto para baixo: o sol, a mon-tanha, a árvore, o meio, o campo, a fronteira, a porta.

Fonte: JEAN, G. A Escrita - memória dos homens. Rio de Janeiro: Objetiva, 2002.

Apesar de a escrita ideográfi ca ser datada dos primór-dios da história, até hoje a utilizamos em diferentes culturas. Por exemplo: nas placas de trânsito, nas indicações de porta etc.

Os símbolos foram sendo usados e aprimorados até que surgiu o fonetismo. Os sumérios e os egípcios passaram a usar os pictogramas não designando mais o objeto representado e sim um outro cujo nome lhe era foneticamente semelhante. É a aproximação da escrita com a fala. Nesta perspectiva, o desenho de um gato (chat) e um desenho de um pote (pot) passa a signifi car “chapeau” (chapéu). Esta “tecnologia da escrita” teve a sua origem em uma brincadeira infantil denominada rebus (do latim: res “coisa”, rebus “pelas coisas”). Era um jogo muito parecido com o que conhecemos hoje como carta enigmática.

Fonte: CAGLIARI, L. C. Diante das Letras. Campinas: Mercado das Letras, 1999.

Page 15: Alfabetizacao e letramento

15As guerras, motivadas pelo domínio territorial, fi zeram com que algumas línguas fossem abafadas, enquanto outras difundidas.

Com o passar do tempo, todas as civilizações senti-ram necessidade de registrar suas ações do cotidiano, como as conquistas, festas, rituais etc. Para um gran-de número de povos, a escrita, cada vez mais, foi se tornando uma necessidade. Então, passaram a criar símbolos para poder representar as coisas e, cada vez mais, esses símbolos foram sofrendo modifi cações e ganhando sons, tornando assim um alfabeto.

A verdadeira revolução da escrita ocorreu em 1000 a.C., com a invenção do alfabeto, que tem origem com os fenícios, que emigraram para a margem oeste do Mediterrâneo, para o norte da África, o sul da Espanha, a Sicília, a Sardenha, Chipre, Grécia e Itália.

A escrita cuneiforme, os hieróglifos ou os caracteres chineses têm em comum transcrever palavras e sílabas. Saber ler e escrever, nesses sistemas, consiste em conhecer um grande número de signos ou de caracteres.

Completamente diferente é o funcionamento do alfabeto, per-mitindo, a princípio, com cerca de 30 signos, tudo escrever. Todavia, não é tão simples assim, pois as 23 letras de nosso alfabeto não reproduzem todos os sons... Daí o os problemas cru-ciais encontrados pelos escolares no aprendizado da ortografi a! Mesmo assim, 23 letras são muito menos do que mil caracteres do chinês popular, as algumas centenas de hieróglifos do povo egípcio e muitíssimo menos do que os 600 signos cuneiformes do aluno-escriba da Mesopotâmia. Por essa razão, muitos pensam que o aparecimento do alfabeto marca verdadeiramente o início da democratização do saber (JEAN, op. cit.: 52).

Primeiro surgiram os silabários, conjunto de sinais específi cos para representar as sílabas, isto é, os si-nais representavam sílabas inteiras em vez de letras individuais.

Os fenícios inventaram um sistema reduzido de caracteres que representavam o som consonantal: é a chamada escrita fonética. Escolheram um conjunto de palavras cujo o primeiro som fosse diferente dos demais e para representá-lo grafi camente escolheram hierógrafos egípcios cujo aspecto fi gurativo lembrava o signifi cado das palavras da lista (21 sons). Não havia vogais. Por exemplo: a primeira palavra da lista era a palavra “alef”, que signifi cava “boi”, e o hieróglifo escolhido foi o que representava a cabeça do boi. Sendo assim, a fi gura da cabeça do boi passou a representar o som inicial da palavra “alef”. Essa relação foi realizada com as 21 palavras. Veja ao lado o alfabeto.

Fonte: MAN, J. A. História do Alfabeto – como 26 letras transfor-maram o mundo ocidental. Rio de Janeiro: Ediouro, 2002.

Em seguida, os gregos adaptaram o sistema de escrita fenícia agregando as vogais e criando assim a escrita alfabética (alfabeto, palavra derivada de alfa e beta, as duas primeiras letras do alfabeto grego). Os gregos mantiveram o princípio acrofônico, ou seja, o som ini-cial do nome da letra é o som que a letra representa.

Alfabetos Fenício e Hebraico

Page 16: Alfabetizacao e letramento

1616Alfabeto Grego

Fonte: MAN, J. A História do Alfabeto – como 26 letras transformaram o mundo ocidental. Rio de Janeiro: Ediouro, 2002.

A escrita grega foi adaptada pelos romanos, consti-tuindo-se o sistema alfabético greco-romano, que deu origem ao nosso alfabeto. Os romanos dispensaram os “nomes especiais” das letras. Para eles bastava ter como nome da letra apenas o próprio som dela. “Foi assim que alfa, beta, gama, delta, épsilon etc. transfor-maram-se em a, bê, ce, dê, e etc.” (CAGLIARI, 1998: 17). Esse sistema representa o menor inventário de sím-bolos que permite a maior possibilidade combinatória de caracteres, isto é, com o alfabeto podemos escrever qualquer pal avra de uma língua. É a possibilidade de registrar o pensamento. O homem agora pode escrever qualquer idéia ou sentimento.

Fonte: JEAN, G. A Escrita - memória dos homens. Rio de Janeiro: Objetiva, 2002.

Com certeza, a invenção do alfabeto possibilitou ao homem ampliar a sua capacidade de expressão e de perpetuar a história da humanidade. Mas isso não quer dizer que tenha tornado simples a aquisição da língua escrita.

(...) o alfabeto parece a própria essência da simplicidade, ‘tão fácil quanto o ABC’. Mas o sentido de simplicidade é traiçoeiro, pois o alfabeto é a aparência externa de profundezas lingüísticas ocultas. Os seus poucos símbolos não são nada se comparados à complexidade de sons que representam, enquanto aqueles sons apenas sugerem a complexidade da própria língua (...). As nossas 26 letras formam uma grade que nos dá a nítida impressão de controle e compreensão. Olhe com mais cuidado e verá que está penetrando em um pântano que talvez tenha feito com que nosso escriba asiático desistisse na hora (...) (MAN, 2002: 85).

As escritas árabe e latina são a origem de numerosos alfabetos.

Ao lado temos uma inscrição romana do século III, que é lida da esquerda para direita.

Page 17: Alfabetizacao e letramento

17Leitura Complementar

Para conhecer um pouco mais sobre o período Pré-histórico, assista ao fi lme A Guerra do Fogo, de 1981, dirigido por Jean-Jacques Annaud.

Assista também ao vídeo A História da Escrita, produzido pela Fundação para o Desenvolvimento da Educação (FDE). Nele você verá a evolução da escrita: das pinturas rupestres ao alfabeto.

Acesse o site:www.webeduc.mec.gov.br/midiaeducação/modulo4 e assista ao vídeo: A evolução da Escrita: do pictograma ao texto digital.

Leia o livro: MAN, John. A História do Alfabeto. Trad. Edith Zonenschain. Rio de Janeiro: Ediouro, 2002. Nele você encontrará um belo resgate da história do alfabeto mostrando como 26 letras transformaram o mundo ocidental.

1.2 - A História da Alfabetização

Quem inventou a escrita inventou ao mesmo tempo as regras de alfabetização, ou seja, as regras que permitem ao leitor decifrar o que está escrito, en-tender como o sistema de escrita funciona e saber como usá-lo apropriadamente. A alfabetização é, pois, tão antiga quanto os sistemas de escrita.

Cagliari

Qualquer sistema de escrita só é capaz de atravessar o tempo se as novas gerações se apropriarem dele. Para que isso aconteça, é essencial que aqueles que dominam o seu funcionamento ensinem aos outros como decifrá-lo.

Podemos acreditar que na época primitiva da escrita, ser alfabetizado implicava apenas saber “ler” o que os símbolos signifi cavam e ser capaz de “escrevê-los”, já que, provavelmente, se escrevia apenas um tipo de documento ou texto (anotações de compra e venda). Com o desenvolvimento do sistema escrito, houve um aumento signifi cativo da quantidade de informações necessárias para saber ler e escrever, usando cada vez mais símbolos para representarem o som da fala.

Acredita-se que:

o longo processo de invenção da escrita também incluiu a inven-ção de regras de alfabetização, ou seja, as regras que permitem ao leitor decifrar o que está escrito e saber como o sistema de escrita funciona para usá-lo apropriadamente (CAGLIARI, 1998: 15).

Temos informação que na Antigüidade as pessoas al-fabetizavam-se aprendendo a ler algo já escrito e depois copiando. Iniciavam com palavras e posteriormente, passavam para textos famosos, que eram “estudados” exaustivamente; para então chegar a escrever seus próprios textos. Muitos aprendiam sem ir à escola, já que não pretendiam tornar-se escribas. Com certeza, a curiosidade levou muita gente a aprendera ler para

lidar com os negócios, comércio, ler obras religiosas ou obter informações sobre a cultura da época.

A alfabetização, nesses casos, dava-se com a transmissão de conhecimentos relativos à escrita de quem possuía para quem queria aprender. Aprender a decifrar a escrita, ou seja, a ler relacionando os caracteres às palavras da linguagem oral, devia ser o procedimento comum. Aqui não era preciso fazer cópias nem escrever: bastava saber ler (IDEM: 15).

Para se alfabetizar em um sistema de escrita que têm como base o princípio acrofônico, bastava decorar a lista dos nomes das letras, observar a ocorrência de consoantes nas palavras e transcrever esses sons. Por exemplo, “para escrever David, bastava identifi car as consoantes DVD, procurar na lista de letras, aquelas que começavam com sons de D e V e escrevê-las” (IBIDEM: 17). Procure escrever a palavra David utilizando o alfabeto fenício apresentado anteriormente.

Quando os gregos passaram a utilizar o alfabeto, aprender a ler e escrever tornou-se um uma tarefa de grande alcance popular. Surgem as “escolas de alfabeto”. A ortografi a passa a fi xar a forma de escrita das palavras, para evitar que falantes de dialetos diferentes escrevessem as mesmas palavras de maneiras diferentes, seguindo apenas a trans-crição da própria fala e o valor sonoro do alfabeto.

Os semitas, os gregos e os romanos nos deixaram alguns ‘alfabe-tos’: tabuinhas ou pequenas pedras ou chapas de metal onde se encontravam todas as letras, na ordem tradicional dos alfabetos. Na verdade, serviam de guia para as pessoas aprenderem a ler e a escrever, ou mesmo quando fossem escrever. Tais documentos foram, por assim dizer, as mais antigas “cartilhas” da humani-dade: uma cartilha que continha apenas o inventário das letras do alfabeto (IBIDEM: 18).

Na Idade Média, a alfabetização ocorreu menos nas escolas e passou a ser uma tarefa da vida privada. Quem sabia ler ensinava a quem não sabia, mostrando

Page 18: Alfabetizacao e letramento

18o valor fonético das letras em determinada língua, a forma ortográfi ca das palavras e a interpretação da forma gráfi ca das letras e suas variações. O fato de os aprendizes serem falantes da língua que estavam aprendendo/decifrando, se constituía em um facili-tador da aprendizagem da escrita, pois ajudava nas tentativas de descobrir, entre as várias possibilidades a leitura correta. É o que acontece com as crianças de hoje (e de sempre) que ao depararem, por exemplo, com a palavra RODA em um texto, não lerão [rôda], pois [róda] terá signifi cado por fazer parte do seu acervo lingüístico.

No século XV, na Europa, começaram a aparecer as primeiras cartilhas (diminutivo de “carta”, no sentido de esquema, mapa de orientação) e gramáticas com o objetivo de estabelecer uma ortografi a e ensinar o povo a escrever nas línguas vernáculas, abandonando o latim. Os textos destes livros são basicamente religiosos.

Não temos muitos registros de quando e como começa a história da alfabetização no Brasil, mas com certeza a origem está nas cartilhas portuguesas. Podemos inferir que a história da alfabetização brasileira começa com a chegada dos jesuítas, em 1549. Foram eles que, de certa forma, apresentaram um sistema de escrita para os índios, sendo responsáveis pela escolarização ca-tequização das crianças.

Há notícias de que Portugal realizava remessas de livros escolares para as colônias, para que

nelas se ensinassem a ler e escrever. Os jesuítas inauguraram na Bahia a primeira escola de leitura, escrita e religião.

Acredita-se que Cartinha de Aprender a Ler4, uma das mais antigas para ensinar o idioma português, tenha sido utilizada no Brasil.

As cartilhas portuguesas marcam o início da literatura didática em nosso idioma. Além da cartilha de João de Barros, há notícias de uma cartilha elaborada por Frei João Soares, impressa em 1539 e reeditada várias vezes. Uma outra obra, o Método Castilho para o Ensino Rápido e Aprazível do Ler Impresso, Manuscrito e Numeração do Escrever, produzida por Antonio Feliciano de Castilho (1850), em Lisboa, também foi utilizada no Brasil. Esta obra incluía abecedário, silabário e textos de leitura, sendo marcada por preocupações fonéticas (BARBOSA, 1990: 57).

Em 1876 surgiu a Cartilha Maternal, do poeta João de Deus Ramos. No prefácio o autor diz que o aluno que aprende por letras ou pelas sílabas “conduzido através de elementos inertes do pensamento, reduz-se à posição de repetidor de uma cambulhada de miudezas trivialíssimas, que não o divertem, nem o instruem, atrofi amlhe o espírito e deixam nele impresso o hábito da leitura mecânica, senão, muitas vezes, o selo do idiotismo” (BARBOSA, 1990: 57). O autor opunha-se aos métodos de soletração e silabação como pontos de partida para a aprendizagem da leitura. Esta cartilha marca a transição do abecedário do bê-a-bá para os métodos analíticos5, que foram difundidos no Brasil durante a República.

Leitura Complementar

Sobre a história da alfabetização, leia os capítulos 1 e 2 do livro: CAGLIARI, L.C. Alfabetizando sem o bá-bé-bi-bó-bu. São Paulo: Scipione, 1998.

No capítulo 5, do livro BARBOSA, J. J. Alfabetização e leitura. São Paulo: Cortez, 1990, você poderá ampliar os conhecimentos sobre a história da alfabetização no Brasil.

Acesse http//portal.mec.gov.br/seb/arquivos/ensfund/alfmortattihisttextalf/pdf/br e leia o texto da conferência História dos Métodos de Alfabetização no Brasil, de Maria do Rosário Longo Mortatti, proferida em 27/04/2007, no Seminário Alfabetização e Letramento em debate.

4 Esta cartilha de autoria de João de Barros foi impressa em 1539.5 Discutiremos os diferentes métodos mais adiante.

1.3 - As Diferentes Concepções de AprendizagemMulheres e homens, somos os únicos seres que, social e historicamente, nos tornamos capazes de aprender. Por isso somos os únicos em quem aprender é uma aventura criadora, algo, por isso mesmo, muito mais rico do que meramente repetir a lição dada.

Aprender para nós é construir, reconstruir, constatar para mudar, o que não se faz sem abertura ao risco e à aventura do espírito.

Paulo Freire

Conhecendo um pouco da história da escrita e como esse conhecimento foi disseminado pelo mundo, algu-mas questões afl oram: Como ocorre o conhecimento? O que nos difere dos animais? Essas são refl exões que geram muita inquietude e muitas pesquisas.

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19Em nosso dia-a-dia também nos perguntamos: Por

que alguns alunos aprendem e outros não? Por que uma determinada atividade atinge os seus objetivos para alguns alunos e para outros não?

A concepção de como o desenvolvimento e aprendi-zagem humana acontecem dependerá da visão que se tem de mundo em um determinado momento histórico e persistirá enquanto for capaz de explicar a realidade, pelo menos para algumas pessoas.

Buscando apoio nas contribuições da psicologia para explicar como ocorre o conhecimento, encontramos a concepção inatista que defende os fatores internos (biológicos) como determinantes no processo de apren-dizagem. Nesta perspectiva, os eventos que ocorrem após o nascimento não são essenciais e/ou importantes para o desenvolvimento do pensamento intelectual, visto que, nesta visão, o ser humano já nasce com suas qualidades e capacidades básicas prontas.

Jean-Jacques Rousseau (1712-1778)

A natureza, dizem-nos, é apenas o hábito. Que signifi ca isso? Não há hábitos que só se adquirem pela força e não sufocam nunca a natureza? É o caso, por exemplo, do hábito das plantas, cuja direção vertical se perturba. Em se lhe devolvendo a liberdade, a planta conserva a inclinação que a obrigaram a tomar; mas a seiva não muda, com isto, sua direção primitiva; e se a planta continuar a vegetar, seu prolongamento voltará a ser vertical. O mesmo acontece com os homens. (ROUSSEAU, J-J. Emilio. In: DAVIS, 1994, 27).

Nesta concepção, a função da educação é interferir o mínimo possível no processo de desenvolvimento espon-tâneo do homem, já que, como preconiza o dito popular, “pau que nasce torto, morre torto”. Não tem jeito!

Os inatistas buscaram seus fundamentos na Teologia, no Evolucionismo de Darwin, na Embriologia e na Genética.

Na Teologia, a fundamentação se dá na máxima de que “Deus, de um só ato, criou cada homem em sua forma defi nitiva”. O que um bebê virá a ser já está determinado pela ‘Graça Divina’.

Da Teoria Evolucionista de Darwin, os inatistas ba-searam-se numa leitura equivocada de que a evolução da espécie depende de mudanças graduais e cumulati-vas, que decorrem de variações hereditárias. Cabe ao ambiente selecionar os mais aptos. “Só os mais aptos de uma determinada espécie – aqueles capazes de se adaptar ao meio – sobreviveriam” (IDEM: 28).

Já na Embriologia, buscaram subsídios em seus primeiros estudos que apontavam o desenvolvimento quase que invariável, sendo regulado por fatores en-dógenos (fatores internos).

Para quem acredita nessa concepção, não vale a pena investir na educação, já que o professor pouco poderá contribuir para o desenvolvimento do aluno. O sucesso ou o fracasso escolar é visto como responsabilidade única e exclusiva do aluno, na medida em que a apren-dizagem depende apenas de fatores internos.

Ainda hoje encontramos muitos educadores que acreditam que os fatores internos são determinantes para a aprendizagem. É muito comum presenciarmos o diálogo a seguir:

Professora A: - Eu não sei o que fazer para o Ricardo aprender a ler! Ele não acompanha a turma.

Professora B: - Qual Ricardo? O irmão de Leandro dos Santos?

Professora A: - É!

Professora C: - A família toda é assim. Os irmãos já passaram pela escola e não conseguiram.

Professora B: - Puxaram aos pais. Eles são anal-fabetos.

Professora C: - “Filho de peixe, peixinho é!”

Em contraposição ao inatismo, a concepção am-bientalista (comportamentalista ou behaviorista) considera que os fatores externos são determinan-tes no processo de aprendizagem. Defende que o homem é um ser extremamente plástico, reativo à ação do ambiente. A experiência sensorial é a fonte do conhecimento, sendo assim a aprendiza-gem é entendida como um “processo pelo qual o comportamento é modificado como resultado da experiência” (IBIDEM: 33).

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20Essa concepção teve em Skinner6 seu maior expoente.

Para ele, manipulando-se os elementos presentes no ambiente (estímulos) é possível controlar o compor-tamento, que é adquirido ao se estabelecer associações entre um estímulo e uma resposta, e entre uma resposta e um reforçador. Para os ambientalistas, o ser humano busca maximizar o prazer e minimizar a dor.

Assim, o reforço é um instrumento utilizado para fa-zer com que os comportamentos considerados corretos permaneçam no indivíduo. Já a punição é utilizada para minimizar ou eliminar os comportamentos con-siderados inadequados.

Nesta perspectiva, o planejamento das condições ambientais é determinante para a aprendizagem de novos comportamentos. Na escola, o professor passa a ter papel fundamental. O sucesso da aprendizagem depende dele, visto que é ele o único responsável pelo planejamento, organização e execução das atividades pedagógicas.

A educação foi sendo entendida como tecnologia, fi cando de lado a refl exão fi losófi ca sobre a sua prática.

A organização das condições para que a aprendizagem ocorra exige clareza e respeito aos objetivos que se quer alcançar (ob-jetivos instrucionais ou operacionais), a estipulação da seqüência de atividades que levarão ao objetivo proposto e a especifi cação dos reforçadores que serão utilizados (IBIDEM: 33).

Baseado nesta concepção, encontramos a repetição como um ‘método’ de aprendizagem.

É comum ainda encontrarmos em algumas práticas pedagógicas, exercícios nos quais as crianças precisam escrever cinco vezes a mesma palavra, ‘resolver’ vinte ‘continhas’ de adição, responder a um questionário da mesma forma que o texto lido etc. Afi nal, “água mole em pedra dura, tanto bate até que fura”.

Podemos observar também que o erro é visto como um comportamento inadequado, e como tal, precisa ser extinto através da ‘dor’ (punição). Sendo assim, não é muito difícil encontrarmos crianças tendo que copiar três vezes a palavra errada, fi cando de castigo (sendo privada da merenda, recreio ou das atividades que mais gostam) fazendo cópias etc., pois ‘Quando a cabeça não pensa, o corpo é que paga’.

Você já parou para pensar por que falamos português? Por que somos fi lhos de brasileiros? Ou por que vivemos em um país que se fala português? Ou por que desde que nascemos estamos em contato com pessoas que falam português e que nos mostram o nome das coisas?

Enquanto os inatistas priorizam os fatores internos e os ambientalistas, os fatores externos, a concepção interacionista nos faz pensar que “nem tanto ao mar nem tanto à terra”.

Esta corrente teórica nos mostra que a aprendizagem e o desenvolvimento dependem da interação de fatores internos e externos.

Nas concepções anteriores, o homem é visto como um ser passivo, não tendo participação no seu processo de aprendizagem, já que, ou ele nasce com suas potencia-lidades prontas ou o ambiente é que irá moldá-lo. Para os interacionistas, o homem é visto como um ser ativo ou interativo, participante do seu processo de aprendi-zagem, que é resultado da sua interação com o meio, sendo o meio entendido não apenas como ambiente físico, mas sim como um ambiente marcado pela cul-tura, num determinado momento histórico e em todas as relações interpessoais que são estabelecidas.

É através da interação com outras pessoas, adultos e crianças, que desde o nascimento, o bebê vai construindo suas características (seu modo de agir, de pensar, de sentir) e sua visão de mundo (seu conhecimento) (IBIDEM: 36).

Desde que nascemos estamos interagindo com o mundo físico e social. É a partir dessas interações que vamos conhecendo as características e peculiaridades do mundo.

A construção do conhecimento exige elaboração, ou seja, uma ação sobre o mundo.

A aquisição de conhecimento é vista como um pro-cesso individual, construído durante toda a vida, no meio cultural. O conhecimento pode ser comparado a uma espiral, onde as experiências anteriores servirão de base para novos conhecimentos, mediados pela relação que o indivíduo estabelece com o meio. O erro é encarado como parte do processo de aprendizagem, sendo importante para a prática pedagógica, pois a partir do “erro” o professor poderá compreender o processo de pensamento do aluno e planejar ativida-des que possibilitem avançar no seu conhecimento. A sabedoria popular há muito nos diz que: ‘quem tem boca vai a Roma’.

Piaget e Vygotsky foram os maiores defensores da concepção interacionista. Apesar de enfatizarem que o conhecimento ocorre a partir da interação de fatores internos e externos, esses dois autores apresentam uma visão diferente de como ocorre a interação entre os mesmos.

6 Skinner: Burrhus Frederic Skinner (1904 –1990). Psicólogo norte-americano que juntamente com John Watson defendeu as idéias behavioristas. Em 1945, desenvolveu uma “caixa educadora para bebê”, na qual era colocada uma criança para aprender por meio de reflexos condicionados. Desenvolveu essa experiência com sua própria filha. Segundo ele, “o homem bom faz o bem porque é recompensado”.

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21A Teoria Construtivista de Piaget

Jean Piaget (1896-1980)

Segundo Piaget7, a busca do equilíbrio (ou adaptação com seu meio) é uma característica essencial do ser humano. Para ele, o “desenvolvimento cognitivo ocorre através de constantes desequilíbrios e equilibrações. O aparecimento de uma nova possibilidade orgânica no individuo ou a mudança de alguma característica do meio ambiente, por mínima que seja, provoca a ruptura do estado de repouso, da harmonia entre organismo e meta – causando um desequilíbrio” (IBIDEM: 38).

Para voltar a uma nova situação de equilíbrio, dois mecanismos são acionados. É o que Piaget denomi-nou de assimilação (o organismo não altera a sua estrutura) e acomodação (o organismo é obrigado a alterar a sua estrutura para se ajustar às novas demandas impostas pelo meio). Assimilação e acomodação são processos distintos e opostos, que ocorrem simultaneamente.

Quando estamos diante de um novo conhecimen-to (desafi o) nos sentimos desequilibrados intelectu-almente. Buscamos a partir das nossas experiências anteriores, desenvolvermos ações destinadas a atri-buir signifi cações aos elementos do ambiente com os quais interagimos (assimilação). Quando esses conhecimentos não são sufi cientes para dar conta do desafi o (estado de equilíbrio), precisamos ampliar ou modifi car nossas ações (físicas ou mentais) para atin-girmos o novo conhecimento (acomodação).

Quando jogamos uma bola de soprar para uma criança (desafi o), ela fará uso do esquema pegar (pos-

tura de braço, mão e dedos) que já é conhecido por ela, atribuindo ao balão o signifi cado de ‘objeto que se pega’ – assimilação. Porém, o esquema ‘pegar’ precisará ser modifi cado para se ajustar às caracte-rísticas do objeto: a abertura dos braços, dos dedos e a força utilizada para segurá-lo é diferente da que se utiliza para pegar uma bola de plástico, de papel ou de couro – acomodação. Posteriormente, ao ser desafi ada a pegar uma bola de gude, mais uma vez os seus esquemas terão que se modifi car (acomodação) ao novo objeto.

Pense em um aluno que já consegue fazer uma adi-ção e que na escola estamos apresentando para ele a multiplicação (desafi o/desequilíbrio). Com certeza saber somar parcelas iguais (assimilação) é um es-quema mental necessário para a multiplicação. Po-rém, não é sufi ciente. Ele precisará modifi car esse esquema para compreender o conceito de multiplica-ção (acomodação) e conseqüentemente distinguir o momento de utilizá-la.

Para Piaget, o desenvolvimento é um processo con-tínuo, caracterizado por quatro fases diversas (etapas ou períodos). Em cada etapa, a criança constrói certas estruturas cognitivas, que se constituem em uma forma específi ca de pensar e atuar no mundo. Ele as denomi-nou de sensório-motora (do nascimento aos 2 anos de idade, aproximadamente), pré-operatória (2 anos até aproximadamente aos 7 anos), operatório-concreta (7 anos até aos 12 anos, aproximadamente) e operatório-formal (a partir dos 13 anos).

Para Cláudia Davis (1994), o modelo Piagetiano, que pretende ser universal, é fortemente marcado pela ma-turação, pois é ela a responsável pelo fato de as crianças sempre apresentarem determinadas características psicológicas em uma mesma faixa etária.

Desenvolvimento cognitivo e aprendizagem não se confundem: o primeiro é um processo espontâneo que se apóia no biológico. Aprendizagem, por outro lado, é encarada como um processo mais restrito, causado por situações específi cas (como freqüência à escola) e subordinado tanto a equilibração quanto à maturação (DAVIS, 1994: 46).

Um outro conceito muito importante na teoria piagetiana é o conceito de autonomia, que é a capacidade de agir por si mesmo, levando em consideração os fatos relevantes para decidir e agir da melhor forma para todos. Esse conceito se opõe ao de heteronomia que significa depen-dência da forma de agir e pensar. Sendo assim, a grande finalidade da escola seria contribuir para a formação de sujeitos autônomos.

7 Jean Piaget (1896-1980). Nasceu na Suíça. Formado em Biologia e Filosofi a, teve como maior preocupação investigar como ocorre o conhecimento. Estudou o desenvolvimento da espécie humana desde o nascimento até a idade adulta (ontogênese) e destacou que as crianças pensam diferente dos adultos.

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22

Lev Semionovitch Vygotsky (1896-1934)

Os processos de desenvolvimento não coincidem com os proces-sos de aprendizado. Ou melhor, o processo de desenvolvimento progride de forma mais lenta e atrás do processo de aprendizado; desta seqüenciação resultam, então, as zonas de desenvolvimento proximal (VYGOTSKY, 1991:102).

Na teoria histórico-cultural, a educação escolar assume papel relevante, pois apesar de afi rmar que o aprendizado do sujeito começa muito antes de se freqüentar a escola, (IDEM: 101) diz que o “aprendizado não é desenvol-vimento; entretanto, o aprendizado adequadamente organizado resulta em desenvolvimento mental e põe em movimento vários processos de desenvolvimento que, de outra forma, seriam impossíveis de acontecer”; logo, “o aprendizado escolar produz algo fundamentalmente novo no desenvolvimento da criança” (IBIDEM: 95).

O conceito de zona de desenvolvimento proximal é uma das grandes contribuições de Vygotsky para a prática educativa.

Para ele há, pelo menos, dois níveis de desenvolvi-mento: o real e o potencial (ou proximal).

No primeiro nível, as funções mentais da criança já se estabeleceram como resultado de certos ciclos completados, ou seja, são conhecimentos que já

estão consolidados. Ela não precisa de ajuda para resolver uma determinada situação. O nível potencial refere-se àquilo que a criança consegue fazer, po-rém, ainda com a ajuda de pessoas mais experientes (adultos ou crianças).

Assim sendo, para Vygotsky (1991), zona de de-senvolvimento proximal é “a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução independente de problemas e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes” (IBIDEM: 97).

Aquilo que hoje é desenvolvimento potencial será amanhã desenvolvimento real. O desenvolvimento é um processo dinâmico e contínuo.

A partir desses conceitos, podemos inferir que o papel do professor não é apenas constatar aquilo que o aluno já sabe (nível real), mas sim atuar na zona de desenvolvimento proximal, possibilitando a ele viven-ciar situações que lhe desafi em, fazendo-o avançar nos seus conhecimentos (nível potencial).

Vygotsky ressalta a importância do outro no processo de aprendizagem. Somos capazes de aprender porque estamos o tempo todo sendo mediados pelo outro (através da pessoa física, do livro, do fi lme, da TV etc.) que nos ‘apresenta o mundo’, ou seja, somos inseridos na cultura, levados à apropriação dos conhecimentos que estão disponíveis na sociedade.

A linguagem tem papel fundamental nesse processo, pois é através dela que vamos interagir com as outras pessoas, internalizando os novos conceitos.

Você deve estar se perguntando o que essas teorias têm a ver com alfabetização e letramento?

Podemos responder: TUDO, pois é através da con-cepção que temos de como se dá a aprendizagem que iremos construir a nossa prática pedagógica.

Como já falamos anteriormente, não pretendemos aqui aprofundar nenhuma das teorias apresentadas, pois além de não ser o objetivo deste material, seria impossível visto a complexidade das mesmas. Quise-mos apenas ressaltar alguns aspectos que podem nos ajudar a refl etir sobre a prática escolar e o processo de alfabetização das crianças.

Exercícios de Fixação

1 – Você certamente já está realizando as suas atividades de estágio. Converse com uma professora de Educação Infantil e/ou das séries iniciais do Ensino Fundamental sobre as formas de registros que as crianças utilizam para expressar suas idéias. Compare com a evolução da escrita. Há semelhanças? Diferenças? Quais?

A Concepção Histórico-cultural

Já para Vygotsky8, desenvolvimento e aprendizagem são processos que estão inter-relacionados. Na medida em que o sujeito aprende, ele se desenvolve, e esse desenvolvimento leva a novas aprendizagens.

8 Lev Seminovitch Vygotsky (1896-1934). Nasceu na Bielo-Rússia e suas idéias foram infl uenciadas pelo contexto social em que viveu. Graduou-se em Direito e Medicina, tendo aprofundado suas investigações na área da psicologia, principalmente para o campo da Edu-cação de Defi cientes. Encontramos o seu nome escrito de várias maneiras: Vigotsky, Vigotski, Vygotski ou Vygotsky. Optamos pelo último por ser desta forma que está grafado nos livros citados.

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23232- Preencha o quadro abaixo, fazendo uma síntese das diferentes concepções de aprendizagem.

3- Se houver oportunidade, visite uma turma que esteja iniciando o processo de ensino/aprendizagem da lin-guagem escrita (alfabetização). Observe como ocorre a prática pedagógica. Registre. Você conseguiu perceber qual concepção de aprendizagem está norteando o trabalho do(a) professor(a)? Justifi que a sua resposta.

Leitura Complementar

Para conhecer um pouco mais sobre a teoria piagetiana, assista ao vídeo PIAGET – Coleção Grandes Educa-dores, ATTA Mídia Educação. Aqui os principais conceitos da obra de Piaget são apresentados e exemplifi cados. Nesta coleção, você encontrará outros autores como Vygotsky, Paulo Freire e Freinet.

Se você quiser aprofundar os seus conhecimentos sobre a teoria piagetiana, leia o livro do próprio Piaget, intitulado Seis Estudos de Psicologia, da editora Forense.

Este livro, composto de artigos e conferências, propõe-se a ser uma introdução à obra de Piaget. Na primeira parte, apresenta a síntese das descobertas de Piaget no campo da psicologia da criança, demonstrando como se verifi ca o seu desenvolvimento mental. Na segunda parte, são abordados problemas centrais do pensamento, da linguagem e da afetividade na criança, através de numerosos exemplos e estudos de casos.

Para entender melhor o conceito de autonomia de Piaget, leia A Autonomia como Finalidade da Educação: Implicações da Teoria de Piaget. In: KAMII, Constance. A Criança e o Número. Campinas: Papirus, 1998.

Leia o livro: VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1991. Neste livro, Vygotsky apresenta uma parte de sua teoria de como ocorre o conhecimento e principalmente as implicações para a prática educativa.

Visite o site www.rio.rj.gov.br/sme/multieducacao. Este site é da Secretaria Municipal de Educação da cidade do Rio de Janeiro. Nele podemos ter acesso ao Núcleo Curricular Básico Multieducação, onde encontramos bons textos sobre as teorias abordadas neste fascículo.

Navegue pelo site www.tvebrasil.com.br/salto/boletins2004. Aqui, você encontrará o boletim do Programa 2, da série Adaptações Didáticas, escrito por Hugo Otto Beyes que discute a teoria de Vygotsky. Você também poderá encontrar a programação da TV Escola e procurar o vídeo para assisti-lo.

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24 UNIDADE II

ALFABETIZAÇÃO X LETRAMENTO?

2.1 – O Conceito de Alfabetização ao Longo da História

Todos os problemas da alfabetização começaram quando se decidiu que escrever não era uma profi s-são, mas uma obrigação, e que ler não era marca de sabedoria, mas de cidadania.

Emília Ferreiro

Ao conhecermos um pouco da história da alfabeti-zação no Brasil, podemos perceber que este conceito vem sendo modificado ao longo dos anos e que, consequentemente, isso tem repercussões diretas na prática pedagógica.

Mas por que esse conceito vem sendo modifi cado? Ser alfabetizado não é saber “decifrar os códigos” da escrita?

Provavelmente, durante algum tempo, saber decifrar o código escrito era garantia de alfabetização e era sufi ciente para se apropriar dos conhecimentos de uma determinada sociedade, em um determinado momento histórico. Mas, certamente, nos últimos séculos e, principalmente, nas últimas décadas, isso não é mais satisfatório.

As transformações ocorridas na história da Huma-nidade impõem, cada vez mais, novas necessidades e aprimoramento das ações de ler e escrever. Ler hoje

não exige as mesmas habilidades que há 50 anos. A velocidade com que os conhecimentos são produzidos e as informações são divulgadas, atualmente, exige um leitor com muito mais estratégias de leitura, sendo capaz de organizar e articular as informações para dar sentido ao texto.

Como nos lembra Emília Ferreiro (2002: 13), “os ver-bos “ler” e “escrever” deixaram de ter uma defi nição imutável: não designavam mais (e tampouco designam hoje) atividades homogêneas. Ler e escrever são construções sociais. Cada época e cada circunstância histórica dão novos sentidos a esses verbos”.

Em 1958, a UNESCO9 defi niu como alfabetizado o sujeito capaz de ler compreensivamente ou es-crever um enunciado curto e simples relacionado à sua vida diária. Aqui já fi ca claro que não basta mais decifrar o código. É necessário saber utilizar a escrita, mesmo que de forma simples, no dia-a-dia. Porém, muitos que passavam pela escola, concluíam o período de alfabetização e aprendiam a “decifrar o código”, não eram capazes de compreender o que liam e de se comunicarem através da escrita. Será que já superamos isso?

Dentro desta perspectiva, analfabeto é aquele que não consegue ler e nem escrever textos simples, como um bilhete, por exemplo.

Em 1978, a própria UNESCO propôs a adoção do conceito de alfabetização funcional, considerando a pessoa capaz de utilizar a leitura e a escrita para fazer frente às demandas de seu contexto social e de usar essas habilidades para continuar aprendendo e se desenvolvendo ao longo da vida, como alfabeti-zada funcional.

No Brasil, durante muitas décadas, foi considerado al-fabetizado aquele que era capaz de assinar o seu nome. Essa era, inclusive, a forma de garantia de cidadania. Antes da constituição de 1988, só os “alfabetizados” possuíam direito ao voto e para tirar o título de eleitor, bastava saber “desenhar o nome” (assinar).

9 A Organização das Nações Unidas para Educação, a Ciência e a Cultura foi fundada em 16 de novembro de 1945. É uma agência especializada das Organização das Nações Unidas. Acesse: www.unesco.org.br.

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25O IBGE10, responsável por recensear a população

brasileira e divulgar o quantitativo de analfabetos no país, utilizava como metodologia para contar os anal-fabetos apenas as respostas dadas, pelos entrevistados, se sabiam ou não assinar o nome.

Atualmente, o IBGE considera alfabetizada a pessoa de 5 anos ou mais de idade, capaz de ler e escrever pelo menos um bilhete simples no idioma que conhecesse e analfabeta a que aprendeu a ler, mas esqueceu, e aquela que apenas assina o próprio nome (IBGE, 2005). Po-rém, a forma de coletar essa informação é a resposta dada à pergunta: “Você sabe ler e escrever?”, pelos entrevistados. Não podemos ter certeza se aqueles que respondem sim são capazes, realmente, de ler e escrever um bilhete simples.

Nos anos 90, o IBGE passou a divulgar também índices de analfabetismo funcional11, seguindo as recomendações da Unesco, tomando como base não a autoavaliação dos respondentes, mas o número de séries escolares concluídas. Por este critério, são anal-fabetas funcionais as pessoas com menos de quatro séries escolares concluídas.

Estes índices têm sido objeto de muitas pesquisas no meio acadêmico.

Em 2001, foi criado o INAF (Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional)12, uma parceria do Instituto Paulo Montenegro (IBOPE) e Ação Comunitária, medindo diretamente as habilidades da população por meio de testes. O objetivo desse indicador, é gerar

informações que ajudem a dimensionar e compreender o fenômeno do alfabetismo funcional e fomentam o debate público sobre ele e orientam a formulação de políticas educacionais e propostas pedagógicas.

Em todo o mundo, a modernização das sociedades, o desenvolvi-mento tecnológico, a ampliação da participação social e política colocam demandas cada vez maiores com relação às habilidades de leitura e escrita. A questão não é mais apenas saber se as pes-soas conseguem ou não ler e escrever, mas também o que elas são capazes de fazer com essas habilidades. Isso quer dizer que, além da preocupação com o analfabetismo, problema que ainda persiste nos países mais pobres e também no Brasil, emerge a preocupação com o alfabetismo, ou seja, com as capacidades e usos efetivos da leitura e escrita nas diferentes esferas da vida social (RIBEIRO, 2006: 1).

O INAF procura responder, dentre outras, as seguintes questões: quais são as habilidades de leitura e escrita dos brasileiros? Quantos anos de escolaridade e que tipo de ação educacional garantem níveis satisfatórios de alfabetismo? Que outras condições favorecem o de-senvolvimento de tais habilidades ao longo da vida?

Além do conceito de analfabetismo, o INAF distingue três níveis de habilidades na população alfabetizada: o nível rudimentar, o básico e o pleno. Ainda que os três níveis tenham algum grau de funcionalidade, ou seja, correspondam a habilidades que as pessoas podem aplicar em determinados contextos, somente o nível pleno pode ser considerado como satisfatório, aquele que permite que a pessoa possa utilizar com autonomia a leitura e a mate-mática como meios de informação e aprendizagem.

10 Instituto Brasileiro de Geografi a e Estatística é uma fundação pública da administração federal, criado em 1934. Tem atribuições ligadas às geociências e estatísticas sociais, demográfi cas e econômicas, o que inclui realizar censos e organizar as informações obtidas nesses censos, para suprir órgãos das esferas governamentais federal, estadual e municipal, e para outras instituições e o público em geral. Acesse: www.ibge.gov.br.

11 A taxa de analfabetismo é o percentual de analfabetos em determinada faixa etária; no Censo Demográfi co 2000, foi considerada a população de 15 anos e mais, idade a partir da qual espera-se que o ensino fundamental obrigatório tenha sido concluído. Com isso, o índice de analfabetismo funcional no Brasil chegou perto dos 27%.

12 O INAF aplica anualmente testes de habilidades em amostras de 2 mil pessoas, representativas da população entre 15 e 64 anos, além de questionários que apuram a bagagem educacional dos respondentes, seus hábitos e práticas de leitura e escrita em diversos contex-tos de vivência. Em 2001, 2003 e 2005, focalizaram-se as habilidades de leitura e escrita; em 2002 e 2004, foi a vez das habilidades matemáticas, já que esse novo conceito de alfabetismo compreende também a capacidade de processar informações numéricas presentes no dia-a-dia, no comércio, no trabalho ou nas páginas dos jornais. Acesse: www.acaoeducativa.org.br ou www.ipm.org.br.

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Fonte: RIBEIRO, Vera Masagão. Analfabetismo e Alfabetismo funcional no Brasil. Disponível em: www.reescrevendoaeducação.com.br/2006. Acesso em 20/06/2007.

Veja a seguir a descrição de cada nível. Que nível de Alfabetismo você possui?

Nestes cinco anos de pesquisas, alguns resultados do INAF nos fazem refl etir sobre o conceito de alfa-betização:

• A grande maioria da população brasileira (68%) na faixa etária de 15 a 64 anos, que estudou até a 4ª série do Ensino Fundamental, atinge, no máximo, o nível rudimentar.

• Mais grave ainda: 13% deste grupo podem ser considerados analfabetos em termos de habilidades de leitura e escrita e 4% sequer conseguem identifi car números em situações cotidianas.

• Dentre os que cursaram da 5ª a 8ª série, apenas ¼ pode ser considerado plenamente alfabetizado, enquan-to a maioria se enquadra no nível básico de alfabetismo, tanto na leitura quanto nas habilidades matemáticas. Permanecem no nível rudimentar, tanto na leitura quanto na matemática, 24% deste grupo.

• Dos que completaram o Ensino Médio, 56% dos brasileiros apresentam pleno domínio das habilidades de leitura e escrita e 49% atingem um nível pleno de alfabetismo em termos de habilidades matemáticas.

Hoje a concepção de alfabetização da Unesco inclui o desenvolvimento de conhecimentos e competências necessários para o indivíduo inserir-se e movimentar-se com desenvoltura no meio social, entre os quais o domínio de novas linguagens e tecnologias.

Você já deve ter percebido o quão complexo é o conceito de alfabetização e que ele é muito mais do que decodifi car a escrita. Porém, desde os primór-dios, a palavra alfabetização sempre esteve associa-da ao ensino da leitura e da escrita como aquisição de uma técnica.

(...)técnica dos traçados das letras, por um lado, e técnica da correta oralização do texto, por outro. Só depois que dominada a técnica é que surgiam, como num passe de mágica, a leitura expressiva (resultado da compreensão) e a escrita efi caz (resul-tado de uma técnica posta a serviço das intenção do produtor). Acontece que essa passagem mágica da técnica para a arte só foi transposta, naqueles lugares onde a escola mais faz falta, por pouquíssimos escolarizados precisamente pela ausência de uma tradição histórica de ‘cultura letrada’ (FERREIRO, 2002: 13).

Para explicitar que se espera da alfabetização mais do que “decifrar letras”, foram sendo utilizadas as expressões “alfabetização plena”, “alfabetização in-tegral”, “alfabetização total” que apontam para uma prática de alfabetização que perpassa pela aquisição e uso da leitura e escrita nos contextos sociais. Dentro dessa nova concepção, surge o termo letramento13

para designar “um estado, uma condição: o estado ou condição de quem interage com diferentes portadores de leitura e de escrita, com diferentes gêneros e tipos de leitura e de escrita, com as diferentes funções que a leitura e a escrita desempenham na nossa vida. Enfi m: letramento é o estado ou condição de quem se envolve

Leitura Habilidades Matemáticas

Analfabetismo Não domina as habilidades medidas. Não domina as habilidades medidas.

AlfabetismoNível Rudimentar

Localiza uma informação simples em enunciados de uma só frase, um anúncio ou chamada de capa de revis-ta, por exemplo.

Lê e escreve números de uso freqüen-te: preços, horários, números de telefone. Mede um comprimento com fi ta métrica, consulta um calendário.

AlfabetismoNível Básico

Localiza uma informação em textos curtos ou médios (uma carta ou notícia, por exemplo), mesmo que seja necessá-rio realizar inferências simples.

Lê números maiores, compara preços, conta dinheiro e faz troco. Resolve proble-mas envolvendo uma operação.

AlfabetismoNível Pleno

Localiza mais de um item de informa-ção em textos mais longos, compara in-formação contida em diferentes textos, estabelece relações entre as informações (causa/efeito, regra geral/caso, opinião/fato). Reconhece a informação textual mesmo que contradiga o senso comum.

Consegue resolver problemas que envol-vem seqüências de operações, por exemplo, cálculo de proporção ou percentual de des-conto. Interpreta informação oferecida em gráfi cos, tabelas e mapas.

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27

Fonte: QUINO. Toda Mafalda - da primeira à última tira. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

13 Magda Becker Soares resgata o surgimento do termo letramento, que, segundo ela, já apareceu décadas atrás. Em 1986, no livro de Mary Kato, No Mundo da Escrita: uma perspectiva psicolingüística, da editora Ática. Em 1988, Leda Verdiani Tfouni distingue alfa-betização e letramento, no livro Adultos não alfabetizados: o avesso do avesso, da editora Pontes. Em 1995, o termo surge em título de livro, Os signifi cados do letramento: uma nova perspectiva sobre a prática social da escrita, organizado por Ângela Kleiman.

Será que ser analfabeto, em uma sociedade grafocên-trica, condena o sujeito a não ser letrado? Um analfa-beto pode ser letrado? A Mafalda é ou não letrada?

Querendo ou não, vivemos em uma sociedade onde a escrita se faz presente. Se letrado é aquele que vivencia as práticas de leitura e escrita que estão presentes em uma sociedade, podemos dizer que aquele que não domina a tecnologia (alfabetizado) pode ser letrado. A Mafalda não sabe ler nem escrever, não domina a tecnologia da escrita, mas conhece muito bem a função da escrita.

Assim, um adulto pode ser analfabeto, porque marginalizado social e economicamente, mas vive em um meio em que a leitura

e a escrita têm presença forte, se interessa-se em ouvir a leitura de jornais feita por um alfabetizado, se recebe cartas que outros lêem para ele, se dita cartas para que um alfabetizado as escreva (e é signifi cativo que, em geral, dita usando vocabulário e estruturas próprios da língua escrita), se pede a alguém que lhe leia avisos ou indicações afi xados em algum lugar, esse analfabeto é, de certa forma, letrado, porque faz uso da escrita, envolve-se em práticas sociais de leitura e escrita. Da mesma forma, a criança que ainda não se alfabetizou, mas já folheia livros, fi nge lê-los, brinca de escrever, ouve histórias que lhe são lidas, está rodeada de material escrito e percebe seu uso e sua função, essa criança é ainda “analfabeta”, porque não aprendeu a ler e escrever, mas já penetrou no mundo do letramento, já é de certa forma letrada (IBIDEM: 24).

nas numerosas e variadas práticas sociais de leitura e de escrita” (SOARES, 2001: 44).

O termo letramento aparece em oposição ao termo alfabetização. Letrado é compreendido como aquele que aprende a ler e escrever, usa a leitura e a escrita, envolve-se em suas práticas, tornando-se, uma pessoa diferente. Já o alfabetizado é aquele que adquire a tecnologia da escrita, aprende a codifi car em língua escrita e a decodifi car a língua escrita, podendo tornar-se letrado ou não.

Alguns autores, como Emília Ferreiro, dizem ser desnecessário a criação do termo letramento, pois com-preendem que “a alfabetização não é mais entendida como mera transmissão de uma técnica instrumental, realizada numa instituição específi ca (a escola)” (FER-REIRO, 2002: 40). Outros autores, porém, defendem a utilização do termo letramento, como Soares (01) argumentando que:

(...) Entretanto, contraditoriamente, este novo conceito de aprendizagem da leitura, estreitamente relacionado com práticas de leitura, com a formação de um verdadeiro leitor, vem con-vivendo com a persistência do conceito restrito e tradicional de

aprendizagem da leitura como a mera aquisição da tecnologia da escrita, como apenas formação de um decodifi cador da escrita (...) (Soares, 2005: 1).

Observando a prática pedagógica que ocorre em nossas escolas, podemos distinguir nitidamente aque-las que ainda concebem a alfabetização como apenas uma tecnologia daquelas que a compreendem como apropriação (tornar “própria”) da língua escrita.

Assim, teríamos alfabetizar e letrar como duas ações distintas, mas não inseparáveis, ao contrário: o ideal seria alfabetizar le-trando, ou seja: ensinar a ler e escrever no contexto das práticas sociais da leitura e da escrita, de modo que o indivíduo se tornas-se, ao mesmo tempo, alfabetizado e letrado (IDEM: 47).

Letramento pressupõe uma mudança de lugar so-cial, do modo de viver na sociedade, de inserção na cultura. Implica também em tornar-se cognitivamente diferente. “A pessoa passa a ter uma forma de pensar diferente da forma de pensar de um analfabeto ou iletrado” (IBIDEM: 37). Traz também conseqüências lingüísticas, pois o convívio com a língua escrita acar-reta mudança no “uso da língua oral, nas estruturas lingüísticas e no vocabulário”.

Page 28: Alfabetizacao e letramento

28Existem vários níveis de letramento, que vai desde

identifi car um rótulo de uma embalagem até à leitura de um texto científi co, como uma tese de doutorado. Acreditase que o nível de letramento de grupos sociais relaciona-se fundamentalmente com as suas condições sociais, culturais e econômicas.

Soares (2001) destaca a necessidade de condições para o letramento. Mas que condições seriam essas?

1- Escolarização real e efetiva da população – A necessidade de letramento surge quando se amplia o

O QUE É LETRAMENTO?14

Kate M. Chong

Letramento não é um ganchoem que se pendura cada som enunciado,não é treinamento repetitivode uma habilidade,nem um martelo quebrando blocos de gramática.

Letramento é diversão é leitura à luz de vela ou lá fora, à luz do sol.

São notícias sobre o presidente,o tempo, os artistas da TVe mesmo Mônica e Cebolinhanos jornais de domingo.

É uma receita de biscoito, uma lista de compras, recados colados na geladeira, um bilhete de amor, telegramas de parabéns e cartas de velhos amigos.

É viajar para países desconhecidos, sem deixar sua cama,e rir e chorarcom personagens, heróis e grandes amigos.

É um Atlas do mundo, sinais de trânsito, caças ao tesouro, manuais, instruções, guias, e orientações em bulas de remédios, para que você não fi que perdido.

Letramento é, sobretudo,um mapa do coração do homem,um mapa de quem você é,e de tudo que você pode ser.

14 Poema publicado no livro Letramento: um tema em três gêneros, de Magda Soares, editora Autêntica.

acesso à escolarização. Com mais pessoas sabendo ler e escrever, “passando a aspirar a um pouco mais do que simplesmente saber ler e escrever”.

2- Disponibilidade de Material de Leitura – Criar condições para aqueles que aprenderam a ler e escre-ver fi quem imersos em um ambiente de letramento, com acesso aos livros, revistas e jornais, às livrarias e bibliotecas.

Para você compreender melhor o que signifi ca letra-mento, leia a poesia abaixo.

Page 29: Alfabetizacao e letramento

29Ser letrado é estar imerso nas práticas sociais de

leitura e escrita de uma determinada sociedade, em um determinado tempo histórico. Para isso não basta saber decodifi car a escrita.

Diante disso, qual o papel da escola na criação de condições para o letramento?

Como desenvolver uma prática pedagógica que alfabetize letrando? Como fi cam os métodos de alfa-betização na perspectiva do letramento?

Essas são algumas questões que pretendemos abordar ao longo desse material.

Leitura Complementar

Acesse: www.acaoeducativa.org.br/downloades/INAF e veja o relatório com os resultados dos 5 anos do INAF. Nele você terá uma visão mais ampla do nível de letramento da população brasileira.

Leia o livro Letramento – um tema em três gêneros, de Magda Soares, editora Autêncica. É uma leitura agra-dável, em que você poderá aprofundar os seus conhecimentos sobre o conceito de letramento.

2.2 – Os Métodos de Alfabetização

Fonte: QUINO. Toda Mafalda - da primeira à última tira. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

No Brasil, agregado à discussão sobre o que é ser alfa-betizado, sempre tivemos o olhar do professor centrado na efi cácia de processos e métodos de alfabetização. Como alfabetizar? Qual o melhor método? Que cartilha usar? Essas são perguntas que acompanham a prática docente e que refl etem a concepção de aprendizagem que o educador possui.

Até meados dos anos 80 do século passado, havia uma polarização entre processos sintéticos e analíticos, direcionados ao ensino do sistema alfabético e ortográfi co da escrita.

Os processos sintéticos são os mais antigos, tendo mais de 2000 anos. Consideram a língua escrita objeto de conhecimento externo ao aprendiz. Têm como ponto de partida o estudo dos elementos da língua (letra, fonema, sílaba). Pressupõem o estabelecimento da correspondência entre o som e a grafi a.

Nesta concepção, encontramos os métodos de sole-tração, o fônico e o silábico, tendências ainda forte-mente presentes nas atuais propostas didáticas. Tais métodos privilegiam os processos de decodifi cação, as relações entre fonemas (sons ou unidades sonoras) e grafemas (letras ou grupos de letras) e uma progressão

de unidades menores (letra, fonema, sílaba) a unidades mais complexas (palavra, frase, texto).

O ensino parte do simples para o complexo, na visão do professor. Só se avança no processo se todas as difi culdades da fase anterior estiverem consolidadas.

A leitura é considerada como um esquema somatório: pela soma dos elementos mínimos (fonema ou sílaba) o aluno aprende a palavra. Pela soma das palavras, a frase. Pela soma das frases, o texto.

Quando se analisa o sistema alfabético, enquanto sons convertidos em códigos gráfi cos, fi ca claro que existem certas semelhanças perceptivas gráfi cas (a letra d e a letra b, por exemplo) e certas semelhanças sonoras (a letra v e a letra b, por exemplo). Logo um dos critérios de simplicidade – sempre vista pela lógica do adulto – recomendava, na apresentação seqüencial dos elementos da língua, evitar proximidade entre sons e grafi as semelhantes.

Por outro lado, como a questão era evidenciar através do ensino certo paralelismo entre sons e grafi as do alfabeto, parece claro que aqueles elementos que apresentam uma relação biunívoca entre som e grafi a (o som fonema f com a letra f, por exemplo)

Page 30: Alfabetizacao e letramento

30seriam considerados mais simples do que aqueles que apresentam correspondências múltiplas entre letras e sons (os sons da letra s, por exemplo). Daí outro critério estabelecido: na apresentação seqüencial dos elementos da língua escrita, o processo começa pelas correspondências mais simples, ou seja, aquelas que sejam biunívocas, pois algumas relações são mais simples e outras, mais complexas (BARBOSA, 1990:48).

Os processos sintéticos enfatizam a consciência fo-nológica e a aprendizagem do sistema convencional da escrita (importantes ao processo de alfabetização), mas deixam de explorar as complexas relações entre fala e escrita, suas semelhanças e diferenças. A linguagem oral e a linguagem escrita são dois conhecimentos distintos. Com certeza, tudo que pensamos e sentimos pode ser representado pela oralidade e pela escrita, porém com recursos diferentes.

Dão tanta ênfase à decodifi cação que, muitas vezes, resulta em propostas que descontextualizam a escrita, seus usos e funções sociais, enfatizando situações artifi ciais de treinamento de letras, fonemas ou sílabas. É muito comum encontrarmos nas cartilhas desses métodos frases completamente desconexas como: “O boi baba na babá”, “A foca afi a a faca” etc. Com certeza essas frases não são encontradas nos textos que circulam na sociedade e “retratam” situações um tanto quanto inusitadas. Você já viu alguma foca usando faca? E afi ando a faca?

Em contraposição aos processos sintéticos, temos os processos analíticos, que valorizam a análise e a compreensão de sentidos, propondo uma progressão diferenciada: de unidades mais amplas (palavra, frase, texto) a unidades menores (sílabas ou sua de-composição em grafemas e fonemas). São exemplos dessa abordagem os métodos de palavração (palavra decomposta em sílabas), de sentenciação (sentenças decompostas em palavras) e o global de contos (textos considerados como pontos de partida, até o trabalho em torno de unidades menores).

Foi Nicolas Adam, que, em 1787, propôs que a aprendizagem da língua escrita deveria partir de pa-lavras com signifi cado para as crianças. Ele compara o aprendizado da escrita com o aprendizado da fala, alegando que não falamos primeiro os sons das letras, para depois aprendermos as sílabas, as palavras, as frases, para fi nalmente mantermos um diálogo.

Segundo esta abordagem, o prévio é o reco-nhecimento global de palavras ou orações; a análise dos componentes é uma tarefa posterior.

Não importa a dificuldade auditiva daquilo que se aprende, já que a leitura é uma tarefa predo-minantemente visual.

(...) Já encontramos aí os fundamentos da formulação ideovisual: ler é mais importante que decifrar; o sentido do texto tem mais importância que o som do texto; a aprendizagem parte de pala-vras com signifi cado afetivo e efetivo para as crianças. Segundo Adam, a análise da palavra deveria ocorrer numa etapa bem pos-terior ao domínio do capital de palavras aprendidas globalmente. Pouco tempo depois, Jacotot, outro precursor do método global, recomenda que esta análise das palavras se inicie precocemente, o mais rápido possível (BARBOSA, op. cit.: 50).

Essa concepção ainda persiste nas práticas docentes atuais. Os métodos analíticos contemplam algumas das capacidades essenciais ao processo de alfabetiza-ção – sobretudo o estímulo à leitura de unidades com sentido, pelo reconhecimento global das mesmas. Entretanto, quando incorporados de forma parcial e absoluta, acabam enfatizando construções artifi ciais e repetitivas de palavras, frases e textos, muitas vezes apenas a serviço da repetição e da memorização, com objetivo de manter controle mais rígido da seqüência do processo e das formas de interação gradual da criança com a escrita. Neste aspecto, podemos afi rmar que os métodos sintéticos e os analíticos se aproximam por entenderem que o processo de aprendizagem está baseado na memorização.

Nas últimas décadas a discussão sobre a efi cácia de processos e métodos de alfabetização, que passaram a ser identifi cados como propostas “tradicionais”, fi cou secundária. O foco central passou a ser a discussão sobre a psicogênese da aquisição da escrita, uma abordagem de grande mudança conceitual no campo da alfabetização, que foi sistematizada por Emília Ferreiro e Ana Teberosky (1985) e por vários outros teóricos e pesquisadores. A ênfase deixa de ser o método de ensino e passa a ser a o processo de aprendizagem da criança que se alfabetiza e suas concepções progressi-vas sobre a escrita, que é entendida como um sistema de representação e não como um código.

Essa nova abordagem entende também que a aprendi-zagem é de natureza conceitual e não mecânica, e que a escrita é um objeto sociocultural do conhecimento.

Barbosa (1990) apresenta um quadro-resumo fa-zendo um contraponto das principais características dos dois grandes eixos de abordagem da leitura e da alfabetização:

Page 31: Alfabetizacao e letramento

31ABORDAGEM TRADICIONAL NOVA ABORDAGEM

ORIGEM

- Ensino coletivo e simultâneo (década de 1880, na Europa).

- Nos anos 70, a partir das pes-quisas desenvolvidas pela Psico-lingüística sobre o comportamen-to do leitor no ato da leitura.

MÉTODOS

- Sintéticos: alfabético silábico fônico- Analíticos: palavração sentenciação conto- Analítico-sintético.

- Pedagogia de Projeto (situa-ções funcionais de leitura).

CONCEPÇÃODE ESCRITA

- A língua como:1º) objeto de análise2º) objeto de uso- Sistema simbólico de segunda

ordem, subordinado à fala.- Sem autonomia quanto ao sig-

nifi cado.- Saber escolar.

- A língua como:1º) objeto de uso2º) objeto de análise- Sistema de linguagem, paralelo

e equivalente à linguagem oral- Portadora direta do sentido (au-

tonomia em relação à fala).- Saber social.

CONCEPÇÃO DEAPRENDIZAGEM

- Objetivo: alfabetizar (dizer o sistema alfabético).

- Baseada no processo de en-sino (o método).

- Uso escolar da escrita.- Desprezo pelas aquisições

extra-escolares.- Uniforme, cumulativa, pon-

tual (progressão hierarquizada passo a passo, do simples para o complexo).

- Utiliza a fala como referen-cial (estigmatizando as varian-tes de registro).

- Privilegio absoluto do meca-nismo de transcodifi cação.

- O professor ensina: o aluno aprende (repete): E/R.

- Para ler é preciso analisar a escrita.

- Aprender para fazer.- Sentido privilegiado: a audi-

ção (leitura auditiva).- Pressupõe a homogeneidade

do saber das crianças.- Crença na possibilidade de

ensino de estratégias ao leitor.- Conquista individual e com-

petitiva do saber.- Simulação de situações de

leitura.

- Objetivo: inscrição da criança no circuito da comunicação escrita.

- Baseada no processo de aprendi-zagem (a construção de um saber ou prática).

- Promove situações reais de leitu-ra/escrita.

- Intervenção numa etapa de um processo já iniciado fora da escola.

- Intervenções diversifi cadas e he-terogêneas.

- Utiliza o processo de aprendiza-gem da fala como referencial.

- Informação geral / informação específi ca.

- Mudança na escola: o lugar pri-vilegiado para a criação de situações de leitura/escrita.

- Mergulho na escrita social: é len-do que se aprende a ler.

- Fazer para aprender.- Sentido privilegiado: a visão (lei-

tura visual).- Confronto de estratégias e difi cul-

dades do grupo- Baseada em estratégias desen-

volvidas pelo leitor, sustentada por intervenções precisas.

- Troca de informações no grupo; socialização do saber.

- Familiaridade com a multiplici-dade de situações sociais de leitura.

Page 32: Alfabetizacao e letramento

32

CONCEPÇÃO DE ESCOLA

- Detentora do monopólio da escrita.

- Único lugar onde ocorre a aprendizagem da leitura (basea-da numa concepção escolar dessa aprendizagem).

- Promotora da “escrita escolar”.

- Não detentora do monopólio da escrita.

- Espaço privilegiado(entre ou-tros) onde a criança, através de um conjunto de intervenções, de-senvolve sua condição de leitor.

- Promotora do uso social da escrita.

PRÉ-REQUISITOS - Maturidade para leitura/escrita. - Experiências prévias do leitor no mundo social da escrita.

ETAPAS DE ENSINO - Pré-alfabetização (pré-escola).- Alfabetização.- Pós Alfabetização.

- Construção individual (equi-líbrio, contradição, novo equi-líbrio) da compreensão escrita como comunicação social, inter-pessoal, no coletivo e no social.

MATERIAL DE LEITURA - Cartilha.- Quadro de giz.- Silabário/jogos carimbos.- Literatura infantil.

- Utilização da diversidade e abundância da escrita no mundo.

- Biblioteca/Centro de docu-mentação.

PAPEL DO PROFESSOR - É aquele que ensina e trans-mite seu saber.

- Ensina uma técnica pré-pro-gramada.

- Informa, demonstra, corrige.

- É aquele que intervém numa determinada etapa do processo.

- Cria situações favoráveis ao desenvolvimento de estratégias pelo leitor aprendiz.

- Propõe, organiza, promove, informa, seleciona, questiona, participa, sistematiza técnicas de acesso e apreciação da escrita.

ESTRATÉGIAS DE LEITURA - Correspondência som/grafi a: transformação de uma cadeia de si-nais sonoros que permite (ou não!) extrair um signifi cado do texto.

- Familiaridade visual com pa-lavras e frases.

- Exploração direta da escrita, portadora de sentido sem media-ção oral.

- Mobilização do saber e expe-riência do leitor, anterior e exte-rior à escrita.

- Intencionalidade do leitor: o questionamento do texto.

- Estratégias adaptadas a escri-tos específi cos: fl exibilidade.

- Hipótese, antecipação, verifi -cação, identifi cação.

- Dicionário.- Contexto.- Perguntar a terceiros.- Saltar palavras.

Page 33: Alfabetizacao e letramento

33FUNÇÃO DA DECIFRAÇÃO - Causa da aprendizagem da leitura (da decifração à leitura).

- Conseqüência da aprendizagem da leitura.

- Aquisição subjacente à leitura.- É o “plus” da leitura (cf. Smith).

CARACTERÍSTICAS DALEITURA

- Baseada na decifração.- Leitura silabada, lenta, hesitante.- Estacionada no tempo.- Sentido extraído do texto ora-

lizado.- Difi culdade quanto ao signifi -

cado.- Tendência à vocalização e sub-

vocalização.- Tendência à regressão no texto.- Monovalente e integral.

- Baseada no sentido.- Leitura fl uente, fl exível, segura.- Adaptada às necessidades das

sociedades modernas.- Sentido atribuído ao texto es-

crito.- Fonte de informação, orienta-

ção, prazer.- Leitura silenciosa.- Uso de múltiplas estratégias.- Polivalente/seletiva.

CARACTERÍSTICA DO LEITOR - Aquele que adquire o hábito de sonorizar a escrita: um leitor de letras.

- Aquele que, diante das ques-tões que o mundo lhe propõe, sabe que pode encontrar respos-tas relevantes na escrita e domina estratégias diversifi cadas de ex-ploração do texto.

ATIVIDADE DE ESCRITA - Escrita de um modelo: cópia, ditado, redação, leitura oral.

- Escrita de sons (problemas ortográfi cos: a palavra é escrita como se pronuncia).

- Simulação de situações de es-crita (redação escolar).

- Escrita do sentido, no contexto.- Ortografi a: reprodução de for-

mas visuais (escrita, língua para os olhos).

- Apoiada nas necessidades de expressão pessoal.

AVALIAÇÃO - Do produto: mede a capaci-dade do aprendiz de reproduzir o que foi ensinado

- Leitura oral: controle da com-binatória

- Do processo: ponto de referên-cia para reorganizar a interven-ção do ensino (a leitura em voz alta corresponde a uma situação particular de leitura)

Fonte: BARBOSA, J. J. Alfabetização e Leitura. [s.l.]: Cortez, 1990.

Page 34: Alfabetizacao e letramento

34Como você pôde perceber, há diferenças signifi ca-

tivas nas duas abordagens, nelas estão presentes as “crenças” de como se aprende e se ensina, implicando em ações pedagógicas bem distintas.

Das abordagens apresentadas por Barbosa (1990), qual delas se aproxima do conceito de letramento?

Leitura Complementar

Acesse: www.fae.ufmg.br/ceale e leia alguns textos que abordam os métodos de alfabetização.

Leia o livro Alfabetização e Leitura, de José Juvêncio Barbosa, da editora Cortez. O autor apresenta a história dos métodos de alfabetização, no capítulo 4, de forma clara e profunda.

2.3 – As Contribuições de Emília Ferreiro: a Psicogênese da Língua Escrita

(...) Tudo o que foi colocado muda radicalmente se tomarmos como objetivo escolar a aquisição da língua escrita, se reconhecermos que não há proeminência da leitura sobre a escrita – enquanto atividades que permitem conhecer esse modo particular de represen-tação da linguagem – e reconhecermos também (como mostram abundantemente os dados de investigações recentes em diversos países da América Latina) que as crianças não chegam ignorantes à escola, que têm conhecimentos específi cos sobre a língua escrita, ainda que não compreendam a natureza do código alfabético e que são esses conhecimentos (e não as decisões escolares) que determinam o ponto de partida da aprendizagem escolar.

Emília Ferreiro

Não poderíamos falar de alfabetização sem abordar as contribuições de Emília Ferreiro15. Nas últimas três dé-cadas, as suas pesquisas16 têm norteado a discussão sobre o tema. Não pretendemos aqui discorrer sobre todo o seu trabalho, mas destacar alguns aspectos dos seus estudos e pesquisas, que contribuem para se pensar a alfabetização.

Emília Ferreiro não criou um método de alfabeti-zação. Ela buscou explicar como se dá a psicogênese da língua escrita, ou seja, procurou observar como a criança constrói, se apodera, da linguagem escrita.

O seu trabalho demonstra, de forma categórica, que a escrita não é um código, mas sim um sistema de representação que é apropriado pelo sujeito por meio do contato que ele tem com a língua escrita, mediado por outros sujeitos. Daí a sua afi rmação de que só se aprende escrever escrevendo.

“Ler não é decifrar, escrever não é copiar”.Emília Ferreiro

Ela tentou conhecer a maneira como as crianças concebem o processo de escrita, o que pensam e quais hipóteses organizam sobre a leitura e a escrita. Perce-beu que as crianças pequenas, por exemplo, acreditam que tanto se pode ler um desenho como uma palavra, porque ainda não conseguem distinguir os tipos de representação (desenho e palavra) do objeto.

15 Psicóloga e pesquisadora argentina, radicada no México, fez doutorado na Universidade de Genebra, no fi nal dos anos 60, sob a orientação de Jean Piaget. Nasceu em 1937, reside atualmente no México, onde trabalha no Departamento de Investigações Educativas (DIE) do Centro de Investigações e Estudos avançados do Instituto Politécnico Nacional do México.

Fez seu doutorado dentro da linha de pesquisa inaugurada por Hermine Sinclair, que Piaget chamou de psicolingüística genética. Voltou em 1971 à Universidade de Buenos Aires, onde constituiu um grupo de pesquisa sobre alfabetização do qual faziam parte Ana Teberosky, Alicia Lenzi, Suzana Fernandez, Ana Maria Kaufman e Líliana Tolchinsk.

16 A sua pesquisa sobre psicogênese da língua escrita foi realizada com crianças de 4 a 6 anos, no México e na Argentina (castelhano). No seu grupo de pesquisados incluíam crianças das diferentes classes sociais. Aqui no Brasil, na década de 80, as pesquisadoras Telma Weisz (São Paulo), Terezinha Nunes Carraher e Lúcia Browne Rego (Recife) e Esther Pillar Grossi (Porto Alegre) repetiram as inves-tigações de Emília Ferreiro e constataram que, em português, os processos de conceitualização da escrita seguem uma linha evolutiva similar ao castelhano.

Page 35: Alfabetizacao e letramento

35Identifi cou também que em outra fase as crianças já

“distinguem” o que pode ser palavra, logo pode ser lido, daquilo que não é palavra. Ao pedir que tentassem ler “palavras” como as abaixo, as crianças afi rmavam que não podiam ler a primeira e a segunda, pois só ti-nham letras iguais. Já a terceira podia ser lida pois tinha letras diferentes, mesmo sem ter algum signifi cado na língua materna. Isso demonstra que elas possuíam a hipótese de que para ser lido (palavra) há necessidade de se ter letras diferentes.

Emília afi rmou que existe “um processo de aquisição da linguagem escrita que precede e excede os limites escolares”. A escola é apenas um dos espaços de apren-dizagem da linguagem escrita e não o único. Todos os contatos/experiências vividos pela criança fazem parte da elaboração da sua construção. Daí a importância das experiências vivenciadas pelas crianças dentro e fora da escola.

Esses conhecimentos, apresentados por Emília Ferreiro, possibilitaram deixar de pensar, apenas, em como se ensina (professor), para focar o processo de aprendizagem (aluno).

Jean Piaget obrigou-nos a abandonar a idéia de que nosso modo de pensar é o único legítimo e obrigou-nos a adotar o ponto de vista do sujeito em desenvolvimento. Isto é fácil de dizer, mas muito difícil de aplicar coerente e sistematicamente (FERREIRO, 1987: 68).

Ao olhar o processo de aprendizagem, do ponto de vista do sujeito que aprende (aluno), o que era considerado erro passa a ser visto como sinalizador de como o sujeito está pensando, construindo o seu conhecimento.

O erro passa a ser construtivo, pois ele refl ete a cons-trução de conhecimento do aprendiz e aponta para o professor a necessidade de intervenções pedagógicas adequadas.

Vejamos a escrita17 abaixo, que é de uma menina com 5 anos de idade.

Se olhássemos apenas a sua escrita (PSIO) diríamos que ela não sabe escrever, que essas quatro letras não formam a palavra passarinho e que “comeu letras”. Porém, se analisarmos o seu texto, veremos que ela possui uma hipótese sobre a linguagem escrita. Pensa que apenas uma letra é capaz de representar o som da sílaba. Observe que ela não escreve letras aleatórias, ela escreve uma letra para cada sílaba da palavra, estabelecendo uma relação sonora. Veja:

Segundo Ferreiro (1987), é necessário estabelecer a diferença entre a construção de um objeto de conhe-cimento (linguagem escrita) e a maneira pela qual fragmentos de informação fornecidos ao sujeito são incorporados ou não como conhecimento, pois apesar de estarem relacionados, são processos distintos e essa compreensão implicará em uma prática pedagógica diferenciada.

Para ela, as crianças que vivem em ambientes urba-nos, desde o seu nascimento, estão expostas a materiais escritos e a ações sociais de escrita, obtendo diversas informações acerca de alguns tipos de relações entre ações e objetos. Pode saber, por exemplo, que usamos letras para escrever, o que é e para que serve uma carta, sem saber “escrever” e, muito menos, que tipo de texto é uma carta.

Com certeza, os conhecimentos prévios adquiridos no ambiente social ajudarão muito no processo de cons-trução da linguagem escrita, mas não serão sufi cientes para a construção do objeto (linguagem escrita).

17 Todos os textos apresentados neste capítulo foram produzidos em 2007, por crianças de 5 e 6 anos, que estudam em um colégio privado, na zona oeste da cidade do Rio de Janeiro. O colégio não utiliza cartilha e tem como proposta metodológica a escrita espontânea dos alunos como defl agradora de atividades pedagógicas.

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36A construção do objeto de conhecimento implica muito mais que mera coleção de informações. Implica a construção de um esquema conceitual que permita interpretar dados prévios e novos dados (isto é, que possa receber informações e transformá-la em conhecimento); um esquema conceitual que permita processos de inferência acerca de propriedades não-observadas de um de-terminado objeto e a construção de novos observáveis, na base do que se antecipou e do que foi verifi cado (IDEM: 66).

Como já dissemos anteriormente, a pesquisa de Emí-lia Ferreiro foi infl uenciada por Piaget, seu orientador, que afi rmava que as respostas do sujeito são apenas a manifestação externa de mecanismos internos de organização e que as respostas só podem ser classifi -cadas de “corretas” ou “incorretas”, quando tomamos o ponto de vista do observador (na maioria das vezes, o professor) como sendo o único legítimo.

(...) Até há poucos anos as primeiras tentativas de escrever feitas pelas crianças eram consideradas meras garatujas, como

Veja o texto abaixo, escrito por uma menina de 6 (seis) anos, em junho18. O que você acha deste texto? O que essa menina já sabe sobre a língua escrita?

se a escrita devesse começar diretamente com letras convencio-nais bem traçadas. Tudo o que ocorria antes era simplesmente considerado como tentativas de escrever e não como escrita (...). Não se supunha que a execução de tais garatujas ocorresse simultaneamente com algum tipo de atividade cognitiva (...). Mais ainda: quando as crianças começavam traçar letras con-vencionais, porém numa ordem não-convencional, o resultado era considerado uma “má” reprodução de alguma escrita que por certo, teriam observado nalgum outro lugar (IBIDEM: 68/69).

Podemos afi rmar que aqui no Brasil, antes do trabalho de Emília Ferreiro, a escola “não autorizava” a escrita espontânea. As crianças só escreviam aquilo que havia sido “ensinado” pelo professor. Só era aceita a escrita que estava próxima à convencional (ortográfica). Aqueles que “escreviam diferente” eram considerados problemáticos e encaminhados aos especialistas (fono-audiólogos, psicólogos ou psicopedagogos).

Com certeza esse texto é bem diferente dos que encontramos nas cartilhas. Ele está bem próximo dos textos que estão presentes na sociedade (texto narrati-vo), nos livros de literatura.

Vejamos o que esta menina já sabe e pensa sobre a língua escrita:

• Sabe que para escrever usamos letras e não rabiscos, números etc.

• Sabe que a palavra é um conjunto de letras que representa uma idéia e que por isso, não basta colocar qualquer letra.

• Sabe que há uma relação sonora na escrita.• Sabe que há padrões na escrita, ou seja, palavras

iguais serão sempre grafadas iguais.• Pensa que a escrita é uma transcrição da fala. Por

isso, escreve algumas palavras do mesmo jeito que oraliza, inclusive juntando-as e/ou segmentando-as.

• Sabe contar uma história (início, meio e fi m).• Sabe as características específi cas de um texto nar-

rativo, como conto de fadas (fi nal feliz) e as utiliza de forma adequada (“viveram felizes para sempre”).

18 “A sereia viu um marinheiro no mar. O marinheiro viu a sereia. Ele se casou com a sereia lá no fundo do mar, porque o marinheiro no mar ele virou sereio. Ele pôde se casar com a sereia e viveram felizes para sempre”.

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37Você percebeu que um olhar cuidadoso, investigati-

vo pode revelar o que o aluno já sabe e como pensa? Percebeu que como “saber olhar” muda a qualifi cação do “erro”?

Esta menina ainda precisa construir alguns conceitos ortográfi cos, mas com certeza já compreendeu que a escrita é um sistema de representações.

O texto acima demonstra que as crianças pensam sobre a escrita e que esta não é aprendida por meio de cópias ou exercícios mecânicos. É um trabalho de refl exão, o aprendiz precisa compreender seu processo de construção e suas normas de produção.

Para Emília Ferreiro, as crianças reinventam a escrita e seu aprendizado é um processo de construção pessoal, que de certa forma, recria o processo de construção da escrita vivenciado pela humanidade: “a ontogênese repete a fi logênese”.

Os resultados das pesquisas de Emília Ferreiro permitem que, conhecendo a maneira como a criança concebe o processo de escrita, as teorias pedagógicas e metodológicas apontem caminhos a fi m de que os erros mais freqüentes no processo de alfabetização possam ser evitados, desmistifi cando certos mitos vigentes em nossas escolas. Por isso, afi rmamos que construtivismo é uma fundamentação metodológica e não um método em si, pois não pretende apontar o passo a passo para a alfabetização, mas sim princípios que devem nortear a prática pedagógica.

Para Emília Ferreiro e Ana Teberosky19, a grande maioria das crianças, na faixa dos seis anos, já faz corretamente a distinção entre texto e desenho, saben-do que o que se pode ler é aquilo que contém letras. Algumas crianças ainda persistem na hipótese de que tanto se podem ler as letras quanto os desenhos. As pesquisadoras acreditam que isso é conseqüência do

pouco contato que a criança possui com o material escrito. Sendo assim, uma boa prática pedagógica deve garantir o acesso das crianças aos textos escritos que estão presentes na sociedade.

Ao observar o processo de construção da escrita de inúmeras crianças, Emília Ferreiro constatou que este processo atravessa alguns níveis, que representam as hipóteses que as crianças elaboram sobre a escrita.

Isso não signifi ca que a criança que pensa que uma letra é sufi ciente para grafar uma sílaba, por exemplo, escreverá todas as palavras desta forma até criar uma nova hipótese. O que observamos nos seus textos é o predomínio de alguma hipótese, porém, poderemos ter até palavras grafadas ortografi camente corretas, pois a familiaridade com elas a fez decorá-las e não “questioná-las”.

Podemos perceber também que as crianças, em um determinado momento, possuem diferentes hipóteses sobre a escrita e vão testando-as. É muito comum encontrarmos em um mesmo texto, a mesma palavra grafada de formas diferentes.

Outra situação muito comum é uma criança escrever uma palavra ortografi camente correta em um texto e dias depois escrever a mesma palavra de forma dife-rente. Às vezes, ela muda a grafi a do seu próprio nome (Márcia/Marssia/Marsia), pois começa a refl etir sobre as informações recebidas sobre as possíveis formas de grafar o mesmo som.

Por mais que pareça que há uma “regressão” na aprendizagem da escrita, esses “erros” demonstram que a criança está pensando, raciocinando sobre a língua e ainda não estabilizou a sua hipótese, ou seja, ela ainda não construiu o conceito necessário para dominar de-terminada característica do sistema de representação que é a escrita.

19 Pesquisadora reconhecida internacionalmente, é doutora em Psicologia e docente do Departamento de Psicologia Evolutiva e da Educação da Universidade de Barcelona. Atua também no Instituto Municipal de Educação de Barcelona desenvolvendo trabalhos em escolas públicas. Parceira de Emília Ferreiro em suas pesquisas, é co-autora do livro Psicogênese da Língua Escrita, publicado no Brasil, em 1984, pela editora Artes Médicas.

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38Veja o texto abaixo20, produzido por um menino de 6 anos, para a reescritura da fábula de Esopo. Observe

como ele escreve os verbos no passado e como ele utiliza o “L” e o “U” no fi nal das palavras.

Percebemos que ele sabe fazer a fl exão dos verbos para o passado e que percebe também o som das letras “L” e “U” no fi nal das palavras, que é muito parecido, porém, ele ainda não tem certeza em que situação deve usá-las (questão meramente ortográfi ca), por isso grafa sel (seu), largol (largou) e penssou (pensou). Toda a sua grafi a não é aleatória, representa os seus conheci-mentos e refl exões sobre a linguagem escrita.

Os Diferentes Níveis do Processo de Construção da Escrita

Passaremos a descrever, de forma sucinta, os ní-veis identifi cados por Emília Ferreiro no processo de construção da escrita. Lembramos que estas fases são divisões meramente didáticas, para que possamos compreender melhor este processo. Se-gundo a autora, não há um tempo específi co para as crianças passarem por determinado nível e nem para permanecerem nele. Sendo a escrita uma construção individual, cada sujeito vivenciará este processo de forma particular, dependendo das experiências vivenciadas e das mediações/intervenções ocorridas (por adultos ou crianças).

Nível Pré-silábico

Neste nível, a criança começa a diferenciar desenho e escrita. Suas tentativas dão-se no sentido da reprodução dos traços básicos da escrita com que elas se deparam no cotidiano. O que vale é a intenção, pois, embora o traçado seja semelhante, cada um “lê” em seus rabiscos aquilo que quis escrever. Desta maneira, cada um só pode interpretar a sua própria escrita, e não a dos outros.

A criança elabora a hipótese de que a escrita dos nomes é proporcional ao tamanho do objeto ou a que está se referindo. Nesta lógica, a palavra “elefante” deve ser muito maior (ter mais letras) que a “formiga”. Não há uma relação sonora.

A hipótese central é de que para ler coisas diferentes é preciso usar formas diferentes. A criança procura combinar de várias maneiras as poucas formas de letras que é capaz de reproduzir.

Neste nível, ao tentar escrever, a criança respeita duas exigências básicas: a quantidade de letras (nunca inferior a três) e a variedade entre elas (não podem ser repetidas). É muito comum, nesta fase, a criança uti-

20 “O Cão e a carne/ Um cão caminhava perto de um riu com um pedasso de carne. Ele vil sel próprio refl equisso na água e penssou que avia um novo pedasso de carne. Na água e largol sel pedasso de carne antigo para pegar o outro./Moral: É melhor fi car com o já tem”. (grifo nosso)

Page 39: Alfabetizacao e letramento

39lizar as letras do seu nome ou de palavras que lhe são familiares (rótulos e nome de colegas, por exemplo).

Veja os textos abaixo:

Menina, 5 anos

1- leopardo2- lobo

3- raposa4- borboleta

5- cavalo6- pato

A raposa vive na toca.

Menino, 5 anos

1- leopardo2- lobo

3- raposa4- borboleta

5- cavalo6- pato

O lobo corre na fl oresta.

Você observou que ambas já utilizam letras, porém sem nenhuma relação sonora? Que não há nenhuma escrita em que tenha só uma letra? Ou só com um tipo de letra?

Observou que o menino utiliza cinco letras para es-crever lobo e quatro para escrever borboleta?

Nível Silábico

Aqui as crianças compreendem que a diferença na representação escrita está relacionada com a sono-rização das palavras. São feitas tentativas de dar um valor sonoro a cada uma das letras que compõem a palavra. Este nível pode ser subdividido em silábico e silábico-alfabético.

No nível silábico, cada grafi a traçada corresponde a uma sílaba pronunciada, podendo ser usadas letras ou outro tipo de grafi a, sem estabelecer necessariamente uma relação sonora. Há, neste momento, um confl ito entre a hipótese silábica e a quantidade mínima de letras exigida para que a escrita possa ser lida. As crianças nesta fase precisam usar duas formas gráfi cas para escrever palavras com duas sílabas, o que vai de encontro às suas idéias iniciais de que são necessários, pelo menos, três letras. Este confl ito a faz caminhar para outra fase.

Observe o texto abaixo, veja como a criança oscila nas suas hipóteses. Em algumas sílabas estabelece a relação sonora, em outras não. Grafa algumas palavras ortografi camente corretas, porém esses conhecimentos não ajudam na escrita de outras palavras (escreve lobo e cvol/cavalo). Porém, ela, na maioria das palavras, garante uma letra para cada sílaba.

Menino, 5 anos

O leopardo vive na montanha.

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40No nível silábico-alfabético ocorre a transição da

hipótese silábica para a alfabética. O confl ito que se estabeleceu – entre uma exigência interna da própria criança (o número mínimo de letras) e a realidade das formas que o meio lhe oferece, faz com que ela procure soluções. Ela começa a perceber que escrever é representar progressivamente as partes sonoras das palavras, ainda que não o faça corretamente. Escolhe as letras que utilizará para estabelecer a relação sonora de forma ortográfi ca ou fonética.

Observe o texto abaixo. Veja como o menino usa uma vogal para cada sílaba, mantendo a relação sonora. Observe como escreve lobo e pato.

Menino, 5 anos

1- leopardo2- lobo

3- raposa4- borboleta

5- cavalo6- pato

A raposa “ vivi” na toca.

Veja que no texto abaixo a menina já acrescenta outras letras para representar a sonoridade da palavra. Não são letras aleatórias, são grafemas que correspondem aos fonemas, porém, às vezes, usa mais de uma letra para representar o som. Algumas sílabas já aparecem.

Menina, 5 anos

1- leopardo2- lobo

3- raposa4- borboleta

5- cavalo6- pato

O pato nada lagoa.

Nível Alfabético

É atingido o estágio da escrita alfabética pela com-preensão de que cada um dos caracteres da escrita (letras) correspondem a valores menores que a sílaba, e que uma palavra, se tiver duas sílabas, exige, por-tanto, dois movimentos para ser pronunciada, logo, necessitará mais do que duas letras para ser escrita. A criança começa a compreender que, a partir do alfa-beto, pode formar a representação de inúmeras sílabas (elementos sonoros), mesmo aquelas sobre as quais não se tenham exercitado, podendo escrever qualquer palavra da língua.

A criança começa a entender que a escrita supõe a necessidade da análise fonética das palavras e que a identifi cação do som não é garantia da identifi cação da letra, o que pode gerar as famosas difi culdades ortográfi cas.

Observe os textos abaixo. Observe a grafi a das pala-vras vive e selva. As difi culdades apresentadas não são mais de natureza sonora e sim de natureza ortográfi ca, visto que a ortografi a21 é uma convenção cultural.

Menina, 5 anos

21 Discutiremos essa questão na próxima unidade.

Page 41: Alfabetizacao e letramento

41Menino, 5 anos

Conhecer as hipóteses que as crianças constroem para a escrita e, conseqüentemente, o nível em que se encontram, não pode ser mais uma forma de rotular as crianças (Pré-silábica, Silábica ou Alfabética) e nem de organização de grupos/turmas homogêneas. Esse conhecimento (diferente níveis) só será útil para que o professor conhecendo o processo de construção do seu aluno, possa planejar atividades que contribuam para o seu avanço. Cabe ao professor propiciar opor-tunidade para que as crianças possam desestabilizar as suas hipóteses.

A criança tem a sua frente um longo caminho até chegar à leitura e à escrita da maneira que nós, adultos, a concebemos, percebendo que cada som corresponde uma determinada forma; que há grupos de letras se-paradas por espaços em branco, grupos estes que cor-respondem a cada uma das palavras escritas; que uma letra pode ser uma palavra. São muitos conhecimentos necessários para se aprender a ler e escrever.

Diante de tudo que foi apresentado aqui, fi ca claro porque as pesquisas de Emília Ferreiro revoluciona-ram a discussão sobre alfabetização, seus métodos e as cartilhas.

Muitos autores criticam o trabalho de Ferreiro ale-gando que, de certa forma, as suas pesquisas ignoraram os aspectos culturais no processo de aquisição da escri-ta e que o construtivismo não foi capaz de dar conta das crianças que fracassam na escola. Cabe ressaltar que o trabalho da pesquisadora argentina não tem a intenção de dar indicações de como produzir ensino. Isso cabe aos professores que devem organizar atividades que

favoreçam a refl exão da criança sobre a escrita, porque é pensando que ela aprende.

Não podemos esquecer que a teoria construtivista foi entendida de forma equivocada aqui no Brasil, na década de 80. Talvez por traduções de livros não muito boas, por leituras fragmentadas ou por falta de maior refl exão sobre o fazer pedagógico; muitos educadores acreditavam que bastava apresentar diversos textos para as crianças e deixá-los expostos na sala, que elas iriam compreender, por si só, como a linguagem escrita se estrutura. Sem intervenção pedagógica não há aprendizagem na escola.

Outros autores apresentam diferentes formas de en-tender o processo de aquisição da escrita pelas crianças. Smolka22 (1989: 45-63), por exemplo, diz que podemos entendê-lo sob diferentes pontos de vista: o ponto de vista mais comum onde a escrita é imutável e deve se seguir o modelo “correto” do adulto; o ponto de vista do trabalho de Emília Ferreiro onde escrita é um ob-jeto de conhecimento, levando em conta as tentativas individuais infantis; e o ponto de vista da interação, o aspecto social da escrita, onde a alfabetização é um processo discursivo. Para ela,

não se “ensina” ou não se “aprende” simplesmente a ler e escrever. Aprende-se uma forma de linguagem, uma forma de interação, uma atividade, um trabalho simbólico (...). O diálogo que se estabelece em torno de um desenho, de uma história lida pela professora ou de um evento qualquer no cotidiano das crianças é fundamental no processo de elaboração, de produção compartilhada de conhecimento. A criança aprende a ouvir, entender o outro através da leitura; aprende a falar e a dizer o que quer pela escrita. (SMOLKA, 1989: 45-63).

Mais recentemente, o trabalho de Emília Ferreiro tem sido estudar o impacto das novas tecnologias, compu-tador, por exemplo, nas formas de ler e escrever. Sua contribuição tem sido no sentido de nos mostrar como os conceitos de leitura e escrita foram modifi cados ao longo da história da humanidade, sofrendo grandes mudanças com a chegada da imprensa e dos micro-computadores. Ler no século XXI é bem diferente de ler no início do século XX, e muito mais diferente do que ler no século XVIII.

As mudanças envolvem desde a forma de leitura ao material lido até aos objetivos. Será que as nossas avós poderiam imaginar que utilizaríamos a leitura para fazermos um curso a distância? Sem dúvida, basta a multiplicidade de objetivos da leitura e da escrita para termos certeza que seu conceito mudou.

22 Pesquisadora e professora do Departamento de Psicologia Educacional da Faculdade de Educação da UNICAMP.

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42Exercícios de Fixação

1 - Assista ao fi lme Central do Brasil (1998), de Walter Salles, com Fernanda Montenegro, Vinícius de Oli-veira, Marília Pêra, Othon Bastos, Matheus Nachtergaele, Soia Lira, Otávio Augusto, Caio Junqueira e Stella Freitas.

O fi lme retrata a vida de Dora e Josué. Ela, uma professora aposentada que ganha a vida escrevendo cartas para analfabetos, na maior estação de trens do Rio de Janeiro (Central do Brasil). Ele, um garoto pobre, que com oito anos de idade perde sua mãe no Rio de Janeiro e sonha com uma viagem ao Nordeste para conhecer o pai. Identifi que na relação de Dora com os seus “clientes” o nível de letramento deles. Releia o capítulo sobre letramento. Tente escrever com as suas palavras o conceito de letramento.

2 – Você já deve ter iniciado o seu estágio. Procure visitar uma turma que esteja no processo inicial de alfabe-tização. Observe o trabalho desenvolvido com os alunos e converse com a professora. Identifi que:

a) Qual é a concepção de aprendizagem que embasa a prática do professor?b) Há um método de alfabetização explicito? Qual?c) Como é feito o trabalho de alfabetização? Com cartilhas? Com textos?d) Há exercícios grafo-motores preparatórios?e) Há atividades que desenvolvem a oralidade? Quais?f) Há valorização do conhecimento prévio das crianças?g) Como é feita a produção de texto pelas crianças? Há valorização da escrita espontânea da criança?h) Há propostas de atividades de escrita espontânea? De que tipo?i) Que tipo de texto é trabalhado com as crianças (nome, contos, cartazes, anúncios, propagandas, receitas,

listas, notícias, textos científi cos)?j) Há coerência entre a proposta de atividade e os textos em seus usos sociais?

Após o registro das suas observações, faça uma análise crítica do que constatou, buscando justifi car a sua análise nas discussões apresentadas neste material.

Peça autorização à professora da turma para fazer cópia de algumas produções infantis, analise-as e guarde para dar continuidade na próxima unidade deste material.

3 - Análise de Cartilha.Escolha uma cartilha, de preferência uma que esteja sendo utilizada no seu local de estágio ou por alguma

criança que você conhece. Faça uma análise do seu conteúdo.

a) Há atividades de período preparatório?b) Como o alfabeto é apresentado?c) Há gradação dos fonemas? Do fácil para o difícil (visão do adulto)?d) Como são os textos? São parecidos com os que encontramos no contexto social?e) Há família silábica?f) As gravuras são coerentes com os textos? Dão pistas para a leitura?g) O trabalho proposto na cartilha permite que as crianças construam e testem as suas hipóteses sobre a escrita?h) As atividades permitem a produção de textos espontâneos?i) Qual concepção de aprendizagem que está embutida na cartilha?j) Há valorização do conhecimento prévio das crianças?

4 – Pesquisando sobre como as crianças pensam a escrita.

A proposta é que você pesquise junto a crianças de 4, 5 e 6 anos, as hipóteses que possuem sobre a construção da escrita. Vamos tentar reproduzir, de forma muito sintética, o que Emília Ferreiro fez em suas pesquisas.

Faça o teste com crianças das três faixas etárias (4, 5 e 6 anos). Anote as suas respostas. Se for possível, grave para depois transcrevê-la. Em momento algum você dirar que está certo ou errado. O objetivo é perceber a lógica da criança. O teste deverá ser feita individualmente, para que não haja interferência na resposta.

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43a) Apresente os seis cartões abaixo (três imagens e três palavras) e peça para que digam se todos podem ser

lidos. Após a resposta peça para que expliquem o porquê. As palavras foram escolhidas por terem quantidade de letras diferentes e possuírem relação inversa com o tamanho dos objetos.

b) Agora peça que associem as palavras aos desenhos. Anote o que fi zeram e depois pergunte por que ela associou determinada palavra a determinada gravura. Você não dirá se está certo ou não. Podemos ter crianças que associem a palavra trem ao desenho da formiga, estabelecendo uma relação direta entre tamanho do objeto e quantidade de letras da palavra. As crianças maiores que estão na escola poderão fazer a associação pela letra inicial. Registre.

c) Apresente para ela alguns cartões com falsas palavras, como os abaixo. Peça para que diga quais podem ser lidas. Anotem as respostas e pergunte o porquê.

d) Converse com elas sobre animais, compras de supermercado ou objetos escolares. O objetivo é você ditar uma pequena lista para ela escrever. Mas para isso você deve se certifi car que ela conhece o nome dos objetos que você escolheu (animais, frutas etc.).

As palavras que você escolher deverão ser para todas as crianças. Peça que escrevam do jeito que sabem ou pensam que escreve. Por exemplo:

1- Vaca2- Ovelha3- Formiga (observe se ela procurará o cartão da atividade b)4- Boi5- Pata

Depois peça que escreva uma frase com o nome de um dos animais. Caso alguma criança grafe palavras di-ferentes da mesma forma, questione se isso é possível. Anote a solução que ela dará.

De posse dos dados da pesquisa, retome a leitura das contribuições de Emília Ferreiro e procure identifi car as hipóteses que as crianças possuem sobre a linguagem escrita. Identifi que o que já sabem e o que ainda precisam saber para escreverem ortografi camente.

Leitura Complementar

Acesse: www.novaescola.abril.com.br/ed.143-jun01 e leia a entrevista com Emília Ferreiro.

Leia o livro Refl exões sobre Alfabetização, de Emilia Ferreiro, editora Cortez. Foi um dos primeiros livros da autora no Brasil, talvez o mais divulgado. Nele você encontrará quatro artigos da pesquisadora que faz uma análise do processo de construção da escrita das crianças.

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44Leia o livro Com todas as Letras, também de Emilia Ferreiro, da editora Cortêz. Aqui, além de discutir sobre A

Construção da Escrita na Criança (capítulo 3), ela faz uma refl exão sobre a alfabetização na América Latina.

Leia o livro Psicogênese da Língua Escrita, de Emilia Ferreiro e Ana Teberosky, publicado no Brasil, em 1984, pela editora Artes Médicas. Neste livro as autoras apresentam toda uma teoria para a construção da escrita a partir de suas pesquisas. Por ser um livro denso, talvez fosse melhor lê-lo após a leitura do Refl exões sobre Alfabetização.

Leia o livro Passado e Presente dos verbos LER e ESCREVER, também de Emilia Ferreiro, da editora Cortêz. É um livro belíssimo onde ela discute os conceitos de leitura e escrita ao longo dos tempos.

Leia também Cultura Escrita e Educação, de Emilia Ferreiro, da editora Artmed. Aqui a autora discute as mudanças ocorridas no processo de escrita com a introdução das novas tecnologias.

Leia A criança na fase inicial da escrita: a Alfabetização como processo discursivo, Ana Luiza Bustamante Smolka. 7. ed. São Paulo: Cortez, 1996. A autora apresenta outros aspectos para a compreensão do processo de construção da escrita pelas crianças. Muitas situações de sala de aula são descritas e analisadas pela pesquisadora.

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45UNIDADE III

ALFABETIZAR LETRANDO: A CONSTRUÇÃO DE UMA PRÁTICA

Desde cedo as crianças participam de situações so-ciais e lidam com a linguagem como qualquer dono da língua que fala. Elas aprendem a falar falando, usando a linguagem no seu contexto natural. Desde pequenas elas ouvem histórias, escutam notícias de jornais e televisão, cantam música, contam piadas. Na realidade, como todo falante, já possuem uma gramática da língua interiorizada e não pedem permissão para aprender as regras sociais, que envolvem o uso da linguagem, necessárias para falar e/ou escrever no seu dia-a-dia.

Como vimos anteriormente, os alunos ao chegarem à escola já trazem muitos conhecimentos que são fun-damentais para a aprendizagem da linguagem escrita.

Quem participa e observa situações sociais mais efe-tivas de leitura e de escrita sempre possui algum tipo de conhecimento prévio sobre seu uso.

Com certeza, a escola não é a única via de acesso para o contato e o uso da escrita e da leitura, mas é a instituição responsável pelo ensino formal da apren-dizagem da escrita.

Fora da escola, as crianças interagem com diferentes situações sociais e sofrem infl uências de diversos tipos de leitura e escrita que encontram nos textos que cir-culam no contexto social e que servem como modelos para as suas escritas.

Fonte: QUINO. Toda Mafalda - da primeira à última tira. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

Por ser um usuário da língua que fala e ouve, a criança possui alguns conhecimentos lingüísticos, conhecimentos sobre a estrutura de diferentes tex-tos e conhecimentos sobre determinados temas e assuntos, ou seja, possuem muitas idéias, hipóteses e convicções pessoais sobre o ato de ler e escrever

que vivenciam. Reafi rmamos que esses conheci-mentos contribuirão no seu processo de aquisição da linguagem escrita e como nos lembra Mafalda, a escola deve se apropriar dos textos que estão na sociedade e não criar textos que só encontramos no espaço da sala de aula.

Fonte: QUINO. Toda Mafalda- da primeira à última tira. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

Em síntese, aprender a ler e escrever envolve aspectos culturais, sociais e lingüísticos, que não podem ser

ignorados pelo educador que esteja comprometido com a aprendizagem de seus alunos.

Page 46: Alfabetizacao e letramento

46

A alfabetização é um processo que envolve a linguagem oral e escrita e, portanto, precisa se colocar como um problema lingüístico, na sua essência primordial.

Cagliari

A nossa língua é um sistema fonográfi co do tipo alfabé-tico ortográfi co, ou seja, de forma simplifi cada podemos dizer que representamos os nossos pensamentos e idéias por meio da escrita de palavras que tentam representar as idéias oralizadas (fonográfi co) utilizando símbolos (alfabeto) que precisam estar dispostos obedecendo à relação sonora e à convenção cultural (ortografi a). Isso signifi ca que quando pensamos em um animal mamífero, peludo, que tem a banana como seu alimento preferido, podemos representar essa idéia escrevendo a palavra MACACO. Para que eu possa comunicar a minha idéia, eu tenho que escrever as letras nesta seqüência, mesmo que, como carioca, eu fale“macacu”.

Pretendemos abordar neste capítulo algumas questões sobre a estrutura da nossa língua que são fundamentais para o conhecimento do professor alfabetizador e, por conseguinte, deverão subsidiar a prática pedagógica.

Como vimos, sabemos hoje que para aprender a ler e a escrever é preciso que o aluno entenda que a escrita representa a linguagem relacionando-a com a fala, para que percebam qual é a lógica de organização do sistema alfabético.

O sistema alfabético organiza-se tentando representar com diferentes formas gráfi cas (letras do alfabeto) os diferentes sons da fala.

Assim, para adquirir uma competência alfabética, o aluno precisa aprender alguns conhecimentos sobre o funcionamento da escrita alfabética. Segundo Cagliari (1999), é necessário saber:

• as formas das letras e a direção da escrita (aspectos gráfi cos e de convenção);

• que é preciso haver uma variedade interna nas grafi as das palavras;

• quais são as letras e em que seqüências elas podem ocorrer;

• que as letras representam partes sonoras das palavras que falamos;

• quais os valores sonoros que as letras assumem em nossa escrita.

Após compreender o princípio alfabético, o aluno terá grandes chances em escrever corretamente a pa-lavra bola, pois não existem opções de representações diferentes, pode-se até seguir apenas a fala. Mas na escrita da palavra mato, haverá um desafi o porque, para representar o som fi nal de u, não se pode se guiar apenas pela fala, já que escreve-se com a letra o. Isso porque nosso sistema ortográfi co necessita utilizar outras formas de registros onde existem casos em que um mesmo som pode ser grafado com mais de uma letra como em outros em que a mesma letra pode representar sons diferentes (xícara e táxi).

A competência alfabética e a competência ortográfi ca são de naturezas diferentes, porque a lógica que serve para aprender, na primeira (relacionando os sons da fala com suas representações gráfi cas), não é sufi ciente para aprender, a segunda (que guia-se por convenções e regras). Assim, a compreensão do processo de leitura exige conhecimentos técnicos de lingüística, e da na-tureza, função e usos dos sistemas de escrita.

Miriam Lemle23 em seu livro Guia Teórico do Alfa-betizador, que teve a sua primeira edição em 1987, aponta algumas relações complicadas entre sons e le-tras, tendo como referência o dialeto carioca. Apesar de seu trabalho ser focado na variação regional da língua na cidade do Rio de Janeiro, os destaques sobre esses conhecimentos lingüísticos nos permite pensar sobre qualquer dialeto.

Na língua portuguesa, temos poucos casos de cor-respondência biunívoca entre sons da fala e letras do alfabeto, ou seja, poucos são os casos em que um som terá apenas uma letra correspondente ou vice-versa.

Das vinte e três letras do alfabeto, apenas sete pos-suem correspondência biunívoca, no dialeto carioca.

3.1 - Saberes Necessários para Ler e Escrever

Fonte: LEMLE, M. Guia Teórico do Alfabetizador. São Paulo: Àtica, 2004

23 Miriam Lemle é professora de Lingüística na Universidade Federal do Rio de Janeiro e coordenadora do Laboratório CLIPSEN - Computações Lingüísticas: Psicolingüística e Neurofi siologia (http://www.letras.ufrj.br/clipsen).

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47Chamamos de fonema, em lingüística, uma unidade de som carac-terizada por um dado feixe de traços distintos. Traços distintos são características de som que são relevantes na diferenciação entre uni-dades do sistema. Por convenção, esse tipo de unidade é representado entre barras inclinadas (/ /) (Lemle, 2004, pág.18).

Agora vejamos outra “relação complicada”, onde não há correspondência biunívoca. Dependendo da posição da letra na palavra, ela terá um som diferente. Leia em voz alta cada exemplo. Observe o que você fala e compare com a forma escrita.

Fonte: LEMLE, M. Guia Teórico do Alfabetizador. São Paulo: Ática, 2004 .

Observe que para grafarmos usamos a mesma letra (s), porém falamos [duazarvores], [ reisto ]. Da mesma forma que grafamos com (l), mas falamos: [cauma], [sau]. Usa-mos a letra ( o ) na escrita e falamos [bôlu] , [cóva].

Vejamos agora o contrário: o mesmo som, porém, grafado com diferentes letras.

Fonte: LEMLE, M. Guia Teórico do Alfabetizador. São Paulo: Ática, 2004.

Page 48: Alfabetizacao e letramento

48Preste atenção nos exemplos dados para o som / i /.

Falamos [pinu], [padri], [morti], mas ao grafarmos usa-mos i (pino) ou e (padre, morte), de acordo com a grafi a correta (ortografi a).

Ainda temos os casos da “situação de concorrên-cia”, em que mais de uma letra, na mesma posição, pode representar o mesmo som. Segundo Lemle

(2004), este caso é o mais difícil para a aprendiza-gem da língua escrita, pois não há qualquer princípio fônico que guie quem escreve na escolha entre as letras concorrentes. O dicionário é o grande aliado para escrita ortográfi ca da palavra, além de guardá-las na memória, por meio de diversos contatos com a mesma. Observe o quadro abaixo:

Fonte: LEMLE, M. Guia Teórico do Alfabetizador. São Paulo: Àtica, 2004.

Escrevemos casa ortografi camente correta, pois já de-coramos a sua grafi a. Porém aqueles que estão inician-do-se no mundo da escrita poderá grafar [caza] ou até mesmo [Kaza], visto que usamos as letras K, y e W24 em diversas palavras presentes nos textos cotidianos, principalmente em nomes de pessoas e marcas.

É claro que essas situações de poligamia e poliandria trazem problemas de escrita para os

alfabetizandos. É que eles acabaram de ter aquele maravilhoso estalo, aquela revelação de que letras simbolizam sons, logicamente pensam que há fide-lidade conjugal entre letras e sons: cada letra com seu som, cada som com a sua letra. Assim é que as coisas deviam ser, não é mesmo? O alfabetizando é coerente ao supor que o som [i] corresponde sempre a letra i, e que o som [u] corresponde sempre à letra u. (LEMLE, 2004: 19)

24 Está sendo assinado um acordo lingüístico entre os países que falam o português para incorporarem ao alfabeto estas três letras.

Page 49: Alfabetizacao e letramento

49Analise o texto a seguir. Ele foi produzido por uma

criança de 6 anos, em um colégio da cidade do Rio de Janeiro. Identifi que os erros ortográfi cos. Relacione-os

e escreva as palavras ortografi camente correta. O que você pode concluir?

Page 50: Alfabetizacao e letramento

50Você deve ter concluído que a maioria dos “erros”

foi causada pela ”infi delidade” da relação fonema/grafema, com letras concorrentes, conforme vimos nos quadros anteriores e que alguns, pela transcrição fonética (escrever da forma que se fala), por exemplo: dormi/dormir, convido/convidou, cigure/segure.

Lemle (2004) nos alerta para o fato de que todo al-fabetizador deve entender que “as partes do sistema da convenção ortográfi ca que têm relação arbitrária com os sons da fala variam de dialeto para dialeto” (pág 34). No Rio de Janeiro, falamos [futibol], [tia-tru], enquanto em São Paulo fala-se [futebol], [tea-tro]. As difi culdades vivenciada na aprendizagem da ortografi a destas palavras serão bem diferentes para cariocas e paulistas Enquanto os cariocas terão que tomar uma decisão fonologicamente arbitrária (escrever e em vez de i, o em vez de u) os paulistas não terão problemas na grafi a destas palavras, mas terão em outras, como porta.

Vivemos um paradoxo em relação às mudanças lin-

güísticas adotadas em um dialeto. Enquanto no Rio de Janeiro, “ninguém acha ‘feio’ a pronúncia de sal com [u] ou feira ou beija sem o [i] (...) estigmatizam socialmente os que as fazem ouvir em sua fala: a mudança do [l] em [r] ([pranta]), a perda de outros i ([salaro]) (...) são tidas como marcas de inferioridade social” (LEMLE, 2004: 35).

Por isso, é fundamental que o professor conheça os aspectos lingüísticos e considere, de forma respeitosa, o dialeto de seus alunos, compreendendo que essas “pronúncias defeituosas” fazem parte do meio socio-cultural e que compõem o trabalho de alfabetização que deve ser desenvolvido na Escola.

Você deve estar se perguntando sobre o que fazer com

estes conhecimentos lingüísticos. Eles deverão nortear as atividades que você proporá aos seus alunos. É ne-cessário que leiam textos diversos, pesquisem palavras em jornais, revistas... e as classifi que de acordo com a relação letra /som. Por exemplo: se os seus alunos estão acreditando que há uma relação monogâmica entre a letra s e o som /s/, peça que pesquisem e recortem diversas palavras que possuem a letra s e após a leitura de cada uma, arrume em colunas as que possuem som de /s/, as que possuem som de /z/, as que são grafadas com ss, fazendo-os refl etirem sobre suas pesquisas. Há palavras iniciadas com s e que possuem som de /z/? Há palavras iniciadas com ss? Nas palavras em que o s possui som de /z/, que letras antecedem o s? Que letras o sucedem? etc. As perguntas dependerão do seu

objetivo. Assim, eles compreenderão como a língua está organizada e que temos muitas possibilidades de grafar o mesmo som. Lembre-se que este tipo de ativi-dade é para aqueles que já escrevem alfabeticamente e que apresentam difi culdades ortográfi cas (convenção). Antes de chegar a esse nível temos um caminho longo a percorrer.

Tenha claro que o seu trabalho não é de mero “infor-mante” sobre questões da língua, mas sim de ajudar os seus alunos a construir esses conhecimentos.

Um outro lingüista que tem contribuído muito para

a refl exão dos alfabetizadores sobre o trabalho a ser desenvolvido, é Luis Carlos Cagliari25. No seu arti-go O que é preciso saber para ler e escrever26, ele aponta vinte nove noções, que ele considera básicas e indispensáveis, para que uma pessoa aprenda a ler e conseqüentemente se alfabetize.

Cagliari usa o termo decifração, não como sinôni-mo de decodifi cação, mas sim como interpretação, revelação do que está escrito, visto que ler e escrever constituem processos complexos do desenvolvimento humano.

Apresentaremos a seguir essas noções, de forma sucinta, não existindo uma ordem ou hierarquia entre esses conhecimentos, “mas um sistema em que as partes só adquirem signifi cado quando encaixadas no todo” (CAGLIARI,1999: 135), acrescentando um olhar pedagógico às questões apresentadas pelo lingüista:

1 - Ser falante da Língua Portuguesa

Todo falante tem um conjunto de regras que forma a gramática da língua e esses conhecimentos são muito importantes para que suas interpretações a respeito do que está escrito sejam corretas.

(Cagliari, 1999)

Seria muito difícil se alfabetizar se não conhecêsse-mos nossa língua, estaríamos diante de algo que não compreenderíamos.

Considerando que o nosso aluno já é usuário da língua

e que tem muitas experiências com a língua escrita no seu cotidiano, é importante que ofereçamos atividades em que esses saberes possam ser veiculados de forma a garantir a fala, a escrita e a refl exão sobre a língua.

25 Luis Carlos Cagliari é professor de lingüística aposentado da UNICAMP. Atualmente é professor adjunto MS-5 da Universidade Es-tadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, campus de Araraquara. Tem experiência na área de Lingüística, com especialidade em Fonética. Atua também nas seguintes áreas: alfabetização, sistemas de escrita, ensino e aprendizagem, letramento. Suas áreas de pesquisa mais recentes são: a prosódia, a ortografi a e a história da ortografi a da Língua Portuguesa.

26 Artigo publicado no livro Diante das Letras. Campinas: Mercado das Letras,1999; de sua autoria com Gladis Massini-cagliari.

Page 51: Alfabetizacao e letramento

51Não podemos esquecer que a linguagem oral também

possibilita comunicar idéias, pensamentos e intenções de diversas naturezas, infl uenciar o outro e estabelecer relações interpessoais; e que há variedade de fala.

Não basta deixar que as crianças falem, é preciso que as situações orais vividas na sala de aula representem situações comunicativas signifi cativas, e que percebam as diferenças no grau de formalidade (a forma como se fala com o colega é diferente da forma que se fala com uma pessoa desconhecida, o governador, o prefeito).

2 - Saber a Diferença entre Desenho e Escrita

Saber que há diferença entre desenho e escrita, apesar de ambos serem representações gráfi cas. Toda escrita é uma forma de desenho, mas o contrário não acontece.O desenho refere-se aos objetos do mundo e a escrita refere-se à linguagem oral. O desenho não representa a palavra. São os objetos que têm nome. Já a escrita, representa a palavra (o nome que damos às coisas) e não os objetos em si.

3 - Não se Escreve com Rabiscos, Bolinha etc.

É importante levar as crianças a perceberem que usamos um inventário pequeno de sinais (letras) para escrever e que podemos usar somente os símbolos desse conjunto (alfabeto) se quisermos comunicar a nossa idéia, pois usamos a escrita em sociedade e não apenas para nós mesmo.

Muitas crianças usam bolinhas e rabiscos por acredi-tarem que escrever é fazer uma representação gráfi ca associada a uma fala, por isso escrevem e lêem ime-diatamente.

Uma boa intervenção para mostrar que esses rabiscos não são sufi cientes é anotar o que a criança leu, no verso da sua folha, e dias depois pedir para ela ler novamente. Provavelmente lerá outra coisa bem diferente do que disse anteriormente. Diga para ela o que ela disse quan-do fez aquela escrita e diante do seu espanto, pergunte o que deve ter acontecido. As respostas poderão ser variadas e refl etirão a hipótese que a criança tem, neste momento, sobre o que é escrever.

4 - A Fala Aparece na Escrita Segmentada em Palavras

Temos aqui duas idéias importantes. Para a criança, a sua ex-periência lingüística está centrada na linguagem oral. Do ponto de vista da percepção auditiva, a linguagem oral é um contínuo, interrompido às vezes por pausas. Não há nenhuma dica que mostre aos ouvintes onde começam e acabam as palavras.(...) No entanto, o nosso sistema de escrita exige que as palavras sejam escritas com um espaço em branco separando-as nas frases. Mos-trando material escrito às crianças é facil explicar isto. Partindo da fala, é mais complicado (CAGLIARI, 1999: 137).

No nosso sistema de escrita os espaços em branco de-terminam o signifi cado das palavras. Escrever COM-PADRE é diferente de escrever COM PADRE, pois possuem signifi cados diferentes na nossa língua.

Como nos disse Cagliari, mostrar o texto escrito para as crianças ajuda a compreensão desta segmentação. Podemos também produzir textos coletivos e escrevê-los diante delas para que percebam os espaços. Outra forma é pedir que contem as palavras de uma frase signifi cativa. Que leiam o seu nome completo (nome e sobrenome) e digam quantas palavras possuem.

5 - O que é Palavra: Idéias, Sons-letras e Ortografia

A palavra é a unidade básica de qualquer sistema de escrita, inclusive do alfabético, por causa da orto-grafi a. A noção de palavra não é importante somen-te como fruto de segmentação da fala para costituitr unidade de escrita. Ela tem a ver com o signifi cado. É também uma unidade de signifi cado

(CAGLIARI, 1999: 138)

Palavra não é um amontoado de letras. Ao ler, o su-jeito precisa identifi car na palavra escrita o signifi cado na língua. Diante da palavra casa, por exemplo, se o aluno ler [kassa], encontrará um signifi cado na língua (verbo caçar), mas talvez o contexto não lhe permita atribuir um sentido ao que leu. Já um sujeito que diante da mesma palavra achar que está escrito [saza] não descobriu nenhuma palavra da língua. Um bom exemplo é uma criança que já lia, esbarra com a frase “Mamãe bebe mate” e não a lê. A professora insiste em dizer que ele sabe ler, até que ele diz: “Minha mãe não mata ninguém!”. Podemos inferir que a palavra mate para ela tem um signifi cado bem diferente de bebida e que não fez sentido para ela a junção do verbo beber com o verbo matar.

6 - Controlar o Significado das Palavras em Segmentações

Ao segmentar a fala para descobrir as fronteiras de palavras, é necessário fi car atento ao signifi cado e se guiar por ele. É preciso levar as crianças a descobri-rem que o que está escrito implica na descoberta do signifi cado não apenas dos sons.

A escrita não é uma representação sonora da fala. Se eu desejo representar a idéia de que “A menina comprou uma roupa nova” eu não posso escrever: “Ame nina com prou umarou panova”. Apesar desta última frase possuir todos os segmentos sonoros, ela não expressa/comunica uma idéia. Logo, não atinge os objetivos da escrita.

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527- Como Controlar as Seqüências de Sons das Palavras nas Segmentações

Antes de aprenderem a escrever, as crianças têm uma excelente acuidade auditiva e facilidade para observar a fala como um todo. No entanto, quando se trata de “teo-rizar” sobre o que ouvem, ou seja, analisar, interpretar e explicar o que observam, tudo fica muito difícil. Sabendo dessa situação o professor poderá mostrar unidades sonoras menores do que a palavra, fazendo-os observar rimas, sons iniciais dos nomes e de coisas, sons repetidos como partes de palavras etc. Procedimento desse tipo leva quase sempre à identificação de sílabas e não de vogais e consoantes. Por outro lado, o uso de pares mínimos (tipo bata-pata; vila-vela) ajuda muito a destacar segmentos fonéticos constitutivos das sílabas. Com a atenção voltada para a segmentação de enunciados em palavras e destas em unidades menores, como as sílabas e os segmentos fo-néticos do tipo vogal e consoante, o aprendiz terá melhores condições de entender como o sistema de escrita funciona e como usar as letras (IDEM: 139).

As atividades propostas por Cagliari devem ser feitas oralmente e com material escrito.

8 - Saber Segmentar a Fala para a Escrita: Palavras, Consoantes e Vogais

“Não basta saber analisar os sons da fala, é preciso saber cortar as unidades de fala que vão ser represen-tadas na escrita:as palavras e os segmentos consonan-tais e vocálicos, deixando de lado as sílabas, uma vez que estas não tem vez no nosso sistema de escrita.” (IBIDEM: 140). Lembre-se que o nosso sistema é al-fabético ortográfi co. “A partir de um enunciado oral, o aluno precisa identifi car as palavras e os segmentos vocálicos que as compõem. Em seguida, precisa atri-buir letras a esses segmentos vocálicos e reconstruir a palavra e, de palavra em palavra, chegar à frase”. (IBIDEM: 139).

Isso não quer dizer que o trabalho de alfabetização tenha que ser a partir das famosas” família silábica”. Muito pelo contrário, o aluno só compreenderá acomo a língua está estruturada a partir da análise de como ela aparece no meio cultural (textos).

9 - Escreve-se com Letras

Apresentar o alfabeto é uma das coisas mais im-portantes para alguém se alfabetizar.

Cagliari É preciso que os alunos conheçam o conjunto de

sinais com os quais podemos escrever e saibam quais os elementos o constituem (letras).

A letra de “forma maiúscula” é a mais recomen-dada para quem está iniciando o processo de alfa-betização, pois apresenta forma gráfi ca mais clara

e distinta. A cursiva é a menos recomendada, pois é mais difícil saber onde começa e termina o traçado de uma letra.

10 - O Alfabeto como um Conjunto de Letras

É importante que, ao aprender a ler, o aluno tenha sempre em mente que está lidando com um conjunto pequeno de símbolos e que não há nada fora dele. “Para algumas crianças, o caos do mundo de escrita que existe ao redor leva-as a acharem que estão diante de um conjunto aberto, em que sempre há coisa nova aparecendo.Isto causa uma insegurança muito grande” (IBIDEM: 141/142).

Montar diversos alfabetários (nomes, animais,

produtos etc) com as crianças possibilita a fami-liarização com o alfabeto. É importante que esse material seja construído coletivamente para se constituir um verdadeiro material de pesquisa. Quando o alfabetário é construído pelo professor, este colocará imagens/palavras que julga impor-tante, que são do seu contexto social, mas não são, necessariamente, do universo dos alunos, logo, poco ou nada contribuirão para ampliar o conhecimento dos alunos.

11 - O que é uma Letra: Unidade Abstrata

A letra não é uma coisa concreta, mas abstra-ta, podendo ser comparada com os números e a matemática. “O aspecto material, físico, gráfico é apenas um suporte”. Quando falamos letra A, não estamos nos referindo a nenhuma letra A em particular, mas a tudo que pode ser uma letra A, que é definido pela ortografia.

Há inúneras formas de grafar as letras (veja as “fon-

tes” das letras no computador), mas reconhecemos todas porque existe uma noção abstrata do que seja letra. Veja o quadro abaixo:

Fonte: CAGLIARI, L.C. Diante das Letras. Campinas: Mercado das Letras,1999.

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53Com o recurso do computador, podemos escrever

os nomes das crianças em diferentes fontes para que observem, que, apesar de terem traços diferentes, as letras são as mesmas.

12 - Categorização das Letras: a Unidade na Variedade

Vimos anteriormente a categorição gráfi ca das letras, agora veremos a categorização funcional, que é a função que as letras podem exercer. Função esta que é determinada pela ortografi a. Por mais que, em cada dialeto, uma letra possa representar diferentes sons, no momento de escrever isso é unifi cado.

Em inglês, uma letra como A chama-se “ei” e serve para escrever esse ditongo [ei], como na palavra table, que se pronuncia [teibl]. Em português, o A nunca é usado para representar esse ditongo, mais pode representar o ditongo “ai”, como na palavra paz que é pronunciada [pas, pais ou paich], dependendo do dialeto (...) Se um falante de um dialeto diz [paich] para a palavra paz, isto signifi ca que a letra A tem o som de [ai] nessa palavra (ou em contextos semelhantes em todas as palavras da língua, usadas nesse dialeto). Se em um dialeto, alguém diz [fi zéru], [acharu], para as palavras fi zeram, acharam – isto signifi ca que, para os falantes desse dialeto, a letra A tem o som de [u] em contextos semelhantes nas palavras da língua (IBIDEM: 143).

13 - O Nome das Letras

Entender o que signifi ca o nome das letras é a chave da decifração do sistema de escrita que, no nosso caso, se chama princípio acrofônico (identifi cação das letras e atribuição a elas de sons).

Assim que as crianças começam a se interessar pela escrita, elas começam a dar nomes às letras (L de Laura, B de boné etc.) associando a nome de pessoas e objetos. Cabe à escola ensiná-las o nome correto, pois o nome da letra pode “ajudá-la” na relação sonora.

Temos várias poesias e músicas infantis que abordam o nome das letras e que podem ajudar no desenvolvi-mento deste trabalho.

14 - Princípio Acrofônico como Chave da Decifração da Escrita

O princípio acrofônico é a possibilidade de atribuir um valor sonoro às letras e sílabas.

Porém, “não basta identifi car as letras e atribuir a elas os sons possíveis através do princípio acrofônico e

das normas ortográfi cas. Para se decifrar uma escrita é crucial que se chegue à palavra como um todo, quer no aspecto fonético, quer no aspecto semântico, um aspecto controlando o outro” (IBIDEM: 143).

15 - O Princípio Acrofônico é um Ponto de Partida. O Ponto de Chegada é a Ortografia

Sendo o princípio acrofônico um ponto de parti-da, mas não o ponto de chegada, é necessário que os aprendizes tenham uma melhor compreensão a respeito da ortografi a como estruturadora do nosso sistema de escrita.

É necessário que se entenda a ortografi a como uma convenção, mas que tem como objetivo maior facilitar a comunicação entre as pessoas.

16 - Categorização Gráfica: Inúmeros Alfa-betos com as Mesmas Letras

A noção de categorização gráfi ca já foi explicada an-teriormente e é por meio dela que aprendemos que não temos um único alfabeto (grafi camente) e o que os une “é o fato de as letras serem unidades abstratas que são controladas pela categorização funcional, dada uma mesma língua e uma ortografi a” (IBIDEM: 147).

17 - Variação Gráfica das Letras Controlada pela Ortografia

A variação gráfi ca das letras não muda a função que elas possuem porque o nosso sistema é alfabético or-tográfi co. A ortografi a (maneira convencionada para escrever as palavras) é mais importante que o aspecto alfabético. É importante que os alunos tenham idéias claras sobre a noção de ortografi a para entender o que são as letras e como funcionam.

18 - Variação Funcional das Letras Contro-lada pela Ortografia

O uso “alfabético” do alfabeto, ou seja, quando as letras re-presentam som independentemente das palavras (ortografi a), gera o que se chama de “transcrição fonética”. (...) Muitas crianças recebem de seus professores uma idéia que as leva a escrever como se estivessem fazendo transcriçoes fonéticas. Em um primeiro momento, para dar mais liberdade e incen-tivar os alunos, escritas desse tipo podem ser feitas. Porém, é importante que seja dada uma boa explicação sobre variação lingüistica e sobre ortografi a, para que os alunos não fi quem pensando que o modo como estão escrevendo é o ponto de chegada (IBIDEM: 147).

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5419 - Categorização Funcional das Letras: Relações entre Letras e Sons

Como dissemos anteriormente, a categorização fun-cional das letras é controlada pela ortografi a e tem a ver com as relações entre letras e sons e vice-versa, ou seja, com a função que as letras exercem no sistema de escrita.

As relações entre letras e sons (leitura) são diferentes das relações entre sons e letras (escrita), em função da variação lingüística e da ortografi a. Ler e escrever são processos distintos que podem ocorrer simul-taneamente.

A variação lingüística representa todos os modos diferentes que todos os falantes de uma determinada língua usam para dizer as palavras. Uma mesma pa-lavra em português pode ser dita de várias maneiras. (...) Por outro lado, a ortografi a existe justamente para “neutralizar” a variação linguística na escrita (IBIDEM: 148).

Segundo o autor, é muito mais fácil aprender as re-

lações entre letras e sons (leitura) do que as relações entre sons e letras (escrita), pois, na leitura o material já vem pronto e apresentado na forma ortográfi ca e sendo o leitor um falante de um determinado dialeto, a tarefa de ler “fi ca reduzida” apenas a passar de uma versão neutralizada das palavras (ortografi a) para uma fala familiar. Ele acrescenta que as regras de decifração são mais fáceis e defi nidas. Por exem-plo, todo X no início de palavras tem o som [chê], mas nem toda palavra que começa com o som [chê] será grafada com X (xadrez, xícara e cheque, cheio). Para ele, é importante contruir com os alunos, por meio da observação/refl exão sobre as palavras, as regras da língua.

O professor não precisa estudar todas as regras com os alunos, mas mostrar a eles que a maneira como se pensa as relações entre letras e sons é fundamental e indispensável. Depois que os alunos perceberem como se montam as regras, eles conseguem chegar à formulação de outras regras pela simples observação das relações entre fala e escrita (IBIDEM: 149).

20 - A Ortografia como Volta ao Sistema Ideográfico

O sistema alfabético só funciona quando perde sua natureza fonética e passa a ser interpretado como um compromisso com o sistema ideográfi co (ver Unidade I), ou seja, a palavra passa a ser mais importante do que as letras isoladas e são escritas de forma fi xa por exigência da ortografi a.

Para Cagliari (1999),

Quando o aluno está aprendendo a decifrar a escrita, precisa partir das letras para chegar às palavras. Mas, depois que tem certa profi ciência, a leitura passa a ser feita pela identifi cação das palavras como um todo, em muitos casos. O mesmo acontece com a escrita. No começo, vai se procurando as letras para os sons da fala e checando tudo com a ortografi a e o signifi cado. Porém, quando alguém está mais hábil na escrita, escreve as palavras sem precisar fi car pensando primeiro nos segmentos fonéticos, depois nas letras que os representam. Vai direto para uma forma ortográfi ca já conhecida.Somente em casos de dúvidas ortográfi cas, a pessoa pára para pensar. Mas, infelizmente, não se resolvem dúvidas ortográfi cas apenas pensando. A solução segura, nestes casos, é perguntar a quem sabe ou olhar um dicionário (IBIDEM: 150).

21 - A Ortografia como Forma Congelada de Escrita, Neutralizando a Variação Lingüística

A ortografi a é uma forma congelada de escrita, que não refl ete a fala individual de ningúem, nem de um determinado povo ou grupo de pessoas.

(Cagliari: 1999)

É importante ter claro que inventar uma pronúncia que não se encontra em nenhum dialeto da língua, apenas em certas salas de aulas ([mãis] / mas), não ajudará o aluno a escrever ortografi camente. Ele não precisa aprender a falar o dialeto padrão para aprender a decifrar ou escrever, pois quando lemos um texto de José Saramago27, por exemplo, não usamos o seu sotaque.

A conquista do dialeto padrão, da norma culta é uma tarefa a ser realizada a longo prazo e, para muitos alunos, signifi ca aprender uma espécie de língua estrangeira (IBIDEM: 151).

22 - A Ortografia Determina o Valor que as Letras têm, Gráfica e Funcionalmente

Vimos que a ortografi a determina o valor que as letras possuem (gráfi ca e funcional) que para o aprendiz isso implica em muitos conhecimentos linguísticos. Para ele conseguir atingir um nível de conhecimento para saber ler, precisa “juntar” todos esses conhecimentos . Não basta saber uma coisa ou outra isoladamente. “É preciso agir em conjunto com muitos conhecimentos. E isto é realmente um problema para o aluno que aprende e para o professor que ensina.(...) Todavia, o professor tem que trabalhar certas idéias isoladamente, primeiro, sem perder de vista que o aluno deve montá-las em um quebra-cabeça bem grande e complicado.” (IBIDEM: 151). Por isso, é importante considerar que os alunos terão um tempo diferente para se apropriar destes conhecimentos, porque cada um tem uma história diferente de relacionamento com a leitura, a escrita e a escola.

27 Romancista, dramaturgo e poeta português que ganhou o Prêmio Nobel de Literatura, em 1998.

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5523 - Variação Escrita e Falada

Com a escrita, surge e se instala a crise da identidade lingüística, pois o aluno começa a usar uma escrita fo-nética, sem se dar conta das implicações e exigências da ortografi a, depois percebe que a grafi a das palavras é diferente da sua fala. Não sabe que língua realmente fala e que língua a escola se propõe a ensinar. E se o aluno fala uma variedade estigmatizada pela sociedade, isso torna-se mais grave.

Cabe à escola compreender estas variedades e ofe-recer informações lingüísticas que permitam ao aluno comprreender que a relação entre fala e escrita não é harmoniosa.

24 - Palavras Variam não só de Acordo com Regras Fonológicas, mas Também de Acordo com Regras Morfológicas

Para saber escrever uma palavra como mal ou mau é necessário saber se se trata de um substantivo, de um adjetivo ou de um advérbio. Antes de chegar lá, não há explicação, a não ser decorar certas formas esteriotipadas. Este é um problema menor, mas tem suas implicações nos conhecimentos que uma pessoa precisa ter para ler e consequentemente, para escrever (IBIDEM: 153).

25 - Escrita não e Transcrição Fonética

Muitos professores acreditam que passando a idéia de que a escrita é fonética os alunos aprenderão mais rápido. É muito comum ouvirmos a fala de que “es-creve-se como fala”. Porém, isso cria equívocos que vão prejudicar quando os alunos forem escrever, pois deixam de acreditar na ortografi a, além de criarem, muitas vezes, uma leitura artigicial (leem [balde] em vez de [baudi], como é no dialeto carioca).

26 - Não se Escreve Qualquer Letra para Qualquer Palavra: há Regras

Ensinar regras ajuda os alunos se sentirem seguros em algum lugar da construção do conhecimento. Ensinar regras não é apresentar as regras e fazê-los decorar. Signifi ca levar os alunos a observarem os textos es-critos chamando atenção para a grafi a das palavras, levando-os a refl etirem sobre os padrões que aparecem na línguagem.

Pela ortografi a há uma seqüência determinada de letras para grafar uma determinada palavra. Para escrevermos a palavra AMOR, temos que primeiro escrever a letra A, depois M, depois O e fi nalmente o R. Se colocarmos as letras em outra seqüência, até

poderemos escrever novas palavras (com signifi cado na língua), mas não AMOR (ROMA, MORA, OMAR, RAMO, ARMO).

27 - Identificar Outros Sinais da Escrita (além das Letras) como os Acentos, os Diacríticos, Marcas etc.

Os sinais de pontuação funcionam como uma espécie de sinais de trânsito para facilitar a leitura.

Sem dúvida, para saber ler é preciso distinguir diacrí-ticos (acentos, til etc.), sinais de pontuação, parágrafos e demais marcas da escrita e do conjunto de formas gráfi cas que formam o alfabeto (letras).

É necessário que os alunos percebam que um acento muda o signifi cado da palavra e sua classe gramatical (pára = verbo parar e para = preposição) e que a pon-tuação não é para dar pausas na leitura, e sim garantir o signifi cado do texto e, consequentemente, a comu-nicação das idéias. Veja os exemplos abaixo:

“Matar a rainha não é crime.” “Matar a rainha, não. É crime.” “Matar a rainha ? Não ! É crime.”

Ao ler a primeira frase, os súditos comprrenderão que não é crime matar a rainha. Já nas outras duas, matar a rainha é crime.

28 - Aspectos Secundários das Letras: Tamanho, Direção, Linearidade, Espacialidade, Maiúscula, Estilo, Caligrafia etc.

Certos aspectos físicos da grafia e da escrita po-dem atrapalhar, às vezes, o aprendizado da leitura e da escrita. Mesmo não atrapalhando são aspectos importantes da cultura escrita e que precisam ser ensinados:

• O que representa as letras maiúsculas e minúsculas

não é tamanho, pois muitas vezes as crianças escrevem letras minúsculas maior do que as maiúsculas.

• A direção da escrita na nossa língua (esquerda para direita).

• A escrita se assenta sobre uma linha de base, mesmo que imaginária.

• A caligrafi a é um ideal a ser alcançado sempre, pois pode difi cultar a compreensão do leitor. Veja:

28

28 CAGLIARI, L. C. Alfabetização sem o ba-bé-bi-bó-bu. São Paulo: Scipione, 1998, pág 273.

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56Um a pessoa que está iniciando o seu processo de

alfabetização pode entender CENTIERRIUE e não Antonio conforme desejava o escritor.

29 - Ler não é só Decifrar os Sons das Letras e das Palavras, mas Conseguir Pensar uma Mensagem Elaborada por Outra Pessoa e Representada na Escrita.

À medida que o processo de leitura vai se aprimoran-do exigi-se um maior esforço mental pois precisamos entender algo que foi pensado e organizado por outra pessoa.

Por razões da forma como funciona o mecanismo de produção da linguagem oral, para se ter uma compreensão de um texto, é preciso conduzir de forma correta, além das palavras (segmentos fonéticos e signifi cados lexicais),os processos fonéticos supraseg-mentais e prosódicos, como o ritmo e a entoação, principalmente. Como o professor não vai tratar desses assuntos na alfabetização,

é preciso que os alunos preparem e treinem toda leitura em voz alta, para que digam naturalmente, como se partisse deles mes-mos a iniciativa de dizer o que estão lendo. Mesmo as leituras em silêncio precisam de um tempo para re-organização dos elementos prosódicos, sem os quais alguns aspectos semânticos importantes dos textos se perdem e o aluno não entende direito o que leu (IBIDEM: 157).

Você já havia parado para pensar que para ler um simples cartaz você mobiliza tantos conhecimentos?

Tudo que foi apresentado são contribuições da lingüística para a pedagogia. Cabe a nós professores, diante dessas refl exões, “traduzir” esses conhecimentos em uma prática pedagógica que contribua efetivamente para a aquisição da leitura e da escrita pelos alunos.

A profissão de professor requer uma gama de conhecimento dos diversos campos teóricos (psicologia, lingüística, sociologia, antropologia, neurociência etc.) para a organização da prática pedagógica.

Leitura Complementar

Leia o livro Guia Teórico do Alfabetizador, de Miriam Lemle, da editora Ática, do ano de 2004 que, além das questões apresentadas aqui, traz grandes refl exões sobre a prática de alfabetização.

O livro Diante das Letras de Luiz Carlos Cagliari e Gladis Massini-Cagliari, da editora Mercado das Letras, Campinas, 1999, reúne uma coletânea de artigos que discutem questões relacionadas à história da escrita, das letras, das categorizações gráfi cas e funcionais, além de questões ortográfi cas. É um livro que contribui muito para o trabalho do professor alfabetizador.

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57

Os leitores não se formam com leituras escolares de materiais escritos elaborados expressamente para a escola com a fi nalidade de cumprir as exigências do programa. Os leitores se formam com a leitura de diferentes obras que contêm uma diversidade de textos que servem, como ocorre nos contextos extra-escolares, para uma multiplicidade de pro-pósitos (informar, entreter, argumentar, persuadir, organizar atividades etc.).

Ana Maria Kaufman

Já deve estar claro para você que aprender a ler e a escrever, ou seja, a alfabetização – como a aquisição do código escrito e a apropriação do sistema alfabé-tico e ortográfi co da língua – é imprescindível para se desfrutar do mundo da escrita, e que precisamos ir além da aquisição dessa tecnologia (codifi cação/de-codifi cação).

É preciso apropriar-se da função social da leitura e da escrita, conseguindo produzir/utilizar os diferentes tipos de textos que circulam socialmente.

As crianças já chegam à escola com muitas informa-ções sobre o uso que a escrita tem em nossa sociedade:

3.2 - Os Diferentes Tipos de Textos

1. adivinhações2. anúncio3. artigo 4. ata5. aviso6. bilhete 7. bilhetes de passagens (trem, avião, ônibus) 8. biografi a9. bula10. capa de revista/ livro11. cardápio 12. carta aberta13. carta comercial 14. carta do leitor15. carta pessoal 16. cartão 17. cartaz18. catálogo19. chamada20. charge21. cheque22. classifi cado23. comentário24. comunicado 25. conta (restaurante, lojas, supermercados etc.)26. contrato

eles convivem com pessoas fazendo lista de compras, anotando recados, buscando informações na lista telefônica, montando um objeto a partir da leitura de manual, se divertindo com um livro... Porém, muitos de nossos alunos ainda precisam estar vivenciando situações de práticas sociais de leitura e escrita para que possa compreender o seu uso, sua função na nos-sa sociedade. Mesmo aqueles que já apresentam um pouco deste conhecimento precisam enriquecer suas experiências e descobrir novas possibilidades do uso da escrita no cotidiano.

Em suma, o que precisamos é colocar nosso aluno “em contato com os diferentes usos sociais da lin-guagem, ou seja, as milhares de razões pelas quais se escreve: para não esquecer, transmitir instruções, contar uma história, divertir, emocionar, convencer, informar, vender” (CARDOSO, Beatriz, 1998: 45).

Você já parou para pensar nos textos que estão presen-tes na nossa sociedade? Quais aqueles que você utiliza constantemente? Quais aqueles que, independente da sua escolha, você se depara com eles?

Vejamos abaixo alguns desses textos que fazem parte da nossa cultura:

27. convite28. crítica29. crônica (narrativa) 30. defi nições31. depoimentos 32.documento33. encarte de jornal (propaganda)34.enciclopédia (descrições/defi nições)35. entrevista36. esquema 37. estatutos38. extrato39. folhetim 40. folhetos 41. fotografi a 42. gráfi co 43. ilustrações 44. imagem 45. índice46. lendas 47. lista 48. mapa 49. monografi a50. música 51. nota52. notícia

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58 53. ofício 54. opinião55. oração 56. orelha de livro57. out-door58. parlenda 59. piada60. placa61. poema 62. problema matemático63. programa (espetáculos, TV, cinema etc.)64. propaganda 65. prospectos 66. quadrinhos (histórias)67. receita (médica, culinária)

68. regras/ regulamento69. relatório70. reportagem 71. resenha72. resumo73. romance74. rótulo75. símbolos76. sinopse77. slogans 78. tabela 79. texto de dramaturgia80. texto de manual81. texto científi co82. verbete

29 Retome a leitura da Unidade II, quando discutimos o conceito de letramento.

São apenas alguns... Provavelmente você deve ter lembrado de outros textos que não foram rela-cionados.

Você também deve estar se perguntando se todos estes textos deverão ser apresentados às crianças “analfabe-tas”.29 Responderemos que sim, mas advertimos que: se estamos falando dos textos em contextos sociais, logo, acreditamos que eles deverão ser apresentados às crianças em situações reais, ou seja, em situações em que haja necessidade de utilizá-los, escolhendo o tipo de texto que seja mais adequado. Mas vamos esperar essas situações surgirem na escola? Sim e não. Diremos que sim, pois alguns textos aparecem no cotidiano da escola e caberá ao professor apenas ressaltá-los, como os comunicados, avisos, bilhetes aos responsáveis, cardápio (merenda escolar), lista de preços (cantina da escola) etc. Que tal quando passar um comunicado avisando que o parquinho voltará a funcionar ou que a escola receberá uma visita, lê-lo para as crianças e, se possível, reproduzi-lo (individualmente e/ou no blocão) para que todos visualizem, possam retomar a leitura, analisar a organização do texto etc.? Diremos que não, pois alguns textos estão distantes do espaço escolar, mas deverão aparecer por meio dos projetos de trabalho que serão desenvolvidos com a turma. Mas será que todos estes projetos desenvolvidos na escola são situações sociais reais? Provavelmente não, pois o que caracteriza a ação pedagógica é a intencionali-dade. Tudo que fazemos em sala de aula, por sermos professores, deve ter um objetivo claro e bem defi ni-do. Porém, os projetos que desenvolveremos deverão garantir a proximidade com as situações vivenciadas no cotidiano sociocultural.

Vejamos um exemplo: uma professora desenvolveu um projeto “SUPERMERCADO” com seus alunos, que tinha como objetivo montar um “mercadinho” na sala, como mais um canto diversifi cado. Ela levou a tur-ma para visitar um supermercado, observando toda sua dinâmica de funcionamento. Entrevistaram o gerente,

a caixa e o arrumador das prateleiras, viram a máquina de leitura óptica etc. As crianças trouxeram embalagens vazias de casa e fi nalmente montaram “Nova Espe-rança”, o mercadinho da turma. Este projeto, que teve a duração de quase um mês, oportunizou as crianças entrarem em contato com diferentes textos:

√ Listas (planejamento coletivo das atividades que iriam desenvolver até atingirem o objetivo de montar o supermercado, relação dos nomes indicados para o mercado, relação dos “produtos” já adquiridos, relação de compras que as crianças realizaram com a família etc.).√ Rótulos das embalagens no supermercado e das

trazidas pelas crianças.√ Encartes do supermercado visitado e o elaborado

por eles para o “mercado” da sala.√ Entrevista elaboraram coletivamente e registraram,

com a ajuda da professora, as perguntas que iriam fazer aos entrevistados e, quando retornaram, anotaram as respostas dadas.√ Notas fi scais as crianças trouxeram de casa alguns

cupons fi scais e analisaram o tipo de texto, em que há números e letras.√ Convite elaboram um convite para a inauguração

do mercado “Nova Esperança” e distribuíram para as pessoas da escola.√ Cartaz com o preço das mercadorias e divulgando

a inauguração.√ Mapa a partir do mapa do bairro, identifi caram o

itinerário melhor para ir da escola ao supermercado. Depois fi zeram um “mapa” do trajeto que realizaram da escola ao supermercado, destacando os pontos importantes do bairro.√ Tabela - confeccionaram uma tabela para anotar o

estoque do mercado.√ Etiquetas com o nome e valor dos produtos.

Muitas atividades foram desenvolvidas e a professora aproveitou cada texto para trabalhar as suas caracterís-ticas e também as questões lingüísticas que estavam

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59presentes. O projeto envolveu as famílias e uma das atividades foi as crianças elaborarem, junto com os pais, uma lista dos produtos que precisariam comprar e irem ao supermercado com eles. Os pais foram orientados a fazerem uma lista paralela e mandarem as duas para a escola.

Vejamos a lista produzida por uma menina de 6 anos.

Esta menina, que ainda não escreve alfabeticamente, possui muitos conhecimentos sobre este tipo de texto (lista): sabe a sua função (lembrar o que tem que com-prar), sabe que se escreve apenas o nome do produto (não precisamos colocar a marca), sabe organizá-lo espacialmente no papel (um produto embaixo do ou-tro), enfi m sabe fazer uma lista dentro de um contexto real (função social).

Entendemos que para o professor oportunizar aos alunos o contato com os diferentes tipos de texto é fundamental que os conheça a partir da identifi cação de certos traços comuns entre eles.

Segundo Kaufman (1995), estabelecer uma classi-fi cação dos diferentes tipos de textos que circulam em um determinado ambiente social permite ajudar os professores a operar com os mesmos no ambien-te escolar, para que toda ação pedagógica esteja voltada para levar o aluno a compreender como a língua está estruturada. Assim, a autora estabeleceu critérios de classifi cação30 de diferentes textos a partir de certas características lingüísticas, levando em conta a função da linguagem e a trama (narra-tiva, argumentação, descrição e conversação) que neles predomina manifestando diferentes intenções do emissor. Abaixo elaboramos um quadro-síntese desta classifi cação a partir dos traços mais marcantes dos textos:

30 Vários autores realizaram a classifi cação dos textos. Optamos por utilizar aqui a classifi cação de Ana Maria Kaufman. Em Leitura Complementar, você encontrará referência a outros autores.

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A classifi cação dos textos nos permite pensar na intenção do autor (quem escreve) e nos conhecimentos necessários que o leitor (quem lê) precisará disponibilizar para com-preender o que está escrito (mensagem) em cada tipo de texto e na sua adequação para intenção de comunicação. Porém, não podemos esquecer que nenhum texto está

totalmente engessado em uma única função, o que se pretende é identifi car as características mais marcantes e destacar os traços lingüísticos presentes.

Leia o texto abaixo e procure classifi cá-lo de acordo com a sua função:

31Autor desconhecido.

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62Como você o classifi cou?Por ser a receita de um bolo e estar diagramado como

encontramos, geralmente, as receitas culinárias, você o classifi cou como instrucional, com função apelativa? Ou você o classifi cou como poesia, tendo função lite-rária, visto que apresenta ritmo, versos e rimas?

Esta receita demonstra que um texto pode ser classi-fi cado de diferentes formas em função das suas carac-terísticas e da intenção do leitor. Se você o procurasse para fazer um bolo de milho, a sua função seria ape-lativa, você seguiria as instruções, passo a passo, para ter como resultado um bolo. Já se você o procurasse apenas pelo prazer da leitura, se deleitando com seu ritmo e rimas, ele teria a função literária.

O mesmo pode acontecer com uma determinada pro-paganda veiculada em um jornal. Pelas características básicas desse tipo de texto, sua função é apelativa, mas pode adquirir função informativa quando você vai buscá-la para obter dados referentes a um produto específi co.

O importante é que tenhamos claro que os textos possuem características distintas e que conhecê-las pode ajudar no processo de alfabetização.

É fundamental também, que os alunos tenham contato com os diferentes suportes textuais que circulam na sociedade. Para isto, livros, revistas, jornais, enci-

clopédias, dicionários, atlas, encartes, computador (Internet) etc. devem ser (re)apresentados às crianças, destacando os diferentes tipos de textos que os compõe. Um jornal, por exemplo, é um suporte para vários textos: reportagens, entrevistas, artigos, classifi cados, receitas, charges, notícias, tabelas, gráfi cos, programas, quadrinhos...

Atualmente, a Internet constitui um grande suporte textual, onde podemos encontrar uma imensa variedade de textos e que mobiliza diferentes estratégias de lei-tura. Não lemos no computador da mesma forma que lemos em um livro ou jornal.

Rolamos a página, saltamos parágrafos, fazemos links, usamos ferramenta de pesquisa etc.

Já há algum tempo vivemos uma mudança qualitativa da con-cepção sobre o ler. Ler é uma atividade voluntária, inserida num projeto individual e/ou coletivo. Na diversidade de situações sociais com que se defronta, o leitor deve mobilizar estratégias adequadas, de acordo com sua intencionalidade no ler. Ironica-mente, a única estratégia ensinada pela escola – a oralização da escrita – revela-se pouco efi caz em todas as situações de leitura do mundo contemporâneo (BARBOSA, 1990: 121).

Quando trabalhamos um texto, dentro do seu suporte real, estamos trazendo para a sala de aula as funções sociais que a escrita possui na nossa cultura. Isso faz parte do processo de alfabetização/letramento.

Mafalda sinaliza os equívocos que podem ser construídos quando não se trabalha a diversidade de textos, com suas fun-ções e seus suportes. Os aprendizes precisam saber que lemos e escrevemos de forma diferente, de acordo com os nossos objetivos. Quando vamos ao dicionário buscar o signifi cado de uma palavra ou a sua ortografi a, não começamos a leitura na primeira página e continuamos pelas páginas seguintes até chegar à palavra que desejamos. Pulamos muitas páginas, abrimos direto na letra que queremos, saltamos as palavras e lemos apenas a palavra que nos interessa. É bem diferente da forma que lemos um romance.

Juvêncio Barbosa (1990: 121 - 122) categorizou as

diferentes situações de leitura em nossa sociedade:

√ Leitura de informação: É a situação de comunica-ção que aparece cada vez que uma mensagem é visada

a fi m de completar uma lacuna no nosso conhecimento sobre aspectos da vida cotidiana. A atividade do leitor é essencialmente tomar conhecimento do conteúdo da mensagem, sem preocupação de registro duradouro da informação, com uma leitura rápida e precisa sem envolvimento afetivo pessoal.

Exemplos: Leitura de jornais, revistas, instruções diversas, coletas de dados para fi ns utilitários, normas, regimentos etc.

√ Leitura de consulta: Utilizamos todas as vezes que buscamos uma informação pontual num conjunto complexo de informações. É um tipo de leitura que exige uma exploração visual específi ca e seletiva, dissociada da compreensão global do texto.

Exemplos: Dicionários, anuários, enciclopédias, guias de endereços, catálogos etc.

Fonte: QUINO. Toda Mafalda- da primeira à última tira. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

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63√ Leitura para ação: É freqüente e “mecânica”; ante-

cede, orienta ou modifi ca um comportamento ou ação. Não exige, necessariamente, uma formulação mental, bastando que o leitor coordene leitura e ação.

Exemplos: Placas de sinalização, de orientação, de avisos, de instrução, cartazes de rua, receitas de culinária, regras de jogos, manuais técnicos de mon-tagem etc.

√ Leitura de refl exão: É uma leitura mais densa, caracterizada por momentos de apreensão do conteúdo do texto e momentos de pausa na leitura para refl exão. A leitura é silenciosa, com retornos constantes para a retomada de idéias já desenvolvidas. É uma leitura de prestígio, relacionada ao trabalho intelectual.

Exemplos: Teses, monografias, ensaios, obras fi losófi cas, literárias etc. É o tipo de leitura que você deve estar fazendo deste material.

√ Leitura de distração: Oposta à leitura de refl exão ou de informação, o objetivo desta leitura é o relaxa-mento, lazer, a aventura, passar o tempo, o puro prazer. Coloca em jogo uma disponibilidade afetiva, emocio-nal e encontra certa resistência, herdada da tradição escolar, por se tratar de uma leitura sem objetivos educacionais explícito. É uma leitura que exige do

leitor um domínio perfeito do ato de ler; o leitor não deve despender esforço algum para a sua efetivação. É a leitura desinteressada.

Exemplos: Leitura de livros, revistas e publicações em salas de espera, nos percursos de viagens, leitura do best-seller do momento etc. Talvez o maior objetivo da escola seja formar leitores que utilizem cotidianamente a leitura de distração.

√ Leitura da linguagem poética: É aquela em que o leitor, além de visar ao conteúdo veiculado pelo texto, busca se deleitar com a sonoridade das palavras. Uma primeira leitura em silêncio permite ao leitor elaborar o conteúdo que orienta a entonação, ritmo e sonoridade. Não há pressa, cada palavra é “ruminada” para saborear a sua articulação com o texto como um todo.

Exemplos: Leitura dos sonetos, poemas, poesias etc.

Diante disso, Mafalda precisa compreender que não existe uma única forma de ler e que um tipo de leitura não é mais importante que o outro. O bom leitor é aquele que sabe utilizar os diferentes tipos de leitura, de acordo com seus objetivos, da mesma forma que o bom “escritor” (aquele que escreve) é quem sabe escolher o tipo de texto adequado à sua intenção.

Leitura Complementar

Leia o livro Escola, Leitura e Produção de Textos, de Ana Maria Kaufman e Maria Helena Rodriguez, da editora Artes Médicas, 1995. Trata-se de uma publicação cuja leitura é imprescindível para todo professor que queira conhecer ou ampliar seus conhecimentos sobre como se organizam os diferentes textos e quais são suas peculiaridades gramaticais e discursivas. As autoras apresentam os textos classifi cados simultaneamente de acordo com sua função e trama predominante, além de exemplifi car o trabalho com os textos, em salas de aula, por meio de projetos.

Leia o livro Didática de Português: Tijolo por Tijolo - Leitura e Produção Escrita, de Ana Tereza Naspolini, da editora FTD, 1996. Este livro tem como objetivo, segundo a autora, oferecer aos professores sugestões para a sua prática pedagógica e provocar refl exões sobre o trabalho com a diversidade textual. Apresenta uma clas-sifi cação para os textos diferente da oferecida neste material.

Leio o livro Escrever e ler: como as crianças aprendem e como o professor pode ensiná-las a escrever e a ler, volume 1, de Luís Maruny Curto, Manbel Ministral Morillo e Manuel Miralles Leixidó, com tradução de Ernani Rosa, ArtMed, 2000. Este livro faz uma discussão teórica do que é ler e escrever a partir de um con-junto de sugestões de atividades tendo como ponto de partida diferentes tipos de textos. Para organizá-los, os autores estabeleceram uma classifi cação tendo como critério a fi nalidade da leitura e da escrita, que é diferente da apresentada aqui.

Leia o capítulo 9 do livro Alfabetização e Leitura, de José Juvêncio Barbosa, editora Cortêz. O autor apresenta uma rica discussão sobre A leitura da escrita hoje destacando aspectos necessários para se ler um texto que vão além das palavras impressas.

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643.3 - O Ambiente Alfabetizador

Quando a criança tem a possibilidade de participar ou mesmo observar situações em que a escrita e sua linguagem específi ca estão presentes, ela vive num ambiente alfabetizador. É preciso, no entanto, tomar cuidado com a expressão “ambiente alfabetizador”. Muita gente, com a melhor das intenções, confunde a idéia. Não basta encher a classe com coisas escritas nas paredes. É muito mais do que isso.

Telma Weisz

Sempre que falamos sobre o trabalho de alfabetização na escola surge a questão: o que é um bom ambiente alfabetizador? Porém, essa resposta dependerá das concepções de aprendizagem e de como ocorre o pro-cesso de alfabetização que cada profi ssional tiver.

Para aqueles que acreditam que a aprendizagem ocorre por meio da repetição e que a alfabetização se dá apenas pela aquisição do processo de decodifi cação da língua, um bom ambiente alfabetizador será aquele que oferece a linguagem escrita de forma fragmentada, oportunizando decorar as letras e sílabas que formam as palavras. Nesta perspectiva, a sala de aula é o único ambiente alfabetizador e encontramos em seus murais e paredes as “famílias silábicas”, que são acrescidas de forma gradativa, de acordo com a ordem da apre-sentação da letra/fonema para as crianças, seguindo o critério do mais fácil (os chamados fonemas simples) para o mais difícil (os encontros consonantais e sílabas invertidas).

Já para aqueles que acreditam que a aprendiza-gem resulta da interação do sujeito com o objeto de conhecimento mediada por outros sujeitos, marcada pela cultura e pelo momento histórico, e que a alfabetização é um processo de construção conceitual, apoiado na refl exão sobre as caracterís-ticas e funcionamento da escrita; um bom ambiente alfabetizador é qualquer espaço que ofereça contato com os textos que circulam em uma sociedade e que possibilitam refl exão sobre as regularidades da língua. Nesta visão, a sala de aula é mais um am-biente alfabetizador e não o único. A rua com suas placas, cartazes e outdoors, o supermercado com seus encartes, placas, notas fi scais e etiquetas, a farmácia com seus rótulos e embalagens dos diferentes pro-dutos, a feira livre com suas placas e listas, as lojas, os hospitais, as igrejas, os clubes, as bibliotecas, as livrarias, museus, enfi m... tudo pode se constituir em um bom ambiente alfabetizador desde que oportunize a interação do aprendiz com os mais diversos tipos de texto . Interação signifi ca ação mútua. Por isso, o aprendiz precisa mexer e ser mexido pelo texto. Não basta ter contato com o texto, ninguém aprende por osmose. Aprendizagem requer trabalho árduo, contínuo, refl exivo e, porque não, prazeroso.

Nesta perspectiva de que o espaço cultural pode se constituir em um ambiente alfabetizador, duas questões são colocadas para a prática pedagógica:

a) Como explorar os diversos ambientes alfabeti-zadores?

b) Como transformar a sala de aula em um bom ambiente alfabetizador?

Para a primeira questão podemos dizer que é res-saltando os textos existentes, transformando-os em material de estudo e pesquisa. O exemplo dado an-teriormente com o projeto Supermercado evidencia como isso pode acontecer.

Para a segunda questão acreditamos que o professor é responsável pela organização do espaço e que este deve ser desafi ador e fonte de pesquisa para os novos apren-dizes, marcado pela cultura letrada, com livros, jornais, revistas, embalagens etc., textos digitais ou em papel, dos escritos que circulam socialmente. Tudo que está na sala de aula torna-se importante e só faz sentido se tiver sido trabalhado/explorado com os alunos. O princípio norteador de um bom ambiente alfabetizador é ele se constituir em um espaço de pesquisa para aqueles que estão se iniciando na descoberta da linguagem escrita. Sendo assim, um bom ambiente alfabetizador é aquele em que as crianças manuseiam os seus diversos tipos de textos, procurando sanar suas dúvidas, confi rmar ou refutar suas hipóteses.

Vejamos um exemplo: uma professora de educação infantil estava desenvolvendo um projeto com sua turma, resgatando as cantigas e brincadeiras infantis. Após trabalhar/explorar com as crianças, a música “A canoa virou”32 , ela afi xou o cartaz com a letra da mú-sica em uma das paredes. De vez em quando, alguma criança levantava e ia até o cartaz “lendo/ cantando” a música. Um dia, as crianças estavam fazendo uma lista de animais que conheciam, cada uma escrevendo do jeito que pensava sobre a escrita. Duas meninas que estavam no mesmo grupo conversavam sobre os animais que relacionavam. Uma pergunta para a outra: “Como se escreve [che] de peixe?”. A outra pensa e responde: “É igual a peixinho” e vai direto ao cartaz da música e chama a colega. Elas cantam/lêem a letra até que se deparam com a palavra “PEIXINHO”. Olham, passam o dedo embaixo da palavra e voltam para a mesa. A menina que fez a pergunta escreve / PXI / e começa a escrever o nome de outro animal.

Este exemplo demonstra que o texto afi xado na parede não é um “objeto de decoração”. Ele faz parte de um ambiente alfabetizador, pois é um material de pesquisa para as crianças. Mas ele só pôde ter essa função, pois foi trabalhado com as crianças. Elas sabiam que ali, na-quele texto, poderiam resolver uma dúvida, buscar uma

32 A canoa virou/ por deixar ela virar/ foi por causa ____ /que não soube remar/ ai se eu fosse peixinho/ e soubesse nadar/ eu tirava _____ lá do fundo do mar.

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652- O alfabeto

Como já discutimos anteriormente, é fundamental que na sala de aula haja um alfabeto, que seja trabalhado com os alunos, para que entendam que são com estes 23 símbolos que poderão escrever os seus textos. Para que as crianças possam identifi car cada letra, a opção pela letra maiúscula, do tipo “imprensa” têm se mos-trado a mais efi caz.

O alfabeto pode ser confeccionado em qualquer material, mas é bom tomar cuidado com o tamanho e localização. É necessário que fi que em um local de destaque para que possa ser visualizado por todos os alunos.

Fonte: Foto de Pedro Mota In: Revista “Nova Escola”, Edição nº. 190, maio/ 2006.

3- O alfabetário

Alfabetário consiste em um conjunto de cartazes com as letras do alfabeto (um cartaz para cada letra) que associa uma imagem à letra/som inicial da palavra. O objetivo é que as crianças comecem a pensar na rela-ção letra/som da linguagem escrita. Por exemplo: ao construir um alfabetário de frutas, uma turma escolheu a pêra como representante da letra P. O cartaz abaixo poderia ser um exemplo da produção do grupo.

O importante é que o alfabetário seja construído co-letivamente para que possa se constituir em material de pesquisa. Ele é uma produção particular, da turma, e só terá sentido para aquela turma. Uma imagem de telefone celular poderá ter signifi cado e estabelecer

informação. Gostaríamos de ressaltar, que a menina não copiou a palavra, pois o que ela queria era estabe-lecer uma relação sonora, já que estava utilizando uma letra para cada sílaba (era assim que pensava sobre a escrita). A sua dúvida não era sobre como se escrevia peixe, mas sim, como se grafava o som [chê].

Fonte: Foto de Pedro Mota In: Revista “Nova Escola”, Edição n.º 190, maio/ 2006.

Muitas vezes entramos em salas de aula e encon-tramos vários tipos de textos afi xados nos murais e paredes, mas percebemos que eles não fazem parte de um ambiente alfabetizador, pois as crianças não os consultam. Eles deixam de ter a função de suporte de pesquisa para fi carem restritos à decoração do ambiente (e às vezes servindo apenas para poluição visual).

Ao se pensar na organização do espaço da sala de aula como ambiente alfabetizador, precisamos considerar alguns aspectos e materiais:

1- Organização das mesas, cadeiras ou carteiras:

Acreditando-se que a aprendizagem ocorre com a troca de informação entre os sujeitos e que o conhecimento prévio de cada aluno é fundamental para a construção do seu conhecimento e dos colegas, precisamos arrumar o espaço da sala de aula de forma que possa facilitar a troca entre os alunos. Entendemos que uma sala em que as ca-deiras/carteiras fi cam enfi leiradas, com um aluno atrás do outro, pouco pode propiciar o intercâmbio de idéias. Sendo assim, arrumar as carteiras em grupos, não se trata de opção estética, mas sim de uma concepção de aprendizagem, que está refl etida em uma proposta metodológica.

Fonte: Foto sem autoria In: Revista “Nova Escola”, Edição março/ 1998.

Fonte: Foto de Daniel Ara-tangy In: Revista “Nova Escola”, Edição n.º 190, maio/ 2006.

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66relações diferente. Uma turma poderá escolher esta imagem para ilustrar a letra C, atribuindo à palavra celular. Já outra poderá ilustrar a letra T, atribuindo à pa-lavra telefone. Na primeira turma, se uma criança desejar escrever cebola, por exemplo, poderá usar o cartaz como fonte de pesquisa, mas se esta criança associar a imagem à palavra telefone, pouco lhe ajudará. O alfabetário tem que ser “um combinado” com o grupo. Os alunos deverão escolher as imagens do alfabetários, pois elas deverão ser signifi cativas para eles e não para o professor, que poderá ajuda-los quando tiverem difi culdades de encontrar algu-ma imagem /objeto.

É necessário que se construa ao longo do tempo vários alfabetários que estarão substituindo ou permanecendo, durante algum tempo, com os anteriores. Pode-se montar alfabetário com os nomes dos alunos, de animais, obje-tos, alimentos, nome de países, de músicas, jogadores de futebol, rótulos etc. Quando não tiver uma palavra/objeto correspondente à letra, é importante deixá-la em branco para que as crianças construam a idéia de seqüência, relação todos e alguns etc.

4- Biblioteca

A biblioteca consiste em um acervo de livros di-versos, revistas, jornais, periódicos, enciclopédias, dicionários e diferentes materiais impressos que estarão disponíveis para os alunos manusearem livremente, na sala de aula. O local escolhido para abrigar a “bibliote-ca” deve permitir o acesso fácil das crianças.

É necessário que o acervo seja bem diversifi cado, possuindo livros com textos curtos, longos e até sem textos. O importante é que mobilize o interesse das crianças. A leitura diária (que todo professor deve fazer) poderá ser deste acervo ou não.

Como a característica principal de um ambiente alfabe-tizador é ser fonte de pesquisa, é necessário também que os diferentes tipos de textos que compõem o acervo sejam trabalhados com os alunos para que eles saibam do que dispõem para as suas consultas. Não podemos esquecer que ler, por prazer, deve ser um dos objetivos da leitura. Por isso a biblioteca da sala de aula deve motivar os alunos a procurarem os livros pelo prazer de ter contato com eles.

Fonte: Foto de Daniel Aratangy. In: Revista Nova Escola, Edição n.º 190, maio/2006.

Fonte: Foto de Pedro Mota. In: Revista Nova Escola, Edição n.º 190, maio/2006.

5- Jogos

Os jogos começaram a ganhar espaço na sala de aula, quando os educadores, com a contribuição dos psicó-logos, identifi caram o desinteresse de muitos alunos pela escola, bem como difi culdades na aprendizagem. Atribuíram a isso a difi culdade da escola em ser pra-zerosa e lidar com o conhecimento de forma lúdica. Nas classes iniciais de alfabetização, em que havia e ainda há altos índices de reprovação, os jogos foram incorporados à prática do professor. Assim surgiram os bingos de letras, sílabas, palavras; os dominós de cores, animais, masculino/feminino, sílabas etc. que, embasados na concepção behaviorista, tratam a língua e os jogos de forma descontextualizadas. Você já viu na pracinha alguém jogando dominó de palavras? Provavelmente não, pois estas adaptações dos jogos só ganham espaço nos muros da escola.

Esse tipo de jogo adentrou o espaço da sala de aula e das casas das crianças (os familiares compram para elas, acreditando que estão contribuindo para a sua al-fabetização) de tal forma, que a indústria de brinquedos passou a produzi-los. E o pior é que muitas crianças sequer conhecem um dominó ou bingo “de verdade”, ou seja, o jogo que foi criado há anos e que constitui um objeto da nossa cultura.

Você deve estar se perguntando se estes jogos não contribuem para um bom ambiente alfabetizador? Mais uma vez responderemos que vai depender da concepção que se tem de aprendizagem e de como ocorre a construção do processo de alfabetização. O que defendemos é que a prática pedagógica deve ser coerente com as crenças os princípios que a norteia (metodologia). Se acreditamos que a aprendizagem ocorre por meio da relação com a cultura, que estamos submetidos, logo devemos trazer para a sala de aula o nosso acervo cultural. Porque o bingo e o dominó não podem ser apresentados e jogados da mesma forma que nossos avós o jogam? Por que não trabalharmos os textos que fazem parte desses jogos?

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67Ao levar o dominó para sala de aula, por exemplo,

vários registros (textos) poderão ocorrer:

a) Descrever o domínó, o que o caracteriza (como é? Todos são iguais? Há modelos diferentes? Qual o mais adequado para a nossa faixa etária? E com relação à cor/quantidade?), qual o seu objetivo, pesquisar a origem do dominó etc. – estaremos trabalhando com texto descritivo com função informativa.

b) Defi nir/registrar as regras do jogo, defi nindo ques-tões de acordo com a faixa etária dos jogadores: o que acontecerá quando as pedras para comprar acabarem? O que acontecerá quando o jogo fi car “preso” etc. – estaremos produzindo um texto instrucional com função apelativa.

c) Poderemos construir uma tabela para anotar, em cada rodada quem ganhou o jogo. – estaremos construin-do um texto narrativo com função informativa.

Desta e de outras formas, não estaremos usando o jogo como pretexto para a “aprendizagem” da escrita, mas sim garantindo a sua função social e ressaltando a escrita (textos) que realmente faz parte do jogo.

Na nossa cultura temos muitos jogos que trabalham

com a escrita, como a Forca, Adedanha, Detetive etc. e que vão ao encontro de uma proposta que valorize o contexto cultural.

Mas com certeza muitos jogos criados pelos profes-

sores podem desempenhar a função de pesquisa sobre a linguagem escrita e como tal compõem o ambiente alfabetizador. Manter ao alcance das crianças as fa-mosas “letras móveis” com as quais eles podem mexer e ensaiar escritas, comparar grafi as (xícara /chinelo, gelatina/ geladeira), substituir letras (Maria/ Mário), incluir letras (pato/prato), excluir letras (pinto/pito), enfi m, brincar, usar e abusar da escrita.

Fonte: Foto de Daniel Aratangy. In: Revista Nova Escola, Edição n.º 190, maio/ 2006.

Outros jogos interessantes são aqueles em que os alunos têm como desafi o reconstruir os textos que aparecem desorganizados. As músicas, parlendas e

travalínguas são textos pelo fato das crianças saberem de cor, mais adequados. Estes jogos permitem traba-lhar com diferentes níveis de conhecimentos. Numa primeira etapa o desafi o pode ser organizar as estrofes. Em outra etapa pode ser organizar os versos, com ou sem apoio do texto completo. Outro desafi o pode ser reorganizar as palavras de um verso ou de alguns etc. O importante é garantir o trabalho com o texto, perce-bendo a sua unidade e organização.

Com certeza os jogos devem fazer parte de um am-

biente alfabetizador, mas devem estar em consonância com a metodologia utilizada, que por sua vez é regida pelos princípios da concepção de aprendizagem do professor.

6- Murais

Os murais devem ser o espaço de valorização do trabalho da turma, seja das produções coletivas (textos coletivos) ou das produções individuais. É o local em que se dá visibilidade à produção dos pequenos (em tamanho) autores. É muito importante para a criança ter a sua autoria reconhecida. Ver o seu trabalho exposto. Além disso, o mural também é mais uma fonte de pesquisa para a criança desde que ela saiba o que há nele. Daí a importância de antes de afi xar qualquer trabalho do aluno solicitar que fale sobre ele, explicando a sua idéia, revelando a sua escrita. Para muitas crianças, isso não é uma tarefa fácil, mas com o desenvolvimento do respeito mútuo, elas vão fi cando seguras e conseguem relatar. Ao mesmo tempo em que falam, elaboram o seu pensamento e podem até corrigir seus trabalhos. Para aquelas que ouvem, também acrescentam outro ponto de vista às suas refl exões e, posteriormente, o material afi xado vira fonte de consulta.

Os murais devem ser renovados periodicamente, para garantirem o interesse dos alunos e apresentarem novas questões lingüísticas que podem contribuir para o aprendizado de todos.

Temos nos deparado com muitas salas de aula em que os murais são enfeitados com personagens das histórias infantis, fi cam belíssimos, mas não contribuem para um ambiente alfabetizador. Caberá ao professor fazer a sua opção e, principalmente, perceber o quanto são belas as produções daqueles que estão se iniciando no mundo da escrita.

Finalizando, queremos ratifi car que pensar na sala de aula como um ambiente alfabetizador signifi ca repensar nas nossas crenças sobre o processo de aprendizagem.

Page 68: Alfabetizacao e letramento

68Leitura Complementar

Leia o livro Brincadeiras infantis nas aulas de matemática, de Kátia Smole e outros, da editora ArtMed, 2000. As autoras apresentam uma boa discussão sobre os conhecimentos valorizados pela escola, que perpassam as brincadeiras infantis. Na metodologia apresentada há destaque para os diferentes tipos de registros que elas (brincadeiras) suscitam.

Leia o livro Pensamento e linguagem, de Vygotsky. São Paulo: Martins Fontes, 1996. Neste livro, o autor apresenta a sua teoria para como fala e pensamento são dois processos mentais que estão imbricados. Segundo ele, na medida que falamos, reestruturamos o nosso pensamento e quando pensamos elaboramos a fala.

3.4 - A Alfabetização com Textos

Quando aprendem a falar e a ouvir a linguagem diante de textos, as crianças passam a dominar não só os sons da fala e o signifi cado das palavras, mas também as formas de argumentar, de construção da coerência e da coesão dos textos.

Cagliari

Até aqui fomos construindo com você alguns prin-cípios que fundamentam o trabalho de alfabetização a partir dos textos que circulam na sociedade, tais como:

√ A escrita é um sistema de representação e não um código para transcrever a fala.√ A aprendizagem ocorre por meio da interação do

sujeito com o objeto do conhecimento (neste caso a lin-guagem escrita) mediado por outros sujeitos (cultura).√ Os conhecimentos prévios são importantes para

aquisição de novos conhecimentos.√ A escola não é o único lugar em que ocorre apren-

dizagem.√ As crianças chegam à escola com muitos conheci-

mentos sobre a linguagem escrita.√ A prática pedagógica está marcada pela concepção

do professor de como ocorre o processo de aprendi-zagem.√ A aquisição da leitura e da escrita são processos

distintos que podem ocorrer simultaneamente.√ Ler não é decodifi car, é atribuir signifi cado ao texto.

√ Alfabetização não se restringe a aquisição de uma técnica de escrita, mas sim, desenvolver a capacidade de usar a linguagem escrita em práticas sociais de leitura.

√ Os diferentes gêneros textuais requerem diferentes estratégias de leitura/escrita.√ A intencionalidade do leitor é determinante para a

situação de leitura que será vivenciada.

Todos estes princípios fundamentam as refl exões que faremos sobre a alfabetização com textos.

Quando discutimos uma proposta de aquisição da língua escrita a partir de textos, muitos alegam que nós fomos alfabetizados por meio de um trabalho ba-seado no treino de sílabas, na repetição de palavras e frases soltas, muitas vezes descontextualizadas, e que hoje sabemos ler e escrever. Diante deste argumento, uma questão se faz presente: Por que hoje não con-seguimos alfabetizar todos os alunos com o mesmo procedimento? 33

Sabemos que construímos conhecimento estabe-lecendo relações entre fatos, informações, observa-ções, conhecimentos anteriores. Relações estas que estão pautadas nas experiências que vivemos nos diferentes espaços sociais (escola, família, clube, igreja, rua etc.), que nos possibilita signifi car o “novo” conhecimento.

33 É importante registrar que na década de 70, apenas um terço da população escolar tinha acesso à escola.

Fonte: QUINO. Toda Mafalda - da primeira à última tira. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

Page 69: Alfabetizacao e letramento

69Manolito nos faz refl etir sobre uma questão impor-

tante: a diferença entre informações e conhecimento. Ao responder a professora, ele repete uma informação recebida em seu contexto social, por meio dos ditos populares, porém ele demonstra não conhecer as pro-priedades da multiplicação, não atribuindo nenhum signifi cado à informação recebida.

Podemos afi rmar que Manolito tem a informação, mas não construiu conhecimento. Logo, podemos concluir que nem toda a informação se constitui em conhecimento. Essa conclusão é primordial para a prática pedagógica. As informações oferecidas aos alunos só se constituirão em conhecimento se forem signifi cadas por eles, por meio de seus conhecimentos anteriores.

Se pensarmos na forma em que a nossa sociedade se apresentava há algumas décadas em relação à circu-lação de textos, fi ca claro que pelo fato de não termos

contato com tantas propagandas, outdoors, placas, rótu-los (pois a maioria dos produtos era vendida a granel), limitava-se às refl exões que fazíamos sobre a língua antes de entrarmos na escola e iniciarmos o “trabalho de alfabetização” propriamente dito. As informações que recebíamos na escola eram praticamente as únicas que tínhamos sobre a língua. Tudo fazia sentido, pois não confrontávamos com nenhuma hipótese formulada anteriormente no espaço cultural.

Atualmente a circulação de textos é intensa. Sabe-mos que desde muito cedo as crianças já estabelecem relações/refl exões sobre o material impresso que têm acesso e acreditamos que por isso, muitas “informa-ções” dadas na escola, de forma artifi cial e fragmentada sobre a linguagem escrita, não favorecem a atribuição de signifi cado. É como se existissem duas línguas: a da vida (placas, rótulos, avisos, documentos etc.) e da escola (sílabas, palavras, textos artifi ciais).

Leia os rótlos abaixo:

Pense sobre a leitura que você fez...

Como você se sentiu ao fazer esta leitura?

Você conseguiu de imediato ou levou algum tempo? Teve vontade de desistir?

Você se baseou no código escrito ou em outros atri-butos da embalagem para realizar a leitura?

Não ter domínio “deste” código foi impedimento para você identifi car os produtos e ler as marcas?

Saber que estes textos são rótulos facilitou sua leitura?

Quanto o conhecimento/familiaridade com estes produtos facilitou a sua leitura?

Quais conhecimentos sobre a estrutura da língua portuguesa facilitaram a leitura das marcas?

O processo que você experienciou é o mesmo que os alunos, na fase inicial do processo de aquisição da leitura e da escrita, vivenciam. Por isso, a preocupação com a técnica, necessária e importante, não pode ig-norar todos os conhecimentos que os alunos já trazem e que permitem reconstruir um signifi cado do texto no ato de ler.

Agora tente ler a palavra abaixo:

4R314

Você conseguiu?Quais as estratégias que você utilizou?Você sentiu falta de algum apoio?De que você sentiu falta?

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70

34 Este texto circulou durante algum tempo na rede mundial de informação (internet). No fi nal desta seção você encontrará o texto em português.

Você conseguiu ler o texto? O que você sentiu ao chegar ao fi nal do texto e ter compreendido a mensagem? Os seus conhecimentos prévios sobre situações que ocorrem na praia, construção de castelos de areia e sobre castelos, ajudaram a dar signifi cado ao texto? Os conhecimentos que você possui sobre a organização da língua portuguesa ajudaram na leitura deste texto? Você leu sílaba por sílaba ou fez a leitura completa das palavras? Você leu alguma palavra que com a continuidade da lei-tura, teve que retornar, pois havia lido “errado” e o texto fi cou sem sentido? Você pulou alguma palavra? Isso impediu que você compreendesse o texto? Você teve difi culdade para ler alguma palavra e quando leu a palavra seguinte a entendeu? Você identifi cou a palavra anterior (4R314) no texto? Foi mais fácil lê-la no texto ou isolada?

Você precisou decifrar o código, estabelecendo uma relação direta fonema/grafema para ler o texto?

Tente agora escrever o seu nome utilizando este código.

O que aconteceu? Qual foi a estratégia que você usou? Como você estabeleceu a relação som/ “letra”? Você buscou a relação com a letra inicial das palavras? Ou com as sílabas? As estratégias que você utilizou para ler foram sufi cientes para escrever? Foi mais fácil ler ou escrever?

As suas respostas revelam os processos de leitura e escrita vivenciados por você e que pode ser muito semelhante aos dos alunos que estão se iniciando no processo de compreensão de como a linguagem escrita está estruturada. Demonstra também como ler e escre-ver são processos distintos, porém interligados. Essas

refl exões deverão estar sempre presentes na prática pedagógica. Lembre-se do que você experimentou!!

Uma concepção mais contemporânea defi ne leitura como um ato de atribuição de signifi cado a um texto escrito. Leitura é uma relação que se estabelece entre leitor e o texto escrito, relação na qual o leitor, através de algumas estratégias básicas, reconstrói um signifi cado do texto no ato de ler (BARBOSA, 1990: 118).

Por tudo isto que apontamos até este momento, é que acreditamos na importância do trabalho com os textos que circulam na sociedade (rótulos, logomar-cas, embalagens, documentos, reportagens, poesias etc.). Não basta apenas levar os textos para a sala de aula, pois eles por si só não garantem a aprendizagem da leitura e da escrita. Eles favorecem as construções conceituais, a partir dos conhecimentos que os alunos trazem, para refl etirem sobre as questões lingüísticas que ainda precisam construir. Os textos precisam ser trabalhados, ou seja, explorado em todos os seus as-pectos (social, cultural e lingüístico). Requer esforço de todos (alunos e professores) e planejamento do professor para, de acordo com as necessidades de sua turma, selecionar os aspectos, lingüísticos ou não, que precisam ser abordados.

Barbosa (1990) diz que para ler, o leitor deve mobi-lizar três habilidades indissociáveis: a verifi cação, a antecipação e a identifi cação.

A antecipação é a habilidade de prever o sentido do texto a partir de informações não-visuais (não provêm da leitura específi ca daquele texto, mas da estrutura cognitiva do leitor), que podem tornar a leitura mais fácil, tais como: “a experiência com

Agora leia o texto34 abaixo:

Page 71: Alfabetizacao e letramento

71textos escritos anteriores, as experiências de vida do leitor, a disponibilidade para arriscar uma hipó-tese sobre o signifi cado do texto e o conhecimento prévio dos suportes materiais da escrita” (IDEM: 118/119). Por exemplo: a organização espacial de um texto com título, estrofes e versos já me fazem antecipar que é uma poesia e a acionar todos os conhecimentos que tenho sobre este tipo de texto e, por conseguinte, a fazer a leitura de forma diferente de um texto científi co.

Se o assunto é pouco familiar para o leitor, a leitura se torna lenta, difi cultando a compreensão. Isto ocorre porque o leitor tem de buscar no texto que está lendo grande número de informações, acumulando tal volume de dados (visuais) que esbarra nos limites da capacidade da sua memória. Portanto, quanto menor a informação não-visual, maior a quantidade de informações visuais que o leitor deve buscar

no texto (IBIDEM: 119).

Na leitura que você realizou sobre “as crianças e os castelos de areia” você utilizou muito as informações não-visuais.

A verificação permite o leitor “certificar-se, através do sistema estruturado de palavras que compõem um texto escrito, sobre a antecipação do sentido que foi por ele previsto” (IBIDEM: 118). Necessita das informações visuais que são captura-das no texto pelo leitor.

Na identifi cação o leitor busca a informação nova, confi rmando ou reestruturando as hipóteses previa-mente intuídas.

Eis, portanto, um princípio do êxito na leitura: o leitor deve se apoiar muito mais nas informações não visuais, de sua estrutura cognitiva, do que nas informações visuais, grafa-das no texto específi co. E é esse princípio que as crianças devem aprender a dominar (...) Portanto, é lendo que a criança aprende a ler. É através da experiência que a criança desenvolve a capacidade de mobilizar aquelas estratégias básicas para o ato da leitura: verifi cação, antecipação e identifi cação (IBIDEM: 119).

As afi rmações de Juvêncio Barbosa (1990) ratifi cam que os aspectos lingüísticos (que são importantes) não podem ser o fi m do trabalho do professor alfabetizador. Entendemos que ele é conseqüência do trabalho de exploração/investigação/pesquisa que realizamos com o texto. Mas, afi nal, o que é texto?

Podemos simplifi car a resposta dizendo que o texto representa uma idéia, pensamento, sentimentos, que é uma produção cultural fundada na linguagem (es-

crita ou não). Nesta perspectiva tanto uma palavra, frase ou até uma imagem pode se constituir em um texto. Quando encontramos uma seta apontando para a direita, lemos que devemos seguir pela direita para chegar onde desejamos. Logo podemos entender que a imagem da seta é um texto. Da mesma forma que um artista ao pintar um quadro que será signifi cado por alguém, está produzindo um texto.

O nome da criança, geralmente, representa um tex-to muito signifi cativo para ela, pois está carregado de emoção, sentimentos, dando-lhe identidade e servindo como parâmetro para as suas descobertas lingüísticas e criação de hipóteses. Por isso o nome acaba sendo um dos primeiros textos a ser utilizado, quando queremos sistematizar a aquisição da leitura e da escrita.

Oferecer cartões com o nome de cada criança e explorá-lo é um bom início de trabalho. Por que a criança tem esse nome? Quem escolheu? O que signifi ca o nome? Por que as pessoas possuem um nome? Será que elas conhecem outra pessoa com o mesmo nome? E o sobrenome, o que signifi ca? Elas já viram os seus nomes escritos em outros lugares? Quais? Já viram o nome de outras pessoas escrito em outros lugares? Quais? (nome dos autores nos livros etc.). As questões lingüísticas também devem ser exploradas: O nome começa/termina com qual letra? Há nomes, na turma, que comecem com a mesma letra? Há nomes semelhantes? (Roberto/Roberta, Fernando/Fernanda, Cristina/Cristiane etc.) Em que são iguais? Em que são diferentes? Há nomes que possuem letras que não fazem parte do nosso alfa-beto (K, Y, W)? Enfi m, são muitas as possibilidades do trabalho com esse tipo de texto. Os objetivos do professor e as necessidades dos alunos é que deter-minarão quais as atividades mais adequadas em um determinado momento.

Um outro tipo de texto muito signifi cativo para as

crianças são os rótulos dos produtos consumidos por elas. Compreendendo que ler é atribuir signifi cado, os rótulos deverão ser trazidos pelas crianças ou pelo professor, após investigação do que os alunos consomem e conhecem. Os produtos adquiridos por uma família não são, necessariamente, adquiridos por outras. Não estamos dizendo que o universo do aluno tenha que ser limitado, apenas ressaltando que depen-dendo do objetivo (neste caso, a sistematização da linguagem escrita) os rótulos mais familiares serão os mais adequados, pois possibilitarão acionar diferentes estratégias de leitura.

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72

É importante que o aluno tenha oportunidade de expressar o seu pensamento, dizendo o que faci-litou a sua leitura. A linguagem oral também pos-sibilita comunicar idéias, pensamentos, intenções diversas, influenciar o outro e estabelecer relações interpessoais, além de apresentar e respeitar as variedades lingüísticas.

Não basta deixar que falem, é preciso que as situações orais representem situações comunicativas, signifi -cativas e que propiciem identifi car as diferenças no grau de formalidade (não falamos com uma pessoa desconhecida ou com o presidente, da mesma forma que falamos com o nosso colega)

Como temos por objetivo a sistematização da lingua-

gem escrita35, precisamos propiciar também refl exões sobre as questões lingüísticas que o texto propicia:

√ Identifi car no rótulo onde há texto com letras e onde há textos com números.√ Criar hipóteses para as escritas com letras (modo

de preparo, nome do fabricante, endereço eletrônico etc.) e para as com números (peso, telefone, código de barra, valores nutricionais etc.).

√ Identificar a letra inicial e final da palavra NESCAU.√ Observar a quantidade, seqüência e variedade de

letras que a palavra possui. Há letras repetidas?√ Comparar com os nomes dos colegas da turma. Há

algum nome que comece igual a NESCAU?√ Comparar com outros textos que estão na sala.√ Comparar com outras embalagens (Neston, Neve,

Neutrox etc.) √ Pesquisar uma receita que leve Nescau identifi can-

do a palavra no texto etc.

São muitas as possibilidades de trabalho com os ró-tulos. A criatividade, os conhecimentos técnicos e dos alunos de cada turma são os fatores que permearão as atividades planejadas.

Você pode estar achando que estamos sendo incoeren-tes ao defender o trabalho com textos e apresentarmos, até agora, análise de palavras isoladas (nome e rótulo). Nomes e rótulos são textos (representam uma idéia), que são compostos por uma única palavra e fazem parte do contexto cultural dos alunos. Existem palavras que em um contexto específi co são textos e que em outros são apenas palavras. Quando vemos a palavra NESCAU em

35 Estamos insistindo no objetivo da alfabetização nas séries iniciais do Ensino Fundamental, pois é ele que determina o trabalho pedagógico.

Ao apresentar este rótulo em uma turma é provável que todos leiam NESCAU. O que será que contribui para que dêem signifi cado a este rótulo, lhe conferindo a função de texto?

Vamos tentar identifi car as informações (visuais ou não-visuais) que podem r auxiliar este ato de leitura:

√ O “design” da embalagem;√ A relação do nome (marca) com um produto acho-

colatado e seu uso social: colocar no leite, fazer bolo, brigadeiro etc.;√ O local em que encontramos este produto: super-

mercado, padaria etc.;√ Os conhecimentos prévios que o aluno possui sobre

este gênero textual (rótulos);√ Identifi cação da forma da escrita da palavra (dia-

gramação/perfi l).

Vejamos um exemplo:

Page 73: Alfabetizacao e letramento

73

36 Todas as crianças possuem o direito constitucional de serem registradas e ter, gratuitamente, uma certidão de nascimento. A escola deve orientar às famílias para esse direito e encaminhar ao Conselho Tutelar aqueles que precisam de ajuda.

um rótulo ela tem uma representação (texto) diferente de quando a vemos escrita em uma receita culinária (é apenas uma palavra). Volte à mensagem das crianças construindo castelos de areia e perceba a diferença entre a palavra isolada (não texto) e um texto.

Uma proposta de alfabetização com textos deve possibilitar ao aluno inferir, processar, estabelecer relações e refl etir sobre as regularidades e as diferentes possibilidades da língua escrita.

Alguns gêneros textuais – como a literatura infantil, por exemplo – já conseguiram entrar

na sala de aula mesmo que como pretexto para trabalhar algum conteúdo ou para “preencher o tempo vago”. Porém, existem outros que ainda são marginalizados, talvez pelo desconhecimento do professor nas possibilidades de reflexões que possibilitam. Os documentos históricos ou não (carteira de identidade, CPF, título de eleitor, certidões, dossiês etc.) são exemplos de escritos que ficam longe da escola. Talvez por serem considerados sérios demais para as crianças ma-nusearem. Mas as crianças que estão imersas na sua cultura sabem da existência deles e possuem uma certidão nascimento.36

Este tipo de texto possibilita explorar, dentre tantas coisas, após a leitura cuidadosa realizada pela profes-sora com os alunos:

√ Onde podemos encontrar este tipo de texto? √ Quem escreve este texto?√ Qual a sua função?√ Em que situações ele pode ser útil?

√ Qual a situação em que o aluno usou ou viu alguém usando a certidão de nascimento?√ Quem é o leitor para esse tipo de texto?√ Onde encontramos o nome do documento?√ A quem pertence o documento? √ Quando Sthephany nasceu?√ Em que cidade ela nasceu?√ Quem são os seus pais? E avós paternos? E os

maternos?

Fonte: www.1cartorio.com.br, acesso em 06/07/2007.

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74

Fonte: PREFEITURA DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO. Ensinar pra Valer. Módulo 1. Rio de Janeiro, 2002.

√ Em qual Estado ela nasceu?√ Localizar no texto as informações: nome, fi liação, data

do nascimento, data do registro, nome do escrivão etc.√ Que outro documento identifi ca um sujeito?√ Analisar a sua própria certidão de nascimento (cópia

xerografada), buscando as informações possíveis (as crianças adoram usar canetas marca-texto).

Trabalhar com documentos pessoais implica ter cuida-dos para não entrar em questões particulares das famílias. Por isso, é recomendado que antes de solicitar que tragam suas certidões, o professor converse com os responsáveis apresentando os seus objetivos e caso perceba que pode causar algum constrangimento às crianças, construa com eles as suas certidões conforme o modelo abaixo.

Page 75: Alfabetizacao e letramento

75Após a análise das suas certidões de nascimento (se

for possível), uma boa proposta é a criança preencher o modelo acima copiando as informações do seu documento.

Utilizar as informações coletadas ajuda o aluno a

descobrir uma das funções dos documentos: fonte de pesquisa e informação. Que tal confeccionarem uma carteira de identidade? Quais as informações da certi-dão de nascimento que serão úteis para o preenchimen-to da Carteira de Identidade? Quais são irrelevantes? Para que serve a carteira de identidade?

Fonte: PREFEITURA DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO. Ensinar pra Valer. Módulo 1. Rio de Janeiro, 2002.

Além da função social e da localização de infor-mações (escrita), estes textos permitem trabalhar os aspectos notacionais37 da língua que possibilitarão refl etir sobre sua estrutura e organização. Retome a leitura do início desta unidade, Saberes Necessários para ler e escrever, e veja que as necessidades da turma determinarão: o que é palavra? O que é sílaba? Relações fonemas/grafemas. O signifi cado dos espaços em branco? etc.

Os conhecimentos técnicos do professor darão a dosagem das atividades. Não se pode abordar tantas

questões em um único dia. O trabalho exemplifi cado aqui com os documentos de identidade consumirá, no mínimo, uma semana de trabalho. Só quem conhece os alunos poderá planejar as atividades diárias, respeitan-do os níveis de conhecimento e as necessidades para avançarem no seus processos de conhecimento.

É importante que na hora de planejar uma atividade com texto o professor pense em questões relativas às marcas espaciais, ao formato, às características e função do texto, ao conteúdo, aos aspectos fonéticos, sintáticos e semânticos.

37 Que diz respeito ao sistema de representação gráfi ca, ou seja, as questões da estrutura da língua.

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76 Convite José Paulo Paes

Poesia é brincar com as palavrascomo se brincacom bola, papagaio, pião

Só quebola, papagaio, piãode tanto brincarse gastam.

As palavras não:quanto mais se brincacom elasmais novas fi cam.

Como a água do rioque é água sempre nova.

Como cada diaQue é sempre um novo dia.

Vamos brincar de poesia?

Fonte: PAES, José Paulo. Poemas para brincar. São Paulo: Ática, 1998.

1 - Marcas espaciais, /formato/ características formais

• Onde encontramos o título?• Como podemos saber quem escreveu a poesia?• O que nos faz identifi car que esse texto é uma poe-

sia? (estrofes, versos, espaços em branco, silhueta)

2 - A função do texto

• Qual será que foi a intenção do autor ao escrever este texto?

• Para você, para que serve esse tipo de texto?• Quando se usa este tipo de texto?• Este texto é semelhante a outros afi xados na sala?

Quais? Quais são as semelhanças?

3 - O conteúdo

• O que o texto transmite para você?• Sobre o que “fala” o texto?• Que tipo de comparação o autor estabelece?• O autor compara as palavras com que?• Qual é o convite que o autor nos faz?

4 - Aspectos fonéticos, sintáticos e semânticos

• Essa poesia apresenta rimas?• Há palavras repetidas? Quais?

• Há palavras semelhantes? (NOVO/NOVA, NOVA/NOVAS) Qual a diferença entre elas?

• Quais as palavras que começam com a mesma letra? Elas têm o mesmo som?

• Há alguma palavra que comece com a letra do seu nome?

• No texto, qual a palavra que rima com POESIA?• O que signifi ca papagaio neste texto? É um animal?

Qual o sinônimo de papagaio? Que tal pesquisar os diferentes nomes que a pipa tem nas diferentes regiões? (pipa/papagaio/ pandorga/arraia/cafi fa/raia etc.).

• O que signifi ca “rio” nesta poesia? Esta palavra tem outros signifi cados?

• Há palavras que possuem outras palavras dentro delas? (PAPAGAIO = PAPA/ PAGA/PAIO). Elas possuem o mesmo signifi cado?

• Compare as palavras PIÃO / GASTAM / NÃO / FICAM? Elas rimam? Por quê? O que elas possuem de igual? O som [ão] é grafado da mesma forma?

O trabalho com textos oportuniza todas as crianças, mesmo em diferentes níveis de conhecimento, a tra-balharem juntas e possibilita também que o professor trabalhe diversifi cadamente, atendendo as questões específi cas dos alunos ao propor refl exões que os farão avançar em suas hipóteses. As crianças que ainda não conseguem fazer a leitura convencional, vão aprendendo a estrutura do texto, sua forma de organização e fazendo previsões acerca das regularidades da língua.

Vejamos a poesia abaixo:

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77 O que pretendemos aqui foi demonstrar que é possí-

vel abdicar de um trabalho fragmentado com a língua,

Leitura Complementar

Leia o capítulo 1 do livro Alfabetização e Lingüística, de Luiz Carlos Cagliari, da editora Scipione. Você en-contrará uma explicação simples para o que é lingüística, sintaxe, morfologia, semântica etc. Saberes importantes para pensar na metodologia a ser utilizada.

Leia o capítulo 9 do livro Alfabetização e Leitura, de José Juvêncio Barbosa, da editora Cortez. Você poderá aprofundar a discussão sobre as diferentes situações de leitura e as habilidades necessárias para ler (antecipação, verifi cação e identifi cação).

com letras, sílabas e palavras com fi m em si mesmas, para “alfabetizar letrando”.

3.5 – Os “Erros” mais Comuns e Possíveis Estratégias de Intervenção

Os alunos levam muitíssimo a sério (mesmo brincan-do) a tarefa de aprender a escrever e põem nisso um grande trabalho de refl exão, quando estimulados a se autodesenvolverem e não a fazerem um trabalho mecâ-nico repetitivo, simplesmente. Podem até “pular” uma sílaba, porque nem sempre relêem o que escrevem, aliás, como os adultos também fazem às vezes.

Cagliari

Na alfabetização a partir de textos, um dos princípios metodológicos é a produção de textos espontâneos pelos alunos. Você viu ao longo desse material vá-rias produções infantis. Ao escreverem a partir das refl exões que fazem sobre a língua, as crianças vão procurando compreender suas regras (regularidades) e, enquanto não consolidam o seu processo de alfabetiza-ção, cometem erros induzidas pelos usos ortográfi cos que o próprio sistema de escrita tem e por traços da oralidade.38

Cagliari (1996) realizou uma pesquisa, analisando a

produção de crianças no processo inicial de alfabetiza-ção, em diferentes cidades (regiões nordeste e sudeste), com diferentes propostas metodológicas e detectou que as produções das crianças que foram iniciadas no pro-cesso de escrita, de forma tradicional (letras, sílabas) apresentavam, além dos problemas ortográfi cos, sérios problemas de estrutura, muito mais graves do que as que foram iniciadas pelos textos espontâneos.

Vejamos dois exemplos dados pelo autor. Com os co-nhecimentos que você já construiu até aqui, qual deles pode ser considerado um texto? Qual deles realmente comunica uma idéia?

TEXTO 1

A pata nada no lago.A patinhas nada mina.O cachorrinhas chama luluO cacho foi pego pela a carrocinhas.

A galinha botou o ovos.O cachorrinhos está no lago iai o loboma pegou..

TEXTO 2

O sapo voadoro sapo vai a o ispaso lã ele ve o sol e posa ni um praneta CH Amado marteele ve um mostro ele fala socoro o vocao comeco a sai lava o motro sootoo o sapo o sapo foi parao fogete quando ele CH egouna terra ele foi ce um soldado

Fonte: CAGLIARI, Luiz Carlos. Alfabetização e lingüística. São Paulo: Scipione, 1996, p.132 e 135.

O que você achou? Qual deles está mais de acordo com um texto narrativo? Em qual deles há uma história com apresentação do enredo (início), desenrolar da história (meio) e fechamento (fi m)?

O texto 1 é a produção de uma criança que foi iniciada pelos métodos tradicionais. Já o texto 2 é de uma crian-ça iniciada pela produção espontânea. Você percebeu a diferença? Sem dúvida, o texto 2, apesar de todos os problemas ortográfi cos, apresenta as características de um texto, com título, narrativa coerente e encadeada.

O fato de desconhecermos o trabalho do professor, realizado com as crianças cotidianamente, nos impede de fazer uma análise mais aprofundada destes textos. Mas podemos afi rmar que as duas crianças necessi-tam de uma boa intervenção pedagógica. No caso da primeira, além das questões ortográfi cas, ela necessita aprender as estruturas dos textos e resgatar a sua ima-ginação. Tarefa nada fácil para o professor que tem a concepção de que a aprendizagem da escrita se dá de forma fragmentada, por meio das “famílias silábicas”

38 Retome a leitura das contribuições de Miriam Lemle, no item 3.1: Saberes Necessários para ler e escrever. Foram apresentados alguns aspectos da relação fonema/grafema que compõem a língua portuguesa. Agora veremos com essas “relações complicadas” induzem aos erros.

Page 78: Alfabetizacao e letramento

78(ba-be-bi-bo-bu), e nem para o aluno, que aprendeu que só pode escrever aquilo que foi “ensinado”. Porém é possível! Cabe ao bom professor mudar o rumo do seu trabalho quando percebe que os alunos não estão construindo os conhecimentos necessários.

Um outro aspecto muito interessante da pesquisa foi perceber que muitos erros cometidos pelos alunos

eram recorrentes nas diferentes cidades e que muitos deles eram causados pelas próprias possibilidades de organização da língua escrita.

A seguir, você verá um quadro que sintetiza os er-ros mais freqüentes encontrados por Cagliari em sua pesquisa:

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Perceba que independente do dialeto, encontramos mui-tos tipos de “erros” detectados na referida pesquisa.

Agora, você fará a análise do texto abaixo identifi -cando os “erros” mais presentes.

Muitos destes erros só podem ser categorizados se co-nhecermos bem os alunos, seu ambiente sociocultural e ouvirmos as suas falas. Por exemplo, para saber se um erro é modifi cação da estrutura segmental da palavra ou forma morfológica diferente, só se soubermos como as crianças falam.

Cagliari (1996) concluiu em sua pesquisa que as crianças tinham pouca difi culdade com a segmentação e o reconhecimento das formas das palavras, revelavam um uso sintático muito bom, não apresentavam, geral-mente, um uso estranho de letras e acentuavam, em determinadas ocasiões, as palavras de forma correta.

É fácil ver que há muito mais acertos do que erros, nos textos. Desta comparação fi ca claro que os erros não são

difi culdades insuperáveis ou falta de capacidade das crian-ças e nem os acertos são obra do acaso. Tudo pertence a um processo de aprendizagem da escrita e revela a refl exão que o aluno põe na sua tarefa e na forma de interpretar o fenômeno que estuda (CAGLIARI, op. cit.: 145).

O mais importante na pesquisa realizada por Cagliari foi comprovar que os erros cometidos pelos alunos não acontecem por acaso. Eles são resultados de suas refl e-xões sobre como se escreve. Muitos erros independem do dialeto falado pelas crianças, é a própria estrutura da língua que induz.

Vejamos um exemplo de produção de texto de uma criança carioca de 6 anos.

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O que você identifi cou? Vá ao fi nal desta página e veja algumas considerações.39

Mas o que fazer para que os alunos avancem em seus conhecimentos?

O trabalho de Cagliari (1996) analisou texto de crian-ças que já escreviam alfabeticamente. Mas nem todas as crianças começam a escrever de forma alfabética.

Vejamos como Fábio, um menino de 10 anos, da cidade de Belo Horizonte, escrevia no início do seu processo de aprendizagem da escrita.

39 * Juntura Intervocabular: ES TAVANDA DO (estava nadando), ABIOZOLIO (abriu os olhos), DREPET E (de repente), TUDOBIE (tudo bem).* Segmentação: APA RECAU (apareceu), QUA NDO (quando), ES TAVANDA DO (estava nadando).* Uso indevido de letras: CAUSA (calça), MAX (mas), EXITAVA (estava).* Transcrição fonética: VIO (viu)* Modifi cação da estrutura segmental das palavras: APA RECAU (apareceu).Esses são os erros mais freqüentes neste texto. Outros erros também aparecem, porém com menor incidência.40 Modelos estáveis são textos em que aprendemos pela percepção (visual ou auditiva) e o sabemos de cor (memorizados).

Apesar de Fábio usar letras em suas escritas, ele ainda precisa construir a base alfabética do sistema de escrita. Para isso é necessário que seja oportunizado:

⇒ Leitura compartilhada de bons textos, apontando as palavras que estão sendo lidas.

⇒ Atividades que levem à consciência sonora: • Trabalho com rimas (poesia, músicas, parlendas,

adivinhas etc.) • Escrita com letras móveis. • Análise de palavras signifi cativas e contextu-

alizadas, identifi cando as letras, sua seqüência e quantidade.

⇒ Atividades com modelos estáveis:40

• Nomes próprios • Rótulos • Folhetos de propaganda • Título de histórias e outros textos

⇒ Produção coletiva de textos: Os alunos criam o texto e o professor desempenha o papel de escriba.

Fonte: PREFEITURA DE BELO HORIZONTE. Revista Escola e Escrita. nº. 1. Belo Horizonte, 1999.

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82⇒ Leitura de textos memorizados: • Músicas • Parlendas • Travalínguas

⇒ Atividades de leitura que envolvam imagens e sinais, além da escrita.

Vejamos como uma boa intervenção pedagógica pode fazer as crianças avançarem. Observe a produção abaixo. Ela é de uma menina de 6 anos, que foi submetida a um trabalho de escrita com atividades que priorizavam as questões apresentadas anteriormente. A escrita superior foi realizada em fevereiro, como diagnóstico do que ela já sabia sobre a escrita. A escrita inferior foi realizada por ela em maio, quando a professora devolveu-lhe o trabalho e pediu para que ela rescrevesse.

Ela não só passou a escrever alfabeticamente, como já escreve de forma ortográfi ca. Isso não aconteceu por acaso. Foi resultado de um trabalho com objetivos bem defi nidos, que a fez refl etir sobre a escrita.

Mas e as crianças que já escrevem alfabeticamente?

Para as que apresentam “erros” de transcrição fonéti-ca, hipercorreção, modifi cação da estrutura segmental das palavras, forma morfológica diferente, e até pro-blemas sintáticos, faz-se necessário:

⇒ Atividades que levem à percepção de que a escrita não representa a fala:

• Escrita de pequenos textos de memória (músicas, parlendas, travalinguas, reprodução de placas).

• Atividades com rimas • Escrita de pequenos textos (listas, bilhetes, re-

cados, trechos de histórias, defi nições etc.)

⇒ Leitura de diferentes textos, por alunos e pro-fessor.⇒ Produção coletiva de texto⇒ Revisão e reescritura, coletiva e individual, dos

textos.

A seguir você verá a produção escrita de uma criança de 6 anos, que após algumas refl exões coletivas sobre questões lingüísticas, reescreve o seu texto.

1ª VERSÃO (produção espontânea, sem nenhuma intervenção):

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2ª VERSÃO (produção revisada, após intervenção da professora, que propôs para a turma algumas refl exões sobre a linguagem escrita):

Observe como a criança foi capaz de corrigir alguns de seus “erros”. Você deve estar se perguntando: Por que ela não corrige todos? Porque as informações recebidas e as refl exões elaboradas por ela ainda não são sufi cientes para desestabilizar todas as hipóteses que tem sobre como se escreve. As crianças aprendem em ritmos próprios, apoiadas nas estruturas mentais construídas. Não adianta submete-las à refl exões que estão muito além das suas necessidades e possibili-dades de compreensão. Por isso, um bom professor é aquele que faz uma análise cuidadosa das produções de seus alunos, identifi cando questões que serão priorizadas no planejamento das atividades.

Os erros de juntura intervocabular e segmentação ocorrem porque as crianças não percebem, na oralidade, as pausas que representam o término de uma palavra, bem como o que representa os espaços em branco na escrita (determinam o signifi cado da palavra) 41. Por isso é importante que as crianças vivenciem:

⇒ Atividades que trabalhem o conceito de palavras, tais como:

• Elaboração de listas • Criação de nome de produtos (marcas) • Confecção de etiquetas • Jogos: forca, adedanha etc.

⇒ Atividades que as levem a refl etir sobre o signi-fi cado dos espaços em branco no texto escrito:

• Marcar os espaços em branco entre as palavras, fazendo uma análise do que representam.

• Fazer escrita de textos memorizados (parlen-das, pequenas músicas, versinhos etc.) em espaços pré-determinados.

Veja a atividade proposta por uma professora para que seus alunos “corrigissem” os seus “erros” de segmentação e junção intervocabular, ou seja, compreendessem os signifi cados de palavra e dos espaços em branco.

41 Retome a leitura do texto Saberes Necessários para ler e escrever, nesta unidade, sobre o conceito de palavra.

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A partir de uma pequena música memorizada e trabalhada com as crianças, elas teriam que escrever uma palavra em cada traço determinado no papel. Esta atividade faz as crianças pensarem sobre cada palavra que escrevem e no intervalo entre elas.

Para a “correção” do uso indevido de letras, acentos gráficos e uso de letras maiúscula e minúscula, é necessário que o aluno construa as regras ortográficas. Estamos falando em constru-ção, pelo aluno, e não em memorização a partir da informação dada pelo professor. Não adianta dizer para ele que antes de P e B, usamos a letra M. Esta informação pouco ou nada adiantará no momento em que ele estiver escrevendo. O fundamental é que ele vá construindo as regras a partir das suas observações e reflexões sobre os textos escritos. Para isto é preciso:

⇒ Leitura de diferentes tipos de textos⇒ Construção das regras ortográficas:• Por hipóteses contextuais (mp/mb, r / rr,

s/ss, g/gu, c/qu, acentos gráficos, uso da letra maiúscula).

Por exemplo: ao lerem um texto, escolhido pelo professor de acordo com os seus objetivos, os alunos são solicitados a grifarem as palavras que possuem sílabas nasalizadas com M ou N, ou seja, as sílabas terminam em M ou N. Após a marcação, solicitar que façam a leitura de todas as palavras com M, depois todas as com N. Solicite que identifiquem as letras que estão antes do M e do N (encontrarão as vogais). Questione se há diferença nas letras que encontraram. Depois peça para que verifiquem as letras que estão depois do M e do N, na outra sílaba. Quais as letras que estão depois do M? E do N? O que descobriram?

Podemos dizer que neste momento os alunos estão construindo uma regra ortográfica.

• Por memorização (g/j, ch/x, e/i, o/u/l, s/z/x, s/ss/ç/c/sc e acentuação nasal m/n/~)

Nestes casos não há regras ortográfi cas que expli-quem a grafi a das palavras, apenas a origem delas, no latim, grego, podem explicar, mas torna-se um conhecimento além das necessidades dos alunos. Por isso, é importante a memorização pela leitura de textos diversos e consulta ao dicionário. As palavras desta categoria, que são freqüentemente grafadas erradas pelas crianças podem ser afi xadas em um mural, durante certo tempo, para que possam con-sultá-las. Depois que já estiverem com a grafi a con-solidada, sairão para dar lugar a novas palavras.

É a leitura freqüente de bons textos que propor-cionará a aquisição da grafia correta destas pala-vras. Quantas vezes temos dúvida na grafia de uma palavra, escrevemos algumas possibilidades de sua escrita e descobrimos a correta, pela memória visual (já a vimos escrita em diversos textos)?

As questões relacionadas aos sinais de pontua-ção, geralmente não são priorizadas no processo inicial da aprendizagem da escrita, por requererem uma compreensão maior de como a escrita está or-ganizada. O importante é que o aluno perceba que a pontuação dá sentido ao texto. Ela não é “pausa para respirar” como nos disseram. Uma vírgula pode mudar completamente o significado de um texto ou a classe gramatical de uma palavra.

Veja a poesia abaixo. Observe como a palavra verão muda de classe gramatical em função da pontuação. Ora ela é substantivo (estação do ano), ora ela é verbo (ver).

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42Autor desconhecido.

Por isso, as refl exões sobre os sinais de pontuação precisam ser no sentido de identifi carem o que eles representam no texto (conclusão de uma idéia, sepa-ração de objetos enumerados, indicativo da fala de um personagem, um questionamento etc.). Quando as crianças começam a compreender o signifi cado dos sinais de pontuação, elas começam a usá-los em seus textos. É um processo gradual, que exige tempo para ser aprimorado. Nem os adultos sabem usar, de forma adequada, todos os sinais de pontuação. O que dizer do ponto-e-vírgula?

A leitura de bons textos e a remontagem de peque-nos textos, que são entregues desmontados (palavras e sinais de pontuação separados), podem ajudar na construção do signifi cado da pontuação.

Os problemas com a forma de traçar as letras são

quase inexistentes quando o trabalho é iniciado com a letra maiúscula, do tipo imprensa, e posteriormente as crianças passam a escrever com a letra cursiva. Quando elas estão avançadas no seu processo de aprendizagem da escrita, elas sabem da importância da comunicação do texto e o quanto a forma de grafar contribui para

isso. A passagem para letra cursiva acontece de forma gradual, propondo às crianças a observarem alguns escritos com letra cursiva e a reescreverem algum de seus textos, de forma semelhante. Mas caso alguma criança apresente difi culdades, o importante é mostrar para ela um alfabeto com letras cursivas. O uso do computador pode ajudar bastante. Com ele é possível transformar a fonte de um texto, identifi cando o traçado das letras.

Você deve ter percebido que um mesmo tipo de ativi-dade (leitura de textos, trabalho com rimas, escrita de textos memorizados etc.) contribui para a construção de vários elementos da linguagem escrita, dependendo do objetivo que temos. Por isso defendemos que um mesmo texto (ou uma atividade) possa ser trabalhado coletivamente e também atendendo as necessidades específi cas dos alunos.

Cabe ressaltar que muitos erros ocorrem na produção espontânea (adultos e crianças, alfabetizados ou em processo de alfabetização) porque quando estamos escrevendo, a nossa atenção está focada nas idéias que queremos expor e não nas questões lingüísticas. Por

42

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86isso é que qualquer texto deve ter algumas versões. Na primeira não nos preocupamos com a forma da escrita, apenas com o que queremos comunicar; na segunda, geralmente, nos preocupamos com o aprimoramento das idéias, na terceira e demais, nos preocupamos com forma do texto (questões ortográficas e estéticas). Na medida em que vamos nos tornando escritores experientes, reduzimos a quantidade de revisões, porém ficamos mais exi-gentes com a qualidade dos nossos textos.

Devemos ter como meta, que os nossos alunos se transformem em verdadeiros revisores de textos,

conseguindo debruçar-se nas suas produções, me-lhorando-as, corrigindo as questões ortográficas, com o objetivo de comunicar as suas idéias, pen-samentos e sentimentos.

Porém, para que isso ocorra, é necessário um bom trabalho do professor e boas propostas de reescritura.

Vejamos a seguir uma proposta de revisão de texto, elaborada por uma professora para a sua turma.

É claro que essa proposta foi feita para crianças que estão acostumadas com a revisão de textos e de parceria com os colegas e professor.

Vejamos uma outra intervenção feita pela mesma

professora. Após ter combinado com a turma e definido o tipo de marcação, ela sublinhou, nas palavras, o que necessitava ser revisto pelos alu-nos. Cada aluno fez a revisão do seu próprio texto, usando a borracha.

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É importante que saibamos o momento correto de intervir no texto dos alunos. Quando eles ainda estão descobrindo que podem escrever usando letras ou que podem escrever o que pensam, vencendo a inibição, não é o momento de fazer correções específi cas nos textos. Mas isso não quer dizer que tenhamos que fi car de braços cruzados aguardando o momento correto. Devemos trazer as questões percebidas, de forma sutil, para serem trabalhadas no coletivo da turma. O bom professor é aquele que não espera acontecer, cria situ-ações para que os avanços dos alunos aconteçam.

Tudo isto que discutimos aqui “freqüenta” os espaços acadêmicos e de formação continuada dos professores, há pelo menos duas décadas. Apesar disto, ainda não virou realidade em muitas salas de aula. Talvez por-que os professores não consigam romper com a sua

formação e tenham medo do ousar, pois ainda não acreditam que é possível.

A seguir apresentaremos três exemplos de evolu-ção da escrita de pessoas bem distintas, que tiveram professores que orientavam o seu trabalho de alfa-betização a partir de textos e que, acima de tudo, acreditavam nas suas capacidades de aprender. O primeiro exemplo é de Priscila, 7 anos, uma aluna do 1º ano do ciclo inicial, de uma escola estadual. O segundo exemplo é de Wesley, 10 anos, com histórico de paralisia cerebral, aluno da AACD (Associação de Amparo à Criança Defeituosa). O terceiro é de Geraldina, descendente de índios, 17 anos, aluna da Classe de Alfabetização de Jovens e Adultos em uma escola estadual. Observe o ano em que o trabalho foi realizado.

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Fonte: BRASIL. Parâmetros em Ação – Alfabetização. Brasília: MEC, 2000.

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89Você pôde observar que todos evoluíram muito em

pouco tempo. Resultado de boas intervenções pedagó-gicas, de professores pioneiros, comprometidos com seus alunos.

Atualmente temos, praticamente, todas as crianças

na escola, mas não temos conseguido ensina-las a ler e escrever de forma competente. Muitos são os fato-res que geram o fracasso escolar, mas com certeza a concepção de aprendizagem do professor, refl etida no seu trabalho, contribui muito.

Finalizando...

Estamos chegando ao fi nal de um trabalho. Espera-mos ter dialogado com você, contribuindo para suas refl exões e formação de um bom profi ssional, pesqui-sador e consciente da sua função social.

Com certeza não esgotamos tudo que precisa ser co-nhecido quando estamos desenvolvendo um processo de alfabetização com crianças, jovens ou adultos, pois, além dos saberes que você possui e construiu com as outras disciplinas, são os aprendizes que nos desafi am a buscar os conhecimentos necessários para o trabalho com eles. Mas destacamos pontos essenciais que com-põe o desafi o de “alfabetizar letrando”:

• A escrita deve ser apresentada para os aprendizes em sua função social.

• Todos os textos que circulam na sociedade são materiais para aprender a escrever.

• A escrita não é uma representação direta da fala.• Leitura e escrita são processos distintos e interli-

gados.• Usamos estratégias diferentes para a leitura, de

acordo com o tipo de texto e o nosso objetivo.• Os textos servem para expressar idéias, sentimentos,

emoções etc. e de acordo com a nossa intenção esco-lheremos o tipo de texto mais adequado.

• Os aspectos lingüísticos são importantes, mas a alfabetização não pode tê-los como fi m.

• As crianças só aprendem a ler, lendo. E a escrever, escrevendo.

• Os conhecimentos que as crianças já trazem sobre a escrita e o mundo deve ser o ponto de partida para o trabalho pedagógico.

• Para poder ajudar os alunos a avançarem nos seus conhecimentos sobre a linguagem escrita, o professor deve conhecer os “saberes necessários para ler e es-crever”, que passam por compreender como a língua portuguesa está estruturada e a função dos textos na sociedade.

• O trabalho com texto envolve a refl exão sobre questões relativas às marcas espaciais, ao formato, às características e função do texto, ao conteúdo, aos aspectos fonéticos, sintáticos e semânticos.

• Acreditar que todos os alunos são capazes de aprender, faz com que o professor faça intervenções pedagógicas adequadas.

• Para formarmos bons leitores é imprescindível que haja, na sala de aula, situações de leitura pelo simples prazer da leitura, sem pretexto para aprendizagem de conteúdos pedagógicos.

• Os erros revelam as hipóteses que os aprendizes têm sobre a escrita e muitos são decorrentes do próprio sistema de escrita.

• O professor deve elaborar boas estratégias de in-tervenção para que os alunos possam aprimorar suas escritas.

• O aluno deve aprender a revisar seus textos, tornan-do-o mais claro e comunicativo.

Agora você precisa continuar estudando, pesquisando sobre como os sujeitos aprendem e as possibilidades de transformação da prática pedagógica. Você pode fazer a diferença! Pois como nos lembra o educador Darcy Ribeiro:

Uma coisa é um menino ou menina que fala a língua letrada,

lê, escreve. Tem uma cara já modifi cada, não tem uma postura humilhada e ofendida de um

analfabeto, cuida não só do seu corpo, mas também de seu

espírito.43

RIBEIRO, Darcy. In: CICLO DE ESTUDOS 2004. Alfabetização a 4ª serie do Ensino Fundamental – Palavra puxa palavra. Fundação Darcy Ribeiro: 2004, p. 45.

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90Leitura Complementar

Visite o site da Secretaria Municipal de Belo Horizonte (www.pbh.gov.br – Educação) e faça o download da Revista Escola e Escrita, n.º 1, de 1999. Nela você vai encontrar, além de vários artigos e reportagens sobre alfabetização e letramento, um artigo em que apresenta a evolução da escrita do aluno Fábio, que apresentamos aqui.

Leia o Livro O Diálogo entre o Ensino e Aprendizagem, de Telma Weisz, editora Ática, 2000, para aprofundar as questões sobre como fazer o conhecimento do aluno avançar, quando corrigir, quando não corrigir, a necessidade de os bons usos da avaliação e o desenvolvimento profi ssional permanente. É uma leitura indispensável!

O Livro Alfabetização e Lingüística, de Luiz Carlos Cagliari, editora Scipione, 1996, apresenta um capítulo sobre escrita em que ele relaciona os textos que subsidiaram a sua pesquisa e faz uma análise dos erros mais freqüentes. É mais um livro que contribui muito para o trabalho do professor alfabetizador.

Visite o site do MEC (http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/pcn_acao/pcnacao_alf.pdf) e faça o download do Parâmetros em Ação – Alfabetização, que traz mais detalhes e análise da evolução da escrita de Priscila, Wesley e Geraldina. É um bom material para a formação de professores.

Exercícios de Fixação

1- Com os conhecimentos já adquiridos por você, analise a escrita abaixo de uma criança com 6 anos. Iden-tifi que quais os conhecimentos ela já possui sobre a língua, o que ela ainda precisa saber e quais as possíveis intervenções para que o seu conhecimento avance.

“Certa vez Johann viu/ um tubarão o tubarão/ quase comeu ele mas/ era só um sonho”

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912 - Na Unidade II, você solicitou à professora da sua turma de estágio / cópia de algumas produções dos alu-

nos. Agora analise essas escritas identifi cando os “erros” mais freqüentes. Relacione-os. A que conclusão você chegou? Os “erros” refl etem a metodologia utilizada?

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Se você:

1) concluiu o estudo deste guia;2) participou dos encontros;3) fez contato com seu tutor;4) realizou as atividades previstas;

Então, você está preparado para as avaliações.

Parabéns!

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93Glossário

Consciência Fonológica - é o conhecimento acerca da estrutura sonora da linguagem. Através do contato com a linguagem oral de sua comunidade, o sujeito toma consciência de que a língua falada pode ser segmentada em unidades distintas, ou seja, a frase pode ser segmentada em palavras; as palavras, em sílabas e as sílabas, em fonemas e a consciência de que essas mesmas unidades repetem-se em diferentes palavras faladas.

Consoante - som da fala que só é pronunciável se formar sílaba com a vogal. Só “soa” se for junto com outro som. Do ponto de vista articulatório, diz-se do som em que a corrente de ar encontra empecilho. É aquele som que precisa estar COM um SOANTE.

Esopo - fabulista grego do século VI a.C. Na verdade, todos os dados referentes a Esopo são discutíveis e trata-se mais de um personagem lendário do que histórico. A única certeza é que as fábulas lhe atribuídas foram reunidas pela primeira vez por Demétrio de Falera, em 325 a.C. Concretamente, não há indícios seguros de que tenha escrito qualquer coisa. Entretanto, foi-lhe atribuído um conjunto de pequenas histórias, de carácter moral e alegórico, cujos papéis principais eram desenvolvidos por animais.

Filogênese - palavra de origem grega (phylon = tribo, raça e genetikos = relativo à gênese = origem). É o termo comumente utilizado para hipóteses de relações evolutivas de um grupo de organismo. Refere-se, de certa forma, à evolução da humanidade. Ontogênese - palavra de origem grega (ón, óntos = ser, criatura e genetikos = relativo à gênese = origem). Defi ne a formação e desenvolvimento do indivíduo desde a fecundação do óvulo até a morte. A idéia de que a ontogênese recapitula a fi logênese, isto é, que o desenvolvimento de um organis-mo refl ete exatamente o desenvolvimento evolucionário das espécies, está hoje desacreditada. Porém, muitas conexões entre ontogenia e fi logenia podem ser observadas e explicadas pela teoria evolucionista.

Psicogênese - é a origem e desenvolvimento dos processos mentais ou psicológicos. É o estudo da gênese e do desenvolvimento das funções psíquicas. Por isso que quando falamos em psicogênese da língua escrita, estamos falando em compreender o desenvolvimento dos processos mentais para a aquisição da escrita.

Pré-história - período anterior ao aparecimento da escrita, ou seja, anterior a 4000 a.C., pois foi por volta deste ano que os sumérios desenvolveram a escrita cuneiforme. Período importante da História, pois o homem conseguiu vencer as barreiras impostas pela natureza e prosseguir com o desenvolvimento da humanidade na Terra. Foi desenvolvendo, aos poucos, soluções práticas para os problemas da vida, inventando objetos e soluções a partir das necessidades. Ao mesmo tempo foi desenvolvendo uma cultura muito importante. Esse período pode ser dividido em três fases: Paleolítico (Idade da Pedra Lascada), Mesolítico e Neolítico (Idade da Pedra Polida).

No período Paleolítico, o ser humano habitava cavernas, muitas vezes tendo que disputar este tipo de habitação com animais selvagens. Quando acabavam os alimentos da região em que habitavam, as famílias tinham que migrar para uma outra região. Desta forma, o ser humano tinha uma vida nômade (sem habitação fi xa). Vivia da caça de animais de pequeno, médio e grande porte, da pesca e da coleta de frutos e raízes. Usavam instrumen-tos e ferramentas feitos a partir de pedaços de ossos e pedras. Os bens de produção eram de uso e propriedade coletivas. A comunicação, com uma linguagem pouco desenvolvida, baseada em pouca quantidade de sons, sem a elaboração de palavras. Uma das formas de comunicação eram as pinturas rupestres. Através deste tipo de arte, o homem trocava idéias e demonstrava sentimentos e preocupações cotidianas.

No período Mesolítico, período intermediário, o homem conseguiu dar grandes passos rumo ao desenvolvi-mento e à sobrevivência de forma mais segura. O domínio do fogo foi o maior exemplo disto. Com o fogo, o ser humano pôde espantar os animais, cozinhar a carne e outros alimentos, iluminar sua habitação além de conseguir calor nos momentos de frio intenso. Outros dois grandes avanços foram o desenvolvimento da agricultura e a domesticação dos animais que proporcionou a diminuição de sua dependência com relação a natureza. Com esses avanços, foi possível a sedentarização, pois a habitação fi xa tornou-se uma necessidade. Aqui começa a divisão do trabalho por sexo dentro das comunidades. Enquanto o homem fi cou responsável pela proteção e sustento das famílias, a mulher fi cou encarregada de criar os fi lhos e cuidar da habitação.

Já no período Neolítico o homem atingiu um importante grau de desenvolvimento e estabilidade. Com a se-dentarização, a criação de animais e a agricultura em pleno desenvolvimento, outras necessidades surgiram. Um avanço importante foi o desenvolvimento da metalurgia. Com a criação de lanças, ferramentas e machados, os

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94homens puderam caçar melhor e produzir com mais qualidade e rapidez. A produção de excedentes agrícolas e sua armazenagem, garantiam o alimento necessário para os momentos de seca ou inundações. Com mais ali-mentos, as comunidades foram crescendo e logo surgiu a necessidade de trocas com outras comunidades. Foi nesta época que ocorreu um intenso intercâmbio entre vilas e pequenas cidades. A divisão de trabalho, dentro destas comunidades, aumentou ainda mais, dando origem ao trabalhador especializado. Surge a necessidade da escrita.

Sistema - podemos defi nir sistema como um conjunto de regras ou leis que fundamentam determinada ciên-cia, fornecendo explicação para uma grande quantidade de fatos. Quando falamos da escrita como um sistema de representação, estamos falando, grosso modo, do conjunto de “regras” que possibilita a representação das idéias, sentimentos e desejos.

Subvocalização - é o processo de subvocalizar, ou seja, articular palavras de forma quase silenciosa ou inau-dível. É quando o sujeito para compreender o que está escrito, precisa transformar o texto em linguagem oral.

Vocalização - passagem de um elemento consonântico a uma vogal, ou seja, transformar a consoante em vogal.

Vogal - som da fala em que há o elemento voz, ou seja, um som harmônico, pronunciado sem bloqueio e constrição do canal de respiração. Podemos dizer, grosseiramente, que a vogal é a menor unidade sonora pro-nunciada pelo aparelho humano.

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95Gabarito

Unidade I

1 – Resposta pessoal.Há semelhança, pois as crianças começam com rabiscos que só elas podem compreender num determinado

período de tempo. Depois elas utilizam os desenhos para chegarem à escrita.

2-

3- Resposta pessoal.

Unidade II

1 – Resposta pessoal.

Quem solicita o serviço de Dora sabe a função de uma carta e a sua estrutura(ditam seguindo as normas).

2 – Resposta pessoal.

3 – Resposta pessoal.

4 – Resposta pessoal.

As cartilhas não atendem as necessidades dos alunos “pré-silábicos”, pois partem dopressuposto que as crianças já sabem como a linguagem escrita se estrutura.

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96Unidade III

1-

2 – Resposta pessoal.

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97Referências Bibliográficas

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