alexandre freitas camara licoes de direito processual civil vol 01

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LIÇÕES DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL

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LUME Ni JÚRISwww.lumenjuris.com.br EDITORES

João de Almeida João Luiz da Silva AlmeidaALEXANDRE FREITAS CÂMARA

AdvogadoProfessor de Direito Processual Civil da EMERJ(Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro) e dosCursos de Pós-Graduação da Universidade Estácio de Sá - RJ eda Faculdade de Direito de Vitória - ES, e da Universidade Católica de Petrópolis - RJCONSELHO EDITORIAL

Alexandre Freitas Câmara Amilton Bueno de Carvalho Augusto Zimmermann Eugênio Rosa Fauzi Hassan Choukr Firly Nascimento Filho Flávia Lages de Castro Flávio Alves Martins Francisco de Assis M. Tavares Geraldo L. M. Prado Gustavo Sénéchal de Goffredo J. M. Leoni Lopes de Oliveira Letácio Jansen Manoel Messias Peixinho Marcos Juruena Villela Souto Paulo de Bessa Antunes Saio de CarvalhoRio de JaneiroRua da Assembléia, 36Salas 201 a 204Rio de Janeiro, RJ - CEP 20011-000 Telefone (21) 2232-1859 / 2232-1886São PauloRua Primeiro de Janeiro, 159 Vila Clementino - São Paulo, SPCEP 04044-060 Telefone (11) 5908-0240CONSELHO CONSULTIVO

Álvaro Mayrink da Costa Aurélio Wander Bastos Cinthia Robert Elida Séguin Gisele Cittadino Humberto Dalla Bernardinade PinhoJosé dos Santos Carvalho Filho José Fernando de Castro Farias José Ribas Vieira Marcello Ciotola Marcellus Polastri Lima Ornar Gama Ben Kauss Sérgio Demoro HamiltonRio Grande do SulRua Cap. João de Oliveira Lima, 160 Santo Antônio da Patrulha - PitangueirasCEP 95500-000 Telefone (51) 662-7147BrasíliaSCLN - Q. 406 - Bloco B Subsolo 4 e 8 - Asa NorteCEP 70847-500Telefone (61) 340-9550 / 340-0926 Fax (61) 340-2748

LIÇÕES DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL

Volume Ilia edição, revista e atualizada segundo o Código Civil de 2002EDITORA LUMEN JÚRIS

Rio de Janeiro2004

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Copyright © 2004 by Livraria e Editora Lumen Juris Ltda.PRODUÇÃO EDITORIAL Livraria e Editora Lumen Juris Ltda.A LIVRARIA E EDITORA LUMEN JURIS LTDA. não se responsabiliza pelas opiniões emitidas nesta obra.É proibida a reprodução total ou parcial, por qualquermeio ou processo, inclusive quanto às característicasgráficas e/ou editoriais. A violação de direitos autoraisconstitui crime (Código Penal, art. 184 e §§, e Lei na 6.895,de 17/12/1980), sujeitando-se a busca e apreensão eindenizações diversas (Lei na 9.610/98).Todos os direitos desta edição reservados à Livraria e Editora Lumen Juris Ltda.Impresso no Brasil Printed in Brazil

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Este livro é devido, em parte, ao esforço de algumas pessoas, a quem o dedico: meu mais querido e antigo amigo, Luís FERNANDO MARIN, a quem desejo sucesso na carreira jurídica, que agora abraça; meus alunos, que, com paciência, serviram de teste para as lições que aqui apresento; minha esposa JANAÍNA, simplesmente por existir em minha vida.

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SumárioApresentação .......................................... xiiiNota Introdutória....................................... xvNota Introdutória à 8a edição ............................ xviiNota Introdutória à 1 Ia edição ........................... xixPRIMEIRA PARTE TEORIA GERAL DO DIREITO PROCESSUAL

Capítulo I - Direito Processual: Conceito, Denominação, Posição Enciclopédica e Evolução Científica ................. 3§ ls Conceito de Direito Processual ..................... 3§ 2a Denominação .................................... 5§ 32 Posição Enciclopédica............................. 7§ 4a Evolução Científica do Direito Processual ............ 8Capítulo II - A Existência de uma Teoria Geral do DireitoProcessual............................................. 11Capítulo III - Fontes e Interpretação do Direito ProcessualCivil................................................... 15§ Ia Fontes do Direito Processual Civil................... 15§ 2° Interpretação da Lei Processual .................... 232.1. Método Literal ou Gramatical................... 232.2. Método Lógico-Sistemático..................... 242.3. Método Histórico.............................. 252.4. Método Comparativo .......................... 262.5. Método Teleológico............................ 27§ 32 Integração da Lei Processual....................... 30Capítulo IV - Princípios Constitucionais do Direito Processual ................................................ 31§ 12 Princípio do Devido Processo Legal ................. 31§ 2s Princípio da Isonomia ............................. 40§ 3a Princípio do Juiz Natural .......................... 43§ 4s Princípio da Inafastabilidade do Controle Jurisdicional . 46

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§ 5e Princípio do Contraditório.......................... 49§ 6e Princípio da Motivação das Decisões Judiciais........ 55Capítulo V - A Trilogia Estrutural do Direito Processual..... 59Capítulo VI - Jurisdição................................. 63§ ls As Funções do Estado e a Função Jurisdicional ....... 63§ 2a Conceito ........................................ 66§ 3a Características Essenciais ......................... 70§ 4a Espécies de Jurisdição ............................ 73§ 52 Jurisdição Voluntária.............................. 76§ 62 Escopos da Jurisdição............................. 80§ 72 Tutela Jurisdicional: Conceito e Classificações ........ 83§ 82 Tutela Jurisdicional Antecipada .................... 86§ 92 Tutela Jurisdicional Específica Relativa às Obrigaçõesde Fazer, Não Fazer e Entregar Coisa ................ 90§ 10. Competência .................................... 9510.1. Conceito.................................... 9510.2. Critérios de Fixação .......................... 9610.3. Incompetência Absoluta e Relativa ............. 10210.4. Causas de Modificação da Competência......... 10410.5. Declaração de Incompetência.................. 10810.6. Conflito de Competência ...................... 110Capítulo VII - Ação ..................................... 113§ Ia Teorias sobre a Ação.............................. 113§ 2a Conceito de Ação................................. 118§ 3a "Condições da Ação" ou Requisitos do ProvimentoFinal............................................ 122§ 4a Classificação da Ação............................. 131Capítulo VIII - Processo................................. 133§ le Teorias sobre o Processo........................... 133§ 2e Conceito e Natureza Jurídica....................... 141§ 3e Processo e Procedimento .......................... 144§ 42 Sujeitos do Processo .............................. 1454.1. O Estado-Juiz e o Juiz ......................... 1464.2. Auxiliares da Justiça .......................... 1504.3. As Partes .................................... 1534.4. O Advogado.................................. 161

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4.5. Litisconsórcio ................................ 1644.6. Intervenção de Terceiros ....................... 1824.6.1. Assistência ............................. 1854.6.2. Oposição ............................... 1894.6.3. Nomeação à Autoria...................... 1934.6.4. Denunciação da Lide ..................... 1994.6.5. Chamamento ao Processo ................. 2124.6.6. Recurso de Terceiro ...................... 2164.7. Ministério Público............................. 219§ 5e Escopos do Processo: Instrumentalidade e Efetividadedo Processo...................................... 221§ 6a Classificação do Processo.......................... 223§ 72 Objeto do Processo ............................... 226§ 8a Pressupostos Processuais.......................... 230Capítulo IX - Atos Processuais........................... 239§ 1° Fato, Ato e Negócio Jurídicos....................... 239§ 2a Fato Processual................................... 240§ 3a Atos do Processo e Atos Processuais ................ 241§ 4a Negócios Processuais ............................. 241§ 52 Classificação dos Atos Processuais.................. 242§ 62 Forma dos Atos Processuais........................ 245§ 7e Existência, Validade e Eficácia dos Atos Processuais ... 251§ 82 Comunicação dos Atos Processuais ................. 259SEGUNDA PARTE PROCESSO DE CONHECIMENTO

Capítulo X - Cognição: Conceito, Objeto e Espécies........ 271Capítulo XI - Formação, Suspensão e Extinção do Processode Conhecimento....................................... 283§ I2 Formação do Processo de Conhecimento ............. 283§ 2a Suspensão do Processo............................ 286§ 32 Extinção do Processo.............................. 295Capítulo XII - Procedimento Ordinário .................... 317§ I2 Conceito e Cabimento............................. 317§ 22 Petição Inicial.................................... 319§ 32 Resposta do Réu.................................. 330

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3.1. Contestação.................................. 3313.2. Reconvenção ................................. 3383.3. Exceção ..................................... 3453.4. Impugnação ao Valor da Causa.................. 347§ 4a Providências Preliminares.......................... 3484.1. Réplica...................................... 3484.2. Especificação de Provas........................ 3504.3. Declaração Incidente .......................... 351§ 5a Julgamento conforme o Estado do Processo .......... 3575.1. "Extinção do Processo" ........................ 3585.2. Julgamento Antecipado do Mérito............... 3595.3. Audiência Preliminar e Saneamento do Processo . . . 362 § 6a Instrução Probatória e Audiência de Instrução e Julgamento ........................................... 373Capítulo XIII - Procedimento Sumário..................... 379§ Ia Conceito e Cabimento............................. 379§ 2a Petição Inicial.................................... 382§ 3a Citação e Audiência de Conciliação ................. 383§ 4e Resposta do Réu: Contestação e Exceção ............ 386§ 5a Conversão do Procedimento........................ 388§ 6s Instrução Probatória e Audiência de Instrução e Julgamento ........................................... 389§ 7a Inadmissibilidade de Declaração Incidental........... 390§ 8a Intervenção de Terceiros no Procedimento Sumário .... 391Capítulo XIV - Direito Probatório - Teoria Geral das Provas . . 395§ ia Conceito de Prova ................................ 395§ 2e Objeto da Prova .................................. 398§ 3a Ônus da Prova ................................... 401§ 4e Destinatários da Prova e Sistemas de Valoração....... 404§ 5a Meios de Prova: Generalidades; Procedimento Probatório; Espécies ..................................... 406§ 62 Provas em Espécie ................................ 4116.1. Conceito..................................... 4116.2. Depoimento Pessoal........................... 4136.3. Confissão .................................... 4156.4. Exibição de Documento ou Coisa................ 4176.5. Prova Documental............................. 4186.6. Prova Testemunhai ............................ 421

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6.7. Prova Pericial................................. 4266.8. Inspeção Judicial ............................. 429Capítulo XV - Sentença ................................. 431§ le Conceito ........................................ 431§ 2s Classificação..................................... 432§ 3s Elementos Essenciais ............................. 433§ 42 Publicação e Irretratabilidade ...................... 436§ 52 Classificação da Sentença Definitiva................. 439§ 62 Sentenças Executivas e Mandamentais .............. 448§ 72 Tutela Antecipada................................ 452Capítulo XVI - Coisa Julgada............................ 465§ lfi Conceito e Natureza Jurídica....................... 465§ 2a Coisa Julgada Formal e Coisa Julgada Material....... 470§ 3a Limites Objetivos da Coisa Julgada ................. 473§ 4a Limites Subjetivos da Coisa Julgada................. 478§ 5a A Coisa Julgada nas Sentenças Determinativas....... 482§ 6e A Coisa Julgada nas Demandas Coletivas............ 486§ 7a A Coisa Julgada no Mandado de Segurança .......... 490Referências Bibliográficas ............................... 495índice Remissivo ....................................... 515

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ApresentaçãoAs letras jurídicas do país se enriquecem hoje com o lançamento, tão esperado, do primeiro volume de Lições de Direito Processual Civil, deste jovem e talentoso mestre do processo, que é Alexandre Freitas Câmara.Pode parecer estranho que esteja a recomendar o autor e sua obra, um professor, ainda que modesto, de Direito Civil. Os que, entretanto, acompanham a saudável evolução da ciência do processo, em busca de sua maior efetividade, transformando-o em verdadeiro instrumento da realização da justiça, entenderão o simbolismo da escolha, que traduz a aproximação necessária com o direito material.E Alexandre Freitas Câmara representa, mais do que nenhum outro, esta tendência, realizando o milagre da coexistência do professor, querido e respeitado pelos alunos, do jurista, em sua profundidade dogmática, que tanto admiramos, e do advogado militante, mergulhado no psicodrama da solução dos conflitos de interesse.Daí por que sua obra reflete uma visão global do processo, sendo leitura indispensável não apenas para os alunos que se iniciam no estudo do Direito Processual Civil, como modestamente observa o autor, mas para todos os que se propõem a desvendar suas mensagens e mistérios.A leitura do primeiro volume revela que o autor já venceu o enorme desafio que é ministrar um curso completo de Direito Processual Civil, partindo da sua teoria geral e depois enfrentando o processo de conhecimento, em sua linguagem a todos acessível, e despertando o interesse para a continuação dos estudos, nos próximos volumes.A obra ora lançada passa a ser instrumento poderoso e fonte de consulta obrigatória para todos os profissionais do Direito, consolidando a posição de seu autor entre aqueles que estão construindo, com sua cultura, dedicação e ideal, um novo tempo e uma sociedade mais justa.Ficamos todos, leitores cativos e permanentes alunos de Alexandre Freitas Câmara, a lhe dever mais esta inestimável contribuição ao estudo jurídico, cobrando-lhe o compromisso da continuidade da obra.Não percamos mais tempo.Vamos todos, encantados, mergulhar em sua leitura.Sylvio Capanema de Souza

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Nota IntrodutóriaEsta é uma obra cujo objetivo é servir de instrumento para facilitar o acesso dos estudantes de Direito ao Direito Processual Civil. Eminentemente didática, seu público alvo é, sem dúvida nenhuma, o estudante dos cursos de graduação, que trava seu primeiro contato com este ramo do conhecimento jurídico de fundamental importância teórica e prática. Por esta razão, mais do que por qualquer outra, procuramos elaborar este livro em linguagem simples e acessível, sem no entanto descurar da terminologia adequada do ponto de vista da ciência processual. Optamos, ainda, com a finalidade de não cansar o leitor, por inserir as informações de Direito Comparado e de evolução histórica dos institutos ao longo dos capítulos a eles destinados, sem que se apresentassem tais informações em capítulos separados.Apesar dessa opção por escrever um livro destinado ao estudante dos cursos de graduação, não nos esquecemos dos candidatos aos concursos públicos para ingresso nas carreiras jurídicas, como a Magistratura, o Ministério Público e a Defensoria Pública. Por esse motivo, fizemos questão de apresentar, ao longo da obra, não só nossa opinião sobre os temas versados, mas também a posição dos mais importantes juristas que trataram de cada um dos assuntos, analisando as mais relevantes polêmicas doutrinárias.Esperamos, por fim, que esta possa ser ainda uma obra útil ao operador do Direito, seja ele advogado, magistrado, promotor de justiça ou qualquer outro profissional do Direito, razão pela qual buscamos sempre apresentar a aplicação prática de cada uma das questões suscitadas. Tal método de trabalho decorre ainda de uma convicção pessoal, a de que a ciência isolada da prática é uma ciência estéril, enquanto a prática do Direito distante da ciência pode se tornar puro charlatanismo.A obra que ora apresentamos ao público e à consideração dos doutos é dividida em três tomos. No primeiro são analisados a Teoria Geral do Direito Processual (esta à luz do Direito Processual Civil) e o processo de conhecimento. No segundo volume são examinados os processos nos tribunais e o processo executivo, sendo o terceiro volume dedicado à análise do processo cautelar e dos procedimentos especiais. E com a

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Alexandre Freitas Câmaraesperança de servirmos à divulgação e compreensão do Direito Processual Civil que apresentamos este livro, manifestando desde já que esperamos a colaboração, com críticas e sugestões, de todos aqueles que o lerem, para que esta obra, que pode ser considerada uma "obra aberta", possa sempre evoluir.O Autor

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Nota Introdutória à 8a ediçãoO ano de 2002 marca, decisivamente, a história do Direito brasileiro. Em primeiro lugar, a aprovação de um novo Código Civil, logo em janeiro. Pouco tempo depois, em maio do mesmo ano, a aprovação da Lei na 10.444, que modificou radicalmente o Código de Processo Civil, nele provocando uma guinada radical. Estes dois importantes diplomas foram aprovados quando já estava pronta a sétima edição deste primeiro volume, razão pela qual a oitava edição vem inteiramente revista e remodelada. Este primeiro volume, é preciso que isto fique claro, foi escrito originariamente sob a égide do Código Civil de 1916 e antes dessa mudança radical provocada pela assim chamada "segunda etapa da reforma do CPC". O que se espera é que o livro continue a ter a mesma aceitação que vinha tendo anteriormente, tanto por parte de estudantes como de profissionais. Aproveita-se o ensejo para agradecer a todos os juristas que levaram em conta e citaram em seus trabalhos as opiniões manifestadas nestas modestas Lições, bem assim a todos os advogados, membros do Ministério Público e magistrados que, em suas petições, promoções, pareceres e decisões citaram o que aqui se sustenta. Espera-se, sinceramente, que este livro possa ser cada vez mais útil à construção de um Direito Processual justo e eficiente, capaz de contribuir para o surgimento de um Brasil melhor.Encerra-se esta apresentação dedicando-se esta oitava edição do primeiro volume das Lições de Direito Processual Civil a Luiz Fux, de quem tive a honra de ter sido aluno no curso de graduação em Direito, na UERJ, e que honra este país com sua cultura humanista, e que com seu talento enriquece o Superior Tribunal de Justiça. Dedico, ainda, esta edição, à memória de James Tubenchlak, amigo querido que tão cedo se foi, e de quem sempre sentirei saudade. Por fim, dedico esta edição ao meu filho Rodrigo e à minha esposa Janaína, com meu eterno amor.O Autor

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Nota Introdutória à 1 Ia ediçãoA elaboração desta lia edição contou com a colaboração de diversos leitores e alunos que, lendo a edição anterior, apontaram aspectos em que a obra precisava ser revista, tendo em conta as implicações do Código Civil de 2002 sobre o sistema processual civil brasileiro. Por mais que se tenha buscado, já nas edições anteriores, esta atualização, errar é humano e sempre é possível que pontos em que tal atualização deveria ter sido feita ainda não tivessem sido encontrados. Por conta disso, não se pode deixar de agradecer, sem nominar para não correr o risco de esquecimentos, a todos aqueles que me ajudaram nessa difícil empreitada. Continua-se, ainda, com a esperança de que eventuais falhas que persistam sejam perdoadas e apontadas pelos leitores que, ao longo da vida desta obra, têm sido tão gentis em acolhê-la.Aproveita-se, ainda, esta oportunidade, para agradecer aos profissionais do Direito que com tanta generosidade têm feito alusão ao que aqui se escreveu e se sustenta. A referência a estas modestas Lições em obras doutrinárias, petições, pareceres e decisões, inclusive das Cortes de Superposição, envaidece o autor e o faz acreditar que vale a pena trabalhar para melhorar, sempre, o conteúdo do livro.Por fim, não posso deixar de lembrar que esta lia edição foi elaborada nos dias imediatamente seguintes ao nascimento de meu filho Guilherme. A ele, ao meu primogênito Rodrigo, e a Janaína, vai esta edição dedicada, como não poderia deixar de ser.O Autor

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PRIMEIRA PARTE

TEORIA GERAL DO DIREITO PROCESSUAL

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Capítulo IDireito Processual: Conceito,Denominação, Posição Enciclopédicae Evolução Científica§ le Conceito de Direito ProcessualAo iniciar o estudo do Direito Processual Civil, é fundamental fixar o conceito de Direito Processual, visto que este (ou ao menos uma de suas manifestações — o Direito Processual Civil) será o tema central desta obra. Parece-nos que todo o restante da obra ficaria sem sentido se não apresentássemos, desde logo, nossa forma de conceituar este ramo do Direito a cujo estudo vimos nos dedicando.A doutrina, tanto a nacional como a estrangeira, diverge ao conceituar o Direito Processual. Assim é que o notável processualista colombiano Hernando Devis Echandía, considerado por muitos o maior processualista latino-americano da atualidade, define o Direito Processual como "o ramo do Direito que estuda o conjunto de normas e princípios que regulam a função jurisdicional do Estado em todos os seus aspectos e que, portanto, fixam o procedimento que se há de seguir para obter a atuação do direito positivo nos casos concretos, e que determinam as pessoas que devem submeter-se à jurisdição do Estado e os funcionários encarregados de exercê-la".1 Já o jurista mexicano José Becerra Bautista, em sua obra didática, definiu o Direito Processual com base nas lições do processualista italiano Paolo D'Onofrio, afirmando ser esse "o conjunto de normas que têm por objeto e fim a realização do direito objetivo através da tutela do direito subjetivo, mediante o exercício da função jurisdicional.2

Também na doutrina italiana podemos encontrar subsídios para chegarmos ao conceito mais adequado de Direito Processual, nãoHernando Devis Echandía, Teoria General dei Proceso, tomo I, Buenos Aires: Editorial Universidad, 1984, p. 6.José Becerra Bautista, Introducción ai Estúdio dei Derecho Procesal Civil, Cidade do México: Cardenas editor, 4a ed., 1985, p. 15.

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Alexandre Freitas Câmarasendo demais lembrar que a doutrina italiana é, no Direito Processual, como em outros ramos da ciência jurídica, a que mais influência exerce sobre o Direito brasileiro. Assim é que o notável processualista Crísan-to Mandrioli define o Direito Processual Civil como "o ramo da ciência jurídica que estuda a disciplina do processo civil".3 Ainda na doutrina italiana encontramos a lição de Enrico Thllio Liebman,4

para quem o Direito Processual deve ser entendido como um "ramo do Direito destinado precisamente à tarefa de garantir a eficácia prática e efetiva do ordenamento jurídico, instituindo órgãos públicos com a incumbência de atuar essa garantia e disciplinando as modalidades e formas da sua atividade".5

Também a doutrina brasileira apresenta conceitos de Direito Processual civil, como se vê, por exemplo, em Moacyr Amaral Santos, para quem o Direito Processual "é o sistema de princípios e leis que disci-plinam o processo".6 Já a mais moderna doutrina sobre a teoria geral do Direito Processual vê neste "o complexo de normas e princípios que regem o exercício conjunto da jurisdição pelo Estado-juiz, da ação pelo demandante e da defesa pelo demandado".7

Dessas lições transcritas acima, proferidas por alguns dos mais importantes processualistas brasileiros e estrangeiros, podemos ver que não é fácil chegar a um conceito preciso de Direito Processual, sendo certo que muitas das definições apresentadas "chovem no molhado", definindo o direito processual como o conjunto de normasCrisanto Mandrioli, Corso di Dirítto Processuale Civile, vol. I, Turim: G. Giappichelli Editore, 10a ed., 1995, p. 8. No mesmo sentido manifesta-se Ferrucio Tomaseo, um dos mais notáveis processualistas italianos da atualidade, na obra Appunti di Dirítto Processuale Civile - Nozioni introduttive, Turim: G. Giappichelli Editore, 3a ed., 1995, p. 9. A influência de Liebman sobre o desenvolvimento do Direito Processual Civil brasileiro é notável. Discípulo de Chiovenda (considerado o maior processualista de todos os tempos), Liebman morou no Brasil na época da Segunda Guerra Mundial. Através de sua atuação como professor na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, Liebman foi o responsável por uma escola de pensamento, a qual ficaria conhecida como "Escola Processual de São Paulo", e que hoje constitui-se numa verdadeira escola brasileira de processo. As principais teorias defendidas por Liebman foram consagradas em nosso Código de Processo Civil, o qual resultou de um anteprojeto elaborado pelo mais notável de seus discípulos, o saudoso professor Alfredo Buzaid. Além disso, Liebman chegou a elaborar obras em português, às quais faremos referência ao longo deste livro. Liebman, Manual de Direito Processual Civil, vol. I, trad. bras. de Cândido Rangel Dinamarco, Rio de Janeiro: Forense, 2a ed., 1985, p. 3.Moacyr Amaral Santos, Primeiras Linhas de Direito Processual Civil, vol. I, São Paulo: Saraiva, 13a ed., 1987, p. 14.Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, Teoria Geral do Processo, São Paulo: Malheiros, 12a ed., 1996, p. 40.

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Lições de Direito Processual Civilque regem o processo. Parece-nos, todavia, que essas definições não são adequadas, data venia, para que se compreenda exatamente no que consiste este ramo do Direito. A nosso juízo, o Direito Processual pode ser definido como o ramo da ciência jurídica que estuda e regulamenta o exercício, pelo Estado, da função jurisdicional.Em primeiro lugar, há que se explicar que, ao falarmos em ramo da ciência jurídica que estuda e regulamenta, temos por objetivo demonstrar que o Direito Processual, como qualquer outro ramo da ciência jurídica, deve ser examinado em dois sentidos: como ciência e como direito positivo. A nosso sentir, a análise de qualquer ramo do Direito apenas como direito positivo, ou seja, como um conjunto de normas, é insuficiente, assim como o é a análise de tais ramos do Direito apenas como ciência, e desligados da legislação. Todos os ramos do direito devem ser examinados em sua inteireza para que possam ser bem compreendidos. A Ciência do Direito não tem vida própria se distanciada das normas jurídicas, da mesma forma que a análise das normas jurídicas é impossível sem que se conheça a ciência. O Direito Processual é, pois, ciência e norma, e assim deve ser estudado.Deve-se esclarecer, ainda, quanto ao conceito de Direito Processual por nós exposto, que o objeto central de nossos estudos é a jurisdição (o que levou boa doutrina a sugerir a mudança da denominação da disciplina para Direito Jurisdicional),8 a qual, como se sabe - e será visto mais adiante em detalhes -, é uma das funções exercidas pelo Estado como manifestação do seu Poder Soberano. A jurisdição, porém, para ser exercida depende de uma série de outros institutos a ela ligados, como a ação, o processo, a sentença, os recursos, a coisa julgada (só para citar alguns). Assim é que se compreendem no universo do Direito Processual não só a jurisdição, mas também todos os demais institutos jurídicos que a ela se ligam com o fim de viabilizar seu exercício adequado pelo Estado.É por essas razões que conceituamos o Direito Processual, como visto, como o ramo da ciência jurídica que estuda e regulamenta o exercício, pelo Estado, da função jurisdicional.

§ 2° DenominaçãoA denominação empregada nesta obra é a mais freqüentemente utilizada pelos doutrinadores deste ramo do Direito. Tal nomenclatura,8 Juan Montero Aroca, Evolución y Futuro dei Derecho Procesal, Bogotá: Temis, 1984, p. 71.

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Alexandre Freitas Câmaraporém, não foi sempre usada, nem é aceita pela unanimidade dos especialistas. De início, costumava empregar a doutrina a denominação "processo civil" (ou, na doutrina italiana, procedura civile), como se vê, por exemplo, nas obras de grandes juristas do século XIX como Francisco de Paula Baptista9 e Lodovico Mortara.10

Outros autores antigos preferiam falar em "Direito Judiciário", como o grande jurista brasileiro João Mendes de Almeida Júnior.11 Esta nomenclatura, porém, é inadequada, por ter um sentido capaz de abranger temas que não pertencem a este ramo do Direito, como, por exemplo, a organização judiciária.A denominação Direito Processual, como dissemos, é hoje a mais utilizada, tendo sido empregada, por exemplo, por Giuseppe Chioven-da12 Liebman,13 Mandrioli1^ e, entre os brasileiros, por Moacyr Amaral Santos,15 Humberto Theodoro Júnior1^ e Vicente Greco Filho.17

É certo, porém, que esta denominação possui um grave defeito: o nome Direito Processual passa a falsa idéia de que o processo (e não a jurisdição) é o conceito central e mais importante de nossa ciência, quando na verdade o processo é meramente um meio de que se vale o Estado para exercer a função jurisdicional. Por esta razão, como já mencionado, o jurista espanhol Juan Montero Aroca defende a adoção de nova denominação: Direito Jurisdicional.18 Se por um lado as razões do notável professor espanhol parecem convincentes, a sugerir a aceitação de sua sugestão no sentido de se defender uma nova denominação, não se deve deixar de9 Francisco de Paula Baptista, Teoria e Prática do Processo Civil e Comercial, São Paulo: Saraiva, coleção "Clássicos do Direito Brasileiro", 1988. Paula Baptista, lente de Processo Civil na Faculdade de Direito de Pernambuco, lecionou naquela casa entre 1835 e 1881 e» pode ser considerado o ancestral de todos os processualistas brasileiros, tendo defendido posições doutrinárias que só seriam aceitas como verdadeiras na Europa anos (às vezes décadas) depois.10 Lodovico Mortara, Istituzioni di Procedura Civile, Florença: G. Barbera Editore, 1930.11 João Mendes de Almeida Júnior, Direito Judiciário Brasileiro, Rio de Janeiro/São Paulo: Freitas Bastos, 3a ed., 1940.12 Giuseppe Clriovenda, maior processualista de todos os tempos, foi professor da Universidade de Roma, sendo autor, entre outras obras fundamentais, das Instituições de Direito Processual Civil, trad. bras. de J. Guimarães Menegale, São Paulo: Saraiva, 3a ed., 1969.13 Manual de Direito Processual Civil.14 Corso di Diritto Processuale Civile.15 Primeiras Linhas de Direito Processual Civil.16 Humberto Theodoro Júnior, Curso de Direito Processual Civil, Rio de Janeiro: Forense, 6a ed., 1990.17 Vicente Greco Filho, Direito Processual Civil Brasileiro, São Paulo: Saraiva, lia

ed., 1995.

18 Montero Aroca, ob. e loc. cit.

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Lições de Direito Processual Civilponderar no sentido de que a nomenclatura atual, embora não seja perfeita (como não seria nenhuma outra), tem uma grande vantagem. Em razão de sua imensa aceitação, a denominação Direito Processual permite que, ao mero enunciar das palavras que a formam, todos os que a ouvem pensem em um mesmo ramo do Direito, com limites muito precisos, inexistindo qualquer dúvida possível quanto ao alcance da expressão. Por este motivo, e aplicando a máxima segundo a qual "em time que está ganhando não se mexe", é que optamos aqui por utilizar esta que, apesar das críticas procedentes que lhe são dirigidas, ainda é a mais aceita denominação da disciplina jurídica de que nos ocupamos. Assim é que, embora utilize como fonte de denominação o processo, mero instrumento posto pelo sistema a serviço da jurisdição, e não esta última, verdadeiro conceito central e essencial deste ramo da ciência jurídica, continuaremos empregando, ao longo deste livro, o nome consagrado: Direito Processual.

§ 3Q Posição EnciclopédicaÉ sabido por todos os que se iniciam no estudo do Direito que os ramos desta área do conhecimento humano podem ser divididos em duas grandes famílias: direito público e direito privado. Tal divisão, em-bora seja alvo de muitas críticas, ainda é um método seguro de se estabelecer critérios interpretativos baseados em princípios comuns aos ramos que compõem cada uma dessas grandes "famílias jurídicas". Ao se dizer que um determinado ramo do Direito é público ou privado, estamos estabelecendo uma série de premissas que deverão ser levadas em conta quando da interpretação das normas que o compõem, como, por exemplo, a posição de coordenação entre os sujeitos da relação jurídica (no direito privado), ou a posição de supremacia de um dos sujeitos (o Estado) em relação aos demais (no direito público).Não há nenhuma dúvida na doutrina especializada quanto à inclusão do Direito Processual dentro da "família" do direito público. É certo, porém, que durante muito tempo as normas processuais (em especial as processuais civis) foram consideradas de direito privado. Isto se deu, porém, antes da afirmação da autonomia científica do Direito Processual, o que ocorreu, como se verá adiante, em meados do século XIX. Até esta época, as normas processuais eram consideradas um mero apêndice do Direito Civil, o qual, indubitavelmente, integra o direito privado. A afirmação da autonomia científica do Direito Proces-sual, porém, com a certeza de que nas relações jurídicas por ele es-

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Alexandre Freitas Câmaratudadas um dos sujeitos é o Estado, que ali se põe em posição de supremacia, exercendo seu poder soberano, torna inquestionável a natureza pública deste ramo da ciência jurídica.Assim sendo, o Direito Processual deve ser sempre interpretado como um ramo do Direito em que há um predomínio do Estado, o qual tem uma das manifestações de seu poder por ele estudadas, o que aproxima o Direito Processual, em muitos aspectos, do Direito Constitucional (onde encontra, obviamente, os seus princípios norteadores, como o devido processo legal e o contraditório) e do Direito Administrativo (com o qual mantém, aliás, uma área de interseção, o processo administrativo, que contém elementos desses dois ramos do Direito). Tal proximidade tem como conseqüência a consciência - que hoje tem o processualista -de que as semelhanças entre as diversas funções do Estado são muito mais importantes do que suas diferenças, máxime porque, entre tais semelhanças, uma é essencial: qualquer que seja a função do Estado que esteja sendo exercida, o que se tem é uma manifestação do poder estatal soberano, o qual, como notório, é uno e indivisível.

§ 42 Evolução Científica do Direito ProcessualO Direito Processual tem sua evolução científica dividida em três fases muito nítidas: a fase imanentista, a fase científica e a fase instrumentalista. Diga-se desde logo que, neste quadro, não levamos em consideração a evolução do processo civil romano, por exemplo, pois seguimos aqui a orientação de Montero Aroca, para quem o estudo da evolução do Direito Processual não precisa retroceder a "Adão e Eva, ou ao macaco pelado, segundo se prefira".19 ,A primeira fase, chamada imanentista, é a anterior à afirmação da autonomia científica do Direito Processual. Durante esta fase do desenvolvimento do Direito Processual (na verdade, nesta fase não se pode falar propriamente em Direito Processual, o que se faz por mera comodidade), o processo era mero apêndice do direito material. Dizia-se, então, que o direito material (como o direito civil, por exemplo), sendo essencial, era verdadeiro direito substantivo, enquanto o processo, mero conjunto de formalidades para a atuação prática daquele, era um direito adjetivo. Essas denominações, hoje inteiramente ultrapassadas, e equivocadas do ponto de vista científico, devendo ser repudiadas diante do grau de desenvolvimento alcançado pelos estudos proces-19 Montero Aroca, p. 5.

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Lições de Direito Processual Civilsuais, continuam - infelizmente - a ser empregadas por alguns autores e, principalmente, por muitos operadores do Direito, como advogados e magistrados. Tal linguagem, porém, deve ser banida, por ser absolutamente divorciada da precisão científica já alcançada.A fase imanentista, que como se viu é caracterizada pela negação à autonomia científica do Direito Processual, tem como luminares os praxistas, ou procedimentalistas, juristas que concentraram seus esforços na análise das formas processuais, e que viam no processo, portanto, mera seqüência de atos e formalidades. Muitos dos praxistas, aliás, eram juristas que sempre estudaram o Direito Civil, mas que analisavam também as normas processuais por serem estas, como dito, consideradas um apêndice daquele importante ramo do Direito.Em 1868, ano da publicação da obra do jurista alemão Oskar von Bülow denominada Die Lehre von den Processeireden und die Processvoraussetzungen (A Teoria das Exceções Processuais e os Pressupostos Processuais), com a qual se inicia o desenvolvimento da teoria do processo como relação jurídica, o Direito Processual passa a ser considerado ramo autônomo do Direito, passando a integrar, como já afirmado, o direito público. Inicia-se, com a publicação do referido livro do jurista alemão, a fase científica do Direito Processual, assim denominada por ter sido uma fase em que predominaram os estudos voltados para a fixação dos conceitos essenciais que compõem a ciência processual, tais como os de ação, processo e coisa julgada. É nessa fase que surgem os maiores nomes do Direito Processual de todos os tempos. Nomes como os de Giuseppe Chiovenda, Francesco Carnelutti, Piero Calamandrei e Enrico Tullio Liebman na Itália, de Adolf Wach, Leo Rosenberg e James Goldschmidt na Alemanha, Jaime Guasp na Espanha, Alfredo Buzaid, Lopes da Costa, Moacyr Amaral Santos no Brasil, enriqueceram a ciência processual desenvolvendo teorias essenciais para a afirmação da autonomia científica deste ramo do Direito.A partir do momento em que não se pôde mais pôr em dúvida a autonomia científica do Direito Processual, e estando assentados os mais importantes conceitos da matéria (apesar de se manter imenso o número de polêmicas doutrinárias - todas extremamente saudáveis para o desenvolvimento científico), passou-se à fase que vive hoje o Direito Processual: a fase instrumentalista. Trata-se de um momento em que o processualista dedica seus esforços no sentido de descobrir meios de melhorar o exercício da prestação jurisdicional, tornando tal prestação mais segura e, na medida do possível, mais célere, tentando aproximar a tutela jurisdicional, o mais possível, do que possa ser cha-

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Alexandre Freitas Câmaramado de justiça. O processo deixa de ser visto como mero instrumento de atuação do direito material, e passa a ser encarado como um instrumento de que se serve o Estado a fim de alcançar seus escopos sociais, jurídicos e políticos. Além disso, passa-se a privilegiar o consumidor do serviço prestado pelo Estado quando do exercício da função jurisdicio-nal, buscando-se meios de administração da justiça que sejam capazes de assegurar ao titular de uma posição jurídica de vantagem uma tutela jurisdicional adequada e efetiva. Os grandes nomes desta fase do desenvolvimento do Direito Processual nada deixam a dever aos luminares da fase anterior, podendo ser citados aqui, por todos, os nomes de Mauro Cappelletti, professor italiano, o maior nome da ciência processual do fim do século XX, além dos notáveis juristas brasileiros José Carlos Barbosa Moreira e Cândido Rangel Dinamarco.Deve-se afirmar que a evolução legislativa do Direito Processual tem acompanhado a evolução científica. Assim é que, se nossos Códigos de Processo Civil foram elaborados à luz dos critérios e conceitos predominantes na fase científica (tanto o CPC de 1939, elaborado à luz das teorias de Chiovenda, como o de 1973, verdadeiro "monumento em homenagem a Liebman", enquadram-se nesta fase da evolução do Direito Processual). O Código de Processo Civil vigente (o de 1973) foi, todavia, reformado por uma série de leis que alteraram diversos preceitos e princípios ali contidos e que geraram uma verdadeira revolução em nosso sistema processual, tendo sido tal reforma realizada já sob a influência dos princípios norteadores da fase ins-trumentalista do processo.20

Ao afirmar que as recentes reformas da legislação processual brasileira foram realizadas à luz dos mais modernos princípios defendidos pela doutrina processual, e ao asseverar que entre os* grandes nomes da moderna ciência processual encontram-se autores brasileiros (e não apenas os dois anteriormente citados, mas muitos outros mais), temos a intenção de demonstrar que o Brasil ocupa hoje uma posição de liderança no cenário da ciência processual em nível mundial, sendo certo que diversos processualistas estrangeiros buscam na doutrina e na legislação brasileiras subsídios para fundamentar as opiniões que manifestam.21

20 Sobre a reforma do Código de Processo Civil, consulte-se Alexandre Freitas Câmara, Lineamentos do Novo Processo Civil, Belo Horizonte: Del Rey, 1996.21 Dentre os mais importantes processualistas estrangeiros que embasam algumas de suas afirmações nas lições dos autores brasileiros podemos citar o argentino Augusto Mario Morello e o italiano Elio Fazzalari.10

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Capítulo IIA Existência de uma Teoria Geral do Direito ProcessualCostuma-se dividir o Direito Processual em pelo menos dois grandes ramos, o Direito Processual Civil e o Direito Processual Penal. Além desses, outros ramos podem ser identificados, como o Direito Processual do Trabalho, o Direito Processual Eleitoral e o Direito Processual Administrativo. Tal divisão, porém, se faz com o fim de atender a critérios exclusivamente didáticos e de facilitação da atividade legislativa. Na verdade, o Direito Processual é único, não comportando verdadeiras divisões. Esta afirmação resulta na admissão da existência de uma teoria geral do Direito Processual, ou seja, uma parte geral da ciência, aplicável a todos os "ramos" que a integrem.Não é pacífica em sede doutrinária a existência de uma teoria geral do Direito Processual. A resistência inicial à existência de tal teoria, porém, foi sendo gradualmente vencida, até que tal teoria chegasse mesmo a ser apresentada como cadeira autônoma nos cursos de graduação em Direito de inúmeras faculdades de nosso país.Não parece possível o oferecimento de qualquer contestação à existência da teoria geral do Direito Processual. É inegável o imenso número de institutos afins a todos os ramos do Direito Processual, podendo servir como exemplo do que acaba de ser afirmado o fato de que todos os citados "ramos" têm uma base comum, formada pela "trilogia estrutural do Direito Processual", a qual é formada pela jurisdição, pela ação e pelo processo.Além desses três conceitos, porém, outros há, comuns a todos os ramos do Direito Processual, como os conceitos de preclusão, ato processual, ônus processual, coisa julgada, recursos. A existência de todos esses (e muitos outros) institutos comuns nos permite afirmar, com Waldemar Maríz de Oliveira Júnior, que a diferença entre os diversos ramos do Direito Processual é tão-somente de grau, não de qualidade ou de natureza.1 Em verdade, não há qualquer diferença1 Waldemar Mariz de Oliveira Júnior, Teoria Geral do Processo Civil, Sao Paulo: RT, 3a tiragem, 1973, p. 13.11

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Alexandre Freitas Câmaraontológica entre o Direito Processual Civil e o Direito Processual Penal (ou entre esses e quaisquer outros ramos do Direito Processual). Isto porque todos esses ramos têm uma finalidade comum, qual seja, estudar e regulamentar o exercício da função jurisdicional. Ora, em sendo essa função estatal una e indivisível,2 como veremos com mais calma adiante, não pode ser aceita uma verdadeira divisão entre ramos do Direito que têm a mesma finalidade e o mesmo objeto.Por essa razão, crendo firmemente na existência de uma teoria geral do Direito Processual (e, como visto, na sua unidade ontológica), é que dedicamos a primeira parte deste volume ao estudo daquela teoria. Sendo, porém, um livro sobre o Direito Processual Civil (um daqueles "ramos" do Direito Processual a que se fez referência, e cuja finalidade é estudar e regulamentar o exercício da "jurisdição civil", uma das "espécies" de jurisdição que costumam ser apresentadas pela doutrina com aquela finalidade didática e de facilitação da atividade legislativa a que se fez referência anteriormente, e que serão a seguir explicitadas), os institutos centrais do Direito Processual, componentes da teoria geral do Direito Processual, serão encarados sob uma ótica processual civil, sendo certo que raramente faremos referência, aqui, à aplicação desses conceitos e institutos nos demais ramos do Direito Processual.Dissemos anteriormente que a divisão em ramos do Direito Processual tem duas finalidades essenciais: uma didática, a outra de facilitar a atividade legislativa. Devemos explicar esta assertiva. A divisão do Direito Processual em ramos, sem nenhuma dúvida, facilita a compreensão das peculiaridades de cada hipótese. Basta imaginar quão mais complexo seria para aquele que se lança, pela primeira vez, ao estudo do Direito entender como temas aparentemente tão distintos como a "ação de consignação em pagamento" e a execução penal pudessem pertencer ao mesmo ramo da ciência jurídica. Por outro lado, fica bem mais fácil para os legisladores elaborar leis que digam respeito exclusivamente ao Direito Processual Civil ou ao Direito Processual Penal, como sejam os Códigos referentes a cada um desses ramos do Direito Processual. Há que se recordar que a função legislativa é exercida, muitas vezes, por pessoas sem formação jurídica, deputados e senadores que não estão acostumados aos mistérios e às belezas da ciência jurídica e que, apesar de assessorados por especialistas, podem não ter a exata dimensão da unidade conceptual existente entre os diversos ramos da ciência processual. Por esta razão, é muito mais2 Araújo Cintra et alü, Teoria Geral do Processo, p. 141.12

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Lições de Direito Processual Civilsimples, sem sombra de dúvida, a elaboração de leis que regem cada um desses ramos do Direito Processual separadamente. E certo que alguns poucos países tentaram uma experiência diversa, elaborando Códigos que reunissem os preceitos de Direito Processual Civil e Penal, como se fez, por exemplo, na Suécia. Esta experiência, porém, não foi levada adiante na maioria dos países, sendo bastante mais freqüente a existência de Códigos separados, como no Brasil, em que há um Código de Processo Civil e um Código de Processo Penal.A consciência, por parte do estudioso do Direito Processual, de que existe uma teoria geral deste ramo do conhecimento jurídico é essencial para a adequada compreensão dos meandros e detalhes que o compõem. Aquele que conhece bem a teoria geral do Direito Processual pode, sem nenhuma dúvida, "navegar" pelo Direito Processual (civil ou penal) sem grandes dificuldades, sendo certo, de outro lado, que aquele que ignora os conceitos genéricos da disciplina terá imensa dificuldade em bem apreender o Direito Processual Civil (ou qualquer outro ramo do Direito Processual).13

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Capítulo IIIFontes e Interpretação do Direito Processual Civil§ Ia Fontes do Direito Processual CivilE por certo muito difícil conceituar as fontes do Direito. Sendo fonte o lugar de onde provém alguma coisa, a expressão "fonte do direito" não pode ser entendida senão como o lugar de onde são oriundos os preceitos jurídicos.1 O estudo das fontes do direito é extremamente importante para a exata delimitação do que é e do que não pode ser considerado Direito. Assim é que o Direito Processual só o é enquanto provém de uma das fontes do Direito Processual.Há que se explicitar o que vem de ser dito, o que se faz com um exemplo. As leis municipais não são, em nosso sistema, fontes do Direito Processual. Assim sendo, eventual lei municipal que versasse sobre matéria processual não seria apta a integrar o sistema que denominamos Direito Processual, sendo certo que aquela norma seria inconstitucional (uma vez que o Município estaria legislando sobre matéria para a qual a Constituição da República não lhe dera competência legislativa - inconstitucionalidade formal), não podendo ser aplicada por nenhum órgão jurisdicional.As fontes do Direito Processual Civil, portanto, são os lugares de onde provém este ramo do Direito, e se classificam tais fontes em formais e materiais. Fontes formais são aquelas que possuem força vin-culante, sendo portanto obrigatórias para todos. São as responsáveis pela criação do direito positivo. Já as fontes materiais não têm força vinculante, servindo apenas para esclarecer o verdadeiro sentido das fontes formais.Fonte formal do Direito Processual Civil é a lei. Fala-se aqui, porém, em lei lato sensu, a significar norma jurídica. Diversas são as formas de expressão da norma jurídica que podem originar preceitos de Direito1 Rubens Limongi França, Hermenêutica Jurídica, São Paulo: Saraiva, 2s ed., 1988, p. 84.15

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Alexandre Freitas CâmaraProcessual: a Constituição Federal, a lei federal ordinária, a lei estadual, os tratados internacionais e os regimentos internos dos Tribunais.Assim é que, antes de qualquer outra, a Constituição da República é fonte formal do Direito Processual Civil, ali sendo encontradas regras das mais relevantes entre as que compõem este ramo do Direito. As normas contidas na Constituição e que dizem respeito ao Direito Processual podem ser divididas em dois grupos: o Direito Constitucional Processual e o Direito Processual Constitucional.Antes de mais nada, há que se afirmar que esses não são dois novos ramos do Direito Processual, mas tão-somente conjuntos de normas jurídicas sem autonomia científica (e aqui lembramos o que já foi afirmado anteriormente: qualquer ramo do Direito só tem autonomia se puder ser visto ao mesmo tempo como conjunto de normas positivas e como ciência).O Direito Constitucional Processual é o conjunto de normas de índole constitucional cuja finalidade é garantir o processo, assegurando que este seja, tanto quanto possível, um processo justo. Compõem o Direito Constitucional Processual os chamados "princípios gerais do Direito Processual", que serão alvo de nossas atenções mais adiante, entre os quais se incluem o princípio do devido processo legal, o do contraditório e o da isonomia.Já o Direito Processual Constitucional é o conjunto de normas de índole processual que se encontram na Constituição com o fim de garantir a aplicação e a supremacia hierárquica da Carta Magna. Aqui são encontradas as normas que regulam, entre outros, o mandado de segurança, o recurso extraordinário e o mandado de injunção.Além (e abaixo, de acordo com a "pirâmide da hierarquia das normas jurídicas) da Constituição Federal, outras formas de expressão das normas jurídicas também são fontes formais do Direito Processual Civil. Entre elas destaca-se, sem dúvida, a lei ordinária federal. Basta dizer que o Código de Processo Civil, a mais importante das leis processuais brasileiras, é uma lei ordinária federal, a Lei ne 5.869/73.Há que se frisar, porém, que apenas a lei ordinária, e não a lei complementar, é fonte formal do Direito Processual. Como se sabe, a lei complementar só é adequada às hipóteses em que for expressamente exigida pela Constituição da República. No mais, a lei ordinária é que se faz adequada à regulamentação de preceitos jurídicos.Considerando que em nenhum momento a Carta Magna exige a elaboração de lei complementar para a regulamentação de qualquer16

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Lições de Direito Processual Civilinstituto de índole processual, esta não pode ser tida como fonte do Direito Processual Civil.Quid iuris, se o Congresso Nacional aprovasse uma lei complementar que, por exemplo, alterasse o Código de Processo Civil? E se esta lei complementar viesse a ser depois contrariada por lei ordinária? A solução dessas questões depende, em primeiro lugar, da afirmação de que entre lei complementar e lei ordinária inexiste qualquer supremacia hierárquica, mas tão-somente campos diversos de incidência.2

Assim sendo, passemos a considerar as duas questões que foram postas anteriormente. Em primeiro lugar, quais as conseqüências de uma lei complementar regular matéria processual? Poderíamos simplesmente afirmar que tal lei complementar seria inconstitucional, por estar invadindo campo de atuação que não é o seu. Ocorre que, como se viu, a lei complementar encontra-se no mesmo nível hierárquico da lei ordinária e, além disso, por exigir um quorum mais elevado para a sua aprovação (seguindo, no mais, o mesmo processo legislativo) do que a lei ordinária, parece-nos que a lei complementar neste caso deveria ser tida como constitucional, embora devendo ser vista como uma lei complementar "com força de ordinária", isto é, como uma lei formalmente complementar, mas substancialmente ordinária. Assim sendo, a lei que ora imaginamos seria perfeitamente compatível com nosso ordenamento constitucional.Aceita essa primeira afirmação, chega-se facilmente à solução da seguinte questão: quais as conseqüências de uma lei ordinária que, posteriormente à lei complementar mencionada acima, tratasse inteiramente da mesma matéria? Ora, considerando-se que no exemplo dado a lei complementar é substancialmente ordinária, e aplicando-se a regra segundo a qual lei posterior revoga lei anterior quando trata inteiramente da mesma matéria, fica fácil concluir que a lei ordinária posterior revogaria, nessa hipótese, a lei complementar com força de ordinária anterior.Além da Constituição e da lei ordinária federal, também é fonte formal do Direito Processual Civil a lei estadual. Esta afirmação depende, para sua exata compreensão, de uma rápida excursão pela evolução histórica e constitucional do Direito brasileiro na fase republicana.Como é sabido, com o advento da República, o Brasil tornou-se um Estado federal, o que permanece até os dias de hoje. Ocorre que, porNeste sentido, Celso Ribeiro Bastos, Curso de Direito Constitucional, São Paulo: Saraiva, llaed., 1989, p. 308.17

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Alexandre Freitas Câmaraforça da Constituição de 1891, era dos Estados a competência privativa para legislar sobre Direito Processual, o que fez com que cada Estado-membro da União elaborasse seu próprio Código de Processo Civil. Esta situação permaneceu até a Constituição de 1934, quando então passou tal competência para a União. Conseqüência dessa mudança foi a edição, em 1939, de nosso primeiro Código de Processo Civil nacional.Esse sistema foi mantido até os dias de hoje, dispondo a Constituição vigente, a de 1988, que é da competência privativa da União legislar sobre Direito Processual (art. 22,1, CR). Ocorre que a Constituição de 1988 inovou ao dispor que a União, os Estados e o Distrito Federal possuem competência concorrente para legislar sobre "procedimentos em matéria processual" (art. 24, XI, CR). Tal regra é de difícil interpretação, não só em razão da tradicionalmente difícil questão acerca da diferença entre processo e procedimento (que será examinada adiante), mas também por força do disposto nos parágrafos do referido art. 24 da Constituição, segundo os quais a competência da União, nesse caso, é apenas para editar normas gerais, devendo tais normas ser suplementadas pelos Estados. Fica então outra questão de difícil solução: precisar o que é norma geral e o que não é em tema de procedimentos em matéria processual. Aduza-se, ainda, que os Estados e o Distrito Federal têm competência concorrente com a União para legislar sobre processo nos juizados de pequenas causas (art. 24, X, CR).Parece-nos que a única forma de solucionar a aparente contradição entre o art. 22, I, e o art. 24, XI, ambos da Constituição (contradição que existiria na medida em que a regulamentação dos procedimentos pertence ao Direito Processual) é afirmar, com apoio em Vicente, Greco Filho, que por "procedimentos em matéria processual" devem-se entender os procedimentos administrativos de apoio ao processo, e não o procedimento judicial, já que este é indissociável do processo.3

Assim sendo, compete exclusivamente à União legislar sobre Direito Processual, podendo o Estado expedir tão-somente (com base no art. 24, XI, da CR), normas jurídicas suplementares das gerais - as quais são de competência da União - sobre procedimentos administrativos de apoio ao processo, como, por exemplo, o procedimento administrativo para arquivamento e des arquivamento dos autos de um processo, ou o procedimento administrativo para remessa à ImprensaGreco Filho, Direito Processual Civil Brasileiro, vol. I, p. 71.18

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Lições de Direito Processual CivilOficial das notícias dos atos processuais que deverão ser publicadas por aquele órgão.Não se pode esquecer, porém, que, no que se refere aos juizados de pequenas causas (art. 24, X, da CR),4

têm os Estados e o Distrito Federal competência (concorrente com a União) para legislar sobre processo e, nessa hipótese, não há como se negar à lei estadual o caráter de fonte do Direito Processual propriamente dito. Podem os Estados legislar sobre processo nos juizados de pequenas causas, instituindo, por exemplo, regras quanto à assistência judiciária pela Defensoria Pública, ou a formas de se realizar a execução perante aqueles órgãos, desde que não sejam tais normas contrárias às gerais, editadas pela União e que, como notório, encontram-se reunidas na Lei ns 9.099/95.Ao lado da lei federal ordinária e da lei estadual, também podem ser incluídos entre as fontes formais do Direito Processual os tratados internacionais. Aqui, porém, há que se analisar um problema de grande importância, qual seja, o conflito que possa existir entre um tratado internacional e uma lei interna que tratem do mesmo tema. Exemplifiquemos com a hipótese do art. 90 do CPC, segundo o qual a existência de demanda pendente diante de juízo estrangeiro não impede a propositura de demanda idêntica no Brasil, o que se põe em confronto com o disposto no art. 394 do Código de Bustamante, tratado internacional de que o Brasil é um dos Estados contratantes. É certo que a boa doutrina considera que, na hipótese do exemplo apresentado, deve incidir o tratado se a demanda estiver pendente perante juízo estrangeiro de país que também seja contratante do Código de Bustamante, incidindo o CPC apenas em relação aos países que não sejam partes daquele tratado.5 Parece-nos, porém, preferível entender que o tratado internacional e a lei interna encontram-se em paridade hierárquica, e assim sendo a lei interna posterior é capaz de revogar o tratadoA Constituição prevê, no art. 24, X, um órgão jurisdicional denominado "juizado de pequenas causas", e no art. 98, I, outro órgão, chamado "juizado especial cível". Embora sejam órgãos ontologicamente distintos, o primeiro com competência para causas de pequeno valor econômico e o segundo competente para causas cíveis pouco complexas (ainda que de grande valor), o legislador ordinário os reuniu em um só órgão, batizado de "juizado especial cível", regido pela Lei n2 9.099/95, e que é competente tanto para causas de pequeno valor como para causas pouco complexas.Assim pensam, entre outros, Greco Filho, Direito Processual Civil Brasileiro, vol. I, p. 191, e Celso Agrícola Barbi, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. I, Rio de Janeiro: Forense, 6a ed., 1991, p. 245.19

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Alexandre Freitas Câmaraanterior, prevalecendo assim a mais recente expressão de vontade do legislador.6 Assim sendo, deve-se entender que o disposto no art. 90 do CPC prevalece sobre o art. 394 do Código de Bustamante, já que a lei federal é, no caso, posterior ao tratado internacional.Por fim, são fontes formais do Direito Processual os regimentos internos dos tribunais. Estes são conjuntos de normas que regem o funcionamento interno do tribunal, dispondo, por exemplo, sobre sua composição. Tais regimentos, porém, podem conter (e efetivamente contêm) normas processuais, como, por exemplo, as regras contidas nos regimentos internos do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça acerca do procedimento a ser observado no recurso de embargos de divergência (a propósito, consulte-se o disposto no art. 546 do CPC).Conhecidas as fontes formais do Direito Processual Civil, passemos à análise das fontes materiais, as quais - como dissemos - não têm força vinculante, não sendo assim obrigatórias, e têm por finalidade revelar o verdadeiro sentido do Direito Processual. Podem ser considerados fontes materiais do Direito Processual Civil os princípios gerais do Direito, o costume, a doutrina e a jurisprudência.Entende-se por princípios gerais do Direito aquelas regras que, embora não se encontrem escritas, encontram-se presentes em todo o sistema, informando-o. É o caso da velha parêmia segundo a qual "o Direito não socorre os que dormem". Embora tal regra não esteja escrita em nenhum lugar, é inegável que institutos como a prescrição e a decadência no direito material e a preclusão temporal no Direito Pro-cessual comprovam que aquele se trata de verdadeiro princípio geral, informador de nosso direito positivo.Vários princípios gerais do Direito poderiam ser aqui enumerados, mas, com medo de cansar o leitor, permitimo-nos referir apenas mais dois, que com certeza são conhecidos de tantos quantos estudam a ciência jurídica: nemo allegans propriam turpitudinem auditur (ninguém que alegue sua própria torpeza pode ser ouvido) e allegatio et non probatio quasinon allegatio (alegado e não provado é como não alegado).Outra fonte material do Direito Processual Civil é o costume. Costume que podemos definir como a conduta socialmente aceita e que éJosé Francisco Rezek, Direito Internacional Público (curso elementar), Sao Paulo: Saraiva, 1989, p. 106. Noticia ainda o referido autor, Ministro do Supremo Tribunal Federal, que o Pretório Excelso adotou esse entendimento no julgamento do Recurso Extraordinário n-80.004.20

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Lições de Direito Processual Civilrealizada para criar uma "sensação de obrigatoriedade". Nisto, essencialmente, difere o costume do hábito. O costume é uma conduta que gera uma sensação de obrigatoriedade para a sua realização, ou seja, realiza-se o costume por haver a sensação de que, em se agindo de outra forma, poderá incidir alguma sanção ou ocorrer algum prejuízo.Da mesma forma que em outros ramos do Direito, também no Direito Processual Civil o costume contra legem, isto é, contrário à lei, não pode ser admitido como fonte do Direito. De outro lado, os costumes secundum legem (em conformidade com a lei) e praeter legem (prévios à lei, ou seja, que operam diante de uma lacuna da lei) podem ser tidos como fontes de expressão do Direito Processual Civil.Não é difícil apresentar um exemplo de costume que funciona como fonte do Direito Processual Civil. É certo que, por força do disposto nos arts. 282, VI, e 300, ambos do Código de Processo Civil, autor e réu devem anunciar, de forma específica, na petição inicial e na contestação, as provas que pretendem produzir no processo. Há, porém, um hábito de muitos advogados de descumprir esse comando, anun-ciando apenas que pretendem produzir "todos os meios de prova admissíveis em direito". Por força disso, surgiu um costume dos juizes de, após o encerramento da fase postulatória, determinar que as partes especifiquem as provas que pretendem produzir.7

A doutrina, isto é, o conjunto de lições dos jurisconsultos acerca do Direito Processual Civil, também se constitui em fonte do Direito Processual Civil. É certo que a própria doutrina diverge quanto a ter ou não esta qualidade, havendo autores que negam sua inclusão entre as fontes do Direito.8 Parece-nos, porém, que as lições doutrinárias são essenciais para que se possa conhecer, com precisão, o que é o Direito. Todos os que estudam Direito conhecem a força de argumentos de autoridade e a importância que se dá à fundamentação doutrinária das opiniões manifestadas por todos aqueles que de alguma forma operam o Direito. Advogados, magistrados, membros do Ministério Público, professores, todos fazem questão de mostrar que a opinião que defendem encontra respaldo doutrinário e, muitas vezes, buscam muito7 Esse costume é noticiado também por Cândido Rangel Dinamarco, A Reforma do Código de Processo Civil, São Paulo: Malheiros, 3a ed., 1996, p. 107.8 Nega à doutrina a qualidade de fonte do Direito, entre outros, Miguel Reale, Lições Preliminares de Direito, São Paulo: Saraiva, 14a

ed., 1987, p. 176. Em sentido contrário -e, portanto, de acordo com o texto -, consulte-se, por

todos, Limongi França, Hermenêutica Jurídica, p. 109; José de Albuquerque Rocha, Teoria Geral do Processo, São Paulo: Saraiva, 2s ed., 1991, p. 34.21

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Alexandre Freitas Câmaramais na doutrina do que na própria lei a fundamentação para suas afirmações. Isso mostra a necessidade de se incluir a doutrina entre as fontes do Direito (não só do Processual Civil).Por fim, é também fonte material do Direito Processual Civil a jurisprudência. Valem aqui, em princípio, as mesmas afirmações feitas para justificar a inclusão da doutrina entre as fontes do Direito Processual Civil. É inegável a força das súmulas da jurisprudência dominante dos tribunais, principalmente dos tribunais superiores.E certo que, em nosso sistema, a jurisprudência não tem eficácia vinculante, como tem, por exemplo, no sistema da commom law, imperante nos Estados Unidos da América. A atribuição de eficácia vinculante à jurisprudência teria como conseqüência incluí-la entre as fontes formais do Direito, o que não é freqüente nos ordenamentos jurídicos que seguem o sistema do ius scriptum ou da civil law, de origem romano-germânica, e ao qual se filia o Direito brasileiro. Há entre nós a intenção, manifestada de público por juristas, magistrados e políticos, de atribuir eficácia vinculante - em algumas situações, e preenchidos certos requisitos - à jurisprudência, através de uma mudança no sistema do incidente de uniformização de jurisprudência (CPC, arts. 476/479). Sobre tal projeto já nos manifestamos anteriormente em outra obra,9

e a ele voltaremos quando da análise do mencionado incidente, que se inclui no Título do Código de Processo Civil que regula os processos nos tribunais.Deve-se dizer, à guisa de conclusão acerca da inclusão da doutrina e da jurisprudência entre as fontes do Direito Processual Civil, que entre elas há uma diferença essencial. Enquanto na doutrina o dissídio é saudável, e as polêmicas existentes em razão das diversas correntes que surgem quando da interpretação de determinada norma ou* instituto contribuem de forma inequívoca para o desenvolvimento da ciência, o dissídio jurisprudencial deve ser combatido. Isto porque a divergência entre os tribunais quando da aplicação de determinada norma aos casos concretos tem como conseqüência a diversidade de tratamento dada aos jurisdicionados, já que para cada um deles a lei é interpretada e aplicada de modo diverso, o que contraria o princípio constitucional da isonomia. É muito difícil para o leigo entender por que ele não consegue obter determinada vantagem em juízo se um amigo dele, ou um parente, que propôs ação para obter providência idêntica perante outro juízo ou tribunal, conseguiu. Basta lembrar oFreitas Câmara, Lineamentos do Novo Processo Civil, p. 225.22

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Lições de Direito Processual Civilainda recente episódio do bloqueio dos cruzados retidos no "Plano Collor", em que alguns juízos determinavam o desbloqueio do dinheiro retido, enquanto outros órgãos judiciários determinavam exatamente o inverso, que o dinheiro permanecesse bloqueado. É para combater esses dissídios que o sistema cria uma série de remédios destinados à uniformização da jurisprudência, dos quais três se destacam: o já mencionado incidente de uniformização de jurisprudência e, ao lado deste, o recurso especial fundado em dissídio jurisprudencial (art. 105, III, c, da CR) e o recurso de embargos de divergência (art. 546 do CPC).

§ 2a Interpretação da Lei ProcessualInterpretar a lei é fixar seu significado e delimitar seu alcance. Em outras palavras, a atividade de interpretação da lei tem por finalidade não só descobrir o que a lei quer dizer, mas ainda precisar em que casos a lei se aplica, e em quais não. Trata-se de atividade essencial para o jurista, sendo certo que todas as normas jurídicas (e, para dizer a verdade, todos os atos jurídicos) devem ser interpretadas, até mesmo as mais claras. A idéia, por muito tempo consagrada, de que a clareza da lei dispensa a interpretação é errada, mesmo porque só se sabe que a lei é clara depois de se interpretá-la.A interpretação da lei processual, como não poderia deixar de ser, segue os mesmos critérios e pode alcançar os mesmos resultados que a interpretação das leis em geral. É preciso, assim, apresentar os méto-dos de interpretação da lei processual e, em seguida, enumerar os possíveis resultados da atividade interpretativa.São cinco os métodos de interpretação da lei processual: literal ou gramatical, lógico-sistemático, histórico, comparativo e teleológico. Antes de apreciá-los separadamente, é preciso se afirmar que nenhum deles é suficiente para determinar a verdadeira vontade da lei, sendo essencial a utilização de todos.

2.1. Método Literal ou GramaticalComo o próprio nome indica, este método permite a interpretação da norma através da verificação do sentido literal das palavras e frases. Não se pode negar uma realidade: é impossível qualquer interpretação da lei sem que a mesma seja lida e suas palavras entendidas. Não é, porém, suficiente, e isto se prova com um simples exemplo: o art. 890,23

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Alexandre Freitas Câmara§ Ia, do CPC afirma que, "tratando-se de obrigação em dinheiro, poderá o devedor ou terceiro optar pelo depósito da quantia devida, em estabelecimento bancário oficial, onde houver, situado no lugar do pagamento, em conta com correção monetária, cientificando-se o credor por carta com aviso de recepção, assinado o prazo de dez dias para a manifestação de recusa". Trata-se de dispositivo que regula o cabimento e procedimento da consignação em pagamento extrajudicial. A ser interpretado literalmente, pareceria que o depósito da quantia deveria ser realizado em estabelecimento bancário oficial, onde houvesse um. Em não havendo estabelecimento bancário oficial, tornar-se-ia impossível a consignação extrajudicial. Esta a conclusão a que se chega pela leitura da norma, que fala em depósito a ser realizado "em estabelecimento bancário oficial, onde houver". Ocorre que houve aí uma má colocação da vírgula, que deveria estar antes da palavra oficial, o que altera inteiramente seu significado. Devendo o depósito ser feito "em estabelecimento bancário, oficial onde houver", verifica-se que, em não havendo estabelecimento bancário oficial, a consignação extrajudicial pode ser realizada em qualquer outro estabe-lecimento bancário.10

Tem-se, assim, demonstrada a insuficiência do método literal de interpretação da lei (insuficiência esta que, como dito, é comum a todos os métodos de interpretação). Embora seja insuficiente, porém, o mé-todo literal é essencial para a adequada interpretação da norma, pois que, como já ressaltado (e decorre da própria natureza das coisas), é impossível ao intérprete realizar sua atividade sem ler a lei, ou lendo-a sem ter conhecimento do significado literal das palavras e gramatical das frases que compõem a norma. "

2.2. Método Lógico-SistemáticoO segundo método interpretativo é o chamado lógico-sistemático, pelo qual se interpreta a norma inserindo-a em um sistema lógico, o qual não admite contradições ou paradoxos, o ordenamento jurídico. O intérprete jamais pode se esquecer que a norma objeto da atividade interpretativa não é algo isolado do restante do ordenamento, devendo10 No sentido do texto, entendendo-se que o verdadeiro sentido da lei é o que se encontra com a alteração da posição da vírgula, J. E. Carreira Alvim, Código de Processo Civil Reformado, Belo Horizonte: Del Rey, 2a ed., 1995, p. 274.24

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Lições de Direito Processual Civilser interpretada em consonância com o restante das normas jurídicas que compõem o sistema.Um bom exemplo de aplicação desse método é o seguinte: nos termos do disposto no parágrafo único do art. 155 do CPC, o direito de consultar os autos do processo é restrito às partes e a seus advogados, e terceiros só podem obter certidões do dispositivo da sentença se demonstrarem ao juízo que são titulares de interesse jurídico que os legitime a obter tais certidões. A leitura isolada desse dispositivo poderia induzir o intérprete a achar que esta regra é aplicável a todo e qualquer processo, o que não é correto. Isto porque o art. 155 afirma que os processos são públicos, salvo aqueles que devem tramitar em segredo de justiça e, além disso, dispõe o art. 141, V, do CPC, que incumbe ao escrivão fornecer, independentemente de despacho judicial, certidão dos atos do processo (observado o disposto no art. 155). Da interpretação sistemática dessas regras só se pode concluir que a restrição imposta pelo parágrafo único do art. 155 é aplicável, tão-somente, aos processos que tramitam em segredo de justiça.11

Verifica-se, assim, a importância de se inserir a norma a ser interpretada no sistema a que pertence, lembrando-se sempre que tal sistema não pode conter paradoxos ou contradições, sendo impossível a coexistência de duas normas num mesmo ordenamento jurídico que regulem o mesmo instituto diferentemente. É por esta razão, e nenhuma outra, que a Lei de Introdução ao Código Civil, em seu art. 2a, § 12, dispõe no sentido de que a lei posterior revoga a anterior quando com ela for incompatível.

2.3. Método HistóricoEste terceiro método de interpretação da lei exige que se analisem as normas que regulavam o mesmo instituto antes da vigência da atual, cujo significado se quer fixar. Além disso, devem ser analisados textos anteriores da mesma lei, se esta eventualmente sofreu alguma reforma, bem como os textos do anteprojeto e do projeto de lei que11 Neste sentido José Raimundo Gomes da Cruz, Estudos sobre o Processo e a Constituição de 1988, São Paulo: Saraiva, 1993, p. 166; Alexandre Freitas Câmara, "Atos Processuais", in Livro de Estudos Jurídicos, vol. X, Niterói: IEJ, coord. de James Tubenchlak e Ricardo Bustamante, 1995, p. 18. Contra, entendendo que o parágrafo único do art. 155 é aplicável a todos os processos, sem exceção, José Carlos Barbosa Moreira, "Processo Civil e Direito à Preservação da Intimidade", in Temas de Direito Processual, Segunda Série, São Paulo: Saraiva, 2a ed., 1988, p. 19.25

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Alexandre Preitas Câmaraforam elaborados e que deram origem à lei alvo da atividade inter-pretativa. A importância de tal método de interpretação é comprovada pela relevância dada pelos juristas ao estudo da evolução histórica dos institutos, sendo freqüente que se busque no Direito romano, ou no velho Direito lusitano, a fundamentação para algumas teses defendidas pelos juristas modernos. Um bom exemplo da relevância desse método de interpretação encontra-se na exegese do art. 296 (e seu parágrafo único) do CPC. Responsável por regular o recurso cabível contra a sentença que indefere liminarmente a petição inicial (antes, portanto, de realizada a citação do réu), dispondo ainda sobre seu procedimento, o referido artigo nada menciona acerca do tratamento a ser dispensado ao réu-apelado. Isto poderia levar o intérprete a concluir que o apelado aqui deveria receber o mesmo tratamento que nas apelações em geral, sendo comunicado da interposição do recurso para que pudesse, no prazo de quinze dias, impugná-lo. Ocorre que esta não é a interpretação adequada, sendo certo que, neste recurso, não há oportunidade para manifestação do recorrido. Tal conclusão decorre do fato de a redação anterior à vigente do art. 296 (e parágrafos) ser expressa em determinar a citação do réu, na hipótese, para acompanhar o recurso. O fato de ter sido a lei reformada para que do novo texto se omitisse a referência à manifestação do réu leva à conclusão de que este não deve se manifestar.i2

O método histórico, nunca é demais repetir, é insuficiente para permitir a adequada interpretação da lei, assim como o são todos os demais métodos, sendo imperiosa a utilização conjunta de todos eles.

2.4. Método ComparativoEste método corresponde à utilização, para fins de interpretação, dos subsídios de Direito Comparado, buscando-se nas lições da doutrina estrangeira e nas normas contidas nos ordenamentos jurídicos positivos de outros países fundamentos para se descobrir o verdadeiro significado da lei nacional. É muito comum, como facilmente se verifica, a citação de autores estrangeiros para fundamentar posições defendidas por juristas brasileiros.13 Por esta razão, torna-se desne-12 Consulte-se, sobre o tema, Preitas Câmara, Lineamentos do Novo Processo Civil, p. 49; Dinamarco, A Reforma do Código de Processo Civil, p. 81.13 No Direito Processual Civil, destacam-se, pela quantidade, as citações de autores como Giuseppe Chiovenda, Enrico Tullio Liebman e Francesco Carnelutti, entre muitos outros26

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Lições de Direito Processual Civilcessaria a apresentação de qualquer exemplo da relevância desse método interpretativo. Certos de que estaremos pecando por abundância, porém, apresentaremos aqui um exemplo, uma vez que, como notório, quod abundat non nocet. Assim é que podemos fazer referência a um instituto recentemente introduzido no sistema jurídico-processual brasileiro, a "ação monitoria", na qual qualquer adequada interpretação dos artigos que a regulam (CPC, arts. 1102a a 1102c) só será possível com a busca de subsídios no Direito italiano, do qual herdamos o instituto.14

2.5. Método TeleológicoTrata-se de método de interpretação das leis imposto ao intérprete pelo art. 5a da Lei de Introdução ao Código Civil. Ao interpretar a norma jurídica, o intérprete deve ter sempre em vista os fins sociais a que a lei se destina, assim como o bem comum. Toda lei (ao menos teoricamente) é elaborada tendo em vista uma finalidade social. E certo que existe uma realidade um pouco diversa da teoria, em que leis são elaboradas para atender a interesses pessoais dos detentores do poder, o que decorre da inegável vocação do direito positivo para ser uma força a serviço da manutenção do status quo imperante em determinada sociedade em um dado momento histórico. Apesar disso, é inegável que são elaboradas leis que têm por fim atender a uma finalidade social e, estando o intérprete diante de duas interpretações razoáveis (e cientificamente sustentáveis) de uma mesma norma, deverá optar por aquela que, no seu entender, melhor atenda aos anseios da sociedade.Após a utilização de todos os métodos de interpretação, ou seja, encerrada a atividade interpretativa, chega-se a um resultado, o qual pode se revelar como um dos quatro seguintes: resultado declarativo, re-sultado restritivo, resultado extensivo e resultado ab-rogante. Qualquer dos quatro resultados mencionados é possível de ser alcançado e, diga-se desde logo, qualquer deles é atingido com freqüência pelo intérprete das normas jurídicas, sendo inúmeros os exemplos de todos eles.notáveis juristas que, com suas obras, influenciaram decisivamente a formação do pensamento jurídico nacional.14 Sobre as semelhanças entre a "ação monitoria" do Direito brasileiro e o procedimento monitório italiano, consulte-se Humberto Theodoro Júnior, As Inovações no Código de Processo Civil, Rio de Janeiro: Forense, 6a ed., 1996, p. 74.27

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Alexandre Freitas Câmara

a) Resultado DeclarativoTrata-se do resultado alcançado toda vez que a atividade inter-pretativa demonstrar que a lei significa exatamente o que está escrito, nada havendo que altere o sentido literal e gramatical da norma. Um bom exemplo desse resultado é o que se tem quando da interpretação do art. 513 do CPC. Dispõe a referida norma que "da sentença caberá apelação". Tal norma só pode ser interpretada de uma maneira: proferida uma sentença pelo juiz, o recurso cabível será o de apelação. Em outras palavras, a lei significa exatamente o que está escrito.

b) Resultado RestritivoEsse é o resultado alcançado quando, na exegese da lei, o intérprete descobre que a lei disse mais do que o seu real significado, tendo portanto um alcance inferior ao que aparenta ter. Diz-se, nessa hipótese, que a lei dixit plus quam voluit. Também não são raros os casos em que o legislador manifesta sua imprecisão de linguagem, dando à lei uma redação que aparenta uma amplitude que, em verdade, não existe. Basta olhar, por exemplo, para o art. 522 do CPC, segundo o qual "das decisões interlocutórias caberá agravo", o que levaria o intérprete desavisado a concluir que o recurso de agravo é cabível contra toda e qualquer decisão interlocutória que viesse a ser proferida em um processo, o que não corresponde à verdade. Cite-se, por exemplo, o disposto no art. 519, parágrafo único, do CPC, a fim de se demonstrar a existência de decisões interlocutórias irrecorríveis, o que comprova que o art. 522 não tem na verdade um alcance tão amplo quanto aparenta.

c) Resultado ExtensivoTemos aqui um resultado da atividade interpretativa que se encontra em posição antagônica em relação ao que acabamos de apresentar. Na hipótese ora em consideração, a lei dixit minus quam voluit, ou seja, a norma disse menos do que queria. A hipótese é aquela em que a lei interpretada tem uma redação restritiva, embora seu real sentido seja mais amplo do que a sua literalidade permite antever, sendo certo que, nesses casos, a lei possui um alcance maior do que aparentemente se poderia lhe atribuir.28

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Lições de Direito Processual Civil

Bom exemplo desse resultado interpretativo é o que se alcança quando da exegese do art. 10, caput, do CPC, que determina o consentimento do cônjuge do autor para a propositura de determinadas ações. Faz referência a lei, tão-somente, ao demandante casado, exigindo-se assim apenas o consentimento do cônjuge, mas tal norma é aplicável também ao demandante que viva em regime de concubinato puro ("união estável"), uma vez que também aqui há a formação de um patrimônio familiar que merece proteção especial do Estado.15 Verifica-se, assim, que o alcance da norma jurídica interpretada é maior do que aparenta sua redação, sendo extensivo o resultado da atividade interpretativa.

d) Resultado Ab-RoganteA última possibilidade de resultado a que se pode chegar na atividade interpretativa das normas jurídicas é o ab-rogante, que se dá quando o exegeta verifica que a norma que está sendo interpretada não pode ser aplicada (por ser inconstitucional, por exemplo, ou ainda por ter sido tacitamente revogada por lei posterior com ela incompatível). Esse o resultado que se alcança, por exemplo, quando se interpreta o art. 451 do CPC, que determina que o juiz, na audiência de instrução e julgamento, fixe os pontos controvertidos, quando é certo que tal fixação de pontos ocorre, hoje em dia, na audiência preliminar prevista no art. 331 e seu § 2a, também do CPC, com a redação que deu a estes dispositivos a Lei na 8.952/94. Sendo tais disposições de lei incompatíveis entre si, deve-se considerar revogada a norma mais antiga, qual seja, o art. 451, cuja redação é a que constava do texto original do Código de Processo Civil, que entrou em vigor em 1974.16

Trata-se este, infelizmente, de resultado muito freqüente na atividade hermenêutica, sendo inegável que o legislador brasileiro não só tem elaborado um número exagerado de normas inconstitucionais, como também que são inúmeros os casos de revogação tácita de normas, quando é inegável que a revogação expressa é muito mais adequada em termos de segurança jurídica.15 No sentido do texto, José Rubens Costa, "Alterações no Processo de Conhecimento", in Reforma do Código de Processo Civil, coord. de Sálvio de Figueiredo Teixeira, São Paulo: Saraiva, 1996, p. 306.16 No mesmo sentido, considerando que a nova sistemática do art. 331 revogou o art. 451 do CPC por ser com ele incompatível, Dinamarco, A Reforma do Código de Processo Civil, p. 134.29

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Alexandre Freitas Câmara

§ 32 Integração da Lei ProcessualFenômeno que não se confunde com o da interpretação é o da integração da lei processual. Chama-se integração à atividade de suprir lacunas, sendo certo que ao juiz não é dado eximir-se de julgar alegando a existência de lacunas na lei (art. 126 do CPC). Cabe ao magistrado, assim, suprir eventuais lacunas da lei utilizando, para tal fim, os costumes, os princípios gerais do direito e a analogia.Dos costumes e dos princípios gerais do direito falou-se em parágrafo anterior, já que são fontes do direito. Resta, assim, tratar da analogia. Esta consiste em aplicar a um caso para o qual não exista norma especificamente aplicável uma norma jurídica prevista originariamente para um caso semelhante. Assim, por exemplo, é possível ao juiz determinar a intimação com hora certa, apesar do silêncio da lei sobre o ponto, já que se pode aplicar, por analogia, à intimação, o regramento legal da citação.Note-se, por fim, que há um mau hábito, de alguns juizes, de indeferir requerimentos feitos pelas partes dizendo que o fazem "por falta de amparo legal". A se interpretar tal referência como querendo significar que o indeferimento se deu por não haver previsão legal daquilo que se requereu, então tal decisão contraria o disposto no art. 126 do CPC, já que o juiz estará, no caso, deixando de deferir por haver lacuna na lei. A lacuna da lei não pode ser usada como desculpa para que o juiz deixe de decidir, cabendo-lhe supri-la através dos meios de integração da lei, já referidos: costumes, analogia e princípios gerais do direito.30

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Capítulo IVPrincípios Constitucionais do Direito Processual§ le Princípio do Devido Processo LegalComo qualquer outra ciência, também o Direito Processual está sujeito a princípios norteadores de todo o desenvolvimento da disciplina. Tais princípios servem como orientação segura para a interpretação dos institutos que integram o campo de atuação da ciência, sendo certo que os mais importantes princípios processuais encontram-se consagrados na Constituição da República.Tratar-se-á, aqui, dos princípios constitucionais do Direito Processual. É preciso, antes de tudo, deixar claro que não coincidem exatamente os conceitos de "princípios gerais do Direito" e de "princípios constitucionais". Basta ver o seguinte: estabelece o art. 126 do CPC que, diante de uma lacuna da lei, deverá o juiz se valer da analogia. Não havendo norma que possa ser aplicada analogicamente, o julgador se valerá dos costumes e, por fim, não havendo costume que se aplique ao caso, será a decisão baseada nos princípios gerais do Direito. Ora, a se aceitar a idéia de que esses princípios gerais são os princípios constitucionais, ter-se-ia de admitir que os princípios constitucionais são aplicados em último lugar, depois da lei e das demais fontes de integração de suas lacunas. Isto, porém, não corresponde à verdade. Os princípios constitucionais devem ser aplicados em primeiro lugar (e não em último), o que decorre da supremacia das normas constitucionais sobre as demais normas jurídicas. Assim sendo, vai-se aqui exa-minar os princípios constitucionais do Direito Processual, que estabelecem as premissas do funcionamento do sistema processual brasileiro.Dos princípios constitucionais do Direito Processual o mais importante, sem sombra de dúvida, é o do devido processo legal. Consagrado no art. 5a, LIV, da Constituição da República, este princípio é, em verdade, causa de todos os demais.Quer-se dizer, com o que acaba de ser afirmado, que todos os outros princípios constitucionais do Direito Processual, como os da31

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Alexandre Freitas Câmaraisonomia e do contraditório - para citar apenas dois -, são corolários do devido processo legal, e estariam presentes no sistema positivo ainda que não tivessem sido incluídos expressamente no texto constitucio-nal. A consagração na Lei Maior do princípio do devido processo legal é suficiente para que se tenha por assegurados todos os demais princípios constitucionais do Direito Processual a que faremos referência neste estudo.E notório que o princípio que aqui se analisa teve origem no Direito inglês, sendo muito freqüente neste ponto fazer-se referência ao texto da Magna Carta, texto jurídico inglês promulgado em 1215, e que costuma ser considerado a primeira constituição escrita de que se teve notícia.É preciso, porém, afirmar que a Magna Carta não continha, em seu art. 39 (que é muitas vezes referido como a origem da cláusula due process oi law), referência explícita ao princípio aqui referido. Era o seguinte o texto do art. 39 da Magna Carta:Nullus liber homo capiatur, vel imprisonetur, aut disseisiatur, aut utlagetur, aut exuletur, aut aliquo modo destruatur, nec super eum ibimus, nec super eum mittemus, nisi per legale judicium parium suorum vel per legem terre. (Em vernáculo: Nenhum homem livre será detido ou aprisionado ou privado dos seus bens ou dos seus direitos legais ou exilado ou de qualquer modo prejudicado. Não procederemos nem mandaremos proceder contra ele, a não ser pelo julgamento regular dos seus pares ou de acordo com as leis do país.)1

Verifica-se, pela mera leitura do texto, que não há ali nenhuma referência ao que hoje chamamos devido processo legal. Trata-se, porém, de norma que deu origem ao princípio que começamos a analisar. Isto porque na Magna Carta assegurou-se, primeiro aos barões, e depois a todo o povo do Reino Unido, que só se poderia submeter alguém a julgamento se este fosse realizado pelos pares daquele que estivesse1 Tanto o texto latino como a tradução para o português, em João Soares Carvalho, Em Volta da Magna Carta, Portugal: Editorial Inquérito, 1993, pp. 144-145. Frise-se que o texto original da Magna Carta não foi escrito em inglês, mas em latim, o que se fez com o claro intuito de impedir que suas regras incidissem sobre o povo, devendo a aplicação das mesmas ficar restrita aos nobres e senhores feudais.32

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Lições de Direito Processual Civilsendo julgado, e ainda que um súdito do reino só poderia ser submetido às leis de seu país, o que significava dizer que uma pessoa só poderia ser submetida a uma lei que se originasse da sua sociedade, e que por ela fosse tida por razoável.2 Além disso, costuma-se afirmar que a expressão per legem terre, ou em inglês the law oi the land, ou seja, a cláusula da Magna Carta que garantia o julgamento pelas leis do país, viria a ser substituída mais tarde pela expressão due process oi law, traduzida pela doutrina brasileira como "devido processo legal".3 A garantia do devido processo legal surgiu como sendo de índole exclusivamente processual mas, depois, passou a ter também um aspecto de direito material, o que levou a doutrina a considerar a existência de um substantive due process oi law ao lado de um procedural due process oi law. Assim é que o devido processo legal substancial (ou material) deve ser entendido como uma garantia ao trinômio "vida-liberdade-propriedade",4 através da qual se assegura que a sociedade só seja submetida a leis razoáveis, as quais devem atender aos anseios da sociedade, demonstrando assim sua finalidade social. Tal garantia substancial do devido processo legal pode ser considerada como o próprio princípio da razoabilidade das leis.5

Interessa-nos analisar mais detidamente o aspecto processual da garantia, o chamado procedural due process oi law. Este deve ser entendido como a garantia de pleno acesso à justiça,6 a qual se encontra — como visto - consagrada no art. 5s, Liy da Constituição da República.E significativo que, sendo uma carta destinada a proteger originalmente os barões, estes fizessem constar do citado art. 39 que só se submeteriam às leis de seu país, leis estas que eles mesmos deveriam elaborar. Isto porque, como se sabe, até hoje o Parlamento britânico é formado por duas câmaras, uma das quais é a Câmara dos Lordes, formada apenas por nobres. Com isto, mantém-se em pleno vigor a regra contida na Magna Carta, e os barões britânicos só se submetem às leis que passam por seu crivo no Parlamento. Sobre a correlação entre as expressões law oi the land e due process oi law, consulte-se, por todos, Carlos Roberto de Siqueira Castro, O Devido Processo Legal e a Razoabilidade das Leis na Nova Constituição do Brasil, Rio de Janeiro: Forense, 1989, p. 10. Note-se que é neste sentido que a Constituição brasileira recepciona o princípio, ao afirmar que ninguém será privado da sua liberdade ou de seus bens senão mediante o devido processo legal. A regra constitucional não faz referência à proteção da vida, e nem precisaria mesmo fazê-lo, já que a vida encontra-se assegurada fundamentalmente no caput do art. 5- da nossa Lei Maior.Sobre o princípio da razoabilidade das leis, por todos, Siqueira Castro, O Devido Processo Legal e a Razoabilidade das Leis na Nova Constituição do Brasil, passim. Assim, também, Humberto Theodoro Júnior, "A Garantia do Devido Processo Legal e o Grave Problema do Ajuste dos Procedimentos aos Anseios de Efetiva e Adequada Tutela Jurisdicional", in Atualidades Jurídicas, vol. I, Belo Horizonte: Del Rey, 1992, p. 22.33

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Alexandre Freitas CâmaraHá que se explicar, porém, o que entendemos por "acesso à justiça", para que se torne clara a nossa visão do princípio do devido processo legal. Tal acesso, frise-se antes de mais nada, não pode ser tido como uma garantia formal, em que se afirmasse de forma hipócrita que todos podem propor ação, provocando a atividade do Judiciário, bastando para tal que se contrate um advogado e que se adiante as custas do processo. Tal garantia seria inútil, ineficaz, e conseguintemente uma falsa garantia.Deve-se entender a garantia do acesso à justiça como uma garantia de "acesso à ordem jurídica justa", na feliz e irretocável expressão do professor Kazuo Watanabe.7

A denominação proposta pelo ilustre jurista de São Paulo é, sem dúvida, mais abrangente do que a tradicionalmente empregada "acesso a justiça". Isto porque não se pode ver neste acesso mera garantia formal de que todos possam propor ação, levando a juízo suas pretensões. Esta garantia meramente formal seria totalmente ineficaz, sendo certo que obstáculos econômicos (principalmente), sociais e de outras naturezas impediriam que todas as alegações de lesão ou ameaça a direitos pudessem chegar ao Judiciário. A garantia do acesso à justiça (ou, como preferimos, do acesso à ordem jurídica justa) deve ser uma garantia substancial, assegurando-se assim a todos aqueles que se encontrem como titulares de uma posição jurídica de vantagem e que possam obter uma verdadeira e efetiva tutela jurídica a ser prestada pelo Judiciário.A garantia de acesso à ordem jurídica justa, assim, deve ser entendida como a garantia de que todos os titulares de posições jurídicas de vantagem possam ver prestada a tutela jurisdicional, devendo jasta ser prestada de modo eficaz, a fim de se garantir que a já referida tutela seja capaz de efetivamente proteger as posições de vantagem mencionadas.Na busca do pleno acesso à ordem jurídica justa, a doutrina, influenciada pelo notável jurista italiano Mauro Cappelletti,8 reconheceExpressão encontrada, por exemplo, no ensaio "Assistência Judiciária e o Juizado Especial de Pequenas Causas", publicado na obra coletiva Juizado Especial de Pequenas Causas, coord. de Kazuo Watanabe, São Paulo: RT, 1985, p. 163.É grande a produção de Mauro Cappelletti sobre o tema do acesso à Justiça, havendo uma tradução brasileira de uma de suas obras sobre o tema, escrita em cooperação com o professor norte-americano Bryant Garth, à qual se remete o leitor para maior aprofundamento no estudo deste tema: Cappelletti e Garth, Acesso à Justiça, trad. bras. de Ellen Gracie Northfleet, Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1988, passim.34

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Lições de Direito Processual Civiltrês grandes fases de desenvolvimento no labor de elaboração científica (a ser acompanhado de implementação prática) sobre o tema, às quais se costuma referir como "as três ondas do acesso à justiça".Num primeiro momento fez-se necessário lutar pela assistência judiciária gratuita. A prestação do serviço judiciário é, quase sempre, onerosa, o que dificulta o acesso à proteção jurisdicional dos economicamente necessitados. O obstáculo econômico sempre impediu a maioria da população, tanto em países desenvolvidos como naqueles em desenvolvimento, de manifestar suas demandas perante os órgãos que integram o assim chamado "Poder Judiciário", o que lhes retirava qualquer expectativa de acesso a uma ordem jurídica em que suas posições jurídicas de vantagem fossem tuteladas. Surge, assim, a necessidade de se permitir que todos - tenham ou não condições econômicas de arcar com os gastos resultantes de tal ato - possam demandar perante os órgãos jurisdicionais.Há que se afirmar que o Direito brasileiro, há já muito tempo, garantiu o pleno acesso dos hipossuficientes econômicos aos órgãos judiciários, uma vez que, através da Lei na 1.060/50, assegurou aos economicamente necessitados a isenção do pagamento das despesas processuais, além da possibilidade de contar com a defesa técnica de seus interesses em juízo por pessoas e órgãos que prestem tais serviços gratuitamente, como a Defensoria Pública e os Escritórios de Prática Forense mantidos pelas Faculdades de Direito, entre outros.Há que se afirmar, ainda, que o Direito brasileiro, por força da ordem constitucional vigente desde 1988, assegurou aos economicamente necessitados mais do que a assistência judiciária gratuita, uma vez que o disposto no art. 5a, LXXiy da Lei Maior assegura que "o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos".Facilmente se constata que a redação do dispositivo constitucional é ampla a ponto de assegurar algo mais do que a assistência gratuita em processos judiciais (o que resulta da garantia à assistência judiciária). Ao assegurar a assistência jurídica integral, a Constituição eleva à categoria de garantia fundamental não só a já anteriormente assegurada assistência judiciária gratuita, mas também a assistência gratuita na esfera extrajudicial. Esta é a única interpretação adequada à norma constitucional que se refere à "assistência jurídica integral". Assim é que, no Brasil, os economicamente necessitados fazem jus, por exemplo, à assistência gratuita na elaboração de contratos de qualquer ordem, ou para elaboração de testamentos e codicilos. Tal assistência35

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Alexandre Freitas Câmaradeverá, em princípio, ser prestada pela Defensoria Pública, a qual foi considerada, pela mesma Constituição de 1988, instituição essencial à função jurisdicional do Estado (art. 134 da CR).Assegurada a assistência judiciária gratuita (ou, no caso brasileiro, a assistência jurídica integral e gratuita), cumpriu-se a primeira onda do acesso à ordem jurídica justa, tornando-se possível que todos - tenham ou não condições econômicas de arcar com as despesas processuais sem com isso criar dificuldades para sua manutenção e de sua família - possam levar ao Judiciário as alegações e provas necessárias para a defesa de seus interesses. Surge então a necessidade de se cumprir a segunda onda do acesso à justiça.Verificou-se que, embora todos pudessem levar suas demandas e pretensões ao Judiciário, qualquer que fosse sua situação econômica, nem todos os interesses e posições jurídicas de vantagem eram ainda passíveis de proteção através da prestação jurisdicional. Isso resultava do fato de o Direito Processual ter sido construído com base em um sistema filosófico e político dominante na Europa continental dos séculos passados, o liberalismo, no qual se instituiu um culto ao individualismo. Assim é que, pela estrutura tradicional do Direito Processual europeu continental (do qual somos herdeiros da maior parte dos institutos e da estrutura básica), só se permite que alguém vá a juízo na defesa de seus próprios interesses (veja-se, a propósito, a primeira parte do disposto no art. 62 do Código de Processo Civil: "Ninguém poderá pleitear, em nome próprio, direito alheio").À primeira vista poderia parecer que o objetivo alcançado com a primeira onda do acesso à justiça poderia ter resolvido esse problema, já que todos poderiam ir a juízo na defesa de seus próprios interesses. E realmente é inegável que, ao assegurar a gratuidade de acesso ao Judiciário, o ordenamento jurídico garantiu também a possibilidade de tutela jurisdicional de todos os interesses individuais. O problema, porém, se mantinha com referência a interesses que pudessem ser considerados supra-individuais (ou metaindividuais), já que estes, por estarem acima (ou além) dos indivíduos, não são próprios de ninguém, o que impedia que qualquer pessoa levasse a juízo demanda em que manifestasse a pretensão de defendê-los. Desse modo, permaneciam desprotegidos os chamados interesses coletivos e difusos, os quais não podem ser adequadamente tutelados através dos mesmos instrumentos capazes de tutelar os interesses individuais. Assim sendo, a segunda onda do acesso à Justiça foi a da proteção dos interesses metain-36

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Lições de Direito Processual Civildividuais, com a tentativa de se descobrir meios de proteção dos instrumentos coletivos e difusos.O Brasil, nesse campo, exerce notória posição de liderança em nível mundial, sendo o país que, sem sombra de dúvida, conta com o maior número de instrumentos aptos a proteger tais interesses, como a ação popular, a ação civil pública, a ação civil coletiva e o mandado de segurança coletivo.9

A proteção dos interesses coletivos e difusos é essencial para a adequada garantia de acesso à ordem jurídica justa numa época como essa em que vivemos, quando surgem novos direitos, sem caráter patrimonial, os chamados "novos direitos". A preservação do meio ambiente, do patrimônio cultural, histórico e artístico, a garantia da moralidade administrativa, são direitos tão (ou mais) dignos de proteção do que os direitos de crédito ou o direito de propriedade, sendo essencial que o ordenamento processual se adapte aos novos tempos, contemplando remédios adequados para a tutela efetiva de tais interesses. O Direito brasileiro ocupa, como se viu, posição de vanguarda no que concerne a esta "segunda onda do acesso à ordem jurídica justa".Tendo cumprido as duas primeiras ondas renovatórias do Direito Processual, o direito brasileiro foi capaz de responder a uma questão extremamente relevante: a de se saber o que o Estado (aqui cabendo a utilização da denominação Estado-juiz, já que se trata do Estado no exercício da função jurisdicional) pode fazer para garantir o pleno acesso à justiça. Fica, todavia, uma pergunta ainda por responder: estará satisfeito o consumidor do serviço jurisdicional? Tal pergunta obriga o jurista a examinar a questão do acesso à justiça sob um novo enfoque. Não mais o enfoque do Estado, mas o do consumidor do serviço judiciário, ou seja, o jurisdicionado. Surge, assim, a chamada "terceira onda", em que se busca o chamado "novo enfoque do acesso à justiça".A preocupação do processualista deve ser descobrir meios capazes de garantir uma prestação jurisdicional capaz de satisfazer o titular das posições jurídicas de vantagem que busca, no Judiciário,Sobre o tema, assim se manifestou ilustre jurista e magistrado: "Não se sabe de outra legislação com acervo tão rico e multifário, que modifica o seu figurino tradicional, de roupagem individual-conservadora, para identificar-se com as aspirações contemporâneas de igualdade real e de efetivo acesso a uma Justiça justa, rápida e eficaz". Sálvio de Figueiredo Teixeira, "A Reforma Processual na Perspectiva de uma Nova Justiça", in Reforma do Código de Processo Civil, coord. de Sálvio de Figueiredo Teixeira, p. 888.37

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Alexandre Freitas Câmaraabrigo para suas lamentações e pretensões. Nesse campo, porém, há um longo caminho a ser trilhado.Um primeiro ponto a ser abordado nessa ótica é a reforma do Judiciário. Questões polêmicas como a do controle externo da magistratura encontram-se na ordem do dia. Os "juizes classistas" da Justiça do Trabalho desapareceram. Estas e outras propostas precisam ser debatidas, para que se possa chegar a um modelo de estrutura do "Poder Judiciário" mais democrático e, por conseguinte, mais apto a exercer a função jurisdicional de acordo com as exigências de um moderno Estado Democrático de Direito como o que pretendemos ver instalado definitivamente em nosso país.Outra questão a ser examinada é a da garantia de informalidade nos procedimentos em juízo. Luta-se, nesse passo, pela "deformaliza-ção das controvérsias" (rectius, deformalização dos procedimentos judiciais tendentes à solução de controvérsias). Não se pense que a luta aqui é por uma total e extrema extinção das formas processuais. O processo judicial é formal, e tem de ser, sob pena de se perderem todas as garantias por que as formas processuais são responsáveis. O movimento pela "deformalização das controvérsias" não luta contra a forma, mas contra o formalismo, ou seja, contra a extrema deturpação das formas. O exagero formalista é que deve ser abandonado.O Direito brasileiro, também aqui, ocupa posição de destaque, garantindo uma razoável deformalização dos procedimentos judiciais. Bom exemplo dessa afirmação é o procedimento sumaríssimo, adequado para as causas submetidas aos Juizados Especiais Cíveis, regidos pela Lei n° 9.099/95, em que se tem um quase-total abandono das formalidades. Além disso, e com vistas ao processo regido pela legislação codificada, há que se fazer referência ao princípio da instrumentalidade das formas (arts. 154 e 244 do CPC), segundo o qual os atos processuais solenes são considerados válidos ainda que praticados por forma diversa da prescrita em lei, desde que alcancem sua finalidade essencial. Em outras palavras, e diferentemente do que ocorre no direito material, em que a desobediência à forma prescrita para um ato jurídico solene implica nulidade, no Direito Processual o vício de forma é irrelevante quando o ato processual consegue, ainda assim, atingir o fim a que se destina. Este princípio nos permite fazer uma afirmação que bem poderia ser um lema do estudo dos atos processuais: no processo, mais vale o conteúdo de um ato do que a sua forma.Outra questão a ser abordada nesse "novo enfoque" do acesso à justiça é a valorização dos meios paraestatais de solução de conflitos.38

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Lições de Direito Processual CivilOs chamados "sucedâneos da jurisdição", como a arbitragem, a mediação, a conciliação e outros são de extrema importância para que se torne possível a completa satisfação do jurisdicionado, assegurando-se amplo acesso à ordem jurídica justa.A valorização da utilização desses meios de solução dos conflitos de interesses seria capaz de garantir resultados satisfatórios para todos, inclusive para aqueles que não empregassem esses métodos alternativos, preferindo se valer do tradicional processo judicial. Explique-se: aqueles que preferissem um meio alternativo de solução de conflitos, como a arbitragem, por exemplo, teriam inúmeras vantagens, como a especialização (já que poderiam eleger árbitro um especialista no tema objeto da controvérsia), o sigilo (já que os meios alternativos, ao contrário do processo, não precisam ser públicos) e celeridade (é óbvio que o número de causas submetidas a um árbitro será sempre infinitamente inferior ao de causas submetidas a um juiz). Além disso, quanto maior o número de controvérsias submetidas aos sucedâneos da jurisdição, menor o número de processos judiciais, o que garantiria àqueles que preferissem esse método para solucionar seus conflitos uma prestação jurisdicional mais rápida e de melhor qualidade.A terceira onda do acesso à justiça é, como facilmente se verifica, a que se vive hoje, quando estudiosos do Direito Processual de todo o planeta se preocupam em garantir uma maior satisfação do jurisdicionado com a prestação da tutela jurisdicional, a qual deve ser efetiva e adequada a garantir verdadeira proteção às posições jurídicas de vantagem lesadas ou ameaçadas.Visto o que se entende por acesso à ordem jurídica justa, e após a exposição das "três ondas do acesso à justiça", fica fácil entender por que todos os princípios gerais do Direito Processual que serão aqui estudados (e todos os outros que, por qualquer motivo, deixem de ser mencionados nesta obra) são meros corolários do princípio do devido processo legal. Não se poderia, porém, encerrar esta breve análise do mais importante dos princípios processuais sem que se afirmasse nossa crença no devido processo legal como um processo justo,10 isto é, um processo em que seja assegurado um tratamento isonômico, num contraditório equilibrado, em que se busque um resultado efetivo, adaptado aos princípios e postulados da instrumentalidade do processo.10 Neste sentido, confira-se Augusto Mario Morello, El Proceso Justo, La Plata: Libreria Editorial Platense, 1994, passim.39

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Alexandre Freitas Câmara

§ 2^ Princípio da IsonomiaPrimeiro entre os corolários do devido processo legal é, sem sombra de dúvida, o princípio da igualdade, também chamado princípio da isonomia. Consagrado na Constituição da República no caput do seu art. 52, através da tradicional fórmula de enunciar que "todos são iguais perante a lei", o princípio da isonomia tornou-se verdadeira obsessão legislativa em nosso país. O legislador, a todo momento, sente-se obrigado a enunciar uma igualdade que não precisava ser reafirmada, uma vez que está expressa como garantia fundamental na Constituição.11

A isonomia (ou igualdade) está intimamente ligada à idéia de processo justo - isto é, de devido processo legal -, eis que este exige necessariamente um tratamento equilibrado entre os seus sujeitos. Por essa razão, aliás, dispõe o art. 125, I, do CPC, que é dever do juiz assegurar às partes um tratamento isonômico. Não se pode ver, porém, neste princípio da igualdade uma garantia meramente formal. A falsa idéia de que todos são iguais e, por ÍSÍÍO, merecem o mesmo tratamento é contrária à adequada aplicação do princípio da isonomia. As diversidades existentes entre todas as pessoas devem ser respeitadas para que a garantia da igualdade, mais do que meramente formal, seja uma garantia substancial. Assim é que, mais do que nunca, deve-se obedecer aqui à regra que determina tratamento igual às pessoais iguais, e tratamento desigual às pessoas desiguais.Em outras palavras, o princípio da isonomia só estará sendo adequadamente respeitado no momento em que se garantir aos sujeitos do processo que estes ingressarão no mesmo em igualdade de armas, ou seja, em condições equilibradas. Este o verdadeiro sentido da expressão par conditio, condições paritárias.Já foi dito que o processo é um jogo. Que seja ao menos um jogo equilibrado, em que ambas as partes têm as mesmas chances de êxito,11 Um bom exemplo dessa "obsessão" por enunciar a igualdade pode ser observado no texto da Lei n- 8.971/94, que, após dispor em seu art. 1- que "a companheira de um homem solteiro, separado judicialmente, divorciado ou viúvo, que com ele viva há mais de cinco anos, ou dele tenha prole, poderá valer-se do disposto na Lei n- 5.478, de 25 de julho de 1968, enquanto não constituir nova união e desde que prove a necessidade", fez questão de afirmar, no parágrafo único do mesmo artigo, que "igual direito e nas mesmas condições é reconhecido ao companheiro de mulher solteira, separada judicialmente, divorciada ou viúva". Sobre tal norma, hoje revogada pela Lei n- 9.278/96, e sua ligação com o princípio da isonomia, consulte-se José Maria Leoni Lopes de Oliveira, Alimentos Decorrentes do Casamento e do Concubinato, Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2a ed., 1996, p. 128.40

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Lições de Direito Processual Civilo que assegurará o sucesso a quem seja efetivamente titular de uma posição jurídica de vantagem.O princípio da isonomia, que está presente em todos os campos do Direito, aparece com muita força no campo processual, havendo uma série enorme de exemplos capazes de permitir a exata compreensão do fenômeno. Assim é que podemos fazer referência a regras como a do art. 508 do CPC, que assegura que o prazo de que se dispõe para interpor recursos é idêntico ao de que dispõe a parte contrária para impugnar o recurso interposto, ou ainda ao disposto no art. 454 do mesmo Código, que assegura que cada parte disporá de vinte minutos (prorrogáveis por mais dez a critério do juiz) para apresentar suas alegações orais na audiência de instrução e julgamento. Tais exemplos, porém, mostram apenas uma das faces do princípio da isonomia, a que determina tratamento igual a pessoas iguais. Mais difícil é reconhecer exemplos em que a lei determine, em obediência ao princípio da isonomia, que pessoas diversas recebam tratamento diferenciado, exatamente em razão de suas diferenças, e como forma de equilibrar o processo. Podemos, todavia, encontrar exemplos de tal aplicação do princípio no art. 188 do CPC, que cria o chamado "benefício de prazo" para a Fazenda Pública e para o Ministério Público, que têm prazo em quádruplo para contestar e em dobro para recorrer.12

12 O prazo para ajuizamento de "ação rescisória" pela Fazenda Pública foi ampliado para cinco anos, por medida provisória, tendo o STF concedido medida liminar em "ação direta de inconstitucionalidade" para suspender a eficácia da norma até o julgamento do mérito. Posteriormente, julgou-se prejudicada a ADIn, uma vez que a medida provisória não foi reeditada. Publicou-se, em seguida, outra medida provisória que duplicava o prazo para ajuizamento de "ação rescisória" pelo Ministério Público e pela Fazenda Pública. Este benefício, porém, deve ser tido, também, por inconstitucional. Isto porque, como se sabe, viola o princípio da isonomia qualquer tratamento desigual que não se destine a pessoas desiguais nos limites da desigualdade. Ocorre que diante da coisa julgada todos são iguais, já que aquela autoridade torna imutável e indiscutível o conteúdo da sentença. Assim sendo, não se justifica que algumas pessoas possam utilizar de remédio excepcional como a "ação rescisória" em um prazo maior do que outras, já que tal remédio destina-se a permitir a desconstituição da coisa julgada.Depois de lançada a segunda edição desta obra, em que se afirmou a inconstitucionalidade do benefício de prazo para a "ação rescisória" por afronta ao princípio da isonomia, o STF concedeu liminar em "ação direta de inconstitucionalidade", suspendendo a eficácia da nova redação do art. 188 do CPC, restaurando-se, assim, a redação anterior. O Presidente da República, depois da concessão da aludida liminar, não reeditou a medida provisória que alterava o referido dispositivo do Código de Processo Civil, o que fez com que desaparecesse (ao menos por enquanto) tal benefício contrário à Constituição da República. Medida Provisória mais recente, de n- 2.180-35, alterou o prazo para que a Fazenda Pública ofereça embargos do executado, de dez para trinta dias. Sobre este prazo, e seu exame à luz do princípio da isonomia, remetemos o leitor para o segundo volume destas Lições.

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Alexandre Freitas CâmaraMuito se discute sobre a constitucionalidade desse dispositivo, entendendo alguns que o mesmo afronta a garantia da isonomia,13 enquanto a doutrina dominante vê no dispositivo uma aplicação do referido princípio constitucional.14 Esta última é, realmente, a melhor posição. A Fazenda Pública e o Ministério Público devem cumprir uma série de burocracias e formalidades para que se torne possível sua manifestação no processo. Além disso, tais entidades representam interesses de grande relevância social, os chamados interesses públicos, e eventuais obstáculos que fossem criados à sua adequada participação no processo seriam prejudiciais a toda a coletividade. Por essa razão, merecem o tratamento diferenciado que se lhes outorgou. Quanto à questão dos limites do benefício, se deve este quadruplicar ou apenas duplicar (ou de alguma outra forma multiplicar) o prazo de que dispõem tais entidades para praticar atos processuais, parece-nos ser matéria de política legislativa, cabendo pois ao legislador a fixação do benefício, em limites que nunca extrapolem o razoável (afinal, como já visto, o princípio do devido processo legal é, em seu aspecto substancial, garantia de razoabilidade das leis).Outro caso de tratamento desigual dispensado pelo Código de Processo Civil a pessoas desiguais, e que tem por fim assegurar a igualdade substancial, é o que se encontra no art. 82, I, do CPC, segundo o qual o Ministério Público deve intervir obrigatoriamente nos processos em que haja interesse de incapaz envolvido. Tal norma tem por fim assegurar aos incapazes a já mencionada "paridade de armas" que se pretende assegurar com a garantia de igualdade substancial, já que não se pode pretender afirmar que exista igualdade material entre capazes e incapazes. ,Volta-se, assim, ao ponto de partida, qual seja, a afirmação contida na Constituição de que "todos são iguais perante a lei". Tal afirmação só pode ser aceita como uma ficção jurídica, visto que a igualdade en-tre as pessoas na verdade não existe. Todos somos diferentes, e nossas diferenças precisam ser respeitadas. A norma que afirma a igualdade de todos só será adequadamente interpretada quando compreendermos que a mesma tem por fim afirmar que, diante das naturais13 Nesse sentido, entendendo que deve haver algum benefício de prazo, mas que o constante do art. 188 viola o princípio da isonomia por ser excessivo, criando desigualdade substancial em favor da Fazenda Pública e do Ministério Público, Ada Pellegrini Grinover, "Benefício de Prazo", in O Processo em Sua Unidade - II, Rio de Janeiro: Forense, 1984, p. 264.14 Nesse sentido, por todos, Greco Filho, Direito Processual Civil Brasileiro, vol. I, p. 64.42

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Lições de Direito Processual Civildesigualdades entre os homens, o ordenamento jurídico deve se comportar de modo capaz de superar tais desigualdades, igualando as pessoas. É, pois, dever do Estado assegurar tratamento que supra as desigualdades naturais existentes entre as pessoas.15 Somente assim ter-se-á assegurado a igualdade substancial (e não meramente formal) que corresponde a uma exigência do processo justo, garantido pela cláusula due process oflaw.

§ 32 Princípio do Juiz NaturalMais um dos corolários do devido processo legal (rectius, justo processo de direito), este princípio também possui assento constitucional, como se verifica pela leitura dos incisos XXXVII e LIII do art. 52 da Constituição da República. A Lei Maior proíbe a existência de juízos ou tribunais de exceção, garantindo ainda que ninguém será sentenciado senão pela autoridade competente.Da leitura das normas constitucionais referidas extrai-se, facilmente, o alcance do princípio. Há que se afirmar, preliminarmente, porém, que o princípio do juiz natural só será entendido em todos os seus aspectos se ficar claro que a garantia tem duas faces: uma primeira, ligada ao órgão jurisdicional, ou seja, ao juízo, e não propriamente à pessoa natural do juiz. Uma segunda faceta do mesmo princípio, porém, diz respeito à pessoa do juiz, e está ligada à sua imparcialidade.É o primeiro aspecto do princípio que a Constituição consagra, ao proibir juízos de exceção e ao determinar que os processos tramitem perante o juízo competente.16 Por essa razão, nada impede que se denomine a este primeiro aspecto do princípio do juiz natural de "princípio do juiz constitucional".17

O que a Carta Magna quer assegurar é que os processos tramitem perante juízos cuja competência constitucional é preestabelecida. A15 Tal dever do Estado de diminuir as desigualdades inerentes ao homem está expressamente enunciado na Constituição italiana, em regra cujo alcance é semelhante ao do art. 5- da Constituição brasileira.16 Note-se, aliás, que o art. 5-, LIII, da CR fala em "autoridade competente", embora seu verdadeiro sentido seja o de assegurar que ninguém será sentenciado senão por decisão proveniente do juízo competente, sendo norma que se refere, portanto, ao órgão, e não à pessoa do juiz.!V Essa é a denominação encontrada, por exemplo, em José Frederico Marques, Manual de Direito Processual Civil, vol. I, São Paulo: Saraiva, 13a

ed., 1990, p. 82.

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Alexandre Freitas CâmaraConstituição, como se sabe, fixa a competência de diversos órgãos ju-risdicionais, como se verifica, por exemplo, nos arts. 102 (competência do Supremo Tribunal Federal), 105 (competência do Superior Tribunal de Justiça), 108 (competência dos Tribunais Regionais Federais), 109 (competência dos juizes federais), além de muitos outros. Tais regras devem ser observadas em todos os processos, e eventuais alterações que as mesmas venham a sofrer não poderão ser aplicadas a casos que já tenham ocorrido antes da mudança. Exemplifique-se: praticado ato ilegal pelo Presidente da República, tendo tal ato causado dano a direito líquido e certo de alguém, o titular do direito lesado poderá, como é notório, impetrar Mandado de Segurança perante o Supremo Tribunal Federal, órgão competente nos termos do art. 102, I, d, da Constituição. Imagine-se, agora, que uma emenda constitucional viesse a ser aprovada após a prática do ato presidencial mencionado, mas antes de ser impetrado o Mandado de Segurança, deslocando a competência para julgar tal demanda para o Superior Tribunal de Justiça. Tal emenda constitucional, ainda que entrasse em vigor imediatamente, não teria o poder de alterar a competência para o julgamento daquele Mandado de Segurança previamente mencionado, e que se dirige contra ato praticado, como se viu, antes da alteração da norma constitucional. Isto porque a aplicação imediata da nova regra seria contrária ao princípio do juiz natural, que exige sejam as demandas judiciais submetidas aos órgãos cuja competência constitucional foi preestabelecida em relação ao fato que será submetido à apreciação do Judiciário.Em outros termos, a competência constitucional a ser observada em um processo é aquela que estava estabelecida na Lei Maior na data em que ocorreu o fato que será submetido ao Judiciário. Não se diga que tal regra está ligada à idéia de "direito adquirido", pois não existe um "direito adquirido ao órgão jurisdicional competente", mesmo porque a competência para o processo só é, em princípio, fixada com a propositura da ação (art. 87 do CPC). A proibição de que as mudanças posteriores ao fato sejam influentes na fixação da competência constitucional estão ligadas, isto sim, ao princípio do juiz natural (ou, quanto a este aspecto que ora examinamos, princípio do juiz constitucional).Há, porém, um outro aspecto do princípio do juiz natural que muitas vezes é esquecido, e que está ligado diretamente à pessoa natural que exerce, no processo, a função de juiz. Trata-se da exigência de imparcialidade, essencial para que se tenha um processo justo. É44

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Lições de Direito Processual Civilessencial que o juiz a que se submete o processo seja imparcial, sob pena de se retirar toda a legitimidade de sua decisão. Por esta razão, aliás, é que as leis processuais estabelecem relações de vícios de parcialidade dos juizes, enumerados sob as denominações genéricas de causas de impedimento e de suspeição (CPC, arts. 134 e 135).Não se deve achar, porém, que a exigência de imparcialidade esteja ligada a uma suposta exigência de neutralidade do juiz. Em primeiro lugar, tal neutralidade é absolutamente impossível, uma vez que o juiz, como qualquer ser humano, exerce seu trabalho embasado em razão e emoção. O raciocínio do juiz tem necessariamente premissas que só ele conhece inteiramente, as quais têm índole ideológica, cultural, econômica, religiosa etc. Além disso, o juiz, como qualquer ser humano, pode ser tentado a favorecer aquele que se mostra mais simpático, ou mais fraco (quem nunca torceu pelo time mais fraco em um jogo de futebol, esperando que ocorresse uma "zebra"?). A imparcialidade que se exige, porém, nada tem a ver com essas obviedades. Em segundo lugar, a neutralidade poderia levar o juiz a uma posição passiva, de mero espectador do processo, esperando que as partes se digladiassem para, só após, e com base estritamente nos elementos trazidos ao processo pelas partes, proferir sua decisão. Tal neutralidade, porém, não está de acordo com as exigências do processo moderno, em que se quer um juiz dirigente e participativo, capaz de guiar o processo em busca da verdade, com poderes reais de direção do processo, podendo - por exemplo - determinar de ofício a produção das provas que entender necessárias (como autoriza o art. 130 do CPC).Há que se frisar, quanto a esta última afirmação, um ponto relevante. O juiz que, ex officio, determina a produção de certa prova não está sendo parcial, nem favorecendo alguma das partes, ainda que a prova, depois de produzida, seja favorável a uma das partes em detrimento da outra. Tal parcialidade inexiste até porque o juiz não sabia, ao determinar a produção da prova qual seria a parte favorecida. Ao contrário, será parcial o juiz que deixar de determinar de ofício a produção de certa prova, pois nesse caso estará favorecendo a parte a quem tal prova seria prejudicial. O juiz, no processo moderno, deve envidar esforços na busca da verdade, não se contentando (salvo hipóteses em que outro caminho se mostre inviável) com a mera "verdade formal" (na verdade uma probabilidade). Não se pode mais aceitar a afirmação, tantas vezes ouvida, de que enquanto no processo penal se busca a "verdade material", no processo civil devemos nos contentar com a "verdade formal". Não se pode admitir a existência de45

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Alexandre Freitas Câmaraduas verdades, uma material e outra formal. Só existe uma verdade, e tudo que dissentir da verdade é falso. O juiz no processo civil, tanto quanto no processo penal, deve buscar a verdade ("material", se assim se quiser), não podendo se contentar com a "verdade formal", a qual nem verdade é, mas mera probabilidade. É certo, porém, que em muitos casos a descoberta da verdade se torna impossível ou, ao menos, muito difícil, e impor aos sujeitos do processo uma espera por tal descoberta poderia ser um ônus pesado demais. Por esta razão é que, em situações excepcionais, em que não haja outra solução possível, o juiz do processo civil deverá se contentar com a mera probabilidade de existência de um direito ("verdade formal") para a ele outorgar proteção.O juiz deve ser imparcial, sem ser neutro. Esta assertiva, feita anteriormente, deve ser bem compreendida, tendo em vista o que acaba de ser exposto. A imparcialidade que se espera do juiz é a que resulta da ausência de qualquer interesse pessoal do juiz na solução da demanda a ele apresentada. Não se pode admitir que um processo seja submetido a um juiz ligado a alguma das partes por laços de parentesco ou amizade (ou mesmo de inimizade), ou que tenha interesse, econômico, jurídico ou de outra ordem, na vitória de qualquer das partes. O juiz deve ser alguém estranho às partes, sob pena de se desobedecer o princípio do juiz natural, que exige não só um órgão com competência constitucional preestabelecida, mas também um juiz imparcial, sob pena de se violar a garantia do processo justo.

§ 4Q Princípio da Inafastabilidade do Controle JurisdicionalPassamos agora à análise do princípio consagrado no art. 5e, XXXV, da Constituição. Segundo este dispositivo, "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito". Trata-se do princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional, segundo o qual, como a própria denominação indica, fica assegurado a todo aquele que se sentir lesado ou ameaçado em seus direitos o acesso aos órgãos judiciais, não podendo a lei vedar esse acesso.Sob esta ótica, ressalte-se, o destinatário da norma contida no mencionado inciso XXXV do art. 5a da Constituição Federal é o legislador, o qual fica impedido de elaborar normas jurídicas que impeçam (ou restrinjam em demasia) o acesso aos órgãos do Judiciário.46

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Lições de Direito Processual CivilEmbora esta não seja a única interpretação possível para o dispositivo, trata-se, sem dúvida, de importante exegese, com reflexos consideráveis na aplicação do princípio aqui estudado. Assim é que deve ser tida por inconstitucional qualquer norma jurídica que impeça aquele que se considera titular de uma posição jurídica de vantagem, e que sinta tal posição lesada ou ameaçada, de pleitear junto aos órgãos judiciais a proteção de que se sinta merecedor. A questão mais polêmica quanto a esse aspecto, sem sombra de dúvida, é a da constitu-cionalidade (ou não) das leis que proíbem a concessão de medidas liminares. Exemplo de norma que veda a concessão de liminares é encontrado, entre outros diplomas, na Lei na 8.437/92, cujo art. 12 dispõe que "não será cabível medida liminar contra atos do Poder Público, no procedimento cautelar ou em quaisquer outras ações de natureza cautelar ou preventiva, toda vez que providência semelhante não puder ser concedida em ações de mandado de segurança, em virtude de vedação legal". A questão que aqui se deve examinar é a seguinte: a lei que proíbe a concessão de liminares contraria o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional? A doutrina diverge quanto ao ponto, sendo predominante o entendimento - acertado, diga-se de passagem - que considera inconstitucional a vedação de concessão de liminares.18 Tais normas violam frontalmente o princípio que ora analisamos. Ao proibir qualquer norma que vede o acesso ao Judiciário, podendo qualquer pessoa ir a juízo pleitear proteção para um direito seu que considere estar sendo ameaçado (e note-se que a regra constitucional não exige que tenha havido lesão - ou ao menos que esta seja alegada - para que se possa ter garantido o acesso ao Judiciário), a proibição de liminares deverá ser tida por inconstitucional por ter como conseqüência uma restrição à proteção das posições jurídicas de vantagem contra ameaças que eventualmente sofram.Basta imaginar a situação seguinte para se ver como a norma proibitiva das liminares é esdrúxula e contrária ao direito: suponha-se que o governo federal resolva editar mais um plano econômico, avisando com antecedência de uma semana que os depósitos em caderneta de poupança serão bloqueados (como se fez no famigerado "Plano Collor"). Um cidadão, vendo seus bens ameaçados de confisco, vai a juízo e requer a concessão de liminar que impeça o bloqueio de seu dinheiro. O18 Luiz Rodrigues Wambier, "Liminares: 'Alguns Aspectos Polêmicos"', in Repertório de Jurisprudência e Doutrina sobre Liminares, coord. Teresa Arruda Alvim Wambier, São Paulo: RT, 1995, pp. 153-160.

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Alexandre Freitas Câmarajulgador, impedido de conceder a liminar, deveria então permitir que o bloqueio se efetivasse para, só após a lesão estar configurada, e depois de um longo e exauriente procedimento, determinar a liberação da quantia bloqueada. Tal modo de proceder não terá permitido a devida proteção a um direito subjetivo que estava sendo ameaçado, sendo portanto contrário à norma contida no art. 5°, XXXV, da CR.Parece-nos, assim, que referidas normas que proíbem indiscriminadamente a concessão de liminares são inconstitucionais. Não se pense, porém, com isso, que defendemos a malfadada "indústria das liminares", nome com que se designa o vício de muitos magistrados de concederem liminares indiscriminadamente. A liminar é excepcional, devendo ser concedida apenas quando se fizer estritamente necessária. Nas hipóteses, porém, em que as liminares se fazem necessárias, deve haver a possibilidade de o magistrado concedê-las, sendo contrária à ordem constitucional qualquer norma que impeça sua concessão.Há, porém, e além deste primeiro modo de se encarar o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional, uma segunda exegese possível, a qual, em conjunto com a anterior, é capaz de permitir uma mais ampla compreensão do instituto aqui examinado.Assim é que, além de se ter no legislador um destinatário da norma contida no art. 52, XXXV, da CR, também o juiz deve ser entendido como destinatário daquele princípio.Tal afirmação significa o seguinte: se a Constituição nos garante a todos o direito de acesso ao Judiciário, a tal direito deve corresponder - e efetivamente corresponde - um dever jurídico, o dever do Estado de tutelar as posições jurídicas de vantagem que estejam realmente sendo lesadas ou ameaçadas. Tal tutela a ser prestada pelo Estado, porém, não pode ser meramente formal, mas verdadeiramente capaz de assegurar efetividade ao direito material lesado ou ameaçado para o qual se pretende proteção. Em outras palavras, ao direito que todos temos de ir a juízo pedir proteção para posições jurídicas de vantagem lesadas ou ameaçadas corresponde o dever do Estado de prestar uma tutela jurisdicional adequada.19 Tal afirmação levou a uma revitalização do disposto no art. 75 do Código Civil de 1916, segundo o qual "a todo direito corresponde uma ação, que o assegura". Este dispositivo, que19 Neste sentido, Luiz Guilherme Marinoni, Efetividade do Processo e Tutela de Urgência, Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1994, p. 38; Alexandre Freitas Câmara, "Tutela Antecipatória: Um Enfoque Constitucional", in Ensaios Jurídicos, vol. I, Niterói: IBAJ, coord. Ricardo Bustamante e Paulo César Sodré, 1996, p. 334.48

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originariamente tinha uma concepção imanentista,20 passou a ser inteiramente despido de tal roupagem civilista, para que se pudesse ver na referida norma uma garantia de que a todo direito substancial deveria corresponder uma forma de tutela jurisdicional ("ação") adequada a asse-gurá-lo. Infelizmente, o Código Civil de 2002, responsável pela revogação do Código de 1916, não reproduz tal dispositivo. Isto, todavia, não é capaz de infirmar a existência de uma regra geral criadora de um sistema completo de tutela jurisdicional, ou seja, de um sistema em que é cabível a prestação de tutelas jurisdicionais atípicas. Em outras palavras, continua a vigorar no direito brasileiro a regra de que a todo direito substancial corresponde um remédio processual capaz de assegurá-lo, uma vez que o Código Civil de 2002 faz referência, em seus arts. 80, I, e 83, II e III, aos direitos reais e pessoais e às "ações" que lhes são correspondentes. Significa isto dizer que, não obstante o desaparecimento da regra constante do art. 75 do Código Civil de 1916, continua válido afirmar que "a todo direito corresponde uma ação, que o assegura".21

O princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional, pois, tem como corolário o direito, por ele assegurado, à tutela jurisdicional adequada, devendo ser considerada inconstitucional qualquer norma que impeça o Judiciário de tutelar de forma efetiva os direitos lesados ou ameaçados que a ele são levados em busca de proteção. Voltamos, com isso, à questão das normas que proíbem indiscriminadamente a concessão de liminares. Ao vedar a tutela liminar de direitos, a lei estará impedindo a prestação de uma tutela jurisdicional adequada (aliás, a única verdadeiramente adequada a proteger o direito de uma ameaça). Assim sendo, por vedar a tutela jurisdicional adequada ao caso concreto, tal norma proibitiva de concessão de liminares deve ser tida por inconstitucional por contrariar o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional, nessa sua segunda manifestação, em que aparece como destinatário da norma o magistrado (e não apenas o legislador).§ 5a Princípio do ContraditórioO princípio que ora passamos a analisar pode ser considerado o mais relevante entre os corolários do devido processo legal. Não há20 Com essa afirmação estamos ligando o art. 75 do Código Civil, em sua concepção original, à teoria civilista ou imanentista da ação, da qual trataremos adiante, quando do estudo das teorias sobre a ação.21 Voltaremos a este tema adiante, quando da análise do conceito e das diversas formas de tutela jurisdicional.49

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Alexandre Freitas Câmaraprocesso justo que não se realize em contraditório. Aliás, a mais moderna doutrina sobre o processo afirma que este não existe sem contraditório.22

O princípio do contraditório está consagrado no art. 5a, LV, da Constituição Federal, segundo o qual "aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes". Trata-se de princípio essencial do Direito Processual, devendo ser entendido sob dois enfoques: um jurídico e outro político.Não deve causar espanto nossa afirmação de que um princípio do Direito Processual deva ser analisado sob um enfoque político. O jurista precisa ter consciência de que, na verdade, não existe um "mundo jurí-dico", isolado da realidade. O Direito não pode ser visto apenas como uma ciência interpretativa e normativa, mas como uma ciência que precisa, como todas as outras, retratar a realidade e o mundo dos fatos. Este mundo, o real, é eminentemente político (afinal, o homem é um animal político). Além disso, não se pode esquecer que o Direito Processual é ramo do Direito Público e, nesta qualidade, examina atividades estatais, as quais - notoriamente - são regidas por finalidades políticas.Do ponto de vista estritamente jurídico, entretanto, é que analisamos o princípio do contraditório em primeiro lugar. Assim entendido, pode-se definir contraditório como a garantia de ciência bilateral dos atos e termos do processo com a conseqüente possibilidade de manifestação sobre os mesmos.23

Tal definição significa dizer que o processo - o qual deve, sob pena de não ser verdadeiro processo, se realizar em contraditório - exige que seus sujeitos tomem conhecimento de todos os fatos que venham a ocorrer durante seu curso, podendo ainda se manifestar sobre tais acontecimentos. Para demonstrar a veracidade dessas afirmações, basta lembrar que, proposta uma ação, deve-se citar o réu (ou seja, informá-lo da existência de um processo em que este ocupa o pólo passivo), para que o mesmo possa oferecer sua defesa. Da mesma forma, se no curso do processo alguma das partes juntar aos autos um22 Elio Fazzalari, II Proceso Ordinário di Cognizione, vol. I, Turim: UTET, Ristampa, 1990, p. 53; Cândido Rangel Dinamarco, A Instrumentalidade do Processo, São Paulo: RT, 2n ed., 1990, p. 178.23 Esta, com ligeiras diferenças de redação, a clássica definição de contraditório dada por Joaquim Canuto Mendes de Almeida, Princípios Fundamentais do Processo Penal, São Paulo: RT, 1973, p. 82. Tal definição foi também aceita por Ada Pellegrini Grinover, Novas Tendências do Direito Processual, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2A ed., 1990, p. 4.50

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Lições de Direito Processual Civildocumento qualquer, é preciso intimar a parte adversa, para que esta, tomando conhecimento da existência do documento, possa sobre ele se manifestar. Estes e muitos outros exemplos poderiam ser aqui apresentados, o que não se faz apenas para não nos alongarmos demasiadamente. Consideramos, assim, demonstrada a veracidade da definição apresentada para o princípio do contraditório, sendo este visto em seu aspecto puramente jurídico. Podemos, assim, ter como adequada a afirmação de Aroldo Plínio Gonçalves, para quem o contraditório (em seu aspecto jurídico) pode ser entendido corno um binômio: informação + possibilidade de manifestação.24

Algumas afirmações precisam ser ainda feitas, porém, para que se possa compreender corretamente o princípio do contraditório em seu aspecto jurídico. Em primeiro lugar há que se referir <3ue a "possibilidade de manifestação" mencionada no conceito apresentado varia de acordo com a maior ou menor disponibilidade do direito material controvertido. Explique-se: num processo civil em que se discuta, por exemplo, questão patrimonial, referente, e.g., à cobrança de uma dívida, as partes têm realmente uma possibilidade de manifestação, não havendo uma obrigação de as mesmas apresentarem suas alegações. Tanto assim que, se o réu, citado, nã° se defender, sua revelia terá como efeito a presunção de veracidade das alegações do demandante.Em outra hipótese, em que o direito material seja indisponível, como, por exemplo, em uma ação de investigação de paternidade, mudam as características do contraditório, uma vez que a revelia do demandado não produzirá aquele mesmo efeito, não surgindo assim a presunção de veracidade dos fatos alegados pelo autor. Por fim, quando se tratar de um processo penal, em que se encontra em jogo a liberdade do réu, na hipótese de este não querer se manifestar no processo, apresentando sua defesa, deverá o juízo nomear defensor (ainda cíue contra a vontade do réu), uma vez que nesse tipo de processo a defesa' mais do que possível, é obrigatória.Outra questão importante a ser abordada quanto ao aspecto jurídico do princípio do contraditório é a da existência (ou não) de contraditório no processo de execução. E certo que a doutrina clássica nega a existência de contraditório nessa espécie de processo.25 A dotitrina24 Aroldo Plínio Gonçalves, Técnica Processual e Teoria do Processo, Rio de Janeiro: Aide, 1992, p. 126.25 Por todos, et. Liebman, Processo de Execução, São Paulo: Saraiva, 3a ed., 1968, p. 38-51

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Alexandre Freitas Câmaramais recente, porém, considera que também nesse tipo de processo existe contraditório.26 Está com a razão, a nosso juízo, esta última corrente. É certo que no processo de execução o juiz não é chamado a prover o mérito da causa, não havendo nesse tipo de processo julgamento da pretensão do demandante ou declaração da existência do crédito exigido. Ocorre, porém, que no processo de execução o juiz é chamado, a todo momento, a proferir decisões quanto a questões como as referentes à presença das condições da ação e dos pressupostos processuais, ou dos requisitos necessários para a prática dos atos executivos. Além disso, os atos executivos são preparados com a participação (ao menos potencial) das partes. Basta um exemplo para demonstrarmos o que acabamos de afirmar. Proposta ação de execução por quantia certa, é realizada a penhora de um automóvel do executado. Este bem é levado à avaliação judicial, devendo as partes ser intimadas, logo após a elaboração do laudo de avaliação, para que tomem conhecimento do seu teor, podendo ainda manifestar-se sobre o mesmo. Isto é o contraditório. O fato de inexistir, no processo de execução, discussão quanto ao mérito da causa não nos deve levar à conclusão de que nesse tipo de processo inexiste contraditório. Afirme-se, apenas, que o contraditório na execução é limitado (ao contrário do que se dá no processo cognitivo, em que o contraditório é pleno, abrangendo também a discussão sobre o mérito da causa).Por fim, há que se referir a divergência doutrinária acerca da ligação entre contraditório e isonomia. Afirmam muitos autores que o contraditório nada mais é que a aplicação, no processo, da garantia da isonomia.27 Dissente desse modo de pensar Cândido Dinamarco,2® a nosso sentir com razão. Não nos parece que contraditório e isonomia sejam conceitos coincidentes. Pode-se pensar em um ordenamento processual em que ambas as partes tenham oportunidade de se manifestar no processo, mas tais oportunidades sejam conferidas de maneira desequilibrada. Haveria aí contraditório sem isonomia. Da mesma forma, pode-se imaginar um ordenamento processual em que a participação das partes seja igualmente restringida, não havendo nenhuma garantia substancial de participação no processo. Nessa hipótese haveria isonomia sem contraditório.26 Neste sentido, Cândido Rangel Dinamarco, Execução Civil, vol. I, São Paulo: RT, 2s ed., 1987, p. 109; Plínio Gonçalves, Técnica Processual e Teoria do Processo, p. 131.27 Neste sentido, por todos, Grinover, Novas Tendências do Direito Processual, p. 7.28 Cândido Rangel Dinamarco, Fundamentos do Processo Civil Moderno, São Paulo: RT, 1986, p. 92.52

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De toda forma, embora conceitualmente distintos os dois princípios, é adequado que os mesmos se encontrem, garantindo-se assim o que se chamou "contraditório efetivo e equilibrado".29 O processo justo (ou, em outras palavras, o devido processo legal) exige não apenas contraditório, mas também isonomia, o que nos leva a concluir que a garantia constitucional do due process oflaw só estará verdadeiramente assegurada onde os dois conceitos - de contraditório e isonomia -conviverem harmonicamente, tendo as partes do processo não só oportunidade de participação, mas identidade de oportunidades. Em outras palavras, há que se assegurar não só o contraditório, mas um contraditório que, além de efetivo (ou seja, capaz de permitir resultados adequados na formação do provimento jurisdicional), seja também equilibrado, o que se assegura com a igualdade substancial de tratamento deferida às partes.Além desse aspecto jurídico, há um outro, de índole política, sob o qual deve ser examinado o princípio do contraditório.O contraditório é uma garantia política conferida às partes do processo. Através do contraditório se assegura a legitimidade do exercício do poder, o que se consegue pela participação dos interessados na formação do provimento jurisdicional. Tal assertiva merece ser aprofundada.Como se sabe, em um Estado Democrático de Direito o exercício do poder deve ser não apenas legal, mas também legítimo.30 Tal legitimidade é exigida em todas as manifestações do exercício do poder, inclusive quando do exercício da função jurisdicional. Em outras palavras, cada ato ou procedimento estatal para exercício de poder deve ser encarado como um microcosmo do Estado Democrático de Direito.O exercício da função jurisdicional, como várias outras manifestações de exercício do poder soberano do Estado, se dá através de um procedimento destinado à elaboração de um provimento. Tais procedimentos31 só se legitimam pela participação dos interessados no provi-mento que se vai formar.32

29 Cândido Rangel Dinamarco, Fundamentos do Processo Civil Moderno, p. 95.30 Sobre a legitimidade como critério de análise e aprovação dos regimes políticos, consulte-se Wilson Accioli, Teoria Geral do Estado, Rio de Janeiro: Forense, 1985, p. 325.31 Note-se que a afirmação que se vai fazer é adequada apenas para os procedimentos que levam à prolação de um provimento estatal. Assim, por exemplo, não se aplica o que vai no texto ao inquérito policial, embora seja esse um procedimento estatal. A inaplicabüidade do que se dirá a seguir ao inquérito policial decorre de, nesse procedimento, não se ter como fim a prolação de um provimento.32 Dinamarco, A Instrumentalidade do Processo, p. 184.53

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Alexandre Freitas CâmaraIsto significa dizer o seguinte: qualquer que seja a função exercida pelo Estado, só se terá exercício legítimo de poder quando houver participação no procedimento (ao menos potencial) de todos aqueles que podem vir a ser alcançados pelos efeitos do ato estatal produzido. Tal participação deve ser garantida, pois, em todas as três funções classicamente atribuídas ao Estado: legislativa, administrativa e jurisdicional.É fácil verificar que no exercício da função legislativa foi assegurado o direito de participação dos interessados. Tal participação se dá de diversas formas, como a eleição dos membros dos órgãos legis-lativos (deputados, senadores e vereadores), o plebiscito, o referendo e a iniciativa popular do processo legislativo. A mesma facilidade se encontra quando da análise do direito de participação na função ad-ministrativa, uma vez que também aqui há eleição (para prefeito, governador e presidente da República) e, além disso, há participação através de instrumentos como a ação popular, que permite aos cidadãos influir nos destinos de sua sociedade, evitando danos causados a interesses metaindividuais por aqueles que exercem a função administrativa do Estado.Assim como nas outras duas funções estatais, também no exercício da função jurisdicional deve ser assegurado aos interessados o direito de participar dos procedimentos que têm por fim a elaboração de provimentos. Tal participação se concretiza na garantia constitucional do contraditório, que pode, assim, ser compreendido como o direito de participação no processo que tem por fim legitimar o provimento estatal que nele se forma. Em outras palavras, só se poderá ter como legítimo um provimento jurisdicional emanado de um processo em que se tenha assegurado o direito de participação de todos aqueles que, de alguma forma, serão atingidos pelos efeitos do referido provimento. Decisões proferidas sem que se assegure o direito de participação daqueles que serão submetidos aos seus efeitos são ilegítimas e, por conseguinte, inconstitucionais, já que ferem os princípios básicos do Estado Democrático de Direito.Há que se afirmar, porém, que em algumas situações o juiz é levado a proferir decisões sem que se ouça antes uma das partes (decisões proferidas inaudita altera parte). Tais decisões se legitimam em razão de terem como pressuposto uma situação de urgência, com risco de dano irreparável {periculum in mora). Nesses casos, o contraditório fica postecipado, ou seja, o contraditório se efetivará depois da prolação da decisão. Essa limitação do contraditório é inerente ao54

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Lições de Direito Processual Civilpróprio princípio constitucional, o qual não pode ser cultuado de tal modo que se permita a imolação de direitos.33

O contraditório, entendido em seus aspectos jurídico e político, é essencial para que haja processo justo, sendo de extrema relevância para a efetivação prática da garantia constitucional do devido processo legal. Como voltaremos a afirmar adiante, o contraditório é tão relevante para o processo, que chega a integrar seu conceito, sendo lícito afirmar que não existe processo, onde não existir contraditório. Este deve ser tido como o elemento identificador dos processos estatais destinados à elaboração de provimentos resultantes do exercício do poder soberano.

§ 62 Princípio da Motivação das Decisões JudiciaisEste último princípio constitucional do Direito Processual a ser aqui analisado está consagrado na Constituição da República, art. 93, inciso IX. Trata-se de regra constitucional responsável por afirmar que toda decisão judicial será motivada, sob pena de nulidade. Comina-se, assim, de nulidade (absoluta) a decisão judicial que padeça do vício da falta de fundamentação. Alguns aspectos referentes à exigência de fundamentação das decisões devem ser analisados. Em primeiro lugar, há que se verificar a razão dessa exigência e, em segundo, deve-se perquirir o real sentido de motivação das decisões, analisando-se as conseqüências não só da ausência de fundamentação, como também da sua insuficiência.A fundamentação das decisões judiciais é exigida pelo nosso ordenamento jurídico por dois motivos. Em primeiro lugar, protege-se com tal exigência um interesse das partes e, em segundo, um interesse público.O primeiro interesse que se quer proteger com a obrigatoriedade de motivação das decisões é o interesse das partes, que não só precisam saber o motivo que levou o juiz a decidir as questões da maneira como decidiu, o que é psicologicamente importante (até mesmo para que a parte prejudicada pela decisão se convença de que a mesma era correta), como têm a necessidade de conhecer os motivos da decisão para que possam adequadamente fundamentar seus recursos.34 Não33 Dinamarco, A Instrumentalidade do Processo, p. 185.34 José Carlos Barbosa Moreira, "A Motivação das Decisões Judiciais como Garantia Inerente ao Estado de Direito", in Temas de Direito Processual, 2s Série, p. 86.55

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Alexandre Freitas Câmaraseria possível às partes interpor adequadamente seus recursos se fossem desconhecidos os motivos que levaram o juiz a decidir da forma como o fez. Frise-se, aliás, que também seria impossível aos tribunais examinar adequadamente se as decisões recorridas foram ou não corretas, e se as mesmas deveriam ou não ser reformadas.Há, além disso, outro fundamento a exigir que as decisões judiciais sejam motivadas. Trata-se de razão de ordem pública, embora ligada também a interesse particular das partes. A motivação da decisão é essencial para que se possa verificar se o juiz prolator da decisão era ou não imparcial.35 Isto se dá por uma razão. Ao contrário do administrador e do legislador, que recebem sua legitimação antes de exercerem suas atividades (já que tal legitimação provém do voto popular), o juiz não é previamente legítimo. A legitimação do juiz só pode ser verificada a posteriori, através da análise do correto exercício de suas funções. Assim, a fundamentação das decisões é essencial para que se possa realizar o controle difuso da legitimidade da atuação dos magistrados.36 Trata-se, pois, de mais uma garantia ligada à idéia de processo justo, de devido processo legal. A motivação das decisões judiciais é essencial para que se possa assegurar a participação da sociedade no controle da atividade jurisdicional, o que lhe confere legitimidade.Vê-se, assim, que a garantia de motivação das decisões judiciais tem por fim assegurar uma justificação política para as decisões. Sim, porque só se pode considerar como legítima do ponto de vista constitu-cional uma decisão que possa ser submetida a alguma espécie de controle (seja tal controle proveniente das partes, do próprio Judiciário ou da sociedade), e tal controle só é possível se a decisão judicial tiver sido fundamentada.A segunda questão a ser abordada sobre a garantia constitucional da motivação das decisões judiciais é a do alcance do princípio. É certo que as decisões judiciais desprovidas de fundamentação são nulas, sendo tal nulidade cominada pelo art. 93, IX, da Constituição Federal. Ocorre que há decisões mal fundamentadas, além de decisões apenas aparentemente fundamentadas, que também padecem do mesmo vício.35 Michele Taruffo, "II Significato Costituzionale deWobbligo di Motivazione", in Participação e Processo, coord. de Ada Pellegrini Grinover, Cândido Rangel Dinamarco e Kazuo Watanabe, São Paulo: RT, 1988, p. 43.36 J. J. Calmon de Passos, "A Formação do Convencimento do Magistrado e a Garantia Constitucional da Fundamentação das Decisões", in Livro de Estudos Jurídicos, vol. III, coord. James Tubenchlak e Ricardo Bustamante, Niterói, IEJ, 1991, p. 10.56

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rLições de Direito Processual Civil

Todo aquele que tenha algum tipo de vivência forense já viu decisões cujo teor aproximado é o seguinte: "ausentes os pressupostos, indefiro"; "presentes os requisitos, defiro"; "indefiro por falta de amparo legal", e muitos outros exemplos que não são aqui enumerados para não cansar o leitor. Tais decisões não podem ser consideradas como adequadamente fundamentadas. O que se tem aí é mero arremedo de fundamentação. O juiz que se limita a repetir fórmulas e textos legais, achando que assim fundamenta suas decisões, é um mau juiz, que com toda certeza proferiu tal decisão com parcialidade, sendo tal decisão tão flagrantemente inconstitucional que se torna adequado repetir aqui a frase dita por Calmon de Passos: "Há certas decisões tão manifestamente pre varie adoras que autorizam a prisão em flagrante".37 A decisão mal fundamentada é equiparável à não-fundamentada no que se refere à sua legitimidade constitucional, sendo assim tão eivada de nulidade quanto esta. Isto porque, tanto quanto a decisão não-fundamentada, a decisão mal fundamentada impede a adequada fundamentação do recurso que a parte eventualmente queira interpor, além de ser inadequada para permitir a verificação da legitimidade da atuação do juiz, tornando impossível o controle difuso da atividade jurisdicional. Assim sendo, tais decisões devem também ser consideradas nulas.38

Por fim, há que se dizer que a exigência de fundamentação adequada não deve ser confundida com uma exigência (inexistente, aliás) de fundamentação longa. Determina o Código de Processo Civil, em seu art. 458, II, que as sentenças devem ser fundamentadas, afirmando ainda o mesmo diploma, nos arts. 459 e 165, que as sentenças terminativas (ou seja, aquelas que não contêm resolução do mérito da causa) e as decisões interlocutórias devem ser fundamentadas de modo conciso. Não se exige do juiz que, ao elaborar suas decisões, escreva tratados ou monografias sobre o tema decidido. O que se exige é tão-somente que o magistrado fundamente adequadamente suas decisões, o que será cumprido ainda que tal fundamentação seja sucinta (nos casos em que isso for possível). Fundamentação adequada: isto é o que exige o nosso ordenamento constitucional, isto é o que se revela adequado e conforme os pilares do Estado Democrático de Direito.37 J. J. Calmon de Passos, "A Formação do Convencimento do Magistrado e a Garantia Constitucional da Fundamentação das Decisões", in Livro de Estudos Jurídicos, p. 14.38 Athos Gusmão Carneiro, "Sentença Mal Fundamentada e Sentença Não-Fundamen-tada", in Revista de Processo, vol. 81, 1996, p. 223.57

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rCapítulo V A Trilogia Estrutural do Direito ProcessualO Direito Processual está todo estruturado sobre três conceitos fundamentais, os quais receberam de notável jurista argentino a denominação genérica de "trilogia estrutural do Direito Processual".1 Esses três conceitos básicos da ciência processual são a jurisdição, a ação e o processo. Alguns autores, é certo, falam não em três, mas em quatro institutos, incluindo aí a defesa.2 Esta não nos parece, porém, a melhor posição. Isto porque, a nosso sentir, o conceito de defesa (o ius excep-tionis a que se refere a doutrina) é inerente ao conceito de processo. Como já dissemos anteriormente, e voltaremos a afirmar ainda por muitas vezes, não há processo sem contraditório, o que significa afirmar que não há processo sem que haja possibilidade de defesa. Assim, ao incluir o processo entre os institutos fundamentais do Direito Processual, já estamos considerando aí também a defesa, embora não se dê a ela tratamento autônomo. A defesa é elemento integrante do conceito de processo, e assim nos parece deva ser compreendida.Ficamos, assim, com a clássica estrutura formada pelos três institutos essenciais do Direito Processual: jurisdição, ação e processo, a "trilogia estrutural do Direito Processual".Tal trilogia deve ser estudada na ordem em que aqui enumeramos seus elementos formadores. Tal ordem não é aleatória, mas obedece a uma ordem estritamente lógica e essencial à exata compreensão do Direito Processual.3

O estudo da trilogia estrutural do Direito Processual deve começar pela jurisdição porque esta se constitui no objeto central dos estudos da ciência processual, sendo verdadeiro pólo metodológico desse ramo do Direito. Repita-se, aliás, que ao conceituarmos o Direito Processual afirmamos ser este o ramo do Direito que estuda e regulamenta o exercício,1 J- Ramiro Podetti, Teoria y Técnica dei Proceso Civil y Trilogia Estructural de Ia Ciência dei Proceso Civil, Buenos Aires: Ediar, 1963, pp. 334 e seguintes.2 Por todos, Cândido Rangel Dinamarco, Andamentos do Processo Civil Moderno, p. 73.3 Esta ordem de análise dos institutos fundamentais, embora não seja pacífica, tem sido adotada por muitos processualistas, entre os quais podemos citar Enrico Redenti, Diritto Processuale Civile, Milão: Giuffrè, 4a ed., 1995, e, no Brasil, Sérgio Bermudes, Introdução ao Processo Civil, Rio de Janeiro: Forense, 1995.59

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pelo Estado, da função jurisdicional. Ora, sendo a jurisdição o conceito mais importante de toda a ciência processual, elemento integrante do próprio conceito de Direito Processual, nada mais razoável que tal função do Estado seja examinada em primeiro lugar.Ocorre que a jurisdição, conforme se verá com mais detalhes adiante, é inerte, só podendo o Estado exercer esta sua função se for provocado (salvo nas raríssimas exceções em que se admite o exercício de ofício da função jurisdicional). Tal provocação se dá através da propositura de uma ação, motivo que nos leva a considerar que este deve ser o segundo instituto fundamental da ciência processual a ser aqui examinado. Por fim, se verifica que ao ser proposta uma ação, o que terá como conseqüência o dever estatal de prestar jurisdição, precisa o Estado de algum instrumento que lhe permita exercer aquela função, e tal instrumento é o processo. Assim, por ser o processo o instrumento que permite ao Estado, provocado pelo exercício da ação, exercer jurisdição, deve ser esse instituto examinado por último.Volte-se a afirmar, porém, que tal ordem não é pacífica. Entendem alguns autores, por exemplo, que o estudo da trilogia estrutural deve começar pelo processo,4 outros iniciam tal estudo pela ação,5 sendo ainda comum o estudo da trilogia na seqüência "jurisdição-processo-ação".6

Preferimos, porém, seguir o método preconizado pelo criador da denominação "trilogia estrutural do Direito Processual", convictos que estamos do acerto desta sua afirmação:"Sin ia dilucidación previa de Ia idea de jurisdicción, no puede conseguirse una acepción lógica de acción. Y sin sentar debidamente estos dos conceptos prévios, es ilusória totfa tentativa de entender Io que es ei proceso".7

Jurisdição, ação e processo serão, pois, estudadas nesta ordem, por nos parecer a mais lógica, tornando-se assim mais simples a compreensão dos três institutos fundamentais da ciência do processo.Assim, por exemplo, Ovídio Baptista da Silva, Curso de Processo Civil, vol. I, Porto Alegre:Sérgio Antônio Fabris, 3a ed., 1996.Inúmeros autores iniciam o estudo dos institutos fundamentais do Direito Processualpela ação. Não se poderia deixar de citar aqui, por todos, Giuseppe Chiovenda,Instituições de Direito Processual Civil, vol. I.Por todos, consulte-se Liebman, Manual de Direito Processual Civil, vol. I.Podetti, Teoria y Técnica dei Proceso Civil y Trilogia Estructural de Ia Ciência dei ProcesoCivil, p. 339.60

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rLições de Direito Processual CivilAfirme-se, por fim, e antes de passarmos à análise dos institutos que compõem a "trilogia estrutural do Direito Processual", que os mesmos serão analisados à luz de uma ótica processual civil. Embora estejamos diante de conceitos válidos (e fundamentais) para o Direito Processual Penal e para o Direito Processual do Trabalho (que, em verdade, e como já afirmado, são galhos de um mesmo ramo da ciência jurídica, já que o Direito Processual é uno), esta é uma obra de Direito Processual Civil, e é com esta visão que os institutos da teoria geral do Direito Processual serão aqui apreciados. Referências aos outros "ramos" da ciência processual serão feitas apenas incidentalmente, com fins de ilustrar a exposição e, ainda, com a finalidade de demonstrar - de uma vez por todas - que a existência de uma teoria geral do Direito Processual tem razão de ser.61

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Capítulo VI Jurisdição§ 1° As Funções do Estado e a Função JurisdicionalE clássica a afirmação de que o Estado, no exercício de seu poder soberano, exerce três funções: legislativa, administrativa e jurisdicional.1 O poder do Estado é uno e indivisível, mas o exercício desse poder pode se dar por três diferentes manifestações, que costumam ser designadas de funções do Estado. Destas, uma é considerada instituto fundamental do Direito Processual, a função jurisdicional (ou simplesmente jurisdição).A jurisdição é, aliás, e como muitas vezes aqui afirmado, o mais importante entre todos os institutos da ciência processual, constituindo-se em verdadeiro pólo metodológico dos estudos deste ramo do Direito. Em outras palavras, a jurisdição ocupa posição central na estrutura do Direito Processual, sendo certo que todos os demais institutos de nossa ciência orbitam em torno daquela função estatal.Antes de mais nada é preciso se afirmar que a palavra jurisdição vem do latim iurís dictio, dizer o direito. Tal não significa, porém, que só há função jurisdicional quando o Estado declara direitos. Como veremos adiante, também em outras situações (como na execução de créditos) o Estado exerce a função jurisdicional, tendo a palavra se distanciado de seu significado original.2

A afirmação que acaba de ser feita é corrente na doutrina estrangeira e brasileira. Entre os estudiosos alienígenas, consulte-se, por todos, o que diz Paolo Biscaretti di Ruffia, Direito Constitucional, trad. bras. de Maria Helena Diniz, São Paulo: RT, 1984, p. 157. Entre os brasileiros, Accioli, Teoria Geral do Estado, p. 259; José Afonso da Silva, Curso de Direito Constitucional Positivo, São Paulo: Malheiros, 10a ed., 1995, p. 109; Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Curso de Direito Constitucional, São Paulo: Saraiva, 22a

ed., 1995, p. 117. Em sentido diverso, entendendo

haver exercício de função jurisdicional apenas quando o Estado declara direitos, Celso Neves, Estrutura Fundamental do Processo Civil, Rio de Janeiro: Forense, 1995, p. 33. O autor prefere denominar "tutela jurídica processual" a função estatal que aqui denominamos "jurisdição". A divergência é, porém, muito mais terminológica do que conceptual.63

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Alexandre Freitas CâmaraA doutrina vem há muito tempo preocupando-se em distinguir a jurisdição das demais funções do Estado. É certo que tal distinção é importante para a adequada compreensão do instituto mais importante da ciência processual, mas não poderíamos deixar de frisar que, a nosso sentir, muito mais importante do que conhecer as diferenças existentes entre as funções estatais é reconhecer a existência, entre elas, de um ponto comum: em todas as três funções do Estado há uma manifestação do poder soberano, sendo este uno e indivisível. Isto nos leva a afirmar que em todas as manifestações de tal poder, seja qual for a função que esteja sendo exercida pelo Estado, há que se atentar para os princípios norteadores da organização do Estado.Sendo certo que vivemos em um Estado Democrático de Direito (ao menos isto é proclamado em nossa Constituição), todas as vezes que o poder estatal é exercido devem ser observadas as características desse tipo de organização estatal.Em outras palavras, o exercício da função jurisdicional (assim como o das demais funções do Estado) deve ser "Democrático de Direito". Ao exercer a jurisdição o órgão estatal que represente o Estado na hipótese deverá se comportar como um microcosmo do Estado Democrático de Direito, sob pena de se afrontarem as normas constitucionais de organização do Estado.Além disso, e como se verá em mais detalhes adiante, ao exercer a função jurisdicional o Estado deve buscar atingir os objetivos essenciais do "Estado Democrático de Direito", os quais se convertem, na hipótese, em escopos da própria jurisdição.Há que se referir, porém, à distinção entre a função jurisdicional e as demais funções do Estado.Não é difícil distinguir a função jurisdicional da função legislativa. Basta dizer que enquanto esta atua diante de hipóteses consideradas em abstrato, criando normas aplicáveis a todos os fatos futuros que se adequarem à descrição contida na norma elaborada, a função jurisdicional atua sempre diante de fatos já ocorridos, subsumindo a norma abstrata ao caso concreto.É pacífica a afirmação doutrinária de que a lei é uma norma abstrata,3 possuindo comandos genéricos (um bom exemplo da veracidade desta afirmação é o texto do art. 121 do Código Penal: "matar alguém").Por todos, Caio Mário da Silva Pereira, Instituições de Direito Civil, vol. I, Rio de Janeiro: Forense, 9a ed., 1986, p. 46.64

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rLições de Direito Processual CivilSendo a função jurisdicional responsável por subsumir a norma abstrata ao caso concreto, já se disse que a sentença é "a lei do caso concreto".4

Um pouco mais complexa é a distinção entre as funções jurisdicional e administrativa, máxime se considerarmos que ambas as funções são exercidas in concreto, ao contrário da função legislativa, exercida in abstrato. É tão complexa a questão, que já houve mesmo quem negasse qualquer distinção substancial entre as duas funções estatais aqui analisadas. Não parece possível, porém, aceitar tal afirmação. As funções jurisdicional e administrativa são distintas, como passaremos a ver.Uma primeira distinção entre as duas funções estatais pode ser encontrada na imparcialidade do órgão estatal que exerce a função jurisdicional, o chamado Estado-juiz.Ao contrário do Estado-administração, que é por natureza parcial, sendo diretamente interessado no resultado da atividade que exerce, o Estado-juiz é imparcial, ou seja, é órgão que exerce suas funções sem ter interesse econômico, jurídico ou de outra natureza no resultado do exercício da sua função, como visto quando da análise do princípio do juiz natural, um dos princípios gerais do Direito Processual.Outra distinção entre as duas funções estatais é encontrada no fato de ser o ato administrativo passível de revogação ou modificação a qualquer tempo,5 enquanto o ato jurisdicional mais importante, que é a sentença, tende a se tornar definitivo, bastando para isso que se esgotem os recursos cabíveis, momento em que surge a coisa julgada.Distinguem-se, ainda, administração e jurisdição, por ser esta função estatal substitutiva, ao contrário da função administrativa. A subs-titutividade será examinada mais adiante, mas é preciso adiantar-se um pouco este conceito para que se possa entender essa distinção entre as duas funções do Estado. A apresentação do conceito de subs-titutividade será feita agora, porém, de modo superficial, deixando-se para o momento oportuno o aprofundamento da questão.Ao exercer a função administrativa, o Estado está exercendo uma função que sempre lhe coube, não tendo sido exercida anteriormente por ninguém. Pode-se, portanto, dizer que a função administrativa éAfirmação encontrada, por exemplo, em Rogério Lauria Tucci, Sentença e Coisa Julgada Civil, Belém: Cejup, 1984, p. 11, para quem a sentença é a "lei disciplinadora, in concreto, da espécie solucionada".Sobre o tema, afirma conhecido especialista em Direito Administrativo: "Em princípio, todo ato administrativo é revogável". Hely Lopes Meirelles, Direito Administrativo Brasileiro, São Paulo: RT, 14a ed., 1989, p. 178.65

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Alexandre Freitas Câmarauma função originária do Estado. Ao contrário, a função jurisdicional é exercida pelo Estado em substituição à atividade das partes, ou seja, o Estado exerce a função jurisdicional como forma de substituir a atividade dos interessados, consistente na autotutela, a qual é - como regra - proibida nos modernos ordenamentos jurídicos.Ao exercer a função jurisdicional, o Estado está, portanto, realizando uma atividade que originariamente não lhe cabia, uma vez que a regra era a autotutela, com cada titular de interesse realizando as atividades necessárias à proteção do mesmo.Afirme-se, por fim, que não se poderão distinguir adequadamente as funções estatais com a utilização de critérios puramente subjetivos, ou orgânicos, ou seja, através da verificação do órgão estatal que atua na hipótese que se quer analisar. Verifica-se facilmente a insuficiência de tal critério quando se lembra que o "Poder Legislativo" exerce função jurisdicional (quando, por exemplo, o Senado julga o Presidente da República por crime de responsabilidade), ou que o "Poder Judiciário" exerce função administrativa (quando delibera, por exemplo, sobre férias de seus serventuários).

§ 2Q ConceitoVários autores apresentaram conceitos, bastante distintos entre si, de jurisdição. Trata-se, portanto, de mais um daqueles temas sobre os quais não há consenso na doutrina. Sendo impossível apresentar aqui todas essas teorias sobre a jurisdição, limitaremos nossa exposição às mais relevantes e conhecidas posições doutrinárias acerca do conceito dessa função jurisdicional.Para Chiovenda, pode-se definir jurisdição como "função do Estado que tem por escopo a atuação da vontade concreta da lei por meio da substituição, pela atividade de órgãos públicos, da atividade de particulares ou de outros órgãos públicos, já no afirmar a existência da vontade da lei, já no torná-la, praticamente, efetiva".6 A teoria de Chiovenda sobre a jurisdição parte da premissa de que a lei, norma abstrata e genérica, regula todas as situações que eventualmente ocorram em concreto, devendo o Estado, no exercício da jurisdição, limitar-se à atuação da vontade concreta do direito objetivo. Em outras palavras, limita-se o Estado, ao exercer a função jurisdicional, a6 Chiovenda, Instituições de Direito Processual Civil, vol. II, p. 3.66

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rLições de Direito Processual Civildeclarar direitos preexistentes e a atuar na prática os comandos da lei. Tal atividade caracterizar-se-ia, essencialmente, pelo seu caráter substitutivo, já enunciado.Outra concepção bastante conhecida sobre o tema é a de Carne-lutti, que defendia ser a jurisdição uma função de busca da "justa composição da lide".7 Como é por demais conhecido, Carnelutti construiu todo o seu sistema jurídico em torno do conceito de lide, instituto de origem metajurídica que o mesmo definia como conflito de interesses degenerado pela pretensão de uma das partes e pela resistência da outra.8

Segundo aquele jurista italiano, pretensão é a "intenção de submissão do interesse alheio ao interesse próprio",9 e - sempre segundo Carnelutti -, se num conflito de interesses um dos interessados manifesta uma pretensão e o outro oferece resistência, o conflito se degenera, tornando-se uma lide. Assim é que, segundo a clássica concepção de Carnelutti, jurisdição seria uma função de composição de lides.Além dessas duas, sem dúvida as mais importantes concepções sobre o conceito de jurisdição, outras definições podem ser lembradas. Assim é que, para Jaime Guasp Delgado, a jurisdição pode ser definida como uma função de satisfação de pretensões.10 Esta posição teórica recebeu no Brasil a importante adesão de Afrânio Silva Jardim.11

Outra conhecida definição é a de Ugo Rocco, para quem "a função jurisdicional ou judicial é, pois, a atividade com que o Estado, intervindo a instância dos particulares, procura a realização dos interesses protegidos pelo direito, que restaram insatisfeitos pela falta de atuação da norma jurídica que os ampara".12

Muitas outras concepções existem, mas dirigiremos nossas atenções às duas mais importantes, as de Chiovenda e de Carnelutti. Diga-se, desde logo, que estas são as duas concepções mais aceitas sobre o tema, ainda que vários autores as considerem antagônicas. Ainda assim, não se pode negar uma tendência, com grandes reflexos na doutrina brasileira, de considerá-las teorias complementares. Assim é7 Francesco Carnelutti, Estúdios de Derecho Procesal, vol. II, trad. esp. de Santiago Sentis Melendo, Buenos Aires: EJEA, 1952, p. 5.8 Francesco Carnelutti, Derecho y Proceso, trad. esp. de Santiago Sentis Melendo, Buenos Aires: EJEA, 1971, p. 62.9 Francesco Carnelutti, Derecho y Proceso, p. 61.10 Jaime Guasp Delgado, La Pretensión Procesal, Madri: Civitas, 2a ed., 1985, p. 91.11 Afrânio Silva Jardim, Direito Processual Penal, Rio de Janeiro: Forense, 4a ed., 1992, p. 10.12 Ugo Rocco, Derecho Procesal Civil, trad. esp. de Felipe de J. Tena, México: Porrua, 1939, p. 29 (é nossa a versão para o vernáculo que está no texto).67

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que, com muita freqüência, encontra-se a definição de jurisdição como "função do Estado de atuar a vontade concreta da lei com o fim de obter a justa composição da lide".13

A despeito dessa tendência doutrinária no sentido de considerar complementares as duas posições doutrinárias aqui examinadas, preferimos optar pela posição que as tem por antagônicas. Tal antagonismo decorre do fato de tais teorias retratarem concepções diversas do ordenamento jurídico (estas, sem sombra de dúvida, antagônicas).Aproveita-se, assim, o ensejo, para tratar-se de tema relevante, sobre o qual todo aquele que estuda o Direito Processual deve se posicionar. Analisamos, aqui, as teorias unitária (ou constitutiva) e dualista (ou declaratória) do ordenamento jurídico.Segundo os defensores da teoria unitária do ordenamento jurídico, as leis materiais (como, por exemplo, o Código Civil) não são capazes de, por si sós, gerar direitos subjetivos. Segundo essa teoria, as normas jurídicas materiais somente conseguem criar expectativas de direitos. Assim é que, para a teoria unitária do ordenamento jurídico, cabe ao Estado-juiz, através do exercício da função jurisdicional, criar o direito subjetivo antes inexistente. A sentença, assim, teria a função de criar direitos substanciais.14 Para os defensores desta concepção a lide decorre da incerteza existente em razão da inexistência de direito subjetivo antes da sentença. Esta teria, então, a função de criar o direito substancial, o que teria como conseqüência a composição do litígio.De outro lado, para a teoria dualista do ordenamento jurídico, o Estado não cria direitos subjetivos quando exerce a função jurisdiciop.al. Esta se limitaria ao reconhecimento de direitos preexistentes, razão pela qual essa teoria é conhecida também pelo nome de teoria declaratória.15

Para os defensores desta concepção, a norma jurídica cria o direito substancial, limitando-se o Estado, no exercício da jurisdição, a atuar a vontade da norma, subsumindo-a ao caso concreto.13 Entre os autores que defendem essa posição conciliatória entre as duas teorias mais aceitas, consulte-se Greco Filho, Direito Processual Civil Brasileiro, vol. I, p. 167; Amaral Santos, Primeiras Linhas de Direito Processual Civil, vol. I, p. 67; Theodoro Júnior, Curso de Direito Processual Civil, vol. I, p. 37.14 Esta teoria, segundo a qual a sentença cria direitos, foi defendida entre outros por Hans Kelsen, Teoria Pura do Direito, trad. bras. de João Baptista Machado, São Paulo: Martins Fontes, 2a ed., 1987, p. 255.15 Esta teoria, dominante na doutrina, é defendida entre outros por Dinamarco, Fundamentos do Processo Civil Moderno, p. 32.68

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rLições de Direito Processual CivilPor esta razão, parece-nos correto o entendimento segundo o qual as concepções de Chiovenda e de Carnelutti acerca da jurisdição são antagônicas e, por tal motivo, entendemos deve o jurista optar por uma delas.Ademais, há duas razões que nos fazem crer que a teoria de Carnelutti está equivocada, isto é, parece-nos errôneo afirmar que a jurisdição é uma função de composição de lides.A primeira razão que nos leva a fazer tal afirmação é exposta pelo próprio Chiovenda. O Estado, ao exercer a função jurisdicional, não tem a função de compor a lide, sendo possível mesmo afirmar-se que o processo é a antítese da composição. O juiz em nenhum momento tenta con-vencer o litigante que não tem razão de que o verdadeiro merecedor de tutela seja o seu adversário. A lide, enquanto fenômeno sociológico, não desaparece necessariamente com o exercício da função jurisdicional, a qual se limita, na verdade, a tornar a lide juridicamente irrelevante.16

O que se quer dizer com isto é o seguinte: a lide é um fenômeno sociológico, um conflito degenerado de interesses, e o exercício da jurisdição não tem por fim a sua composição. O desaparecimento do conflito (que eventualmente ocorra) se dará como mera conseqüência do fato de, uma vez prestada a jurisdição, ter se tornado tal litígio irrelevante para o direito, não sendo mais possível trazer à discussão a mesma lide em nenhum outro processo.Ainda que assim não fosse, porém, haveria outro argumento capaz de demonstrar que a jurisdição não pode ser definida como uma função estatal de composição de lides. Esse argumento é o seguinte: a lide não é elemento essencial ao exercício da jurisdição, mas sim elemento acidental.17 O que se quer aqui afirmar é que pode haver exercício da jurisdição mesmo que não haja nenhuma lide a ser composta. Vários exemplos poderiam ser formulados, como a "ação de anulação de casamento" proposta pelo Ministério Público em face de ambos os cônjuges em que estes reconhecem a nulidade alegada; ou o processo penal em que o Ministério Público pede a absolvição do réu, ou ainda a "ação monitoria" em que o demandado, ao receber o mandado de pagamento, cumpre sua obrigação no prazo legal. Em todas essas hipóteses ter-se-á jurisdição sem lide, o que mostra o equívoco daqueles16 Giuseppe Chiovenda, La Acción en ei Sistema de los Derechos, trad. esp. de SantiagoSentis Melendo, Bogotá: Temis, 1986, p. 52. IV Adotamos no texto a linguagem proposta por Silva Jardim, Direito Processual Penal, p.32, e a que já havíamos aderido em Alexandre Freitas Câmara, "O Objeto da Cogníçào noProcesso Civil", in Livro de Estudos Jurídicos, vol. XI, coord. de James Tubenchlak eRicardo Bustamante, Niterói, IEJ, 1995, p. 221.69

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que afirmam ter a função jurisdicional o escopo de composição de lides. Como muito bem afirma Hélio Tornaghi, pode haver processo sem lide, o que não pode haver é processo sem pretensão.18

Verifica-se, assim, que um conceito de jurisdição só será adequado se tomar por base a concepção de Chiovenda. E com base nessa premissa que conceituamos a função jurisdicional como a função do Estado de atuar a vontade concreta do direito objetivo, seja afirmando-a, seja realizando-a praticamente, seja assegurando a efetividade de sua afirmação ou de sua realização prática.§ 32 Características EssenciaisA função jurisdicional caracteriza-se, essencialmente, por três fatores: inércia, substitutividade e natureza declaratória. Tais são as suas características essenciais, capazes de permitir o reconhecimento dessa função quando comparada com as demais funções do Estado, e presentes como regra geral em todas as manifestações jurisdicionais.E certo que inexiste consenso doutrinário quanto a tais características essenciais, havendo quem aponte outras, como a lide,19 a defini-tividade,20 a secundariedade.21

Verdadeiramente essenciais à jurisdição, pois, apenas as três características apontadas: inércia, substitutividade e natureza declaratória.Em primeiro lugar, há que se tratar da inércia. O Estado-juiz só atua se for provocado. Ne procedat iudex ex officio, ou seja, o juiz não procede de ofício. Esta regra geral, conhecida pelo nome de princípio da demanda,22 ou princípio da inércia,23 está consagrada no art. 2a do Código de Processo Civil, segundo o qual "nenhum juiz prestará a18 Hélio Tornaghi, A Relação Processual Penal, São Paulo: Saraiva, 2a ed., 1987, p. 89.19 Conforme já demonstramos anteriormente, consideramos a lide elemento acidental da jurisdição, o que nos distancia das proposições da Carnelutti, para quem a jurisdição é sempre exercida diante de uma lide.20 E certo que, como já afirmamos, o ato jurisdicional mais importante - a sentença - tende a se tornar definitivo. Há, porém, uma série de atos jurisdicionais que não adquirem jamais esta qualidade, como as medidas cautelares.21 Alguns autores vêem na jurisdição uma função secundária, a qual só é exercida quando não ocorre a atuação voluntária do direito. Esta idéia, porém, é falsa, como se pode ver pelos exemplos da ação de divórcio (e todas as demais "ações constitutivas necessárias") e do processo penal (onde vigora a regra "nulla poena sine iudicio").22 Sálvio de Figueiredo Teixeira, Código de Processo Civil Anotado, São Paulo: Saraiva, 6a ed., 1996, p. 4.23 Nelson Nery Júnior, Código de Processo Civil Comentado, São Paulo: RT, 2a ed., 1996, p. 314.70

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Lições de Direito Processual Civil

tutela jurisdicional senão quando a parte ou o interessado a requerer, nos casos e forma legais".Tal princípio proíbe, portanto, os juizes de exercerem a função jurisdicional sem que haja a manifestação de uma pretensão por parte do titular de um interesse, ou seja, não pode haver exercício da jurisdição sem que haja uma demanda.Não se pode deixar de mencionar, porém, a existência de exceções a essa regra geral (exceções estas que, como natural, só confirmam a existência de uma regra). Entre as hipóteses mais relevantes de autorização para que o Estado-juiz exerça a função jurisdicional sem provocação, de ofício, encontra-se a do art. 989 do CPC, segundo o qual "o juiz determinará, de ofício, que se inicie o inventário, se nenhuma das pessoas mencionadas nos artigos antecedentes o requerer no prazo legal".O princípio da demanda (ou da inércia) tem como corolário a regra da adstrição da sentença ao pedido. Em outras palavras, o juiz deve, ao emitir o provimento jurisdicional pleiteado, oferecer uma resposta (positiva ou negativa) ao pedido do autor, não podendo ir além ou permanecer aquém desse pedido, nem sendo possível a concessão de bem da vida diverso do pleiteado (proibição de sentenças citra, ultra e extra petita). O provimento jurisdicional a ser emitido deve estar limitado pela pretensão manifestada pelo autor, sob pena de se permitir ao juízo ir além da provocação necessária para o exercício da função jurisdicional.A segunda característica essencial da jurisdição é a substitu-tividade, que - como visto - era incluída por Chiovenda no próprio conceito de função jurisdicional.24 Tal característica da jurisdição decorre do fato de originariamente ter cabido aos próprios interessados a função de tutela dos interesses. No início do desenvolvimento do Direito, a regra era a autotutela.25 Em determinado momento da evolução da consciência jurídica, porém, viu-se que a justiça não podia ser feita se tivesse o perfil de vingança que adquiria por ser feita de mão própria pelo titular do interesse lesado. Desta forma, proibiu-se a autotutela,26 a qual é possível hoje apenas em hipóteses excepcionais e expressamente previstas em lei, como no caso do desforço imediato para tutela da posse, previsto no art. 1.210, § 12, do Código Civil de 2002.24 Chiovenda, Instituições de Direito Processual Civil, vol. II, p. 3.25 Sobre o tema, Edson Prata, História do Processo Civil e sua Projeção no Direito Moderno, Rio de Janeiro: Forense, 1987, p. 60.26 No Direito brasileiro a autotutela é considerada crime, estando tipificada no art. 345 do Código Penal, que prevê o crime de exercício arbitrário das próprias razões.71

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Alexandre Freitas CâmaraTendo sido proibida a autotutela, passou o Estado a prestar jurisdição, substituindo a atividade das partes e realizando em concreto a vontade do direito objetivo. Em outros termos: o Estado, ao exercer a função jurisdicional, está praticando uma atividade que anteriormente não lhe cabia, a defesa de interesses juridicamente relevantes. Ao agir assim, o Estado substitui a atividade das partes, impedindo a justiça privada.A terceira característica essencial da jurisdição é a sua natureza declaratória. Ao afirmarmos a existência dessa característica estamos, mais uma vez, afirmando nossa opção pela teoria dualista do ordenamento jurídico, segundo a qual o Estado, ao exercer a função jurisdicional, não cria direitos subjetivos, mas tão-somente reconhece direitos preexistentes.Bons exemplos da veracidade dessa afirmação são o usucapião e o inventário e partilha.Como é notório, o usucapião é forma de aquisição da propriedade. Decorrido certo prazo (e presentes outros requisitos, como a boa-fé e o justo título no usucapião ordinário), a posse se converte em proprie-dade. Proposta que seja uma "ação de usucapião", o juiz que profira uma sentença de procedência da pretensão, reconhecendo ter razão o demandante que pretende ver afirmada a ocorrência do usucapião, não estará o juiz criando para tal demandante o direito de propriedade, mas tão-somente reconhecendo que esse direito existia desde o momento em que se fizeram presentes todos os requisitos previstos na lei material para a aquisição do domínio.O caso do inventário e partilha dos bens do de cujus também é sintomático da natureza meramente declaratória da jurisdição. Isto porque, como é notório, o processo de inventário e partilha é moroso e, muitas vezes, depois de anos do óbito do autor da herança, é proferida no processo uma sentença julgando a partilha dos bens que pertenciam ao de cujus entre seus sucessores. Ocorre que os sucessores não adquirem o domínio de tais bens nesse momento, limitando-se a sentença a reconhecer a titularidade de um direito de propriedade que já era dos sucessores desde o momento da abertura da sucessão (art. 1.572 do Código Civil de 1916; art. 1.784 do Código Civil de 2002).Há que se atentar, porém, para um detalhe. Existe um tipo de sentença, chamada sentença constitutiva, que se costuma definir como a sentença capaz de criar, modificar ou extinguir relações jurídicas (sendo exemplo clássico desse tipo de sentença a que decreta o72

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rLições de Direito Processual Civildivórcio). Tais sentenças, sem sombra de dúvida, possuem força criadora mas, nem por isto, podem ser consideradas exceção à regra de que a jurisdição não cria direitos. A sentença constitutiva pode criar novas relações jurídicas, mas nunca poderá criar direitos subjetivos. Estes são necessariamente preexistentes à atuação da função juris-dicional. Basta pensar no caso da sentença de divórcio. Estando a pessoa separada de fato há mais de dois anos, ou separada judicialmente há mais de um ano, tem o direito de se divorciar. Proposta a "ação de divórcio", o juiz só decretará este, criando uma nova situação (inclusive com a criação de um novo estado civil para as partes) se tal direito de se divorciar existisse previamente. O juiz, na sentença cons-titutiva, reconhece a existência de um direito e, atuando-o, modifica uma situação jurídica. Não há, aqui, portanto, exceção à natureza declaratória da função jurisdicional.§ 42 Espécies de JurisdiçãoA jurisdição, como já dissemos, é una e indivisível. Não se pode, assim, falar com muita propriedade científica em espécies de jurisdição. Tais espécies, porém, costumam ser apresentadas com fins didáticos, sendo extremamente importantes para que se possa travar contato com as diferentes manifestações da função jurisdicional do Estado.Uma primeira forma de classificar a jurisdição leva em conta o tipo de pretensão submetida ao Estado-juiz. Tem-se, aqui, duas espécies de jurisdição: penal e civil.Na jurisdição penal o Estado exerce tal função diante de pretensões de natureza penal. Estas, quase sempre, têm natureza punitiva, mas não se pode esquecer o habeas corpus e a revisão criminal, em que pretensões penais não-punitivas são levadas ao Estado-juiz. O estudo dessa espécie de jurisdição é feito pelo Direito Processual Penal. Já a jurisdição civil poderia ser definida como a "extrapenal", uma vez que o Estado exerce esse tipo de jurisdição diante de todas as outras espécies de pretensão, tenham elas natureza civil, comercial, administrativa, trabalhista, constitucional, tributária etc.Pode-se, porém, dividir a jurisdição civil em duas subespécies: jurisdição trabalhista e jurisdição civil stricto sensu, sendo a primeira estudada pelo Direito Processual do Trabalho e a segunda pelo Direito Processual civil.73

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Alexandre Freitas CâmaraA jurisdição civil stricto sensu, portanto, é definida por exclusão, sendo exercida pelo Estado diante de toda e qualquer pretensão, salvo as de natureza penal ou trabalhista.Outra forma de classificar a jurisdição se faz quanto ao grau em que a mesma é exercida, falando-se aí em jurisdição inferior e superior.A jurisdição inferior é a exercida pelo primeiro órgão a conhecer da causa submetida ao Estado-juiz. Diz-se que tal órgão possui competência originária para a causa, ou que exerce primeiro grau de jurisdição. Já a jurisdição superior é a exercida pelo órgão jurisdicional que conhece da causa em grau de recurso, dizendo-se então que o mesmo tem competência recursal ou que exerce segundo grau de jurisdição.Assim, por exemplo, a propositura de uma "ação de despejo" perante o juízo de uma vara cível fará com que este exerça jurisdição inferior (primeiro grau de jurisdição). Interposta apelação contra a sentença ali proferida, e submetido tal recurso a uma das câmaras do Tribunal,27 exercerá esse órgão jurisdição superior (segundo grau de jurisdição).Aproveite-se o ensejo para fixar-se a distinção, desprezada por alguns autores, entre instância e grau de jurisdição.28 A palavra instância é tomada, na linguagem processual, em diversas acepções, motivo aliás que levou muitos autores a tentarem bani-la por inteiro. Tal não se pode fazer, mesmo porque trata-se de termo encontrado até na Constituição da República (e.g., art. 102, III, CR). Instância é termo ligado à organização judiciária, sendo certo que na estrutura do Judiciário existem órgãos hierarquicamente inferiores, chamados de primeira instância, e órgãos superiores, os de segunda instância, como os Tribunais de Justiça, de Alçada e Federal de Recursos.É certo que na imensa maioria da vezes o primeiro grau de jurisdição é exercido por órgãos de primeira instância, e o segundo grau pelos de segunda instância. Isto não significa, porém, que tais conceitos sejam sinônimos. Isto porque nos casos de competência originária dos Tribunais estes exercem o primeiro grau de jurisdição (como no caso de27 De acordo com o Estado da Federação em que tramite o processo, pode o recurso ser da competência do Tribunal de Alçada ou do Tribunal de Justiça.28 Há autores que, data venia, equivocadamente tomam como sinônimas as expressões "primeira instância" e "primeiro grau de jurisdição" e também "segunda instância" e "segundo grau de jurisdição". Entre estes, Amaral Santos, Primeiras Linhas de Direito Processual Civil, vol. I, p. 126, falando expressamente em "órgãos de segundo grau, ou de segunda instância". No sentido do texto, Frederico Marques, Manual de Direito Processual Civil, vol. I, p. 115.74

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rLições de Direito Processual Civilmandado de segurança contra ato do governador do Estado, em que a competência originária é do Tribunal de Justiça). Além disso, pode-se admitir a hipótese de um órgão de primeira instância exercer segundo grau de jurisdição, como ocorre por exemplo nos juizados especiais cíveis, onde a competência recursal é de um órgão colegiado de primeira instância.29 Por fim, basta lembrar que o Supremo Tribunal Federal exerce o primeiro grau de jurisdição nas causas para as quais tem competência originária (art. 102, I, CR), e ninguém ousaria afirmar que aquele é um órgão de primeira instância.Uma terceira forma de classificação da jurisdição leva em consideração o órgão que a exerce, sendo possível falar aqui em duas espécies: jurisdição especial e comum.A jurisdição especial é exercida por órgãos jurisdicionais que julgam apenas pretensões de natureza determinada: Justiça do Trabalho, Justiça Militar e Justiça Eleitoral. Já a jurisdição comum é exercida pelos órgãos que julgam pretensões de quaisquer naturezas (salvo as submetidas às "Justiças Especiais"): Justiça Estadual e Justiça Federal.30

Uma outra forma de classificação da jurisdição leva em conta sua submissão ao direito positivado, havendo aqui duas espécies: jurisdição de direito e jurisdição de eqüidade. Enquanto na primeira o Es-tado-juiz fica preso aos limites da lei, não podendo deixar de aplicá-la, na segunda libera-se o juiz dos critérios de legalidade estrita, permitindo-se que seja dado ao caso a solução que o magistrado reputar a mais justa para a hipótese concreta, ainda que se deixe de aplicar o direito objetivo.A regra, em nosso sistema, como não poderia deixar de ser, é a jurisdição de direito, só sendo lícito ao juiz julgar por eqüidade quando expressamente autorizado (art. 127 do CPC, "o juiz só decidirá por eqüidade nos casos previstos em lei"). Exemplo de caso em que o juiz29 A Lei n- 9.099/95, que rege os juizados especiais cíveis, em seu art. 41, § 1-, confunde instância e grau de jurisdição, ao dizer que o recurso ali previsto será julgado por um colegiado formado por juizes "em exercício no primeiro grau de jurisdição". Sobre a impropriedade terminológica da lei, Alexandre Freitas Câmara, Dos Procedimentos Sumário e Sumaríssimo, Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2a ed., 1996, p. 106.30 Há quem entenda ser a Justiça Federal órgão que exerce jurisdição especial. Neste sentido, Athos Gusmão Carneiro, Jurisdição e Competência, São Paulo: Saraiva, 5s ed., 1993, p. 22. No sentido do texto, Araújo Cintra, Grinover e Dinamarco, Teoria Geral do Processo, p. 145.75

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Alexandre Freitas Câmaraé autorizado a julgar por eqüidade se encontra no art. 7a do Código de Defesa do Consumidor.Não se pode deixar de mencionar a existência de uma escola, batizada "do direito alternativo", com alguma influência principalmente entre juizes do Rio Grande do Sul,31 que prega a transformação da jurisdição de eqüidade em regra geral. Esta não nos parece, apesar do brilhantismo com que a posição é defendida, uma opção democrática. O Estado Democrático de Direito exige o devido processo legal, ou seja, o processo justo. Só há processo justo quando o juiz trabalha com premissas previamente estabelecidas, não podendo haver surpresas para os envolvidos no processo. Tais premissas preestabelecidas são as normas jurídicas que compõem o direito objetivo. Autorizar o juiz a julgar sempre por eqüidade é autorizar o juiz a surpreender as partes, dando à causa que lhe é submetida a solução que ele repute a mais justa, ainda que seu senso de justiça seja discordante do senso comum. O juiz, pelo fato de ser juiz, não pode ser tido como um ente divino, capaz de fazer justiça segundo seus próprios critérios. Cabe ao juiz representar a vontade e a inteligência do Estado, uma vez que é deste, e não da pessoa natural que exerce o cargo, o poder de julgar. Cabe ao juiz, assim, atuar o direito objetivo, jamais se esquecendo do comando contido no art. 5a da Lei de Introdução ao Código Civil, que determina ao juiz que, na interpretação da lei, busque atender aos fins sociais a que a norma se destina e ao bem comum.Uma última forma de classificação da jurisdição, sem dúvida a mais relevante de todas, a divide em jurisdição contenciosa e jurisdição voluntária. Este é um dos mais "pantanosos" terrenos da ciência processual, motivo pelo qual se lhe dedica nesta obra todo um item.

§ 5e Jurisdição VoluntáriaEntra-se, agora, em tema dos mais complexos de toda a ciência processual, já tendo sido dito que a jurisdição voluntária se caracteriza por não ser nem jurisdição, nern voluntária. Sobre a jurisdição voluntária (ou graciosa, como preferem alguns), muito já se disse e se escreveu, mas pouco se concluiu.Entre as várias teorias que tentam explicar a natureza da jurisdição voluntária, destaca-se como majoritária na doutrina a que pode-31 O grande líder de tal escola no Brasil é una juiz gaúcho, Amilton Bueno de Carvalho.76

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rLições de Direito Processual Civilríamos denominar "teoria clássica", segundo a qual a jurisdição voluntária não teria natureza de jurisdição, mas sim de função administrativa. Para os defensores dessa teoria, a jurisdição voluntária não poderia ser tida como verdadeira jurisdição por não ser destinada a compor lides,32 ou por não ser substitutiva,33 ou ainda por não ter natureza declaratória, mas constitutiva, isto é, por não ser a jurisdição voluntária voltada para a atuação de direitos preexistentes, mas sim à criação de novas situações jurídicas.34 Sobre a jurisdição voluntária, disseram ainda os defensores desta teoria clássica, também chamada administrativista, que não seria jurisdição uma vez que os provimentos emitidos pelo Estado nessa hipótese não alcançam em nenhum momento a autoridade de coisa julgada.35

Segundo esta teoria administrativista, na jurisdição voluntária não se poderia falar em processo, havendo ali mero procedimento,36 não se podendo falar em partes, mas em interessados.37

A teoria administrativista, ou clássica, é - como já se disse -amplamente majoritária na doutrina brasileira, sendo tradicional a definição de jurisdição voluntária, segundo tal corrente teórica, como sendo a administração pública, exercida pelo Poder Judiciário, de interesses privados.38 Segundo essa teoria, há negócios jurídicos referentes a interesses privados que só são válidos se realizados com a intervenção do Judiciário. Este teria, então, a função de administrar tais interesses privados, sempre em casos taxativamente previstos em lei, como a separação e o divórcio consensuais ou a alienação judicial dos bens dos incapazes. Nesses casos, e em outros expressamente enumerados em lei, seria exercida a jurisdição voluntária.A esta teoria, porém, se opõe uma outra, conhecida por teoria revisionista, ou jurisdicionalista, que vê na jurisdição voluntária uma forma de exercício da função jurisdicional. Tal teoria conta com a adesão de grandes processualistas, em nada ficando a dever à teoria32 Assim, por todos, Frederico Marques, Manual de Direito Processual Civil, vol. I, p. 89.33 Frederico Marques, Manual de Direito Processual Civil, vol. I, p. 89.34 Assim se pronunciou Chiovenda, Instituições de Direito Processual Civil, vol. II, p. 19.35 Enrico Allorio, Problemas de Derecho Procesal, vol. II, trad. esp. de Santiago Sentis Melendo, Buenos Aires: EJEA, 1963, p. 33.36 Alcides de Mendonça Lima, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. XII, São Paulo: RT, 1982, p. 17.37 Chiovenda, Instituições de Direito Processual Civil, vol. II, p. 19, afirmando que característica da jurisdição voluntária é a "ausência de duas partes".38 Frederico Marques, Manual de Direito Processual Civil, vol. I, p. 8877

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Alexandre Freitas Câmara

dominante. Assim é que, entre os defensores da teoria revisionista, podemos relacionar Cândido Dinamarco,39 Ovídio Baptista da Silva,A0 Vicente Greco Filho,41 Sérgio Bermudes,42 e, entre os autores estrangeiros, Salvatore Satta43 e Hernando Devis EchandíaMVerifica-se assim que, embora minoritária, a teoria revisionista tem muitos adeptos, os quais apresentam - a nosso juízo com êxito - as razões pelas quais a jurisdição voluntária deve ser considerada atividade jurisdicional propriamente dita. Assim é que todos os argumentos apresentados pela teoria administrativista da jurisdição voluntária são adequadamente respondidos, como se verá.À afirmação de que inexiste lide na jurisdição voluntária, responde-se que a lide, como já dissemos anteriormente, não é essencial -mas meramente acidental - ao exercício da jurisdição. Existem hipóteses de jurisdição contenciosa em que inexiste lide, não podendo ser este, portanto, um fator que nos leve a concluir estarmos aqui diante de outro tipo de atividade estatal.Quanto à ausência de substitutividade, não nos parece estar correta a teoria clássica. A jurisdição voluntária é substitutiva da atividade das partes, uma vez que a lei impede que os titulares dos interesses ali referidos possam livremente negociá-los, devendo o juiz exercer uma atividade que originariamente não lhe cabia, substituindo, assim, a atividade dos titulares dos interesses em jogo. Exemplifica-se o que acaba de ser dito com o exemplo da alienação judicial dos bens dos incapazes. Em princípio, nada impediria que os incapazes, estando representados ou assistidos, alienassem livremente seus bens. Ao exigir que tal alienação se dê por ato judicial, está a lei determinando ao juiz que substitua a atividade do incapaz (e daquele que o assiste ou representa). Atividade substitutiva, portanto.Quanto à natureza constitutiva da jurisdição voluntária, parece-nos adequada a explicação apresentada para as sentenças constitutivas de jurisdição contenciosa. Também aqui o Judiciário estará atuando um direito preexistente a modificação operada. Exemplo que demonstra o acerto dessa afirmação é o da separação consensual. Como se sabe,39 Dinamarco, A Instrumentalidade do Processo, p. 173.40 Baptista da Silva, Curso de Processo Civil, vol. I, p. 33.41 Greco Filho, Direito Processual Civil Brasileiro, vol. III, p. 263.42 Bermudes, Introdução ao Processo Civil, p. 23.43 Salvatore Satta, Direito Processual Civil, vol. II, trad. bras. de Luiz Autuori, Rio de Janeiro: Borsoi, 1973, p. 731.44 Echandía, Teoria General dei Proceso, tomo I, p. 86.78

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Lições de Direito Processual Civilexige a lei que o casamento tenha ocorrido há mais de um ano para que os cônjuges possam se separar. Assim, cabe ao juiz verificar se está presente este requisito para, atuando o direito à separação, operar a modificação jurídica pretendida pelos titulares dos interesses.Responde-se também ao argumento segundo o qual a jurisdição voluntária não seria jurisdição por seus provimentos não serem alcançados pela coisa julgada. Esta, como já dissemos anteriormente, é atributo de alguns provimentos jurisdicionais, mas não de todos. Também a sentença cautelar (para dar apenas um exemplo) não alcança a coisa julgada, e não se lhe pode negar a natureza jurisdicional que indubita-velmente possui.É de se notar que, em se considerando a jurisdição voluntária como jurisdição propriamente dita, poder-se-á falar em processo de jurisdição voluntária, bem como na existência de partes.Afirmada a natureza jurisdicional da jurisdição voluntária, há que se buscar o elemento que a distingue da contenciosa, e tal elemento, a nosso juízo, está na pretensão.Como já se disse, pode haver processo sem lide, o que não pode haver é processo sem pretensão. Tal assertiva decorre da inércia característica da função jurisdicional. O Estado-juiz só exerce a função juris-dicional se provocado, e tal provocação se faz através da manifestação em juízo de uma pretensão. Sendo tal pretensão de integração de um negócio jurídico de direito privado, estar-se-á diante da jurisdição voluntária. Caso contrário, a hipótese será de jurisdição contenciosa. Assim, aquele que vai a juízo pleiteando a separação consensual ou a alienação de um bem de incapaz pretende tão-somente que o ato judicial confira validade ao negócio jurídico que quer realizar. A hipótese será, portanto, de jurisdição voluntária.Encerramos a análise deste tema com as seguintes palavras do jurista mineiro Edson Prata, dirigidas aos defensores da teoria adminis-trativista da jurisdição voluntária:"Parece-nos que os alinhados nesta corrente preocupam-se muito em arredar a jurisdição voluntária do terreno ocupado pela jurisdição, e até do processo, para limpar o caminho que traçam e no qual não querem óbices que impeçam o diálogo em linha reta, mas se esquecem de ajeitá-la entre os atos da atividade administrativa. Retiram a jurisdição voluntária do terreno jurisdicional, jogam-na na seara da administração, porém sem indagação prévia da possibilidade jurídica desta79

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Alexandre Freitas Câmaraprovidência. Talvez nenhum se tenha perguntado, com a necessária paciência do pesquisador, se a jurisdição voluntária, não se comportando adequadamente ao conceito de jurisdição, se ajeita plenamente no conceito de administração".45

§ 62 Escopos da JurisdiçãoTrataremos, neste item da obra, apenas incidentalmente, de assunto que foi tratado alhures com muito mais profundidade e talento pelo professor Cândido DinamarcoA5 Não poderíamos mesmo, em razão dos fins a que esta obra se propõe, tratar desse tema com a profundidade que ele merece. Não se pode, porém, deixar de mencionar ponto tão importante.É conhecida a afirmação, que já é de domínio público, segundo a qual o processo é mero instrumento de atuação do direito material. Esse caráter instrumental do processo é inegável, e é preciso que o pro-cessualista tenha essa afirmação sempre em mente, para que não se corra o risco de que o processo passe a ser considerado não como um meio de atuação da vontade concreta do direito objetivo, mas como um fim em si mesmo. Esta ótica distorcida levaria, sem dúvida, a que o processo se tornasse um "meio de impedir a solução de conflitos".47Esse caráter instrumental do processo não passou despercebido à melhor doutrina, que dele tratou sob a denominação "instrumentali-dade negativa do processo".48 Modernamente, porém, a doutrina enxerga um outro aspecto da instrumentalidade do processo, ainda mais importante que este primeiro. E a chamada "instrumentalidade positiva do processo".49 Vê-se, agora, o processo como instrumento de que se vale o Estado para alcançar os escopos da jurisdição. Estes são escopos do próprio Estado, já que a jurisdição, como não cansamos de repetir, é uma das manifestações do poder estatal soberano.45 Edson Prata, Jurisdição Voluntária, São Paulo: LEUD, 1979, p. 75.46 Dinamarco, A Instrumentalidade do Processo, pp. 206-376.47 As palavras entre aspas foram proferidas pelo notável jurista Nagib Slaibi Filho em conferência realizada no primeiro semestre de 1996 no auditório da Justiça Federal do Rio de Janeiro, criticando-se assim aqueles que vêem no processo um fim, e se agarram a deta- lhes técnicos geradores de vícios muitas vezes sanáveis para com isso extinguir os processos sem exame do mérito da causa.48 Cândido Rangel Dinamarco, "Escopos Políticos do Processo", in Participação e Processo, coord. Ada Pellegrini Grinover, Cândido Rangel Dinamarco e Kazuo Watanabe, p. 116.49 Cândido Rangel Dinamarco, "Escopos Políticos do Processo", ob. cit., p. 117.80

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rLições de Direito Processual CivilAssim é que, sob esta ótica, a instrumentalidade do processo ganha força, podendo-se entender esse instituto fundamental do Direito Processual como uma garantia de tutela adequada e efetiva das posições jurídicas de vantagem (sobre o tema voltaremos a tratar mais adiante, quando da análise do terceiro instituto componente da "trilogia estrutural do Direito Processual", o processo).Os escopos da jurisdição são de três ordens: sociais, jurídicos e políticos. Esta afirmação por si só é suficiente para demonstrar que a moderna ciência processual está consciente de que o processo não é um fenômeno exclusivamente jurídico, devendo ser estudado também em suas implicações sociopolíticas, uma vez que se trata de instrumento estatal, e o Estado — parece desnecessário dizer - é um ente político voltado para uma finalidade social de busca do bem comum.Os escopos sociais da jurisdição são dois: pacificar com justiça e educar a sociedade.50

O escopo de pacificação social com justiça decorre do fato inconteste de que o processo é um relevante meio de solução dos conflitos que surgem na sociedade. Isto não quer dizer que estamos aceitando a teoria da jurisdição como função estatal de compor lides. A lide, como se disse, é acidental à jurisdição, e não essencial. Nos casos em que há lide, porém, não se pode negar que o exercício da jurisdição, compondo o conflito (ou tornando-o juridicamente irrelevante, como dissemos anteriormente), diminui o sentimento generalizado de contenciosidade presente em diversos momentos na sociedade.Tal pacificação, porém, deve ser feita com justiça. Voltamos, aqui, a uma questão já referida. Sendo certo que o conceito de justiça é por demais abstrato, cada pessoa pode ter um senso próprio de justiça, diferente das demais, ou do senso comum. Até mesmo o juiz pode ter um senso próprio de justiça. Não se pode achar, porém, que o atingimento desse escopo da jurisdição se dá com a prolação, pelo juiz, de um provimento jurisdicional que dê ao caso a ele submetido a solução que ele, juiz, considere a mais justa, ainda que tal solução contrarie o direito objetivo. A justiça das decisões está intimamente ligada à sua adequação ao direito objetivo. Juiz justo é aquele que aplica ao caso concreto a vontade do direito objetivo, de acordo com os fins sociais a que a lei se destina e o bem comum. A jurisdição de eqüidade é excepcional, e não50 Na enumeração dos escopos da jurisdição aceitamos integralmente as lições exaradas por Dinamarco em sua obra, já tantas vezes citada, A Instrumentalidade do Processo.81

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Alexandre Freitas Câmarapode ser transformada em regra, como querem alguns, sob pena de se ter pessoas em situações idênticas recebendo tratamento diferenciado por terem tido suas causas submetidas a juizes diferentes, com sensos de justiça próprios e diversos entre si. A jurisdição de direito é uma exigência do princípio da isonomia, para que pessoas iguais sejam tratadas igualmente (e pessoas desiguais, desigualmente).O segundo escopo social da jurisdição é o educacional. Através do exercício da função jurisdicional o Estado dá duas lições: ensina o que as pessoas não podem fazer, sob pena de violarem o ordenamento jurídico e serem, em conseqüência, sancionadas; e, ao mesmo tempo, ensina aos titulares de direitos lesados ou ameaçados como fazer para obter a tutela de seus interesses. Um exemplo ainda recente disto tivemos com o problema do "bloqueio de cruzados novos" pelo "Plano Collor". Ao determinar a liberação do dinheiro indevidamente bloqueado pelo governo federal, o Estado-juiz estava não só ensinando ao Executivo que aquela conduta era proibida, contrária ao ordenamento jurídico e, por isso, incompatível com um governo democrático, mas também ensinava aos titulares de direito lesado por aquele bloqueio que bastava ir a juízo pleitear a liberação do dinheiro que tal liberação seria deferida (lembre-se que, sendo inerte a jurisdição, nenhum juiz poderia, ex officio, liberar dinheiro bloqueado de quem quer que fosse).Escopo jurídico da função jurisdicional é a própria atuação da vontade concreta do direito objetivo. O Estado, ao exercer a função jurisdicional, tem por finalidade manter íntegro o ordenamento jurídico, atuando a vontade das normas nos casos concretos que lhe sejam levados por aqueles que se consideram titulares de direitos lesados ou ameaçados de lesão.Por fim, os escopos políticos da jurisdição, que podem ser considerados os mais relevantes, na medida em que a jurisdição é uma manifestação do poder do Estado, e tal poder tem, indubitavelmente, natureza política. Estes são três: afirmação do poder estatal, culto às liberdades públicas e garantia de participação do júrisdicionado nos destinos da sociedade.O primeiro dos escopos políticos da jurisdição é a afirmação do poder estatal. O Estado precisa afirmar seu poder para se sustentar, sendo certo que sem o poder que está por trás de todos os atos e provimentos do Estado este não teria condições de impor condutas aos jurisdicionados. Ao afirmar o seu poder, o Estado garante os meios necessários para alcançar todos os seus outros escopos.82

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Lições de Direito Processual CivilO segundo escopo político, culto às liberdades públicas, nos faz ver que ao exercer a função jurisdicional o Estado tem como um de seus objetivos assegurar a observância dos direitos fundamentais dos jurisdicionados. A palavra liberdade, aqui empregada, não deve ser entendida apenas como liberdade de ir e vir, ou liberdade de expressão. O termo liberdade é empregado aqui no sentido mais amplo que pode ter, significando garantia fundamental. Liberdades públicas: estas é que devem ser asseguradas pelo Estado-juiz no exercício da função jurisdicional. Trata-se de uma limitação do poder estatal, o qual não pode ser absoluto, sob pena de se contrariarem os cânones do Estado Democrático de Direito.Por fim, o terceiro escopo político da jurisdição, permitir a participação do jurisdicionado nos destinos da sua sociedade, que está à base de instrumentos como a ação popular (em que tal participação é deferida diretamente aos cidadãos) e a ação civil pública (em que tal participação se faz através de associações e instituições de defesa dos interesses da sociedade, como o Ministério Público). A participação da sociedade na fixação de seus destinos (além da interferência da sociedade na própria gestão do Estado por aqueles que exercem o poder) é essencial para a caracterização de um Estado como democrático de Direito. A democracia sem participação direta da sociedade civil, em que o poder é exercido exclusivamente pelos detentores dos cargos e funções públicas, é uma forma ultrapassada de regime político, que não se coaduna com as determinações constitucionais.

§ 7Q Tutela Jurisdicional: Conceito e ClassificaçõesNão se pode confundir os conceitos de jurisdição e de tutela jurisdicional. Sendo a jurisdição uma função do Estado, todos têm direito a que a mesma seja prestada. Nem por isso todos têm direito à tutela ju-risdicional.Tutela jurisdicional é uma modalidade de tutela jurídica, ou seja, uma das formas pelas quais o Estado assegura proteção a quem seja titular de um direito subjetivo ou outra posição jurídica de vantagem. Assim sendo, só tem direito à tutela jurisdicional (como, de resto, à tutela jurídica) aquele que seja titular de uma posição jurídica de vantagem.É de se notar que o conceito de tutela jurisdicional havia sido banido da obra de diversos processualistas, preocupados com a idéia83

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de que a natureza abstrata da ação51 seria incompatível com a afirmação de que só tem direito à tutela jurisdicional aquele que efetivamente tem razão. Modernamente, porém, o conceito aqui analisado voltou à ordem do dia das preocupações dos processualistas, como se verifica pela leitura de obras recentes de juristas destacados.52

Podemos definir a tutela jurisdicional como "o amparo que, por obra dos juizes, o Estado ministra a quem tem razão num processo".53 Em outras palavras, e com apoio em José Roberto dos Santos Bedaque, "tutela jurisdicional deve ser entendida, assim, como tutela efetiva de di-reitos ou de situações pelo processo. Constitui visão do Direito Processual que põe em relevo o resultado do processo como fator de garantia do direito material. A técnica processual a serviço de seu resultado".54

O direito à tutela jurisdicional, porém, deve ser entendido como direito à tutela jurisdicional adequada. Como já visto, tal direito é corolário do princípio constitucional da inafastabilidade do controle jurisdicional (art. 5a, XXXV, CR), e encontrava amparo no art. 75 do Código Civil de 1916, com a interpretação que lhe atribuiu a moderna doutrina processual, sendo certo que tal dispositivo não encontra correspondente exato no Código Civil de 2002, o qual, todavia, tem nos arts. 80, I, e 83, II e III, regras que suprem a falta daquele dispositivo anteriormente aludido. Assim é que o Estado só presta verdadeira tutela jurisdicional quando esta é adequada a proteger o direito material lesado ou ameaçado de lesão. Isto porque, como se sabe, a todo direito deve corresponder uma forma de tutela jurisdicional ("ação", como dizia o art. 75 do Código Civil de 1916, e dizem os arts. 80, I, e 83, II e III, do Código Civil de 2002) capaz de assegurá-lo.Diversas são as formas de se classificar a tutela jurisdicional. Uma primeira forma de classificação pode ser feita levando-se em conta a pretensão do demandante. Teremos, aqui, três espécies de tutela jurisdicional: cognitiva, executiva e cautelar.51 Sobre a natureza abstrata da ação falaremos mais adiante, afirmando, porém, desde logo, que com isto se quer dizer que tem "direito de ação" não só aquele que vai a juízo em busca de tutela para um direito efetivamente existente, como também aquele que vai a juízo sem ter razão.52 Entre outros, trataram desse tema Flávio Luiz YarshelI, Tateia Jurisdicional Específica nas Obrigações de Declaração de Vontade, São Paulo: Malheiros, 1993; José Roberto dos Santos Bedaque, Direito e Processo, São Paulo: Malheiros, 1995; Cândido Rangel Dinamarco, "Tutela Jurisdicional", in Bevista de Processo, vol. 81, São Paulo, RT, 1996.53 Dinamarco, "Tutela Jurisdicional", ob. cit., p. 61.54 Bedaque, Direito e Processo, p. 25.84

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Lições de Direito Processual CivilA tutela jurisdicional cognitiva se caracteriza por conter a afirmação da existência ou inexistência de um direito. A esta declaração muitas vezes se adiciona um outro elemento (condenatório ou constitutivo), mas é a declaração que exerce a função de característica essencial desse tipo de tutela.Já a tutela jurisdicional executiva se caracteriza pela satisfação de um crédito, operando-se a realização prática de um comando contido em sentença condenatória (ou em ato jurídico a esta equiparado, os chamados títulos executivos extrajudiciais).Por fim, a tutela jurisdicional cautelar é a que se limita a assegurar a efetividade de outro tipo de tutela. Há casos em que a efetividade da tutela jurisdicional (cognitiva ou executiva) fica ameaçada de se tornar inefetiva. Para evitar dano irreparável, ou de difícil reparação, surge esta terceira espécie de tutela jurisdicional que, sem satisfazer o direito material, assegura a efetividade da tutela satisfativa (de conhecimento ou de execução).Em uma outra forma de classificar a tutela jurisdicional quanto à intensidade, tem-se duas espécies: tutela jurisdicional plena e limitada.55 Considera-se plena a tutela jurisdicional capaz de assegurar a mais ampla intensidade possível, alcançando-se com ela o acolhimento e a satisfação das pretensões legítimas levadas a juízo. E o que se tem, por exemplo, com a tutela executiva (em que se dá a satisfação de um crédito) e com a tutela de conhecimento constitutiva (em que se cria, modifica ou extingue relação jurídica, como na hipótese de divórcio). Será limitada a tutela jurisdicional quando esta não for suficiente para garantir a plena satisfação do direito material, sendo necessário que o Estado preste depois um outro tipo de tutela que a complemente (é o que se tem, e.g., na tutela cognitiva de cunho condenatório, em que se faz necessária a prestação posterior da tutela jurisdicional executiva, e na tutela cautelar, que se limita - como visto - a assegurar meios para garantir a efetividade das tutelas de conhecimento e de execução).Quanto ao meio de prestação da tutela jurisdicional, temos ainda duas espécies: tutela jurisdicional comum e diferenciada. A primeira é a tutela jurisdicional prestada através dos métodos tradicionalmente postos à disposição do jurisdicionado, como a que se presta através do procedimento comum, ordinário ou sumário, no processo de conhecimento. Há hipóteses, porém, em que os meios tradicionais de prestação da tutela jurisdicional se mostram inadequados. Para essas55 Esta classificação é proposta por Dinamarco, "Tutela Jurisdicional", ob. cit., p. 64.85

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Alexandre Freitas Câmarasituações é que se criou o conceito de tutela jurisdicional diferenciada, que pode ser definida como uma forma de prestação da tutela jurisdicional por métodos diversos dos tradicionais. Exemplos de meios diferenciados de prestação da tutela jurisdicional são a tutela antecipada (à qual se dedicará todo um tópico deste capítulo), o procedimento monitório e o mandado de segurança.Por fim, quanto à satisfatividade, a tutela jurisdicional pode ser classificada em satisfativa e não-satisfativa.Chama-se tutela jurisdicional satisfativa a que permite a atuação prática do direito material. Como ensina Ovídio Baptista da Silva, "satisfazer o direito, para nós, é realizá-lo no plano das relações humanas. É fazer com que o núcleo de seu conceito passe a ter existência efetiva no plano da realidade social".56

Assim é que algumas formas de tutela jurisdicional satisfazem o direito material, enquanto outras não são aptas a alcançar tal resultado. Exemplos de tutela satisfativa temos nas tutelas jurisdicionais de conhecimento e de execução. Tutela jurisdicional não-satisfativa é a tutela cautelar. Esta se limita a assegurar a efetividade de um provimento destinado a outro tipo de tutela jurisdicional. A admitir-se a existência de uma tutela "cautelar-satisfativa", estaríamos aceitando verdadeira contradição em termos, já que o que é cautelar não pode satisfazer, e o que satisfaz não é meramente cautelar.

§ 82 Tutela Jurisdicional AntecipadaA tutela jurisdicional antecipada é um dos temas que mais têm chamado a atenção dos processualistas brasileiros ultimamente. Instituto conhecido da doutrina há bastante tempo, e presente em nosso ordena-mento em normas espaçadas, como as que prevêem a reintegração liminar na posse, o despejo liminar e o aluguel provisório, passou a merecer mais atenção dos doutos depois que o movimento conhecido como "a reforma do CPC" alterou a redação do art. 273 daquele Código para, assim, criar norma genérica, aplicável em princípio a todos os processos. Vários foram os autores que, nos últimos tempos, trataram do tema, em obras sobre a reforma do Código de Processo Civil ou em trabalhos dedicados exclusivamente ao tema.57

56 Baptista da Silva, Curso de Processo Civil, vol. III, p. 54.57 Acerca da tutela antecipada, consulte-se Luiz Guilherme Marinoni, 7bteia Cautelar e TbteJa Antecipatória, São Paulo: RT, 1992; idem, A Antecipação da Tutela na Reforma do86

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Lições de Direito Processual CivilNão é nossa intenção, nesta parte da obra, tratar da regulamentação em lei da tutela antecipada, mas tão-somente apresentá-la no quadro das diversas formas de prestação da tutela jurisdicional. A análise do direito positivo será feita mais adiante, no momento oportuno.A tutela antecipada é uma forma de tutela jurisdicional satisfativa (e, portanto, não-cautelar), prestada com base em juízo de probabilidade. Trata-se de fenômeno próprio do processo de conhecimento.Como visto anteriormente, a forma tradicional de prestação da tutela jurisdicional é através dos chamados procedimentos comuns, e no processo de conhecimento esses procedimentos são dois: ordinário e sumário. O procedimento ordinário, porém, é quase que onipresente em nosso sistema de direito positivo, uma vez que, nos termos do art. 272, parágrafo único, do CPC, suas disposições são aplicáveis subsidiariamente a todos os demais procedimentos do processo de conhecimento. Ocorre que tal procedimento é por natureza longo, uma vez que o juiz é chamado a proferir, nos processos que o seguem, julgamentos baseados em juízo de certeza. Há, porém, muitas situações em que não se pode esperar o tempo necessário à formação do juízo de certeza exigido para a prolação de sentença no processo cognitivo, havendo a necessidade, para se tutelar adequadamente o direito material, de se prestar uma tutela jurisdicional satisfativa mais rápida. Nessas hipóteses, porém, surge um dilema. O processo de conhecimento em princípio se mostra inadequado à busca desse tipo de tutela por ser naturalmente demorado. O processo cautelar, por sua vez, embora mais célere, também se mostra inadequado por não permitir a concessão de tutela satisfativa.Fez-se mister, então, a criação de uma forma diferenciada de prestação da tutela jurisdicional, em que se obtivesse tutela satisfativa com celeridade. Surge então a tutela antecipada, forma de tutela sumária,58 em que o juiz presta uma tutela jurisdicional satisfativa, no bojo do processo de conhecimento, com base em juízo de probabilidade.É de se notar que tal tutela jurisdicional, consistente em permitir a produção dos efeitos (ou, ao menos, de alguns deles) da sentença de procedência do pedido do autor desde o início do processo (ou desde oProcesso Civil, Sao Paulo: Malheiros, 1995; José Eduardo Carreira Alvim, Tateia Antecipada na Reforma Processual - Antecipação de Tutela na Ação de Reparação de Dano, Rio de Janeiro: Destaque, 1996; Alexandre Freitas Câmara, Tutela Antecipatória: Um Enfoque Constitucional; idem, Lineamentos do Novo Processo Civil, p. 59. 58 Sobre tutela sumária, consulte-se Andréa Proto Pisani, Lezioni di Diritto Processuale Civile, Nápoles: Jovene, 1994, p. 597.87

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Alexandre Freitas Câmaramomento em que o juiz tenha se convencido da probabilidade de existência do direito afirmado pelo demandante), exige alguns requisitos para sua concessão. Não basta estar presente a probabilidade de existência do direito alegado, fazendo-se necessário que haja uma situação capaz de gerar fundado receio de dano grave, de difícil ou impossível reparação, ou que tenha ocorrido abuso do direito de defesa por parte do demandado (art. 273, I e II, CPC).Trata-se, pois, de forma de tutela jurisdicional diferenciada, que por isto mesmo deve ser considerada como excepcional. A tutela antecipada só poderá ser prestada nos casos em que se faça estritamente necessária, ou seja, nos casos em que esta for a única forma de prestação da tutela jurisdicional adequada à tutela do direito substancial.A tutela antecipada é, porém, espécie de tutela jurisdicional limitada. Isto porque não permite o integral atendimento da pretensão manifestada pelo autor. A tutela antecipada, como afirmado, é concedida no bojo do processo de conhecimento, e neste a pretensão é também (e, às vezes, somente) de declaração da existência de um direito. Ocorre que tal declaração não pode ser antecipada, já que exige um juízo de certeza capaz de afirmar a existência ou não do direito afirmado. Assim sendo, embora satisfativa, a tutela antecipada não garante o máximo de atendimento à pretensão manifestada pelo autor, razão pela qual o processo de conhecimento deverá prosseguir até final julgamento, para que se possa formar o juízo de certeza necessário à declaração da existência (ou inexistência) do direito material cuja tutela se pretende (art. 273, § 5a, CPC).Considerando-se, ainda, que tal tutela é concedida com base em juízo de probabilidade, é a mesma provisória, podendo ser revogada ou modificada a qualquer tempo (art. 273, § 4a, CPC).A Lei na 10.444/2002 introduziu no art. 273 do CPC um § 62, que criou uma nova hipótese de prestação de tutela antecipada, diferente do que até aqui se viu. A tutela antecipada até aqui examinada é baseada, como já se afirmou, em juízo de probabilidade e, por isso mesmo, é - por natureza - provisória. Pode, assim, ser denominada "tutela antecipada interinal", na medida em que se destina a proteger interinamente o demandante, cujo direito substancial se revela provável, presente um dos requisitos alternativos estabelecidos pelos dois incisos do art. 273. Surge, porém, com o referido § 62, uma hipótese de tutela antecipada baseada em juízo de certeza e que, por isso mesmo, não é interinal nem provisória, mas definitiva. Estabelece o aludido dispositivo que "a tutela antecipada também poderá ser

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Lições de Direito Processual Civilconcedida quando um ou mais dos pedidos cumulados, ou parcela deles, mostrar-se incontroverso". O dispositivo, data venia mal redigido, dá - se interpretado literalmente - a falsa impressão de que a norma aí veiculada só é aplicável nos casos em que haja cumulação de pedidos (ou seja, quando o demandante tiver formulado mais de um pedido em sua petição inicial). Isto, porém, é falso, já que a norma é também aplicável quando for um só o pedido formulado pelo autor. O que este novo dispositivo significa é que será concedida a tutela antecipada sempre que uma parcela do objeto do processo (ou seja, do mérito da causa) tornar-se incontroversa. Há, como se sabe, casos em que o demandante formula mais de um pedido (como na hipótese de cumulação das pretensões de reparação de dano material e de dano moral). Outros casos há em que o demandante formula um só pedido, o qual é decomponível (o que se dá sempre que é formulado pedido de condenação ao pagamento de certa quantidade de bens, como se dá nos pedidos de condenação ao pagamento de dinheiro). Tanto num caso como no outro pode acontecer de uma parcela do objeto do processo se tornar incontroversa. Imagine-se, por exemplo, que na hipótese de cumulação dos pedidos de reparação do dano material e do dano moral, o réu oferece contestação dizendo ter causado ao autor apenas o dano moral, mas não o material. Figure-se, ainda, a hipótese de o autor pedir a condenação do réu a pagar uma dívida de mil reais, contestando o réu para afirmar que só deve ao autor a quantia de trezentos reais. Em ambos os casos há uma parcela incontroversa do objeto do processo, devendo o juiz conceder, desde logo, tutela jurisdicional. Assim é que, nos exemplos figurados, o juiz deverá determinar ao réu que pague, desde logo, a reparação do dano moral (no primeiro exemplo) ou a quantia de trezentos reais (no segundo exemplo). É preciso notar que esta tutela antecipada é prestada com base em cognição exauriente, isto é, com base em juízo de certeza (certeza esta que decorre do fato de ser incontroversa a matéria sobre a qual versa a decisão). Sendo assim, o provimento jurisdicional que concede a tutela antecipada com fulcro no art. 273, § 62, embora seja uma decisão interlocutória (porque não põe fim ao processo), é apta a alcançar a autoridade de coisa julgada material. O que se tem, pois, é uma cisão do julgamento da causa. Ao contrário do que se tinha no sistema original do CPC, em que todo o objeto do processo era julgado na sentença, a partir da entrada em vigor da Lei na 10.444/2002 há uma verdadeira cisão do julgamento, devendo o juiz proferir decisões ao longo do processo a respeito das parcelas do mérito que se tornem89

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incontroversas, reservando-se para a sentença a decisão a respeito daquilo que tenha se mantido controverso ao longo do processo. No caso do art. 273, § 62, pois, e diferentemente do que se dá nas demais hipóteses, a tutela antecipada é concedida com caráter de defini-tividade, não podendo ser revogada nem modificada posteriormente pelo juiz, sendo possível apenas ao tribunal, em julgamento de recurso, cassar ou reformar a decisão que a concedeu.Esta é, em poucas palavras, a tutela antecipada, vista aqui sob a ótica da teoria geral do processo (e, mais especificamente, no campo da tutela jurisdicional). A análise do direito positivo (especialmente do art. 273 do CPC) será feita mais adiante, tendo sempre por base os conceitos aqui emitidos.

§ Çte Tutela Jurisdicional Específica Relativa às Obrigações de Fazer, Não Fazer e Entregar CoisaAinda dentro do estudo da tutela jurisdicional, não se pode deixar de fazer referência à denominada "tutela jurisdicional específica relativa às obrigações de fazer, não fazer e entregar coisa", regulada nos arts. 461 (o qual é cópia quase literal do art. 84 do Código de Defesa do Consumidor) e 461-A (acrescentado pela Lei na 10.444/2002), ambos do CPC. Esta espécie de tutela veio a ser prevista em nosso ordenamento jurídico como forma de se buscar uma maior efetividade do processo, entendida esta expressão como a busca de que se dê a quem tem um direito, na medida do possível, tudo aquilo, e precisamente aquilo a que ele tem direito.59 Ocorre que, em matéria de obrigações de fazer e de não fazer, um velho dogma do direito civil impedia esta tutela jurisdicional efetiva: o de que ninguém pode ser coagido a prestar um fato (nemo ad factum praecise cogi potest). Tal regra fazia com que se tornasse freqüente a afirmação de que o inadimplemento do devedor de prestação de fazer ou de não fazer deveria ser resolvido através da conversão em perdas e danos.60 Este59 Esta frase, baseada nas lições magistrais de Chiovenda, constitui verdadeiro slogan da moderna tendência de busca da efetividade do processo, sendo repetida por quase todos os modernos processualistas.60 Esta sempre foi a tendência entre os civilistas, podendo-se consultar Serpa Lopes, Curso de Direito Civil, vol. II, Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1955, p. 76; Clóvis Beviláqua, Direito das Obrigações, Rio de Janeiro: Editora Rio, edição histórica, 1977, p. 67.90

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Lições de Direito Processual Civildogma, porém, vem sendo atenuado pelo direito positivo moderno, até que se pudesse chegar ao estágio atual, em que a conversão em perdas e danos deixa de ser a regra para esses casos, convertendo-se em exceção.61 O art. 461-A, por sua vez, estabelece que são aplicáveis às obrigações de entregar coisa (diferente de dinheiro, já que para a obrigação de pagar dinheiro há um regime próprio no CPC) as regras contidas nos seis parágrafos do art. 461, o que faz com que hoje se possa falar na existência de um "estatuto da tutela específica", aplicável aos processos que tenham por objeto o cumprimento de obrigação de fazer, não fazer ou entregar coisa.Assim é que, nos termos do art. 461 do CPC, nas ações que tenham por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou de não fazer o juiz deverá prestar a tutela jurisdicional específica da obrigação, assegurando os meios necessários à obtenção de resultado prático correspondente. Tal regra significa o seguinte: considerando-se que nas obrigações de fazer, via de regra, o que importa ao credor é a obtenção de um dado resultado, deverá o juiz condenar o devedor inadimplente a cumprir sua obrigação (e não, como sempre se fez, condenar o devedor a indenizar o credor por perdas e danos). Deverá, ainda, o juiz, tornar possível a obtenção de resultado prático equivalente ao que se teria se a obrigação fosse cumprida pelo devedor.Exemplifique-se: tendo alguém contratado os serviços de outrem para que este pintasse um muro de branco, e restando inadimplente o devedor, deverá o juiz, ao julgar a demanda ajuizada pelo credor, condenar o réu a pintar o muro. Em não sendo, ainda assim, prestado o fato, deverá o juiz determinar que um terceiro realize a prestação à custa do devedor. Outro exemplo possível é o que se tem na demanda proposta em face de uma boate por um seu vizinho que se sinta incomodado pelo alto volume da música que ali é tocada durante a madrugada. Deverá o juiz condenar a boate a não tocar música em volume tão alto. Mantendo a boate seu comportamento faltoso, poderá o juiz determinar até mesmo o fechamento da casa noturna, com o que se alcançará resultado equivalente, capaz de assegurar o sossego do vizinho prejudicado pelo som alto.61 Sobre esta moderna tendência de atenuar o velho dogma civilista, consulte-se Rodolfo de Camargo Mancuso, "Considerações acerca de Certa Tendência Legislativa à Atenuação do Dogma 'Nemo ad Factum Praecise Cogi Potest'", in Processo Civil - Evolução, Vinte Anos de Vigência, coord. de José Rogério Cruz e Tucci, São Paulo: Saraiva, 1995, p. 259.91

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Alexandre Freitas CâmaraÉ de se notar que a regulamentação da tutela jurisdicional específica relativa às obrigações de fazer, não fazer e entregar coisa rompe ainda com outros dogmas, agora no Direito Processual. Em primeiro lugar, atenua-se (ainda mais porque já era por diversas normas enfraquecida) a regra da adstrição da sentença, ou princípio da congruência entre sentença e demanda. Por esta regra, já estudada, e que se põe como verdadeiro corolário do princípio da demanda (ou da inércia da jurisdição), fica o juiz proibido de proferir sentença ultra, extra ou citra petita. Nas demandas que tenham por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou de não fazer, porém, poderá o juiz conceder provimento diverso do pleiteado pelo autor, desde que assim se assegure resultado prático equivalente ao pretendido. É o que se tem no exemplo acima, da demanda em que se pediu a condenação da boate a abaixar o volume da música, em que o juiz pode até mesmo determinar o fechamento da boate.A atenuação do princípio da adstrição da sentença é conseqüência do disposto no art. 461, § 52, do CPC, que permite ao juiz praticar (ou determinar a prática) de atos capazes de assegurar a tutela específica da obrigação ou um resultado equivalente, valendo-se das chamadas "medidas de apoio".62 É de se frisar que a enumeração contida no referido § 5e é meramente exemplificativa, podendo o juiz determinar as medidas que se fizerem necessárias ao atingimento do resultado específico ou equivalente.Outra regra que é atenuada com o tratamento legal dispensado à tutela jurisdicional específica das obrigações de fazer, de não fazer e de entregar coisa é a do art. 463 do CPC, segundo a qual o juiz, ao proferir a sentença, "cumpre e acaba seu ofício jurisdicional". É certo que, ao proferir a sentença de procedência do pedido no processo iniciado por demanda em que se exige o cumprimento de prestação de fazer ou de não fazer, deverá o juiz condenar o réu a prestar a obrigação de forma específica, declarando ainda que meios serão utilizados para assegurar o resultado prático equivalente. Assim, na sentença, o juiz deverá dizer algo como "condeno o réu a pintar de branco o muro do autor, declarando que, não sendo cumprida a obrigação no prazo de cinco dias (ou outro qualquer que o juiz entenda adequado), será escolhido um terceiro que cumpra a prestação às expensas do demandado". Nada impede, porém, que o juiz se limite a condenar o réu ao62 Sobre essas "medidas de apoio", consulte-se Dinamarco, A Reforma do Código de Processo Civil, p. 160; Freitas Câmara, Lineamentos do Novo Processo Civil, p. 86.92

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Lições de Direito Processual Civilcumprimento da obrigação e, não sendo cumprida por ele a sentença, aí sim impor as medidas de apoio que se fizerem necessárias. Nessa hipótese, terá o juiz inovado no processo após a prolação da sentença, o que de regra não se admite.Verifica-se, assim, que no sistema atual a conversão em perdas e danos é excepcional, só ocorrendo se a tutela específica for impossível (como nas obrigações de fazer de prestação naturalmente infungível, as chamadas obrigações personalíssimas), ou no caso de o credor preferir receber as perdas e danos.63

Além disso, determina o sistema instituído pelos arts. 461 e 461-A do CPC que deve o juiz determinar, de ofício ou a requerimento do demandante, uma multa periódica a ser paga pelo devedor em benefício do credor, e que deverá incidir no caso de atraso no cumprimento da prestação específica. Esta multa, registre-se, pode ser ampliada ou reduzida, mesmo após o trânsito em julgado da sentença, por força do que estabelece o § 62 do art. 461 do CPC (aplicável também às obrigações de entregar coisa em razão do que dispõe o art. 461-A, § 3s), o que demonstra, mais uma vez, que há aqui uma exceção à regra estabelecida pelo art. 463 do CPC. Pode, ainda, o juiz tutelar o demandante antecipadamente (art. 461, § 32, CPC). Trata-se de regra específica de incidência da tutela jurisdicional antecipada, sendo que essa forma de tutela seria possível de qualquer modo por força do disposto no art. 273 do CPC. Houve por bem, todavia, o legislador repetir aqui o comando do art. 84, § 32, do Código de Defesa do Consumidor, o qual prevê a tutela específica antecipada das obrigações de fazer e de não fazer.Com a entrada em vigor da Lei n2 10.444/2002, que alterou (entre outros) o disposto nos arts. 461, 621 e 644, além de criar o art. 461-A, operou-se uma radical transformação no sistema processual brasileiro. Isto porque, ao contrário do que anteriormente existia (e atendendo ao que vínhamos sustentando desde a primeira edição destas Lições, sendo certo que a aludida reforma se deu quando esta obra já se encontrava em sétima edição), a efetivação das sentenças que condenam a prestar obrigação de fazer, não fazer e entregar coisa passou a prescindir de processo executivo autônomo. O CPC, como notório, foi elaborado a partir da idéia - data venia equivocada - de que63 Sobre a conversão em perdas e danos nos casos acima, consulte-se Ada Pellegrini Grinover, "Tutela Jurisdicional nas Obrigações de Fazer e Não Fazer", in Livro de Estudos Jurídicos, vol. XI, coord. James Tubenchlak e Ricardo Bustamante, Niterói, IEJ, 1995, p. 133.93

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Alexandre Freitas Câmaraa execução de sentença deveria ser considerada um processo autônomo em relação ao processo de conhecimento condenatório. Sempre sustentamos que a execução deveria ser apenas um prosseguimento do processo, que não poderia se encerrar com a condenação (ou mesmo com o trânsito em julgado da sentença condenatória). Pois a partir da entrada em vigor da Lei na 10.444/2002 desapareceu o processo de execução de sentença nos casos de obrigação de fazer, não fazer e entregar coisa. O art. 621 do CPC expressamente afirma que o sistema que ele inaugura, o do processo de execução para entrega de coisa, é aplicável apenas às obrigações constantes de título executivo extrajudicial (e para a interpretação deste dispositivo, permitimo-nos remeter o leitor para o que se diz no segundo volume destas Lições). Por outro lado, o art. 644 do CPC afirma expressamente que a efetivação das obrigações de fazer e de não fazer constantes de sentença se faz na forma prevista no art. 461, aplicando-se apenas subsidiaria-mente o disposto no Livro II do CPC (que regula o processo autônomo de execução).Isto significa dizer, em outras palavras, o seguinte: quando for proferida uma sentença que condene o demandado a entregar coisa (diversa de dinheiro, frise-se), deverá o juiz, em seu provimento, fixar um prazo para que o condenado a entregue. Intimado o devedor, e decorrido in albis o prazo para a entrega, deverá o juiz, simplesmente, determinar a expedição de mandado de busca e apreensão ou de imissão na posse, conforme se trate de coisa móvel ou imóvel. Dispensa-se, assim, a instauração de processo executivo, realizando-se a execução da sentença, de ofício ou mediante requerimento da parte, no mesmo processo em que a sentença condenatória tenha sido proferida. Conseqüência inafastável desse sistema é que, não havendo a instauração de processo executivo, não haverá oportunidade para que o devedor ofereça embargos à execução, devendo toda a sua defesa ser apresentada na fase cognitiva do processo (e agora é lícito falar-se em "fase cognitiva" e "fase executiva", já que são mesmo duas fases de um só processo). Eventuais excessos da execução, ou nuli-dades de atos processuais, ou ainda outras quaisquer irregularidades, deverão ser discutidos por petição simples dirigida pelo devedor ao juízo e, não se satisfazendo o devedor com alguma decisão judicial, será cabível a interposição de recurso. Embargos do executado, porém, não serão mais aceitos, nem mesmo para alegação de direito de retenção por benfeitorias (alegação essa que deverá ser feita na contestação), conforme se vê pela redação que a mesma Lei na94

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Lições de Direito Processual Civil10.444/2002 deu ao art. 744 do CPC (que não só teve sua redação alterada, mas teve modificada até mesmo sua localização no Código, já que saiu do capítulo que regula os embargos à execução fundada em sentença e passou a integrar o capítulo que rege os embargos à execução fundada em título executivo extrajudicial).Além disso, quando for proferida sentença que condene o demandado a cumprir obrigação de fazer ou de não fazer, a efetivação do comando contido na sentença se dará, conforme dispõe o art. 461, § 5s, do CPC, de ofício ou mediante requerimento do credor, no mesmo processo em que se proferiu a sentença condenatória, dispensada a instauração de processo executivo ex intervallo. Jamais haverá, pois, processo de execução de sentença que condene a cumprir obrigação de fazer e de não fazer,64 aplicando-se as regras constantes do Livro II do CPC (subsidiariamente aplicáveis, conforme estabelece o art. 644 daquele diploma) apenas para suprir eventuais lacunas existentes no art. 461. Em outros termos, só haverá processo de execução de obrigação de fazer ou de não fazer quando o título executivo for outro que não a sentença condenatória. Sendo esta o título, não será instaurado o processo executivo, sendo a efetivação do comando contido na sentença um resultado a ser buscado no mesmo processo em que a decisão tenha sido proferida, através das medidas previstas no art. 461, § 5s, do CPC, com aplicação subsidiária dos dispositivos sobre execução de obrigação de fazer ou de não fazer constantes do Livro II do Código de Processo Civil.

§ 10. Competência 10.1. ConceitoÉ sabido que todos os órgãos do Poder Judiciário exercem função jurisdicional. Há entre eles, todavia, uma divisão de trabalho, o que se faz através da regra de distribuição da competência.64 Contra, Cândido Rangel Dinamarco, A Reforma da Reforma, São Paulo: Malheiros, 2002, p. 232, para quem falhando as medidas previstas no art. 461, § 5-, do CPC, será necessário instaurar um processo autônomo de execução. A nosso sentir, e com a devida vênia ao mestre paulista, a subsidiariedade a que se refere o art. 644 tem outro significado, conforme se pode ver pelo que vai no texto.95

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Alexandre Freitas CâmaraÉ freqüente a afirmação de que a competência é a "medida da jurisdição".65 Esta afirmação, porém, não nos parece adequada. Isto porque, sendo a jurisdição una e indivisível, como já afirmado, não nos parece possível medir a "quantidade de jurisdição" que cada órgão jurisdicional exerce. Todos os órgãos do Judiciário exercem a função jurisdicional na mesma medida, já que aquela função do Estado é indivisível. A questão não é de quantidade de jurisdição, mas dos limites em que cada órgão jurisdicional pode legitimamente exercer essa função estatal.Assim sendo, pode-se definir a competência como o conjunto de limites dentro dos quais cada órgão do Judiciário pode exercer legitimamente a função jurisdicional. Em outras palavras, embora todos os órgãos do Judiciário exerçam função jurisdicional, cada um desses órgãos só pode exercer tal função dentro de certos limites estabelecidos por lei. O exercício da função jurisdicional por um órgão do Judiciário em desacordo com os limites traçados por lei será ilegítimo, sendo de se considerar, então, que aquele juízo é incompetente.66

O centro das atenções no estudo da competência, pois, é a verificação dos critérios de sua fixação, ou seja, dos parâmetros empregados pelo ordenamento jurídico para estabelecer os limites dentro dos quais cada órgão do Judiciário pode exercer a função jurisdicional.

10.2. Critérios de FixaçãoNa análise dos critérios de fixação da competência uma primeira questão a ser resolvida é a da chamada "competência internacional". Não se trata, em verdade, de questão pertencente à problemática da competência, mas a ela anterior. Antes de se verificar qual o juízo competente para determinado processo, há que se examinar se a hipótese pode ser submetida ao Estado brasileiro, para que este exerça, diante do caso concreto, a função jurisdicional.67

65 Athos Gusmão Carneiro, Jurisdição e Competência, São Paulo: Saraiva, 5s ed., 1993, p. 45.66 Note-se que a competência ou incompetência é sempre do juízo, e nunca do juiz, ou seja, a questão que ora se examina é ligada ao órgão jurisdicional, e não à pessoa natural que ali exerce sua função judicante.67 Sobre o tema, para o Direito brasileiro, Cândido Rangel Dinamarco, Direito Processual Civil, São Paulo: José Bushatsky, 1975, p. 104. Para uma visão mais abrangente, deve-se consultar Gaetano Morelli, Derecho Procesal Civil Internacional, trad. esp. de Santiago Sentis Melendo, Buenos Aires: EJEA, 1953, p. 85.96

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Lições de Direito Processual CivilO primeiro problema a resolver, assim, é saber quais os limites do exercício, pelo Brasil, de sua função jurisdicional. A questão é solucionada pela aplicação dos arts. 88 e 89 do Código de Processo Civil. O primeiro desses dispositivos regula os casos em que o Brasil tem "competência internacional concorrente", sendo assim possível que a demanda seja ajuizada no Brasil ou perante autoridade judiciária de outro país que também tenha, na hipótese, competência internacional. É o que ocorre, por exemplo, nas demandas ajuizadas em face de réu domiciliado no Brasil (qualquer que seja a sua nacionalidade), ou quando se exige o cumprimento de obrigação quando o lugar do pagamento é o Brasil.Já o art. 89 do CPC regula a chamada "competência internacional exclusiva", a qual se refere aos casos em que a demanda só pode ser ajuizada perante autoridade judiciária brasileira, que tem competência "com exclusão de qualquer outra". Assim, por exemplo, o Judiciário brasileiro tem "competência internacional exclusiva" nas causas envolvendo imóveis situados no Brasil.Verificada a competência internacional, e sendo certo que a demanda pode ser ajuizada perante autoridade judiciária brasileira, passa-se à análise da competência interna. Agora, finalmente, passa-se a buscar fixar qual é, entre os diversos órgãos judiciários brasileiros, o competente para um determinado processo.Antes de mais nada se deve ter como certo que a competência é fixada no momento da propositura da ação, pelas regras vigentes nesta data, pouco importando alterações de fato ou de direito supervenientes. É o princípio da perpetuatio iurisdictionis, consagrado no art. 87 do Código de Processo Civil. As únicas alterações supervenientes que podem implicar mudança da competência no curso de um processo já iniciado são as previstas na parte final daquele artigo de lei: supressão do órgão judiciário originalmente competente ou alteração de competência em razão da matéria ou da hierarquia.Para se fixar a competência interna devem ser empregados três critérios: objetivo, funcional e territorial. O Direito brasileiro adotou, neste passo, a teoria de Chiovenda sobre a fixação da competência, sendo tal teoria aplicável integralmente entre nós.68

68 Chiovenda, Instituições de Direito Processual Civil, vol. II, p. 153. Sobre a adoção pelo Direito brasileiro da teoria de Chiovenda, consulte-se Dinamarco, Direito Processual Civil, 104.97

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Alexandre Freitas CâmaraO critério objetivo fixa a competência em razão do valor da causa ou da sua natureza (matéria).69 Como se sabe, a toda causa cível deve ser atribuído um valor (art. 258, CPC), ainda que a mesma não tenha valor econômico apreciável. Dispõe a lei processual no sentido de que as normas locais de organização judiciária podem estabelecer uma divisão de trabalho entre os diversos órgãos do Judiciário que leve em consideração esse valor. Pense-se, por exemplo, em um Estado da Federação em que uma norma de organização judiciária estabeleça que determinado juízo será competente para as causas cujo valor não exceda duzentos salários mínimos, sendo outro o juízo competente se o valor da causa exceder aquela quantia.O mesmo se diga com relação à natureza da causa, sendo possível a criação, pelas normas locais de organização judiciária, de juízos especializados, competentes para apreciar apenas algumas matérias determinadas, como as varas de família, de acidentes de trabalho e de órfãos e sucessões. Há que se criar, também, juízos com competência residual, ou seja, juízos aos quais se deixe a competência para todas aquelas hipóteses em que nenhum dos juízos especializados tenha competência. Esses juízos, com competência residual, costumam ser chamados entre nós de varas cíveis.É de se frisar que, como visto, o Código de Processo Civil se limitou a prever a possibilidade de se distribuir a competência entre juízos em razão do valor e da natureza da causa. A regulamentação desse critério objetivo de fixação da competência ficou a cargo das leis locais de organização judiciária.O critério funcional de fixação da competência a distribui entre diversos órgãos "quando as diversas funções necessárias num mesmo processo ou coordenadas à atuação da mesma vontade de lei são atribuídas a juizes diversos ou a órgãos jurisdicionais diversos (competência por graus; cognição e execução; medidas provisórias e definitivas, e outras)".70

Só se pode entender adequadamente esse critério de fixação da competência se tivermos em mente que o mesmo se manifesta em um só processo ou em processos diferentes e sucessivos.71

Tem-se, em primeiro lugar, competência funcional quando as diversas funções que devem ser exercidas num mesmo processo são69 CPC, arts. 91/92; Chiovenda, Instituições de Direito Processual Civil, vol. II, p. 154.70 Chiovenda, Instituições de Direito Processual Civil, vol. II, p. 187.71 Dinamarco, Direito Processual Civil, p. 127.98

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Lições de Direito Processual Civildistribuídas entre diversos juízos. É o que se tem, por exemplo, quando se atribui a juízo de comarca diversa daquela em que tramita o processo a função de interrogar uma testemunha lá residente (o que se faz pela expedição de carta precatória); ou ainda quando se atribui a órgãos diversos a competência originária e a recursal para um mesmo processo, cabendo a cada um deles o exercício de um grau de jurisdição. No primeiro exemplo tem-se a distribuição da competência funcional no plano horizontal; no segundo, a distribuição se faz no plano vertical.Há, ainda, o fenômeno da competência funcional ocorrendo entre processos diferentes, quando todos eles são ligados a uma mesma pretensão (ou, como dizia Chiovenda, em trecho de sua obra há pouco citado, a uma mesma vontade da lei). É o que ocorre, por exemplo, com a fixação da competência para o processo executivo no juízo onde tramitou o processo de conhecimento (art. 575, II, CPC); com a competência do juízo do processo principal para conhecer do processo cautelar (art. 800, CPC); do juízo do processo de execução para conhecer dos embargos do executado (art. 736, CPC); ou, ainda, do juízo para que se distribuiu o primeiro processo quando, extinto este por desistência da ação, pretender o autor ajuizar novamente a mesma demanda, sozinho ou em litisconsórcio (art. 253, II, CPC, criado pela Lei na 10.358/2001, que se destina a acabar com o fenômeno da distribuição múltipla, através do qual ajuíza-se várias vezes a mesma demanda, a fim de se escolher o juiz mais favorável, como, por exemplo, aquele que concede liminares em casos semelhantes, o que ofende as garantias do devido processo legal e do juiz natural). Em todas essas hipóteses tem-se um juízo competente também para todos os demais processos ligados àquele primeiro por serem destinados à atuação de uma mesma vontade da lei.Assim é que se pode ter competência funcional em um único processo ou em processos diversos, sendo que no primeiro caso pode-se distribuir a competência funcional no plano horizontal (entre órgãos que exercem o mesmo grau de jurisdição) e no plano vertical (entre órgãos que exercem graus de jurisdição diversos).Por fim, o critério territorial, em que a distribuição da competência, como o próprio nome indica, se faz em razão de aspectos ligados, exclusivamente, à posição geográfica, sendo certo que se pretende com tal critério aproximar o Estado-juiz dos fatos ligados à pretensão manifestada pelo autor.Assim é que, como regra geral, estabelece o art. 94 do Código de Processo Civil que será competente o juízo localizado no foro do99

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Alexandre Freitas Câmaradomicílio do réu.72 Como regra geral, pois, o réu deve ser demandado no foro de seu domicílio ou, em outros termos, no foro do lugar onde fixou sua residência com ânimo de permanecer.É certo, porém, que há outras regras de distribuição da competência por critérios territoriais que devem ser levados em conta. Assim é que, nos termos do art. 95 do CPC, é competente o juízo do foro da situação da coisa para os processos em que se discutam direitos reais sobre bens imóveis. É o chamado fórum rei sitae. Frise-se, porém, que nos termos do próprio art. 95, poderá o demandante optar por propor tais ações no foro do domicílio do réu ou em foro eleito pelas partes, salvo nas hipóteses em que a causa verse sobre posse, propriedade, servidão, direitos de vizinhança, nunciação de obra nova, divisão e demarcação de terras, quando então a competência do juízo localizado no foro da situação da coisa se torna inderrogável (art. 95, in fine).Importante, também, a regra do art. 96, que fixa a competência do foro do último domicílio no Brasil do autor da herança para o inventário e partilha de seus bens, assim como para todos os processos ligados à sua sucessão, e ainda para todos aqueles em que for demandado o seu espólio.É de ser mencionada, também, a competência do juízo do foro da capital do Estado para os processos em que a União ou um Território for demandante, demandado ou interveniente (art. 99, CPC), com exceção dos processos de insolvência e outros casos expressamente previstos em lei.Por fim, a análise da competência territorial não pode ser feita sem que se analise a questão dos "foros privilegiados", previstos no art. 100 do Código de Processo Civil. É o que se tem, por exemplo, na regra do inciso II daquele artigo, que fixa a competência do foro do domicílio ou da residência do alimentando para a ação em que se pedem alimentos; ou na competência do foro do lugar onde a obrigação deve ser satisfeita nos processos em que se exige o seu cumprimento (art. 100, IV, d); ou ainda a competência do foro do lugar do ato ou fato nas ações de reparação de dano (art. 100, V, a).72 Foro, como se sabe, é uma circunscrição territorial, que na linguagem comum à Justiça Estadual recebe o nome de comarca, e na Justiça Federal o de seção judiciária. É imprópria, embora freqüente em alguns lugares, como o Rio de Janeiro, a utilização da palavra foro para designar o edifício onde se situam as instalações do Judiciário. Tal edifício seria mais propriamente chamado de fórum, embora os dicionários já registrem os dois termos como sinônimos.100

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Lições de Direito Processual CivilEntre as hipóteses previstas em lei de "foro privilegiado", uma gera bastante controvérsia na doutrina e na jurisprudência. É a hipótese prevista no art. 100, I, do Código de Processo Civil, segundo o qual é competente o foro "da residência da mulher, para a ação de separação dos cônjuges e a conversão desta em divórcio, e para a anulação de casamento". Discute-se a compatibilidade entre esta regra e o vigente ordenamento constitucional, que proíbe a criação, por norma infraconstitucional, de qualquer privilégio em razão do sexo. Assim é que podem ser encontradas manifestações no sentido de que tal dispositivo permanece incidindo, por ser uma garantia de isonomia, já que seria tal regra capaz de assegurar uma igualdade substancial (e não meramente formal) entre os sexos.73 Em sentido contrário à manutenção do dispositivo, porém, tem-se manifestado a melhor doutrina, a nosso sentir com razão, uma vez que não pode haver, em razão do sexo, privilégio criado por norma infraconstitucional. Além disso, há outro argumento contrário à vigência do dispositivo aqui analisado. É que essa norma perdeu sua razão de ser. A competência para alguns feitos era fixada pela residência (e não domicílio) da mulher casada porque esta, antes da vigente Constituição, não podia fixar seu próprio domicílio. Isto porque, como sabido, antes da atual ordem constitucional o domicílio conjugai era fixado pelo marido. Hoje, quando a administração do casal cabe a ambos os cônjuges, tendo desaparecido a figura do "cabeça de casal", nada impede que a mulher fixe seu próprio domicílio. Sendo assim, deve-se aplicar aqui a regra geral, e, pois, nas ações de separação, conversão desta em divórcio, e anulação de casamento, será competente o juízo do foro do domicílio do réu.74

Não se pode deixar de dizer que, embora polêmica também na jurisprudência, registra-se uma certa tendência dos tribunais a considerar que o dispositivo não afronta a Constituição, tendência esta que esperamos ver superada em pouco tempo.Vistos os três critérios de fixação de competência interna, resta a análise do processo lógico que deve ser obedecido para que se possa, diante do caso concreto, verificar qual seja o juízo competente. Tal processo divide-se em três fases, devendo ser fixada a competência da73 Neste sentido, Nelson Nery Júnior e Rosa Maria Andrade Nery, Código de Processo Civil Comentado, São Paulo: RT, 2a ed., 1996, p. 520.74 No sentido do texto, Yussef Said Cahali, Divórcio e Separação, tomo 1, São Paulo: RT, 7a ed. 1994, p. 568; Milton Paulo de Carvalho, Manual da Competência Civil, São Paulo: Saraiva, 1995, p. 43; Gusmão Carneiro, Jurisdição e Competência, pp. 78-79.101

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Alexandre Freitas Câmaraseguinte forma: em primeiro lugar, há que se fixar a "competência de jurisdição", ou seja, há que se verificar a qual entre as diversas "Justiças" existentes deve ser atribuída a causa. Trata-se de tema já analisado, quando do estudo do princípio do juiz natural, onde se viu a questão da chamada "competência constitucional". Fixada esta "competência de jurisdição", há que se verificar a "competência de foro", ou seja, a competência territorial, para que se saiba onde será proposta a ação. Por fim, deverá ser perquirida a "competência de juízo", para que se saiba enfim qual é o órgão judiciário competente para aquele processo.Passemos a um exemplo para demonstrar esse processo lógico para determinação da competência. Imagine-se que vai ser proposta por um Fulano, em face de um Beltrano, ação em que se pleiteia reparação de dano causado em acidente de veículo, tendo o acidente ocorrido na cidade do Rio de Janeiro. Em primeiro lugar há que se verificar a "competência de jurisdição", e esta é da Justiça Estadual, já que a causa não pertence a nenhuma das "Justiças Especiais", nem há no caso interesse da União (ou de outra entidade que leve a competência para a Justiça Federal). Verificado que a demanda deve ser proposta perante a Justiça Estadual, há que se verificar a "competência de foro", concluindo-se que a ação deve ser proposta no foro do lugar do fato, ou seja, na comarca do Rio de Janeiro (art. 100, V, a). Tendo sido fixada a competência de foro, resta a "competência de juízo", sendo certo que, nos termos das leis de organização judiciária local, tal demanda deve ser ajuizada perante uma das varas cíveis daquela comarca. Fixou-se, assim, a competência no juízo de uma das varas cíveis da comarca do Rio de Janeiro, órgão integrante do Judiciário estadual.Diga-se, por fim, que como há na comarca do Rio de Janeiro diversas varas cíveis (ou, em outras palavras, diversos juízos competentes), deve-se proceder à distribuição da causa nos termos do art. 251 do CPC, o que significa que deverá ser sorteado o juízo (entre os em tese competentes) para o qual será remetido o processo do exemplo dado. Tal sorteio, a distribuição, deve ser feito todas as vezes que ocorrer hipótese semelhante, devendo haver equilíbrio na sua realização, o que significa dizer que o número de processos distribuídos a cada juízo deve ser igual (art. 252 do CPC).

10.3. Incompetência Absoluta e RelativaEntre os critérios de fixação da competência interna, alguns há que são criados em razão de interesse público, e outros há que a lei102

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Lições de Direito Processual Civilprevê cora o fim de proteger precipuamente interesses particulares. Aos primeiros dá-se o nome de critérios absolutos de fixação da competência, e aos segundos critérios relativos. São critérios absolutos de fixação da competência os que a determinam tendo em conta a natureza da causa (competência em razão da matéria) e o critério funcional. São, de outro lado, critérios relativos o da competência em razão do valor da causa e a competência territorial.Exceção a isto que se disse é a regra contida na parte final do art. 95 do CPC, que determina um critério de fixação da competência que, embora territorial, é de ser considerado um critério absoluto.É extremamente importante saber quais são os critérios absolutos e quais os relativos. Isto porque sendo desrespeitado qualquer dos critérios de fixação da competência interna, estar-se-á diante de juízo incompetente, sendo essencial saber se a incompetência do juízo é absoluta ou relativa.Assim, sendo proposta demanda perante juízo incompetente, por exemplo, em razão do território {e.g., sendo o réu domiciliado em São Paulo, a ação é proposta em Campinas), sua incompetência será relativa. No caso de se desrespeitar critério absoluto, como o da competência em razão da matéria (e.g;., ação de alimentos proposta em vara de acidentes do trabalho), ter-se-á o fenômeno conhecido como in-competência absoluta.Antes de mais nada, há que se frisar que existe um equívoco muito comum na prática forense, com reflexos na melhor doutrina, de se fazer referência à "competência absoluta" e à "competência relativa".75

Trata-se, como dito, de forma errônea de se fazer referência ao fenômeno. Quando a demanda é proposta perante juízo competente, este é, simplesmente, competente. A competência não deve ser adjetivada. O mesmo não se dá nos casos em que a demanda é ajuizada perante órgão jurisdicional incompetente. Nesse caso, terá sido desrespeitado algum dos critérios de fixação da competência interna, devendo-se falar, então, em incompetência absoluta ou relativa, conforme o critério desrespeitado tenha sido absoluto ou relativo.76

Assim é que o juízo incompetente em razão do valor ou do território é relativamente incompetente, enquanto o juízo incompetente em75 Encontramos a utilização dessa terminologia, que nos parece equivocada, em Gusmão Carneiro, Jurisdição e Competência, p. 61.76 Empregando a mesma denominação por nós utilizada, Arruda Alvim, Manual de Direito Processual Civil, vol. I, São Paulo: RT, 4a ed., 1991-1992, pp. 171-173.103

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Alexandre Freitas Câmararazão da natureza da causa, por inobservância do critério funcional, ou por desrespeito ao disposto no art. 95, in fine, do CPC, será absolutamente incompetente.A diferença entre as duas espécies de incompetência é importantíssima, sendo certo que a incompetência relativa admite prorrogação da competência, enquanto a incompetência absoluta não admite tal prorrogação. Afirme-se, desde logo, o que é prorrogação da competência: prorrogar a competência é tornar competente um juízo origina-riamente incompetente.Dito de outra forma, temos o seguinte: proposta a ação perante juízo relativamente incompetente, pode ocorrer de o órgão jurisdicional tornar-se competente no curso do processo, prorrogando-se, pois, sua competência. Já no caso de ser proposta ação perante juízo absolutamente incompetente, a sua competência não será jamais ampliada, não havendo possibilidade de prorrogação.Prorrogar, então, significa ampliar. A prorrogação da competência consiste, precisamente, no fenômeno pelo qual um juízo incompetente para determinado processo se torna, por incidência de alguma das causas de modificação da competência, competente para processar e julgar aquela causa. Repita-se que esse fenômeno só se faz possível quando a incompetência do juízo for relativa, tornando-se inviável quando for hipótese de incompetência absoluta.

10.4. Causas de Modificação da CompetênciaSendo criados com o fim de proteger interesses eminentemente particulares, os critérios relativos de fixação da competência podem ser derrogados, bastando para tal que incida uma das quatro causas de modificação da competência. Frise-se que apenas os critérios relativos podem ser modificados, sendo impossível qualquer hipótese de alteração das regras estabelecidas pelos critérios absolutos, os quais, como já afirmado, têm por fim proteger interesse público.São quatro as causas de modificação da competência: conexão, continência, vontade e inércia.A primeira causa de modificação da competência, regulada no art. 103 do CPC, é a conexão. Nos termos desse artigo, "reputam-se conexas duas ou mais ações, quando lhes for comum o objeto ou a causa de pedir". É de se afirmar, desde logo, que a conexão é um fenômeno entre demandas, e não entre ações. Assim, mais exato seria afirmar que reputam-se conexas duas ou mais demandas quando lhes104

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Lições de Direito Processual Civilfor comum o objeto ou a causa de pedir.77 Em outras palavras, sendo comum a causa de pedir ou o pedido de duas (ou mais) demandas, estas são conexas.É de se afirmar que a conjunção "ou", empregada no texto do artigo, é usada como "ou conjuntivo", isto é, no sentido de "e/ou". Em outras palavras, haverá conexão tanto nas hipóteses em que apenas um dos elementos objetivos da demanda (causa de pedir e pedido) coincidir com o de outra demanda, como também haverá conexão quando os dois elementos forem comuns. Assim, por exemplo, se um Fulano propõe ação em face de uma sociedade anônima, pretendendo, por um motivo qualquer, a anulação de uma deliberação tomada em assembléia geral de acionistas, e se um Beltrano propõe ação em face da mesma sociedade anônima, pelo mesmo fundamento, pleiteando também a anulação daquela mesma assembléia, as demandas do Fulano e do Beltrano são conexas.78

Sendo conexas duas ou mais demandas, e tendo sido elas ajuizadas perante juízos diversos, poderão ser reunidas para julgamento conjunto pelo juízo prevento (arts. 105/106, CPC). A prevenção é fixada de modo diverso conforme os juízos perante os quais foram ajuizadas as demandas conexas, tenham ou não idêntica competência territorial. Assim é que, tendo os juízos a mesma competência territorial, prevento é o juízo onde se proferiu o primeiro despacho liminar positivo (art. 106, CPC).79 Sendo, porém, diferente a competência territorial de um e outro juízos, prevento será aquele onde se realizou a primeira citação válida (art. 219, CPC). Note-se que as regras são diferentes. Sendo a mesma a competência territorial, a prevenção é fixada pela data em que foi proferido o pronunciamento judicial que ordenou fosse o réu citado, enquanto na hipótese de os processos terem se iniciado perante juízos com competência territorial diferente a prevenção será fixada pela data em que se efetivou a citação válida.77 Conforme será visto com mais detalhes adiante, a demanda (ato de impulso inicial do exercício da jurisdição) se identifica por três elementos: partes, causa de pedir e pedido (ou objeto). Não sendo este o lugar adequado para a análise do tema, basta dizer por enquanto que causa de pedir são os fatos que fundamentam a pretensão, enquanto pedido ou objeto é a pretensão manifestada pelo autor em sua inicial.78 No sentido do texto, entendendo a conjunção "ou" do texto do art. 103 do CPC como "ou conjuntivo", Gusmão Carneiro, Jurisdição e Competência, p. 65.79 Despacho liminar positivo é o provimento judicial que determina a citação do réu, sendo muito freqüentemente proferido com as seguintes palavras: "cite-se".105

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A mais polêmica entre as questões que envolvem a conexão diz respeito ao seguinte: a reunião de processos por força de conexão é obrigatória? A divergência surge em razão da redação do art. 105 do CPC, segundo o qual a reunião das demandas conexas "pode" ser ordenada, a fim de que as mesmas sejam apreciadas em sentença única. Há, assim, autores que entendem ser obrigatória a reunião,80 e autores para os quais tal reunião é mera faculdade do juiz.81

A nosso sentir, a reunião de processos em que haja conexão de demandas não é sempre obrigatória. Como regra geral, parece-nos que o juiz pode reunir tais processos, mas a reunião se torna obrigatória quando houver risco de decisões contraditórias.82 Isto porque a razão de ser da reunião é precisamente esta: evitar decisões contraditórias. Assim sendo, apenas quando esse risco for real (por exemplo, se dois acionistas de uma sociedade anônima pleiteiam, em demandas distintas, a anulação de uma mesma assembléia geral de acionistas, não se pode admitir que um juiz considere a assembléia válida e outro a anule) é que se deve fazer obrigatoriamente tal reunião de processos. Nos demais casos, cabe ao juiz, analisando a conveniência da reunião, determiná-la ou não (podendo fazê-lo, por exemplo, por uma questão de economia processual, para que as provas sejam colhidas apenas uma vez, quando o conjunto probatório for comum às demandas conexas).A segunda causa de modificação da competência é a continência, definida no art. 104 do CPC, e que nada mais é do que uma espécie qualificada (ou especial) de conexão. Assim é que dá-se a continência entre duas ou mais demandas quando lhes forem comuns as partes e a causa de pedir, exigindo-se ainda que o pedido formulado em uma delas seja mais amplo que o formulado na outra, devendo este estar contido naquele. Pense-se, por exemplo, na demanda ajuizada por um Fulano em face de um Beltrano, em que o autor pretende seja declarada a existência de uma dívida do réu, no valor de dez mil reais, decorrente de um contrato de mútuo celebrado entre as partes. Pendente o processo, o Fulano ajuíza outra demanda em face do Beltrano (mesmas partes, portanto), tendo por base aquele mesmo contrato de mútuo (mesma causa de pedir), pleiteando agora a condenação do réu ao80 Neste sentido, Antônio Cláudio da Costa Machado, Código de Processo Civil Interpretado, São Paulo: Saraiva, 1993, p. 78.81 Assim Hélio Tornaghi, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. I, São Paulo: RT, 2^ ed., 1976, p. 346.82 No sentido do texto, Gusmão Carneiro, Jurisdição e Competência, p. 65.106

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rLições de Direito Processual Civilpagamento daquela quantia (pedidos diferentes, sendo certo que o pedido condenatório contém o de declaração da existência da dívida). Há, entre essas duas demandas, continência.As conseqüências da continência são, e não poderia ser de outra forma, as mesmas da conexão. Em outras palavras, ajuizadas demandas entre as quais haja continência perante juízos diferentes, poderá ser realizada a reunião de processos perante o juízo prevento, para que recebam julgamento conjunto. A forma de fixação da prevenção aqui é a mesma prevista para a conexão, variando conforme tramitem os processos perante juízos com a mesma competência territorial (art. 106, CPC) ou com competências territoriais diversas (art. 219, CPC).A terceira causa de modificação da competência é a vontade das partes, as quais podem eleger, por via contratual, o foro que será competente para os processos de que sejam partes. Trata-se do foro de eleição, bastante comum em diversos contratos, como o de cartão de crédito, o de locação de imóveis e o de prestação de serviços, mas que pode estar presente em qualquer contrato.E de se notar, porém, que apenas se admite a eleição de foro, mas não a de juízo. Assim sendo, podem as partes eleger o foro do Rio de Janeiro, mas não podem eleger o juízo da Primeira Vara Cível daquela comarca (ou qualquer outro juízo). Tal afirmação é essencial para que se possa resolver um sério problema existente em algumas comarcas -como a do Rio de Janeiro, por exemplo - onde existem juízos regionais, reunidos nos chamados "fóruns regionais". A pergunta que se impõe é a seguinte: podem as partes eleger o "fórum central", em detrimento do "fórum regional" que seria em princípio competente? A matéria é controvertida na doutrina e na jurisprudência. Há quem veja nas regras que fixam a competência dos "fóruns regionais" um critério absoluto de fixação da competência,83 enquanto outros autores vêem ali mera competência territorial, fixada em razão de interesses particulares, sendo, portanto, relativo o critério de fixação da competência dos "fóruns regionais".84

83 Assim, por todos, Nagib Slaibi Filho, Comentários à Nova Lei do Inquihnato, Rio de Janeiro: Forense, 9a ed., 1996, p. 363, entendendo tratar-se a competência dos "fóruns regionais" de competência funcional.84 Neste sentido, Luiz Fux, Locações - Processo e Procedimentos, Rio de Janeiro: Destaque, 1992, p. 37.107

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Alexandre Freitas CâmaraParece-nos, todavia, que a razão está com aqueles que vêem nos "fóruns regionais" apenas edifícios onde se reúnem juízos integrantes da mesma comarca (ou, em outras palavras, do mesmo foro) que os que se localizam no "fórum central". Basta, para entender esta afirmação, lembrar a distinção entre foro e fórum, anteriormente apresentada. O que se admite é a eleição de foro, mas não a de fórum. Eleito o foro do Rio de Janeiro, por exemplo, a competência de juízo (seja este juízo localizado no "fórum central" ou num dos "fóruns regionais") fica a cargo da lei, sendo impossível às partes escolher qual o juízo a que a causa será submetida.85

Por fim, há que se mencionar a quarta das causas de modificação da competência, qual seja, a inércia. Proposta a ação perante juízo relativamente incompetente, deve o réu oferecer exceção de incompetência, a qual é cabível no prazo que o demandado dispõe para oferecer sua contestação. Decorrido o prazo da resposta do réu sem que tenha sido oferecida a exceção de incompetência, ter-se-á por prorrogada a competência do juízo, tornando-se, assim, competente, o juízo ori-ginariamente incompetente (relativamente).

10.5. Declaração de IncompetênciaO Código de Processo Civil regula, nos arts. 112 e seguintes, a declaração de incompetência do juízo. Tal declaração tem tratamento diferente conforme se trate de incompetência absoluta ou relativa, razão pela qual trataremos das duas situações separadamente.Em primeiro lugar, há que se falar da declaração de incompetência absoluta. Nesta primeira hipótese, há que se observar o disposto no art. 113 do CPC, devendo o juiz, de ofício, declarar a incompetência. Sendo possível a declaração ex officio, resulta claro que pode tal declaração ser provocada pelas partes, podendo essa alegação ser feita em qualquer tempo e grau de jurisdição, por mera petição.86 Dispõe, contudo, o§ Ia

do art. 113 do CPC que, não sendo deduzida a argüição de incompetência absoluta na contestação, ou na primeira oportunidade em que85 No sentido do texto, entendendo ser de juízo, e nao de foro, a competência das varas regionais, Antônio Carlos Marcato, Comentários à Lei de Locação de Imóveis Urbanos, coord. de Juarez de Oliveira, São Paulo: Saraiva, 1992, p, 356.86 Anote-se, ainda, que após o término do processo, com o trânsito em julgado da sentença, pode a incompetência absoluta ser alegada em ação rescisória (art. 485, II, CPC), no prazo de dois anos a contar da formação da coisa julgada.108

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Lições de Direito Processual Civilcouber à parte falar nos autos, responderá esta integralmente pelas custas do processo (ainda que, afinal, saia vencedora).Declarada a incompetência absoluta, deverão os autos do processo ser remetidos ao juízo competente. Além disso, serão tidos por nulos (nulidade absoluta) os atos decisórios praticados pelo juízo absoluta-mente incompetente (art. 113, § 2a, CPC).Note-se, porém, que apenas os atos decisórios são nulos, deven-do-se ter como válidos os demais. Assim, por exemplo, proposta ação de alimentos perante o juízo da vara cível, quando competente seria o da vara de família (incompetência absoluta, por ser em razão da matéria), será nula a decisão que tiver fixado alimentos provisórios, mas válido, por exemplo, o despacho que tiver determinado a citação do demandado (já que este ato não tem conteúdo decisorio).Já a incompetência relativa não pode ser declarada de ofício, dependendo de provocação da parte para que possa ser reconhecida.87 Esse entendimento, dominante em nossa doutrina e na melhor jurisprudência, não é, todavia, pacífico.88 Parece-nos, porém, deva ser mantida a orientação dominante, no sentido de que o reconhecimento da incompetência relativa depende de provocação. Isto porque a incompetência relativa decorre do desrespeito a algum dos critérios relativos de fixação da competência, os quais, como já visto, são criados para atender precipuamente a interesses particulares, sendo tais normas dispositivas (ou seja, normas que podem ser afastadas pela vontade das partes). Assim sendo, tratando-se de questão que não se caracteriza como de ordem pública, deve ficar submetida ao princípio dispositivo, somente podendo o juízo declarar sua incompetência relativa se a parte interessada o provocar, sob pena de não se permitir às partes que afastem a incidência de um critério de fixação87 No sentido do texto o Enunciado n- 33 da Súmula da Jurisprudência Predominante do Superior Tribunal de Justiça. Ainda no mesmo sentido, Dinamarco, Fundamentos do Processo Civil Moderno, p. 377; José Carlos Barbosa Moreira, "Pode o Juiz Declarar de Ofício a Incompetência Relativa?", in Temas de Direito Processual, Quinta Série, São Paulo: Saraiva, 1994, pp. 63 e seguintes.88 Admitem a declaração ex officio da incompetência relativa, entre outros, Alcides de Mendonça Lima, Direito Processual Civil, São Paulo: José Bushatsky, 1977, p. 64; Moniz de Aragão, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. II, Rio de Janeiro: Forense, 7a ed., 1991, p. 212; Tomaghi, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. I, p. 360; Pontes de Miranda, Comentários ao Código de Processo Civil, tomo II, Rio de Janeiro: Forense, 3a ed., 1995, p. 324. Na jurisprudência, confira-se a Súmula n- 28 do 1- Tribunal de Alçada Civil do Estado de São Paulo, que admite a declaração da incompetência relativa de ofício.109

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Alexandre Freitas Câmarada competência criado para protegê-las, o que, como se viu, é perfeitamente possível.Depende, portanto, a declaração de incompetência relativa de provocação da parte, o que se faz através do oferecimento de exceção de incompetência. Esta, como já visto, deve ser apresentada no prazo que o réu dispõe para responder à demanda do autor. Decorrido esse prazo sem que a exceção seja oferecida, prorroga-se a competência do juízo originariamente incompetente.Declarada a incompetência relativa, devem os autos ser remetidos ao juízo competente. Os atos praticados pelo juízo incompetente, porém, serão todos válidos, mesmo os decisórios.89 Referimo-nos, aqui, obviamente, aos atos praticados antes da argüição da incompetência relativa do juízo. Após esta, e reconhecida a incompetência, somente poderá o juízo incompetente praticar validamente os atos meramente ordinatórios que se façam necessários para a remessa dos autos ao juízo competente.

10.6. Conflito de CompetênciaPode ocorrer alguma hipótese em que haja dúvida quanto a qual seja o juízo competente para determinado processo. Tal dúvida pode surgir, por exemplo, porque dois juízos se consideram competentes para a mesma causa, ou porque os mesmos dois juízos se consideram incompetentes, entendendo um ser o outro o competente, e vice-versa. Nessas situações, há que se suscitar um conflito de competência, a fim de que o tribunal aprecie a questão e aponte o juízo verdadeiramente competente.Discute-se a natureza do conflito de competência, havendo quem o considere verdadeira ação declaratória;90 ou quem veja no conflito mero incidente processual.91 Esta última nos parece a melhor posição. O conflito de competência é mero incidente, capaz de alterar o andamento normal do processo, mas que não pode ser conceituado como ação (mesmo porque seria difícil admitir-se a propositura de ação pelo próprio juiz, um dos legitimados a suscitar o conflito de competência).89 Neste sentido, José Rubens Costa, Manual de Processo Civil, vol. I, São Paulo: Saraiva, 1994, p. 230.90 Esta a opinião de Greco Filho, Direito Processual Civil Brasileiro, vol. I, p. 214.91 Assim Antônio Scarance Fernandes, Incidente Processual, São Paulo: RT, 1991, p. 123.110

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Lições de Direito Processual CivilHá conflito de competência, nos termos do art. 115 do CPC, quando dois ou mais juízos se declaram competentes para um mesmo processo (conflito positivo); quando dois ou mais juízos se consideram incompetentes para um mesmo processo (conflito negativo), ou quando entre dois ou mais juízos surge controvérsia acerca da reunião ou separação de processos (sendo este conflito positivo ou negativo, conforme a hipótese).Podem suscitar o conflito de competência as partes, o juízo ou o Ministério Público. Este último, nos casos em que não tenha suscitado o incidente, deverá ser obrigatoriamente ouvido pelo tribunal (art. 116, parágrafo único, CPC).Afirma o Código de Processo Civil (art. 117) que "não pode suscitar conflito a parte que, no processo, ofereceu exceção de incompetência". Esta norma não pode ser interpretada literalmente, sob pena de ser mal compreendida. Em primeiro lugar, há que se dizer que é insuficiente a referência contida na norma à exceção de incompetência (eis que esta é ligada, diretamente, à incompetência relativa). Na verdade, a norma em apreço se refere à parte que argüiu a incompetência do juízo, seja incompetência relativa (através de exceção) ou absoluta (na contestação ou por petição simples).Além disso, não parece seja adequado entender a norma ora em análise como uma integral proibição à parte que argüiu a incompetência do juízo de suscitar conflito de competência. A nosso sentir a norma proíbe, tão-somente, o uso simultâneo dos dois meios, ou seja, a apresentação simultânea de argüição de incompetência do juízo e de conflito de competência.92

O julgamento do conflito caberá ao tribunal a que os juízos em conflito estiverem submetidos. Assim, por exemplo, em um conflito entre juízos estaduais de uma mesma comarca (ou de comarcas diversas num mesmo Estado da Federação), será competente o Tribunal de Justiça do Estado. Já no caso de o conflito surgir entre juízos submetidos a tribunais diversos (um juízo estadual e um federal, por exemplo), o julgamento do conflito caberá ao Superior Tribunal de Justiça (art. 105, I, d, da Constituição Federal). Por fim, será competente para julgar o conflito o Supremo Tribunal Federal quando este se instaurar entre o STJ e outro tribunal, entre tribunais superiores, ou entre estes e qualquer outro tribunal (art. 102, I, o, da Constituição da República).92 No sentido do texto, Gusmão Carneiro, Jurisdição e Competência, p. 131, apresentando ali o autor um exemplo em que o uso sucessivo dos dois instrumentos se faz necessário.111

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Alexandre Freitas CâmaraO procedimento do conflito de competência será o estabelecido nos arts. 118 a 123 do Código de Processo Civil, aplicando-se, ainda, as normas constantes dos regimentos internos dos tribunais nas hipó-teses do art. 123.112

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Capítulo VII Ação§ ls Teorias sobre a AçãoTema dos mais polêmicos, senão o mais polêmico de toda a ciência processual, não há (nem se vislumbra possibilidade de que haja) consenso doutrinário acerca do conceito de ação. Há tantas teorias sobre o tema que já se chegou a dizer que cada processualista tinha a sua própria. Apesar de toda a divergência, porém, não se pode negar que o progresso alcançado no estudo deste fenômeno, extremamente importante para o Direito Processual, é visível, tendo restado inteiramente superadas algumas concepções que hoje só possuem valor histórico. Sendo impossível apresentar todas as concepções existentes sobre o tema, procuraremos analisar aqui tão-somente as teorias que se afiguram mais importantes, seja em razão de seu valor histórico, seja em razão de sua aceitação nos dias de hoje.Não se pode deixar de frisar, porém, que, qualquer que seja a concepção adotada, é inegável que a ação é um dos institutos fundamentais do Direito Processual, uma vez que, em razão da inércia da jurisdição, o Estado só poderá - como regra geral - exercer aquela função após a provocação do interessado, a qual se dá mediante o exercício da ação.Entre todas as concepções existentes sobre a ação, a primeira que merece destaque é a chamada teoria civilista ou imanentista da ação, hoje superada, mas que exerceu grande influência sobre a doutrina, principalmente até meados do século XIX. Essa teoria é reflexo de uma época em que não se considerava ainda o Direito Processual como ciência autônoma, sendo o processo civil mero "apêndice" do Direito Civil. Por esta concepção, a ação era considerada o próprio direito material depois de violado. Tendo entre seus adeptos a figura magistral de Clóvis Beviláqua, a teoria civilista da ação via nesta mero jus persequendi in judicio, ou seja, a ação era "o mesmo direito em atitude de defesa". A ação era, então, vista como "elemento constitutivo do direito subjetivo". 1Clóvis Beviláqua, Teoria Geral do Direito Civil, Brasília, Ministério da Justiça, 4a ed., 1972, p. 296.113

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Alexandre Freitas CâmaraEm outras palavras, para a teoria imanentista a ação nada mais era do que uma manifestação do direito material, ou seja, era a forma como se manifestava o direito material após sofrer uma lesão.Tal conceito será melhor compreendido com o seguinte exemplo: um Fulano celebra contrato de mútuo com um Beltrano, emprestando a este uma certa quantia em dinheiro. Vencida a dívida sem que o devedor tenha adimplido sua obrigação, o direito de crédito do Fulano sofreu uma lesão. Tal direito subjetivo irá, então, a juízo em busca de defesa, manifestando-se a partir de então como direito de ação.2

A teoria imanentista da ação foi a fonte de que se originou o art. 75 do Código Civil brasileiro de 1916, segundo o qual "a todo direito corresponde uma ação, que o assegura. Este dispositivo de lei (revogado, mas não desaparecido do sistema, em razão do teor dos arts. 80, I, e 83, II e III, do Código Civil de 2002), porém, é hoje interpretado, como já se viu em passo anterior desta obra, despido de toda a sua concepção imanentista, sendo entendido como fonte de onde emana a garantia de tutela jurisdicional adequada.Essa teoria, que dominou os estudiosos do processo durante muito tempo, começou a ser superada com a famosa polêmica Windscheid x Müther, ocorrida em meados do século XIX. O jurista alemão Bernard Windscheid publicou um ensaio sobre o instituto da actio no Direito Romano, defendendo ali que tal conceito não correspondia ao moderno conceito de ação, mas sim ao de pretensão (Anspruch). Outro notável estudioso do Direito Romano, o também alemão Theodor Müther, respondeu às afirmações de Windscheid, em ensaio onde afirmou a coincidência entre os conceitos romano de actio e moderno de ação. Windscheid publicou ainda um outro trabalho, verdadeira réplica às afirmações de Müther, onde, aceitando embora muitas das afirmações daquele jurista, reiterou sua teoria básica: a de que actio e ação seriam conceitos inconfundíveis. Dessa polêmica surgiu a noção de que o direito material e o direito de ação seriam distintos, este último devendo ser entendido como um direito à prestação jurisdicional. Surgem a partir daí inúmeras teorias sobre a ação, todas elas com este caráter dualista, ou seja, todas defendendo a autonomia do direito de ação em relação ao direito material.A teoria imanentista da ação contou com outros importantes defensores, entre eles o alemão Eriedrich Karl von Savigny e o brasileiro João Monteiro. Deste último, consulte-se Teoria do Processo Civil, vol. I, Rio de Janeiro: Borsoi, 6s ed., 1956, p. 70.114

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Aparece então a segunda das teorias que aqui serão examinadas, a teoria concreta da ação, ou teoria do direito concreto de agir. Esta teoria foi a primeira a defender a já anunciada autonomia do direito de ação, afirmando ser a ação um direito distinto do direito material. Tal autonomia não é difícil de ser constatada. Basta ver um pequeno exemplo: pense-se num direito material, como o direito de crédito, e compare-se tal direito com a ação. Enquanto no primeiro o sujeito passivo é o devedor, no segundo o sujeito passivo é o Estado (já que o direito de ação seria o direito à tutela jurisdicional). Ademais, no direito de crédito (que é o direito material de nosso exemplo), a prestação devida é uma obrigação de dar, fazer ou não fazer, enquanto no direito de ação o que se quer do Estado é a prestação da tutela jurisdicional.A teoria concreta da ação, porém, afirmava que o direito de ação só existiria se existisse também o direito material. Assim é que a ação só existia naqueles casos em que o resultado final do processo fosse favorável ao autor, pois apenas nos casos em que se reconhecesse a existência do direito material se reconheceria a existência do direito de ação.Esta teoria, que segundo consta teria sido criada pelo alemão Adolf Wach, teve vários adeptos importantes, entre os quais James Goldschmidt e, no Brasil, conta ainda hoje com a adesão do professor José Ignácio Botelho de Mesquita.3 Defendem seus adeptos que a ação seria o direito de se obter em juízo uma sentença favorável. Esta teoria está hoje praticamente descartada, sendo raros os que ainda a defendem.No início do século XX (1903), a teoria concreta da ação teve uma "dissidência", que deu origem à teoria do direito potestativo de agir, criada por Giuseppe Chiovenda.4 Para esta teoria, a ação seria "o poder jurídico de dar vida à condição para a atuação da vontade da lei".5

Como se sabe, direito potestativo (ou direito de formação) é aquela espécie de direito ao qual não corresponde nenhum dever jurídico, mas tão-somente uma situação de sujeição do outro sujeito da relação jurídica. Um bom exemplo desta espécie de direitos é o direito que tem o mandante de revogar o mandato a qualquer tempo, não correspondendo a tal posição jurídica de vantagem nenhum dever do manda-3 José Ignácio Botelho de Mesquita, Da Ação Civil, São Paulo: RT, 1975, passim.4 Giuseppe Chiovenda, "Lazione nel Sistema dei Diritti", ensaio publicado na obra Saggi di Diritto Processuale Civile, Bolonha: Ditta Nicola Zanichelli, 1904, pp. 1 e seguintes, sendo de se ver especialmente o que vai dito à p. 113.5 Chiovenda, Instituições de Direito Processual Civil, vol. I, p. 24.115

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tário, o qual terá de, pura e simplesmente, submeter-se à atuação do direito do mandante. Segundo Chiovenda,6 a ação teria precisamente esta natureza, sendo - sempre segundo aquele notável processualista -o "direito potestativo por excelência".7 Para a teoria do direito potestativo de agir, a ação seria um direito voltado contra o réu, em face de quem se produz o efeito jurídico da atuação da lei, não tendo o demandado nenhuma obrigação diante desse poder; simplesmente, estar-lhe-ia sujeito. Sua natureza seria privada ou pública, conforme a lei, cuja vontade esteja sendo atuada, tenha uma ou outra daquelas naturezas.8 Note-se que a teoria do direito potestativo de agir também tem natureza concreta, eis que para seus defensores só existe direito de ação quando existir também o direito material.As teorias até aqui examinadas foram superadas pela teoria abstrata da ação, ou teoria do direito abstrato de agir, a qual é devida ao jurista alemão Heinrích Degenkolb e ao húngaro Alexander Plósz. Estes dois autores apresentaram críticas às teorias concretas da ação (compreen-dendo-se aqui, como visto, também a teoria do direito potestativo de agir) que não foram por elas adequadamente respondidas. A partir daí, então, elaboraram uma nova teoria, radicalmente oposta àquela.As críticas que foram formuladas às teorias concretas foram as seguintes: em primeiro lugar, essas teorias não conseguiriam explicar com que fundamento se provocava a atividade do Estado-juiz nos casos em que a sentença fosse pela improcedência do pedido do autor. Explique-se: sendo a ação (de acordo com as teorias concretas) um direito que só existe se existir também o direito material, ou seja, um direito de se obter um provimento favorável, não haveria direito de ação nos casos em que a decisão judicial fosse favorável ao réu, isto é, quando a sentença julgasse a pretensão do autor improcedente, afirmando a inexistência do direito material. Nesse caso, não haveria direito de ação, mas o Estado-juiz teria sido provocado a atuar. Qual o fundamento de tal provocação da atuação do judiciário, se inexistia direito de ação na hipótese? As teorias concretas não conseguiam explicar satisfatoriamente este ponto, restando a crítica sem resposta.Alguns outros notáveis juristas aderiram à teoria de Chiovenda, podendo ser citadosaqui Sérgio Costa, Manuale di Diritto Processuale Civile, Turim: UTET, 5a ed., 1980, p. 13,e, no Brasil, Celso Agrícola Barbi, Ação Declaratória Principal e Incidente, Rio de Janeiro:Forense, 6a ed., 1987, p. 64.Chiovenda, "Lazione nel Sistema dei Diritti", ob. cit, p. 113.Chiovenda, Instituições de Direito Processual Civil, vol. I, p. 24.116

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Lições de Direito Processual Civil

A segunda crítica formulada às teorias concretas da ação diz respeito à chamada "ação declaratória negativa", que aquelas teorias também não seriam capazes de explicar. Chama-se "ação declaratória negativa" aquela em que o demandante pretende obter uma sentença que declare a inexistência de relação jurídica entre ele e o réu. Ocorre que, na hipótese de ser o pedido do autor procedente (e, lembre-se, para as teorias concretas da ação esta só existiria se a sentença fosse de procedência do pedido), não haveria direito material de que o mesmo fosse titular, eis que entre ele e o demandado não haveria relação jurídica. Ora, inexistindo qualquer direito material, também não existiria direito de ação. Também esta crítica ficou sem resposta das teorias concretas, o que fez com que as mesmas fossem abandonadas pela imensa maioria da doutrina.Surge, então, a teoria abstrata da ação, ou teoria do direito abstrato de agir, segundo a qual o direito de ação seria, simplesmente, o direito de provocar a atuação do Estado-juiz. Em outros termos, para essa teoria a ação é o direito de se obter um provimento jurisdicional, qualquer que seja o seu teor.9 Para essa concepção da ação, este seria um direito inerente à personalidade, sendo certo que todos seriam titulares do mesmo, o que significa dizer que todos teriam o direito de provocar a atuação do Estado-juiz, a fim de que se exerça a função jurisdicional.A teoria dominante entre nós, porém, não é essa que se acabou de expor, mas a teoria eclética da ação, criada pelo jurista italiano Enrico Tullio Liebman, que durante os anos em que viveu no Brasil, na década de 1940, começou a sistematizá-la,10 tendo sido tal teoria definitivamente desenvolvida quando de sua volta à Itália.11

A teoria eclética da ação tem, também, natureza abstrata, visto que não condiciona a existência do processo à do direito material afirmado pelo autor. Em outras palavras, para a teoria eclética, assim como para a teoria abstrata, a ação existe ainda que o demandante não seja titular do direito material que afirma existir. Difere, porém, a teoria eclética da abstrata por considerar a existência de uma categoria estranha ao mérito da causa, denominada condições da ação, as quais9 Trata-se de teoria com aceitação até os dias de hoje, sendo de se referir a posição de José Joaquim Calmon de Passos, "Ação", verbete in Digesto de Processo, vol. I, Rio de Janeiro: Forense, 1980, p. 5.10 Como se vê, por exemplo, no ensaio "O Despacho Saneador e o Julgamento do Mérito", in Estudos sobre o Processo Civil Brasileiro, São Paulo: Saraiva, 1947, p. 147.11 Liebman, Manual de Direito Processual Civil, vol. I, p. 151.117

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Alexandre Freitas Câmaraseriam requisitos de existência do direito de agir. Para a teoria que ora se examina o direito de ação só existe se o autor preencher tais "condições", devendo o processo ser extinto, sem julgamento do mérito, se alguma delas estiver ausente (hipótese em que se tem o fenômeno que se costuma designar por "carência de ação").A teoria eclética encontrou guarida em nosso direito positivo, estando consagrada no art. 267, VI, do Código de Processo Civil, segundo o qual extingue-se o processo sem julgamento do mérito quando não concorrer qualquer das condições da ação. Além disso, trata-se de teoria com grande aceitação doutrinária no Brasil e no exterior.12

Há que se afirmar que a teoria eclética, embora permaneça dominante, sofreu algumas alterações ao longo do tempo que a fizeram se distanciar da concepção original formulada por Liebman. Assim é que alguns autores mais modernos afirmam que as "condições da ação" não são requisitos de existência daquele direito, mas sim do seu legítimo exercício.13 Afirmam esses autores que o direito de ação, como qualquer posição jurídica de vantagem, pode ser exercido de forma legítima ou de forma abusiva. As "condições da ação" seriam, então, os requisitos do legítimo exercício da ação, e a "carência de ação" deverá ser vista não mais como "inexistência", mas como "abuso" do direito de ação.

§ 22 Conceito de AçãoNão poderíamos deixar de, em uma exposição acerca do conceito de ação, apresentar nossa concepção sobre o tema, lembrando aqui a afirmação bastante conhecida de que cada estudioso do processo tem sua própria teoria sobre a ação.Em primeiro lugar, devemos manifestar nossa adesão à teoria abstrata da ação. A nosso juízo, a ação é uma posição jurídica capaz de per-12 E extensa a relação dos processualistas que defendem esta teoria sobre a ação. Entre os brasileiros, podemos referir Theodoro Júnior, Curso de Direito Processual Civil, vol. I, p. 54; Amaral Santos, Primeiras Linhas de Direito Processual Civil, vol. I, p. 171; Greco Filho, Direito Processual Civil Brasileiro, vol. I, p. 76, entre muitos outros. Na Itália, além de Liebman, criador da teoria, podem ser lembrados, na doutrina mais recente, Mandrioli, Corso di Diritto Processuale Civile, vol. I, p. 48; Tommaseo, Appunti di Diritto Processuale Civile, p. 173.13 Assim, entre outros, José Carlos Barbosa Moreira, "Legitimação para Agir. Indeferimento de Petição Inicial", in Temas de Direito Processual, Primeira Série, São Paulo: Saraiva, 2a ed., 1988, p. 199; Tornaghi, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. I, p. 90. É certo, porém, que alguns autores se mantêm fiéis à concepção original, como Theodoro Júnior, Curso de Direito Processual Civil, vol. I, p. 55.118

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mitir a qualquer pessoa a prática de atos tendentes a provocar o exercício, pelo Estado, da função jurisdicional, existindo ainda que inexista o direito material afirmado. Devemos, ainda, asseverar que as "condições da ação", a nosso sentir, não dizem respeito propriamente à ação, uma vez que esta existe ainda que aquelas não sejam preenchidas. Além disso, não parece adequado chamá-las "condições", já que o termo não é aí empregado no sentido de "evento futuro e incerto a que se subordina a eficácia de um ato jurídico", razão pela qual sempre nos pareceu melhor denominá-las requisitos do provimento final.14

Além disso, é de se afirmar que a ação não deve ser encarada como direito subjetivo, e sim como poder jurídico, já que entre seu titular e o Estado inexiste conflito de interesses, elemento essencial para a configuração de um direito subjetivo (já que neste os interesses do titular do direito e do titular do dever jurídico que lhe corresponde são, necessariamente, contrários).15

É preciso, ainda, ter claro que a ação não se limita ao poder de dar início ao processo, pois, sendo assim, tal poder seria de pequena importância. O poder de ação se revela ao longo de todo o processo, sendo exercido toda vez que é exercida alguma posição jurídica ativa no processo. Assim, por exemplo, exerce-se poder de ação quando se interpõe recurso contra uma decisão judicial, ou quando se produz alguma prova.16 Sendo certo que também o demandado exerce, ao longo do processo, uma série de posições ativas - como produzir provas e recorrer -, também ele exerce poder de ação.Aqui cabe uma explicação mais cuidadosa do que acaba de ser afirmado. Não se pode confundir o poder de ação com a demanda, ato14 Sobre o tema nos manifestamos em mais detalhes em Alexandre Freitas Câmara, "Condições da Ação?", in Livro de Estudos Jurídicos, vol. VII, coord. James Tubenchlak e Ricardo Bustamante, Niterói: IEJ, 1993, pp. 57 e seguintes.15 Já manifestáramos nossa adesão à corrente que nega à ação a natureza de direito subjetivo, considerando-a um poder jurídico, em Freitas Câmara, "Condições da Ação?", ob. cit., p. 59. Esta é, ainda, a posição de Dinamarco, Execução Civil, vol. I, p. 192. É de se afirmar, ainda, que, já na configuração original da teoria eclética da ação (que, nunca é demais repetir, tem também natureza abstrata, possuindo óbvios pontos de contato com a teoria que aqui defendemos), afirmava-se que a ação era um direito a que não corresponde nenhuma obrigação (Liebman, Manual de Direito Processual Civil, vol I, p. 152). Contra, entendendo ser a ação um direito subjetivo a que corresponde o dever jurídico do Estado de prestar a tutela jurisdicional, Amaral Santos, Primeiras Linhas de Direito Processual Civil, vol I, pp. 160-161.16 Ada Pellegrini Grinover, "Defesa, Contraditório, Igualdade e Par Condido na Ótica do Processo de Estrutura Cooperatória", in Novas Tendências do Direito Processual, p. 5.119

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de impulso inicial da atividade jurisdicional do Estado. É natural que a demanda seja ato exclusivo do autor, por esta razão também chamado demandante.17 De outro lado, porém, após o oferecimento da demanda pelo autor, ambas as partes ocupam, ao longo do processo, posições ativas, razão pela qual nos parece lícito afirmar que tanto o autor como o réu exercem, ao longo do processo, o poder de ação. O assim chamado direito de defesa, portanto, nada mais é do que uma designação para o exercício, pelo demandado, de seu poder de agir.Com essa afirmação, fica mais fácil entender, por exemplo, a afirmação, corrente em doutrina, de que o recurso é uma manifestação do poder de ação.18 Ora, como entender essa afirmação se é certo que o réu pode recorrer? A única explicação razoável consiste em afirmar que também o réu exerce, no processo, o poder de ação.Assim é que podemos conceituar ação como o poder de exercer posições jurídicas ativas no processo jurisdicional, preparando o exercício, pelo Estado, da função jurisdicional.É preciso, por fim, dizer que toda a controvérsia sobre o conceito de ação, anteriormente apresentada, pode ser superada.19 Isto porque se trata, em verdade, de uma falsa controvérsia. As teorias anteriormente apresentadas tratam, na realidade, de conceitos diferentes, sendo perfeitamente compatíveis entre si. Exclua-se, tão-somente, a teoria imanentista da ação (que nega a existência autônoma do poder de ação, considerando-a uma manifestação do direito substancial). Além disso, a teoria do direito potestativo de agir não pode ser aceita, por afirmar ser a ação voltada contra o réu, que a ela se sujeita. As demais teorias, porém, são - como afirmado - compatíveis entre si.A teoria abstrata da ação, segundo a qual todos têm poder de ação, de forma incondicionada, vê na ação o poder de provocar a atua-17 Não se exclui, com isto, a possibilidade de o réu demandar, o que se faz usualmente através da reconvenção, mas esta tem natureza de denranda autônoma, e o réu da demanda original é o autor da demanda reconvencional.18 Por todos, Nelson Nery Júnior, Princípios Fundamentais - Teoria Geral dos Recursos, São Paulo: RT, 2a ed., 1993, p. 59.19 O que vai ser dito a partir de agora, a respeito da superação da controvérsia quanto ao conceito de ação foi por nós desenvolvido com mais vagar em Alexandre Freitas Câmara, "Teorias sobre a Ação: Uma Proposta de Superação", in Doutrina, vol. V, coord. James Tubenchlak, Rio de Janeiro: ID, 1998, p. 300. Há, no trabalho citado, indicação de outros autores que, em estudos dedicados ao tema, chegaram a outras propostas de superação da controvérsia sobre o conceito de ação, algumas similares à que aqui se apresenta, outras diferentes, mas que afirmam, todas, substancialmente, o que aqui se sustenta: a inexistência de controvérsia insuperável entre as teorias a respeito do conceito de ação.120

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Lições de Direito Processual Civilção do Estado-juiz. Tal poder, efetivamente, existe, e não é negado por qualquer das outras teorias. A teoria eclética, por sua vez, define a ação como o poder de obter um provimento de mérito, poder este que só estaria presente se o autor preenchesse as "condições da ação". A ausência de qualquer de tais "condições" deve levar à extinção do processo sem resolução do mérito, o que - ao menos no direito brasileiro -é algo que realmente existe, já que o CPC afirma existir tal causa de extinção anômala do processo (art. 267, VI). Por fim, a teoria concreta da ação vê nesta o direito de obter no processo um resultado favorável, só existindo se o demandante tiver razão no plano do direito substancial. Tal direito existe, é óbvio, e só quem demonstre ter razão, no plano do direito substancial, faz jus a um provimento favorável.Verifica-se aqui, pois, uma verdadeira escalada de posições entre os três distintos fenômenos explicados pelas três teorias que acabam de ser referidas. Em primeiro lugar, o poder de demandar (explicado pela teoria abstrata), também chamado de "ação incondicionada" ou "ação abstrata", que é o poder de provocar a instauração do processo. Tal poder a todos pertence, já que qualquer pessoa pode demandar por qualquer fundamento e em busca de qualquer objeto, pouco importando se tem ou não razão, ou se preenche ou não as "condições da ação". Em um segundo momento, verifica-se a presença do poder de ação, também chamado "ação condicionada" (conceito este explicado pela teoria eclética). Este é o poder de provocar a prolação de um provimento de mérito, obtendo-se a extinção normal do processo. Tal poder só está presente se o demandante preencher as "condições da ação". Pode, assim, perfeitamente acontecer de alguém ter o poder de demandar e não ter o poder de ação, por lhe faltar alguma das "condições da ação". Neste caso, então, o demandante terá "ação incondicionada" mas não terá "ação condicionada", o que acarretará a extinção anômala do processo, sem a emissão de um provimento de mérito. Por fim, o direito à tutela jurisdicional, também chamado de "ação concreta" (conceito explicado pela teoria concreta da ação). Este é o direito de obter um resultado final favorável e se trata de posição jurídica de que só será titular aquele que, no plano do direito substancial, demonstre ter razão. Assim sendo, pode perfeitamente ocorrer um caso em que alguém que tenha "ação abstrata" e "ação condicionada" não tenha a "ação concreta" ou, em outras palavras, pode ocorrer de o demandante ter o poder de demandar e o poder de ação, mas não ter direito à tutela jurisdicional, o que acarretará a improcedência de seu pedido.121

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Alexandre Freitas CâmaraConclui-se, pois, que as teorias referidas (abstrata, eclética e concreta) são compatíveis entre si, não se podendo reconhecer a existência de verdadeira divergência entre seus defensores, já que cada uma delas se dedica ao estudo de uma diferente posição jurídica de vantagem. Tratam elas, respectivamente, do poder de demandar, do poder de ação e do direito à tutela jurisdicional.

§ 3a "Condições da Ação" ou Requisitos do Provimento FinalComo afirmamos no tópico anterior, as tradicionalmente chamadas "condições da ação" são, a nosso juízo, requisitos do provimento final. Não se mostra adequada a utilização da designação "condições", uma vez que não se está aqui diante de um evento futuro e incerto a que se subordina a eficácia de um ato jurídico, sendo por esta razão preferível falar em requisitos. Ademais, não parece que se esteja aqui diante de requisitos da ação, pois esta, a nosso sentir, existe ainda que tais requisitos não se façam presentes. Mesmo quando ausente alguma das condições da ação, o que levará à prolação de sentença meramente terminativa, a qual não contém resolução do mérito, terá havido exercício de função jurisdicional, o que revela ter havido exercício do poder de ação. Assim, e considerando que a presença de tais requisitos se faz necessária para que o juízo possa proferir o provimento final do processo (a sentença de mérito no processo cognitivo, a satisfação do crédito no processo executivo, a sentença cautelar no processo dessa natureza), é que preferimos a denominação requisitos do provimento final.Considerando, porém, que a denominação tradicional, "condições da ação", continua a ser empregada por quase toda a doutrina, utilizaremos aqui, indistintamente, as duas designações, "condições da ação" e requisitos do provimento final, como sinônimas.As "condições da ação", como visto, são requisitos exigidos para que o processo possa levar a um provimento final, de mérito. A ausência de qualquer delas leva à prolação de sentença terminativa, ou seja, de sentença que não contém resolução do mérito da causa, o que acarreta a chamada "extinção anômala do processo".É comum encontrarmos em sede doutrinária a enumeração de três condições da ação, freqüentemente designadas legitimidade das partes, interesse de agir e possibilidade jurídica do pedido. A existência desta última como requisito autônomo, porém, é discutível, sendo certo que o122

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próprio Liebman renegou sua inclusão entre as "condições da ação".20 Ainda que concordemos com essa posição segundo a qual apenas a legitimidade e o interesse de agir são "condições da ação",21 teremos de tratar a "possibilidade jurídica" como requisito autônomo, porque assim o faz nosso ordenamento processual positivo (art. 267, VI, CPC).Assim é que, ao menos em termos de direito positivo, são três os requisitos do provimento final: legitimidade das partes, interesse de agir e possibilidade jurídica do pedido (ou, como se verá mais adiante, possibilidade jurídica da demanda). Presentes os três requisitos, o processo poderá se desenvolver em direção de um provimento final, de mérito. A ausência de qualquer das "condições", no fenômeno tradicionalmente designado por "carência de ação", levará - como já afirmado — à extinção anômala do processo, ou seja, à prolação de sentença terminativa, que extingue o processo sem resolução do mérito.A primeira das "condições da ação" é a legitimidade das partes, também designada legitimatio ad causam. Esta pode ser definida como a "pertinência subjetiva da ação".22 Em outros termos, podemos afirmar que têm legitimidade para a causa os titulares da relação jurídica deduzida, pelo demandante, no processo. Explique-se: ao ajuizar sua demanda, o autor necessariamente afirma, em sua petição inicial, a existência de uma relação jurídica, chamada res in iudicium deducta. Assim, por exemplo, aquele que propõe "ação de divórcio" afirma existir, entre ele e a parte adversa, uma relação matrimonial. Da mesma forma, aquele que propõe "ação de despejo" afirma existir entre ele e o réu uma relação de locação. Ao afirmar em juízo a existência de uma relação jurídica, o autor deverá, obviamente, indicar os sujeitos da mesma. Esses sujeitos da relação jurídica deduzida no processo é que terão legitimidade para estar em juízo. Assim, por exemplo, na "ação de despejo" a legitimidade ativa (para ser autor) é daquele que se diz locador, enquanto a legitimidade passiva (ou seja, para figurar como demandado) é daquele que o autor apontou como sendo o locatário. Da mesma forma, em uma "ação de cobrança", legitimado ativo será aquele que se diz titular de um direito de crédito, e legitimado passivo aquele apontado pelo autor como devedor.20 Dinamarco, nota 106 à tradução brasileira de Liebman, Manual de Direito Processual Civil, vol. I, pp. 160-161.21 E a ela manifestamos nossa adesão alhures. Freitas Câmara, "Condições da Ação?", p. 62.22 Alfredo Buzaid, Do Agravo de Petição no Sistema do Código de Processo Civil, São Paulo: Saraiva, 1956, p. 89.123

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Esta é a regra geral, em nosso direito, segundo a qual será legitimado a atuar em juízo tão-somente o titular do interesse levado a juízo pela demanda, razão pela qual fala-se, nesta hipótese, em legitimidade ordinária. Afirma, por outro lado, o art. 62 do CPC que ninguém poderá pleitear em juízo, em nome próprio, na defesa de interesse alheio, salvo se autorizado por lei.Em outros termos, poderá uma norma jurídica autorizar que alguém vá a juízo, em nome próprio, na defesa de interesse alheio, o que significa afirmar que em algumas situações, expressamente previstas em lei, terá legitimidade de parte alguém que não é apresentado em juízo como titular da relação jurídica deduzida no processo. Fala-se, nessa hipótese, em legitimidade extraordinária.Assim, por exemplo, o sindicato tem legitimidade para atuar em juízo na defesa dos interesses dos seus associados (art. 82, III, da Constituição da República). Outro exemplo de legitimação extraordinária é encontrado nas hipóteses de mandado de segurança coletivo (art. 52, LXX, da Constituição Federal).23A legitimidade extraordinária pode ser exclusiva, concorrente ou subsidiária. É exclusiva quando apenas o legitimado extraordinário pode ir a juízo, mas não o legitimado ordinário. Sempre se usou, como exemplo, a hipótese de defesa em juízo, pelo marido, dos bens dotais da mulher (art. 289, III, do Código Civil de 1916, sem correspondente no Código Civil de 2002). Parece-nos, porém, e com apoio em moderna doutrina sobre o tema, que a proibição que se faça ao titular do interesse de ir a juízo pleitear sua tutela é inconstitucional, o que faz concluir que não se pode admitir a existência de legitimidade extraordinária exclusiva nos casos em que exista um legitimado ordinário, por ferir a garantia constitucional da inafastabilidade do acesso ao judiciário.24 Admite-se, assim, a existência de legitimidade extraordinária exclusiva, em nosso sistema constitucional vigente, apenas nos casos em que inexista um titular do direito subjetivo ou da posição jurídica de vantagem afirmada, como, por exemplo, na ação popular, em que a legitimidade do cidadão é extraordinária, mas não há legitimado ordinário, uma vez que o interesse submetido à tutela jurisdicional é um interesse supra-individual.23 Sobre a legitimidade extraordinária, consulte-se Waldemar Mariz de Oliveira Júnior, Substituição Processual, São Paulo: RT, 1971, passim; Ephraim de Campos Júnior, Substituição Processual, São Paulo: RT, 1985, passim.24 Neste sentido Thereza Alvim, O Direito Processual de Estar em Juízo, São Paulo: RT, 1996, p. 92.124

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Tem-se a legitimidade extraordinária concorrente quando tanto o legitimado ordinário quanto o extraordinário podem ir a juízo isoladamente, sendo certo que poderão eles também demandar em conjunto, formando assim litisconsórcio facultativo. E o que se tem, por exemplo, na "ação de investigação de paternidade", em que o titular do interesse ao reconhecimento da paternidade é legitimado ordinário e o Ministério Público é legitimado extraordinário concorrente.Por fim, tem-se legitimidade extraordinária subsidiária quando o legitimado extraordinário só pode ir a juízo diante da omissão do legitimado ordinário em demandar. Exemplo dessa situação é, no processo penal, a ação penal privada subsidiária da pública, e no processo civil a legitimidade conferida ao acionista para demandar o administrador pelos prejuízos causados à sociedade anônima, quando esta não propuser a ação em três meses a contar da deliberação de assembléia que tenha determinado o ajuizamento da demanda (art. 159, § 32, da Lei na 6.404/76).É de se referir que a classificação da legitimidade extraordinária aqui apresentada não é adotada por toda a doutrina, sendo tradicional a classificação sugerida por José Carlos Barbosa Moreira, que fala em legitimidade extraordinária autônoma e subordinada, podendo a primeira espécie ser subdividida em legitimidade extraordinária autônoma e exclusiva e autônoma e concorrente.25

Não se pode confundir a legitimidade extraordinária com a substituição processual. Esta ocorre quando, em um processo, o legitimado extraordinário atua em nome próprio, na defesa de interesse alheio, sem que o legitimado ordinário atue em conjunto com ele. Assim, por exemplo, se o Ministério Público propõe "ação de investigação de paternidade", atuando em defesa do interesse de um menor, teremos substituição processual. O fenômeno não se caracterizará, porém, se a demanda for ajuizada, em litisconsórcio, pelo MP e pelo menor, legitimado ordinário. Em outros termos, só ocorrerá substituição processual quando alguém estiver em juízo em nome próprio, em lugar do (substituindo) legitimado ordinário.A segunda "condição da ação" é o interesse de agir, também chamado "interesse processual". Este não se confunde com o interesse de direito material, ou interesse primário, que o demandante pretende25 José Carlos Barbosa Moreira, "Apontamentos para um Estudo Sistemático da Legitimação Extraordinária", in Direito Processual Civil (Ensaios e Pareceres), Rio de Janeiro: Borsoi, 1971, pp. 60-61.125

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Alexandre Freitas Câmarafazer valer em juízo. Pode-se definir o interesse de agir como a "utilidade do provimento jurisdicional pretendido pelo demandante".26 Tal "condição da ação" é facilmente compreensível. O Estado não pode exercer suas atividades senão quando esta atuação se mostre absolutamente necessária. Assim, sendo pleiteado em juízo provimento que não traga ao demandante nenhuma utilidade (ou seja, faltando ao demandante interesse de agir), o processo deverá ser encerrado sem que se tenha um provimento de mérito, visto que o Estado estaria exercendo atividade desnecessária ao julgar a procedência (ou improcedência) da demanda ajuizada. Tal atividade inútil estaria sendo realizada em prejuízo daqueles que realmente precisam da atuação estatal, o que lhes causaria dano (que adviria, por exemplo, do acúmulo de processos desnecessários em um juízo ou tribunal). Por esta razão, inexistindo interesse de agir, deverá o processo ser extinto sem resolução do mérito.O interesse de agir é verificado pela presença de dois elementos, que fazem com que esse requisito do provimento final seja verdadeiro binômio: "necessidade da tutela jurisdicional" e "adequação do provimento pleiteado". Fala-se, assim, em "interesse-necessidade" e em "interesse-adequação". A ausência de qualquer dos elementos componentes deste binômio implica ausência do próprio interesse de agir.Assim é que, para que se configure o interesse de agir, é preciso antes de mais nada que a demanda ajuizada seja necessária. Essa necessidade da tutela jurisdicional decorre da proibição da autotutela, sendo certo assim que todo aquele que se considere titular de um direito (ou outra posição jurídica de vantagem) lesado ou ameaçado, e que não possa fazer valer seu interesse por ato próprio, terá de ir a juízo em busca de proteção. Assim, por exemplo, o credor terá de demandar o devedor inadimplente para ver seu crédito satisfeito, da mesma forma que o locador terá de demandar o locatário para ter restituída a posse do bem locado.Há que se considerar, ainda, a existência de interesses que só podem ser tutelados judicialmente, ainda que as partes estejam de acordo, hipótese em que nos deparamos com as chamadas "ações constitutivas necessárias", como a de divórcio e a de anulação de casamento.Não basta, porém, que a ida a juízo seja necessária para que o interesse de agir esteja presente. É mister, ainda, que haja o interesse-26 Definição encontrada, por exemplo, em Dinamarco, Execução Civil, vol. I, p. 226.126

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adequação, ou seja, é preciso que o demandante tenha ido a juízo em busca do provimento adequado para a tutela da posição jurídica de vantagem narrada por ele na petição inicial, valendo-se da via processual adequada. Assim, por exemplo, o locador que pretenda recuperar a posse do imóvel locado terá de postular o despejo do locatário, sendo inadequada a propositura de "ação de reintegração de posse", da mesma forma que o cônjuge que pretenda desfazer seu casamento em razão de ser o outro adúltero deverá pleitear a separação judicial, e não a anulação do casamento.Exemplo bastante eloqüente desse elemento formador do interesse de agir é o que se tem na execução de créditos. Tendo o credor um título executivo, como um cheque ou uma nota promissória, deverá propor "ação de execução", a fim de ver seu crédito satisfeito. Não existindo esse título, porém, a via executiva se mostra inadequada, devendo o credor propor "ação de conhecimento". A propositura de "ação de exe-cução" por quem não tenha título executivo (ou a propositura de "ação de conhecimento" por quem tenha tal título) revela que a atuação do Estado-juiz terá sido provocada em busca de um provimento inade-quado para a tutela da situação fática narrada pelo demandante, o que demonstra cabalmente a total inutilidade do referido provimento, razão pela qual faltará, na hipótese, interesse de agir.Assim sendo, terá interesse de agir aquele que apresentar necessidade da tutela jurisdicional, tendo pleiteado um provimento que se revele adequado para a tutela da posição jurídica de vantagem afirmada na demanda.O terceiro e último dos requisitos do provimento final é a possibilidade jurídica. Como já afirmado, não parece ser esta uma "condição da ação" autônoma, uma vez que aquele que vai a juízo em busca de algo juridicamente impossível não pode esperar nenhuma utilidade do provimento pleiteado, razão pela qual faltaria interesse de agir. É certo, porém, que o direito positivo pátrio trata a possibilidade jurídica como requisito autônomo, razão pela qual o mesmo deverá ser feito aqui.É comum encontrar-se em doutrina esta "condição da ação" designada por possibilidade jurídica do pedido.27 Esta designação, contudo, liga o presente requisito do provimento de mérito a apenas um dos elementos identificadores da demanda, o pedido (petitum), ou objeto. Por esta concepção, faltaria esta "condição da ação" quando o27 Assim, por exemplo, Greco Filho, Direito Processual Civil Brasileiro, vol. I, p. 83; Theodoro Júnior, Curso de Direito Processual Civil, vol. I, p. 56.127

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Alexandre Freitas Câmarademandante formulasse, em juízo, pedido vedado pelo ordenamento jurídico, como se daria, por exemplo, no caso em que se pedisse a prisão civil por dívida (ressalvados os casos do devedor de alimentos e do depositário infiel), ou naquele em que se pleiteasse o reconhecimento do domínio quando estivesse pendente, entre as mesmas partes, "ação possessória" (art. 923 do CPC).Restaria, porém, o problema da causa de pedir (causa petendi), outro elemento objetivo de identificação das demandas. Pense-se, por exemplo, numa demanda em que se pede a condenação do réu ao pagamento de dívida de jogo. O pedido formulado pelo autor, de condenação do réu ao pagamento de certa quantia em dinheiro, é perfeitamente possível em nosso ordenamento. A vedação à cobrança das dívidas oriundas de jogo ou aposta é problema que não diz respeito ao pedido, mas à causa de pedir. Aqueles que vêem a presente "condição da ação" puramente como a possibilidade jurídica do pedido terão de, coerentemente, afirmar que aqui estão presentes todos os requisitos para o julgamento do mérito, e que a decisão nesse caso seria pela improcedência do pedido.28

Outros autores, porém, ampliam o conceito desta "condição da ação", afirmando que a mesma alcança, também, a causa de pedir. Em outros termos, significa dizer que não só o pedido, mas também o seu fundamento devem ser juridicamente possíveis, sob pena de se ter presente o fenômeno da "carência de ação".29 Fala-se, então, e a nosso juízo mais propriamente, em "possibilidade jurídica da demanda".Esse requisito deve ser verificado por um critério negativo, ou seja, deve-se buscar determinar os casos em que o mesmo está ausente. Assim é que se deve considerar juridicamente impossível a demanda quando o pedido ou a causa de pedir sejam vedados pelo ordenamento jurídico, não podendo o Estado-juiz, ainda que os fatos narrados na inicial tenham efetivamente ocorrido, prestar a tutela jurisdicional pretendida. Assim, por exemplo, e além dos casos já enumerados acima de cobrança de dívida de jogo, de reconhecimento do domínio na pendência de "ação possessória" e de prisão civil por dívida fora dos casos legais, podemos referir a hipótese de pedido de revisão judicial do aluguel de imóvel urbano na pendência de prazo28 Assim se pronunciam, por todos, Ada Pellegrini Grinover, As Condições da Ação Penal, São Paulo: Bushatsky, 1977, p. 53.29 Assim, entre outros, Dinamarco, Execução Civil, vol. I, pp. 214-216; Greco Filho, Direito Processual Civil Brasileiro, vol. I, pp. 85-86.128

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fixado amigável ou judicialmente para desocupação do imóvel (art. 68, § ia, daLeina8.245/91).3OA presença das três "condições da ação" é, como já afirmado, essencial para que se possa chegar ao provimento de mérito, e a ausência de qualquer delas terá como conseqüência inafastável a extinção do processo sem resolução do mérito. Há que se investigar, assim, como se verifica a presença de tais "condições" no caso concreto.Divide-se a doutrina, sobre o tema, em duas grandes correntes. Uma primeira, liderada por Liebman31 e que conta com a adesão, entre outros, de Dinamarco32 e de Oreste Nestor de Souza Laspro,33 considera que a presença das "condições da ação" deve ser demonstrada, cabendo, inclusive, produzir provas para convencer o juiz de que as mesmas estão presentes. De outro lado, uma segunda teoria, chamada "teoria da asserção" ou da prospettazione, segundo a qual a verificação da presença das "condições da ação" se dá à luz das afirmações feitas pelo demandante em sua petição inicial, devendo o julgador considerar a relação jurídica deduzida em juízo in statu assertionis, isto é, à vista do que se afirmou. Deve o juiz raciocinar admitindo, provisoriamente, e por hipótese, que todas as afirmações do autor são verdadeiras, para que se possa verificar se estão presentes as condições da ação. Defendem esta teoria, entre outros, Barbosa Moreira34 e Watanabe.35 Na mais moderna30 Há autores, como Dinamarco e Greco Filho (obras e páginas citados na nota anterior), que consideram como hipótese de impossibilidade jurídica da demanda aquela em que a vedação diga respeito ao elemento subjetivo da demanda, ou seja, a alguma das partes. Citam como exemplo a vedação de execução por penhora em face da Fazenda Pública. Não nos parece, data venia, correto o entendimento esposado por aqueles notáveis processualistas. A demanda de execução por penhora em face da Fazenda Pública não é juridicamente impossível mas, tão-somente, inadequada para tutelar o interesse afirmado pelo demandante, o que faz com que se conclua pela ausência, in casu, de interesse de agir (por falta de interesse-adequação). Isto porque o pedido de execução por quantia certa através de penhora - ou seja, o pedido - não é vedado, nem o é a causa de pedir, qual seja, o crédito inadimplido pela Fazenda Pública. Não há, tampouco, vedação a que se demande a Fazenda Pública. A solução do problema reside, pois, na adequação do meio escolhido, ou seja, no campo do interesse de agir.31 Liebman, Manual de Direito Processual Civil, vol. I, p. 154.32 Dinamarco, A Instrumentalidade do Processo, pp. 255-256.33 Oreste Nestor de Souza Laspro, "A Ação e suas Condições no Processo Civil de Cognição", in Processo Civil - Evolução e Vinte anos de Vigência, coord. José Rogério Cruz e Tucci, São Paulo: Saraiva, 1995, p. 206.34 Barbosa Moreira, "Legitimação para Agir. Indeferimento de Petição Inicial", ob. cit., p. 200.35 Kazuo Watanabe, Da Cognição no Processo Civil, São Paulo: RT, 1987, p. 58.129

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Alexandre Freitas Câmaradoutrina estrangeira, encontra-se adesão a esta teoria em Elio Faz-zaiari.36As duas teorias podem levar a conclusões antagônicas em um caso concreto. Basta pensar, por exemplo, numa demanda em que o autor afirma ser credor do réu, sendo a obrigação originária de contrato de mútuo, e pedindo sua condenação ao pagamento da dívida. Restando provado, no curso do processo, que a obrigação era originária de uma aposta, a teoria da asserção levará ao julgamento da improce-dência do pedido, uma vez que as condições estariam todas presentes (já que, na petição inicial, afirmou-se que a obrigação se originara em um contrato de mútuo, sendo assim possível juridicamente a demanda); de outro lado, para a teoria que exige a demonstração da existência das "condições da ação", o caso seria de "carência de ação", e conseqüente extinção do processo sem resolução do mérito, por ser a demanda juridicamente impossível.Parece-nos que a razão está com a teoria da asserção. As "condições da ação" são requisitos exigidos para que o processo vá em direção ao seu fim normal, qual seja, a produção de um provimento de mérito. Sua presença, assim, deverá ser verificada em abstrato, considerando-se, por hipótese, que as assertivas do demandante em sua inicial são verdadeiras, sob pena de ser ter uma indisfarçável adesão às teorias concretas da ação. Exigir a demonstração das "condições da ação" significaria, em termos práticos, afirmar que só tem ação quem tenha o direito material. Pense-se, por exemplo, na demanda proposta por quem se diz credor do réu. Em se provando, no curso do processo, que o demandante não é titular do crédito, a teoria da asserção não terá dúvidas em afirmar que a hipótese é de improcedência do pedido. Como se comportará a outra teoria? Provando-se que o autor não é credor do réu, deverá o juiz julgar seu pedido improcedente ou considerá-lo "carecedor de ação"? A se afirmar que o caso seria de improcedência do pedido, estariam os defensores dessa teoria admitindo o julgamento da pretensão de quem não demonstrou sua legitimidade; em caso contrário, se chegaria à conclusão de que só preenche as "condições da ação" quem fizer jus a um provimento jurisdicional favorável.36 Fazzalari, II Processo Ordinário di Cognizione, vol. I, p. 79, onde se lê: "Nella versione piü moderna si ritengono legittimati ai processo civüe colui che aííerma, in limine htis, un próprio diritto soggettivo leso e colui che viene indicato come titolare dei dovere posto a servizio di tale diritto, e come autore delia lesione".130

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Parece-nos, assim, que apenas a teoria da asserção se revela adequada quando se defende uma concepção abstrata do poder de ação, como fazemos. As "condições da ação", portanto, deverão ser verificadas pelo juiz in statu assertionis, à luz das alegações feitas pelo autor na inicial, as quais deverão ser tidas como verdadeiras a fim de se perquirir a presença ou ausência dos requisitos do provimento final.

§ 4° Classificação da AçãoA doutrina já se utilizou de diversos critérios para classificar a ação (ou, como dizem alguns, as ações). Assim é que, nos primórdios do Direito Processual, falava-se em "ações prejudiciais, pessoais, reais e mistas",37 ou ainda em "ações reipersecutórias, penais e mistas".38 A doutrina moderna, porém, só costuma admitir como cientificamente adequada a classificação que leva em conta a espécie de tutela jurisdi-cional pleiteada pelo demandante, razão pela qual fala-se em "ações de conhecimento (ou cognitivas), de execução e cautelares".39

A doutrina costuma definir a "ação de conhecimento" como aquela em que se pretende obter "pronunciamento de uma sentença que declare entre os contendores quem tem razão e quem não tem, o que se realiza mediante determinação da regra jurídica concreta que disciplina o caso que formou o objeto do processo".40 É freqüente se encontrar uma subclassificação dessa espécie, dividindo-se a "ação de conhecimento" em meramente declaratória, constitutiva e condena-tória, de acordo com o tipo de sentença pretendida pelo demandante. Esta é, porém, uma classificação das sentenças de mérito, e não propriamente uma classificação das ações, razão pela qual trataremos do tema no estudo da sentença.A "ação de execução", por sua vez, costuma ser definida como aquela em que se pretende do Estado que este "realize os atos através37 Paula Baptista, Teoria e Prática do Processo Civil e Comercial, p. 21.38 Paula Baptista, Teoria e Prática do Processo Civil e Comercial, p. 31.39 Esta é a classificação mais aceita por toda a doutrina brasileira e estrangeira. Adotam-na, entre outros, Chiovenda, Instituições de Direito Processual Civil, vol. I, p. 34; Liebman, Manual de Direito Processual Civil, vol. I, p. 162; Costa, Manuale di Diritto Processuale Civile, p. 15; Mandrioli, Corso di Diritto Processuale Civile, vol. I, p. 61. No Brasil, defendem esta classificação, entre outros, Theodoro Júnior, Curso de Direito Processual Civil, vol. I, p. 63; Frederico Marques, Manual de Direito Processual Civil, vol. I, p. 181; Greco Filho, Direito Processual Civil Brasileiro, vol. I, p. 93.40 Theodoro Júnior, Curso de Direito Processual Civil, vol. I, p. 63.131

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dos quais se exterioriza a atuação da sanção; sob o impulso da ação executiva, o órgão jurisdicional põe suas mãos no patrimônio do devedor e satisfaz o direito do credor com os bens que ali se encontram".41

Por fim, encontra-se na melhor doutrina a afirmação de que a "ação cautelar" visa obter "providências urgentes e provisórias, tendentes a assegurar os efeitos de uma providência principal,■em perigo por eventual demora".42

Não se pode deixar de afirmar que a ação é, em termos puramente científicos, insuscetível de classificações.43 Sendo a ação o poder de provocar o exercício da jurisdição, e sendo esta una, também una será aquela. A classificação da ação é, portanto, despida de qualquer fundamento teórico (ao contrário da classificação das espécies de tutela jurisdicional, ou das espécies de sentença, estas sim extremamente relevantes para a ciência processual). Tal classificação, portanto, deve ser mantida por razões de ordem didática, uma vez que liga o exercício in concreto do poder de ação ao tipo de tutela jurisdicional pretendida ou à pretensão que se quer fazer valer em juízo. A falta de adequação científica da classificação, porém, nos leva a colocar entre aspas as diversas "espécies" de ação aqui consideradas, como a "ação de execução", a "ação de despejo", a "ação reivindicatória" e tantas outras.41 Liebman, Manual de Direito Processual Civil, vol. I, p. 209.42 Amaral Santos, Primeiras Linhas de Direito Processual Civil, vol. I, p. 183.43 Neste sentido, Bermudes, Introdução ao Processo Civil, pp. 50-51, onde se lê que "na verdade, como direito à jurisdição, a ação não se classifica. Perfunctoriamente examinadas, descobre-se que as classificações se referem ou aos efeitos da ação, ou à sentença buscada pelo autor, ou ao pedido, ou mesmo à possibilidade de ela ser proposta isoladamente, ou a ficar na dependência de outra".132

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Capítulo VIII Processo§ Ia Teorias sobre o ProcessoTerceiro dos institutos fundamentais do Direito Processual, e responsável por dar nome a este ramo da ciência jurídica, o processo -assim como ocorre com a ação - é um instituto a cujo respeito diversas teorias foram criadas. Assim é que, até os dias de hoje, não há consenso entre os doutrinadores acerca do conceito ou da natureza jurídica do processo.Seria absolutamente impossível apresentar aqui todas as teorias existentes sobre o processo, razão pela qual nos limitaremos a expor as mais relevantes.Inicialmente, o processo era visto como um procedimento, ou seja, como uma seqüência ordenada de atos. Não se trata, aqui, de verdadeira teoria sobre o processo, mas de um modo de encará-lo, vez que esta foi a opinião predominante durante a fase imanentista (ou civilista) do desenvolvimento histórico do Direito Processual, quando este não tinha ainda autonomia científica. O estudo do processo, durante muito tempo, foi o estudo de suas formas e dos atos que o compõem. Foi a época dos praxistas, juristas que em suas obras não tiveram grandes preocupações teóricas, tendo se dedicado ao estudo do que hoje denominaríamos "prática forense". O maior de nossos praxistas, considerado até hoje o ancestral da ciência processual brasileira, foi Francisco de Paula Baptista, que em sua obra clássica assim descreveu o processo: "Modo de obrar em juízo, ou antes, de fazer marchar a ação segundo as formas prescritas pelas leis".1 O Brasil teve, ainda, outros praxistas de destaque,2 mas nenhum que superasse Paula Baptista, jurista que esteve à frente de seu tempo, tendo1 Paula Baptista, Teoria e Prática do Processo Civil e Comercial, p. 57.2 Não se pode deixar de referir o Barão Joaquim Ignácio Ramalho, com sua Praxe Brasileira, São Paulo: Typographia do Ypiranga, 1869, e o Marquês de São Vicente, José Antônio Pimenta Bueno, e seus Apontamentos sobre as Formalidades do Processo Civil, Rio de Janeiro: J. Villeneuve, 1850.133

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Alexandre Freitas Câmaraantevisto teorias que só seriam descobertas na Europa muitos anos mais tarde.A fase do procedimentalismo (ou praxismo) foi superada, na Europa, com o aparecimento da teoria contratualista, segundo a qual o processo é um contrato. Baseada em um texto de Ulpiano, e defendida entre outros por Pothier, esta teoria explicava o processo através da litiscontestatio, instituto do Direito Romano. Como se sabe, no período formular do processo civil romano, o processo era dividido em duas fases, in iure e apud iudicem. A primeira dessas fases desenrolava-se perante o magistrado, iniciando-se com a indicação da actio pelo autor (edictio actionis), e encerrava-se, após a nomeação do iudex (perante quem se desenrolava a segunda fase do processo, apud iudicem) e da redação da fórmula, sendo a litis contestatio o ato final desta primeira fase processual. Consistia a litis contestatio em um comportamento processual das partes, dirigido a um objetivo comum, qual seja, o "compromisso de participarem do juízo apud iudicem e acatarem o respectivo julgamento".3 É clássica a definição dada por Cremieu, e aceita expressamente por Humberto Cuenca, segundo a qual a litis contestatio é "o contrato pelo qual as partes aceitam de comum acordo a fórmula que tenha sido deferida pelo magistrado".4

E certo que em Roma, no período formular, a formação do processo perante o iudex, ou seja, a instauração da segunda fase do processo (denominada, como visto, apud iudicem), dependia de um acordo de vontades entre as partes, o qual tinha - ao menos aparentemente - natureza contratual. A litis contestatio, porém, não é capaz de explicar o processo moderno, bastando para confirmar tal assertiva lembrar que o demandado é trazido ao processo, através da citação, e dele se torna parte ainda que contra sua vontade, o que nos permite afirmar que o réu é sujeito do processo e sujeito ao processo.Essa teoria foi substituída pela teoria quase-contratualista do processo, que - como indica sua denominação - via no processo um quase-contrato. Criada por um jurista francês do século XIX, Arnault de Guényvau, baseava-se na idéia de que o processo deveria ser enquadrado, a todo custo, entre as categorias de direito privado. Não sendo o processo um contrato nem um delito, restava o conceito de quase-contrato como único capaz de explicar a natureza do institutoJosé Rogério Cruz e Tucci e Luiz Carlos de Azevedo, Lições de História do Processo CivilRomano, São Paulo: RT, 1996, pp. 98-99.Humberto Cuenca, Proceso Civil Romano, Buenos Aires: E JEA, 1957, p. 75.134

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Lições de Direito Processual Civilque ora se estuda. Essa teoria, obviamente, não teve grande aceitação e, assim como a anterior, tem hoje apenas valor histórico.Não se pode deixar de mencionar, porém, que as teorias do processo como contrato e como quase-contrato são extremamente relevantes para que se reconheça a existência de uma fase do desenvolvimento histórico do Direito Processual em que este era encarado como instituto de direito privado, idéia que só seria abandonada quando este ramo do Direito adquiriu autonomia científica, em meados do século XIX, através da obra de Oskar von Bülow, responsável por desenvolver a teoria até hoje dominante acerca da natureza do processo, a teoria da relação processual, que será analisada a seguir.Como é notório, em 1868 o jurista alemão Oskar von Bülow lançou seu famoso livro intitulado Die Lehre von den Processeinreden und die Processvoraussetzungen, que poderia ser livremente traduzido por Teoria das Exceções Processuais e dos Pressupostos Processuais (este, aliás, o título da tradução do referido livro feita por Miguel Angel Rosas Lichtschein, e publicada na Argentina em 1964). Nesta obra, considerada pela unanimidade dos estudiosos como a "certidão de nascimento" da ciência processual, esse notável jurista tedesco desenvolveu a idéia, já encontrada em forma embrionária em escritos anteriores, de que o processo é uma relação jurídica. Trata-se da teoria da relação processual, que até hoje é a mais aceita pela doutrina.5 Essa teoria é o desenvolvimento da idéia, já encontrada entre os juristas medievais, de que iudicium est actus trium personarum, iudicis, actoris et rei.Para a teoria do processo como relação jurídica, este é uma relação intersubjetiva, ou seja, uma relação entre pessoas, dinâmica, de direito público, e que tem seus próprios sujeitos e requisitos (a estes requisitos deu Bülow o nome de pressupostos processuais). Tal relação jurídica teria como conteúdo uma outra, de direito material (a res in iudicium deducta, já referida), e teria por fim permitir a apreciação desta pelo Estado-juiz.Esta teoria conta, entre seus adeptos, com Giuseppe Chiovenda, Príncipii di Diritto Processuale Civíle, Nápoles: Jovene, 3«i ed., 1923, p. 89, e, entre os autores brasileiros, a ela aderem, entre outros, Amaral Santos, Primeiras Linhas de Direito Processual Civil, vol. I, p. 278, e Hélio Tornaghi, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. II, São Paulo: RT, 2a ed., 1978, p. 286. Deste último, aliás, é a mais importante obra já escrita em nosso país acerca da relação processual, sendo de consulta obrigatória por todos aqueles que desejam se aprofundar no estudo do Direito Processual. Confira-se, pois, Tornaghi, A Relação Processual Penal, passim.135

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Divergem os defensores da teoria da relação processual acerca de sua configuração gráfica, entendendo alguns tratar-se de uma relação triangular (isto é, uma relação em que há vínculo direto entre Estado e autor, Estado e réu, autor e réu).6 Outros autores há que afirmam ser a relação processual um vínculo jurídico angular (entendendo estes haver relação direta entre Estado e autor e entre Estado e réu, e negando a existência de vínculo direto entre autor e réu).7

Embora esta segunda posição nos pareça a mais correta, não se pode deixar de concordar com Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco quando estes enunciam: "Não há acordo na doutrina quanto à configuração gráfica da relação jurídica processual. Em sua formulação originária, a teoria desta a apresentava como uma figura triangular, afirmando que há posições jurídicas processuais que interligam autor e Estado, Estado e réu, réu e autor. Outros houve que lhe deram configuração angular, dizendo que há posições jurídicas processuais ligando autor e Estado e, de outra parte, Estado e réu; esses autores negam que haja contato direto entre autor e réu. Na doutrina brasileira predomina a idéia da figura triangular, sendo argumentos dos autores que a sustentam:a) as partes têm o dever de lealdade recíproca;b) a parte vencida tem a obrigação de reembolsar à vencedora as custas despendidas;c) podem as partes convencionar entre si a suspensão do processo (CPC, art. 265, II).Todos esses argumentos recebem impugnação dos seguidores da teoria angularista, mas a verdade é que não há grande interesse, nem prático nem teórico, na solução da disputa. O importante, e isso é pacífico, é que a relação processual tem uma configuração tríplice (Estado, autor e réu)".8

É inegável o acerto da lição dos três eméritos juristas de São Paulo. As teorias angularista e triangular da relação processual levam aos

IIDefendem a concepção triangular, entre outros, Amaral Santos, Primeiras Linhas deDireito Processual Civil, vol. I, p. 322, e Frederico Marques, Manual de Direito ProcessualCivil, vol. I, p. 130.Pelos defensores da concepção angular consulte-se, por todos, Tornaghi, A RelaçãoProcessual Penal, p. 47.Araújo Cintra et alii, Teoria Geral do Processo, pp. 289-290.136

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mesmos resultados teóricos e práticos, sendo a divergência muito mais acadêmica do que real. Por esta razão, resta-nos afirmar, sempre com apoio naqueles notáveis juristas das Arcadas, que só não se pode ad-mitir a concepção linear da relação processual, que estabelece vínculos apenas entre autor e réu, deixando de fora da relação o Estado.9

Embora dominante, a teoria da relação processual não é (nem nunca foi) de aceitação pacífica, havendo uma série de outras concepções acerca do processo, extremamente relevantes, e que passamos a analisar.Assim é que, antes de qualquer outra, há que se fazer referência à teoria da situação jurídica, criada pelo jurista alemão James Goldschmidt.10 Este notável processualista tedesco, cujas idéias chegam aos países latinos com bastante facilidade, uma vez que escreveu várias de suas obras em espanhol, foi o responsável pelas principais críticas formuladas à teoria dominante. Tais críticas, porém, foram quase todas absorvidas pelos defensores da teoria da relação processual, o que teve como conseqüência inexorável o esvaziamento da teoria que ora se comenta.Afirmava Goldschmidt que o conceito de relação jurídica processual não teria nenhuma transcendência.11

Afirmava aquele autor ser "claro que o processo não há de ser considerado como uma série de atos isolados. Mas um complexo de atos encaminhados a um mesmo fim, ainda quando haja vários sujeitos, não chega a ser, por isto, uma relação jurídica, a não ser que este termo adquira uma acepção totalmente nova. Um rebanho não constitui uma relação porque seja um complexo jurídico de coisas semoventes. Por outra parte, é evidente que a peculiaridade jurídica do fim do processo determina a natureza do efeito de cada ato processual. Mas nem um nem outro constituem uma relação jurídica, e o objeto comum a que se referem todos os atos processuais, desde a demanda até a sentença, e que em realidade constitui a unidade do processo, é seu objeto, via de regra, o direito subjetivo material que o autor faz valer". 12Segundo Goldschmidt, o processo seria composto por uma série de situações jurídicas ativas, capazes de gerar para seus sujeitos deveres,9 Araújo Cintra et alü. Teoria Geral do Processo, pp. 289-290.10 James Goldschmidt, Teoria General dei Proceso, Barcelona: Labor, 1936, passim.11 James Goldschmidt, Teoria General dei Proceso, p. 19.12 James Goldschmidt, Teoria General dei Proceso, p. 23. É nossa a tradução livre do texto em espanhol.137

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poderes, faculdades, ônus e sujeições. Criaria, ainda, o processo, uma situação de expectativa quanto à prolação de um provimento favorável.A teoria dominante aceitou a afirmação de que o processo seria gerador de deveres, poderes, faculdades, ônus e sujeições, afirmando que isto não é incompossível com a afirmação de que o processo seria uma relação jurídica. Ademais, ficou claro que a expectativa quanto ao resultado final do processo diz respeito ao mérito (à res in iudicium deducta), ao direito substancial, e não ao processo propriamente dito. A teoria do processo como situação jurídica, embora tenha hoje apenas valor histórico, foi extremamente relevante para que a teoria dominante chegasse ao estágio de desenvolvimento alcançado.Outra teoria acerca do processo foi a que via neste uma instituição. Teoria criada na Espanha por Jaime Guasp,13 teve grande prestígio principalmente pelo fato de ter contado, durante algum tempo, com a adesão do notável processualista uruguaio Eduardo Juan Couture.14 Para esta teoria, o processo deveria ser visto como uma instituição jurídica, assim compreendida não somente o resultado de uma combinação de atos tendentes a um fim, como também um complexo de atividades relacionadas entre si pelo vínculo de uma idéia comum objetiva, à qual surgem ligadas, seja ou não aquela a sua finalidade específica, as diversas vontades individuais dos sujeitos, dos quais procede a referida atividade. A instituição jurídica se compõe de dois elementos fundamentais: a idéia objetiva, situada fora da vontade dos sujeitos, e acima dela; e o conjunto das vontades, que se vinculam àquela idéia, a fim de lograrem a sua realização.15 Esta teoria seria adequada, segundo seus defensores, para explicar o fenômeno processual, podendo se definir o processo como "uma instituição submetida ao regime da lei, a qual regula a condição das pessoas, a situação das coisas, e o ordenamento dos atos que tendem à obtenção dos fins da jurisdição".16

13 Esta teoria foi defendida pelo autor, por exemplo, em Guasp Delgado, La Pretensión Procesal, p. 45.14 Eduardo Couture, Fundamentos do Direito Processual Civil, trad. bras. de Rubens Gomes de Souza, São Paulo: Saraiva, 1946, p. 101. Este notável processualista platino abandonaria mais tarde essa concepção, aderindo à tese dominante, como se pode ver em Jacy de Assis, Couture e a Teoria Institucional do Processo, Uberlândia: Edições da Faculdade de Direito de Uberlândia, 1961, passim.15 Couture, Fundamentos do Direito Processual Civil, p. 101.16 Couture, Fundamentos do Direito Processual Civil, p. 103.138

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Lições de Direito Processual CivilTendo deixado de contar, a partir de certo momento, com a importante adesão de Couture, à teoria institucional do processo acabou restando uma posição de relevo histórico, apenas, já que não se encontra mais, na melhor doutrina, quem a defenda.Outra importante teoria acerca do processo o considera uma categoria jurídica autônoma. Trata-se de teoria que afirma ser inadequada qualquer tentativa de enquadrar o processo entre as categorias jurídicas conhecidas, como o contrato, a relação jurídica ou a instituição. Segundo seus defensores, toda a controvérsia acerca da natureza do processo decorre de um desvio de perspectiva, um equívoco metodológico, consistente em se tentar identificar o processo às categorias jurídicas conhecidas da doutrina. Assim é que, para os defensores dessa teoria, o processo é uma categoria jurídica autônoma, ou seja, o processo não se enquadra em nenhuma outra categoria jurídica reconhecida pelos doutrinadores. O processo formaria uma categoria per se, isto é, seria um instituto jurídico diverso de todos os demais componentes da ciência jurídica.17 Segundo esta teoria, o processo não é uma relação jurídica, embora contenha uma, sendo aquele a fonte desta.18 Sustentam seus defensores que cabe ao pro-cessualista "um posicionamento corajoso, qual seja, admitir que o processo já foi desvendado suficientemente em sua estrutura peculiar, tendo ontologia própria, hábil a concebê-lo como categoria autônoma dentro do quadro da teoria geral do direito".19

Seria possível resumir esta teoria em uma única proposição, segundo a qual o processo é, simplesmente, o processo.20 Por esta teoria, aliás, toda a controvérsia acerca da natureza jurídica do processo estaria diluída, visto que não se poderia reduzir o processo a espécie de um gênero mais amplo.21

Outra teoria que tenta explicar o processo tem como principal corifeu o jurista italiano Elio Fazzalari. Para este notável processualista peninsular, o processo é um procedimento em contraditório.22 Ensina17 Juan Montero Aroca, "En Torno ai Concepto y Contenido dei Derecho Jurisdiccional", in Estúdios de Derecho Procesal, Barcelona: Bosch, 1981, p. 36.18 Silva Jardim, Direito Processual Penal, p. 50.19 Silva Jardim, Direito Processual Penal, p. 49.20 Juan Montero Aroca, Introducción ai Derecho Procesal, apud Silva Jardim, Direito Processual Penai, p. 49.21 Montero Aroca, "En Torno ai Concepto y Contenido dei Derecho Jurisdiccional", ob. cit., p. 35.22 Fazzalari, II Processo Ordinário di Cognízione, vol. I, p. 53.139

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Fazzalari que procedimento é uma seqüência de normas, destinadas a regular uma conduta, qualificando-a como lícita ou devida, e que enunciam, como pressuposto de sua própria incidência, o cumprimento de um ato prévio, regulado por outra norma da mesma série, e assim sucessivamente até a norma regulamentadora de um "ato final", em relação ao qual todos os atos precedentes podem dizer-se "prepa-ratórios".23 Quando este procedimento é regulado de modo a admitir a participação de todos aqueles cuja esfera jurídica será atingida pelos efeitos do ato final, e se tal participação se dá em simétrica paridade, então esse procedimento compreende o "contraditório", fazendo-se mais articulado e complexo. Nesta hipótese, do gênero "procedimento" pode-se individualizar a espécie "processo".24 A presente teoria tem recebido adesão de alguns setores da doutrina brasileira mais moderna, sendo possível citar o ilustre professor mineiro Aroldo Plínio Gonçalves,25 que afirma ser a participação dos interessados no processo em contraditório por serem opostos os seus interesses em relação ao ato final.Não se pode encerrar esta exposição das mais relevantes teorias sobre a natureza do processo sem referir a que vê neste instituto fundamental do Direito Processual uma entidade complexa. Segundo seus defensores, e entre eles destaca-se o notável processualista de São Paulo, Cândido Rangel Dinamarco, a teoria de Fazzalari falharia ao negar qualquer valor ao conceito de relação jurídica processual. Segundo a presente acepção, o processo seria uma entidade complexa, formada por diversos elementos, e que poderia ser definido como "o procedimento animado pela relação jurídica processual".26

Afirmam os defensores da teoria que ora se comenta que o processo seria formado por vários elementos e que, sozinho, nenhum deles seria capaz de explicar suficientemente o que é esse instituto fundamental do direito processual. Assim é que o processo teria um aspecto extrínseco, exterior, que seria o procedimento realizado em contraditório. Haveria, porém, um segundo aspecto, este intrínseco ou interno, e que seria a relação jurídica processual, ou seja, a relação

V23 Fazzalari, II Processo Ordinário di Cognizione, vol. I, p. 51.24 Fazzalari, II Processo Ordinário di Cognizione, vol. I, p. 53.25 Plínio Gonçalves, Técnica Processual e Teoria do Processo, p. 68.26 As palavras entre aspas são de Dinamarco, Execução Civil, vol. I, p. 97. No mesmo sentido, defendendo a teoria do processo como entidade complexa, Dinamarco, A Instrumentalidade do Processo, p. 179; Araújo Cintra et alii, Teoria Geral do Processo, p. 288; Scarance Fernandes, Incidente Processual, pp. 79-80.140

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Lições de Direito Processual Civilestabelecida entre os sujeitos do processo, e responsável pela existência, entre eles, de vínculos capazes de gerar deveres, faculdades, poderes, ônus e sujeições. Como muito bem afirmado por Dinamarco, "cada ato processual, isto é, cada anel da cadeia que é o procedimento, realiza-se no exercício de um poder ou faculdade, ou para o desencargo de um ônus, o que significa que é a relação jurídica que dá razão de ser ao procedimento; por sua vez, cada poder, faculdade, ônus, dever, só tem sentido enquanto tende a favorecer a produção de atos que possibilitarão a consecução do objetivo final".27

A teoria do processo como entidade complexa, que tem tido boa aceitação por parte da mais recente e autorizada doutrina brasileira, não foi, porém, capaz de suplantar a teoria do processo como relação jurídica, que permanece dominante entre os processualistas daqui e do exterior.

§ 2s Conceito e Natureza JurídicaApós a exposição das mais relevantes teorias acerca do processo, não poderíamos deixar de apresentar nossa opinião sobre o tema. A nosso sentir, várias daquelas teorias que expusemos podem ser tidas como adequadas a uma razoável explicação do fenômeno processual, uma vez que as mesmas são capazes de expressar aspectos diversos do processo.E preciso, assim, determinar o que se busca estabelecer neste ponto da pesquisa. O que se quer, aqui, é a fixação da natureza jurídica e do conceito de processo. Este é um ponto que merece atenção. Natureza jurídica e conceito são idéias que não se confundem, e muitas das dissidências sobre o processo teriam sido superadas se houvesse clara noção do que acaba de ser afirmado. Há, entre as teorias anteriormente expostas, algumas que tentam explicar a natureza jurídica do processo, mas outras há que apenas o conceituam. Assim, por exemplo, ao se afirmar que o processo é uma relação jurídica, temos uma teoria quanto à natureza jurídica do processo, o que não ocorre com a que vê nesse instituto um procedimento em contraditório, o que se revela como um conceito de processo.Em primeiro lugar, portanto, há que se estabelecer a natureza jurídica do processo. Entenda-se, antes de mais nada, o que queremos27 Dinamarco, Execução Civil, vol. I, p. 99.141

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Alexandre Freitas Câmaradizer com "natureza jurídica". O Direito é uma ciência formada por uma série de institutos, os quais podem ser agrupados em categorias jurídicas mais amplas, em uma relação de espécie e gênero. Assim, por exemplo, os institutos da fiança, da compra e venda e da locação podem ser agrupados na categoria dos contratos. Da mesma forma, penhor, usufruto e anticrese são institutos que podem ser incluídos na categoria dos direitos reais. O mesmo se dá em relação à apelação, ao agravo e aos embargos infringentes, institutos que se agrupam na categoria dos recursos. Verifica-se, assim, muito facilmente, que os diversos institutos jurídicos podem ser agrupados em categorias jurídicas, sendo estas o gênero, e aqueles as espécies. Quando se perquire a natureza jurídica de um instituto, o que se pretende é fixar em que categoria jurídica o mesmo se integra, ou seja, de que gênero aquele instituto é espécie.Quanto à natureza jurídica do processo, assim, parece-nos irrespondível o que é afirmado pela teoria do processo como categoria jurídica autônoma. O processo não pode ser incluído em nenhuma das categorias jurídicas conhecidas da doutrina, não sendo espécie de nenhuma delas. Isto se dá pela simples razão de o processo não guardar elementos em comum com nenhum outro instituto jurídico, o que não permite seja o processo reunido a outros institutos em categorias mais amplas. O processo é, ele sim, uma categoria jurídica per se, ou seja, uma categoria jurídica autônoma. O processo não é espécie de nenhum gênero. E, ele sim, o gênero que comporta espécies (bastando aqui fazer referência aos processos de conhecimento, de execução e cautelar, espécies da categoria jurídica processo).28

Problema diverso do anterior é o da fixação do conceito de processo. Conceito, como se sabe, significa "ação de formular uma idéia por meio de palavras; definição, caracterização".29 Assim, o que se busca agora é definir, expor em palavras o que é o processo. Não mais se pretende incluir o instituto entre as categorias jurídicas, mas sim explicitar o significado do instituto. A diferença entre natureza jurídica e conceito é facilmente perceptível. Basta afirmar, por exemplo, que a locação tem natureza jurídica de contrato, e se conceitua como o contrato através do qual uma pessoa (locador) cede a outra (locatário) o uso e fruição de um bem, mediante remuneração (aluguel).28 Já havíamos aderido a esta teoria anteriormente, como se vê em Freitas Câmara, O Objeto da Cognição no Processo Civil, p. 212.29 Significado encontrado no Dicionário Aurélio Eletrônico.142

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Lições de Direito Processual CivilBusca-se, agora, o conceito de processo. E este pode ser definido, a nosso juízo, como o procedimento, realizado em contraditório, animado pela relação jurídica processual. Esta definição precisa ser expli-citada, contudo, para que possamos tornar clara a nossa concepção acerca de tão relevante instituto do Direito Processual.Em primeiro lugar, há que se estabelecer que o conceito de processo, lato sensu, não é exclusivo do Direito Processual. Há processos em outras áreas da atividade estatal diversa da jurisdição, como os pro-cessos administrativos e o processo legislativo. Há, além disso, processos não-estatais, como a arbitragem.30 Neste conceito amplo, processo é todo procedimento realizado em contraditório. Tal é o "módulo processual" a que se refere Fazzalari, e todos os adeptos desta tendência de revalorização do conceito de procedimento.31 Assim é que se pode admitir a existência de um processo administrativo, de um processo legislativo, e até mesmo de processos paraestatais, ao lado do processo jurisdicional, já que todos eles são procedimentos realizados em contraditório. Podemos, assim, afirmar que todos esses institutos se enquadram na categoria jurídica ampla que é o processo.O processo jurisdicional, todavia, guarda peculiaridades em relação aos demais tipos de processo. A principal delas reside exatamente no fato de existir neste processo, como seu aspecto intrínseco, uma relação jurídica de direito público, estabelecida entre as partes e o Estado-juiz, em que este exerce poder, em posição de eqüidistância em relação às partes. Não se confunde, pois, o processo jurisdicional (que constitui o objeto central de nossas atenções por ora) com os demais processos.Não se pode confundir o processo jurisdicional com os processos não-estatais, pela simples razão de que nestes não se encontra o Estado no exercício de seu poder soberano. Nem se pode confundir o processo jurisdicional com os demais processos estatais, por faltar nestes o requisito da imparcialidade e eqüidistância que está presente naquele. Assim, por exemplo, no processo administrativo o Estado é um dos sujeitos interessados e, ao mesmo tempo, o prolator do provimento que se apresenta como "ato final" do processo.30 Sobre a existência de processos fora do campo restrito do Direito Processual Jurisdicional, consulte-se Dinamarco, A Instrumentalidade do Processo, p. 186; Alexandre Freitas Câmara, Arbitragem, Rio de Janeiro: Lumen Júris, 1997, p. 10.31 Freitas Câmara, Arbitragem, p. 11.143

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Feitas essas considerações, torna-se lícito afirmar, com Dinamar-co, que o processo (jurisdicional, entenda-se) é o procedimento em contraditório animado pela relação jurídica processual.

§ 3^ Processo e ProcedimentoTema que despertou a atenção da doutrina durante muito tempo foi o da distinção entre processo e procedimento. A necessidade de diferenciar esses dois conceitos se deve à superação da fase praxista da evolução do Direito Processual, em que o processo era visto como "mero" procedimento. Assim é que todos aqueles que elaboraram obras sistemáticas de Direito Processual acabaram por, em algum momento, se deparar com a questão.Exemplo típico desta tendência a distinguir processo e procedimento se tem na obra de Humberto Theodoro Júnior, que afirma que "processo e procedimento são conceitos diversos e que os processualis-tas não confundem".32 Afirma o renomado jurista mineiro que processo é "o método, isto é, o sistema de compor a lide em juízo através de uma relação jurídica vinculativa de direito público, enquanto procedimento é a forma material com que o processo se realiza em cada caso concreto".33

De teor semelhante é a lição de outro notável processualista mineiro, Ernane Fidélis dos Santos, para quem "processo e procedimento são termos que não se confundem. O primeiro é a soma de atos que têm fim determinado, não importando a marcha que toma para atingi-lo. O segundo é o modo pelo qual o processo se forma e se movimenta, para atingir o respectivo fim".34

Essa forma de ver a distinção entre processo e procedimento foi responsável por uma desvalorização deste último conceito, sendo certo que a doutrina costumava referir-se a um "mero procedimento", o que não consegue esconder o sentido depreciativo da expressão. Mais recentemente, porém, tem-se visto uma revitalização daquele conceito, o que decorre - sem sombra de dúvida - do fato de não se ter jamais conseguido "demonstrar que o processo fosse algo distinto do procedimento, situado fora dele, e em menos de um século acabou por ressur-32 Theodoro Júnior, Curso de Direito Processual Civil, vol. I, p. 45.33 Theodoro Júnior, Curso de Direito Processual Civil, vol. I, p. 45.34 Ernane Fidélis dos Santos, Manual de Direito Processual Civil, vol. I, São Paulo: Saraiva, 4a ed., 1996, p. 25. Também na doutrina estrangeira a tendência é encontrada. Assim, por todos, Sérgio La China, Diritto Processuale Civile, Milão: Giuffrè, 1991, p. 15.144

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rLições de Direito Processual Civil

gir na mente dos processualistas o valor do procedimento no próprio conceito de processo".35

O conceito de procedimento é revitalizado, principalmente a partir do momento em que se torna vitoriosa a tese de que este é essencial para a legitimação da atividade estatal.36 Além disso, encontra-se em abalizada doutrina a afirmação de que o processo é espécie de procedimento.37

Assim é que, diante das mais modernas tendências, deve ser outro o sistema empregado para distinguir processo de procedimento. Não se pode negar, porém, a distinção entre os dois fenômenos. Nesses termos, e levando-se em consideração o conceito de processo por nós adotado, pode-se dizer que o processo é uma entidade complexa, de que o procedimento é um dos elementos formadores. O procedimento, como visto, é o aspecto extrínseco do processo. O processo não é o procedimento, mas o resultado da soma de diversos fatores, um dos quais é exatamente o procedimento (e os outros são o contraditório e a relação jurídica processual).Afirmar que procedimento e processo são sinônimos seria o mesmo que igualar a árvore frutífera ao pomar, ou a ovelha ao rebanho. Seria, em outros termos, tomar a parte pelo todo. O procedimento é um dos elementos formadores do processo, da mesma forma que uma ovelha é um dos elementos formadores de um rebanho, ou uma árvore frutífera um dos componentes de um pomar. Não há processo onde não houver procedimento. Mas a existência de um procedimento não é suficiente para que exista um processo, sendo necessária a existência, ainda, de uma relação jurídica processual, além da instauração do contraditório entre os sujeitos da referida relação.38

§ 4Q Sujeitos do ProcessoO processo tem, como visto, uma configuração tríplice: Estado, autor e réu. E preciso, porém, deixar claro que esta configuração trípli-35 Dinamarco, A Instrumentalidade do Processo, p. 178.36 Sobre o tema, Niklas Luhmann, Legitimação pelo Procedimento, Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1980, passim. Também Dinamarco, A Instrumentalidade do Processo, p. 185.37 Fazzalari, II Processo Ordinário di Cognizione, vol. I, p. 51.38 Referimo-nos, aqui, assim como ao longo de toda a obra, ao processo jurisdicional, cujo estudo cabe ao Direito Processual, deixando de lado as outras espécies de processo, como o administrativo e o arbitrai, para os quais nem todas as observações aqui feitas serão válidas.145

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Alexandre Freitas Câmarace da relação jurídica processual representa tão-somente um "esquema mínimo" da mesma,39 o que significa dizer que outros sujeitos poderão ingressar nesta estrutura. Ter-se-á, nessas hipóteses, o fenômeno da pluralidade de partes, a ser estudado mais adiante. O "esquema mínimo" da relação processual conta, assim, com três sujeitos: o Estado, o autor e o réu.Quanto ao Estado, é preciso tornar claro que é este, e não o juiz, que se apresenta como sujeito do processo. O juiz, pessoa natural, é mero agente do Estado, este sim o detentor do poder, e a quem cabe o exercício da função jurisdicional. O Estado se apresenta na relação processual através de um de seus órgãos, os chamados "órgãos juris-dicionais", ou, simplesmente, juízos. No estudo dos sujeitos da relação processual, porém, há que tecer algumas considerações não só acerca do juízo, mas também sobre a pessoa natural do juiz, já que este agente estatal atuará no processo, e suas características serão levadas em conta para o regular e adequado desenvolvimento do processo.

4.1. O Estado-Juiz e o JuizO primeiro sujeito da relação processual a ser analisado é o Estado, a que se costuma designar, in casu, Estado-juiz, pelo fato de estar o mesmo no exercício da função jurisdicional. O Estado ocupa, na relação jurídica processual, uma posição de supremacia e eqüidistância das partes.A supremacia decorre do fato de o processo ser um instrumento de exercício do poder soberano do Estado, através de uma de suas manifestações, qual seja, a jurisdição. Já a eqüidistância, que nada mais é do que a demonstração gráfica da imparcialidade, é corolário da subs-titutividade, que, como se viu, é uma das características essenciais da jurisdição. Sendo certo que, no exercício da função jurisdicional, substitui o Estado a atividade dos titulares dos interesses que lhe são submetidos, não se poderia admitir que tal substituição se desse de modo parcial. A imparcialidade é requisito essencial para que se possa ter como legítima a atuação estatal no processo.É óbvio que, para se assegurar imparcialidade do Estado, é preciso que haja imparcialidade do agente estatal que irá, no caso concreto, exercer a função jurisdicional. Assim, em primeiro lugar, cuida o39 Cândido Rangel Dinamarco, Litisconsórcio, Sao Paulo: Malheiros, 4a ed., 1996, p. 17.146

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Lições de Direito Processual Civilordenamento jurídico, através de norma jurídica hierarquicamente superior às demais, de estabelecer garantias para os magistrados, ou seja, a Constituição da República arrola uma série de garantias dos juizes, destinadas a assegurar que a atuação do magistrado se dê, no processo, de forma imparcial.Assim é que, nos termos do art. 95 da Constituição Federal, os juizes gozam das garantias da vitaliciedade, inamovibilidade e irredu-tibilidade de subsídio.40 Em outras palavras, o juiz de direito, após dois anos de exercício no cargo, não poderá mais perder seu cargo, salvo a hipótese de tal perda ter sido determinada por sentença judicial transitada em julgado (vitaliciedade); não poderá o juiz de direito ser transferido do lugar onde exerce suas funções contra sua vontade, salvo caso de interesse público, a ser decidido por dois terços do tribunal a que estiver vinculado (inamovibilidade); e não poderá ter o juiz sua remuneração reduzida, observados os preceitos constitucionais pertinentes (irredutibilidade de subsídio).Além disso, cuidou o Código de Processo Civil de enumerar as hipóteses em que o juiz deve ser considerado parcial, dividindo-as em duas categorias: impedimento (art. 134, CPC) e suspeição (art. 135, CPC).O impedimento é vício mais grave que a suspeição, razão pela qual aquele pode ser argüido no processo a qualquer tempo, até o trânsito em julgado da sentença, e mesmo após esse momento, por mais dois anos, através de ação rescisória (art. 485, II, CPC). Já a suspeição deverá ser argüida no prazo previsto no art. 305 do Código de Processo Civil, sob pena de se ter por sanado o vício, e aceito o juiz.Considera-se impedido o juiz quando:a) for parte do processo, o que decorre da antiga parêmia segundo a qual ninguém pode ser juiz em causa própria;b) interveio no processo como mandatário da parte, oficiou como perito, funcionou como órgão do Ministério Público, ou prestou depoimento como testemunha;c) tiver conhecido do processo em primeiro grau de jurisdição, nele tendo proferido sentença ou outra decisão, o que impede ao juiz que funcionou no processo que volte a nele atuar quan-40 Sobre as garantias dos juizes, consulte-se, por todos, Alcides de Mendonça Lima, O Poder Judiciário e a Nova Constituição, Rio de Janeiro: Aide, 1989, pp. 45-48.147

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do em grau de jurisdição superior (para onde tenha sido promovido ou convocado);d) quando nele estiver postulando, como advogado da parte, o seu cônjuge,41 ou qualquer parente seu, consangüíneo ou afim, em linha reta, ou na colateral até o segundo grau;e) quando cônjuge,42 parente, consangüíneo ou afim, de alguma das partes, em linha reta, ou na colateral até o terceiro grau;f) quando for órgão de direção ou de administração de pessoa jurídica parte na causa, bastando pensar na hipótese de demanda em que é parte a Associação dos Magistrados Brasileiros, em que restarão impedidos todos os juizes que exerçam funções de direção ou de administração da referida entidade.É de se observar que, na hipótese sub b, o juiz só será considerado impedido quando a atuação do advogado no processo precede a sua. Na hipótese em que o advogado, cônjuge ou parente do juiz, intervenha na causa em que este já exercia suas funções, não se deve considerar impedido o magistrado (art. 134, parágrafo único, CPC), ficando, em verdade, o advogado impedido de atuar, vedação esta que se considera implícita no sistema.43 Deverá o juiz, nessa hipótese, determinar à parte que constitua novo advogado.Nos termos do art. 135 do Código de Processo Civil, reputa-se suspeito o juiz quando:a) é amigo íntimo ou inimigo capital de qualquer das partes;b) qualquer das partes for credora ou devedora do magistrado, de seu cônjuge,44 ou de parente destes, em linha reta, ou na colateral até o terceiro grau;c) herdeiro presuntivo (isto é, "designado de antemão pelo parentesco"),45 donatário ou empregador de qualquer das partes;d) receber dádivas, antes ou depois de iniciado o processo, aconselhar alguma das partes acerca do objeto da causa, ou subministrar meios para fazer frente às despesas do processo;41 Ou o seu concubino, com quem tenha estabelecido uma "união estável".42 Ver nota anterior.43 Pontes de Miranda, Comentários ao Código de Processo Civil, tomo II, p. 424.44 Ver nota 41, supra.45 Significado encontrado no Dicionário Aurélio Eletrônico.148

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e) interessado, por qualquer razão, em que o resultado do processo seja favorável a uma das partes;f) por motivo íntimo.É de se notar que tanto o impedimento como a suspeição devem ser declarados de ofício pelo juiz (art. 137, CPC). Além disso, nos termos do art. 138 do Código de Processo Civil, os motivos de impedimento e suspeição se aplicam, também, ao órgão do Ministério Público, ao serventuário da justiça, ao perito e ao intérprete.Não se pode deixar de falar, a essa altura, dos poderes do juiz. Estes podem ser divididos, em primeiro lugar, em poderes administrativos e jurisdicionais.Ae Os primeiros, também chamados de polícia, são exercidos ao longo do processo, com o fim de evitar que este sofra perturbações, assegurando-se a ordem e o decoro que devem envolvê-lo. Exemplo de poder administrativo do juiz é o que lhe confere o art. 445, que lhe permite, por exemplo, determinar que se retire da sala de audiências quem atrapalha a sua realização.Quanto aos poderes jurisdicionais, estes se dividem em poderes-meio e poderes-fim. São poderes-meio os ordinatórios, através dos quais o juiz dá andamento ao processo, proferindo despachos (pois, nos termos do art. 262 do CPC, o processo civil, após iniciado por ato da parte, se desenvolve por impulso oficial), e os instrutórios, que se referem à formação do convencimento judicial. Quanto a estes, é extremamente relevante a regra contida no art. 130 do Código de Processo Civil, segundo a qual pode o juiz, ex officio, determinar a produção das provas que se façam necessárias à formação de sua convicção.A possibilidade de o juiz determinar a produção de provas de ofício está intimamente ligada à evolução do direito processual, que não mais admite um juiz passivo. Exige-se um julgador participante, que dirija realmente o processo, determinando a prática de todos os atos que se façam necessários para que a prestação jurisdicional possa se dar da melhor forma possível.47

Assim é que a determinação judicial para que se produza certa prova não deve ser considerada como46 Araújo Cintra et alli, Teoria Geral do Processo, p. 29747 Sobre os poderes instrutórios do juiz, e a possibilidade de este determinar, ex officio, a produção de provas, consulte-se José Roberto dos Santos Bedaque, Poderes Instrutórios do Juiz, São Paulo: RT, 1991, passim. A tendência de ampliação dos poderes do juiz na atividade probatória é universal, como se verifica em Mauro Cappelletti, La Oralidad y Ias Pruebas en ei Proceso Civil, trad. esp. de Santiago Sentis Melendo, Buenos Aires: EJEA, 1972, pp. 118-124.149

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meramente complementar da atividade das partes, cabendo afirmar que o juiz é inteiramente livre, desde o início do processo, e sejam as partes atuantes ou não neste sentido, para determinar a produção dos meios probatórios necessários à formação de seu convencimento.Além dos poderes-meio, tem o juiz poderes-fim, que se dividem em decisóríos (que, como o próprio nome indica, dão ao juiz o poder de resolver as questões que lhe são submetidas) e os executórios (que permitem ao juiz a atuação prática do comando contido em sua decisão).Tem o juiz, ainda, alguns deveres, que não podem deixar de ser mencionados. Em primeiro lugar, afirme-se que todos os poderes do juiz são, em verdade, poderes-deveres. Podem-se, porém, destacar, entre os deveres do juiz, o de sentenciar e o de garantir a observância do contraditório. Quanto ao primeiro, aliás, é de se frisar que o juiz não pode se eximir de julgar qualquer questão que se lhe submeta, nem mesmo alegando lacuna na lei (art. 126 do CPC, que consagra o que se costuma chamar "vedação do non liquet").Os deveres do juiz têm, como corolário lógico, a instituição de sua responsabilidade. Assim é que, nos termos do art. 133 do CPC, o juiz é civilmente responsável quando, no exercício de suas funções, agir com dolo ou fraude, e ainda quando recusar, omitir ou retardar, sem motivo justo, providência que deva ordenar ex officio, ou a requerimento da parte. Note-se que, nessa última hipótese, só haverá responsabilidade do juiz se a parte, por intermédio do escrivão, requerer a prática do ato, não sendo atendida no prazo de dez dias (art. 133, parágrafo único, CPC).48

4.2. Auxiliares da JustiçaSão auxiliares da justiça todos aqueles que contribuem com o juiz para a realização das funções do juízo. Explique-se: o juízo, isto é, o órgão do Estado responsável pelo exercício, no caso concreto, da função jurisdicional, não é composto apenas pelo magistrado, sendo este auxiliado, em suas atividades, por uma série de pessoas, como o chefe do cartório do juízo (tradicionalmente chamado escrivão), pelo oficial de justiça, perito, intérprete, e outros.Os auxiliares da justiça podem ser divididos em permanentes e eventuais. Os auxiliares permanentes são aqueles que atuam continua-48 Para uma análise de direito comparado acerca da responsabilidade civil dos juizes, consulte-se Mauro Cappelletti, Juizes Irresponsáveis?, trad. bras. de Carlos Alberto Álvaro de Oliveira, Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1989, passim.150

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Lições de Direito Processual Civilmente, exercendo diuturnamente suas funções, em todos os processos em trâmite perante determinado juízo ou tribunal, como o escrivão e o oficial de justiça. De outro lado, os auxiliares eventuais são convocados excepcionalmente pelo juiz, com o fim de ajudá-lo em um processo determinado, como se dá com o perito e o intérprete.49

O Código de Processo Civil, em enumeração meramente exempli-ficativa, indica como auxiliares da justiça o escrivão, o oficial de justiça, o perito, o depositário, o administrador e o intérprete (art. 139). Além desses, e ainda sem o objetivo de exaurir a enunciação, podemos citar o distribuidor, o partidor e o contador judicial.As funções e encargos dos auxiliares da justiça mais importantes estão descritos no Código de Processo Civil. Assim, por exemplo, cabe ao escrivão, nos termos do art. 141 do CPC, entre outras funções, redigir ofícios, mandados, cartas precatórias; promover citações e inti-mações; ter, sob sua guarda, os autos, não permitindo sua retirada de cartório, ressalvados os casos expressamente previstos em lei.Do mesmo modo, incumbe ao oficial de justiça (art. 143, CPC), entre outros encargos, fazer pessoalmente citações, penhoras, arrestos e outras diligências; executar as ordens do juiz a que estiver subordinado; colaborar com o juiz na manutenção da ordem durante a realização de audiências.Escrivão e oficial de justiça são civilmente responsáveis, nos termos do art. 144 do Código de Processo Civil, quando se recusarem, sem justo motivo, a cumprir dentro do prazo os atos que lhes impõe a lei, ou os determinados pelo juiz a que estejam submetidos, e ainda quando praticarem ato nulo, agindo com dolo ou culpa.O perito é o auxiliar eventual da justiça que fornece ao julgador subsídios para a formação de sua convicção quando esta depende de conhecimentos técnicos ou científicos.50 Trata-se de profissional esco-lhido entre os habilitados para atuar na área de especialização cujos conhecimentos são necessários para a formação da convicção judicial, devendo - em linha de princípio - ter nível universitário (art. 145, § 12, CPC), exigência esta que só se deixa de fazer quando, na localidade, não houver quem a atenda.Cabe ao perito o dever de cumprir fielmente seu encargo, no prazo que lhe é assinado por lei, empregando toda a sua diligência, respondendo civilmente aquele que, dolosa ou culposamente, prestar infor-49 Theodoro Júnior, Curso de Direito Processual Civil, vol. I, pp. 222-223.50 Teceremos maiores considerações sobre o tema quando da análise da prova pericial.151

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Alexandre Freitas Câmaramações inverídicas, ficando ainda impedido de atuar como perito por dois anos, além das sanções penais a que, porventura, esteja sujeito.Nos termos do art. 148 do CPC, dever-se-á confiar a depositário ou a administrador a guarda e conservação de bens penhorados, arrestados, seqüestrados ou arrecadados, salvo nas hipóteses em que a lei disponha de outro modo. O depositário e o administrador poderão ser remunerados, devendo o valor da remuneração ser fixada pelo juiz, e respondem civilmente pelos prejuízos causados à parte dolosa ou culposamente.Questão interessante, e que merece atenção, é se o depositário judicial está sujeito à prisão civil como depositário infiel e, em caso positivo, qual deve ser o procedimento a seguir para a decretação da prisão. Quanto à primeira questão, não pode haver dúvida. A prisão do depositário infiel é possível também quando se tratar de depositário judicial.51 Polêmica há, contudo, acerca do procedimento a ser seguido para que se efetue tal prisão. Há entendimento, largamente majoritário na jurisprudência (inclusive do Supremo Tribunal Federal), no sentido de que nessa hipótese seria desnecessária a propositura de "ação de depósito", bastando que, no curso do processo em que atua o depositário tido por infiel, se determine a sua prisão.52 Esta não parece, porém, a melhor posição, por permitir a privação de liberdade sem obe-diência ao devido processo legal, o que viola a garantia constitucional insculpida no art. 5a, LIV, da Constituição da República. Melhor, portanto, entender-se que a prisão civil do depositário judicial infiel dependerá da propositura de "ação de depósito".53 A demanda poderá ser oferecida por qualquer das partes que tenham integrado o processo em que atuou o depositário judicial infiel, e apenas com a observância do procedimento previsto nos arts. 901 a 906 do CPC será possível a decretação da prisão civil do auxiliar da justiça.Por fim, refere-se o Código de Processo Civil ao intérprete, afirmando que o mesmo será nomeado toda vez que o juiz repute sua atuação51 Por todos, Adroaldo Furtado Fabrício, "Prisão Civil do Executado-Depositário Infiel", in O Processo de Execução - Estudos em Homenagem ao Professor Alcides de Mendonça Lima, Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1995, p. 17.52 Neste sentido, além da jurisprudência dominante, consagrada na Súmula da Jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal (Súmula n- 619), Celso Ribeiro Bastos, Comentários à Constituição do Brasil, vol. II, São Paulo: Saraiva, 1989, p. 310.53 Neste sentido a doutrina dominante. Entre outros, confiram-se Furtado Fabrício, "Prisão Civil do Executado-Depositário Infiel", ob. cit., pp. 27-28; Araken de Assis, Manual do Processo de Execução, São Paulo: RT, 2a ed., 1995, p. 471.152

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Lições de Direito Processual Civilnecessária a fim de analisar documento de entendimento duvidoso, redigido em idioma estrangeiro; traduzir para o português as declarações das partes e testemunhas que não conhecem o vernáculo; traduzir a linguagem de sinais dos surdos-mudos, quando estes não puderem se manifestar por escrito (art. 151). O intérprete está sujeito à responsabilidade civil nas mesmas hipóteses do perito, aplicando-se-lhe, ainda, a inabilitação por dois anos, além das sanções penais cabíveis (art. 153, CPC).

4.3. As PartesÉ tradicional o conceito de partes como sendo "aquele que pleiteia e aquele em face de quem se pleiteia a tutela jurisdicional".54 Por esta definição seriam partes, tão-somente, o autor (ou demandante), isto é, aquele que, ajuizando uma demanda, provoca o exercício, pelo Estado, da função jurisdicional, pleiteando a tutela jurisdicional e, de outro lado, o réu (ou demandado), aquele em face de quem a tutela jurisdicional é pleiteada.Tal conceito, embora correto, não é adequado a explicar todos os fenômenos de relevância teórica a respeito das partes. Tal insuficiência, porém, facilmente se explica. É que o conceito aqui apresentado corresponde ao de "partes da demanda".55 Este conceito não se confunde com outro, mais amplo, que é o de "partes do processo". Assim é que devem ser consideradas "partes do processo" todas aquelas pessoas que participam do procedimento em contraditório. Em outras palavras, ao lado do autor e do réu, que são partes da demanda e também do processo, outras pessoas podem ingressar na relação processual, alterando o esquema mínimo daquela relação a que já se fez referência, e que corresponde à configuração tríplice do processo. Assim, por exemplo, na assistência (espécie de intervenção de terceiro, a que se dedicará atenção mais adiante), ou na intervenção do Ministério Público como custos legis (o que também será objeto de análise mais à frente),54 Definição semelhante a esta se encontra, por exemplo, em Chiovenda, Instituições de Direito Processual Civil, vol. II, p. 234: "Parte é aquele que demanda em seu próprio nome (ou em cujo nome é demandada) a atuação duma vontade da lei, e aquele em face de quem essa atuação é demandada".55 Demanda, como se verá com detalhes adiante, no estudo dos pressupostos processuais, mas já se pode inferir da terminologia empregada ao longo desta obra, é o ato de provocação inicial do exercício da jurisdição.153

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Alexandre Freitas Câmaraingressam no processo sujeitos diversos daqueles que denominamos "partes da demanda". Esses novos sujeitos, embora não apareçam na demanda, são "partes do processo".56

A qualidade de parte pode ser adquirida de quatro formas: pela demanda, pela citação, pela sucessão e pela intervenção voluntária.57 Assim é que, pelo ajuizamento da demanda, o autor (também chamado demandante) adquire a qualidade de parte do processo. Note-se que o autor ocupará simultaneamente as posições de parte do processo e da demanda. Pela citação, adquirem a qualidade de parte o réu (ou de-mandado) e os terceiros intervenientes quando se estiver diante de uma modalidade de intervenção coacta ou forçada, como a denun-ciação da lide. Observe-se que o réu é parte da demanda desde o oferecimento desta, mas só se torna parte do processo com a citação, ato responsável pela angularização da relação processual.A intervenção espontânea de terceiro, como se dá na assistência e no recurso de terceiro, outorga ao interveniente a qualidade de parte do processo, da mesma forma que a sucessão processual. Esta última ocorre quando há uma alteração subjetiva da demanda, como, por exemplo, na hipótese de falecimento do autor, sendo este sucedido, nos termos do art. 43 do CPC.58É preciso se afirmar que o conceito de parte é de natureza exclusivamente processual, como entende a melhor doutrina.59 A titularidade da relação jurídica de direito material não pertence ao campo do processo, embora nele exerça notória influência (como, por exemplo, na fixação da legitimidade ad causam), não sendo assim relevante para a determinação do conceito de parte. Note-se: nossa preocupação aqui não é com a idéia de partes legítimas, mas tão-somente com o conceito de partes. Estas o são ainda que ilegítimas, sendo este um vício que se manifesta na seara das "condições da ação", não se ligando à estrutura da relação processual.56 Acerca da distinção entre partes da demanda e do processo, é de se consultar a insuperável obra de Dinamarco, Litisconsórcio, p. 22.57 Dinamarco, Litisconsórcio, p. 22.58 Note-se que o capítulo do CPC que rege o tema, formado pelos arts. 41 a 45, é denominado "Da Substituição das Partes e dos Procuradores", quando é certo que o que a lei denominou "substituição das partes" é mais bem-designado por "sucessão processual", com o que se impede confusão entre este conceito e o de "substituição processual", já analisado, e que se liga à idéia de legitimidade extraordinária.59 Assim, por todos, Dinamarco, Litisconsórcio, p. 22.154

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Lições de Direito Processual CivilAs partes possuem alguns deveres (que são também de todos aqueles que de algum modo atuam no processo, como advogados, escreventes, oficiais de justiça etc), os quais devem ser cumpridos ao longo do processo. Tais deveres poderiam, em verdade, ser reduzidos a uma única frase: cabe às partes o dever de auxiliar o juízo no descobrimento da verdade e na efetivação das decisões judiciais, sem utilizar expedientes antiéticos. Assim é que, nos termos do art. 14 do CPC, incumbem às partes os deveres de expor os fatos em juízo conforme a verdade; proceder com lealdade e boa-fé; não formular pretensões, nem deduzir defesa, quando cientes de que são destituídas de fundamento; não produzir provas, nem praticar atos inúteis ou desnecessários à declaração ou defesa do direito; cumprir com exatidão os provimentos mandamentais e não criar embaraços à efetivação de provimentos judiciais, de natureza antecipatória ou final.Quanto a este último dever (art. 14, inciso V, do CPC, criado pela Lei n2 10.358/2001), é de se notar que foi estabelecida uma sanção para o caso de descumprimento, de que ficam livres apenas os advogados, aos quais se aplicam apenas as disposições do Estatuto da Advocacia (Lei na 8.906/94, não se podendo deixar passar a oportunidade de dizer que ao texto do parágrafo único do art. 14 do CPC, que em seguida será analisado, falta uma vírgula, após a palavra advogados, uma vez que -como está no texto da lei — parece haver no Direito Brasileiro dois tipos de advogados: os que se sujeitam exclusivamente ao Estatuto da Advocacia e os que não se sujeitam apenas àquela lei, sendo certo que há no Brasil apenas um regime da advocacia, não sendo pois a oração "que se sujeitam exclusivamente aos estatutos da OAB" uma oração restritiva, mas uma oração explicativa, devendo ser lida como se estivesse entre vírgulas). Afirma o parágrafo único do art. 14 do CPC (também acrescentado pela Lei na 10.358/2001), que tal descum-primento constitui ato atentatório ao exercício da jurisdição: o pagamento de multa, não superior a vinte por cento do valor da causa, a ser paga em prazo estabelecido pelo juiz. Este prazo correrá do trânsito em julgado da decisão final da causa e, não sendo a multa paga até o termo final do prazo, será ela inscrita como dívida ativa da União ou do Estado (conforme tramite o feito na Justiça Federal ou Estadual).Resta saber como será imposta esta multa nos casos em que a violação do dever de cumprir com exatidão os provimentos mandamentais e de não embaraçar o cumprimento das demais decisões judiciais for ato do Estado ou da União. A preocupação decorre, principalmente, do fato de a Fazenda Pública ser a maior criadora de155

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iAlexandre Freitas Câmara

embaraços ao regular exercício da jurisdição no Brasil. Como fixar multa para que o Estado pague ao próprio Estado, ou para que a União pague a si mesma? Haveria confusão, que é causa de extinção da obrigação. Parece-nos, todavia, que é possível solucionar adequadamente a questão: basta que se crie um fundo gerido pelo Poder Judiciário, para o qual deve reverter esta multa. Afinal de contas, o ato punido é atentatório ao exercício da jurisdição. Assim sendo, quando a Fazenda Pública praticasse um ato que assim se qualificasse, bastaria que a Administração pagasse ao Judiciário o valor da multa (sendo certo que, não sendo efetuado o pagamento, daí adviriam conseqüências administrativas, as quais deverão ser estudadas em outros ramos do Direito Público, não cabendo ao Direito Processual a sua análise).Além disso, é proibida a utilização de expressões injuriosas, cabendo ao juiz mandar riscá-las, se escritas, ou advertir o advogado e, após, até mesmo cassar-lhe a palavra, se as mesmas forem empregadas em alegações orais.A existência de deveres das partes tem, como corolário lógico, a existência de uma responsabilidade das mesmas, a que poderíamos chamar responsabilidade processual civil.^Esta pode ser dividida em duas partes: a responsabilidade por dano processual e a responsabilidade pelas despesas processuais.Quanto à primeira, dispõe o art. 16 do Código de Processo Civil que "responde por perdas e danos aquele que pleitear de má-fé, como autor, réu ou interveniente". Estabelece a lei processual, assim, uma respon-sabilidade subjetiva, eis que se exige um elemento volitivo, a má-fé, como requisito da responsabilização. Logo a seguir, o art. 17 do CPC descreve as condutas que devem ser consideradas como "litigância de má-fé": deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou fato incontroverso; alterar a verdade dos fatos; usar do processo para conseguir objetivo ilegal; opor resistência injustificada ao andamento do processo; proceder de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo; provocar incidentes manifestamente infundados; interpor recurso com intuito manifestamente protelatório; apresentar petição em juízo que não corresponda, com perfeição, ao original anteriormente remetido por fax ou outro meio de transmissão de dados ou imagens (estando esta última hipótese prevista no parágrafo único do art. 4s da Lei na 9.800/99).60 Sobre o tema, consulte-se Fernando Luso Soares, A Responsabilidade Processual Civil, Coimbra: Almedina, 1987, passim.156

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Lições de Direito Processual CivilHavendo litigância de má-fé, o juiz, de ofício ou a requerimento da parte, condenará o causador do dano a indenizar à parte contrária os prejuízos que esta sofreu, mais as despesas processuais que tiver efetuado e os honorários advocatícios, além de multa não excedente de um por cento sobre o valor da causa. Havendo mais de um litigante de má-fé, deverá o juiz condená-los na proporção de seus interesses na causa, ou solidariamente (esta última hipótese se dará quando os diversos litigantes de má-fé tiverem se coligado para lesar o adversário).A indenização, a ser fixada imediatamente após a prática do ato punível, não excederá vinte por cento sobre o valor da causa. Sendo o dano superior a esta quantia (ou não dispondo o juiz de elementos para fixar, de imediato, o valor da indenização), deverá a liquidação da obrigação de reparar ser feita através de processo de liquidação por arbitramento.61

Além da responsabilidade processual civil por dano, existe a responsabilidade pelas despesas processuais. A regulamentação desta encontra-se no CPC, a partir do art. 19. Assim é que, em primeiro lugar, cuidou a lei de estabelecer um ônus de adiantar a verba necessária para a prática dos atos processuais, o qual recai sobre aquele que realiza ou requer a realização do ato no processo (ressalvados, obviamente, os casos em que a parte é beneficiária da justiça gratuita). Afirma, ainda, a lei processual que o adiantamento será feito por ocasião de cada ato, e que compete ao demandante adiantar a verba neces-61 Podendo, ainda, ser utilizada a liquidação por artigos, quando esta se revelar adequada. Sobre o tema, Freitas Câmara, Lineamentos do Novo Processo Civil, p. 18. Contra, entendendo que a referência à "liquidação por arbitramento" contida no art. 18, § 2-, do CPC não se refere a um processo de liquidação, mas a mero ato do juiz, Dinamarco, A Reforma do Código de Processo Civil, pp. 65-66. O ilustre jurista, porém, parte de uma premissa que nos parece, data venia, falsa, para chegar à conclusão alcançada: a de que a obrigação do litigante de má-fé não seria de indenizar, mas de pagar uma multa. A nosso juízo, o litigante de má-fé deve ser condenado a ressarcir os danos que tiver causado, tendo portanto nítido caráter reparatório a sua obrigação. Chegamos a esta conclusão pela leitura do texto do art. 16 do CPC, e encontramos apoio em boa doutrina. Assim, consultem-se Barbi, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. I, p. 105; Pontes de Miranda, Comentários ao Código de Processo Civil [de 1973], tomo I, p. 379. A modificação trazida ao texto do art. 18 do CPC pela Lei n- 9.668/98, que criou a possibilidade de o juiz condenar o litigante de má-fé ao pagamento de multa não excedente de um por cento sobre o valor da causa, mostrou o acerto da tese aqui sustentada desde a primeira edição deste livro. Tivesse a obrigação do litigante de má-fé por objeto o pagamento de multa, não faria sentido a criação de outra multa por lei posterior. O litigante de má-fé tinha, pelo texto anterior, obrigação de indenizar, e a tal dever jurídico se acresceu, posteriormente, o dever de pagar multa.157

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Alexandre Freitas Câmarasária à realização dos atos determinados de ofício pelo juízo, ou requeridos pelo Ministério Público.A seguir, dispõe o art. 20 do CPC que a sentença deverá condenar o vencido a pagar ao vencedor as despesas processuais que tiver efetuado, além dos honorários advocatícios, sendo estes devidos mesmo que o vencedor tenha atuado em causa própria.62 Verifica-se, pela leitura do dispositivo, que a responsabilidade processual civil, neste caso, é objetiva, sendo responsável aquele que tiver restado sucumbente, pouco importando o elemento volitivo na fixação da responsabilidade. Adota o Direito Processual Civil brasileiro, assim, o chamado princípio da sucumbência, segundo o qual o vencido responde pelo pagamento das despesas processuais (utilizada a expressão, aqui, lato sensu, englobando-se os honorários, as custas judiciais e as despesas propriamente ditas, como os honorários periciais). Tal princípio, porém, não é capaz de responder com segurança a todas as situações, motivo pelo qual deve-se considerar "latente" no sistema o chamado princípio da causalidade.63 Em outras palavras, deve-se considerar que é responsável pelas despesas processuais aquele que tiver dado causa à instauração do processo. É certo que, na imensa maioria dos casos, é de se considerar que o vencido deu causa à instauração do feito, uma vez que, se tivesse reconhecido o direito daquele que terminaria por vencer, não teria havido necessidade de se ir a juízo. Há casos, porém, em que o vencedor deu causa ao processo, razão pela qual a responsabilidade processual pelas despesas deverá recair sobre ele (embora o adversário seja o sucumbente). Tome-se como exemplo a hipótese em que, proposta "ação de consignação em pagamento", contesta o credor alegando insuficiência da quantia ofertada e consignada. O autor, reconhecendo a insuficiência, complementa o depósito, razão pela qual o juiz, na sentença, julgará seu pedido procedente, declarando a extinção da obrigação pelo pagamento por consignação. Ora, embora julgado procedente o pedido, não se pode negar que a recusa original do credor62 A verba devida a título de honorários de sucumbência sempre teve natureza ressarcitória, razão pela qual o dinheiro deveria ser pago à parte vencedora, e não ao seu advogado. Por força do disposto no art. 23 da Lei n- 8.906/94, porém, o advogado se tornou titular do direito ao recebimento dos honorários de sucumbência, tendo legitimidade ad causam, inclusive, para promover a execução forçada desse capítulo da condenação.63 Assim também Yussef Said Cahali, Honorários Advocatícios, São Paulo: RT, 2a ed., 1990, p. 44.158

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Lições de Direito Processual Civil

em receber o pagamento era justa, o que significa dizer que foi o devedor quem deu causa à instauração do processo. Assim sendo, apesar de vencedor, o devedor terá de arcar com as despesas processuais e honorários advocatícios da parte adversária.Refira-se, ainda, que ao decidir cada incidente, deverá o juiz condenar quem lhe tiver dado causa ao pagamento das despesas a ele referentes.64

O Código de Processo Civil estabelece, nos §§ 3e a 5fi do art. 20, os critérios para a fixação dos honorários advocatícios, sendo de se considerar, como regra geral, que estes serão estabelecidos entre dez e vinte por cento sobre o valor da condenação, devendo o juiz, ao fixá-los, atender ao grau de zelo do advogado, o lugar da prestação do serviço, a natureza e a importância da causa, o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço (art. 20, § 3a, alíneas a, b e c). Sendo certo, porém, que tal critério só é adequado para as sentenças condenatórias (uma vez que se estabelece como critério um percentual sobre o valor da condenação), dispõe o § 4s do art. 20 que "nas causas de pequeno valor, nas de valor inestimável, naquelas em que não houver condenação ou for vencida a Fazenda Pública, e nas execuções, embargadas ou não, os honorários serão fixados consoante apreciação eqüitativa do juiz, atendidas as normas das alíneas a, b e c do parágrafo anterior".Algumas observações devem ser feitas sobre esse dispositivo. Em primeiro lugar, há que se criticar o sistema usualmente empregado pelos juizes, de fixar os honorários de sucumbência como um percentual sobre o valor da causa. Trata-se de critério que não está previsto no sistema do CPC, mas que é usado pelos juizes como se se tratasse de regra imperativa, que devesse ser sempre seguida na formação da decisão judicial. Trata-se de um dos muitos fantasmas que rondam nosso processo, como se pertencessem ao mundo das regras vigentes.65

Diga-se, ainda, que nos parece ferir o princípio constitucional da isonomia a regra que determina a aplicação do critério eqüitativo para fixação dos honorários quando for vencida a Fazenda Pública, por dar a ela tratamento desigual ao que se dá aos demais condenados.66

64 Aqui fala a lei tão-somente em despesas, não havendo, portanto, condenação ao pagamento de honorários.65 A referência a fantasmas é de Cândido Rangel Dinamarco, "As Três Figuras da Liquidação de Sentença", in Estudos de Direito Processual em Memória de Luiz Machado Guimarães, Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 92.66 Repetimos, aqui, opinião manifestada anteriormente em Freitas Câmara, Lineamentos do Novo Processo Civil, p. 19.159

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Alexandre Freitas CâmaraPor fim, é de se dizer que, nos termos do dispositivo ora analisado, serão devidos honorários advocatícios no processo de execução, tenha ou não o executado oposto embargos, pouco importando tratar-se de execução fundada em título judicial ou extrajudicial.67

Havendo sucumbência recíproca (ou seja, sendo demandante e demandado em parte vencedores e em parte vencidos), os ônus da sucumbência serão repartidos proporcionalmente, compensando-se (na proporção da sucumbência de cada um) as despesas processuais e os honorários advocatícios. Sendo tal compensação proporcional à sucumbência de cada parte, torna-se facilmente compreensível a regra contida no parágrafo único do art. 21 do CPC, segundo a qual "se um dos litigantes decair de parte mínima do pedido, o outro responderá, por inteiro, pelas despesas e honorários".Afirma o art. 22 do CPC que o réu que, por deixar de argüir na contestação fato que, em tendo sido alegado, permitiria a imediata prolação de sentença extintiva do processo, o qual se dilata indevidamente, perde o direito a haver os honorários da sucumbência (se, obviamente, o mesmo restar, a final, vencedor), além de ser condenado nas custas devidas a partir da decisão de saneamento do processo.Dispõe, ainda, o CPC (art. 24) que nos processos68 de jurisdição voluntária as despesas serão adiantadas pelo requerente, e posteriormente rateadas pelos interessados.Responde pelos ônus da sucumbência aquele que der causa ao encerramento do processo por desistência da ação, reconhecimento da procedência do pedido ou renúncia à pretensão (art. 26).69 Trata-se de mais uma hipótese em que se vê claramente a aplicação, no nosso sistema processual, do princípio da causalidade, a que já se fez referência.70

Nos casos de transação, as despesas processuais e os honorários advocatícios serão divididos igualmente, salvo se as partes tiverem estipulado de forma diversa (art. 26, § 2a).É de se referir, ainda, que havendo assistência (modalidade de intervenção de terceiro a ser apreciada adiante), e restando vencido o assistido, o assistente será condenado a ressarcir o vencedor das

J67 Freitas Câmara, Lineamentos do Novo Processo Civil, p. 19.68 Processos, e não "meros" procedimentos, como já visto anteriormente.69 O art. 26 do CPC, na verdade, refere-se tão-somente à desistência e ao reconhecimento, sendo certo que a melhor doutrina considera a regra aplicável, também, no caso de renúncia. Neste sentido Arruda Alvim, Tratado de Direito Processual Civil, vol. II, São Paulo: RT, 2a ed., 1996, p. 585.70 No mesmo sentido, Cahali, ob. cit., p. 336.160

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rLições de Direito Processual Civilcustas que este tiver despendido, sendo sua responsabilidade proporcional à atividade que tiver exercido no processo.

4.4. O AdvogadoDispõe o art. 36 do CPC que as partes se farão representar em juízo por advogado, podendo postular em causa própria apenas aqueles que tenham habilitação (ou seja, aqueles que sejam advogados), ou no caso de não haver advogado no lugar (ou em caso de recusa ou impedimento dos que houver). O advogado é, portanto, essencial ao regular desenvolvimento do processo, mesmo porque, como veremos adiante (no estudo dos pressupostos processuais), exige-se, para a validade do processo, capacidade postulatória, a qual, em princípio, é exclusiva dos advogados. Esta relevância foi sentida pela Constituição da República, que consagra, em seu art. 133, que o advogado é "essencial à administração da justiça".Chama-se advogado a "pessoa versada em Direito com a função de orientar e patrocinar aqueles que têm direitos ou interesses jurídicos a pleitear ou defender em juízo".71 É advogado o bacharel em Direito inscrito no quadro de advogados da Ordem dos Advogados do Brasil, nos termos do assim chamado "Estatuto da Advocacia e da OAB", a Lei na 8.906/94, sendo a denominação advogado privativa de quem se encontre ali registrado.Assim é que as partes devem fazer-se representar em juízo por advogados. A defesa dos interesses da União em juízo cabe à Advo-cacia-Geral da União, e dos Estados e Municípios às respectivas pro-curadorias.Só poderá atuar em juízo o advogado que tenha sido constituído procurador da parte, o que se faz através de mandato judicial. Admite-se, porém, que o advogado, sem apresentar em juízo a procuração, ajuíze demanda a fim de impedir a consumação da prescrição ou da decadência, além de poder intervir no processo a fim de praticar atos urgentes. Nessas hipóteses, o advogado fica obrigado a exibir a procuração em um prazo de quinze dias, prorrogável por mais quinze. Os atos não ratificados nesse prazo serão considerados inexistentes, respondendo o advogado pelas perdas e danos que causar à parte.71 Verbete "Advogado" (advocacia), in Enciclopédia Saraiva de Direito, vol. V, São Paulo: Saraiva, 1977, p. 51.161

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Alexandre Freitas CâmaraO mandato judicial confere ao advogado os poderes gerais para o foro,72 podendo praticar todos os atos do processo, salvo receber citação inicial, confessar, reconhecer a procedência do pedido, transigir, desistir, renunciar à pretensão, receber, dar quitação e firmar compromissos (art. 38, CPC). Para que o advogado possa praticar esses atos, é preciso que da procuração conste, expressamente, que a ele se conferem poderes especiais para realizá-los (e o advogado só poderá praticar os atos referidos expressamente mencionados na procuração; assim, por exemplo, se no mandato judicial se conferem ao advogado poderes especiais apenas para transigir, não será possível a ele reconhecer a procedência do pedido).O mandato judicial pode ser outorgado por instrumento público ou particular. Discutia-se, em sede doutrinária, se a procuração judicial por instrumento particular precisava do reconhecimento da firma do outorgante para produzir efeitos em relação a terceiros. A divergência decorria do fato de a Lei na 8.952/94, uma das leis que compõem o movimento reformista que ficou conhecido como "A Reforma do Código de Processo Civil", ter alterado a redação do art. 38 do CPC. Antes da reforma, dispunha o art. 38 que a procuração podia ser outorgada por instrumento público, ou por particular com assinatura da parte e firma reconhecida. A lei reformadora alterou a redação do dispositivo, dele fazendo desaparecer a referência ao reconhecimento de firma. Isto fez com que alguns autores passassem a afirmar que tal reconhecimento estava sendo dispensado pelo legislador, tornando-se, assim, desnecessário, pouco importando se a procuração se limita a conferir os poderes gerais para o foro ou se também confere ao advogado os poderes especiais.73 Outra corrente defendia que a abolição da exigência de reconhecimento de firma alcançaria apenas a procuração ad judicia, ou seja, aquela que confere os poderes gerais para o foro. Havendo poderes especiais, ainda que no mesmo instrumento, passaria a ser exigido o reconhecimento de firma, nos termos do art. 1.289, § 3e, do Código Civil de 1916.74Sobre o tema, manifestamos, desde a reforma do CPC, opinião que se manteve minoritária, mas que nos parecia a mais adequada à teoria geral72 Tradicionalmente chamados "poderes da cláusula ad judicia".73 Nesse sentido, Clito Fornaciari Júnior, A Reforma Processual Civil, São Paulo: Saraiva, 1996, p. 9.74 Assim Nelson Nery Júnior, Atualidades sobre o Processo Civil, São Paulo: RT, 2a ed., 1996, p. 38.162

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rLições de Direito Processual Civildo Direito.75 A nosso sentir, a matéria era ainda regulada pelo art. 1.289, § 3a, do Código Civil de 1916, que exigia reconhecimento de firma para que o instrumento particular de procuração fosse eficaz perante terceiros. Tal reconhecimento de firma seria exigido ainda que a procuração se limitasse a conferir ao advogado os poderes gerais para o foro.Essa nossa opinião decorria do seguinte: as normas jurídicas podem ser gerais, especiais ou excepcionais. As normas gerais estabelecem regras a serem aplicadas a todos os casos que se enquadrem na fattispecie (ou seja, na situação abstratamente considerada) nela descrita. As normas especiais determinam a aplicação da norma geral a um caso determinado. Por fim, a norma excepcional exclui a aplicação da norma geral a um caso em que a mesma seria, em princípio, aplicável. Exemplifique-se: é geral a norma jurídica segundo a qual são anulaveis os atos jurídicos praticados por relativamente incapazes (art. 171, I, do Código Civil de 2002). É especial a norma que afirma ser anulável o casamento do relativamente incapaz (art. 1.550, II, do Código Civil de 2002). Essa norma é especial por reafirmar, para uma hipótese a que a norma geral seria aplicável, a incidência desta. Por fim, é excepcional a norma que considera válido o contrato de mandato quando o mandatário é relativamente incapaz (art. 666 do Código Civil de 2002), pois que essa norma exclui a incidência, na hipótese, da regra geral. Naturalmente, a norma excepcional deverá ser expressa, ou não terá força para impedir a incidência da norma geral.No caso do mandato judicial, a norma contida no art. 1.289, § 3a, do Código Civil de 1916, era norma geral, sendo aplicável a todos os contratos de mandato. Isto decorria do fato de estar aquela norma inserida na seção destinada às disposições gerais acerca do mandato. A antiga redação do art. 38 do CPC, ao exigir expressamente o reconhecimento de firma, apenas reafirmava a regra geral, determinando expressamente sua incidência, tendo, pois, natureza de norma especial. Ao se retirar do art. 38 do CPC a exigência de reconhecimento de firma, a lei se limitou a destruir a norma especial, o que tinha como conseqüência a incidência, na hipótese, da regra geral. O reconhecimento de firma só poderia ser dispensado se houvesse norma que expressamente o dispensasse, o que não ocorreu com a nova redação dada ao art. 38 do CPC. A dispensa de reconhecimento de firma75 Anteriormente manifestado em Freitas Câmara, Lineamentos do Novo Processo Civil, pp. 20-22.163

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Alexandre Freitas Câmaradependeria, a nosso juízo, da criação de norma que expressamente a dispensasse.Ocorre que o Código Civil de 2002 dá ao tema regulamentação diversa da que lhe atribuía o Código de 1916. Segundo o disposto no art. 654 do Código de 2002 a procuração "valerá" (rectius, será eficaz) a partir do momento em que venha a ser assinada, independentemente de reconhecimento de firma (sendo certo que este, conforme o § 2° do mesmo artigo, pode ser exigido pelo terceiro que tratar com o mandatário). Assim sendo, a partir do Código Civil de 2002, a procuração outorgada, por instrumento particular, ao advogado, será eficaz independentemente de reconhecimento de firma, podendo tal reconhecimento, todavia, ser exigido pelo juiz (de ofício ou mediante requerimento) se houver dúvida quanto à autenticidade da assinatura.O art. 40 do CPC enumera alguns direitos dos advogados, os quais coexistem com as prerrogativas previstas no Estatuto da Advocacia (Lei ns 8.906/94). Assim é que, nos termos do mencionado dispositivo da legislação codificada, o advogado tem o direito de examinar em cartório os autos de qualquer processo, com exceção dos que tramitam em segredo de justiça; requerer, nos feitos em que atue, vista dos autos por cinco dias; retirar os autos de cartório, assinando carga no livro competente, pelo prazo legal, sempre que lhe competir se manifestar no processo. Nesta última hipótese, os autos deverão permanecer em cartório nos casos de prazo comum às partes, a não ser que os mesmos sejam retirados em conjunto pelos advogados de todas elas, ou havendo prévio ajuste entre eles, manifestado por petição nos autos.

4.5. LitisconsórcioComo dito anteriormente, a configuração tríplice da relação processual representa, apenas, o seu "esquema mínimo", em que a mesma se apresenta com três sujeitos: Estado-juiz, autor e réu. Pode ocor-rer, porém (e ocorre com freqüência), desta configuração, com o ingresso de outros sujeitos na relação processual, se modificar. Ocorre, nesses casos, o fenpmeno da pluralidade de partes, que passamos a estudar, e a que dedicaremos três itens desta obra: os destinados ao litisconsórcio, à intervenção de terceiros e à intervenção do Ministérfo Público no Processo Civil.Já se definiu o litisconsórcio, em autorizada sede doutrinária, como "a situação caracterizada pela coexistência de duas ou mais pessoas do lado ativo ou do lado passivo da relação processual, ou em164

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rLições de Direito Processual Civil

ambas as posições".76 Em outros termos, há litisconsórcio quando, em um processo, há pluralidade de autores ou de réus. Todas as vezes que, em um processo, mais de uma pessoa pleiteia em seu favor a tutela jurisdicional, ou referida tutela é pleiteada em face de diversos demandados, ter-se-á litisconsórcio.O estudo do litisconsórcio pode ser dividido em duas partes essenciais: a classificação do litisconsórcio e a chamada dinâmica do litisconsórcio.77 A primeira delas, muito mais instigante e intrincada que a segunda, tem merecido maior atenção por parte da doutrina. Não se pode, porém, deixar de fazer alguma referência ao modo como se desenvolve o processo em que se forma o litisconsórcio. Questões como duplicação de prazos, alcance do recurso e outras, serão, pois, também apreciadas nesta parte da obra.Comecemos, porém, pela classificação (rectius, pelas diversas formas de classificação) do litisconsórcio. Quatro são as formas de se classificar este fenômeno, que pode ser considerado a mais relevante das espécies de pluralidade de partes.78 Classifica-se o litisconsórcio quanto à posição, quanto ao poder aglutinador das razões que conduzem à sua formação, quanto ao regime de tratamento dos litisconsortes e quanto ao momento de sua formação.Quanto à posição que ocupa, pode o litisconsórcio ser ativo, passivo ou misto.Há litisconsórcio ativo quando na relação processual encontram-se diversos autores demandando em face de apenas um réu. De outro lado, há litisconsórcio passivo quando um autor demanda em face de vários réus. Por fim, há litisconsórcio misto (também chamado recíproco) quando diversos autores demandam em face de vários réus.Quanto ao poder aglutinador das razões que conduzem à formação do litisconsórcio, fala-se em litisconsórcio necessário e em litisconsórcio facultativo.Há litisconsórcio necessário quando a presença de todos os litisconsortes é essencial para que o processo se desenvolva em direção ao provimento final de mérito. Nesta hipótese, pois, impõe-se a presença de todos os litisconsortes, e a ausência de algum deles implica ausência de legitimidade dos que estiverem presentes, devendo o feito ser extinto sem resolução do mérito. Em outros termos, nos casos de litisconsórcio76 Dinamarco, Litisconsórcio, p. 39.77 Esta expressão é empregada por Dinamarco, Litisconsórcio, p. 15.78 Giuseppe Chiovenda, "Sul Litisconsorzio Necessário", in Saggi di Diritto ProcessuaJe Civile, vol. II, Roma: Foro Italiano, 1931, p. 427.165

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Alexandre Freitas Câmaranecessário a parte só terá legitimidade para a causa se for plúrima, ou seja, se todos os litisconsortes estiverem presentes no processo.Pode o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar a citação do litisconsorte necessário ausente, cabendo ao autor o ônus de promover sua integração ao processo, sob o risco de ver o mesmo ser extinto, nos termos do art. 47, parágrafo único, do Código de Processo Civil. Se, porém, for proferida sentença sem que estivesse integrado ao feito algum dos litisconsortes necessários, aquela decisão será ineficaz (art. 47 do CPC), ou, como se costuma dizer, inutiliter data.79

Ineficaz (mas não inválida) a sentença de mérito nesse caso, não será ela alcançada, segundo a doutrina dominante, pela autoridade de coisa julgada material, uma vez que esta só se produz, segundo tal entendimento, sobre sentenças aptas a produzir efeitos.80 Em nossa opinião, porém, há coisa julgada, porque - como se verá no momento próprio - esta não incide sobre os efeitos da sentença, mas sobre seu conteúdo. Ineficaz que é tal sentença, porém, é ela incapaz de modificar a realidade, alterando o status quo anteriormente existente e, por conseguinte, sendo inapta para atribuir a alguma das partes a tutela jurisdicional pretendida (e aparentemente concedida). Assim sendo, nada impede que a mesma demanda seja novamente ajuizada, agora com a presença de todos os litisconsortes necessários.O litisconsórcio é necessário por um de dois fundamentos: por disposição de lei ou pela natureza da relação jurídica. Na primeira hipótese, apenas a lei torna essencial a presença de todos os litisconsortes no processo. Não fora a norma expressa nesse sentido e, normalmente, não se formaria o litisconsórcio. Exemplo desse caso é o litisconsórcio necessário na "ação de usucapião", o qual se forma entre aquele em cujo nome está registrado o prédio usucapiendo e todos os confron-tantes do imóvel (art. 942, CPC). Note-se que, nessa hipótese, a pretensão de ver declarada a aquisição do domínio em razão do usucapião seria, normalmente, manifestada em juízo apenas em face daquele em cujo nome encontra-se registrado o imóvel usucapiendo. O legislador, porém, aproveitou a situação para "embutir" naquela demanda um juízo demarcatório do prédio usucapiendo, razão pela qual criou um litisconsórcio necessário na "ação de usucapião". Assim sendo, bastaria79 E de Chiovenda a expressão, significando que a sentença proferida em processo em que estava ausente algum litisconsorte necessário é proferida inutilmente, não produzindo efeitos nem para os ausentes, nem para os sujeitos presentes ao processo. Chiovenda, "Sul Litisconsorzio Necessário", ob. cit., pp. 442-444.80 Dinamarco, Litisconsórcio, pp. 290-292.166

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Lições de Direito Processual Civilque se revogasse a norma que impõe o litisconsórcio para que o mesmo deixasse de ser necessário.O outro fundamento da necessaríedade do litisconsórcio é a natureza da relação jurídica deduzida no processo (res in iudicium deducta). Como já foi afirmado anteriormente, toda vez que se ajuíza uma demanda, o autor afirma a existência de uma relação jurídica, a que se costuma designar res in iudicium deducta. Pode ocorrer que essa relação jurídica tenha uma natureza tal que imponha a presença de todos os seus sujeitos no processo, sob pena de ineficácia da sentença de mérito. Trata-se do que a doutrina denomina relação jurídica incin-dível,81 assim entendidas as relações jurídicas de direito material indivisíveis,82 ou seja, aquelas relações jurídicas em que eventuais decisões judiciais que a seu respeito sejam proferidas deverão produzir efeitos sobre todos os seus sujeitos, o que torna indispensável a presença de todos eles no processo.Basta pensar, por exemplo, em uma "ação de anulação de casamento" proposta pelo Ministério Público. Considerando que uma sentença acerca da validade ou invalidade do casamento produzirá, inevitavelmente, efeitos em relação a ambos os cônjuges, torna-se claro que a presença de ambos se faz necessária. Haverá, assim, litisconsórcio necessário entre eles. O mesmo se diga de uma demanda ten-dente a anular um contrato celebrado mediante coação, sendo três os contratantes. A propositura da ação por um deles terá como conseqüência a presença obrigatória dos outros dois no pólo passivo do processo, já que a decisão judicial a ser proferida produzirá seus efeitos em relação a todos os sujeitos da relação jurídica. Outros exemplos são encontrados na "ação de dissolução de sociedade" e na "ação reivindicatória" quando o imóvel estiver registrado em nome de diversas pessoas, caso em que a demanda deverá ser necessariamente oferecida em face de todas elas.83

81 Sobre a relação jurídica incindível como fundamento da necessariedade, Dinamarco, Litisconsórcio, p. 160.82 Não deve espantar que a classificação de um fenômeno de índole processual exija conceitos de direito substancial. O processo é instrumento de atuação do direito material, e só existe em função deste. Qualquer tentativa de isolar o processo seria responsável por gerar um desvio de perspectiva. Os pontos de contato entre o direito processual e o direito material são inúmeros, e aqui estamos apenas diante de um deles.83 Os dois exemplos citados, e muitos outros, podem ser encontrados em Dinamarco, Litisconsórcio, pp. 166-172.167

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Alexandre Freitas CâmaraNesses casos, em que o litisconsorcio é necessário em razão da natureza da relação jurídica, pouco importa a existência de norma dispondo sobre a necessariedade do litisconsorcio. Tal norma seria redundante e, assim, ainda que a mesma fosse revogada, persistiria a necessariedade do litisconsorcio.Há, ainda, que se afirmar que não é aceitável a opinião no sentido de que apenas nas "ações constitutivas" (rectius, "ações de conhecimento com pretensão de sentença constitutiva") poderia haver litisconsorcio necessário.84 Também em demandas de natureza diversa o litisconsorcio necessário se faz presente. Pense-se, por exemplo, na "ação de investigação de paternidade" movida em face dos herdeiros do indigitado pai, já falecido. O litisconsorcio entre os herdeiros é necessário, e a demanda manifesta pretensão de que se profira sentença meramente declaratória. Também se pode encontrar exemplo de litisconsorcio necessário pela natureza da relação jurídica no campo das "ações condenatórias" (rectius, "ações de conhecimento com pretensão de sentença condenatória"), como é o caso da "ação de despejo" promovida pelo locador em face de diversos co-locatários.85

Outra questão a considerar, esta mais complexa e problemática do que a anterior, diz respeito à existência de litisconsórcio necessário ativo. Diverge a doutrina acerca da existência de alguma hipótese em que a legitimidade ativa dependerá da presença, no processo, de todos os litisconsortes. Parte da doutrina defende tal possibilidade,86 enquanto outros a negam categoricamente.87 Afirme-se, ainda, que aqueles que admitem a existência de litisconsórcio necessário ativo afirmam ser o mesmo excepcional, mais excepcional do que é o próprio litisconsórcio necessário passivo.88

84 Trata-se de posição defendida por importante setor da doutrina, sendo de se citar, por todos, Chiovenda, "Sul Litisconsorzio Necessário", ob. cit., p. 440.85 Admite a existência de litisconsórcio necessário fora do campo das "ações constitutivas" Dinamarco, Litisconsórcio, p. 174. Sobre a natureza condenatória da sentença que decreta o despejo, manifestamo-nos anteriormente, tomando posição em questão polêmica, já que alguns autores a consideram constitutiva, e outros ainda dizem ser esta sentença executiva Jato sensu. Confira-se, pois, Alexandre Freitas Câmara, "Da Natureza Jurídica da Sentença de Despejo", in Livro de Estudos Jurídicos, vol. IX, coord. James Tubenchlak e Ricardo Bustamante, Niterói, IEJ, 1994, pp. 104 e seguintes.86 Assim, por todos, Dinamarco, Litisconsórcio, pp. 233-239.87 Nesse sentido, Nery Júnior et alii, Código de Processo Civil Comentado, p. 416.88 Assim, e por todos, Guilherme Estellita, Do Litisconsórcio no Direito Brasileiro, Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1955, p. 325.168

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Lições de Direito Processual CivilParece-nos melhor o entendimento que rejeita o litisconsórcio necessário ativo. Isto porque essa espécie de litisconsórcio, a nosso juízo, violaria a garantia constitucional de acesso ao judiciário, representada pelo princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional. Basta pensar na hipótese em que, havendo litisconsórcio necessário ativo, um dos potenciais litisconsortes não desejasse propor a ação. O outro (ou os outros) litisconsorte, pretendendo oferecer sua demanda, precisaria, para que a mesma pudesse levar a uma sentença de mérito, dispor de um mecanismo que forçasse aquele primeiro sujeito necessário do processo a integrar o pólo ativo da demanda, o que contraria a natureza voluntária do exercício do poder de agir. Não sendo possível provocar o litisconsorte que não pretende demandar, a fim de que este proponha a ação,89 restaria como única alternativa afirmar que o processo instaurado por um dos litisconsortes ativos necessários, sem a concordância do outro, teria como destino inevitável a extinção sem julgamento do mérito,90 o que violentaria a garantia que tem o demandante de ver a sua pretensão apreciada pelo Judiciário, impedindo-o de fazer valer em juízo seu poder de ação.Parece-nos, assim, que inexiste litisconsórcio necessário ativo. Nos casos em que a natureza da relação jurídica impõe a presença de todos os seus sujeitos no processo, esta presença pode se dar em qualquer dos lados da relação processual. Assim sendo, aqueles que não quiserem propor a ação deverão ser incluídos no pólo passivo da demanda.91 Exemplifique-se: numa locação em que haja dois locadores, e pretendendo um deles propor "ação revisional de aluguel", com o fim de obter um aumento do preço da locação, com o que não concorda o seu co-locador, deverá aquele propor a ação em face do locatário e do co-locador que não pretendia ajuizar a demanda. Este co-locador, demandado, poderá assumir uma de diversas condutas possíveis: contestar o pedido do autor, afirmando que o aluguel hoje devido é adequado aos padrões do mercado; reconhecer a procedência do pedido; permanecer revel. De qualquer modo, sua presença no processo torna possível a apreciação do mérito, por estarem presentes na relação processual todos os sujeitos da res in iudicium deducta.89 É tranqüila a doutrina em negar a existência da provocatio ad agendum no Direito brasileiro. Por todos, Dinamarco, Litisconsórcio, p. 223.90 Esta é, diga-se, a solução propugnada por Dinamarco, Litisconsórcio, p. 239.91 Nery Júnior et alü, Código de Processo Civil Comentado, p. 416.169

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A outra espécie de litisconsórcio quanto ao poder aglutinador das razões que provocam o fenômeno é o litisconsórcio facultativo. Este pode ser definido como o litisconsórcio que se forma em razão da vontade de quem propõe a ação. Nesse caso não se impõe a formação do litisconsórcio, mas tão-somente se permite que o mesmo exista. Assim sendo, nos casos em que pode haver litisconsórcio facultativo, a ação poderá ser proposta por vários demandantes, ou em face de diversos réus. Verifica-se, assim, que no litisconsórcio facultativo há o exercício de diversos poderes de ação, que poderiam ter sido exercitados isoladamente, cada qual levando a um provimento de mérito independente. Ao contrário do que ocorre nesta espécie, no litisconsórcio necessário há apenas um poder de ação sendo exercido, uma vez que ali a demanda só poderia ser oferecida se todos os litisconsortes estivessem presentes. Em outros termos, nos casos de litisconsórcio facultativo seria possível que, em vez de se ter um processo único com pluralidade de sujeitos em um dos lados (ou em ambos) da relação processual, se tivesse uma série de processos autônomos, cada qual com apenas um demandante e um demandado.92

Será facultativo o litisconsórcio toda vez que este puder se formar e não ocorrer nenhuma das causas da necessariedade. Em outras palavras, toda vez que o litisconsórcio for possível, mas não imposto pela natureza da relação jurídica (incindível), ou por disposição de lei, ter-se-á litisconsórcio facultativo.O litisconsórcio pode se formar quando ocorre qualquer das hipóteses do art. 46 do Código de Processo Civil. Alguns autores chegam mesmo a afirmar que o art. 46 só regula as hipóteses de litisconsórcio facultativo,93 embora esta não seja a opinião majoritária. Em verdade, o art. 46 apresenta as hipóteses em que o litisconsórcio pode se formar. Ocorrendo qualquer das causas da necessariedade, sua formação será indispensável. Caso contrário, será facultativo. Assim, preferível concordar com aqueles que afirmam que, nos casos do art. 46, pode haver litisconsórcio facultativo, mas o seu inciso I (que será comentado a seguir) engloba também casos de litisconsórcio necessário.94

92 Quanto à pluralidade de ações no litisconsórcio facultativo, e unidade no necessário, Dinamarco, Litisconsórcio, p. 312.93 Assim, por todos, Costa Machado, Código de Processo Civil Interpretado, p. 36.94 Assim, expressamente, Figueiredo Teixeira, Código de Processo Civil Anotado, p. 42: "O art. 46 prevê, nos incisos II a IV, casos de litisconsórcio 'facultativo'. Em relação ao inciso I, em princípio 'facultativo', pode abranger ainda o 'necessário', desde que ocorram os requisitos do art. 47". Neste mesmo sentido, Barbi, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. I, p. 157.170

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Lições de Direito Processual CivilO primeiro caso em que se pode formar o litisconsórcio é o previsto no art. 46,1, do CPC, e que, como visto, engloba hipóteses em que o litisconsórcio pode ser facultativo ou necessário. Trata-se do litisconsórcio por "comunhão de interesses ou obrigações". Assim, podem coligar-se em um dos lados da relação processual pessoas que tenham, em relação à res in iudicium deducta, comunhão de interesses, como no caso dos diversos acionistas de uma sociedade anônima, que pretendam anular uma mesma assembléia de acionistas, ou comunhão de obrigações, como no caso de demanda proposta em face de devedores solidários. Nas hipóteses do art. 46, I, repita-se, haverá litisconsórcio necessário toda vez que assim o determinar a natureza da relação jurídica deduzida no processo, ou alguma disposição de lei. Não havendo tal necessariedade, será facultativo o litisconsórcio, como nos exemplos anteriormente apresentados.Os incisos II e III tratam, em verdade, de uma só hipótese: o litisconsórcio por conexão de causas. O litisconsórcio pode se formar quando em uma mesma oportunidade se quiserem ajuizar demandas conexas pelo pedido ou pela causa de pedir. Assim, por exemplo, pode haver litisconsórcio quando diversas vítimas de um acidente aéreo pretendem haver da empresa transportadora indenização pelos danos sofridos. As diversas ações, das várias vítimas do acidente, são conexas pela causa de pedir, já que todas se fundam no mesmo suporte fático, ou seja, no mesmo fato constitutivo.Há, entre os incisos II e III, uma superposição. A identidade do fundamento, referida no inciso II, gera conexidade pela causa de pedir, mencionada no inciso III, o que torna inteiramente desnecessária a regra contida no primeiro daqueles dois incisos.95

Por fim, será possível o litisconsórcio, neste caso chamado litisconsórcio impróprio, na hipótese do inciso IV do art. 46, em que basta haver um ponto comum de fato ou de direito, ou seja, mera afinidade de questões. Apesar da denominação "impróprio", trata-se de verdadeiro litisconsórcio, e como tal deve ser tratado, aplicando-se aqui as mesmas regras que em qualquer outro processo litisconsorcial. Este é, contudo, o caso em que o vínculo entre os litisconsortes é mais tênue, já que são unidos por mera afinidade de questões. Pode haver95 Por todos, Dinamarco, Litisconsórcio, pp. 92-93. A superposição decorre, como ensina Dinamarco no local citado, do fato de ter o legislador bebido em fontes diversas na elaboração do art. 46. Assim, o inciso II tem origem germânica, enquanto o inciso III, que trata da conexidade, revela origem italiana.171

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afinidade de questões de fato, como no caso do fazendeiro que demanda seus vizinhos que, sem concerto prévio, colocam seus animais na fazenda do demandante. Note-se que temos aqui dois fatos semelhantes, o que não ocorreria se entre os demandados tivesse havido ajuste prévio, caso em que se teria um único fato, cometido pelos réus em conjunto. O litisconsórcio pode, também, se formar por afinidade de questões de direito, como no caso de diversos contribuintes que se unem para demandar em face da Fazenda Pública, com o fim de se prevenir da cobrança de tributo cuja inconstitucionalidade se argúi.96

Pode-se, assim, falar que existem três figuras de litisconsórcio:^ litisconsórcio por comunhão (este podendo ser necessário ou facultativo), por conexão de causas e por afinidade (esses dois últimos sempre facultativos). Entre eles há, como facilmente se nota, uma escalada de intensidade do vínculo que une os litisconsortes, desde um vínculo fortíssimo, representado pela comunhão, até um muito tênue, a mera afinidade de questões.Quanto ao litisconsórcio facultativo, há ainda uma consideração a fazer. Trata-se da regra contida no parágrafo único do art. 46 do CPC, responsável por regular o que já se chamou de limitação do "litisconsórcio multitudinário".98 Há casos em que o número de litisconsortes facultativos em um determinado processo é tal que dificulta a defesa dos interesses das partes ou impede a rápida entrega da prestação jurisdicional. Forma-se, assim, verdadeira multidão de litisconsortes, o chamado litisconsórcio multitudinário. É de se notar, desde logo, que não há uma fixação prévia de quantos litisconsortes formam uma multidão, pois caberá ao juiz, diante do caso concreto, dizer o que é ou não excessivo para o processo em que se formou a coligação de partes. Assim, nada impede que em um dado processo se admita um litisconsórcio formado por centenas de pessoas, enquanto em outro se considere excessiva a coligação de dez pessoas, ou outro número qualquer.Considerando-se que entre os objetivos da existência do litisconsórcio encontra-se a economia processual, com a possibilidade

J96 Os dois exemplos são dados por Barbi, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. I, p. 162.97 A expressão "três figuras do litisconsórcio" é de Machado Guimarães, um dos maiores processualistas que o Brasil já teve, e pode ser encontrada em Machado Guimarães, "As três figuras do litisconsórcio", in Estudos de Direito Processual Civil, Rio de Janeiro: Editora Jurídica e Universitária, 1969, p. 201.98 A denominação aqui empregada foi utilizada por Dinamarco, A Reforma do Código de Processo Civil, p. 59, e por nós adotada em Freitas Câmara, Lineamentos do Novo Processo Civil, p. 24.172

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rLições de Direito Processual Civilde se obter um resultado mais efetivo do processo com menor dispên-dio de energias e de tempo, o litisconsórcio multitudinário contraria esses fins, sendo assim desejável a sua limitação. Por essa razão, o art. 46, parágrafo único, do CPC permite a limitação do litisconsórcio facultativo (apenas do facultativo, óbvio, pois, sendo necessário o litisconsórcio todos os litisconsortes terão de, obrigatoriamente, permanecer no processo) toda vez que o número de coligados dificultar a defesa ou a rápida solução do processo.Caberá ao juiz, no caso concreto, estabelecer quem permanece no processo e quem dele será excluído, por decisão fundamentada, e devendo a decisão ser proferida com vistas a permitir que se alcancem os objetivos da norma, quais sejam, assegurar uma mais rápida entrega da prestação jurisdicional, com amplas garantias, para ambas as partes, de defesa de seus interesses.A limitação poderá ser feita de ofício ou a requerimento da parte." Havendo requerimento, este poderá ser formulado pelo demandado no prazo da resposta,100 e interromperá o prazo para oferecimento desta. Trata-se de interrupção de prazo, e não de mera suspensão, o que faz com que, formulado o requerimento de limitação, seja restituído por inteiro ao demandado o prazo de que dispõe para responder à demanda.Questão que se mostra extremamente relevante, e prenhe de dúvidas em doutrina, é a das conseqüências da decisão do juiz que limita o litisconsórcio multitudinário. Quais os seus efeitos em relação aos litisconsortes que não poderão permanecer naquela relação processual? Divide-se a doutrina em duas correntes, uma pregando o desmembramento do processo original em tantos quantos sejam necessários,101

enquanto a outra defende a pura e simples exclusão dos litisconsortes (ou de alguns deles).102 Já aderimos à segunda99 Freitas Câmara, Lineamentos do Novo Processo Civil, p. 24. Em sentido contrário, entendendo que ao juiz não é dado proceder de ofício à limitação do litisconsórcio, Calmon de Passos, Inovações no Código de Processo Civil, Rio de Janeiro: Forense, 1995, p. 76.100 Assim nos pronunciamos em Freitas Câmara, Lineamentos do Novo Processo Civil, p. 24, com apoio em Carreira Alvim, Código de Processo Civil Reformado, p. 42. Contra, entendendo que no silêncio da lei o prazo para o requerimento de limitação é de cinco dias, Dinamarco, A Reforma do Código de Processo Civil, p. 61, entendendo este autor que o prazo a que se refere não é preclusivo, podendo assim o requerimento ser formulado na própria resposta, ou depois, a qualquer tempo.101 Assim, por todos, Carreira Alvim, Código de Processo Civil Reformado, pp. 39-40.102 Neste sentido, Sérgio Bermudes, A Reforma do Código de Processo Civil, São Paulo: Saraiva, 2a ed., 1996, p. 10; Luiz Paulo da Silva Araújo Filho, "Considerações sobre Algumas das Reformas do Código de Processo Civil", in RePro, vol. 77, p. 80.173

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Alexandre Freitas Câmaradessas posições,103 por nos parecer a que melhor atende aos objetivos da reforma do CPC. Os inconvenientes do desmembramento do processo, como a necessidade de se formarem novos autos, de se discutir qual seria o juízo competente para os novos processos que se formassem, entre outros, fariam com que o processo acabasse por ter seu encerramento ainda mais retardado, o que somente se evitaria com a exclusão. Dessa forma, caberá ao juiz excluir os litisconsortes (ou alguns deles) do processo, mantendo-se aberta a possibilidade de ajuizamento de novas demandas, em que esses serão partes, for-mando-se assim novos processos.A decisão que determina a exclusão de litisconsortes é decisão interlocutória, passível de impugnação através do recurso de agravo. Aqui cabe uma importante observação. No processo em que se forma o litisconsórcio há um único processo com pluralidade de partes. Assim, a decisão que exclui alguns desses sujeitos não tem força para extinguir o processo, que permanecerá com os sujeitos não-excluídos. Não se pode considerar que no processo litisconsorcial haja tantas relações processuais quantos sejam os litisconsortes, razão pela qual se mostra inadmissível entender-se que a decisão que exclui o litis-consorte seria sentença (por estar pondo termo àquela relação processual formada pelo litisconsorte excluído). O processo litisconsorcial é processo único com pluralidade de partes, e assim deve ser tratado.Quanto ao regime de tratamento dos litisconsortes, há que se falar em litisconsórcio unitário e litisconsórcio simples ou comum.Há litisconsórcio unitário nas hipóteses em que, em razão da natureza da relação jurídica in iudicium deducta, a decisão da causa tem de ser, obrigatoriamente, uniforme para todos os litisconsortes. Basta pensar no tradicional exemplo da "ação de anulação de casamento" proposta pelo Ministério Público em face de ambos os cônjuges, em que o juiz não poderia anular o casamento para apenas um dos réus, e não o fazer em relação ao outro. Trata-se de hipótese em que a decisão será, obrigatoriamente, a mesma para todos os litisconsortes, o que faz com que se esteja diante de litisconsórcio unitário.É de se notar o seguinte: o que gera a unitariedade do litisconsórcio é a natureza da relação jurídica, que, sendo incindível, leva o juiz a proferir decisão uniforme em relação a todos os seus sujeitos. Em outras palavras, a mesma relação jurídica que fez com que o103 Freitas Câmara, Lineamentos do Novo Processo Civil, p. 26.174

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Lições de Direito Processual Civillitisconsorcio fosse necessário faz também com que ele seja unitário.104 Sendo incindível a relação jurídica deduzida no processo, ou seja, tratando-se de relação jurídica que provocará a prolação de uma decisão que irá, necessariamente, afetar todos os seus sujeitos, exige-se a presença de todos eles no processo (litisconsorcio necessário), e profere-se decisão única, uniforme em relação a todos eles (litisconsorcio unitário).Não se pense, porém, que o litisconsorcio unitário é espécie de litisconsorcio necessário.105 Os dois fenômenos são distintos, e é preciso fixar essa distinção. Quando se afirma ser necessário determinado litisconsorcio, esta afirmação nos leva apenas a concluir que a presença de todos os litisconsortes é essencial para que o processo se desenvolva em direção ao provimento final de mérito. Nada se diz sobre a forma como será decidida a causa submetida ao judiciário. De outro lado, quando se afirma ser unitário o litisconsorcio, o que se diz é que a decisão de mérito será, obrigatoriamente, uniforme para todos os litisconsortes, não se admitindo que os mesmos recebam, na decisão, tratamento diferenciado. Nada se diz, porém, quanto a ser ou não indispensável a presença de todos os litisconsortes na relação processual. Verifica-se, assim, que estamos diante de duas classificações diferentes, e que litisconsorcio necessário e litisconsorcio unitário são fenômenos que não podem ser confundidos.Há que se verificar, ainda, que nem todo litisconsorcio necessário é unitário. Como vimos, há duas causas da necessariedade: alguma disposição de lei e a natureza da relação jurídica. E certo que, em sendo o litisconsorcio necessário pela natureza incindível da relação jurídica ín iudicium deducta, ele será, além de necessário, também unitário. É o que se tem, por exemplo, na clássica situação da "ação de anulação de casamento" proposta pelo Ministério Público em face de ambos os cônjuges. O litisconsorcio ali é formado em razão da natureza104 Este fundamento comum da necessariedade e da unitariedade foi também observado por Dinamarco, Litisconsorcio, pp. 159-160.105 No sentido do texto, Dinamarco, Litisconsorcio, pp. 121-122. Contra, afirmando ser o litisconsorcio unitário espécie de necessário, Baptista da Silva, Curso de Processo Civil, vol. I, p. 213. É de se afirmar que Pontes de Miranda, apontado por Dinamarco como defensor da idéia de que o litisconsorcio unitário seria espécie do necessário, assim se exprimia: "Nem todos os litisconsórcios unitários são litisconsórcios necessários, e nem todos os litisconsórcios necessários são unitários", o que mostra que, em verdade, este jurista distinguia os dois fenômenos, como o faz a melhor doutrina (cf. Pontes de Miranda, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. II, p. 31).175

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incindível da relação jurídica, sendo pois necessário e unitário. Há casos, porém, em que o litisconsorcio é necessário por disposição de lei, o que faz com que o mesmo, embora indispensável sua formação, não se revele unitário. É o que se dá na "ação de usucapião", em que o litisconsorcio entre aquele em cujo nome o imóvel está registrado e os confinantes do prédio é necessário por força de lei, não sendo unitário.De outro lado, também se pode afirmar que nem todo litisconsorcio unitário é necessário. Aqui cabe uma explicação: os fenômenos do litisconsorcio unitário e do litisconsorcio necessário pela natureza da relação jurídica não são inteiramente independentes, uma vez que decorrem de uma mesma situação geradora, qual seja, a natureza incindível da res in iudicium deducta. Assim é que podemos afirmar, sem medo de errar, que o litisconsorcio unitário será, em regra, também necessário.106

Há casos, porém, em que o litisconsorcio unitário será facultativo. É o que se dá quando ocorre "dispensa da necessariedade". Em outros termos, haverá casos em que, embora unitário o litisconsorcio, o ordenamento jurídico dispensa a presença de todos os litisconsortes no pro-cesso, tornando-o facultativo. Exemplo de litisconsorcio unitário facultativo se dá toda vez que o litisconsorcio unitário se forma no pólo ativo da relação processual (pois, como visto, não existe litisconsorcio necessário ativo). Pense-se, e.g., numa demanda em que diversos acionistas de uma determinada sociedade anônima pretendem, em litisconsorcio, a anulação de uma assembléia de acionistas. O litisconsorcio é iniludivel-mente unitário, visto que não seria dado ao juiz anular a assembléia para um dos acionistas e não o fazer em relação aos demais. Ninguém poria em dúvida, por outro lado, o caráter facultativo do litisconsorcio. O mesmo se dá no caso de solidariedade passiva, em que o credor pode demandar a condenação de apenas um dos devedores a pagar a dívida inteira (litisconsorcio facultativo, portanto), mas em propondo a ação em face de dois ou mais dos co-devedores solidários verá a formação de um litisconsorcio facultativo unitário.107

106 No mesmo sentido, Greco Filho, Direito Processual Civil Brasileiro, vol. I, p. 123.107 Não é pacífica a afirmação de que o litisconsorcio formado entre devedores solidários seja unitário. No sentido do texto, afirmando a unitariedade no caso, Greco Filho, Direito Processual Civil Brasileiro, vol. I, p. 123. Contra, afirmando que o litisconsorcio entre devedores solidários não é unitário, Dinamarco, Litisconsorcio, p. 158.176

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Verifica-se, assim, que necessariedade e unitariedade são fenômenos distintos, e que pode haver litisconsórcio necessário não-unitário, bem assim pode existir litisconsórcio unitário não-necessário (facultativo).Vista esta questão, pode-se fazer referência ao art. 47 do CPC, que é, sem sombra de dúvida, um dos mais controvertidos de todo o Código. Isto porque, no dizer de autorizada doutrina, este dispositivo teria definido o litisconsórcio unitário como se fosse o necessário. Dispõe o referido artigo: "Há litisconsórcio necessário, quando, por disposição de lei ou pela natureza da relação jurídica, o juiz tiver de decidir a lide de modo uniforme para todas as partes; caso em que a eficácia da sentença dependerá da citação de todos os litisconsortes no processo".E freqüente, como dito, encontrarmos em doutrina a afirmação de que o dispositivo confunde os conceitos de litisconsórcio necessário e de litisconsórcio unitário ao dispor que "há litisconsórcio necessário, quando... o juiz tiver de decidir a lide de modo uniforme para todas as partes".108 Não nos parece, porém, inteiramente procedente a crítica. Em verdade, a única crítica que se pode fazer ao referido dispositivo do CPC é o de ter uma palavra (a conjunção "quando") fora do lugar apropriado. Ao se colocar a palavra citada no lugar que lhe é próprio ter-se-á um dispositivo imune a críticas, onde se lê:Há litisconsórcio necessário por disposição de lei, ou quando, pela natureza da relação jurídica, o juiz tiver de decidir a lide de modo uniforme para todas as partes; caso em que a eficácia da sentença dependerá da citação de todos os litisconsortes no processo.Assim se entendendo o dispositivo, teremos que haverá litisconsórcio necessário por disposição de lei, e também será necessário o litisconsórcio quando assim o exigir a natureza da relação jurídica, que, sendo incindível, levará o juiz a decidir o mérito de modo uniforme em relação a todos os litisconsortes. Nesta segunda situação, além de necessário, o litisconsórcio é também unitário. Tanto numa situação108 É antiga a crítica que aqui se reproduz, e foi feita já ao tempo do Anteprojeto que resultou no vigente CPC. Por todos, consulte-se Barbosa Moreira, Estudos sobre o Novo Código de Processo Civil, Rio de Janeiro: Liber Júris, 1974, pp. 74-75.177

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Alexandre Freitas Câmaracomo noutra, a presença de todos os litisconsortes será essencial para a eficácia da decisão de mérito.109

Ao lado deste primeiro regime de tratamento dos litisconsortes (litisconsórcio unitário), há uma segunda espécie, chamado litisconsór-cio simples ou comum. Neste, existe a possibilidade de decisões divergentes em relação a cada um dos litisconsortes. Basta pensar na demanda ajuizada por diversas vítimas de um acidente em face do causador do evento, em que um dos autores não consiga ter demonstrado dano algum, enquanto os outros o conseguem. Parece claro que, neste caso, o pedido daquele primeiro autor será julgado improcedente, enquanto os pedidos dos demais serão procedentes. Note-se que no litisconsórcio comum não há uma obrigatoriedade de decisões diferentes, mas tão-somente uma possibilidade de que isto ocorra.Por fim, a última forma de se classificar o litisconsórcio, quanto ao momento de sua formação, que comporta duas espécies: litisconsórcio inicial, ou originário, e litisconsórcio ulterior ou superveniente.Trata-se de fenômeno em que as designações utilizadas são auto-explicativas, pois se torna claro, pela menção da denominação, que o litisconsórcio originário se forma desde a instauração do processo, enquanto o litisconsórcio superveniente se forma apenas no curso do processo.A regra, naturalmente, é o litisconsórcio originário, visto que na maioria dos casos em que há processo litisconsorcial este já se apresenta com esta característica desde a propositura da ação, com vários autores demandando em conjunto, ou com a demanda sendo oferecida simultaneamente em face de diversos réus. Há casos, porém, de litisconsórcio superveniente, como se tem no chamamento ao processo (fenômeno a ser estudado adiante, entre as espécies de intervenção de terceiro, e que provoca a entrada de litisconsortes passivos num processo já em andamento). Outra hipótese de litisconsórcio superveniente se dá em razão da sucessão processual. Basta pensar no exemplo de uma "ação reivindicatória" movida por A em face de B em que este, no curso do processo, aliena a coisa litigiosa a duas pessoas. Concordando A com a alteração do pólo passivo, este deixará de ser ocupado por B, que será sucedido pelos adquirentes, em litisconsórcio. Trata-se, como se vê facilmente, de litisconsórcio formado no curso do processo, e, portanto, superveniente.109 No mesmo sentido ora propugnado para a interpretação do art. 47, Dinamarco, Litisconsórcio, p. 141.178

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Este é o momento adequado para se examinar um fenômeno sobre cuja admissibilidade se controverte no Direito brasileiro: a chamada intervenção litisconsorcial voluntária.Já se definiu este fenômeno, em nobre sede doutrinária, como "intervenção voluntária, no curso da instância [rectius, do processo], como litisconsorte, de pessoa estranha à relação processual originária - e, portanto, terceiro em face das partes".110 Trata-se de fenômeno que, como ensina o aqui tantas vezes citado Cândido Rangel Dinamarco, merece ser analisado quando do estudo do litisconsórcio, e não, como costuma ser feito, na análise das espécies de intervenção de terceiros.111 Realmente, a admissão deste tipo de intervenção terá como efeito necessário a formação de um litisconsórcio ulterior, razão pela qual a inclusão do fenômeno na sistemática do litisconsórcio se impõe.Pela intervenção litisconsorcial voluntária um terceiro, estranho à relação processual originária, ingressa no feito como litisconsorte de uma das partes, fazendo valer direito seu em face do adversário. Trata-se de fenômeno bastante freqüente, ocorrendo, por exemplo, em hipóteses como a de demanda ajuizada por servidor público em face do Estado, em que se pleiteia o pagamento de alguma vantagem patrimonial (como um "qüinqüênio", ou um "triênio"), em que outro servidor público, que pretende receber verba da mesma natureza (mas não, note-se, a mesma verba; tão-somente verba da mesma natureza, já que cada servidor público tem um crédito seu, pessoal, em face do Estado), intervém no processo originalmente instaurado por ato daquele primeiro servidor, para tornar-se litisconsorte deste.O interveniente exerce, pois, ação própria, indo a juízo em defesa de interesse próprio, e pleiteando para si a tutela jurisdicional.O fenômeno é também muito freqüente em mandados de segurança, principalmente quando no processo é concedida uma medida liminar, motivo que leva outras pessoas (que poderiam ter sido litis-consortes originários) a pretender seu ingresso no feito, como litisconsortes supervenientes, a fim de receber os efeitos benéficos daquela decisão proferida in limine litis.Embora venha sendo aceita na prática, e encontre respaldo em boa doutrina, sempre nos pareceu que a intervenção litisconsorcial voluntária não poderia ser aceita no Direito brasileiro. Tal impossibilidade110 José Carlos Barbosa Moreira, "Intervenção Litisconsorcial Voluntária", in Direito Processual Civil, p. 21.111 Dinamarco, Litisconsórcio, p. 55.179

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Idecorre, a nosso juízo, do fato de que, com esta intervenção, o interve-niente estaria escolhendo o juízo onde tramitaria seu processo, elegendo livremente o juiz a que sua causa será submetida, o que viola o princípio do juiz natural.112 É sabido que há casos polêmicos, em que alguns juizes concedem liminares, protegendo desde logo o direito do demandante, enquanto outros magistrados negam a concessão de decisões logo ao início do processo nas mesmas hipóteses. Nestes casos, tem-se revelado freqüente que, proposta uma demanda, e sendo concedida a liminar, outras pessoas pretendam intervir como litiscon-sortes no processo, com o único fim de assegurar, desde logo, a extensão para si da liminar já proferida, desaparecendo assim o risco de ver sua demanda distribuída a um juízo onde decisão análoga não seria proferida. Esta escolha de juízo, a nosso sentir, viola flagrantemente a garantia constitucional do juiz natural, razão pela qual não nos parece admissível tal modalidade de intervenção.Por fim, e para encerrar esta exposição acerca do litisconsórcio, há que se tecer algumas rápidas considerações sobre a "dinâmica do litisconsórcio", ou seja, sobre a forma como se desenvolve o processo litisconsorcial.Em primeiro lugar, há que se fazer menção ao chamado "princípio da independência dos litisconsortes", consagrado no art. 48 do CPC, segundo o qual "salvo disposição em contrário, os litisconsortes serão considerados, em suas relações com a parte adversa, como litigantes distintos; os atos e as omissões de um não prejudicarão nem beneficiarão os outros".Trata-se de princípio aplicável, tão-somente, ao litisconsórcio comum (ou simples), sendo incompatível com o litisconsórcio unitário.113 Mesmo no litisconsórcio comum, contudo, o princípio não será observado integralmente. A independência dos litisconsortes, propug-nada pelo art. 48, é relativa, havendo casos em que, mesmo no litisconsórcio comum, os atos ou omissões de um dos litisconsortes irão gerar seus efeitos em relação aos demais.112 No mesmo sentido do texto, Greco Filho, Direito Processual Civil Brasileiro, vol. I, p. 129.113 Neste sentido, Tornaghi, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. I, p. 220; Pontes de Miranda, Comentários ao Código de Processo Civil, tomo II, pp. 48-49; Dinamarco, Litisconsórcio, p. 123. Em sentido um pouco diverso, admitindo alguma aplicação do prin- cípio ao litisconsórcio unitário, por entender que os atos e omissões de um litisconsorte, nesta espécie de coligação, também não podem prejudicar os demais, Barbi, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. I, p. 170.180

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Tal relatividade do princípio da independência dos litisconsortes decorre de causas ligadas à própria lógica do processo, que exige harmonia nos pronunciamentos judiciais. E certo que no litisconsórcio comum a decisão da causa não será necessariamente uniforme em relação a todos os litisconsortes, mas viola o bom senso aceitar a idéia de que o juiz poderia considerar, em sua sentença, que determinado fato, ao mesmo tempo, ocorreu (para o litisconsorte que conseguiu prová-lo) e não ocorreu (para os demais litisconsortes), ou ainda que o juiz adote, em sua sentença, teses jurídicas antagônicas para cada um dos litisconsortes.114 Haverá casos, pois, em que a atuação de um dos litisconsortes produzirá efeitos em relação aos demais.Há, aliás, casos em que o próprio Código de Processo prevê que a atuação de um litisconsorte produzirá efeitos sobre os demais, como nos casos dos arts. 320, I (em que a contestação oferecida por um dos litisconsortes aproveita aos demais), e 739, § 3a (onde se afirma que os embargos opostos à execução por um dos executados suspenderão a mesma em relação aos seus litisconsortes, toda vez que o fundamento dos embargos for comum a todos).Já no litisconsórcio unitário, em que a decisão de mérito será obrigatoriamente uniforme em relação a todos os litisconsortes, o que se dá em razão da incindibilidade da relação jurídica in iudicium deducta, a conduta de um litisconsorte terá, naturalmente, implicações no destino dos demais. Assim é que, no litisconsórcio unitário, atos haverá que, praticados por apenas um dos litisconsortes, aproveitarão a todos. Da mesma forma, alguns atos só serão eficazes se praticados por todos os litisconsortes.No primeiro caso estão os recursos interpostos por apenas um dos litisconsortes unitários, que aproveitam a todos (art. 509 do CPC, aplicável apenas ao litisconsórcio unitário). Além dos recursos, encontram-se nesta situação todas as condutas alternativas, isto é, todas as condutas capazes de criar condições para um resultado favorável no processo. Na segunda situação, dos atos que só serão eficazes se praticados por todos os litisconsortes unitários, encontram-se todas as condutas determinantes, isto é, todas aquelas condutas que levam, inexoravelmente, a um resultado desfavorável, como, por exemplo, a renúncia à pretensão, ou o reconhecimento da procedência do pedido.115

114 Dinamarco, Litisconsórcio, p. 125.115 José Carlos Barbosa Moreira, Litisconsórcio Unitário, Rio de Janeiro: Forense, 1972, pp. 161-175; Dinamarco, Litisconsórcio, p. 48.181

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Alexandre Freitas CâmaraObservação importante deve ser feita a respeito da confissão. Esta, nos termos do art. 350 do CPC, não prejudica os litisconsortes. Esta afirmação, porém, deve ser tomada com cuidado, sendo de interpretá-la cura grano salis. Em primeiro lugar, há que se verificar as conseqüências da confissão feita por apenas um dos litisconsortes quando estivermos diante de litisconsorcio comum (ou simples). Neste, como visto, a regra é o princípio da independência dos litisconsortes, o que nos levaria, em princípio, a concluir que a confissão feita por apenas um deles não prejudicaria os demais. Ocorre, porém, que por ocasião da sentença, ao valorar as provas constantes dos autos (o que faz livremente, mediante aplicação do princípio do livre convencimento motivado, ou persuasão racional), o juiz deverá atribuir àquela confissão o valor que entender adequado, como meio de prova que é. Considerando-se que não se poderia admitir, por contrariar a lógica, que o juiz tivesse por provado o fato em relação ao litisconsorte que confessou, e não comprovado em relação aos demais, é certo que na sentença se poderá verificar que aquela confissão produziu efeitos em relação aos demais litisconsortes.116

Já no que concerne ao litisconsorcio unitário, há que se verificar se a confissão é um comportamento alternativo ou determinante, para que se possa saber se será a mesma ineficaz quando provier de apenas um (ou alguns) dos litisconsortes. Considerando-se, também aqui, que o juiz é livre para valorar as provas dos autos, tendo sido superada a época em que a confissão era prova plena, não se pode afirmar que seja este meio de prova uma conduta determinante, já que suas conseqüências serão verificadas em conjunto com todo o material probatório, do qual é parte integrante. Trata-se, pois, de conduta alternativa e, em sendo assim, eficaz, ainda que não tenha sido praticada por todos os litisconsortes.117

Além do exposto, e para encerrar a análise da "dinâmica do litisconsorcio", não se pode deixar de lembrar que, em tendo os litisconsortes advogados diferentes, serão duplicados todos os seus prazos para se manifestar no processo (art. 191 do CPC).

4.6. Intervenção de TerceirosVisto o litisconsorcio, passa-se agora a outra manifestação do fenômeno genericamente intitulado "pluralidade de partes", qual seja, a116 No mesmo sentido, Greco Filho, Direito Processual Civil Brasileiro, vol. I, p. 125.117 Dinamarco, Litisconsorcio, p. 147.182

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intervenção de terceiros. Antes de mais nada, é preciso fixar o conceito de terceiro, o que se revela essencial para que se possa bem compreender os casos de intervenção.Terceiro é conceito a que se chega por negação. É terceiro quem não é parte.118 Assim, num processo em que são partes um Fulano e um Beltrano, serão terceiros todas as demais pessoas que não estes dois.Assim é que, conhecido o conceito de terceiro, podemos definir a intervenção de terceiro como o ingresso, num processo, de quem não é parte.119

Justifica-se a existência das diversas modalidades de intervenção de terceiros pelo fato de o processo poder produzir efeitos sobre a esfera jurídica de interesses de pessoas estranhas à relação processual. Basta pensar nas conseqüências de uma sentença que decreta o despejo sobre o sublocatário de um imóvel, quando são partes da demanda apenas o locador e o locatário; ou nos efeitos de uma sentença que provoque a evicção sobre as relações entre o adquirente do bem que acaba de ser perdido e aquele que lhe alienou a coisa. É por estas razões que, nos casos expressamente previstos em lei, admite-se a alteração subjetiva da relação processual, com o ingresso de quem originariamente não figurava como parte.É de se observar que o terceiro torna-se parte no momento em que intervém.120 Relembre-se, aqui, que há dois conceitos distintos de parte com relevância para o Direito Processual: os de parte da demanda e de parte do processo. O terceiro, que não é parte da demanda, torna-se -com a intervenção - parte do processo.121 É de se notar, porém, que não se pode considerar intervenção de terceiro o ingresso no processo de um litisconsorte necessário que se encontrava ausente.122 Isto porque o118 Athos Gusmão Carneiro, Intervenção de Terceiros, São Paulo: Saraiva, 8a ed., 1996, p. 47.119 Em sentido aproximado, aduzindo ainda que é preciso estar o terceiro devidamente autorizado a intervir, Vicente Greco Filho, Da Intervenção de Terceiros, São Paulo: Saraiva, 3a ed., 1991, p. 72.120 Trata-se do chamado "critério cronológico", defendido por diversos autores de nomeada, como J. Ramiro Podetti, Tratado dela Tercería, Buenos Aires: Ediar, 1949, p. 32; Luiz Fux, intervenção de Terceiros (Aspectos do instituto), São Paulo: Saraiva, 1990, p. 6. Contra, entendendo que o critério cronológico não é adequado, Greco Filho, Da Intervenção de Terceiros, p. 22.121 É certo, porém, que o terceiro poderá se tornar também parte de outra demanda, como ocorre na denunciação da lide, ou até mesmo da demanda original, como se dá no chamamento ao processo.122 Gusmão Carneiro, Intervenção de Terceiros, p. 48, citando ainda o caso de sucessão processual como ingresso no processo de quem não é parte originária da demanda e que não pode ser considerado intervenção de terceiro.183

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Alexandre Freitas Câmaralitisconsorte necessário é parte originária, que deveria figurar no processo desde o início, não se podendo considerá-lo terceiro.O Código de Processo Civil regula, no capítulo dedicado à intervenção de terceiros (arts. 56 a 80), quatro figuras: oposição, nomeação à autoria, denunciação da lide e chamamento ao processo. Além destas, porém, duas outras figuras serão examinadas aqui: a assistência e o recurso de terceiro. Embora não estejam incluídas no capítulo próprio, não há dúvidas em sede doutrinária quanto à sua inclusão na ca-tegoria das intervenções de terceiros.123 O próprio Código de Processo Civil, aliás, em seu art. 280 (com a redação que lhe deu a Lei n° 10.444/2002), reconhece que assistência e recurso de terceiro são espécies de intervenção de terceiros, ao dispor que "no procedimento sumário não são admissíveis a ação declaratória incidental e a intervenção de terceiros, salvo a assistência, o recurso de terceiro prejudicado e a intervenção fundada em contrato de seguro".124

As modalidades de intervenção de terceiro podem ser divididas em dois grupos: intervenções voluntárias ou espontâneas e intervenções forçadas ou coadas.125 Nas primeiras, a intervenção do terceiro ocorre por ato de vontade, ingressando este no processo porque pretende tomar parte da relação processual. É o que se tem na assistência, oposição e recurso de terceiro. Já as intervenções forçadas são aquelas em que o ingresso do terceiro é provocado, sendo requerido por alguma das partes originárias: nomeação à autoria, denunciação da lide, chamamento ao processo.É de se notar que as intervenções forçadas são necessariamente provocadas por alguma das partes, não podendo jamais serem determinadas de ofício pelo juiz. Pode o autor provocar a denunciação da lide, enquanto o réu pode suscitar qualquer das três modalidades de intervenção forçada: denunciação da lide, chamamento ao processo e nomeação à autoria.123 Assim, entre outros, incluem a assistência e o recurso de terceiro prejudicado entre as intervenções de terceiro, Greco Filho, Da Intervenção de Terceiros, pp. 73 e 101; Fux, Intervenção de Terceiros (aspectos do instituto), p. 7.124 Sobre a importância deste dispositivo, que reconheceu expressamente a natureza de intervenção de terceiro aos dois institutos aqui mencionados, já nos manifestamos anteriormente. Confira-se, pois, Freitas Câmara, Dos Procedimentos Sumário e Sumaríssimo, p. 72; idem, Lineamentos do Novo Processo Civil, p. 47.125 Adotam esta classificação, entre outros, Fux, Intervenção de Terceiros (aspectos do instituto), p. 7; Greco Filho, Da Intervenção de Terceiros, p. 72; Gusmão Carneiro, Intervenção de Terceiros, p. 55.184

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Vistas estas questões introdutórias, de ordem geral, passamos à análise de cada uma das seis modalidades aqui já referidas, na ordem em que as mesmas são reguladas no Código de Processo Civil.

4.6.1. AssistênciaEmbora não esteja, como visto, incluída no capítulo do Código que trata da intervenção de terceiros, a assistência é, sem sombra de dúvida, a mais relevante entre todas as espécies desta categoria.126 Pode-se definir a assistência como uma intervenção ad coadju-vandum,127 o que demonstra que, nesta modalidade de intervenção, o terceiro (assistente) ingressa na relação processual com o fim de auxiliar uma das partes originárias (o assistido).Assim é que, nos termos do art. 50 do CPC, "pendendo uma causa entre duas ou mais pessoas, o terceiro, que tiver interesse jurídico em que a sentença seja favorável a uma delas, poderá intervir no processo para assisti-la". Autoriza, assim, o dispositivo citado, que o terceiro, titular de interesse jurídico na vitória de qualquer das partes, ingresse no processo como seu auxiliar, a fim de assisti-la.Trata-se a assistência de instituto com origem no Direito Romano,128 e que encontra pouso nos mais diversos ordenamentos jurídicos contemporâneos. Assim, entre outros, pode-se fazer referência à inter-vención adhesiva do Direito espanhol,129 ao instituto de idêntico nome do Direito argentino,130 ao intervento adesivo do Direito italiano,131 além da assistência do Direito português.132

A assistência é cabível a qualquer tempo, e em qualquer grau de jurisdição, podendo o assistente, pois, ingressar no processo em qualquer de suas fases, e o recebendo no estado em que se encontra. É, porém,126 É de se notar que houve quem aplaudisse o Código por excluir a assistência do capítulo da intervenção de terceiros. Assim, Pontes de Miranda, Comentários ao Código de Processo Civil, tomo II, p. 55.127 Fux, Intervenção de Terceiros (aspectos do instituto), p. 8.128 Por todos, consulte-se Moacyr Lobo da Costa, Assistência, São Paulo: Saraiva, 1968, p. 1.129 Para o Direito espanhol, consulte-se Juan Montero Aroca, La Intervención Adhesiva Simple, Barcelona: Editorial Hispano Europea, 1972, passim.130 Sobre o Direito argentino, por todos, Lino Enrique Palácio, Manual de Derecho Procesal Civil, vol. I, Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 10a ed., 1993, pp. 342-343.131 A respeito do Direito italiano, Mandrioli, Corso di Diritto Processuale Civile, vol. I, pp. 331-334.132 Acerca do Direito português, é de se consultar a obra de João de Castro Mendes, Direito Processual Civil, vol. II, Lisboa: AAFDL, 1987, pp. 341-343.185

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incompatível com o processo de execução,133 assim como é inadmissível no processo dos Juizados Especiais Cíveis (art. 10 da Lei na 9.099/95).São duas as espécies de assistência, diferindo entre si pelo tipo de interesse jurídico revelado pelo terceiro interveniente: assistência simples (ou adesiva) e assistência qualificada (ou litisconsorcial).Na assistência qualificada, o terceiro tem, no dizer do Código de Processo Civil, relação jurídica com o adversário do assistido. Esta relação jurídica, referida no art. 54, não é outra senão a própria res in iudicium deducta.134: Explique-se: na assistência qualificada o terceiro interveniente também é titular da relação jurídica deduzida no processo, embora não tenha sido parte na demanda. Sendo, porém, uma relação jurídica plúrima, não se poderia impedir que seus demais titulares ingressassem no processo, com o fim de auxiliar aquele cuja vitória lhes interessa. Pense-se, por exemplo, numa demanda em que o credor de uma obrigação exige de um entre os devedores solidários a integralidade da dívida comum. Não se pode negar a existência, por parte dos co-devedores solidários, de interesse na vitória do que foi demandado. Podem, pois, intervir como assistentes. Sendo os terceiros sujeitos da própria res in iudicium deducta, serão considerados assistentes qualificados (ou litisconsorciais).É de se notar que, a despeito da redação do art. 54 do CPC, o assistente qualificado não é litisconsorte, mas mero assistente.135 Não é litisconsorte, mas é tratado "como se fosse". Em outras palavras, o assistente qualificado não adquire a posição de autor (não podendo, por isso, formular pedido em seu favor), nem tampouco a de réu (não podendo ser, e.g., condenado em favor do autor), mantendo-se como pessoa estranha à demanda. Torna-se parte apenas no processo, podendo exercer as mesmas faculdades que são outorgadas pelo sistema aos litisconsortes. Assim, por exemplo, assistente e assistido133 Gusmão Carneiro, intervenção de Terceiros, p. 115. É certo que a assistência será admitida nos embargos do executado, mas este é processo de conhecimento autônomo. Contra, entendendo cabível a assistência no processo executivo, embora sem fundamentar, Barbi, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. I, p. 174.134 Fux, Intervenção de Terceiros (aspectos do instituto), p. 10.135 Neste sentido, ao menos aparentemente, Gusmão Carneiro, Intervenção de Terceiros, p. 120; Greco Filho, Da Intervenção de Terceiros, pp. 55-57. Contra, entendendo ser o assistente qualificado verdadeiro litisconsorte, Tornaghi, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. I, p. 231. É de se anotar a posição de ilustre processualista no sentido de que o art. 54 não consagra verdadeira assistência, mas sim a figura da intervenção litisconsorcial voluntária, já estudada (neste sentido, Barbosa Moreira, Estudos sobre o novo Código de Processo Civil, p. 78).186

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Lições de Direito Processual Civildisporão de prazos em dobro, desde que tenham advogados distintos, para se manifestar no processo (art. 191 do CPC). Da mesma forma, a participação do assistente qualificado será essencial para a eficácia de atos como a convenção para a suspensão do processo, a transação e a desistência da ação. Figure-se o seguinte exemplo: Num dado processo, pretende o demandante desistir da ação, sendo necessário o consentimento do réu, visto que este já oferecera sua contestação. Havendo assistência qualificada, o consentimento do assistente será também exigido para que a desistência da ação seja homologada por sentença, podendo assim produzir seus efeitos.Repita-se, pois: o assistente qualificado não é litisconsorte, mas é tratado "como se fosse". Garante-se a este interveniente o mesmo tratamento formal dispensado ao litisconsorte, embora não assuma ele esta posição.A outra espécie de assistência é a simples (ou adesiva). Aqui o terceiro é sujeito de relação jurídica diversa da in iudicium deducta, mas a ela subordinada.136 Pense-se, por exemplo, no sublocatário, in-terveniente numa "ação de despejo" em que são partes originárias apenas o locador e o locatário. O terceiro interveniente não é titular da relação deduzida no processo (que é a locação), mas de uma outra, a ela subordinada, a sublocação. Pode, também, intervir como assistente, mas o caso é de assistência simples, não recebendo o terceiro interveniente o mesmo tratamento formal dispensado aos litisconsortes (e, por conseguinte, aos assistentes qualificados).Assim é que, na assistência simples, a intervenção não impede o assistido de praticar atos dispositivos, como renúncia, desistência, e outros equiparados (art. 53 do CPC, aplicável apenas à assistência simples, e não à qualificada).Tanto o assistente simples como o qualificado atuam como auxilia-res da parte principal, sujeitando-se aos mesmos ônus que o assistido, e podendo exercer os mesmos poderes (art. 52). Por outro lado, é apli-cável apenas à assistência simples a regra contida no parágrafo único do mesmo art. 52, segundo o qual, revel o assistido, o assistente far-lhe-á as vezes de "gestor de negócios".137 É fácil entender por que este dispositivo não se aplica à assistência qualificada. É que, sendo o assistente qualificado tratado "como se fosse" litisconsorte, a ele se136 Baptista da Silva, Curso de Processo Civil, vol. I, p. 230, falando em relação jurídica "conexa ou dependente".137 Barbi, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. I, p. 177.187

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aplica, naturalmente, o disposto no art. 320,1, do CPC: a contestação por ele oferecida impede a produção dos efeitos da revelia face ao assistido.Já no que concerne ao assistente simples, era preciso que houvesse norma expressa sobre o tema, e esta norma é o parágrafo único do art. 52. Há que se notar, porém, que a gestão de negócios referida na norma não tem o mesmo alcance do instituto do Direito Civil que recebe esta denominação, tendo eficácia meramente processual. Não poderá o assistente, "gestor de negócios", praticar atos de disposição do direito material. Em verdade, o que o sistema prevê é uma espécie de substituição processual, em que o assistente atuará em juízo em lugar do assistido.!38Requerendo o terceiro sua intervenção como assistente (simples ou qualificado), deverá o juiz ouvir as partes já integrantes da relação processual, no prazo de cinco dias. Não havendo impugnação, o re-querimento será deferido.139 Havendo, porém, impugnação por qualquer das partes, deverá o juiz determinar a autuação em apartado do incidente, autorizando a produção de provas e, após a produção destas, decidirá o incidente. É de se notar que este incidente não constitui processo autônomo (sendo, portanto, decidido através de decisão interlocutória, sujeita a recurso de agravo), e que o mesmo não é causa de suspensão do processo.Por fim, nos termos do art. 55, transitada em julgado a sentença no processo em que interveio o assistente, não poderá este discutir, em processo posterior, a justiça da decisão, salvo se alegar a exceptio male gesti processus, ou seja, o terceiro que interveio como assistente só poderá discutir "a justiça da decisão" em processo posterior se alegar (e provar) que o assistido não atuou corretamente no processo em que se deu a intervenção, tendo o assistente recebido o processo em situação na qual já não lhe era mais possível produzir provas capazes de influir na sentença, ou que desconhecia a existência de alegações ou provas de que o assistido, dolosa ou culposamente, não se valeu.Discute-se em doutrina a incidência deste dispositivo, afirmando alguns autores que o mesmo se aplica apenas à assistência simples, ficando o assistente qualificado inteiramente sujeito à coisa julgada,138 É freqüente a associação entre a regra do art. 52, parágrafo único, e a figura da substituição processual. Por todos, confira-se Greco Filho, Da Intervenção de Terceiros, p. 76.139 É certo, porém, que o juiz poderá indeferir a intervenção, se faltar ao terceiro interesse jurídico que legitime sua intervenção, ainda que as partes não se tivessem oposto à entrada do terceiro no processo. Neste sentido, Ubiratan de Couto Maurício, Assistência Simples no Direito Processual Civil, São Paulo: RX 1983, p. 86.188

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uma vez que é também sujeito da res in iudicium deducta.uo Outros autores, a nosso sentir com razão, afirmam que o dispositivo, apesar de sua redação falar em "trânsito em julgado", não se refere à coisa julgada, mas a um fenômeno que poderia ser chamado eficácia da assistência,141

ou ainda eficácia da intervenção.142

Em verdade, o art. 55 não trata da coisa julgada, mas sim da eficácia da intervenção sobre a possibilidade de o assistente tornar a discutir a matéria que compôs o objeto do processo onde se deu a intervenção. É, pois, dispositivo que trata da eficácia preclusiva da coisa julgada, ou seja, do poder, que a coisa julgada tem, de impedir qualquer nova discussão sobre os pontos que, como fundamentos da decisão judicial, sustentam a parte decisória da sentença, que resolve o mérito da causa, quando contra a sentença já não caiba mais recurso.Assim, por exemplo, ao condenar o fiador numa "ação de cobrança", o juiz apresenta, entre os motivos de sua decisão, a afirmação de que a obrigação principal existe. Tendo intervindo no processo, como assistente, o devedor principal, este não poderá, em processo posterior (e ressalvadas as hipóteses previstas no próprio art. 55 do CPC), tornar a discutir a existência daquela obrigação.Aplica-se, pois, o art. 55 do CPC a ambas as espécies de assistência, visto que tanto numa como na outra o objeto do processo se mantém inalterado, já que o assistente não altera a demanda (nem mesmo quando a assistência é qualificada, pois, como visto, o assistente litisconsorcial não é, propriamente, um litisconsorte).143

4.6.2. OposiçãoInstituto que encontra suas origens no antigo Direito germânico,144 a oposição surgiu porque entre aqueles povos prevalecia o chamado140 Neste sentido, Greco Filho, Da Intervenção de Terceiros, p. 77,141 Barbi, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. I, p. 181.142 Cândido Rangel Dinamarco, "Coisa Julgada e Intervenção de Terceiros", in Doutrina, vol. II, coord. James Tubenchlak, Niterói, ID, 1996, p. 131.143 Entendendo que o art. 55, que regula a eficácia da intervenção (ou eficácia da assistência), é aplicável às duas espécies de assistência, Pontes de Miranda, Comentários ao Código de Processo Civil, tomo II, p. 79; Sérgio Ferraz, Assistência Litisconsorcial no Direito Processual Civil, São Paulo: RT, 1979, p. 80 e, ao menos aparentemente, Dinamarco, "Coisa Julgada e Intervenção de Terceiros", ob. cit., pp. 130-133.144 Hermann Homem de Carvalho Roenick, Intervenção de Terceiros - A Oposição, Rio de Janeiro: Aide, 1995, p. 38; Pedro Palmeira, Da Intervenção de Terceiros nos Principais Sistemas Legislativos - Da Oposição, Recife, tese, 1954, p. 131.189

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1"juízo universal", em que a decisão acerca de um conflito de interesses atingia não só as partes, mas todos aqueles que tivessem notícia da referida decisão. O mesmo não se dava, diga-se desde logo, no Direito Romano, onde prevalecia a idéia de "juízo singular", e a decisão alcançava apenas as partes do processo, não beneficiando nem prejudicando terceiros (res inter alios iudicata aliis nec prodest, nec nocet).Em razão dessas diferentes características, o Direito germânico, ao contrário do romano, sentiu a necessidade de criar um mecanismo que permitisse a terceiros interessados sua intervenção no processo, a fim de postular, também para si, a tutela jurisdicional.Mais tarde, no Direito medieval, que sofreu influências do Direito Romano, do germânico e do canônico, atribuiu-se àquela espécie de intervenção caráter autônomo, passando a oposição a ser verdadeira demanda paralela à demanda original, e não mais mera intervenção de terceiro no processo já em curso.145

Nos dias de hoje, segundo a doutrina especializada, os povos latinos costumam adotar o sistema germânico, em que a oposição é verdadeira intervenção de terceiro, enquanto a Alemanha adota o sistema da Itália medieval, dando à oposição caráter de demanda autônoma.146

A oposição do Direito brasileiro encontra similares nos mais diversos sistemas jurídicos contemporâneos, como o intervento príncipale italiano,147 a intervención principal do Direito espanhol,148 o instituto de idêntico nome do Direito argentino,149 dos terceros excluyentes do ordenamento chileno,150 além, obviamente, da oposição portuguesa.151

A oposição vem regulada no vigente Código de Processo Civil entre as modalidades de intervenção de terceiro, nos arts. 56 a 61. Verdadeira intervenção ad excludendum,152 na oposição o opoente, terceiro em relação à demanda originária, vai a juízo manifestando pretensão de ver reconhecido como seu o direito (ou a coisa) sobre que controvertem autor e réu. Assim, por exemplo, se A propõe "ação145 Carvalho Roenick, Da Intervenção de Terceiros - A Oposição, p. 39.146 Neste sentido, por todos, Palmeira, Da Intervenção de Terceiros nos Principais Sistemas Legislativos - Da Oposição, p. 133.147 Sobre o Direito italiano, neste tema, consulte-se Luigi Montesano e Giovanni Arieta, Diritto Processuale Civile, vol. I, Turim: G. Giappichelli, 1993, p. 152.148 Montero Aroca, La Intervención Adhesiva Simple, pp. 28-32.149 Palácio, Manual de Derecho Procesal Civil, vol. I, p. 341.150 A respeito do sistema chileno, Rene Jorquera Lorca, Sintesis de Derecho Procesal Civil, Santiago, La Ley, 1992, p. 18.151 Castro Mendes, Direito Processual Civil, vol. II, p. 344.152 Fux, Intervenção de Terceiros (aspectos do instituto), p. 15.190

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reivindicatória" em face de B, e C considera-se o verdadeiro proprietário do bem, poderá manifestar sua oposição em face dos dois sujeitos da demanda originária, a fim de que seja reconhecido como o real titular do direito controvertido.Não se trata, como pode ser facilmente verificado, de verdadeira intervenção de terceiro, mas de demanda autônoma, em que o opoente é o autor, e serão réus, em litisconsórcio necessário, as partes da demanda original.153 Na oposição, o terceiro (em relação à demanda original) vem a juízo manifestar pretensão própria em face dos sujeitos do processo em curso. Ora, toda vez que alguém vai a juízo manifestar pretensão em face de outrem estará propondo uma ação.A "ação de oposição", portanto, é a demanda do terceiro que se considera titular de direito ou coisa sobre que controvertem as partes de um processo em curso, a fim de ver reconhecido este seu direito. Trata-se, via de regra, de demanda meramente declaratória em face do autor da demanda original, e condenatória em face do réu da mesma. Esta natureza será invertida (condenatória em face do autor e meramente declaratória em face do réu) quando a demanda originária era declaratória negativa. 154

Na "ação de oposição", como dito, forma-se um litisconsórcio passivo necessário entre os sujeitos da demanda originária, agora denominados opostos. Costuma-se afirmar em sede doutrinária que este litisconsórcio é, também, unitário.155 Não nos parece, porém, correta a afirmação. O litisconsórcio formado entre os opostos é comum, uma vez que o juiz não é obrigado a decidir de modo uniforme a demanda em relação a ambos. Prova disto é o fato de se admitir que um dos opostos reconheça a procedência do pedido do opoente, caso em que a oposição permanecerá correndo apenas em face do que não reconheceu.153 Negam à oposição a natureza de intervenção de terceiro, considerando-a demanda autônoma, entre outros, Greco Filho, Da Intervenção de Terceiros, p. 50; Barbi, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. I, p. 184; Pontes de Miranda, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. II, p. 108. Autores há, entretanto, que apresentam uma distinção que toma por base o momento em que é oferecida a oposição. Se antes de iniciada a audiência de instrução e julgamento, seria a oposição verdadeira intervenção de terceiro; se depois do início da audiência (mas antes da prolação da sentença), demanda autônoma. Neste último sentido, Barbosa Moreira, Estudos sobre o Novo Código de Processo Civil, p. 80; Gusmão Carneiro, Intervenção de Terceiros, p. 61; Fux, Intervenção de Terceiros (aspectos do instituto), p. 16. Para os defensores desta posição, o direito brasileiro teria fundido os institutos de origem germânica (oposição como intervenção de terceiro) e italiano medieval (oposição como demanda autônoma).154 Greco Filho, Da Intervenção de Terceiros, p. 78.155 Neste sentido, por todos, Fux, Intervenção de Terceiros (aspectos do instituto), p. 17.191

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Alexandre Freitas CâmaraTrata-se de aplicação do princípio da independência dos litisconsortes (art. 48 do CPC), o qual, como visto, aplica-se apenas ao litisconsórcio comum, sendo incompatível com o unitário.156

A oposição pode ser oferecida a qualquer tempo, antes da prola-ção da sentença. Após este momento, nada impede que o terceiro que se considera titular do direito controvertido demande o reconhecimento do mesmo, mas o fará por demanda independente, que não receberá a denominação de oposição.O opoente deverá apresentar sua demanda em juízo através de petição inicial. Será tal demanda distribuída por dependência ao processo já em curso. Após a distribuição, serão os opostos citados, na pessoa de seus advogados,157 salvo, obviamente, se o demandado da ação principal é revel, pois neste caso o mesmo não tem advogado constituído, o que faz com que a lei determine sua citação pessoal.Os opostos terão o prazo comum de quinze dias para contestar a demanda oferecida pelo opoente. Note-se que não é aplicável, aqui, o disposto no art. 191 do CPC, que determina a duplicação de prazos para litisconsortes com advogados diferentes.158 Podem os opostos, além de contestar, oferecer todas as demais modalidades de resposta (exceções e reconvenção), além de ser possível o oferecimento, no mesmo prazo, de impugnação ao valor da causa. Podem, ainda, como já se disse, reconhecer a procedência do pedido do opoente. No caso de apenas um dos opostos reconhecer o pedido, optando o outro por contestar, a oposição prosseguirá apenas em relação a este último.Afirma o Código de Processo Civil, em seu art. 59, que em sendo a oposição oferecida antes da audiência de instrução e julgamento, os autos da oposição deverão ser apensados aos autos do processo original, devendo a demanda originária e a oposição ser decididas por156 Afirma expressamente tratar-se de litisconsórcio comum ou simples Gusmão Carneiro, Intervenção de Terceiros, p. 60. No mesmo sentido, afirmando ser aplicável à hipótese o disposto no art. 48 do Código, Greco Filho, Da Intervenção de Terceiros, p. 79.157 A citação se fará através dos advogados ainda que estes não tenham poderes para receber citação. Considera-se que, na hipótese de oposição (e outras, como os embargos de terceiro e a liquidação de sentença), o poder de receber citação encontra-se incluído nos poderes gerais para o foro. Trata-se, como se percebe facilmente, de exceção à regra geral de que a citação deve ser feita pessoalmente ao demandado. Neste sentido, Gusmão Carneiro, Intervenção de Terceiros, p. 60.158 No sentido do texto, Moniz de Aragão, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. II, p. 165. Em sentido oposto, entendendo aplicável ao caso o art. 191, Barbi, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. I, p. 188.192

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sentença única. Haverá, obviamente, uma relação de prejudicialidade, o que significa dizer que ao juiz caberá julgar, primeiro, a oposição e, somente após, a demanda original.159

Já na hipótese de ser a oposição oferecida depois de iniciada a audiência de instrução e julgamento, não haverá apensação dos autos (art. 60). Neste caso, limitou-se o Código de Processo Civil a criar uma hipótese de fixação de competência do juízo pelo critério funcional. Em outros termos, determinou-se que o juízo do processo original seria competente para a oposição.160 Neste caso, a oposição tramitará pelo procedimento ordinário, e será julgada sem prejuízo da causa "principal", o que significa dizer que a demanda original e a oposição serão, nesta hipótese, julgadas por sentenças distintas. Abre-se, porém, ao juiz, a oportunidade de, em verificando que o sobrestamento do processo original por prazo não superior a noventa dias permitiria o julgamento conjunto das duas demandas, suspender o processo original e, apensando a estes os autos da oposição, decidir as duas demandas em conjunto.Note-se, ainda, que em não havendo a reunião dos dois processos para julgamento conjunto, não ficará o juiz obrigado a conhecer primeiro da oposição, podendo julgar a demanda original em primeiro lugar.

4.6.3. Nomeação à AutoriaInstituto com raízes no Direito Romano,161 onde se encontra a figura da nominatio auctoris, também chamada laudatio auctohs. É modalidade de intervenção de terceiro conhecida em diversos ordenamentos, como o italiano,162 o espanhol,163 e o português.164 Trata-se de modalidade de intervenção forçada, sendo o terceiro convocado a ingressar na relação processual. Sempre se afirmou que a nomeação à autoria tem por fim corrigir um vício de legitimidade passiva.165 Isto assim se explica:159 Sobre a necessidade de se decidir primeiro a oposição, e só depois a demanda original, Gusmão Carneiro, Intervenção de Terceiros, p. 61.160 Em sentido assemelhado ao do texto, Barbosa Moreira, Estudos sobre o Novo Código de Processo Civil, p. 80, falando em "prevenção de competência".161 José de Albuquerque Rocha, Nomeação à Autoria, São Paulo: Saraiva, 1983, p. 6.162 Sobre a nominatio auctoris no Direito italiano, Sérgio Costa, Manuale di Diritto Processuale Civile, p. 188.163 Sobre a laudatio auctoris no ordenamento espanhol, Montero Aroca, La Intervención Adhesiva Simple, p. 50.164 A respeito da nomeação à acção do Direito português, Castro Mendes, Direito Processual Civil, vol. II, p. 328.165 Assim, Gusmão Carneiro, Intervenção de Terceiros, p. 65.193

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normalmente, quando a demanda é oferecida em face de réu ilegítimo para a causa, a conseqüência é a extinção do processo sem resolução do mérito, por se operar o fenômeno que costuma ser designado "carência de ação". Há casos, porém, em que seria de extremo rigor tal conseqüência para o demandante. Isto porque em algumas situações não se pode exigir de quem vai propor uma demanda que saiba que aquele que pretende indicar como demandado não tem legitimidade para figurar no pólo passivo da demanda. Basta pensar na hipótese em que, em vez de se ajuizar a demanda em face do possuidor de um bem, oferece-se a mesma em face do detentor. Ora, sendo a detenção a posse em nome alheio, não se pode exigir do demandante que consiga, visualmente, distinguir o detentor do possuidor. Assim sendo, extinguir este processo sem exame do mérito por ilegitimidade no pólo passivo seria uma pena extremamente gravosa para o demandante, de quem seria impossível exigir conduta diversa da que teve.Por esta razão, sempre se afirmou ser permitido, no caso figurado, que o réu, demandado como se tivesse a posse da coisa, quando na verdade é mero detentor, indique o nome do verdadeiro legitimado passivo, o que permite a substituição do ocupante do pólo passivo da relação processual. Tratar-se-ia, pois, de permitir ao réu ilegítimo que indicasse o nome do verdadeiro legitimado para que, corrigido o vício, se pudesse aproveitar o processo, permitindo-se a apreciação do mérito da causa, já diante dos verdadeiros legitimados.Até a décima edição destas Lições assim também sustentamos. Muita reflexão sobre o assunto, porém, nos fez mudar de idéia a respeito do ponto. É que a afirmação de que a nomeação à autoria serve para corrigir um vício de legitimidade passiva está em desacordo com a teoria da asserção, técnica empregada para verificar se as "condições da ação" estão ou não presentes. E preciso observar (para continuar a usar-se o exemplo anteriormente figurado, da demanda ajuizada em face do detentor, que é o exemplo clássico de nomeação à autoria, com fulcro no art. 62 do CPC) que existem duas situações distintas, e que precisam ser extremadas: em primeiro lugar, há de se considerar a possibilidade de o demandante, em sua petição inicial, afirmar expressamente que o demandado é mero detentor da coisa pretendida. Neste caso, a nosso sentir, o demandante é "carecedor de ação", por falta de legitimidade passiva ad causam, não se podendo aceitar a incidência do disposto no art. 62 do CPC, e devendo o processo ser extinto sem resolução do mérito. A segunda hipótese é aquela em que o demandante, na petição inicial, afirma ser o demandado possuidor da coisa pretendida quando este, na194

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rLições de Direito Processual Civilverdade, é mero detentor. É nesse caso que o art. 62 incide (como se vê de sua própria redação, que fala do caso em que o detentor é demandado como se fosse possuidor). Em um caso assim, por ter o demandante apontado o demandado como sendo o possuidor, este é parte legítima ad causam para figurar no pólo passivo. Ocorre que, do material probatório que se trará aos autos, verificar-se-á que o demandado não tem posse, mas mera detenção, o que impedirá o acolhimento da pretensão do demandante. Afinal de contas, o objeto desse processo é desapossar o réu da coisa, e não se pode desapossar quem não tem posse. Sendo assim, ao se verificar que o demandado é mero detentor, e não possuidor, ter-se-á de concluir que a improcedência é inevitável. A nomeação à autoria, portanto, é mecanismo destinado não a corrigir um vício de legitimidade passiva (que, a rigor, não existe), mas a tornar possível que este processo leve a um resultado favorável ao demandante, o que certamente não seria possível sem a modificação do ocupante do pólo passivo. Não se deve, pois, considerar que a nomeação à autoria tem por fim corrigir um vício de legitimidade passiva. Através da nomeação à autoria o que se busca é ampliar a efetividade do processo, tornando possível a obtenção de resultados úteis que, certamente, não poderiam ser obtidos sem a modificação do pólo passivo da demanda.Admite-se a nomeação à autoria apenas nos casos previstos nos arts. 62 e 63 do Código de Processo Civil. O art. 62 traz o caso clássico desta espécie de intervenção, já apresentado no exemplo acima, em que alguém é demandado como possuidor de um bem, quando na verdade é dele mero detentor, hipótese em que deverá o demandado nomear à autoria o possuidor ou o proprietário da coisa. Já o art. 63 prevê a possibilidade de haver nomeação à autoria em processo iniciado por demanda em que se pretende receber indenização por dano causado à coisa, toda vez que o responsável pelo prejuízo alegar que praticou o ato lesivo a mando, ou por instruções, de outrem.O Código Civil de 2002, em seu art. 1.228, traz um dado novo para o estudo da nomeação à autoria. Tal dispositivo, ao estabelecer a definição de proprietário, afirma que este pode reivindicar a coisa de quem injustamente a possua "ou detenha". Em outras palavras, o texto do art. 1.228 do Código Civil de 2002 torna possível desapossar-se quem não é possuidor. Ora, sendo possível obter-se sentença de procedência do pedido formulado diante do detentor, não mais seria cabível nesse caso a nomeação à autoria, já que esta tem por finalidade retirar do processo aquele perante quem não se poderia proferir sentença de procedência para, em seu lugar, colocar-se aquele que195

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pode vir a ser (se o demandante tiver razão no plano do direito material) desapossado da coisa. Isto levou notável professor de Direito Civil do Rio de Janeiro a afirmar, em anotações ao aludido dispositivo legal, que a nomeação à autoria já não mais seria cabível em sede de "ação reivindicatória", mas apenas nas "ações possessórias".166 Entendemos, porém, que a cláusula "ou detenha", do art. 1.228 do Código Civil de 2002, deve ser considerada não escrita, por ser inconstitucional (já que afronta a garantia do devido processo legal). Como sabido, devido processo legal é a garantia do processo justo. E processo justo é aquele capaz de produzir resultados justos (ou seja, é o processo efetivo). Imagine-se o que aconteceria quando se ajuizasse demanda reivindicatória em face do detentor de um bem. Julgada procedente a demanda, e tendo início a execução do comando contido na sentença, o possuidor do bem (em cujo nome o demandado o detém) certamente ajuizaria embargos de terceiro, sob a alegação de que não pode ter seu patrimônio alcançado pela execução de uma sentença proferida em processo de que não foi parte, sendo certo que eventual coisa julgada que ali tenha sido produzida não o alcança, uma vez que, conforme estabelece o art. 472 do CPC, a coisa julgada só se produz para as partes entre as quais a sentença é dada, não beneficiando nem prejudicando terceiros. Além disso, a se admitir que a demanda ajuizada em face do detentor é capaz de fazer com que o possuidor perca a posse da coisa, estar-se-á fazendo com que este seja privado de um bem sem o devido processo legal, o que contraria, frontalmente, a garantia estabelecida pelo art. 5£, LIV, da Constituição da República. Vê-se, assim, que de nada adiantaria demandar em face do detentor, pois o processo assim instaurado não produziria qualquer resultado útil, o que contraria as mais nobres garantias constitucionais do processo. Entendemos, assim, que o detentor continua não podendo ser desapossado na demanda reivindicatória, cabendo-lhe, por isso, nomear à autoria a pessoa em cujo nome tem a coisa vindicada, para que figure no pólo passivo do feito, vindo este, então (e se procedente166 Marco Aurélio Bezerra de Melo, Novo Código Civil Anotado, vol. V, Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2002, p. 40, afirmando o citado jurista, prudentemente, que seria preciso aguardar a manifestação sobre o tema da doutrina processual. Sábia observação, provinda de um civilista que reconhece não ser a lei civil o local adequado para o trato de temas processuais, nem ser •• civilista, habituado aos princípios do direito privado, o mais autorizado intérprete de temas processuais, de inegável natureza pública. Na segunda edição de seu livro (2003), o professor Marco Aurélio Bezerra de Melo aderiu, expressamente, à opinião aqui manifestada.196

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Lições de Direito Processual Civilo pedido formulado), a ser condenado a restituir o bem, alcançando-o a autoridade de coisa julgada.Nos dois casos figurados, o réu fará a nomeação à autoria no prazo de que dispõe para apresentar sua resposta. Deferindo o juiz o requerimento de nomeação à autoria, será suspenso o curso normal do processo, devendo ouvir o autor sobre o mesmo no prazo de cinco dias, valendo o silêncio como concordância com a nomeação. Na hipótese de o autor não aceitar a nomeação, prosseguirá o processo em relação ao demandado original, correndo o demandante o risco de não obter, neste processo, qualquer resultado útil (seja porque não se pode desapossar o detentor, seja porque pouco, ou de nada, adianta condenar a indenizar quem cumpriu ordens ou instruções de outrem para cometer ato ilícito e que, muito provavelmente, é mais frágil economicamente do que aquele que deu as ordens ou instruções e que, se estivesse presente no pólo passivo do processo, provavelmente tornaria mais fácil o bom êxito de uma eventual execução por quantia certa).Aceita a nomeação pelo demandante, este deverá providenciar a citação do nomeado, para que venha ao processo. Este poderá comparecer tão-somente para negar a qualidade que lhe foi atribuída na nomeação, hipótese em que o processo seguirá em face do réu original. Verifica-se, assim, que o sistema exige, para que haja a alteração do pólo passivo através da nomeação à autoria, o que boa doutrina já chamou "sistema da dupla concordância".167 Em outras palavras, a nomeação à autoria só provocará a alteração do pólo passivo da relação processual, com a saída do réu original, e sua substituição pelo nomeado, se tanto o autor como o nomeado concordarem com tal alteração. Em não havendo a dupla concordância, permanecerá o réu original no pólo passivo da relação processual.Pode, ainda, o nomeado concordar com a nomeação, hipótese em que haverá a alteração do pólo passivo, com a conseqüente extromissao do réu original da relação processual, passando seu lugar a ser ocupado pelo nomeado. Tal concordância pode ser expressa ou tácita, dando-se esta quando o nomeado, regularmente citado, não comparecer ou, comparecendo, nada alegar contra a indicação de seu nome.É de se dizer, ainda, que responde por perdas e danos o réu que, nas hipóteses em que se mostrar cabível a nomeação à autoria, não a fizer, ou indicar pessoa diversa daquela que deveria ter sido a nomeada.167 Gusmão Carneiro, Intervenção de Terceiros, p. 66.197

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Alexandre Freitas Câmara

Por fim, não se pode deixar de lembrar que, não ocorrendo a alteração do pólo passivo, por não se ter obtido a "dupla concordância", deverá o juiz conceder ao demandado novo prazo para oferecer sua contestação. Este novo prazo deve corresponder à integralidade do prazo de que o réu dispunha, originalmente, para contestar, 168 sendo lícito falar-se, pois, que a nomeação à autoria interrompe o prazo para oferecimento da resposta.Por fim, há que se verificar se, na hipótese de o nomeado recusar a indicação de seu nome, negando a qualidade que lhe foi atribuída, e mais tarde a sentença verificar que era ele mesmo quem deveria ter figurado no pólo passivo da demanda, será ele alcançado pela autoridade de coisa julgada. Esta a solução adotada, por exemplo, no Direito Português, onde o nomeado que tiver recusado maliciosamente a nomeação é alcançado pela autoridade de coisa julgada.169 A mesma solução não pode ser aplicada ao Direito brasileiro, por falta de norma que a expresse, embora de iegre ferenda seja esta a melhor solução, e recomendável sua adoção, o que - esperamos - deve ser feito numa futura reforma da legislação processual civil.170

Uma última questão a ser analisada é a da possibilidade de nomeações sucessivas. Em outras palavras, há que se verificar se é possível ao nomeado, que tenha aceito a nomeação, realizar nomeação à autoria, indicando nome de outra pessoa para figurar no pólo passivo da demanda. Esta hipótese, porém, não se afigura possível no sistema vigente. Isto porque ao nomeado são possíveis apenas duas condutas: ou aceita a nomeação, assumindo expressamente a condição que lhe foi imputada pelo nomeante, o que se revela incompatível com uma futura nomeação à autoria, ou repudia a nomeação, com o que não se tornará parte da demanda, sendo-lhe, pois, impossível nomear outrem à autoria.171

Não se pode encerrar esta breve exposição acerca da nomeação à autoria sem afirmar que, em havendo a dupla concordância, e conseqüentemente operando-se a alteração do pólo passivo, o nomeado à168 Barbi, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. I, p. 198.169 Castro Mendes, Direito Processual Civil, vol. II, p. 334; José Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, Coimbra: Coimbra Editora, 3a ed., 1982, p. 429.170 Reconhecem ser melhor a solução portuguesa do que a encontrada no Direito brasileiro, entre outros, Fux, intervenção de Terceiros (aspectos do instituto), p. 30; Barbosa Moreira, Estudos sobre o Novo Código de Processo Civil, pp. 83-84.171 No sentido do texto, Albuquerque Rocha, Nomeação à autoria, p. 86.198

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Lições de Direito Processual Civilautoria torna-se réu, o que faz dele não só parte do processo, mas também parte da demanda.

4.6.4. Denunciação da LideRegulada nos arts. 70 a 76 do Código de Processo Civil, a denunciação da lide é, sem sombra de dúvida, a modalidade de intervenção de terceiro que mais dificuldades e polêmicas provoca na doutrina, sendo inúmeras as obras dedicadas ao seu estudo. Instituto que deita raízes no Direito Romano, onde era conhecida a denunciatio litis,172 o instituto tinha, àquela altura, ligação íntima com o instituto da evicção, sendo adequado para permitir ao adquirente de um bem que sofresse a perda do mesmo em razão de sentença que reconhecesse direito anterior à sua aquisição, que se voltasse contra aquele de quem havia adquirido a coisa. Esta não era, por certo, a única hipótese de aplicação do instituto, mas com certeza a mais relevante. Tendo passagem pelo antigo Direito germânico e pelo ancião Direito francês,173 a denun-ciação da lide encontra similares nos modernos ordenamentos de diversos países, como a Itália,174

Portugal,175 entre muitos outros.A denominação utilizada no vigente Código de Processo Civil, capaz de demonstrar a origem romana do instituto, diverge da anteriormente encontrada no Direito brasileiro, visto que o revogado CPC de 1939 empregava a mesma nomenclatura do Direito português,176 e pode transmitir uma idéia errada acerca do instituto. Isto porque, como se verá, a denunciação da lide não é apenas uma comunicação (denúncia) acerca da existência de um processo, mas contém verdadeira demanda incidental de garantia, através da qual se formula pretensão em face do terceiro convocado a integrar o processo. Esta a razão, aliás, que levou172 Sobre o instituto no Direito Romano, consulte-se Piero Calamandrei, "La Chiamata in Garantia", in Opere Giuridiche, vol. V, Nápoles: Morano, 1972, pp. 30-39.173 Sobre o direito destes povos, Aroldo Plínio Gonçalves, Da Denunciação da Lide, Rio de Janeiro: Forense, 2a ed., 1991, pp. 15-38.174 Sobre a chiamata in garantia (também chamada chiamata in garanzia) do Direito italiano, consulte-se, além da obra clássica, já citada, de Calamandrei, "La Chiamata in Garantia", ob. cit., passim; Elisabetta Silvestri, Commentario Breve ai Códice di Procedura Civile, coord. Michele Taruffo e Federico Carpi, Milão: Cedam, 3s ed., 1994, p. 230.175 Sobre o chamamento à autoria do Direito português, Castro Mendes, Direito Processual Civil, vol. II, pp. 334-337.176 A respeito do chamamento à autoria no sistema do CPC de 1939, Antônio Carlos de Araújo Cintra, Do Chamamento à Autoria, tese, São Paulo, 1971, passim.199

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Alexandre Freitas Câmaraprestigioso processualista a criticar o CPC, afirmando que o mesmo não regula uma verdadeira denunciação da lide, mas sim um chamamento à autoria.177 Não parece, porém, que a denominação do instituto seja capaz de infirmar sua natureza. É certo, porém, que o Direito bra-sileiro, quanto ao tema, se revela um tanto paradoxal. Isto porque, quando o instituto se denominava chamamento à autoria (CPC de 1939), era mera comunicação da existência do processo, e quando passa a se chamar denunciação da lide é que se torna continente de verdadeira demanda incidental de garantia.178

Pode-se definir a denunciação da lide como "uma ação regressiva, 'in simultaneus processus', proponível tanto pelo autor como pelo réu, sendo citada como denunciada aquela pessoa contra quem o denunciante terá uma pretensão indenizatória, pretensão 'de reembolso', caso ele, denunciante, vier a sucumbir na ação principal",179 Em outros termos, pode-se dizer que a denunciação da lide é a modalidade de intervenção forçada de terceiro provocada por uma das partes da demanda original,180 quando esta pretende exercer contra aquele direito de regresso que decorrerá de eventual sucumbência na causa principal.Explique-se melhor o conceito: pode ocorrer que, num determinado processo, alguma das partes observe que, em restando vencida, terá direito de regresso contra terceiro, que por alguma razão é seu garante, tendo pois o dever de reembolsá-la pelo que tiver perdido. Caberá, então, à parte, fazer a denunciação da lide, com o fim de exercer o direito de regresso no mesmo processo em que será julgada a demanda original. Note-se, então, que a denunciação da lide contém demanda nova, mas não dará origem a um novo processo, visto que esta modalidade de intervenção de terceiro se desenvolverá na mesma base procedimental em que se desenvolve a causa principal. Um mesmo e único processo, portanto, embora duas sejam as demandas.181

177 Tornaghi, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. I, pp. 257-258.178 No mesmo sentido, Sydney Sanches, Denunciação da Lide no Direito Processual Civil Brasileiro, São Paulo: RT, 1984, pp. 41-42.179 Gusmão Carneiro, intervenção de Terceiros, p. 69. Todos os grifos estão no original.180 É de se anotar que, a rigor, a denunciação da lide proposta pelo autor não é propriamente uma intervenção de terceiros. Em verdade, neste caso, o que se tem é a formação de um litisconsórcio entre o réu e o litisdenunciado, tendo o autor demandado em face de ambos. Tal litisconsórcio será eventual, uma vez que a pretensão manifestada em face do litisdenunciado só será apreciada se improcedente a pretensão principal. Neste sentido, Dinamarco, Litisconsórcio, p. 30.181 No sentido do texto, Gusmão Carneiro, Intervenção de Terceiros, pp. 69-70.200

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Lições de Direito Processual CivilAfirme-se ainda, e desde logo, que embora a denunciação da lide seja, de ordinário, dirigida a um terceiro, estranho à relação processual, admite-se que se denuncie a lide a quem já seja parte, o que se dará, por exemplo, quando entre os réus haja relação de garantia. Neste caso, admite-se que um dos litisconsortes denuncie a lide ao outro.Dispõe o art. 70 do CPC sobre os casos em que a denunciação da lide é cabível, afirmando aquele dispositivo ser a denunciação "obrigatória". Antes de procedermos à análise do sentido desta "obrigato-riedade", faz-se mister conhecer os casos em que a denunciação da lide se revela cabível.Assim é que, nos termos do inciso I do referido art. 70 do Código de Processo Civil, a denunciação da lide pode ser feita "ao alienante, na ação em que terceiro reivindica a coisa, cujo domínio foi transferido à parte, a fim de que esta possa exercer o direito que da evicção lhe resulta". O dispositivo não tem redação das mais felizes. Em primeiro lugar, há que se referir que aquele que reivindica a coisa não é terceiro, mas parte da demanda original. Em segundo lugar, a redação do dispositivo dá a falsa impressão de que apenas o réu pode denunciar a lide neste caso, o que não é verdade. Melhor seria se a redação da norma ditasse o cabimento da denunciação da lide ao alienante, na ação em que se controverte sobre o domínio de bem que tenha sido por ele transferido a uma das partes.182

Trata o dispositivo em análise da denunciação da lide oferecida por aquele que, num processo, vê questionado seu direito de propriedade sobre um bem que lhe foi transferido por terceiro. Cabe, neste caso, a denunciação da lide ao alienante, para que a sentença, em reconhecendo que a parte (litisdenunciante) não é o titular do domínio, regule também a relação entre este e aquele que lhe transferiu a coisa, definindo a existência ou não dos direitos decorrentes da evicção. Esta, como se sabe, ocorre quando o adquirente de um bem vem a perdê-lo em virtude de sentença judicial que reconhece a outrem direito anterior sobre ela.183 O evicto tem, segundo a doutrina civilista, direito a reaver o preço pago pela coisa, indenização pelos frutos que tenha sido obrigado a restituir, indenização pelas despesas do contrato, ressarcimento pelos prejuízos que resultam diretamente da perda da182 Em senso assemelhado, Sanches, Denunciação da Lide no Direito Processual Civil Brasileiro, pp. 68-69.183 Orlando Gomes, Contratos, Rio de Janeiro: Forense, 14a

ed., 1994, p. 97.

201

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Alexandre Freitas Câmaracoisa, além do reembolso das despesas processuais e honorários advocatícios despendidos.184

A segunda hipótese de cabimento da denunciação da lide, prevista no art. 70, II, do CPC, permite a convocação, para participar do processo, dirigida "ao proprietário ou ao possuidor indireto quando, por força de obrigação ou direito, em casos como o do usufrutuário, do credor pignoratício, do locatário, o réu, citado em nome próprio, exerça a posse direta da coisa demandada". Também de redação defeituosa, por dar a entender que a hipótese é aplicável apenas a casos em que o possuidor direto do bem é réu, embora afirme a melhor doutrina que o dispositivo não impede a denunciação da lide pelo autor,185 o dispositivo permite ao possuidor direto de um bem denunciar a lide ao possuidor indireto. Como se sabe, nos casos em que a posse se desdobra em indireta e direta (como nos casos de locação e comodato, entre outros, sendo certo que a enumeração contida no art. 70, II, é claramente exemplificativa), cabe ao possuidor indireto assegurar o exercício pacífico da posse pelo possuidor direto. Assim é que, em sendo parte o possuidor direto, este deverá fazer a denunciação da lide ao possuidor indireto, a fim de que, em restando vencido aquele, a sentença defina também eventual responsabilidade do possuidor indireto perante o litisdenunciante.É de se notar que a hipótese prevista neste dispositivo é diversa da que vem regulada no art. 62 do Código de Processo Civil, que prevê caso de nomeação à autoria a ser feita pelo detentor, indicando o nome do proprietário ou do possuidor. Sendo parte o detentor, o caso é, naturalmente, de nomeação à autoria, pois que a hipótese exige a alteração do pólo passivo da relação processual. No caso ora em análise, porém, não há ilegitimidade do possuidor, não sendo pois caso de nomeação à autoria, mas sim de denunciação da lide, como corretamente dispõe o sistema processual vigente.186 E inegável, porém, que em alguns casos pode ocorrer situação diversa da prevista no dispositivo ora em análise. A situação regulada no art. 70, II, do CPC184 Orlando Gomes, Contratos, p. 98.185 Frederico Marques, Manual de Direito Processual Civil, vol. I, p. 287. Contra, entendendo que neste caso apenas o réu pode denunciar a lide, a doutrina dominante. Por todos, neste sentido que, embora majoritário, nos parece, data venia, equivocado, Plínio Gonçalves, Da Denunciação da Lide, p. 230.186 Assim, também, Sanches, Denunciação da Lide no Direito Processual Civil Brasileiro, pp. 86-87. Contra, entendendo que a hipótese revela verdadeira nomeação à autoria, Barbosa Moreira, Estudos sobre o Novo Código de Processo Civil, p. 85.202

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Lições de Direito Processual Civilé aquela em que o possuidor direto é legitimado para a causa, e pretende exercer seu eventual direito de regresso (eventual porque só existirá na hipótese de ser o possuidor direto sucumbente na demanda original) no mesmo processo. Pode ocorrer, porém, de uma demanda ser oferecida em face do possuidor direto quando deveria ter sido endereçada ao possuidor indireto. Basta pensar numa demanda em que se discuta o domínio de um bem, em que figure como réu não aquele que se considera proprietário da coisa, mas, por exemplo, seu locatário. Neste caso, obviamente, não se mostra adequada a denun-ciação da lide, uma vez que não há relação de garantia a ser apreciada. Nem é caso de nomeação à autoria, uma vez que esta só se mostra adequada quando o demandado é mero detentor. A solução será, então, a extinção do processo sem resolução do mérito, por faltar uma das "condições da ação", a legitimidade ad causam.Por fim, prevê o art. 70, III, do CPC que a denunciação da lide é cabível "àquele que estiver obrigado, pela lei ou pelo contrato, a indenizar, em ação regressiva, o prejuízo do que perder a demanda". Trata-se do dispositivo, entre os que regulam a denunciação da lide, que gera maior controvérsia hermenêutica. Isto porque a doutrina (e a jurisprudência) se divide em duas correntes, uma restritiva e outra extensiva quanto à interpretação do dispositivo.A divergência parte do fato de a doutrina reconhecer dois tipos diversos de garantia: a garantia própria, que decorre da transmissão de um direito (como no caso da evicção), e a garantia imprópria, que não é verdadeiramente uma garantia, mas em verdade trata-se de responsabilidade de ressarcir dano, responsabilidade esta que decorre de quaisquer outros títulos (como a culpa aquiliana, o inadimplemento contratual, a convenção).187 Assim é que, para alguns autores, apenas os casos de garantia própria, em que o direito de regresso da parte perante o terceiro decorre da transmissão de um direito, permitiriam a denunciação da lide,188 enquanto outros autores preferem uma visão mais extensiva, entendendo que também nos casos de garantia imprópria a denunciação da lide é possível.189

187 Sobre a distinção entre garantia própria e imprópria, Calamandrei, "La Chiamata in Garantia", ob. cit., pp. 20-21.188 Neste sentido, entre outros, Greco Filho, Da Intervenção de Terceiros, p. 91; Sanches, Denunciação da Lide no Direito Processual Civil Brasileiro, p. 121.189 Neste sentido, entre outros, Plínio Gonçalves, Da Denunciação da Lide, pp. 230-231; Milton Flaks, Denunciação da Lide, Rio de Janeiro: Forense, 1984, p. 171; Barbi, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. I, p. 206.203

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Alexandre Freitas CâmaraOs termos do inciso III do art. 70, como já disse notável jurista, são "louvavelmente genéricos".190 Estes termos, incapazes de permitir qualquer tipo de distinção pelo intérprete (afinal, como é sabido, onde a lei não distingue não é lícito ao intérprete distinguir), têm como conseqüência inafastável, a nosso sentir, a adoção da teoria mais extensiva, segundo a qual a denunciaçao da lide é adequada tanto nos casos de garantia própria, como nos de garantia imprópria.Tema que não pode deixar de ser abordado, quando se examina a extensão da incidência do inciso III do art. 70 do Código de Processo Civil, é o da possibilidade de o Estado, em demanda em que se busca sua responsabilização civil, com base no disposto no art. 37, § 6a, da Constituição da República, denunciar a lide ao seu agente, causador do dano cuja reparação é pretendida. Obviamente, os autores que defendem a concepção restritiva da interpretação do dispositivo em análise, que só admitem a denunciaçao da lide nos casos de garantia própria, não admitem a denunciaçao feita pelo Estado a seu agente, nos casos de responsabilidade civil do Estado.191 De outro lado, os defensores da teoria extensiva admitem a denunciaçao da lide nesta hipótese.192 A nosso sentir, porém, nenhuma das duas posições se afigura correta diante da responsabilidade civil do Estado. A posição que nega a possibilidade de denunciaçao da lide por ser esta possível apenas nos casos de garantia própria nos parece errônea, por criar uma distinção que não decorre da norma. A outra posição, porém, que parece mais de acordo com a concepção extensiva da interpretação do inciso III do art. 70, nos parece equivocada, mas por outra razão. É que, como se sabe, a denunciaçao da lide é inadequada nos casos em que entre o demandado e o terceiro há solidariedade. A nosso juízo, e assumindo os riscos de uma posição isolada, o fato de o Estado, civilmente responsável, ter direito de regresso em face de seu agente que tenha causado o dano, não exclui a responsabilidade deste perante o lesado, a qual decorre do art. 927 do Código Civil de 2002. Assim sendo, nada impediria que se formasse um litisconsórcio (facultativo, obviamente) entre a pessoa jurídica de direito público e seu servidor (o que, aliás, já foi admitido pelo Supremo Tribunal Federal, relator o Ministro Cunha Peixoto, RE 90.071, j. 18.8.1980, v. u., DJU190 Barbosa Moreira, Estudos sobre o Novo Código de Processo Civil, p. 85.191 Assim, expressamente, Greco Filho, Da Intervenção de Terceiros, p. 93.192 Plínio Gonçalves, Da Denunciaçao da Lide, p. 251; Barbi, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. I, p. 206. Embora defenda posição de certa forma restritiva, neste sentido também se manifesta Gusmão Carneiro, Intervenção de Terceiros, p. 81.204

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Lições de Direito Processual Civil

26.9.1980). Em prevalecendo tal entendimento, há que se reconhecer a solidariedade entre a pessoa jurídica de direito público e seu agente, o que torna inadequada a denunciação da lide, revelando-se cabível, no caso, o chamamento ao processo.193

Vistos os casos em que se revela admissível a denunciação da lide, há que se passar à análise do alcance da palavra "obrigatoriedade", empregada pelo legislador no caput do art. 70 do CPC. O que significa, exatamente, afirmar-se que a denunciação da lide é obrigatória?Alguns autores afirmam que, em sendo obrigatória a denunciação da lide, sua não realização pela parte terá como corolário o perecimento do direito de regresso, o qual não mais poderá ser exercido, nem mesmo por demanda autônoma.194 Outros vêem no termo "obrigatoriedade" mera afirmação sem maiores conseqüências, entendendo que, em não sendo feita a denunciação da lide, ainda assim poderá ser exercido posteriormente o direito regressivo, o que se fará por demanda autônoma.195 Há, ainda, quem afirme que, nos casos de garantia própria (art. 70, I, II, e em alguns casos do inciso III) haverá perda do direito de regresso se a denunciação da lide não for efetuada, o que não ocorreria nos casos de garantia imprópria.196 Por fim, há os que consideram que a não realização da denunciação da lide acarreta a perda do direito de regresso apenas nos casos do inciso I do art. 70, enquanto nas hipóteses previstas nos incisos II e III a conseqüência seria outra: mera preclusão, ou seja, apenas a perda da faculdade de oferecer demanda capaz de permitir o exercício do direito de regresso no mesmo processo, ficando ressalvada a via de se propor demanda autônoma em face do terceiro.197

Esta última parece ser, realmente, a melhor posição. Não faz sentido que se perca o direito material de regresso apenas porque se deixou de provocar um incidente de caráter formal, como é a denunciação da lide. A perda do direito substancial deve decorrer das regras de direito material, e não de normas contidas num Código de Processo. Por esta razão, é de se entender que, em linha de princípio, a omissão da193 A posição aqui defendida é vislumbrada por Dinamarco, Litisconsórcio, p. 177, que, todavia, não assume - ao menos expressamente - sua defesa.194 Neste sentido, Marcos Afonso Borges, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. I, São Paulo: Leud, 1974/1975, p. 78.195 Esta a opinião de Rubens Costa, Manual de Processo Civil, vol. II, p. 170.196 Plínio Gonçalves, Da Denunciação da Lide, pp. 219-220; Gusmão Carneiro, -intervenção de Terceiros, p. 72.197 Defendem esta última posição, entre outros, Greco Filho, Da Intervenção de Terceiros, pp. 94-95; Sanches, Denunciação da Lide no Direito Processual Civil Brasileiro, p. 51.205

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Alexandre Freitas Câmaraparte em denunciar a lide não deve acarretar conseqüências de índole substancial, de que a perda do direito é a mais radical. Ocorre que, no caso do inciso I do art. 70, é o disposto no art. 456 do Código Civil de 2002 que determina a perda do direito de regresso em caso de não ser realizada a denunciação da lide.198 Nos demais casos previstos no art. 70 do CPC, portanto, não haverá perecimento do direito de regresso, o qual poderá ser exercido mediante demanda autônoma.Dispõe o art. 71 sobre o momento em que deve ser requerida a denunciação da lide. Assim é que, em pretendendo o autor denunciar a lide, deverá fazê-lo na petição inicial (o que decorre do fato de a denun-ciação da lide feita pelo autor, como afirmamos anteriormente, não ter natureza de intervenção de terceiro, mas de litisconsórcio eventual), enquanto o demandado, em pretendendo denunciar a lide, deverá fazê-lo no prazo de que dispõe para oferecer sua contestação. Note-se, aqui, que não exige a lei seja a denunciação da lide requerida no corpo da contestação, sendo lícito ao réu apresentar duas petições distintas, uma para contestar, outra para denunciar a lide. Nada impede, de outro lado, que o demandado pratique os dois atos (contestar e denunciar a lide) através de uma única petição.Optando o demandado por praticar os atos em petições distintas, não há necessidade de que os atos sejam praticados simultaneamente, podendo o réu, por exemplo (e tomando como referência o procedimento ordinário, em que o prazo da contestação é de quinze dias), oferecer a denunciação da lide no décimo dia do prazo, contestando no décimo quinto. Já oferecida a contestação, porém (ainda que antes do último dia do prazo de que dispõe o réu para apresentar sua resposta), não será mais possível denunciar a lide. Isto porque, já tendo o réu contestado, terá ocorrido a preclusão consumativa,199 o que faz com que se198 É certo que o Código Civil nao fala em denunciação da lide, mas em "notificação do litígio". Repete-se, aqui, a redação do Código Civil de 1916, que em seu art. 1.116 falava em "notificação do litígio". O Código Civil de 1916, porém, era quase três quartos de século mais antigo que o Código de Processo Civil, razão pela qual a identidade terminológica se revelava praticamente impossível. Criticável, porém, o Código Civil de 2002, já que reproduziu a terminologia antiga, já superada, e mais criticável ainda é este diploma se for observado que sequer dentro dele há uniformidade terminológica, já que o parágrafo único do próprio art. 456 usa a denominação "denunciação da lide" para se referir ao fenômeno que o caput denominou "notificação do litígio".199 O estudo da preclusão será feito mais adiante, mas pode-se adiantar que por preclusão consumativa entende-se a perda de uma faculdade processual por já ter a mesma sido exercida. Assim, por exemplo, o réu que já contestou perde a faculdade de oferecer206

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Lições de Direito Processual Civilconsidere encerrado o prazo para a prática do ato. Nao será, assim, possível ao demandado oferecer denunciação da lide após o oferecimento da contestação.O ato do juiz que determinar a citação do litisdenunciado, nos termos do art. 72 do CPC, suspenderá o processo. Trata-se, em verdade, de suspensão imprópria, uma vez que a lei não está determinando fique o processo inteiramente parado, sem que nenhum ato processual possa ser praticado. A suspensão a que se refere a lei tem como única conseqüência impedir o regular desenvolvimento do procedimento, o qual só será possível após a citação do litisdenunciado. Enquanto esta citação não ocorrer, ficará o andamento normal do procedimento impedido.Determina ainda a lei que, em residindo o litisdenunciado na mesma comarca onde se desenvolve o processo, deverá a citação ocorrer no prazo de dez dias, e se em comarca diversa, ou se o mesmo estiver em lugar incerto, dentro do prazo de trinta dias. Em não sendo realizada a citação no prazo legal, deverá se considerar a denunciação da lide como inexistente,200 sendo certo, porém, que nos casos em que o prazo seja extrapolado sem culpa do litisdenunciante, mas tão-somente do serviço judiciário, não se poderá imputar ao litisdenunciante as conseqüências de se considerar inexistente a denunciação da lide.Decorrido o prazo para a citação do litisdenunciado sem que a mesma tenha sido efetuada, e sendo o atraso imputável ao litisdenunciante, o processo seguirá apenas com este último, pois - como visto - a denunciação da lide, nesta hipótese, é de ser tida por inexistente.Dispõe o art. 73 que, "para os fins do disposto no art. 70, o denunciado, por sua vez, intimará do litígio o alienante, o proprietário, o possuidor indireto ou o responsável pela indenização e, assim, sucessivamente, observando-se, quanto aos prazos, o disposto no artigo antecedente". Segundo a doutrina amplamente dominante, o artigo transcrito tem por fim autorizar denunciações da lide sucessivas, permitindo assim que o litisdenunciado traga para o processo aquele que guarda com ele uma relação de garantia.201 A afirmação de que o art. 73contestação, não podendo, nem mesmo, completar o ato já praticado, aduzindo novos argumentos (mesmo que, em princípio, houvesse prazo para tal).200 Sanches, Denunciação da Lide no Direito Processual Civil Brasileiro, p. 178.201 Neste sentido, entre outros, Flaks, Denunciação da Lide, p. 177; Sanches, Denunciação da Lide no Direito Processual Civil Brasileiro, p. 188. Contra, entendendo que o art. 73 não permite denunciações sucessivas, mas apenas que se comunique a existência do processo a quem tenha relação de garantia para com o litisdenunciado, Arruda Alvim, Código de Processo Civil Comentado, vol. III, São Paulo: RT, 1976, pp. 297-306.207

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Alexandre Freitas Câmarapermite sucessivas denunciações da lide decorre do fato de o referido dispositivo legal afirmar que o litisdenunciado pode "intimar do litígio" aquele que com ele guarde relação de garantia, sendo tal "intimação" (na verdade uma citação) feita "para os fins do disposto no art. 70", ou seja, para que se dê uma nova denunciação da lide.É de se observar, aliás, que o art. 456 do Código Civil de 2002 afirma que, nos casos de evicção (a que se aplica, pois, o art. 70, I, do CPC), é possível fazer a denunciação da lide ao alienante imediato do bem ou a qualquer dos alienantes anteriores. Isto permitiria, se isoladamente interpretado, uma denunciação da lide per saltum, ou seja, a lei civil estaria permitindo que o denunciante demandasse não em face daquele com quem estabeleceu relação jurídica de direito material, mas em face de sujeito de relação jurídica distinta, anterior à sua. Imagine-se, por exemplo, que em um certo processo iniciado pelo ajuizamento de demanda reivindicatória de um bem, o demandado pretenda fazer a denunciação da lide, a fim de poder exercer o direito que lhe resulta da evicção. Neste caso, poderia a denunciação da lide ser feita àquele que alienou o bem para o demandado, ou para a pessoa que alienara anteriormente o bem para o alienante imediato; ou ainda, à pessoa que alienou o bem para este último. Isto evitaria as denunciações sucessivas, permitindo que o denunciante demandasse diretamente em face do último responsável por garantir a permanência do bem em seu patrimônio. Por outro lado, porém, esta interpretação levaria a admitir que se afirmasse a responsabilidade de uma pessoa perante outra com quem não tem qualquer relação jurídica. Esta é, porém, a nosso juízo, uma interpretação apressada do art. 456 do Código Civil de 2002. É preciso observar que a lei civil afirma a possibilidade de se fazer a denunciação da lide ao alienante imediato, ou a qualquer dos anteriores, "quando e como lhe determinarem as leis do processo". Esta cláusula final remete ao sistema do CPC, segundo o qual a denunciação da lide é feita pelo adquirente ao seu alienante imediato e este, por sua vez, denunciará a lide a quem lhe transferiu o bem, e assim por diante. Determinando a lei civil que a denunciação da lide se faça "quando e como determinarem as leis do processo", não será admissível a denunciação da lide per saltum, fazendo-se mister a realização de denunciações da lide sucessivas.Segundo o art. 74 do CPC, feita a denunciação da lide pelo demandante, o litisdenunciado comparecerá para assumir a posição de "litisconsorte", podendo aditar a petição inicial, para só após citar-se o réu da demanda principal. Regulando a denunciação da lide feita pelo208

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Lições de Direito Processual Civilréu, de outro lado, o art. 75 afirma que, comparecendo o litisdenunciado e, aceitando a denunciação, conteste ele o pedido, ficarão litisdenun-ciante e litisdenunciado na posição de "litisconsortes"; permanecendo revel o litisdenunciado, ou comparecendo apenas para negar a qualidade de garante que lhe foi atribuída, deverá o réu, litisdenunciante, prosseguir na defesa até o fim do processo; e, por fim, na hipótese de o litisdenunciado confessar os fatos afirmados pelo autor da demanda principal, deverá o litisdenunciante prosseguir na defesa. Estes dois dispositivos, ao tratar da posição a ser ocupada pelo litisdenunciado no processo, cometem uma série de impropriedades, capazes de dificultar sua adequada compreensão. Em primeiro lugar, há que se afirmar que o litisdenunciado é sempre réu na demanda incidental de garantia contida na denunciação da lide, motivo pelo qual seu não comparecimento implicará revelia, com todas as conseqüências disto, na referida demanda incidental. Assim é que, em verdade, tem o litisdenunciado o ônus de contestar a demanda que em face dele oferece o litisdenun-ciante, como ocorre com qualquer réu, em qualquer demanda, pois uma vez inatendido tal ônus produzir-se-ão os efeitos da revelia, presu-mindo-se verdadeiros os fatos alegados pelo litisdenunciante para fundamentar sua pretensão manifestada em face do litisdenunciado.202 De outro lado, afirma o CPC, através de seus arts. 74 e 75, que entre o litisdenunciante e o litisdenunciado forma-se um litisconsorcio, o que não é aceito por toda a doutrina. Assim, se é certo que autores há que concordam com a dicção do Código, afirmando haver litisconsorcio entre eles,203 outros preferem afirmar que o litisdenunciado se torna mero assistente do litisdenunciante.204 Não se pode deixar de referir, ainda, a posição de alguns autores que admitem haver assistência em alguns casos e litisconsorcio noutros.205 A nosso sentir, correta é a posição de Nelson Nery Júnior, anteriormente referida, para quem a relação entre litisdenunciante e litisdenunciado é sempre de assistência simples. O202 No sentido do texto, Sanches, Denunciação da Lide no Direito Processual Civil Brasileiro, p. 189.203 Arruda Alvim, Código de Processo Civil Comentado, vol. III, p. 311.204 Assim, entre outros, Dinamarco, Litisconsorcio, p. 34, afirmando tratar-se de assistência qualificada; Nery Júnior, Código de Processo Civil Comentado, p. 454.205 Assim, por exemplo, afirmando haver assistência simples nos casos dos incisos I e III do art. 70, e litisconsorcio no caso do inciso II, Sanches, Denunciação da Lide no Direito Processual Civil Brasileiro, pp. 206-207; e em sentido aproximado, afirmando haver litisconsorcio nos casos de garantia própria, e assistência simples nos de garantia imprópria, Plínio Gonçalves, Da Denunciação da Lide, p. 280.209

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litisdenunciado não se torna, com a denunciação da lide, parte da demanda principal, o que faz concluir que, em não sendo ele autor nem réu, não pode ser considerado litisconsorte. A denunciação da lide é verdadeira demanda incidental, cujo julgamento fica condicionado à sucumbência do litisdenunciante na demanda principal. Por esta razão, tem o litisdenunciado interesse jurídico na vitória do litisdenunciante na demanda principal, podendo assim atuar como assistente. Assistente simples, diga-se desde logo, haja vista ser ele sujeito de relação jurídica diversa da deduzida no processo, a relação de garantia, o que não permite seja ele considerado assistente litisconsorcial.Assim é que cabe ao litisdenunciado assistir o litisdenunciante, a fim de auxiliar este a obter sentença favorável na demanda principal. Ao mesmo tempo em que envida esforços para auxiliar o litisdenunciante a vencer a demanda principal, cabe ao litisdenunciado, na qualidade de réu da demanda incidental de garantia, contestá-la, sob pena de revelia. E de se notar que as duas atividades devem ser exercidas ao mesmo tempo, em obediência ao princípio da eventualidade.206

Por fim, dispõe o art. 76 que "a sentença que julgar procedente a ação, declarará, conforme o caso, o direito do evicto, ou a responsabilidade por perdas e danos, valendo como título executivo". Ao redigir este dispositivo, parece ter o legislador se esquecido de que também o autor pode denunciar a lide, razão pela qual se revela inadequada a referência à "sentença que julgar procedente a ação".207 Assim é que o referido artigo de lei deve ser interpretado como se dissesse "vencido o litisdenunciante, a sentença declarará, conforme o caso, o direito do evicto, ou a responsabilidade por perdas e danos, valendo como título executivo".O que pretende significar o referido dispositivo é que a demanda principal e a denunciação da lide serão julgadas numa mesma e única sentença. É óbvio que há, entre as duas demandas, uma relação de prejudicialidade, devendo a demanda principal ser julgada em primeiro lugar, para que, só após, e se tiver restado vencido o litisdenunciante, seja julgada a demanda de garantia. Na hipótese de o litisdenunciante vencer a demanda principal, deverá se considerar prejudicada a denunciação da lide.206 Pelo princípio da eventualidade, todas as alegações que a parte queira produzir deverão ser trazidas ao processo de uma só vez, ainda que contraditórias entre si.207 Além disso, há que se referir que, numa linguagem mais precisa, não é a ação, mas o pedido, que deve ser julgado procedente ou improcedente.210

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Afirma o art. 76 do CPC que a sentença "declarará" o direito do evicto, ou a responsabilidade por perdas e danos. E praticamente pacífica, todavia, a doutrina pátria, ao afirmar que se trata de sentença condenatória, e não meramente declaratória.208 Predomina este entendimento porque o próprio art. 76 afirma que a referida sentença "valerá como título executivo", e o nosso sistema reconhece eficácia de título executivo apenas às sentenças condenatórias, como se infere do art. 584, I, do CPC. Não nos parece, porém, que seja assim. É certo que normalmente apenas as sentenças de conteúdo condenatório podem ser executadas. Nada impede, porém, que a lei impute a uma sentença meramente declaratória eficácia executiva. Isto decorre da diferença, que raramente é feita pelos doutrinadores brasileiros, entre conteúdo e efeitos da sentença. A nosso juízo, embora meramente declaratória, a sentença que julgar procedente a pretensão de garantia manifestada através da denunciação da lide será título executivo, sem que isto afete sua natureza ou contrarie os princípios processuais.209 Trata-se, pois, a nosso juízo, de sentença meramente declaratória da responsabilidade do garante, recebendo tal sentença, por imputação legal, eficácia de título executivo judicial.Por fim, não se pode deixar de abordar tema dos mais relevantes, e que vem despertando a atenção da doutrina e da jurisprudência. É preciso deixar claro que, sendo a denunciação da lide uma demanda incidental de garantia, cujo julgamento é condicionado à sucumbência do litisdenunciante na demanda principal, não se pode admitir a condenação do litisdenunciado diretamente em favor do adversário do litisdenunciante. Tal sentença seria nula por estar sendo proferida fora dos limites do objeto do processo, uma vez que o pedido formulado na208 Neste sentido, entre muitos outros, Barbi, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. I, p. 214; Fux, Intervenção de Terceiros (aspectos do instituto), p. 42; Plínio Gonçalves, Da Denunciação da Lide, p. 301; Gusmão Carneiro, Intervenção de Terceiros, p. 98. Em sentido um pouco diverso, mas que deve ser entendido com cuidado, pois defendia uma teoria diversa da tradicionalmente acolhida a respeito da classificação das sentenças, afirma a natureza preponderantemente declaratória desta sentença Pontes de Miranda, Comentários ao Código de Processo Civil, tomo II, p. 160.209 Voltaremos mais adiante ao estudo do problema, quando tratarmos do estudo da sentença. Por ora, a respeito da distinção entre conteúdo e efeitos da sentença, e sobre a possibilidade de uma sentença meramente declaratória receber, por imputação legal, eficácia executiva, consulte-se José Carlos Barbosa Moreira, "Notas sobre ei Contenido, los Efectos y Ia Inmutabilidad de Ia Sentencia", in Temas de Direito Processual, Quinta Série, pp. 103-108.211

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demanda principal não foi de condenação do litisdenunciado, tendo tal pretensão sido manifestada apenas na denunciação da lide. Tal sentença seria, pois, extra petita e, portanto, nula.210

4.6.5. Chamamento ao ProcessoUltima das modalidades de intervenção de terceiro regidas no capítulo adequado (já que a outra espécie, o recurso de terceiro, não se encontra nesta parte do CPC), o chamamento ao processo é instituto sem similar no Direito Romano, ou em qualquer sistema jurídico antigo, assim como não há similar nos ordenamentos jurídicos contemporâneos, com exceção do português, de onde se originou, e de onde foi importado para o Direito brasileiro.211 Assim é que o chamamento ao processo do Direito brasileiro tem como único similar no Direito Comparado o chamamento à demanda do Direito português.212

O chamamento ao processo está diretamente ligado às situações de garantia simples, isto é, àquelas hipóteses em que alguém deve prestar ao credor, perante quem é pessoalmente obrigado, o pagamento de um débito de que, afinal, não é ele o verdadeiro devedor, mas tão-somente o garante.213 Em outros termos, na garantia simples, que está sempre ligada à idéia de coobrigação, situação em que mais de uma pessoa se apresentam responsáveis pelo cumprimento de uma prestação perante terceiro, pode este exigir de qualquer delas o pagamento integral. Nestes casos, aquele que for chamado a cumprir a integralidade da obrigação pode se voltar contra aquele que, na verdade, era o devedor de toda (ou de parte) aquela obrigação.214

Verifica-se, facilmente, à luz destas afirmações, que o chamamento ao processo se revelará cabível nos casos de fiança (em que o fiador é pessoalmente responsável perante o credor, mas pode se voltar210 Neste sentido Rubens Costa, Manual de Processo Civil, vol. II, p. 160. Também a jurisprudência vem se pronunciando neste sentido, como se vê no acórdão do STJ, proferido no REsp n£ 6.793-CE, relator o Ministro Barros Monteiro, DJU de 5.8.1991, referido por Figueiredo Teixeira, Código de Processo Civil Anotado, p. 58.211 Acerca da origem portuguesa do instituto não parece haver dúvidas na doutrina. Confira-se, por todos, Flávio Cheim Jorge, Chamamento ao Processo, São Paulo: RT, 1997, p. 13.212 Acerca do instituto e sua regulamentação no Direito português, consulte-se Castro Mendes, Direito Processual Civil, vol. II, pp. 338-341.213 Calamandrei, "La Chiamata in Garantia", ob. cit., p. 14.214 Calamandrei, "La Chiamata in Garantia", ob. cit., p. 15.212

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Lições de Direito Processual Civilcontra o devedor principal para receber a integralidade do que pagou) e de solidariedade passiva (em que todos os devedores são, individualmente, responsáveis pela integralidade da dívida, mas aquele que a pagar por inteiro poderá exigir de seus co-devedores as suas cotas-partes da obrigação).O chamamento ao processo tem, como conseqüência, a ampliação subjetiva da relação processual, com a formação de um litisconsórcio passivo ulterior entre chamante e chamados. Por esta razão, tem a doutrina criticado intensamente o instituto. Trata-se de crítica pertinente. Com o chamamento ao processo o legislador cria um instituto nitidamente destinado a proteger o devedor que, demandado sozinho pelo cumprimento de uma obrigação, traz para o processo, a fim de que figurem a seu lado como litisconsortes passivos, os demais devedores. Com isso se retira do credor a vantagem que lhe foi assegurada pelo instituto da solidariedade passiva, criado com óbvia intenção de favorecê-lo. Tal afirmação é facilmente constatável. A solidariedade passiva permite ao credor escolher, entre os devedores solidários, em face de quem pretende demandar em juízo. A escolha de um dos devedores permite ao credor ter a segurança de um processo mais rápido (afinal haverá apenas um demandado) e mais barato (com menos despesas processuais, em razão de não se ter formado um litisconsórcio que, afinal de contas, era facultativo). Este processo mais rápido e barato, ou em outros termos, este processo mais efetivo, torna-se praticamente impossível quando se permite ao devedor demandado chamar ao processo todos os demais, forçando-se assim o credor a demandar também em face daqueles que não pretendia ver incluídos no processo.215

Como já afirmado, o chamamento ao processo implica ampliação subjetiva da relação processual originalmente formada, com a inclusão no pólo passivo, como litisconsortes ulteriores, dos chamados.216

215 Por todas as críticas dirigidas ao instituto, consulte-se Barbosa Moreira, Estudos sobre o Novo Código de Processo Civil, p. 89, onde se lê que "o legislador processual está retirando com a mão esquerda aquilo que o legislador material deu ao credor com a direita, suprimindo, na prática, o benefício que a lei civil lhe concede". E mais adiante, afirma o ilustre processualista, na mesma obra (p. 91): "Há, pois, uma inversão de perspectiva. Aqui, as disposições do Direito Processual, longe de se harmonizarem com as do direito material, a meu ver com ele frontalmente colidem".216 Neste sentido se manifesta a imensa maioria da doutrina. Por todos, Cheim Jorge, Chamamento ao Processo, p. 28; Fux, Intervenção de Terceiros (aspectos do instituto), p. 44.213

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Trata-se de intervenção provocada pelo réu, que tem a faculdade (não o dever) de trazer ao processo os coobrigados, dando causa à instauração do litisconsórcio passivo, que se afigura, a nosso juízo, como unitário.217 Uma vez requerido pelo réu o chamamento ao processo, o que deve ser feito no prazo da resposta (mas não necessariamente na própria contestação, podendo se fazer o chamamento ao processo por petição autônoma), deverá o juiz suspender o processo para a citação dos chamados, aplicando-se subsidiariamente as regras acerca do ponto previstas para a denunciação da lide.218

Feito o chamamento ao processo, formar-se-á um litisconsórcio passivo entre chamante e chamado, razão pela qual a sentença conde-natória eventualmente proferida atingirá diretamente a todos eles, tendo assim o credor a formação de título executivo em face de todos os co-devedores. Qualquer destes, portanto, poderá pagar a integra-lidade da dívida, espontaneamente ou mediante execução forçada. Aquele que pagar a dívida, porém, encontrará naquela mesma sentença condenatória título executivo hábil a permitir a execução forçada dos demais coobrigados, pela integralidade da dívida ou pelas suas cotas-partes, conforme o caso (art. 80).Não se pode encerrar a exposição a respeito do chamamento ao processo sem tecer algumas considerações acerca dos casos em que tal modalidade de intervenção é cabível. Assim, pode o fiador, demandado pelo credor, chamar ao processo o devedor principal (art. 77, I, CPC). Feito este chamamento, o fiador poderá, na hipótese de vir a pagar a dívida, voltar-se contra o devedor principal, a fim de exigir dele a integralidade do que houver pago. É de se notar, ainda, que oEm sentido contrário, afirmando que o chamamento ao processo é, em verdade, uma demanda condenatória proposta pelo réu originário em face dos chamados, e que entre eles não haveria litisconsórcio, mas verdadeira demanda incidental, Nery Júnior, Código de Processo Civil Comentado, p. 459.217 No mesmo sentido, Fux, Intervenção de Terceiros (aspectos do instituto), p. 45. Em sentido contrário, entendendo tratar-se de litisconsórcio simples, Cheim Jorge, Chamamento ao Processo, p. 33.218 A aplicação subsidiária das regras da denunciação da lide é determinada pelo art. 79, que faz remissão ao art. 72. Note-se que a remissão feita pelo art. 79 ao art. 74 é inócua, uma vez que o mesmo trata da denunciação da lide feita pelo autor, o que não guarda nenhuma similitude com a hipótese. Trata-se, em verdade, de remissão a um artigo que existia no anteprojeto de CPC, mas que desapareceu do texto definitivo do Código, tendo o legislador esquecido de corrigir a remissão aqui referida. Neste sentido, confira-se Barbi, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. I, p. 221.214

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fiador não é, em regra (e ao menos em termos teóricos, já que a prática dos negócios fez com que os casos de aplicação da regra fossem raríssimos, e freqüentes os casos de incidência da exceção), devedor solidário, havendo tal solidariedade apenas quando o garante tiver renunciado ao benefício de ordem. Nos casos em que tal renúncia não tiver ocorrido, e o devedor disponha de bens capazes de suportar o cumprimento da obrigação, tem o fiador a faculdade de exigir que a execução do crédito recaia, primeiramente, sobre o patrimônio do devedor principal. Ocorre que o benefício de ordem é exercido no processo executivo, e só será possível sua alegação se já for possível a instauração de execução também em face do devedor principal. Isto significa dizer que, em não havendo título executivo em que figure o devedor principal, não poderá o fiador alegar o benefício de ordem. Assim é que se torna essencial, para que o benefício de ordem possa ser alegado, que o fiador, demandado, faça incluir no processo o devedor principal, com o que este será também condenado. Em não sendo feito o chamamento ao processo, nesta hipótese, será impossível ao fiador alegar, na execução, o benefício de ordem.219

Outra hipótese em que o chamamento ao processo é admissível, nos termos do art. 77, II, do CPC, é a de demanda oferecida em face de um dos co-fiadores, que poderá chamar ao processo os demais. Trata-se da co-fiança, sendo o dispositivo absolutamente supérfluo, já que a hipótese encontra natural repouso no inciso III do mesmo art. 77, que prevê, como se verá, o chamamento ao processo dos co-devedores solidários, por aquele que é demandado solitariamente. Isto porque entre os co-fiadores existe solidariedade,220 0 que torna, como afirmado, supérfluo o dispositivo ora mencionado.22iPor fim, dispõe o Código de Processo Civil, em seu art. 77, III, que é admissível o chamamento ao processo "de todos os devedores solidários, quando o credor exigir de um ou de alguns deles, parcial ou totalmente, a dívida comum". Trata-se da hipótese mais comum. Havendo solidariedade passiva, como sabido, pode o credor escolher um dos devedores para dele exigir a integralidade da dívida. Este, demandado,219 No sentido do texto, Cheim Jorge, Chamamento ao Processo, p. 63; Gusmão Carneiro, Intervenção de Terceiros, p. 107.220 Sobre a solidariedade entre os co-fiadores, consulte-se Serpa Lopes, Curso de Direito Civil, vol. IV, pp. 467-468.221 Cheim Jorge, Chamamento ao Processo, pp. 66-67.215

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Alexandre Freitas Câmarapoderá chamar ao processo seus co-devedores. Interessa aqui saber se, diante da redação do dispositivo, será possível ao réu original chamar ao processo apenas alguns dos co-devedores solidários, ou se o chamamento ao processo só é possível se todos os coobrigados forem chamados. Não nos parece, apesar da letra da lei, que se deva exigir o chamamento de todos os co-devedores para que a modalidade de intervenção que se estuda seja admitida. Vários são os motivos. Em primeiro lugar, há que se recordar que o chamamento ao processo "anula" as vantagens decorrentes da solidariedade passiva, obrigando o credor a atuar em juízo diante de quem não queria ver no processo. Isto basta para demonstrar que deve ser admitido o chamamento ao processo de apenas alguns dos co-devedores, o que diminuiria sensivelmente o pesado ônus que o chamamento ao processo impõe ao credor. Além disso, o devedor demandado é senhor de seu direito de cobrar dos co-devedores suas frações, o que fará apenas se quiser. Assim, também não se pode impor ao réu que tenha, como litisconsorte, alguém que - além de não ter sido originariamente demandado - não quer o chamante ter a seu lado na relação processual. Por fim, ressalte-se aqui a incidência do velho princípio segundo o qual "quem pode o mais, pode o menos". Assim, quem pode chamar ao processo todos os co-devedores, pode também chamar alguns deles.222

4.6.6. Recurso de TerceiroEsta última modalidade de intervenção espontânea não se encontra, como afirmado anteriormente, no capítulo do CPC que rege a intervenção de terceiros. Trata-se, aliás, de instituto muito mal regulamentado em nosso direito positivo, sendo certo que a ele o Código de Processo Civil se refere apenas duas vezes: nos arts. 280 e 499. Apesar desta parca regulamentação, não há dúvidas na melhor doutrina quanto a estarmos aqui diante de uma modalidade de intervenção de terceiro.223Há que se afirmar, preliminarmente, que o recurso de terceiro tem origem romana, tendo sido acolhido pelo Direito Canônico e pela dou-222 No sentido do texto, admitindo o chamamento de alguns dos co-devedores apenas, Fux, Intervenção de Terceiros (aspectos do instituto), p. 47. Em sentido contrário, a nosso ver sem razão, Amaral Santos, Primeiras Linhas de Direito Processual Civil, vol. II, p. 37.223 Neste sentido, entre outros, Fux, Intervenção de Terceiros (aspectos do instituto), p. 20; Greco Filho, Da Intervenção de Terceiros, p. 103; Nery Júnior, Princípios Fundamentais -Teoria Geral dos Recursos, p. 109.216

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trina do direito comum, de onde passou às Ordenações do Reino português e, daí, ao Direito brasileiro.224 Além disso, não se pode deixar de afirmar, com base na melhor doutrina, que alguns ordenamentos destinam ao terceiro um recurso específico, como a opposizione di terzo, do Direito italiano,225 outros sistemas adotam sistema eclético, em que o terceiro às vezes se vale dos recursos postos à disposição das partes, e em outros casos de recursos que lhe são atribuídos com exclusividade, como em Portugal,226 enquanto o Brasil possui um sistema em que ao terceiro são abertas as mesmas vias recursais que são, ordinariamente, abertas às partes. Em outras palavras, o terceiro pode interpor qualquer dos recursos que às partes é lícito oferecer, e dispõe o terceiro do mesmo prazo de que dispõem as partes para tal.Verifica-se, pois, muito facilmente, que o problema do estudo do recurso de terceiro não está em definir qual seja este recurso, já que ao terceiro é lícito interpor qualquer das espécies admissíveis. O problema que resta para ser solucionado é o de se saber, com precisão, quem é o terceiro que pode recorrer.Em primeiro lugar, há que se afirmar que o terceiro que pode interpor recurso é alguém que ainda não interveio no processo. Isto porque a lei permite o recurso ao terceiro e este, como sabido, é definido, por exclusão, como sendo aquele que não é parte. Quem já tiver adquirido a qualidade de parte, como o assistente, por exemplo, pode recorrer, não na qualidade de terceiro prejudicado, mas na qualidade de parte.227

Pode-se, assim, definir o terceiro legitimado a recorrer como aquele que poderia ter intervindo no processo, mas não o fez antes da decisão, pretendendo fazê-lo agora com o fim de atacar o provimento judicial que lhe acarreta prejuízo.Afirma parte da doutrina que aquele que poderia ter intervindo como opoente não pode interpor recurso de terceiro prejudicado,228 com224 Sérgio Bermudes, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. VII, São Paulo: RT, 2a ed., 1977, p. 59.225 José Carlos Barbosa Moreira, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. V, Rio de Janeiro: Forense, 6^ ed., 1993, p. 261. Sobre a opposizione di terzo do Direito italiano, consulte-se Mandrioli, Corso di Diritto Processuale Civile, vol. II, pp. 466-474.226 Barbosa Moreira, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. V, p. 261. Sobre o sistema português, consulte-se Manuel Leal-Henriques, Recursos em Processo Civil, Lisboa: Rei dos Livros, 2a ed., 1992, pp. 43-46.227 Fux, Intervenção de Terceiros (aspectos do instituto), p. 21.228 Assim, Fux, Intervenção de Terceiros (aspectos do instituto), pp. 21 e 23. Contra, admitindo a interposição de recurso por quem poderia ter sido opoente, Greco Filho, Da Intervenção de Terceiros, p. 103.217

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Alexandre Freitas Câmarao que, data venia, não concordamos. Parece-nos possível àquele que poderia ter oferecido oposição interpor recurso de terceiro prejudicado. Basta lembrar que a oposição só é possível antes da prolação de sentença, podendo o terceiro, que poderia ter manifestado oposição, ter interesse em recorrer com o fim de obter a anulação da sentença proferida, com o que cairia por terra o obstáculo a que a oposição fosse ainda oferecida, abrindo-se a ele, então, nova oportunidade.Além disso, há que se afirmar que o terceiro que pretende recorrer precisa demonstrar, como ressalta óbvio, interesse jurídico na causa, uma vez que em não existindo este não poderia ele ter intervindo no processo, ficando por conseguinte impedido de intervir através da interposição de recurso. Além disso, deverá ficar demonstrado o prejuízo que a decisão acarretou à sua esfera de interesses. Assim, por exemplo, numa "ação de despejo", poderia o sublocatário consentido ter intervindo no processo como assistente simples do locatário. Não tendo ocorrido tal intervenção, nada impede que o sublocatário apele contra a sentença que decretou o despejo, por ser ele terceiro juridicamente interessado que sofreu prejuízo com a decisão.Por fim, resta dizer que não concordamos com a afirmação de que o recurso de terceiro seria uma "assistência em grau recursal".229 Isto se deve a dois motivos. Em primeiro lugar, entender o recurso de terceiro como espécie de assistência esvaziaria o conteúdo do art. 50, parágrafo único, que autoriza a assistência em qualquer grau de jurisdição. Em segundo lugar, ao contrário do assistente, que, como sabido, intervém no processo com o fim de auxiliar uma das partes a obter resultado favorável, o terceiro que interpõe recurso não terá necessariamente esta intenção, bastando recordar o exemplo anteriormente figurado do terceiro que poderia ter sido opoente (tendo, pois, interesse nitidamente ad excludendum), e que pode interpor recurso.Encerra-se esta breve exposição com uma observação de ordem terminológica. Até a oitava edição deste livro, chamávamos esta modalidade de intervenção de terceiro de recurso de terceiro prejudicado, como costuma ser visto em todas as obras em que se trata do tema. A partir da nona edição, porém, passamos a chamar esta modalidade de intervenção, simplesmente, de recurso de terceiro, como se pôde notar ao longo da exposição. Esta mudança de orientação se deu após a leitura da primeira monografia dedicada exclusivamente ao estudo do229 Greco Filho, Da Intervenção de Terceiros, p. 103.218

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tema de que tivemos notícia na literatura brasileira, de autoria do professor baiano Fredie Didier Júnior.2^ Como ensina o notável proces-sualista da Bahia, "não é da essência do conceito do instituto a existência do prejuízo jurídico; ou melhor, a existência de qualquer tipo de prejuízo".231 Realmente, o que identifica o instituto é o fato de se tratar de um recurso interposto por um terceiro. É, pois, recurso de terceiro, e nada mais. Rendemos, pois, nossas homenagens ao professor Didier Jr., passando a adotar, expressamente, a nomenclatura por ele sugerida.4.7. Ministério PúblicoO Ministério Público é órgão do Estado, que, segundo a Constituição da República, é "instituição permanente, essencial à função jurisdi-cional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis" (art. 127 da Constituição da República). Órgão estatal indispensável no regime democrático, atua o MP no processo civil como órgão agente ou como órgão interveniente,232 ou como se costuma encontrar com mais freqüência, atua o MP como parte ou como fiscal da lei (custos legis).O Ministério Público, no processo civil, pode atuar como parte da demanda,233 órgão agente, nos casos em que lhe é deferido pelo sistema o poder de ação. É o que se dá, por exemplo, no caso da "ação civil pública", da "ação de investigação de paternidade" e outras. Nestas situações, atua o Ministério Público como demandante, sendo tratado como uma parte comum, pois que, nos termos do art. 81 do CPC, cabem-lhe os mesmos ônus e poderes que a todas as partes. E230 Fredie Didier Júnior, Recurso de Terceiro, São Paulo: RT, 2002.231 Idem, p. 29.232 A terminologia empregada no texto é encontrada em Paulo Cezar Pinheiro Carneiro, O Ministério Público no Processo Civil e Penal: Promotor Natural - Atribuição e Conflito, Rio de Janeiro: Forense, 4s ed., 1992, p. 7.233 A atuação do MP "como parte", no processo civil, é aquela que o põe como parte da demanda. Parte do processo o MP sempre será, todas as vezes em que participar do processo, seja na qualidade de órgão agente, seja na de fiscal da lei. Por este motivo, a nosso ver, sem razão Pinheiro Carneiro, O Ministério Público no Processo Civil e Penal, p. 6, quando afirma que o MP é parte da relação processual quando atua como órgão agente, dando a entender que na outra forma de atuação não terá esta qualidade. No sentido da posição por nós defendida, afirmando que o MP mesmo quando atua como custos legis, é sujeito da relação processual, Afrânio Silva Jardim, Da Publicizaçào do Processo Civil, Rio de Janeiro: Liber Júris, 1982, p. 114.219

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Alexandre Freitas Câmaracerto que esta afirmação contém tão-somente uma regra geral, a qual é excepcionada pelo próprio Código de Processo Civil, quando determina, por exemplo, a existência de um benefício de prazo para o MP que dispõe de prazo em quádruplo para contestar e em dobro para recorrer (art. 188 do CPC).Verifica-se, pois, que a atuação do Ministério Público como órgão agente não guarda maior interesse nesta parte do estudo, em que se quer analisar a atuação dos diversos sujeitos da relação processual, pois será ele uma parte como outra qualquer.De maior interesse, sem sombra de dúvida, a atuação do MP como fiscal da lei, órgão interveniente, ou custos legis. Quanto ao ponto, sempre preocupou-se a doutrina em discutir em que causas deveria haver a intervenção do Ministério Público como fiscal da correta atuação da lei. Autores há, pois, que propugnam por uma amplíssima atuação do MP, entendendo que este órgão deveria intervir em todos os processos civis, como meio de se garantir uma mais adequada busca da verdade na atividade de produção das provas, lembrando que no processo civil o mais relevante interesse em jogo é o interesse público na adequada atuação da vontade do direito objetivo.234 Parece-nos, porém, que o sistema do Código é bastante razoável, determinando a intervenção do MP como fiscal da adequada atuação do direito objetivo, ou seja, como fiscal da lei, em hipóteses expressamente determinadas. A atuação do Ministério Público em todos os processos de natureza civil, a nosso juízo, teria mais inconvenientes do que vantagens, e o maior dos males seria a demora que esta atuação acarretaria para o desate final dos processos, que demorariam mais do que já demoram atualmente, o que seria de todo prejudicial.O Ministério Público deve intervir obrigatoriamente no processo civil, como fiscal da lei, e sob pena de nulidade absoluta em caso de não ser intimado para intervir, nas hipóteses previstas no art. 82 do Código de Processo Civil. É certo que tal enumeração não é exaustiva, havendo outros casos previstos no próprio CPC (como se dá, e.g., no art. 1.105, que determina a intervenção do MP nos processos de jurisdição voluntária), e em leis extravagantes, como a da "ação popular". Preocupar-nos-emos, agora, porém, tão-somente com as hipóteses previstas no art. 82 do CPC.Dispõe o Código de Processo Civil, no artigo referenciado, que o MP deve intervir obrigatoriamente nos processos em que haja234 Neste sentido Silva Jardim, Da Puhlicização do Processo Civil, p. 117.220

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Lições de Direito Processual Civilinteresse de incapaz, nos concernentes ao estado da pessoa, pátrio poder, tutela, curatela, interdição, casamento, declaração de ausência e disposições de última vontade, nas demandas que envolvam conflitos coletivos pela posse da terra rural e em todos os demais processos em que haja interesse público, decorrente da natureza da res in iudicium deducta ou da qualidade da parte.Ao atuar como fiscal da lei, e como indica a própria nomenclatura tradicionalmente empregada, o Ministério Público exercerá a função de órgão responsável por velar pela justiça e legalidade da decisão judicial, fiscalizando assim a atuação da vontade da lei pelo Estado-juiz. Atua, pois, como órgão imparcial. Note-se que esta imparcialidade está presente em todas as hipóteses de intervenção, podendo o MP, por exemplo, recorrer de uma sentença injusta ou ilegal que tenha sido proferida e que se revele favorável ao incapaz. O MP não atua no processo, nesta hipótese, como assistente do incapaz, mas como fiscal da atuação da vontade do direito.235

Atuando como órgão interveniente, o MP terá vista dos autos depois das partes, devendo ser intimado de todos os atos e termos do processo, tendo ainda iniciativa probatória, podendo produzir todos os meios de prova juridicamente admissíveis, bem assim requerer medidas e diligências que repute essenciais ao descobrimento da verdade (art. 83).

§ 5^ Escopos do Processo: Instrumentalidade e Efetividade do ProcessoO processo tem, como não poderia deixar de ser, um objetivo. Existe para servir de instrumento. É tradicional a afirmação de que o processo é um meio, e não um fim em si mesmo. A visão do processo como instrumento de atuação do direito material é tradicional, e responsável pela compreensão de que os institutos processuais devem ser adequados a permitir o exercício, em concreto, das posições jurídicas de235 No sentido do texto, Silva Jardim, Da Publicização do Processo Civil, p. 116; contra, entendendo que neste caso a intervenção do MP é assistencial, Dinamarco, Fundamentos do Processo Civil Moderno, p. 332, e em sentido semelhante, embora não fale em intervenção assistencial, mas em intervenção fiscal de "interesses de determinadas pessoas ou classes de pessoas", Pinheiro Carneiro, O Ministério Público no Processo Civil e Penal, p. 14.221

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vantagem criadas pelo direito substancial. O processo é, pois, instrumento de atuação do direito material, e a isto denominou a doutrina instrumentalidade do processo em seu aspecto negativo.236 Trata-se de uma visão do processo menos formalista, capaz de fazer ver ao estudioso do tema que o binômio direito substancial-direito processual deve ser relativizado. Assim é que o processo deve ser visto como instrumento a serviço do direito material, e não o contrário. De outro lado, porém, há um aspecto positivo da instrumentalidade, segundo o qual o processo é encarado como meio indispensável para que o Estado possa alcançar os escopos da jurisdição (não só o escopo jurídico, mas também os sociais e políticos, todos já referidos nesta obra).237

O processo deve alcançar o fim a que se destina, ou seja, o processo deve ser capaz de permitir ao Estado atingir os escopos da jurisdição. Deve-se, pois, lutar pela efetividade do processo. Por efetividade entende-se a aptidão de um instrumento para alcançar seus objetivos.238 Assim é que o processo só é efetivo se dispõe de meios capazes de permitir ao Estado atingir os escopos da jurisdição. Como ensina o mais autorizado teórico do tema em nosso país, o processo, para ser efetivo, precisa atender a cinco postulados:"Dispor de instrumentos de tutela adequados, na medida do possível, a todos os direitos e posições jurídicas de vantagem contemplados no ordenamento; tais instrumentos devem ser praticamente utilizáveis, sejam quais forem os titulares das posições jurídicas de vantagem, ainda quando indeterminados ou indetermináveis os seus sujeitos; há que se assegurar con-dições capazes de permitir uma exata e completa reconsti-tuição dos fatos relevantes, de modo a permitir que o convencimento do juiz corresponda, tanto quanto possível, à verdade; o processo deve ser capaz de assegurar a quem tem uma posição jurídica de vantagem, na medida do possível, tudo aquilo, e precisamente aquilo, a que faz jus, assegurando-se-lhe o pleno236 Nomenclatura empregada por Dinamarco, A Instrumentalidade do Processo, p. 381.237 Ainda uma vez utilizamos terminologia encontrada em Dinamarco, A Instrumentalidade do Processo, p. 385.238 Sobre o tema, não se pode deixar de fazer referência à obra de Barbosa Moreira, "Notas sobre o Problema da 'Efetividade' do Processo", in Temas de Direito Processual, Terceira Série, São Paulo: Saraiva, 1984, pp. 27-42. A ligação entre as idéias de instrumentalidade e efetividade do processo é feita por Dinamarco, A Instrumentalidade do Processo, p. 385.222

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gozo da específica utilidade a que tem direito; cumpre assegurar que tal resultado seja alcançado com o mínimo dis-pêndio de tempo e energias".239

O processo brasileiro é estruturado de forma a ser verdadeiramente efetivo, havendo instrumentos capazes de assegurar o respeito aos cinco postulados sugeridos por Barbosa Moreira. Assim é que, por exemplo, temos em nosso sistema instrumentos como o mandado de injunção, capaz de permitir a tutela, em juízo, de posições jurídicas de vantagem que não poderiam, em princípio, ser exercidas por falta de norma regulamentadora do direito previsto em sede constitucional; outros, como a "ação popular" e a "ação civil pública", permitem a tutela em juízo de posições de vantagem cujos titulares são indeterminados ou indetermináveis; os poderes instrutórios do juiz permitem a reconstrução dos fatos, tornando possível a descoberta da verdade; instrumentos como a tutela jurisdicional específica das obrigações de emitir declaração de vontade (arts. 639 a 641 do CPC) e a tutela jurisdicional específica das obrigações de fazer e não fazer (art. 461 do CPC) são capazes de assegurar ao titular de um direito o gozo específico daquilo a que faz jus; e, por fim, institutos como a tutela antecipada permitem a observância do princípio da economia processual, assegurando o máximo de vantagem com o mínimo de dispêndio.§ 62 Classificação do ProcessoClassifica-se o processo levando-se em consideração o tipo de tutela jurisdicional que se quer ver prestada. Trata-se, como facilmente se verifica, do mesmo critério anteriormente empregado para a classificação das ações. Assim é que se costuma falar, em doutrina, em processo de conhecimento, de execução e cautelar. Esta classificação, porém, não está sujeita às mesmas críticas que foram dirigidas à classificação da ação. Isto porque, ao contrário da ação, que é sempre una, o processo realmente revela peculiaridades, de acordo com o tipo de tutela jurisdicional pretendida. Assim, por exemplo, no processo de conhecimento, ou cognitivo, haverá um contraditório pleno, com ampla possibilidade, para ambas as partes, de participarem da formação do provimento de mérito. De outro lado, no processo executivo, o contraditório239 Barbosa Moreira, "Notas sobre o Problema da 'Efetividade' do Processo", ob. cit., pp. 27-28.223

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Alexandre Freitas Câmaraé mais limitado, não havendo espaço para discussões acerca do mérito, que não chega nem mesmo a ser apreciado, sendo este um tipo de processo de resultado único, uma vez que o processo de execução só encontra seu fim normal com um resultado favorável ao demandante. Qualquer outra forma de extinção do processo executivo que não seja com a plena satisfação do interesse do exeqüente será anômala.Verifica-se, pois, facilmente, que a classificação aqui apresentada não se encontra sujeita às críticas dirigidas por parte da doutrina à classificação da ação. Outro tipo de crítica, porém, pode ser dirigido a esta classificação. É que a mesma passa a falsa interpretação de que apenas numa das espécies de processo há cognição, quando esta atividade está presente em todos os três tipos de processo. Aliás, pode haver execução no processo de conhecimento, cognição no processo cautelar, cautelaridade no processo cognitivo, entre outras possíveis combinações. A classificação é feita, pois, com base na atividade preponderante a ser desenvolvida pelo Estado-juiz. Assim, no processo em que predomina a atividade cognitiva, tem-se processo cie conhecimento. Nos processos onde a atividade executiva se revela mais importante, tem-se processo de execução, e, por fim, nos processos em que a atividade mais importante é a acautelatória, com a busca de segurança para a efetividade de outro processo, estaremos diante de um processo cautelar.E preciso dizer, ainda, que o processo cautelar não se opõe aos processos de conhecimento e de execução como um terceiro gênero. Mais propriamente, pode-se dizer que o processo cautelar se opõe aos processos de conhecimento e de execução vistos em conjunto, havendo, pois, o processo cautelar de um lado, e os processos satisfativos de outro.240

Outra questão que não pode deixar de ser referida agora, ainda que rapidamente, diz respeito à autonomia do processo de execução. Discute-se, em sede doutrinária, se a execução é processo autônomo em face do processo cognitivo, ou se é apenas uma fase do mesmo. Autores da mais elevada autoridade afirmam a autonomia, lembrando a existência de processos de conhecimento a que não se segue uma execução (o que se dá, por exemplo, quando o processo se instaurou por força da propositura de uma "ação constitutiva"), bem assim a existência de execuções que não são precedidas de conhecimento (o que se dá240 No mesmo sentido, Barbosa Moreira, Estudos sobre o Novo Código de Processo Civil, p. 27.224

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Lições de Direito Processual Civilquando a execução é instaurada com base em título executivo extrajudicial, o que seria capaz de provar a autonomia).241 Em sentido contrário, manifestou-se notável jurista, ao afirmar que os processos de conhecimento a que não se segue execução, bem como as execuções fundadas em título extrajudicial, em que não há prévia cogniçao judicial, são exceções dentro do sistema, em que a regra é a tutela condenatória seguida de execução. Afirmava-se, assim, a unidade do processo, com duas fases: uma cognitiva, outra executiva.242

É indiscutível que o Direito brasileiro vigente foi estruturado com base na idéia de autonomia entre os dois processos, cognitivo e executivo. Tal se deu, até mesmo, pela inegável influência das idéias de Liebman sobre nosso sistema processual. Não nos parece, todavia, seja este o sistema adequado de lege ferenda. A unicidade da jurisdição é inequívoca. Ao condenar alguém ao cumprimento de uma prestação, o Estado-juiz ainda não encerrou o exercício da atividade jurisdicional, uma vez que ainda não terá atuado a vontade concreta do direito. Esta atuação só se dará de forma completa quando o titular do direito estiver no gozo daquilo a que faz jus, e isto só ocorrerá com a execução (salvo, obviamente, o cumprimento espontâneo da obrigação). Por esta razão, aliás, é que afirmamos anteriormente ser a tutela condenatória espécie de tutela jurisdicional limitada. Ora, em sendo única a atividade jurisdicional, não parece razoável afirmar a necessidade de dois processos distintos para que a tutela jurisdicional plena possa ser prestada. A execução, assim, nos parece ser uma segunda fase de um mesmo processo, em que a primeira fase é a cognitiva. Esta posição foi por nós defendida de lege ferenda, em termos puramente teóricos, desde a primeira edição desta obra, uma vez que o Direito brasileiro sempre regulou a execução de sentença como processo autônomo em relação ao processo cognitivo. A partir da entrada em vigor da Lei na 10.444/2002, porém, esta situação se alterou. A partir desta reforma do sistema do CPC (ocorrida quando este livro já se encontrava em sétima edição), a execução de sentença241 Neste sentido, por todos, Liebman, Processo de Execução, pp. 38-42.242 A opinião é de Niceto Alcalá-Zamora y Castillo, citado por Humberto Theodoro Júnior, A Execução de Sentença e a Garantia do Devido Processo Legal, Rio de Janeiro: Aide, 1987, pp. 210-211. Refira-se, aliás, que na citada obra, o ilustre processualista mineiro pugna pela adoção de um sistema de unidade processual, em que cogniçao e execução se darão em um mesmo processo, embora reconheça que não é este o sistema vigente entre nós (pp. 232 e 253-256).225

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Alexandre Freitas Câmaraque condena a prestar obrigação de fazer, não fazer ou entregar coisa passou a se dar dentro do mesmo processo em que a sentença é proferida. Em outros termos, o legislador acolheu a tese por nós sustentada de que a execução de sentença deve ser um prolongamento da cognição, desenvolvendo-se ambas as atividades no mesmo processo. Proferida a sentença nos casos apontados (conforme o disposto nos arts. 461 e 461-A do CPC), o juiz, de ofício ou mediante requerimento, determinará as medidas necessárias à efetivação do comando contido na sentença. Resta, porém, mantido o sistema original para a execução de sentença que condene a pagar dinheiro. Neste caso, tudo o que se pode fazer é augurar uma modificação tão profunda quanto a já efetuada em relação às obrigações de fazer, não fazer e entregar coisa, a fim de que também este processo de execução autônomo desapareça, mantendo-se a autonomia do processo executivo apenas para aqueles casos em que não tenha havido anterior processo de conhecimento de cunho condenatório.243

§ 72 Objeto do ProcessoTema dos mais relevantes, e que vem exigindo a atenção da doutrina nacional e estrangeira, é o do objeto do processo. Diversos autores já trataram do tema, sendo certo que a questão é examinada com muito mais vagar pelos autores alemães do que pelos italianos.244 O que se pretende aqui é verificar qual é o conceito de mérito, tema dos mais difíceis da ciência processual, mas que não pode deixar de ser abordado, já que extremamente relevante para a exata compreensão de outros conceitos, como sentença e coisa julgada.Não se pode deixar de referir que os estudos acerca do objeto do processo são nitidamente influenciados pelas concepções dos autores alemães a respeito do tema, sendo importantíssimos os estudos desen-243 Note-se, porém, que no microssistema da Lei n- 9.099/95, que rege os juizados especiais cíveis, a execução de sentença não é tratada como processo autônomo, mas como fase de um processo único. Sobre o tema, consulte-se Wander Paulo Marotta Moreira, Juizados Especiais Cíveis, Belo Horizonte: Del Rey, 1996, p. 84; Emane Fidélis dos Santos, Novos Perfis do Processo Civil Brasileiro, Belo Horizonte: Del Rey, 1996, p. 182; Freitas Câmara, Dos Procedimentos Sumário e Sumarissimo, pp. 111-112.244 A constatação é de Cândido Rangel Dinamarco, "O Conceito de Mérito em Processo Civil", in Fundamentos do Processo Civil Moderno, ob. cit., p. 210. Na doutrina alemã é clássica a obra de Karl Heinz Schwab, El Objeto Litigioso en ei Proceso Civil, trad. esp. de Tomas A. Banzhaf, Buenos Aires: EJEA, 1968.226

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volvidos naquele país sobre o Streitgegenstand, conceito que é por nós denominado simplesmente objeto do processo.É sabido que a Exposição de Motivos do Código de Processo Civil afirma que o mérito da causa é a 7i'de.245 Esta posição, embora aceita por diversos doutrinadores, não é a única (o que, aliás, facilmente se conclui quando se sabe que nem todos os processualistas aceitam a colocação da lide no conceito de jurisdição ou como pólo metodológico da ciência processual, como visto anteriormente). A doutrina, ao analisar a temática aqui abordada, da conceituação do objeto do processo, divide-se em três posições fundamentais: alguns autores que identificam o objeto do processo e a lide, como o faz a Exposição de Motivos do CPC; outros que colocam o objeto do processo no plano das questões, ou complexo de questões referentes à demanda; e, por fim, os que se valem da demanda, ou de situações externas ao processo e a ele trazidas através da demanda para identificar o objeto do processo.246

A primeira das posições referidas, segundo a qual lide e objeto do processo são conceitos equivalentes, tem nítida inspiração nas idéias de Carnelutti, e foi defendida por Alfredo Buzaid.2^7 Esta colocação, porém, nos parece levar a uma contradição insolúvel. Isto porque, como já afirmado anteriormente, a lide é elemento acidental da jurisdição, sendo inegável a existência de processos em que não há lide, como é o caso da "ação de anulação de casamento" proposta pelo Ministério Público em face de ambos os cônjuges, os quais pretendem, também, a invalidação do casamento. Apesar de inexistir lide, há obviamente um mérito da causa, há um objeto do processo, o que demonstra a insuficiência nítida do conceito de lide para definir o objeto do processo.248

Outro setor da doutrina conceitua o objeto do processo assimilando este conceito ao de questões de fundo do processo. Entre os defensores desta posição encontramos LíeJbman,249 além de Carne-245 Alfredo Buzaid, "Exposição de Motivos do Código de Processo Civil", n- 6.246 A enumeração das três correntes pode ser encontrada em Dinamarco, O Conceito de Mérito em Processo Civil, p. 188.247 Buzaid, Do Agravo de Petição no Sistema do Código de Processo Civil, p. 104, onde se lê: "A lide é, portanto, o objeto fundamental do processo e nela se exprimem as aspirações em conflito de ambos os litigantes".248 Já havíamos apontado esta contradição em trabalho anterior: Freitas Câmara, O Objeto da Cognição no Processo Civil, p. 221.249 Liebman, Manual de Direito Processual Civil, vol. I, pp. 170-171, onde se lê: "O conhecimento do juiz é conduzido com o objetivo de decidir se o pedido formulado no processo é procedente ou improcedente e, em conseqüência, se deve ser acolhido ou227

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Alexandre Freitas Câmaralutti.250 Esta concepção é inaceitável por confundir o mérito com as questões de mérito. Como é aceito pela melhor doutrina, as partes, ao longo do processo, vão trazendo a juízo suas razões, e cada uma destas razões corresponde a um ponto. Ponto é, pois, cada uma das alegações produzidas pela parte. Toda vez que sobre um ponto instaura-se controvérsia, surge uma questão. Questão, pois, nada mais é do que um ponto controvertido. Assim é que pode haver questão de fato e de direito, bem assim questão de mérito e questão processual.O juiz vai, ao longo do processo, resolvendo as questões que lhe são submetidas, a fim de poder, após isto, decidir o mérito. Em outras palavras, quando o juiz vai se pronunciar sobre o mérito já terá resolvido todas as questões, o que mostra a impropriedade da equiparação do objeto do processo às questões de mérito. Não fosse assim, e os fundamentos da decisão deveriam ser alcançados pela coisa julgada, o que é expressamente excluído pelo art. 469 do CPC.251

Entre os que equiparam o mérito à demanda, ou seja, ao ato inicial de impulso da atuação do Estado-juiz, encontramos Chiovenda, que afirma textualmente:"La sentenza di mérito è il prowedimento dei giudíce che accoglie o respinge Ia domanda deWattore diretta a ottenere 1'accertamento delia esistenza d'una volontà dí legge che gli garantisca un bene, o deWinesistenza d'una volontà di legge che Io garantisca ai convenuto".252

Não parece correta, também, esta posição. Demanda é o ato inicial de impulso da atuação do Estado-juiz, não parecendo capaz de constituir o mérito da causa, mas tão-somente de veiculá-lo. E sem dúvida a de-manda que apresenta o objeto do processo, mas daí a identificar os dois conceitos vai uma certa distância. A demanda não é o mérito, mas -como se verá com mais vagar - um pressuposto processual.253

rejeitado. Todas as questões cuja resolução possa direta ou indiretamente influir em tal decisão, formam, em seu complexo, o mérito da causa".250 É curioso notar que, embora criador do método processual centrado na lide, Carnelutti nunca equiparou este conceito ao de mérito da causa, sendo defensor da idéia de que as questões materiais apresentadas pela lide é que compõem o objeto do processo. Por esta razão, é incluído por Dinamarco entre os defensores desta segunda corrente (cf. Dinamarco, O Conceito de Mérito em Processo Civil, p. 189).251 Dinamarco, O Conceito de Mérito em Processo Civil, p. 193.252 Chiovenda, Principii di Dirítto Processuale Civile, p. 134.253 Dinamarco, O Conceito de Mérito em Processo Civil, p. 195.228

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Vários são, de outro lado, os autores que vêem o mérito como algo externo ao processo, e que para ele é trazido através da demanda. Assim, entre outros, Redenti, Fazzalarí e Friedrích Lent,2^ que equiparam o objeto do processo à res in iudicium deducta, ou seja, à relação jurídica de direito substancial trazida ao processo.A melhor doutrina, divergindo das anteriormente apresentadas, vem afirmando que o objeto do processo é a pretensão. Pretensão, como se sabe, é a exigência de submissão do interesse alheio ao interesse próprio. Esta concepção tem contado com a adesão de diversos autores, entre os quais podemos encontrar juristas brasileiros e estrangeiros.255 A pretensão processual é trazida ao processo através da demanda, e revelada pelo pedido do autor. Este é o elemento que compõe o objeto do processo, eis que a decisão judicial de mérito recairá sobre esta pretensão proces-sual, e não sobre a pretensão de direito material. Admitir que a pretensão material (e não a processual) é o objeto do processo,256 é admitir a existência de processos sem objeto, como ocorreria no caso da "ação rescisória" fundada em incompetência absoluta do juízo, em que nenhuma questão de direito material é submetida a juízo.Tem-se, pois, por objeto do processo a pretensão processual, assim entendida a exigência do demandante no sentido de obter um atuar ou um fazer,257 ou, com mais precisão, a intenção manifestada pelo demandante de obtenção de um provimento capaz de lhe assegurar tutela jurisdicional. Julgar o mérito é julgar esta pretensão, manifestada em juízo através de um pedido, razão pela qual fala-se, tradicionalmente, em procedência ou improcedência do pedido, expressões utilizadas nas254 Citados por Dinamarco, O Conceito de Mérito em Processo Civil, p. 196.255 Entre os estrangeiros destaca-se, sem sombra de dúvida, Schwab, EI Objeto Litigioso en ei Proceso Civil, pp. 241-244. Na doutrina nacional, é de ser citado o entendimento de Sydney Sanches, "Objeto do Processo e Objeto Litigioso do Processo", in RePro, vol. XIII, 1979, p. 45. Refira-se, aqui, que o autor denomina objeto litigioso do processo o que vimos designando por objeto do processo. Para o eminente processualista e magistrado, objeto do processo corresponde ao que preferimos denominar objeto da cognição. Sobre esta divergência, de resto puramente terminológica e, por isto, sem maiores repercussões, consulte-se Freitas Câmara, O Objeto da Cognição no Processo Civil, p. 222, especialmente o que vai à nota de rodapé n- 30. Refira-se, ainda, entre os defensores da pretensão como objeto do processo, Dinamarco, O Conceito de Mérito em Processo Civil, p. 218. A este posicionamento aderimos, no estudo citado nesta nota, p. 222.256 Opinião defendida, por exemplo, por Pontes de Miranda, Comentários ao Código de Processo Civil, tomo I, p. 43.257 Schwab, El Objeto Litigioso en ei Proceso Civil, p. 244.229

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Alexandre Freitas Câmarasentenças que definem o objeto do processo, conforme tenha sido tal definição favorável ou desfavorável ao demandante.Note-se, aqui, que a pretensão não é o pedido, sendo este apenas a sua manifestação no processo. Pretensão é intenção, elemento vo-litivo e subjetivo. Pedido é o meio de declaração da vontade de se obter determinado resultado em juízo, ou em outros termos, manifestação processual da pretensão.Não se ache, pelo que aqui foi dito, que o fato de todo processo conter mérito (afinal não pode haver processo sem pretensão, ou - o que dá no mesmo - não pode haver processo desprovido de objeto) significa dizer que todo processo contém julgamento do mérito. Há casos em que o processo é extinto sem resolução do mérito (porque falta uma das "condições da ação", por exemplo), além de se verificar que no processo executivo não há julgamento do mérito jamais.Além disso, não se pode confundir o objeto do processo com o objeto da cognição, ou seja, com o complexo de questões submetidas à análise do juiz, e que contém, entre seus elementos integrantes, o mérito da causa, ao lado de outros elementos, como as "condições da ação" e as questões sobre o processo (como os pressupostos processuais, por exemplo).258 Este conceito é, portanto, mais amplo que o de objeto do processo, sendo certo que o mérito da causa é um dos elementos integrantes do objeto da cognição judicial.

§ 82 Pressupostos ProcessuaisFigura das mais relevantes para a compreensão da relação processual, os pressupostos processuais (cuja construção teórica foi iniciada por Bülow na obra que é justamente reconhecida como o marco inicial da autonomia científica do Direito Processual)259 não receberam da doutrina, até hoje, uma sistematização adequada. Antes de mais nada, há que se referir à inutilidade para o estudioso pátrio das lições da moderna doutrina tedesca, já que os processualistas alemães têm uma concepção dos pressupostos processuais bastante diversa da258 Sobre o objeto da cognição, consulte-se Freitas Câmara, O Objeto da Cognição no Processo Civil, pp. 207-223.259 Bülow, Die Lehre von den Processeinreden und die Processvoraussetzungen, cujo título pode ser traduzido por "teoria das exceções processuais e dos pressupostos processuais".230

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nossa, fazendo constar desta categoria figuras como a legitimidade das partes, que nós tradicionalmente consideramos "condições da ação". Sendo esta distinção entre as duas categorias consagrada até mesmo em sede de direito positivo (bastando, para se confirmar o que acaba de ser dito, uma breve leitura dos incisos IV e VI do art. 267 do Código de Processo Civil), faz-se mister tratar dos pressupostos processuais em sede distinta daquela em que se analisou as "condições da ação".Os pressupostos processuais podem ser definidos como os requisitos de existência e validade da relação processual.260 Em outros termos, os pressupostos processuais são os elementos necessários para que a relação processual exista e, em existindo, possa se desenvolver validamente. Desta definição já se pode extrair, facilmente, a conclusão de que os pressupostos processuais devem ser divididos em dois grupos: os pressupostos processuais de existência e os pressupostos processuais de validade.261

Pressupostos de existência são os elementos necessários para que a relação processual possa se instaurar. A ausência de qualquer deles deve levar à conclusão de que não há processo instaurado na hipótese. Assim, e sem nos preocuparmos (por enquanto) com a enumeração dos pressupostos processuais, pode-se dizer que é inexistente o processo se o mesmo se desenvolve fora de um órgão estatal apto ao exercício da jurisdição (juízo). Com isso, verifica-se que não é processo o que se desenvolve perante o professor da Faculdade de Direito, com fins meramente acadêmicos, objetivando mostrar aos estudantes como se desenvolve um processo real.De outro lado, os pressupostos processuais de validade são os requisitos necessários ao desenvolvimento regular do processo, e sua análise, obviamente, exige um processo existente, ou seja, só se verifica a presença dos pressupostos de validade se estiverem presentes todos os pressupostos de existência. Assim, mais uma vez para exemplificar, não se desenvolverá validamente um processo em que o autor seja incapaz e não esteja regularmente representado ou assistido, nos termos da lei civil.260 Em senso análogo, foram os pressupostos processuais definidos por prestigioso jurista gaúcho como "requisitos necessários para a existência jurídica e o desenvolvimento válido do processo". Cf. Jorge Luís Dall'Agnol, Pressupostos Processuais, Porto Alegre: LeJur, 1988, p. 22.261 A distinção é aceita pela mais moderna doutrina italiana. Por todos, consulte-se Mandrioli, Corso di Diritto Processuale Civile, vol. I, p. 41.231

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Alexandre Freitas CâmaraNão é pacífica a doutrina acerca da enumeração dos pressupostos processuais. Autores há que apresentam relações bastante extensas, apontando inúmeros pressupostos. Assim, entre outras enumerações, há quem indique como pressupostos processuais: um órgão estatal investido de jurisdição, competência originária ou adquirida do juízo, imparcialidade do juiz, capacidade de ser parte, capacidade processual, capacidade postulatória, inexistência de fatos impeditivos e subordinação do procedimento às normas legais.262 Outra enumeração encontrada em prestigiosa sede doutrinária brasileira apresenta como pressupostos processuais: competência; capacidade civil das partes; representação por advogado; observância da forma processual adequada à pretensão; existência nos autos de mandato conferido ao advogado; inexistência de litispendência, coisa julgada, compromisso ou de inépcia da petição inicial; inexistência de qualquer das nulidades previstas na legislação processual.263 Na doutrina estrangeira também não há consenso, encontrando-se, por exemplo, no maior de todos os processualistas a seguinte enumeração: órgão estatal regularmente investido de jurisdição; que este órgão seja objetivamente competente para a causa, e subjetivamente capaz de julgá-la; que as partes tenham capacidade de ser parte e capacidade processual.264

Outro notável processualista italiano, após indicar como pressupostos de existência um órgão jurisdicional e uma demanda, aponta ainda os seguintes pressupostos: jurisdição, competência, capacidade de ser parte, capacidade processual, capacidade postulatória.265

Parece-nos preferível, porém, a enumeração feita pela mais moderna e autorizada doutrina brasileira da teoria geral do Direito Processual. Assim é que, a nosso juízo, são pressupostos processuais:a) um órgão estatal investido de jurisdição;b) partes capazes;c) uma demanda regularmente formulada.266

262 Amaral Santos, Primeiras Linhas de Direito Processual Civil, vol. I, p. 328.263 Theodoro Júnior, Curso de Direito Processual Civil, vol. I, p. 62.264 Chiovenda, Instituições de Direito Processual Civil, vol. I, p. 68.265 Calamandrei, "Istituzioní di Diritto Processuale Civile", ín Opere Giuridiche, vol. IV, Nápoles: Morano, 1970, pp. 187-188.266 A enumeração aqui apresentada é similar à encontrada em Araújo Cintra et alii, Teoria Geral do Processo, p. 292.232

Page 254: Alexandre Freitas Camara Licoes de Direito Processual Civil Vol 01

Lições de Direito Processual CivilEm primeiro lugar, há que se compatibilizar esta enumeração com a clássica distinção entre pressupostos processuais de existência e de validade. Assim é que, para existir processo, é preciso haver um órgão jurisdicional, partes e demanda.A existência de um órgão jurisdicional, perante o qual se desenvolva o processo, é óbvio requisito de existência. Como já afirmado anteriormente, só existe processo se o mesmo se desenvolve perante órgão do Estado apto ao exercício da função jurisdicional. Não haverá processo (ao menos processo jurisdicional), assim, se o mesmo tiver sido instaurado perante um delegado, ou perante um professor que pretenda ensinar a seus alunos como se desenvolve um processo. Da mesma forma, não há processo sem partes.Quanto a este pressuposto, faz-se necessária uma observação. O processo jurisdicional existe mesmo antes da citação do demandado, bastando para sua existência que o autor já tenha formulado sua demanda. Apesar disso, a existência de um demandado, pessoa diversa do demandante, se faz necessária para que o processo possa se instaurar. Assim, a propositura da demanda sem a indicação do réu, ou em face de réu já falecido (para citar dois exemplos), leva à conclusão de que se estará diante de processo inexistente. Havendo réu, porém, haverá processo, mesmo antes de sua integração à relação processual, tanto assim que, em sendo indeferida a petição inicial antes da citação, estará o juiz "extinguindo o processo" (art. 267,1, do CPC), e não haveria sentido em se prever a extinção de algo que não existisse.267

Por fim, há que se fazer referência à demanda, pressuposto processual de existência. Demanda é o ato através do qual se dá o impulso inicial à atuação do Estado-juiz. Sendo a jurisdição de regra inerte, como visto, não poderá haver processo sem que se provoque a atuação do Estado-juiz, provocação esta que se faz através do oferecimento de uma demanda.268

A demanda se identifica por três elementos essenciais, chamados genericamente elementos identificadores da demanda, e que são:a) partes;b) causa de pedir;c) pedido ou objeto.267 Em sentido análogo, Barbosa Moreira, "Sobre os Pressupostos Processuais", in Temas de Direito Processual, Quarta Série, São Paulo: Saraiva, 1989, p. 86.268 Obviamente, nos casos em que a jurisdição possa ser exercida de ofício, este pressuposto não será exigido para que o processo exista.233

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Alexandre Freitas CâmaraPartes da demanda, como já visto anteriormente, são o autor (demandante) e o réu (demandado), ou seja, aquele que pleiteia e aquele em face de quem se pleiteia a tutela jurisdicional. Este conceito, como já afirmado anteriormente, não pode ser confundido com o de partes do processo.Causa de pedir (ou causa petendi) são os fatos que fundamentam a pretensão manifestada pelo demandante.269 Cabe aqui uma rápida observação quanto ao tema, extremamente relevante para o Direito Processual. Há duas grandes acepções em doutrina acerca da causa de pedir. Uma primeira, denominada teoria da substanciaçâo, adotada pelo Direito brasileiro, vê na causa de pedir um conjunto de fatos, ou seja, o suporte fático da pretensão manifestada pelo demandante em juízo. Outra corrente, porém, de grande prestígio em outros países, como a Itália, é a teoria da individuaçâo, segundo a qual a causa de pedir corresponde à relação jurídica afirmada no processo, aliada a um fato gerador de lesão àquela relação jurídica.O Direito brasileiro adota, sem sombra de dúvidas, a teoria da substanciaçâo, sendo a causa de pedir, para nós, formada exclusivamente por fatos. Os fatos jurídicos que fundamentam a pretensão.Divide-se a causa de pedir em remota e próxima. Causa remota é o fato constitutivo do direito afirmado em juízo, e causa de pedir próxima é o fato alegado gerador do interesse de agir. Assim, por exemplo, numa demanda em que se pleiteia a condenação do réu ao pagamento de dívida decorrente de contrato de mútuo, causa de pedir remota é o empréstimo, e causa próxima o inadimplemento. Da mesma forma, numa demanda de reintegração de posse, causa remota será a posse afirmada pelo demandante, e causa próxima o esbulho que alega ter sofrido.O terceiro elemento identificador da demanda é o pedido ou objeto, ou seja, a manifestação, em juízo, da pretensão do demandante. Divide-se em pedido imediato e pedido mediato. Objeto imediato é o provimento jurisdicional pretendido (assim, por exemplo, uma sentença no processo cognitivo, ou uma medida cautelar, no processo desta espécie), enquanto objeto mediato é o bem da vida cuja tutela se pretende. Exemplifique-se o que acaba de ser dito com uma demanda condenatória ao pagamento de dívida decorrente de mútuo. Pedido imediato será a sentença condenatória, e pedido mediato a proteção do direito de crédito violado pelo devedor.269 José Rogério Cruz e Tucci, A Causa Petendi no Processo Civü, São Paulo: RT, 1993, p. 18.234

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Lições de Direito Processual CivilVistos, assim, os pressupostos processuais de existência, há que se passar aos pressupostos de validade: investidura do órgão na jurisdição, capacidade processual, regularidade formal da demanda.Quanto ao primeiro, investidura na jurisdição, há que se afirmar em primeiro lugar que nos afastamos aqui, ainda uma vez, da concepção dominante, pois não incluímos a competência entre os pressupostos processuais.270 Não nos parece adequada a inclusão da competência entre os pressupostos processuais por razão bastante simples. É que o reconhecimento da ausência de competência leva à prolaçao de decisão determinando a remessa dos autos ao juízo competente, onde o mesmo processo prosseguirá seu desenvolvimento. O mesmo não se dá quando está ausente um pressuposto processual, uma vez que a ausência de qualquer destes deve levar à prolaçao de sentença que põe termo ao processo sem resolução do mérito (art. 267, IV, CPC).271 Esta foi uma das razões, aliás, que levou prestigiosa doutrina a considerar que a categoria dos pressupostos processuais é pobre, escassa de coesão interna, não devendo, por isso, ser entronizada.272

A nosso sentir, a competência não é pressuposto processual, exatamente por não guardar coesão com os demais integrantes desta categoria jurídica, o que mostra não ser a mesma adequada para abranger aquela espécie. O pressuposto processual de validade ligado ao órgão jurisdicional, em verdade, é sua investidura de jurisdição.Note-se, desde logo, que não nos referimos aqui à investidura do juiz, mas do órgão.273 O conceito de investidura de jurisdição corresponde àquele que tradicionalmente foi designado como de "competência constitucional", estando portanto ligado ao princípio do juiz natural.274 Assim sendo, o processo será válido se instaurado perante órgão judiciário que possa, diante da hipótese concreta, exercer a função jurisdicional, nos termos da atribuição de seu exercício pelas regras constitucionais. Assim, por exemplo, instaurado perante a Justiça Federal um processo que deveria tramitar perante a Justiça do Trabalho, faltará270 A competência é incluída, como já se observou, entre os pressupostos processuais pela imensa maioria dos doutrinadores. Por todos, Liebman, Manual de Direito Processual Civil, vol. I, p. 41.271 Calamandrei, Istituzioni di Diritto Processuale Civile, pp. 188-189.272 Barbosa Moreira, "Sobre os Pressupostos Processuais", ob. cit., p. 93.273 Em sentido diverso, falando em investidura do juiz, Araújo Cintra et alii, Teoria Geral do Processo, p. 292.274 Esta correlação já havia sido por nós apresentada em Freitas Câmara, O Objeto da Cognição no Processo Civil, p. 213.235

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Alexandre Freitas Câmarapressuposto processual de validade, uma vez que o processo terá sido instaurado perante órgão que, in casu, não foi investido de jurisdição, o que terá como conseqüência a extinção do processo sem resolução do mérito. O mesmo não se daria se, por exemplo, o processo se instaurasse perante juízo federal do Rio de Janeiro, quando deveria ter sido instaurado perante um outro órgão da Justiça Federal, em São Paulo, por exemplo. Neste caso, o juízo perante o qual se instaurou o processo é investido de jurisdição para a hipótese, embora não seja o competente, razão pela qual o caso será de - preenchidos os requisitos - declinar-se da competência para o juízo federal de São Paulo.O segundo pressuposto processual de validade é a capacidade processual. Esta se divide em três momentos: capacidade de ser parte, capacidade de estar em juízo e capacidade postulatória.A capacidade de ser parte é o reflexo processual da capacidade de direito, do Direito Civil. Assim sendo, pode-se dizer, sem medo de errar, que todo aquele que tiver capacidade de direito, ou seja, todo aquele que tiver aptidão para ser sujeito de direitos e obrigações, terá capacidade de ser parte. Pessoas naturais e pessoas jurídicas, todas poderão ser parte num processo. Há que se referir, porém, à categoria das "pessoas formais", entidades e massas de bens desprovidas de personalidade jurídica, a que a lei atribui capacidade de ser parte, como o espólio, a massa falida, o condomínio de edifício e a sociedade de fato ou irregular. As pessoas formais, nos termos do art. 12 do CPC, podem estar em juízo, tanto ativa como passivamente.O segundo momento da capacidade processual é a capacidade para estar em juízo, também chamada legitimatio ad processum. Trata-se do reflexo processual da capacidade de fato ou de exercício, regida pelo Direito Civil. Assim é que todo aquele que tiver capacidade de fato (em regra, os maiores de dezoito anos) poderá estar em juízo (art. 7° do CPC), enquanto os incapazes deverão estar em juízo representados ou assistidos, por seus pais, tutores ou curadores, na forma da lei civil (art. 82 do CPC).Aqui é de se observar o seguinte: a ausência de capacidade para estar em juízo pode ser suprida, bastando para isto que o juiz assine prazo para que compareça o pai, tutor ou curador da parte incapaz. Não sendo sanado o vício, será extinto o processo sem exame do mérito no caso de ser incapaz o autor, e prosseguirá o feito à revelia, se incapaz for o réu. A solução aqui alvitrada se revela óbvia, visto que não condiz com o sistema extinguir-se o processo sem resolução do mérito, apenando assim o autor, se a ausência de capacidade é do réu. Réu incapaz que236

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Lições de Direito Processual Civilcomparece ao processo sem estar devidamente representado ou assistido eqüivale a réu que não comparece, restando, assim, revel.Por fim, o terceiro e último momento da capacidade processual é a capacidade postulatória, que pode ser definida como a aptidão para dirigir petições ao Estado-juiz. Trata-se de aptidão que, em linha de princípio, é privativa do advogado. Também possuem capacidade postulatória aqueles que exercem funções análogas à de advogado, mas apenas quando no exercício de tais funções. Assim, por exemplo, um promotor de justiça tem capacidade postulatória, podendo, por exemplo, dirigir ao Estado-juiz uma petição inicial de "ação civil pública". Mas se este mesmo promotor quiser demandar em face de seu locatário, pleiteando seu despejo, precisará estar representado em juízo por advogado.O Código de Processo Civil apresenta, em seu art. 36, as hipóteses em que a parte não precisará se fazer representar por advogado. Estas hipóteses foram mencionadas anteriormente, e são perfeitamente compatíveis cora o sistema jurídico-constitucional vigente entre nós, já que retratam situações em que não há advogado apto a exercer a representação da parte em juízo. É de se referir, porém, que nos parece inconstitucional a regra que permite à parte comparecer em juízo sem advogado nos juizados especiais cíveis, quando o valor da causa não exceder de vinte salários mínimos. Tal inconstitucionalidade decorre do fato de tal regra contrariar o disposto no art. 133 da Constituição da República, em cujos termos o advogado é essencial ao exercício da função jurisdicional, na forma da lei. A nosso sentir, à lei caberá regulamentar o exercício da atividade do advogado, mas sem jamais chegar ao ponto de tornar a presença do advogado facultativa, pois assim estar-se-ia negando à sua atividade o caráter de função essencial. Isto porque, como sabido, essencial significa indispensável, necessário. Assim sendo, não se pode admitir que o advogado seja essencial mas possa ser dispensado, sob pena de incorrermos em paradoxo gravíssimo.275

O terceiro e último pressuposto processual de validade é a regularidade formal da demanda. Demanda, como se viu, é o ato de impulso inicial da atuação do Estado-juiz, sendo identificado pelas partes, pela275 No mesmo sentido, entendendo inconstitucional qualquer norma que dispense a presença de advogado no processo jurisdicional, Afonso da Silva, Curso de Direito Constitucional Positivo, p. 553.237

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Alexandre Freitas Câmaracausa de pedir e pelo pedido. Este ato jurídico, na maior parte das hipóteses, está submetido a uma série de requisitos formais,276 sendo portanto ato jurídico solene. Antes de mais nada, há que se dizer que a demanda é ato que se pratica através da apresentação, em juízo, de uma petição inicial. Esta pode ser definida como "o instrumento da demanda", ou seja, o instrumento através do qual se corporifica e se documenta a demanda. A petição inicial, por sua vez, deve apresentar uma série de requisitos, chamados requisitos formais da demanda, ou mais simplesmente requisitos da petição inicial. A presença desses requisitos (quase todos enumerados no art. 282 do CPC) é essencial para a regularidade formal da demanda. A ausência de qualquer deles levará, por irregularidade formal da demanda, à extinção do processo sem julgamento do mérito. É certo, porém, que o juiz deverá dar ao demandante prazo para que este corrija o vício de forma contido em sua petição inicial, para só depois, em não sendo sanado o defeito, extinguir o processo (art. 284 do CPC), indeferindo a petição inicial.276 Diz-se que a demanda na maior parte das vezes é ato jurídico solene porque nos processos que tramitam nos juizados especiais cíveis este ato encontra-se quase que inteiramente despido de formalidades.238

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Capítulo IX Atos Processuais§ Ia Fato, Ato e Negócio JurídicosTema que já ocupava nossa atenção desde antes da elaboração desta obra é o da sistematização dos atos processuais.1 Trata-se de questão das mais relevantes para a compreensão do processo, visto que este, extrinsecamente, se revela como um procedimento, ou seja, como um complexo ordenado de atos. Não se pode, porém, almejar uma adequada sistematização do tema sem que sejam analisados alguns conceitos pertencentes à teoria geral do Direito, quais sejam, fato jurídico, ato jurídico e negócio jurídico. Após uma breve resenha destes três conceitos, passaremos a tratar de sua aplicação ao campo processual.Fato jurídico é todo acontecimento capaz de produzir conseqüências no mundo do Direito. Assim, por exemplo, um casamento, o nascimento, a morte, um contrato, todos estes são fatos jurídicos. Conceito amplo, capaz de abrigar espécies tão distintas entre si como as arroladas acima, denomina-se a esta categoria, tradicionalmente, fato jurídico lato sensu.Os fatos jurídicos lato sensu, por sua vez, dividem-se em fatos jurídicos em sentido estrito e atos jurídicos. Fato jurídico stricto sensu é todo acontecimento capaz de produzir conseqüências jurídicas e que se produza independentemente de uma vontade humana lícita. Assim, entre os fatos jurídicos stricto sensu encontram-se eventos naturais, como a morte e o nascimento, e os atos ilícitos.2

Os atos jurídicos, por sua vez, podem ser definidos como os atos de vontade humana, realizados em conformidade com o direito, e que tendem à produção de efeitos jurídicos.3 Entre os componentes destaSobre o tema, publicamos ensaio, já citado, para onde tomamos a liberdade de remetero leitor: Freitas Câmara, "Atos Processuais", passim.E polêmica a inclusão dos atos ilícitos entre os fatos jurídicos stricto sensu, havendoquem os considere atos jurídicos. No sentido do texto, Vicente Ráo, Ato Jurídico, SãoPaulo: RT, 3a ed., 1994, pp. 30 e 132. Contra, incluindo os atos ilícitos entre os atosjurídicos, Serpa Lopes, Curso de Direito Civil, vol. I, p. 301.Dizemos que os atos jurídicos tendem à produção de efeitos porque, como se verá, atos háque, embora jurídicos, não os produzem, formando-se assim a categoria dos atos ineficazes.239

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Alexandre Freitas Câmaracategoria encontram-se o casamento, o testamento e os contratos. A este conceito costuma-se denominar ato jurídico iato sensu. Estes atos jurídicos em sentido amplo podem ser divididos, por sua vez, em dois subgrupos: os atos jurídicos stricto sensu e os negócios jurídicos. Ambos são atos de vontade humana lícita, e se diferenciam pela direção da vontade.Explique-se melhor a afirmação que acaba de ser feita: atos há em que a vontade humana é dirigida tão-somente à prática dos mesmos, decorrendo seus efeitos da lei. É o que se dá, por exemplo, com o casamento. Quando alguém se casa, quer praticar o ato, e os efeitos (como a obrigação de fidelidade e a de mútua assistência) decorrem da lei, produzindo-se mesmo contra a vontade dos sujeitos que praticam o ato. Já em outras ocasiões a vontade humana é dirigida à produção de certo efeito (por exemplo, fazer com que um bem, na sucessão em razão da morte de seu titular, se transfira para o patrimônio de um amigo). Nesta hipótese, o ato é mero instrumento destinado à consecução de um fim, qual seja, a produção do efeito. Ato jurídico stricto sensu no primeiro exemplo, negócio jurídico no segundo, eis a diferença entre as duas figuras.

§ 2° Fato ProcessualAo fato jurídico (stricto sensu) que exerce influência no processo dá-se o nome de fato processual.'1

Trata-se de categoria de pequena relevância prática, razão pela qual notável processualista pátrio chega mesmo a negar sua existência.5 Não parece ter razão, contudo, o eminente jurista baiano. Há fatos processuais, porque existem eventos que independem da vontade humana lícita e que são capazes de influir no processo. Assim, por exemplo, a morte de uma das partes, capaz de determinar a suspensão do processo (art. 265, I, CPC), é exemplo de fato processual de origem natural. De outro lado, a litigância de má-fé é outro exemplo de fato processual, por se tratar de ilícito processual, sendo certo que, a nosso sentir, os atos ilícitos se enquadram na categoria dos fatos, e não na dos atos processuais.4 Freitas Câmara, Atos Processuais, p. 14.5 Calmon de Passos, A Nulidade no Processo Civil, p. 8, apud Roque Komatsu, Da Invalidade no Processo Civil, São Paulo: RT, 1991, p. 117.240

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§ 3a Atos do Processo e Atos ProcessuaisAo ato jurídico que exerce influência no processo se deve dar a designação de ato do processo. Este pode ser ato do processo stricto sensu e ato processual. Diferem entre si em razão do sujeito que os pratica, uma vez que - como se verá adiante - os atos processuais são praticados exclusivamente pelas partes e pelo órgão jurisdicional. Assim sendo, e havendo que se reconhecer a existência de atos jurídicos que, embora não sejam praticados por nenhum destes sujeitos, são processualmente relevantes, não se pode deixar de reconhecer a existência desta outra categoria de atos jurídicos, capazes de exercer influência no processo, mas que não se incluem entre os atos processuais. Exemplos de atos do processo em sentido estrito são o de-poimento da testemunha e a informação prestada por uma repartição pública em resposta a ofício enviado pelo juízo.6

Os atos processuais, objeto central de nossas atenções neste momento, podem ser definidos como os atos que têm por conseqüência imediata a constituição, a conservação, o desenvolvimento, a modificação ou a extinção de um processo.7 Exemplo de ato processual de constituição do processo é a demanda, ato inicial de impulso da atuação do Estado-juiz. Ato que tem por efeito a conservação do processo é a medida cautelar, provimento judicial que tem por fim, precisamente, garantir a efetividade de um processo. Como exemplo de ato processual de desenvolvimento pode-se referir a audiência preliminar (art. 331 do CPC). Ato de modificação do processo é a alteração objetiva da demanda, com a alteração, e.gr., do pedido, o que modifica o objeto do processo. Por fim, ato extintivo do processo é a sentença, que o próprio Código de Processo Civil define, em seu art. 162, § Ia, como "o ato do juiz que põe termo ao processo".§ 4Q Negócios ProcessuaisTema que gera divergência doutrinária é o da existência de negócios processuais, ou seja, de negócios jurídicos realizados no campoA distinção entre atos do processo em sentido estrito e atos processuais foi, pioneiramente, apresentada por Celso Neves, "Atualização do Processo Civil", in Estudos em homenagem a Joaquim Canuto Mendes de Almeida, São Paulo: RT, 1987, pp. 53-57. A ela aderimos em Freitas Câmara, Atos Processuais, p. 14.Chiovenda, Instituições de Direito Processual Civil, vol. III, pp. 15-16; Freitas Câmara, Atos Processuais, p. 15.241

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Alexandre Freitas Câmarado processo. É dissidente a doutrina acerca da possibilidade de alguém praticar ato destinado à consecução de determinado efeito processual, sendo a vontade humana dirigida, in casu, à produção do efeito, servindo o ato como mero instrumento para se permitir que o efeito se produza.Vários são os autores que defendem a existência de negócios processuais.8 Os exemplos apresentados costumam ser a transação, a eleição convencional de foro e outros atos assemelhados. Outros juristas, porém, negam a existência desta categoria.9 Esta parece ser mesmo a corrente mais acertada. A existência de negócios processuais não pode ser aceita, pois os atos de vontade realizados pelas partes produzem no processo apenas os efeitos ditados por lei. Tome-se o exemplo, sempre acatado, da transação. Esta produz, no processo, os efeitos previstos no art. 269, III, do CPC, acarretando a extinção do processo com resolução do mérito da causa. Este efeito se produz quer as partes o pretendam, quer não. Isto mostra bem que, no campo processual, os atos de vontade só produzem os efeitos previstos em lei, o que os inclui na categoria dos atos, e não na dos negócios.10

Verifica-se, assim, a inexistência de negócios processuais, o que justifica a preocupação centrada nos atos processuais manifestada pela doutrina.

§ 5^ Classificação dos Atos ProcessuaisNão há consenso, em doutrina, acerca do melhor critério a ser adotado quando da classificação dos atos processuais. Alguns autores adotam um critério subjetivo, classificando tais atos de acordo com a pessoa que os pratica. Outros setores da doutrina preferem um critério objetivo, elaborando uma classificação baseada nos fins visados por cada ato. Parece-nos, porém, que as duas formas de classificar os atos processuais antes se complementam do que se excluem, razão pela qual já sustentamos em trabalho anterior uma forma de classificação que10Amaral Santos, Primeiras Linhas de Direito Processual Civil, vol. I, p. 288; FredericoMarques, Manual de Direito Processual Civil, vol. I, p. 327.Liebman, Manual de Direito Processual Civil, vol. I, pp. 226-227; Komatsu, Da Invalidadeno Processo Civil, p. 141.Não infirma esta posição o fato de a transação ser, para o direito material, um negóciojurídico. Ao ser levada ao processo, a transação passa a ter relevância para o direitoprocessual, sendo por este vista como ato. Neste sentido, expressamente, Dinamarco, notasà tradução de Liebman, Manual de Direito Processual Civil, vol. I, p. 227, nota 141-CRD.242

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Lições de Direito Processual Civilleva em conta os dois critérios: subjetivo e objetivo.11 Classificamos, pois, os atos processuais, por um critério subjetivo, sendo certo que cada espécie comportará uma subclassificação por um sistema objetivo.Classificam-se os atos processuais em atos das partes e atos do órgão jurisdicional. Estes últimos dividem-se, ainda, em atos do juiz e atos dos auxiliares da justiça.Os atos das partes são de quatro espécies: postulatórios, dispositivos, instrutórios e reais.Atos postulatórios são aqueles que contêm alguma solicitação ao Estado-juiz. Dividem-se em requerimentos (quando dizem respeito a questões processuais) e pedidos (estes dizem respeito ao mérito da causa, sendo certo que - como visto anteriormente - o pedido é um dos elementos identificadores da demanda do autor). Verifica-se a diferença entre as duas espécies de ato postulatorio quando se observa que da petição inicial, instrumento através do qual se ajuíza a demanda, deve constar "o pedido, com suas especificações" (art. 282, IV, CPC), e também "o requerimento para a citação do réu" (art. 282, VII). Aquele, que a lei processual chama de pedido, é o veículo processual do objeto do processo, o Streitgegenstand da doutrina alemã, ou seja, o mérito da causa. Este, denominado pela lei de requerimento, concerne a um aspecto processual, qual seja, a citação do demandado para integrar a relação processual.Atos dispositivos são declarações de vontade destinadas a dispor da tutela jurisdicional. Podem ser unilaterais, quando praticados por apenas uma das partes, como o reconhecimento do pedido, a renúncia à pretensão ou a desistência da ação, e concordantes,12 praticados por ambas as partes, como a transação e a convenção para suspensão do processo.Atos instrutórios são os que têm por finalidade convencer o julgador da verdade, preparando-o para decidir. Instruir, como se sabe, significa preparar, razão pela qual nada impede se afirme que todo ato processual realizado antes da formação do provimento jurisdicional final é instru-11 Freitas Câmara, Atos Processuais, p. 15.12 Não falamos aqui em atos dispositivos bilaterais, por não aceitarmos a existência, na relação processual, de vínculo direto entre autor e réu. Isto porque adotamos, como já afirmado, a teoria angularista da relação processual. Assim sendo, nos atos dispositivos a que aqui se faz referência, não reconhecemos a existência de um ato decorrente da emissão simultânea de duas vontades, mas em verdade vemos aí dois atos jurídicos, duas declarações de vontade, ambas dirigidas a um mesmo sentido. Daí falarmos em atos dispositivos concordantes.243

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Alexandre Freitas Câmaratório. Adota-se, aqui, porém, o termo em sentido mais estrito, reconhe-cendo-se duas espécies de atos instrutórios: as alegações, manifestações aduzidas em defesa do interesse de uma ou outra das partes, como a sustentação oral no julgamento de um recurso, os memoriais, e mesmo as alegações contidas na petição inicial e na contestação, e os atos probatórios, atos de produção de prova praticados pelas partes, como a confissão e o depoimento pessoal.Por fim, os atos reais, ou seja, aqueles que se manifestam re, non verbis.13 Em outras palavras, temos aqui atos que se caracterizam por seu aspecto material, não sendo propriamente atos de postulação, razão pela qual são chamados por notável doutrinador italiano de "atos jurídicos de evento físico".14 Exemplo de ato real é o pagamento de custas judiciais.Os atos do órgão jurisdicional, como visto, dividem-se em atos do juiz e atos dos auxiliares da justiça. Examinaremos aqui, em primeiro lugar, os atos do juiz. Estes podem ser provimentos (ou pronunciamentos) e atos reais (ou materiais).Denomina-se provimento aos atos pelos quais o juiz se manifesta no processo, os seus pronunciamentos. São de três tipos: sentença, decisão interlocutória e despacho.Sentença é o ato pelo qual o juiz põe fim ao seu ofício de julgar, resolvendo ou não o mérito da causa.15 Decisão interlocutória é o ato pelo qual, no curso do processo, o juiz resolve questão incidente (art. 162, § 2e, CPC), como o provimento que decide a exceção de incompetência ou a impugnação ao valor da causa. Por fim, despachos são os provimentos judiciais destituídos de qualquer conteúdo decisório, como o ato que determina a remessa dos autos ao contador judicial, ou o que abre vista às partes para que se manifestem sobre o laudo pericial.De outro lado, os atos reais são aqueles que se manifestam re, non verbis, podendo ser instrutórios, como a oitiva de testemunha, ou de documentação, como o ato de rubricar e assinar a ata de audiência.13 Frederico Marques, Manual de Direito Processual Civil, vol. I, p. 329.14 Carnelutti, Instituciones dei Nuevo Proceso Civil Italiano, 1940, p. 251, apud, Frederico Marques, Manual de Direito Processual Civil, vol. I, p. 329.15 Não seguimos aqui a definição de sentença contida no art. 162, § 1-, do CPC, por entendermos que a mesma é falha, uma vez que a sentença, como se verá no momento adequado com mais vagar, não põe termo ao processo, o qual só se extingue quando da formação da coisa julgada formal. Neste sentido, Frederico Marques, Manual de Direito Processual Civil, vol. III, p. 23; Freitas Câmara, Atos Processuais, pp. 16-17 (esp. nota de rodapé n- 4).244

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Lições de Direito Processual CivilPor fim, os atos dos auxiliares da justiça podem ser de movimentação (como o termo de abertura de vista e o termo de conclusão), de documentação (como a certidão e o termo de juntada) e de execução (como a citação e a perícia). Observe-se que, nos termos do art. 162, § 4°, o escrivão (ou um escrevente autorizado) pode praticar atos meramente ordinatórios, os quais podem ser de movimentação ou de documentação, sem que se faça necessária a prolação de despacho judicial. Assim, por exemplo, poderá o escrivão, de ofício, abrir vista a uma das partes para que se manifeste sobre documento juntado pela outra. Tais atos, porém, só poderão ser praticados pelo escrivão quando forem de conteúdo predeterminado. Assim, por exemplo, se os autos retornam do contador, é sabido que o próximo passo deve ser a abertura de vista às partes sobre o cálculo. Sendo predeterminado o conteúdo do ato, torna-se desnecessário o despacho judicial, cabendo ao escrivão praticar o ato. De outro lado, porém, encontram-se despachos judiciais que permanecem necessários, eis que seu conteúdo não é determinado previamente. Assim, por exemplo, chegando uma petição inicial ao juízo, não poderá o escrivão determinar a citação do réu. Isto porque o juiz, ao analisar a petição, poderá proferir provimento de conteúdo diverso, determinando a emenda da inicial ou mesmo seu indeferimento. Por tais razões, nestas hipóteses permanece a necessidade de que o despacho judicial seja proferido.16

§ 62 Forma dos Atos ProcessuaisSob a denominação genérica "forma dos atos processuais" são estudados três temas: tempo, lugar e modo dos atos processuais. No primeiro, estuda-se o horário da prática dos atos processuais e os prazos para sua realização. No segundo, o local onde tais atos devem ser praticados, e no último daqueles temas, os aspectos formais propriamente ditos, ou - como indica a terminologia aqui empregada - o modo como tais atos devem ser praticados.Quanto ao tempo dos atos processuais, há que se observar, antes de mais nada, a regra geral, contida no art. 172 do Código de Processo Civil, segundo a qual os atos processuais devem ser praticados nos dias úteis, entre seis e vinte horas. A prática de ato processual fora16 Para maiores detalhes acerca do art. 162, § 4^, do CPC, consulte-se Freitas Câmara, Lineamentos do Novo Processo Civil, pp. 29-30.245

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Alexandre Freitas Câmara

deste horário é excepcional, e se dará apenas quando estritamente necessário, em virtude de momento relevante.E preciso, porém, não se confundir horário de prática de ato processual com horário de expediente forense. Este não é necessariamente idêntico àquele. De toda sorte, uma citação, por exemplo, pode se dar às seis horas da manhã, mesmo que neste horário não se tenha ainda iniciado o expediente no palácio da justiça. O horário do expediente forense serve como limite (relativo, já que nos casos em que houver motivo relevante mesmo estes limites podem ser infringidos) apenas para os atos que devam ser praticados na sede do juízo, como, por exemplo, uma audiência de instrução e julgamento. Diga-se, aliás, que o art. 172, § 3a, do CPC é expresso quanto à observância do horário do expediente para a prática de atos que devem ser realizados mediante petição, devendo esta ser protocolada durante aquele horário.No estudo do tempo dos atos processuais abre-se um espaço para algumas considerações acerca dos prazos processuais. É sabido que alguns atos processuais devem ser realizados dentro de certos prazos, os quais vêm, normalmente, estabelecidos em lei. Omissa a lei, e não havendo fixação do prazo pelo juiz, deverá o ato ser praticado dentro do prazo de cinco dias (art. 185 do CPC). Os prazos processuais são contínuos, não se interrompendo nos feriados.Dividem-se os prazos processuais em peremptórios e dilatórios. Estes últimos podem ser dilatados ou reduzidos por comum acordo das partes. A convenção deverá ser apresentada em juízo antes do vencimento do prazo, e fundar-se em motivo legítimo, cabendo ao juiz fixar o novo vencimento. Os prazos peremptórios, por sua vez, não podem ser alterados pela vontade das partes.17 Exemplo de prazo peremptório é o do oferecimento de resposta do réu. Exemplo de prazo dilatório é o de que dispõem as partes para apresentação do rol de testemunhas.Encerrado o prazo para a prática do ato processual, cessa a faculdade de praticá-lo, independentemente de qualquer aviso ou comunicação (preclusão temporal, art. 183 do CPC).Por fim, há que se falar sobre a contagem dos prazos processuais, que se faz excluindo-se o dia do início e incluindo-se o do vencimento (art. 184). Não se pode confundir "dia do início do prazo" com "dia do17 Sobre o tema, consulte-se Marcos Valls Feu Rosa, Prazos Dilatórios e Peremptórios, Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1995, passim.246

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início da contagem do prazo". O prazo começa a correr, em regra, da intimação à parte. O dia da intimação é, portanto, e como regra geral, o "dia do início do prazo". Assim sendo, tal dia será excluído da contagem, a qual se iniciará no primeiro dia útil seguinte àquele. Exclui-se, pois, da contagem, o dia do início do prazo. O dia do vencimento, por sua vez, também deverá ser útil, havendo expediente forense normal, razão pela qual considera-se prorrogado o prazo até o primeiro dia útil subseqüente ao do vencimento quando este se der num domingo, feriado, dia sem expediente forense, ou em que este se encerre antes do horário normal (tudo o que acaba de ser dito encontra-se amparado no disposto nos §§ 1° e 2fl do art. 184 do CPC).Quanto ao lugar dos atos processuais, este é, via de regra, a sede do juízo (art. 176 do CPC). Atos há, porém, que são praticados em lugar diverso, seja por absoluta necessidade (como fazer, por exemplo, uma perícia num imóvel senão indo ao próprio prédio?), seja por deferência (como nos casos previstos no art. 411 do CPC, em que se verifica que os ocupantes de certas funções relevantes, como a Presidência da República, são inquiridos em suas residências ou no lugar onde exercem suas funções), seja com o fim de tornar mais efetivo o ato, permitindo que ele alcance melhores resultados (assim, por exemplo, pode-se realizar uma audiência em "ação possessória" em imóvel vizinho àquele sobre cuja posse se controverte).18

Por fim, quanto ao modo dos atos processuais, ou seja, quanto aos seus aspectos formais em sentido estrito, há que se referir que a prática dos atos processuais está sujeita a alguns princípios reguladores. Afirme-se, aliás, que a forma é uma garantia de segurança para as partes, uma vez que a mesma assegura seja alcançada a finalidade essencial dos atos processuais. Não se pode prescindir da forma, embora seja essencial que se tente abolir o formalismo, ou seja, a exacerbação das formas, posto que este se revela como fator que se opõe à maior efetividade do processo.O primeiro princípio regulamentador é o princípio da liberdade das formas, consagrado no art. 154 do CPC. Segundo este princípio, os atos processuais, em princípio, não dependem de forma determinada, senão quando a lei expressamente o exigir. Em outras palavras, segundo este princípio, a regra é que os atos processuais sejam "não-solenes", não18 Este último exemplo é encontrado em Athos Gusmão Carneiro, Audiência de Instrução e Julgamento e Audiências Preliminares, Rio de Janeiro, Forense, 8a ed., 1996, p. 15, informando o autor que o exemplo foi retirado de caso real, em que atuou como juiz.247

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Alexandre Freitas Câmaraestando submetidos, em linha de princípio, a formas sacramentais, ou seja, a exigências formais para sua validade. A solenidade é a exceção, e depende de expressa previsão legal.!9O segundo princípio, e que complementa o anterior, apresentando assim as diretrizes gerais do sistema, é o princípio da instrumentali-dade das formas. Também previsto no art. 154 do Código de Processo Civil, determina este princípio que os atos processuais solenes, tendo sido praticados sem observância das formalidades impostas por lei, ainda assim serão válidos, desde que atinjam sua finalidade essencial. Valoriza-se, assim, o conteúdo do ato, em detrimento de sua forma, o que se faz mesmo nos atos solenes. Verifica-se, aqui, uma profunda distinção entre o sistema do Direito Processual e o do Direito Civil. Neste, quando um ato solene é praticado sem que se observe estritamente a forma prevista em lei, a conseqüência é a invalidade do ato. Já no Direito Processual, ainda que praticado por forma diversa da prescrita em lei, será válido o ato que atingir sua finalidade essencial.Mencione-se um exemplo: nos termos do art. 514, II, do CPC, a petição através da qual se interpõe o recurso de apelação deve conter os fundamentos do recurso. Apesar disso, é prática correntia no cotidiano forense a elaboração de duas petições, a serem apresentadas simultaneamente, uma interpondo o recurso, outra apresentando as razões pelas quais se recorre. Apesar de estar sendo o ato praticado por forma diversa da prescrita em lei, segundo a qual a própria petição de interposição deve conter as razões de recurso, considera-se o ato válido, uma vez que sua finalidade essencial é alcançada também nesta hipótese, embora a forma prescrita em lei não tenha sido rigorosamente observada.O terceiro princípio a ser observado é o princípio da documentação, segundo o qual os atos devem ser praticados por escrito ou, quando de prática oral, reduzidos a termo escrito. Tal princípio se mostra essencial para que o juiz trave conhecimento com todos os atos já praticados no processo, ainda que não o tenham sido sob sua direção.Por fim, há que se respeitar o princípio da publicidade. Este, consagrado no art. 155 do CPC, foi elevado à categoria de garantia constitucional, como se verifica pela leitura do art. 5a, LX, da Constituição da República. Os atos processuais são públicos, salvo aqueles que - em19 Não se pode negar, porém, que os casos em que a lei exige uma forma solene para o ato processual são tantos que a regra acaba por, praticamente, desaparecer, sendo inegável que, em nosso sistema, há quase que um "princípio da vinculação das formas".248

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razão do interesse público, ou para resguardar algum interesse particular relevante - devam ser realizados em segredo de justiça. A regra, portanto, é a publicidade.Diverge a doutrina acerca do alcance de incidência do parágrafo único do art. 155 do CPC, segundo o qual o direito de consultar os autos é restrito às partes e a seus advogados. Alguns autores, sustentando que a publicidade só existe quando se estiver diante da prática oral de um ato processual, como se dá nas audiências de instrução e julgamento, afirmam que o acesso aos documentos que compõem os autos do processo é restrito.20 Outros autores, a nosso ver com razão, afirmam que o parágrafo único do art. 155 é aplicável apenas aos processos que tramitam em segredo de justiça, sendo certo que, nos demais (que compõem a regra geral), é livre o acesso aos autos e documentos do processo.21Não se poderia encerrar esta exposição a respeito da forma dos atos processuais sem que se fizesse referência ao disposto na Lei n° 9.800, de 26 de maio de 1999. Tal diploma legislativo permite às partes a utilização de sistema de transmissão de dados e imagens para a prática de atos processuais, e se encontra em vigor desde junho de 1999. Nos termos do art. 1° da referida Lei, "é permitida às partes a utilização de sistema de transmissão de dados e imagens tipo fac-símile ou outro similar, para a prática de atos processuais que dependam de petição escrita". Significa isto dizer que é possível a interposição de petição escrita por fax ou outro meio análogo, de transmissão de dados ou imagens, de que é exemplo perfeito o correio eletrônico (e-mail). A utilização destes sistemas não prejudica, porém, o ônus de cumprimento do prazo, devendo o original, nos termos do art. 2° da Lei na 9.800/99, ser entregue em juízo até cinco dias após seu término. Em outros termos, praticado o ato através da remessa da petição por fax ou outro meio análogo dentro do prazo legal, terá a parte mais cinco dias, após o término do prazo, para entregar o original em juízo. É de se recordar, porém, para que seja tomada a cautela devida, que no momento em que o ato é praticado cessa o fluxo do prazo dentro do qual o mesmo poderia ser realizado. Assim, é da data da remessa do fax (ou outro meio) que será contado o qüinqüídio para20 Assim, Barbosa Moreira, "Processo Civil e Direito à Preservação da Intimidade", in Temas de Direito Processual, Segunda Série, p. 19.21 Neste sentido, por todos, Gomes da Cruz, Estudos sobre o Processo e a Constituição de 1988, pp. 166-167.249

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Alexandre Freitas Câmaraa entrega do original. Assim, por exemplo, sendo a apelação enviada, por fax, no décimo dia do prazo (de quinze) de que a parte dispõe, é da data do envio do fac-símile que será contado o qüinqüídio para entrega do original, não se podendo aceitar que tal prazo de cinco dias só comece a correr após o décimo quinto dia do prazo para apelar. Tal se deve ao fato de que, praticado o ato, ocorre a preclusão consumativa, que impede seja o ato novamente praticado (ou mesmo complementado). Conseqüência de tal preclusão é o encerramento do prazo mesmo antes do momento em que, normalmente, aquele intervalo de tempo se completaria. Não estando o ato sujeito a prazo para sua prática, aplica-se também a regra de que o original deve ser apresentado em juízo cinco dias após sua remessa por fax ou outro meio análogo (art. 2°, parágrafo único, da Lei na 9.800/99). Não obstante o silêncio da lei, parece-nos que será tido por inadmissível o ato postulatório apresentado em juízo por este meio se, no qüinqüídio, o original não for entregue em juízo. Assim, por exemplo, tendo o demandado oferecido contestação por fax e, no qüinqüídio, não tendo sido entregue em juízo o original, deve-se considerar inadmissível a contestação e, por conseguinte, o réu estará revel.Permite o art. 3a da Lei no 9.800/99 que os juizes pratiquem atos de sua competência à vista de transmissões efetuadas na forma desta lei. Isto significa dizer que o magistrado não precisará esperar a chegada do original para emitir qualquer pronunciamento a respeito do ato praticado pela parte por meio previsto na Lei na 9.800/99. Imagine-se, por exemplo, uma petição, enviada por fax, em que o demandante pleiteia a concessão de tutela antecipatória. O juiz poderá prover, concedendo ou indeferindo a tutela antecipada, mesmo antes da entrega em juízo do original da petição. O provimento judicial, porém, ficará sujeito a uma condição resolutiva: a entrega do original da petição em juízo no qüinqüídio. Não sendo o original apresentado no prazo, o provimento judicial deixará de produzir efeitos.Aquele que fizer uso dos meios de transmissão de dados ou imagens é responsável pela qualidade e fidelidade do material transmitido e por sua entrega ao órgão judiciário, conforme dispõe o art. 42 da Lei nfl 9.800/99. Isto significa dizer que, não sendo perfeita a transmissão, será da parte que fez a remessa do fax, correio eletrônico, ou outro meio análogo, o prejuízo daí decorrente. Assim, e.g., não sendo transmitidas as razões de um recurso interposto por fax, será o mesmo inadmitido, por falta de regularidade formal. Além disso, e como já afirmado anteriormente (quando se tratou da responsabilidade pro-250

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cessual civil), considera-se litigante de má-fé aquele que apresenta a petição original em juízo quando se verifica que esta não corresponde, com fidelidade, ao texto remetido por meio de transmissão de dados ou imagens.Registre-se, por fim, que os órgãos judiciários não estão obrigados a dispor de equipamentos que permitam a recepção das transmissões previstas na Lei n2 9.800/99, o que significa dizer que caberá a cada juízo ou tribunal informar aos sujeitos do processo sobre a possibilidade ou não de aplicação do disposto na referida lei aos processos que ali tramitam e sobre os meios que permitirão tais transmissões (assim, por exemplo, o número da linha telefônica em que estiver instalado o aparelho de fac-símile ou o endereço eletrônico do juízo).§ 7^ Existência, Validade e Eficácia dos Atos ProcessuaisO estudo de qualquer ato jurídico só será realizado adequadamente se se tiver em vista que o mesmo deve ser analisado em três esferas: a da existência, a da validade e a da eficácia. É preciso, antes de mais nada, verificar se o ato jurídico em exame existe juridicamente. Em caso negativo, nada mais haverá a ser analisado. Sendo, porém, positiva a resposta a esta questão, há que se verificar se o ato jurídico é válido e se produz efeitos. Afirme-se, desde logo, que validade e eficácia são planos distintos, sendo errado afirmar-se, por exemplo, que o ato nulo é aquele que não produz efeitos. O ato nulo não vale, mas pode produzir efeitos. Ato que não produz efeitos é ato ineficaz.O direito material proporciona bons exemplos. Assim, o casamento entre pessoas do mesmo sexo é ato jurídico inexistente.22 Sendo, porém, celebrado entre pessoas de sexos diversos, o casamento existe juridicamente. Há que se verificar, assim, sua validade e eficácia. Pense-se, por exemplo, no casamento entre um homem e sua irmã. O ato jurídico existe, mas não vale. É ato nulo.23 É certo, porém, que o casamento nulo pode produzir efeitos, o que ocorre sempre em relação aos filhos, e no que concerne aos cônjuges quando estes (ou um deles) estiverem de boa-fé. É o casamento putativo.24 Ato inválido e eficaz, portanto.22 Assim, Caio Mário da Silva Pereira, Instituições de Direito Civil, vol. V, p. 79.23 Clóvis Beviláqua, Direito da Família, Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 9a ed., 1959, p. 58.24 Sobre o instituto do casamento putativo, consulte-se Yussef Said Cahali, O Casamento Putativo, São Paulo: RT, 2a ed., 1979, p. 3.251

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Alexandre Freitas CâmaraExemplo da hipótese inversa (ato válido e ineficaz) se tem no testamento de pessoa viva. Elaborado o testamento, e cumpridas todas as formalidades impostas por lei, o ato é válido. Não produz, porém, qualquer efeito, enquanto for vivo o testador. O ato é válido e ineficaz. Pode, aliás, nunca vir a produzir efeitos, bastando para isto que o testamento seja revogado pelo testador. Verifica-se, assim, que validade e eficácia são planos diversos, e assim devem ser compreendidas.25

Todas as considerações feitas até aqui são adequadas também para os atos processuais. Assim é que os mesmos devem ser analisados no plano da existência. Em sendo tidos por juridicamente inexistentes, nada mais haverá que considerar. Existindo o ato, contudo, há que se examinar o mesmo nos planos da validade e da eficácia.O ato processual é inexistente quando lhe falta elemento constitutivo mínimo. Em outros termos, para que o ato processual exista é preciso que se faça presente um elemento identificador mínimo, que permita a quem o examine reconhecê-lo.26 Basta pensar numa sentença sem dispositivo (que, como se verá, é a parte da sentença com conteúdo decisório). Não havendo dispositivo a sentença não contém nenhuma decisão e, assim, não poderá ser reconhecida como uma sentença. Sentença sem decisão, passe o truísmo, é sentença que não sentencia. O mesmo se deve dizer da sentença proferida por quem não é juiz, ou da petição inicial subscrita por quem não seja advogado regularmente constituído (podendo, neste caso, a procuração ser apresentada num prazo de quinze dias, sob pena de se ter o ato como inexistente - art. 37 e seu parágrafo único do Código de Processo Civil).A inexistência não convalesce jamais. Em outros termos, o ato inexistente não passa a existente em qualquer hipótese. Não há meio de se fazer com que o ato inexistente passe a existir. Conseqüência disto é que, por exemplo, contra uma decisão inexistente não cabe recurso (como recorrer contra um provimento que não existe?), nem trânsito em julgado.Presentes todos os elementos constitutivos mínimos do ato processual, o que significa dizer, presentes todos os elementos identificadores essenciais do ato, este existe. Passa-se, então, à análise dos mesmos nos planos da validade e eficácia.25 Para uma análise mais acurada do tema, no direito material, é imprescindível a leitura de Antônio Junqueira de Azevedo, Negócio Jurídico - Existência, Validade e Eficácia, São Paulo: Saraiva, 1974, passim.26 Freitas Câmara, Atos Processuais, p. 19.252

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Lições de Direito Processual Civil

Diz-se inválido o ato processual quando este não se conforma com o esquema abstrato predisposto pelo legislador (tipo).27 Em outros termos, ato processual atípico é ato processual inválido. A lei estabelece uma série de ditames, os quais devem ser respeitados por aquele que vai praticar um ato processual. O descumprimento do ônus de praticar o ato processual de acordo com as regras estabelecidas em lei tem como conseqüência a sua invalidade.28

É preciso afirmar, desde logo, uma diferença essencial entre o sistema das invalidades no Direito Processual e no direito privado. Tal diferença reside no fato de não haver invalidade processual sem pronunciamento judicial. Em outros termos, não existe ato processual inválido de pleno direito.29 É preciso, pois, que haja um provimento judicial afirmando a invalidade do ato processual, para que o mesmo possa ser tido como inválido. Antes de tal provimento, o ato será tratado como válido.O direito processual reconhece três espécies de invalidade: nuli-dade absoluta, nulidade relativa e anulabilidade.30 Distinguem-se pela espécie de norma jurídica desrespeitada pelo ato que se reputa inválido. 31 Assim sendo, ter-se-á nulidade absoluta quando for violada uma norma cogente de proteção do interesse público; nulidade relativa quando se infringir norma cogente de tutela de interesse privado; e, por fim, anulabilidade, quando for transgredida norma jurídica dispositiva.27 Freitas Câmara, Atos Processuais, p. 20. Afirme-se, aliás, que o conceito de tipo (e, por conseguinte, o de tipicidade) não é exclusivo do Direito Penal ou do Direito Tributário, embora nestes campos da ciência jurídica seja estudado com mais afinco. Trata-se de conceito pertencente à teoria geral do Direito, e com grande influência no Direito Processual. Assim, por exemplo, fala-se em provas atípicas, recursos atípicos etc.28 Adota-se, aqui, a teoria segundo a qual a invalidade não é uma sanção, mas o prejuízo decorrente pela insatisfação do ônus de praticar os atos processuais conforme o tipo previsto em lei. No sentido do texto, Chiovenda, Instituições de Direito Processual Civil, vol. III, p. 7; Komatsu, Da Invalidade no Processo Civil, pp. 181-182. Contra, vendo na invalidade uma sanção, Gabriel Rezende Filho, Curso de Direito Processual Civil, vol. II, São Paulo: Saraiva, 6a ed., 1963, p. 27.29 Freitas Câmara, Atos Processuais, p. 20.30 Este o entendimento doutrinário dominante entre nós. No sentido do texto, entre outros, Galeno Lacerda, Despacho Saneador, Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 2a ed., 1985, p. 72; Moniz de Aragão, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. II, p. 361; Freitas Câmara, Atos Processuais, p. 20. Em sentido diverso, considerando inexistir distinção entre anulabilidade e nulidade relativa, Sálvio de Figueiredo Teixeira, Prazos e Nulidades em Processo Civil, Rio de Janeiro: Forense, 1987, p. 40.31 Lacerda, Despacho Saneador, p. 72. Em sentido diverso, entendendo que serão absolutas as nulidades cominadas em lei, devendo-se considerar que as nulidades não-cominadas serão relativas ou meras anulabüidades, Aroldo Plínio Gonçalves, Nulidades no Processo, Rio de Janeiro: Aide, 1993, p. 99.253

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Alexandre Freitas CâmaraComo é sabido, as normas jurídicas podem ser divididas em co-gentes (ou de ordem pública) e dispositivas, sendo possível que os interessados afastem a incidência destas últimas (não das cogentes) por ato de vontade. Assim, será de acordo com o tipo de norma infringida que se terá o tipo de invalidade processual, como visto.A violação de uma norma cogente de proteção do interesse público, como visto, gera nulidade absoluta. É o que se tem, por exemplo, no art. 113, § 2a, do CPC. Nos termos deste dispositivo, são nulos os atos decisó-rios praticados por juízo absolutamente incompetente. Como já foi visto, as regras que fixam os critérios absolutos de fixação da competência são cogentes, não podendo ser alteradas pela vontade das partes. Viu-se, também, que tais critérios são criados para atender a um interesse público. Assim sendo, a violação de tais normas, com a prolação de provimento de conteúdo decisório por juízo absolutamente incompetente, terá, como conseqüência inafastável, a nulidade absoluta dos mesmos.A nulidade absoluta é vício insanável, podendo ser reconhecida, de ofício ou mediante requerimento das partes, a qualquer tempo, durante o processo.Conseqüência diversa tem a violação de norma cogente instituída para tutela de interesse particular. É o que se dá, por exemplo, no caso do art. 11, parágrafo único, do Código de Processo Civil, que prevê um caso de invalidade do processo que deve ser entendido como de nulidade relativa. É a hipótese em que a pessoa casada propôs, sem autorização do cônjuge (e sem suprir tal autorização judicialmente), alguma das demandas previstas no art. 10 do mesmo Código. Estas demandas, enumeradas no art. 10 do CPC, só podem ser propostas, por pessoa casada, quando houver autorização do cônjuge (ou suprimento judicial da autorização), pois há que se preservar o patrimônio familiar. Isto porque o art. 10 só exige tal autorização para demandas que versem sobre direitos reais imobiliários. A norma que exige tal autorização é cogente, não podendo ser afastada por vontade das partes, mas é criada como meio de tutela de um interesse particular, qual seja, o da proteção do patrimônio familiar. Sua violação, portanto, terá como conseqüência a nulidade relativa.Esta espécie de invalidade constitui-se em vício sanável, e pode ser reconhecida de ofício ou a requerimento das partes.32

32 A possibilidade de reconhecimento ex officio da nulidade relativa é admitida pela imensa maioria da doutrina. Assim, por todos, Moniz de Aragão, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. II, p. 367.254

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Lições de Direito Processual CivilPor fim, ter-se-á anulabilidade quando ocorrer violação de norma dispositiva. É o que se dá, por exemplo, quando violado o art. 650 do CPC, que considera relativamente impenhoráveis determinados bens. Estes só poderão ser penhorados na falta de outros no patrimônio do devedor que sejam suficientes para o cumprimento da obrigação. É certo, porém, que a incidência desta impenhorabilidade pode ser afastada pelo devedor, que poderá oferecer à penhora algum daqueles bens relativamente impenhoráveis, mesmo que disponha de outros. A penhora de um bem relativamente impenhorável é, pois, meramente anulável (isto quando, obviamente, o bem não tenha sido nomeado à penhora pelo devedor, pois se o foi a penhora é válida).A anulabilidade não pode ser conhecida de ofício pelo juiz, dependendo sempre de provocação, além de ser um vício sanável.Há quem reconheça ainda uma segunda forma de classificação das invalidades processuais, falando em invalidades cominadas e não-cominadas. Tal classificação, porém, nos parece desprovida de maior interesse para o Direito brasileiro, já que entre nós não vigora a regra oriunda do Direito francês segundo a qual pas de nullité sans texte, ou seja, não há nulidade sem texto. O fato de admitir-se em nosso sistema a existência de invalidades não-cominadas torna desprovida de maior interesse prático ou teórico esta classificação.Princípio importantíssimo no estudo das invalidades processuais, e que não pode deixar de ser estudado, é o chamado princípio do prejuízo.33 Segundo este princípio, não poderá ser declarada a invalidade de ato processual quando esta não tiver causado prejuízo às partes. Em outros termos, não há invalidade processual sem prejuízo (art. 249, § ls, CPC). Também não será reconhecida a invalidade processual quando o juiz puder decidir o mérito em favor daquele a quem aproveitaria a decretação da invalidade (art. 249, § 2°, CPC).O princípio do prejuízo decorre do Direito francês, onde existe a regra pas de nullité sans grieí, ou seja, não há nulidade sem prejuízo, e revela uma inocultável tendência do Direito Processual brasileiro de banir as formalidades não essenciais (afinal, como já dito, o forma-lismo, ou seja, o excesso de formalidades, deve ser afastado como nocivo à efetividade do processo).33 Esta a denominação preferida pela doutrina. Por todos, Moniz de Aragao, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. II, p. 405. Outras denominações, contudo, podem ser encontradas. Assim, por exemplo, princípio da transcendência (Couture, Fundamentos do Direito Processual Civil, p. 315).255

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Alexandre Freitas CâmaraAplica-se o princípio do prejuízo às nulidades relativas e anulabi-lidades. Revela-se, porém, inaplicável o princípio às nulidades absolutas. Isto porque, nesta espécie de invalidade, há presunção absoluta de prejuízo, decorrente do fato de ter havido violação de norma cogente de tutela do interesse público.34 Isto significa afirmar que, nos casos de nulidade absoluta, é irrelevante ter havido ou não prejuízo efetivo. Este é presumido de forma absoluta, iuris et de iure, restando inaplicável o princípio aqui analisado.O ato processual inválido pode ser convalidado. São reconhecidas duas formas de convalidação: a objetiva e a subjetiva. Dá-se a convali-dação objetiva pela aplicação conjunta dos princípios da instrumenta-lidade das formas e do prejuízo.35 Em outros termos, a verificação de que, embora formalmente inadequado, o ato processual atingiu sua finalidade essencial (princípio da instrumentalidade das formas), e que, além disso, não causou prejuízo às partes (princípio do prejuízo ou da transcendência), convalida o ato processual, não mais sendo possível decretar-se a invalidade do mesmo.De outro lado, dá-se a convalidação subjetiva pela aplicação das regras contidas nos arts. 243 e 245 do CPC. Esta espécie de convalidação se dá em razão de a decretação da invalidade poder se dar por provocação da parte, mas jamais poderá ser requerida pela parte que deu causa à invalidade (art. 243 do CPC, que consagra na lei o princípio geral do Direito segundo o qual ninguém pode se valer de sua própria torpeza: nemo allegans propríam turpitudinem auditur). Assim, deverá a invalidade ser requerida pela parte prejudicada, na primeira oportunidade que tiver para se manifestar, sob pena de preclusão (ou seja, sob pena de se perder a faculdade de requerer o reconhecimento da invalidade processual), conforme dispõe o art. 245 do CPC. E de se notar, porém, que estas regras são aplicáveis, tão-somente, às invalidades que não possam ser reconhecidas de ofício, ou seja, às anulabilidades (art. 245, parágrafo único, do Código de Processo Civil).36As três espécies de invalidade processual referidas, nulidade absoluta, nulidade relativa e anulabilidade, são fenômenos intrínsecos do processo, e por isto, encerrado este (o que se dá com o trânsito em julgado da sentença), todos aqueles vícios convalescem. Por esta razão, aliás, é que a coisa julgada é chamada algumas vezes de "sana-34 Lacerda, Despacho Saneador, p. 131.35 Freitas Câmara, Atos Processuais, pp. 21-22.36 Freitas Câmara, Atos Processuais, p. 22.256

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Lições de Direito Processual Civiltória geral".37 Transitada em julgado a sentença, todos os vícios, até mesmo aqueles inicialmente tidos por insanáveis, estarão sanados. A coisa julgada, assim, faz desaparecer todos os vícios que tenham se formado ao longo do processo.É certo, porém, que com a coisa julgada pode surgir uma nova espécie de invalidade, esta extrínseca, exterior ao processo onde se praticou o ato, a que se dá o nome de rescindibilidade. Trata-se de uma série de hipóteses, expressamente previstas em lei (art. 485 do CPC), em que se considerou haver vício tão grave que se deveria permitir a rescisão da sentença transitada em julgado, o que se faz através de uma "ação autônoma de impugnação", chamada "ação rescisória".38

A rescisão da sentença poderá, assim, ser pleiteada toda vez que ocorrer algum dos vícios previstos no art. 485 do Código de Processo Civil, através de "ação rescisória", a qual deverá ser proposta num prazo máximo de dois anos a contar do trânsito em julgado. Após este prazo, nem mesmo a rescindibilidade poderá mais ser alegada, restando sanado também este vício.Por fim, há que se falar da ineficácia dos atos processuais. O tema pode ser dividido em duas partes. Em primeiro lugar, há que se falar da ineficácia dos atos processuais inválidos, e, após, da ineficácia dos atos válidos.Quanto à primeira das questões suscitadas, é de se afirmar que o ato processual inválido é apto a produzir efeitos até que a invalidade seja reconhecida (pois, como visto, não há invalidade processual sem pro-nunciamento judicial). Assim sendo, apenas após a decretação da invalidade é que o ato processual deixará de produzir seus regulares efeitos.Não pode causar espanto, pois, a possibilidade de executar-se uma sentença condenatória nula. Esta produz seus regulares efeitos até que venha a ser reconhecida a invalidade. Enquanto não for decretada a nulidade, a execução poderá se desenvolver normalmente. O mesmo é aplicável, mutatis mutandis, a todos os demais atos processuais.Quanto aos atos processuais válidos, estes produzem, em princípio, todos os seus efeitos normalmente. Há casos, porém, em que a ineficácia é cominada, como se dá com a sentença de mérito proferida em processo37 Sobre o tema, Liebman, Manual de Direito Processual Civil, vol. I, p. 266.38 Note-se que, não havendo mais que se falar em nulidade, ou em anulabilidade, não se pode admitir como correta a afirmação segundo a qual a "ação rescisória" tem por fim anular a sentença transitada em julgado (como fala, por exemplo, Frederico Marques, Manual de Direito Processual Civil, vol. III, p. 259). A "ação rescisória" tem por fim, isto sim, rescindir a sentença.257

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Alexandre Freitas Câmara

onde estava ausente um litisconsorte necessário (art. 47 do CPC). Nesta hipótese, a sentença é válida, mas incapaz de produzir qualquer efeito.Outros casos há em que a ineficácia do ato processual válido decorre de uma natural impossibilidade de produção dos efeitos normais. E o que se tem, por exemplo, com as sentenças condenatórias genéricas (também chamadas sentenças condenatórias ilíquidas), em que o efeito de permitir a execução forçada não se produz em decorrência de não conter a sentença a individuação do valor ou objeto da condenação.39 Nestas hipóteses, bastará desaparecer a causa da ineficácia para que o ato passe a produzir todos os seus regulares efeitos (no exemplo citado, bastará que se realize a "liquidação de sentença").Não se pode encerrar esta parte do estudo sem tecer algumas considerações acerca da eficácia de atos processuais sujeitos a termo ou condição. Trata-se de tema que não foi abordado pela maior parte da doutrina, mas que exige atenção.40 Frise-se, porém, que o tema só mereceu a atenção da doutrina alemã, que nos chega através da obra há pouco referida de Barbosa Moreira.Em primeiro lugar, há que se afirmar ser inadmissível a submissão da eficácia de ato processual a um termo. Isto porque "atrelar ao advento do começo ou do fim de um termo o efeito de um ato de parte é contraditório com o objetivo com o qual se realiza o ato no processo".41

Já no que se refere à submissão da eficácia de ato processual a uma condição (ou seja, a um evento futuro e incerto), o tratamento é diverso. Admite-se, apenas, a submissão da eficácia do ato processual a condição intraprocessual, rejeitando-se, porém, as condições extraprocessuaisA2

39 Também afirma a ineficácia da sentença ilíquida Carlos Alberto Álvaro de Oliveira, "Execução de Título Judicial e Defeito ou Ineficácia da Sentença", in O Processo de Execução - Estudos em Homenagem ao Professor Alcides de Mendonça Lima, Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1995, p. 80.40 Na literatura brasileira, há que se referir o trabalho pioneiro de José Carlos Barbosa Moreira, "Recurso Condicionado - Admissibilidade da Interposição, pela Parte Vencedora, de Recurso Extraordinário Condicional contra o Acórdão Proferido em Apelação, para a Eventualidade de que o Superior Tribunal de Justiça se Abstenha de Proceder ao Reexame da Questão Constitucional e Dê Provimento ao Recurso Especial", in Revista de Direito Renovar, vol. IV, 1996, pp. 91 e seguintes.41 Rosenberg, Schwab e Gottwald, Zivilprozessrecht, Munique, 15a ed., 1993, pp. 356 e seguintes, apud Barbosa Moreira, "Recurso Condicionado - Admissibilidade da Interposição, pela Parte Vencedora, de Recurso Extraordinário Condicional contra o Acórdão Proferido em Apelação, para a Eventualidade de que o Superior Tribunal de Justiça se Abstenha de Proceder ao Reexame da Questão Constitucional e Dê Provimento ao Recurso Especial", ob. cit., p. 102.42 Idem, ibidem.258

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Lições de Direito Processual CivilIsto significa dizer que a eficácia de um ato processual não poderá jamais ficar submetida a um evento futuro e incerto que nenhuma ligação tenha com o processo. Admite-se, porém, o ato processual con-dicional quando o evento futuro e incerto seja interno ao processo. É o que se tem, por exemplo, na denunciação da lide. Como já foi visto, esta modalidade de intervenção de terceiro contém uma demanda regressiva condicional, a qual será julgada apenas na hipótese (futura e incerta quando efetivada a denunciação) de o litisdenunciante perder a demanda principal. Em outros termos, ao fazer a denunciação da lide, o litisdenunciante estará ajuizando uma demanda que só será apreciada se ocorrer um evento futuro e incerto, qual seja, a sucumbência do litisdenunciante na demanda principal. Sendo intraprocessual a condição, porém, tal se admite.O mesmo se dá quando ocorre cumulação eventual de pedidos, isto é, quando o demandante formula dois pedidos, sendo certo que o segundo só deverá ser apreciado na hipótese de ser o primeiro rejeitado. Outro exemplo de ato processual submetido à condição admissível, porque intraprocessual, é o recurso adesivo interposto apenas para a eventualidade de ser provido o recurso principal.Conclui-se, pois, no sentido de ser admissível a prática de ato processual condicional, desde que a condição seja intraprocessual, com o que se evitam as incertezas decorrentes de uma eventual admis-sibilidade de condição extraprocessual, a qual não se compadeceria com o processo jurisdicional.

§ 82 Comunicação dos Atos ProcessuaisO sistema processual civil vigente no Brasil é extremamente simples no que concerne à comunicação dos atos processuais. Há, em verdade, apenas dois atos de comunicação: a citação e a intimação. Além disto, prevê o Código um meio de comunicação entre juízos, capaz de permitir que um órgão jurisdicional solicite a outro que pratique determinado ato processual. A comunicação entre juízos se faz por intermédio das cartas, que podem ser de diversas espécies, variando de acordo com os juízos entre os quais se dá a comunicação.Inicia-se o estudo dos atos de comunicação processual pela citação, que vem definida no art. 213 do CPC como "o ato pelo qual se chama a juízo o réu ou o interessado a fim de se defender". Trata-se, em verdade, de definição insuficiente, já que inadequada a explicar a citação no processo executivo, onde o réu não é citado "para se259

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Alexandre Freitas Câmaradefender", mas sim para cumprir a obrigação consubstanciada no título executivo. Por esta razão, preferimos definir citação, em termos mais abrangentes, como o ato pelo qual se integra o demandado à relação processual, angularizando-a.43 Em outros termos, proposta a demanda em juízo, a citação é o ato que outorga ao demandado a qualidade de parte do processo, tornando íntegra a relação processual, que até aquele momento estabelecia-se tão-somente entre autor e Estado.Verifique-se que a lei, no art. 213, refere-se a "réu ou interessado", sendo óbvio que este último termo tem por fim designar as partes na jurisdição voluntária.44 Cita-se, ainda, o terceiro interveniente, nas modalidades de intervenção forçada, sempre com o fim de integrá-lo à relação processual em um pólo passivo. Assim é que no chamamento ao processo o chamado é citado para tornar-se réu. Na denunciação da lide o litisdenunciado é citado para ser réu na demanda regressiva que lhe move o litisdenunciante. Por fim, na nomeação à autoria, o nomeado é citado para que se torne possível a alteração do pólo passivo, com a saída do réu original.Verifica-se, assim, que ninguém é citado, em nosso sistema, para figurar no pólo ativo do processo, isto é, ninguém é citado para ser autor.45 Cita-se, apenas, aquele que deverá figurar no pólo passivo da relação processual, por ser o demandado.A citação válida é essencial para que o processo possa se desenvolver regularmente, conforme o disposto no art. 214 do CPC. É certo, porém, que a falta ou nulidade de citação são supridas pelo comparecimento espontâneo do demandado (art. 214, § Ia).A importância da citação válida é tanta que alguns autores chegam a considerá-la pressuposto processual de validade.46 Não nos parece, data venia, que seja assim. O processo pode existir validamente sem citação. Basta lembrar a hipótese em que, proposta a demanda, o juiz43 Em sentido assemelhado, definindo citação como "o ato de chamamento do réu a juízo e que o vincula ao processo e seus efeitos", Greco Filho, Direito Processual Civil Brasileiro, vol. II, p. 30.44 Como visto anteriormente, para a teoria clássica da jurisdição voluntária não há, nesta, partes, e sim interessados. Já para a teoria revisionista, por nós adotada, pode-se falar em partes naquela espécie de jurisdição (que seria exatamente isto: uma espécie de jurisdição).45 Frederico Marques, Manual de Direito Processual Civil, vol. I, p. 350. Afirma este autor que "destinatário da citação é sempre o réu".46 Assim, por todos, Nery Júnior, Código de Processo Civil Comentado, p. 631; Theodoro Júnior, Curso de Direito Processual Civil, vol. I, p. 278.260

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Lições de Direito Processual Civilindefere a petição inicial. Houve processo, com sentença e trânsito em julgado, sem que houvesse citação. O mesmo se dá nos casos em que o demandado, mesmo não sendo citado validamente, comparece espon-taneamente ao processo. Assim, parece-nos preferível afirmar que a citação é ato integrante da cadeia de atos que compõe o procedimento, sendo essencial para que os atos subseqüentes se realizem, uma vez que, como já afirmado, num procedimento todos os atos são causa do posterior e conseqüência do anterior. Assim, não havendo citação válida, nenhum outro ato processual poderá ser validamente realizado, já que todos os atos posteriores são conseqüência deste ato de integração do demandado na relação processual.A doutrina dominante costuma afirmar que, em não havendo citação válida (nem, obviamente, comparecimento espontâneo do demandado), a sentença de mérito que venha a ser proferida no processo será um ato inexistente.47 Também não nos parece, data venia, acertada esta posição. O ato inexistente é incapaz de produzir qualquer efeito, o que decorre, obviamente, do fato de juridicamente o mesmo não existir. Aquilo que não existe não pode ser eficaz. Já se afirmou que o plano da eficácia dos atos jurídicos em geral, e dos atos processuais em particular, só deve ser examinado quando se estiver diante de ato jurídico existente. Isto basta para certo setor da doutrina afirmar que a sentença de mérito proferida em processo onde o demandado não foi validamente citado existe. Tal sentença produziria, segundo este en-tendimento, efeitos, sendo passível, até mesmo, de execução (quando lhe seja imputada eficácia executiva). Prova disto seria a possibilidade de o executado alegar, em embargos, que não houve citação válida no processo de conhecimento que se desenvolveu à sua revelia (art. 741, I, CPC). Ao admitir os embargos do executado nesta hipótese, estaria reconhecendo o sistema processual que aquela sentença pode produzir efeitos, o que confirmaria a tese de que a mesma existe no mundo jurídico.48

A nosso juízo, é preciso, aqui, estabelecer uma distinção: antes do trânsito em julgado, tal sentença é, a nosso sentir, inválida (porque eivada de nulidade absoluta) e ineficaz. Com o trânsito em julgado, porém, ocorre a sanatória das invalidades intrínsecas do processo,47 Assim, entre muitos outros, Theodoro Júnior, Curso de Direito Processual Civil, vol. I, p. 278; Liebman, Estudos sobre o Processo Civil Brasileiro, p. 185.48 Barbosa Moreira, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. V, p. 97 (e nota de rodapé 16).261

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Alexandre Freitas Câmaradesaparecendo a nulidade absoluta. A sentença, porém, permanece juridicamente ineficaz.Tal ineficácia pode ser alegada em "ação rescisória", nos embargos do executado, ou até mesmo por demanda autônoma, tradicionalmente chamada quereüa nullitatis, e que nada mais é do que uma "ação declaratoria de ineficácia da sentença proferida em processo onde não se efetuou a citação válida do réu".49 A hipótese, aqui, é de vício análogo ao que se tem no processo em que é proferida sentença de mérito sem que se tenha citado algum litisconsorte necessário, caso que, como se viu, é de ineficácia da sentença (sentença inutiliter data). Tal ineficácia pode ser reconhecida, como visto, por qualquer meio processual que se revele idôneo (como, por exemplo, os embargos do executado, a querella nullitatis e a "ação rescisória").A citação deve ser feita diretamente ao réu (ou ao seu representante legal), ou ao seu procurador com poderes especiais (art. 215 do CPC). Estando o réu ausente, a citação será feita na pessoa de seu mandatário, administrador, feitor ou gerente, ainda que este não tenha poderes especiais para receber citação, quando a demanda se originar de ato por um deles praticado (art. 215, § 1°). Além disso, sendo demandado o locador que se encontra ausente do país, e que não tenha comunicado ao locatário que deixou procurador com poderes para receber citação, esta deverá ser feita na pessoa do administrador do imóvel, assim entendido aquele que recebe os alugueres (art. 215, § 2°).50A citação, em princípio, pode ser realizada em qualquer lugar (art. 216). Determina o CPC, porém, em seu art. 217, que a citação não deverá49 Sobre a querella nullitatis é essencial a leitura do ensaio de Adroaldo Furtado Fabrício, "Réu Revel Não Citado, Querela Nullitatis e Ação Rescisória", in RePro 48-27, 1987. Note-se, aliás, que este notável jurista gaúcho, no trabalho citado, afirma que a sentença proferida em processo onde não houve citação válida existe, mas é nula, no mesmo sentido do que defendemos na primeira edição destas Lições. A partir da segunda edição, porém, passamos a sustentar que o caso é de sentença que (ao menos após o trânsito em julgado) deve ser tida como válida e ineficaz. A ineficácia a que aqui se refere é jurídica (e não fática), o que justifica a possibilidade de, de fato, ser ajuizada execução da sentença aqui referida. A inexistência de eficácia executiva, porém, pode ser alegada pelo executado a qualquer tempo, por meio de embargos ou de exceção de pré-executividade e, ainda, através da querella nullitatis.50 Note-se que a existência, atualmente, de inúmeras administradoras de imóveis, empresas especializadas na administração de locações, fez com que muitos locatários pretendessem demandar seus locadores realizando a citação na pessoa da administradora (ou do representante legal desta), ainda quando o locador esteja no Brasil. A hipótese não encontra guarida no direito positivo, não se podendo admitir como válida a citação do locador na pessoa da administradora nesta hipótese, mas tão-somente quando ocorrer o caso previsto neste § 2- do art. 215 do Código de Processo Civil.262

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ser realizada em determinados lugares e situações, salvo se para evitar perecimento do direito (como no caso de decadência, por exemplo).O art. 219 enumera alguns "efeitos da citação válida", os quais, em verdade, são efeitos da propositura da ação (art. 263), os quais só se produzem para o réu depois que este for validamente citado. Assim é que, nos termos do art. 219, "a citação válida torna prevento o juízo, induz litispendência e faz litigiosa a coisa; e, ainda quando ordenada por juiz incompetente, constitui em mora o devedor e interrompe a prescrição". Destes "efeitos da citação válida", distingue-se em importância a "interrupção da prescrição", efeito aliás que se aplica também aos demais prazos extintivos, como os decadenciais, nos termos do art. 220.51

Proposta a demanda, incumbe ao autor promover a citação do réu nos dez dias subseqüentes ao despacho que determinar a citação do réu, prazo este que poderá ser prorrogado até um máximo de noventa dias pelo juiz, de ofício ou a requerimento da parte. Realizada a citação válida nestes prazos, ter-se-á por interrompida a prescrição no momento da propositura da demanda (art. 219, § 1°), não se podendo prejudicar o autor se a demora da citação decorrer de culpa do serviço judiciário (art. 219, § 2a, in fine). Não sendo efetuada a citação nestes prazos, por culpa do demandante, que não promoveu adequadamente a citação, deixando, por exemplo, de fornecer o endereço correto do demandado, ou de pagar as custas devidas para a prática da diligência, não se produzirá o efeito retroativo previsto no § Ia do art. 219, e a prescrição só será interrompida na data em que a citação efetivamente se realizar (se é que, até aí, o prazo já não terá se consumado).52

A citação pode ser real ou ficta.$3 A primeira é, obviamente, a preferida, uma vez que o demandado será verdadeiramente citado, enquanto na segunda não há verdadeira comunicação ao réu da existência de demanda movida em face dele, mas mera ficção.No sistema vigente em nosso processo civil, a citação real se faz, em regra, por via postal. Deve a comunicação ao demandado ser enviada por registrado postal com aviso de recebimento (art. 223, parágrafo único, CPC). Trata-se de citação real, uma vez que só será considerado citado51 É certo que, a rigor, não se interrompe o prazo decadência! O que quer dizer o art. 220, no que concerne aos prazos decadenciais, é que a fluência destes também é obstaculizada pela citação válida.52 Para outras considerações acerca da interrupção da prescrição pela citação válida, consulte-se Nery Júnior, Código de Processo Civil Comentado, pp. 635-642.53 Greco Filho, Direito Processual Civil Brasileiro, vol. II, p. 31.263

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Alexandre Freitas Câmaravalidamente o réu se foi ele próprio quem assinou o aviso de recebimento. No caso de pessoas jurídicas (e, acrescente-se, a despeito do silêncio da lei, das pessoas formais), terá havido citação válida se o aviso de recebimento foi assinado por quem exerça poderes de gerência geral ou de administração. Assim, não se pode considerar citado o réu quando, por exemplo, o aviso de recebimento tenha sido assinado pelo porteiro do edifício onde o mesmo reside, ou por um empregado doméstico, ou mesmo pelo cônjuge do réu. Só há citação postal válida se o aviso de recebimento (AR) foi assinado pelo próprio demandado.Nos casos em que a citação postal for proibida (art. 222 do CPC), ou nos casos em que a mesma for frustrada (porque o AR foi assinado por quem não é o réu, ou porque o AR se extraviou, ou por qualquer outro motivo), far-se-á a citação por oficial de justiça.A citação por oficial de justiça é a segunda modalidade de citação real, devendo ser realizada nos moldes do que vai previsto nos arts. 225 e 226 do CPC. Realizada a citação por oficial de justiça, estará o réu integrado à relação processual da mesma forma como estaria se tivesse sido citado por via postal.Note-se que, nos termos do art. 230 do CPC, nas comarcas contíguas, e nas que componham a mesma região metropolitana, poderá o oficial de justiça realizar citações (e intimações) em qualquer delas, sem que se faça necessária a solicitação a juízo daquela comarca para que realize o ato de comunicação processual.A primeira das modalidades de citação ficta é a citação com hora certa. Esta se realiza quando o oficial de justiça, depois de se dirigir por três vezes ao endereço do réu, não o encontra, suspeitando aquele auxiliar da justiça que o demandado esteja se escondendo para impedir a citação. Neste caso, deverá o oficial de justiça intimar qualquer pessoa da família do réu (ou, na ausência destas, qualquer vizinho, ou mesmo o porteiro do prédio onde resida o demandado) de que voltará ao local no dia seguinte, em hora determinada (daí falar-se em citação com hora certa). Retornando ao local, poderá o oficial de justiça encontrar o réu, hipótese em que a citação se fará normalmente. Em não sendo encontrado o réu, porém, ter-se-á o mesmo como citado, deixando-se cópia do mandado com pessoa da família ou vizinho do réu. Feita a citação por esta forma, o escrivão deverá enviar ao réu comunicação postal informando-lhe de todo o ocorrido.A segunda e última das modalidades de citação ficta é a que se faz por edital. Esta é realizada nas hipóteses previstas no art. 231 do CPC, dos quais avulta em importância o caso do réu que se encontre em lugar264

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ignorado, incerto ou inacessível,54 principalmente esta última situação. O lugar onde se encontra o réu pode ser inacessível por diversas razões. Assim, há uma inacessibilidade física, quando o réu reside em lugar de difícil acesso a uma pessoa normal, como cavernas ou grutas em florestas. Há, ainda, uma inacessibilidade que poderíamos chamar jurídica, retratada no art. 231, § Ia, do CPC, que se dá quando o réu reside em país estrangeiro que recusa o cumprimento de carta rogatória. Há, por fim, uma inacessibilidade que poderíamos chamar social, e que nos parece a mais relevante nos dias de hoje. Trata-se de hipótese, muito freqüente em grandes cidades brasileiras, como o Rio de Janeiro e São Paulo, em que o réu reside em favela ocupada e dominada por traficantes de drogas. Não parece razoável exigir do oficial de justiça, ou do carteiro, que adentre a favela para realizar a citação. Trata-se de lugar de intenso perigo, onde os tiroteios são constantes, e exigir a entrada de alguma destas pessoas no lugar seria delas exigir uma conduta inaceitável para o comum dos homens. Parece-nos, então, que deverá ser o caso de considerar estes lugares como inacessíveis, permitindo-se a citação dos que lá residem por edital.Afirme-se, ainda, que nos casos de réu que resida em lugar inacessível, o edital deverá ser divulgado, também, pelo rádio (art. 231, § 2Q, que inclui em seu campo de incidência, embora não seja expresso quanto ao ponto, também a divulgação por emissora de televisão).O edital de citação deverá ser afixado na sede do juízo e, além disto, publicado três vezes, num prazo de quinze dias. A primeira publicação deverá ser feita no Diário Oficial, e as outras duas em jornal de grande circulação local.55 Note-se que as três publicações deverão ser feitas dentro do prazo de quinze dias, e não uma a cada quinze dias.É de se dizer que, ao determinar a citação por edital, deverá o juiz fixar uma dilação de prazo, entre vinte e sessenta dias, a correr da data da primeira publicação. Isto significa que, feita a primeira publicação do edital, deverá ser contado o prazo assinado pelo juiz (entre vinte e54 A prática forense consagrou a expressão "lugar incerto e não sabido" para designar o que o CPC chama, com mais propriedade, lugar ignorado ou incerto. Embora desprovida de conteúdo científico, a expressão consagrada na praxe poderá ser usada sem maiores problemas.55 Fala a lei, tão-somente, em jornal local. Deve-se fazer a publicação, porém, em jornal de grande circulação local, ainda que o mesmo não seja editado na comarca. Isto porque, como se sabe, nas comarcas do interior é freqüente que a circulação dos jornais editados na capital seja maior que a dos jornais locais. O importante é que a publicação do edital se faça num jornal de grande circulação na comarca, pouco importando o lugar onde o mesmo é editado. Quanto ao ponto, aliás, é expresso o art. 687 do CPC.265

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Alexandre Freitas Câmarasessenta dias, repita-se), após o qual iniciar-se-á o prazo para oferecimento da resposta do demandado.O segundo ato de comunicação processual é a intimação, definida no art. 234 do CPC como "o ato pelo qual se dá ciência a alguém dos atos e termos do processo, para que faça ou deixe de fazer alguma coisa". Trata-se de ato pelo qual se comunica qualquer pessoa de alguma forma ligada ao processo (autor, réu, testemunha, perito, entre outros) dos acontecimentos do processo, devendo o intimado fazer ou deixar de fazer algo em virtude de tal comunicação. Como regra, as partes são intimadas através de seus advogados, sendo certo que nas capitais e no Distrito Federal considera-se realizada a intimação com a publicação do ato no órgão oficial. Da intimação realizada por esta forma deverá constar, sob pena de nulidade, a indicação dos nomes das partes e de seus advogados.A intimação do Ministério Público, nos termos do art. 236, § 2a, do CPC, faz-se sempre pessoalmente ao membro do parquet que deva se pronunciar no feito.56

Não sendo caso de se fazer intimação pelo Diário Oficial, aplicam-se a este ato de comunicação todas as regras referentes à citação, devendo a comunicação ser feita, preferentemente, por via postal.E importante notar que, nos termos do art. 240, parágrafo único, do CPC, as intimações ocorridas em dia em que não haja expediente forense ter-se-ão por realizadas no primeiro dia útil seguinte. Esta regra é extremamente importante para contagem de prazos, uma vez que - como se sabe - o dia da intimação é, via de regra, o dia do início dos prazos processuais, e na contagem destes o dia do início deve ser excluído. Assim, em sendo a parte intimada numa quarta-feira, o prazo será contado a partir do dia seguinte, quinta-feira. Já no caso de a parte ser intimada no sábado, considera-se que a intimação ocorreu na segunda-feira, razão pela qual o primeiro dia da contagem do prazo será a terça-feira.Por fim, não se pode deixar de fazer referência ao art. 241, que estabelece os termos iniciais dos prazos processuais, os quais variam conforme a forma de comunicação.Além das citações e intimações, já referidas, este é o momento para análise dos meios de comunicação entre juízos, as cartas. Estas podem ser de três espécies: de ordem, precatória e rogatória. Todas as três devem preencher os requisitos arrolados nos arts. 202 e 203 do CPC.56 Igual prerrogativa tem o defensor público, nos termos do art. 5-, § 5-, da Lei n- 1.060/50.266

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Pelas cartas um órgão judiciário solicita a outro a prática de um ato ou a colheita de certa prova. Assim, por exemplo, num processo em trâmite no Rio de Janeiro, em que deva ser ouvida uma testemunha que more em Belo Horizonte, o juízo carioca deverá solicitar a um órgão judiciário da capital mineira que colha a prova.A carta de ordem é a dirigida por um tribunal a um órgão judiciário a ele subordinado hierarquicamente. Assim, por exemplo, uma carta dirigida pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro a um juízo da comarca de Angra dos Reis, ou pelo Tribunal de Justiça de São Paulo a um juízo da comarca de Santos. Note-se que é fundamental, para que se caracterize a carta como cie ordem, que entre os juízos haja subordinação. Significa isto dizer que, e.g., uma carta dirigida pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais a um juízo de Porto Alegre não será desta espécie.Carta precatória é a dirigida por um juízo brasileiro a outro juízo, também nacional, quando entre eles não houver hierarquia. Assim, a carta enviada por juízo da comarca do Rio de Janeiro a um juízo da comarca de Belo Horizonte, como, no exemplo, anteriormente aventado, sendo aquele o juízo deprecante e este o juízo deprecado.As cartas precatórias e de ordem, nos casos urgentes, poderão ser transmitidas por telegrama, radiograma ou telefone (art. 205). A norma deste artigo deve ser interpretada extensivamente, admitindo-se a transmissão da carta por qualquer outro meio idôneo, de que é exemplo o fax.Dá-se o nome de carta rogatória à enviada por juízo brasileiro a juízo estrangeiro. Esta deverá ser enviada na forma prevista em convenção internacional (art. 210) e, na falta desta, a remessa se dará por via diplomática, após a tradução de seu teor (quando necessário).Note-se que as cartas rogatórias enviadas por autoridade judiciária estrangeira para cumprimento no Brasil dependem, para que sejam cumpridas, de exequatur, o qual é concedido pelo Supremo Tribunal Federal (art. 102, I, h, da Constituição da República).267

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SEGUNDA PARTE

PROCESSO DE CONHECIMENTO

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Capítulo X Cognição: Conceito, Objeto e EspéciesApós a análise dos aspectos ligados à teoria geral do Direito Processual, passa-se ao estudo das três espécies tradicionalmente admitidas de processo, começando-se pelo processo de conhecimento, ou cognitivo. Esta modalidade de processo é assim denominada por ter, como atividade preponderante, a cognição, objeto de nossas atenções neste momento.1

Cognição é a técnica utilizada pelo juiz para, através da consideração, análise e valoração das alegações e provas produzidas pelas partes, formar juízos de valor acerca das questões suscitadas no processo, a fim de decidi-las.2 Trata-se de atividade comum a todas as categorias de processo, embora se revele predominante no processo cognitivo.Explique-se este conceito: a finalidade essencial do processo de conhecimento é a obtenção de uma declaração, consistente em conferir-se certeza jurídica à existência ou inexistência do direito afirmado pelo demandante em sua petição inicial. Para prolatar o provimento capaz de permitir que se alcance esta finalidade, é preciso que o juiz examine e valore as alegações e as provas produzidas no processo, a fim de emitir seus juízos de valor acerca das mesmas. A esta técnica de análise e valoração é que se dá o nome de cognição.A cognição é elemento essencial para a adequação do processo às necessidades do direito material, como facilmente se compreenderá quando da análise das diversas espécies em que a mesma pode ser dividida.Discute-se em doutrina qual é o objeto da cognição. Note-se, antes de mais nada, que o conceito de objeto da cognição não coincide comÉ de se notar que a denominação "processo de conhecimento" é típica da linguagem dos processualistas brasileiros e italianos. Não é, porém, a mais freqüente entre os juristas portugueses, que preferem designar esta espécie de processo pelo fim básico a que se destina, qual seja, a declaração da existência ou inexistência do direito afirmado pelo demandante, razão pela qual fala-se, naquele país, em processo declarativo. Assim, por todos, Fernando Luso Soares, Direito Processual Civil, Coimbra: Almedina, 1980, p. 211. Watanabe, Da Cognição no Processo Civil, p. 41; Freitas Câmara, "O Objeto da Cognição no Processo Civil", p. 207.271

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Alexandre Freitas Câmara

o de objeto do processo, já estudado, sendo certo que este é mais restrito, e encontra-se contido naquele.3 O que se busca aqui é saber sobre o que incide a atividade cognitiva do juiz, havendo profunda dissensão entre os autores que trataram do tema em definir os componentes deste objeto.Há que se referir, em primeiro lugar, aos autores que defendem a idéia de que o objeto da cognição é um binômio,4 formado pelos pressupostos processuais e pelas "condições da ação".5

De outro lado, encontramos os defensores da idéia segundo a qual o objeto da cognição judicial é formado por um trinômio de questões: "condições da ação", pressupostos processuais e mérito.6 Não se pode, ainda, deixar de referir a teoria segundo a qual o objeto da cognição seria um quadrinômio: pressuposto processual, supostos processuais, "condições da ação" e mérito da causa.7

A questão que ora nos ocupa já nos preocupou antes, a ponto de termos elaborado, a seu respeito, ensaio já aqui referido.8 Reiteramos, agora, a idéia ali enunciada, de que o objeto da cognição é, sim, formado por um trinômio de questões, mas não o trinômio tradicionalmente enunciado. Em vez de falarmos em pressupostos processuais, "condições da ação" e mérito da causa como componentes do objeto da cognição, parece-nos mais acertado falar-se que os componentes de tal trinômio são questões preliminares, questões prejudiciais e mérito da causa (objeto do processo).9

Sobre a distinção entre objeto da cognição e objeto do processo, consulte-se FreitasCâmara, "O Objeto da Cognição no Processo Civil", ob. cit., p. 222, esp. nota de rodapén- 30; Dinamarco, "O Conceito de Mérito em Processo Civil", in Fundamentos do ProcessoCivil Moderno, p. 204.Entre estes destaca-se, sem sombra de dúvida, a figura maior de Chiovenda, Instituiçõesde Direito Processual Civil, vol. I, p. 69.Nunca é demais recordar que Chiovenda defendia uma concepção concreta da ação, oque o levava a considerar que as "condições da ação" eram os requisitos para obtençãode um julgamento favorável, aí incluindo, portanto, a existência do direito substancialafirmado pelo demandante.Esta é, sem dúvida, a doutrina dominante. Assim, entre outros, Buzaid, Do Agravo dePetição no Sistema do Código de Processo Civil, p. 90; Dinamarco, O Conceito de Méritoem Processo Civil, p. 205; Watanabe, Da Cognição no Processo Civil, p. 51; MachadoGuimarães, Estudos de Direito Processual Civil, p. 99; Luís Eulálio de Bueno Vidigal,"Pressupostos Processuais e Condições da Ação", in Revista de Direito Processual Civil,vol. VI, 1967, pp. 5-11; Greco Filho, Direito Processual Civil Brasileiro, vol. II, p. 177.Neves, Estrutura Fundamental do Processo Civil, p. 199.Freitas Câmara, "O Objeto da Cognição no Processo Civil", ob. cit., passim.Freitas Câmara, "O Objeto da Cognição no Processo Civil", ob. cit., p. 208.272

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Em primeiro lugar, a nosso sentir, devem ser apreciadas as questões preliminares. Estas são uma espécie de questão prévia, assim compreendida toda e qualquer questão que deva ser apreciada antes do mérito da causa. Entre as questões prévias encontramos duas espécies: preliminares e prejudiciais.10 As primeiras, com que nos preocupamos neste momento, são aquelas questões prévias cuja solução pode impedir o julgamento do objeto do processo.11

Assim, por exemplo, a análise das "condições da ação", ou das questões sobre o processo (entre as quais se situam os pressupostos processuais e os impedimentos processuais, entre outras), são preliminares, visto que sua resolução pode impedir a apreciação do mérito, extinguindo-se o processo sem que este seja resolvido.São preliminares as questões enunciadas no art. 301 do CPC, cabendo ao réu alegá-las na contestação, sob pena de responder pelas "custas do retardamento". Registre-se que, no art. 301, são incluídas duas questões que não se enquadram propriamente no conceito apresentado de preliminares: a incompetência absoluta e a conexão (aí utilizado o termo em sentido amplo, abrangendo tanto a conexão stricto sensu como a continência). Estas duas questões não chegam jamais a impedir a apreciação do mérito da causa, razão pela qual são denominadas preliminares impróprias ou dilatórias.12

Note-se, aqui, que a inclusão das "condições da ação" e dos pressupostos processuais (e demais questões sobre o processo) numa mesma categoria não implica negar sua diversidade ontológica. Já ficou claro, ao longo da exposição de nossas idéias, que "condições da ação" e pressupostos processuais são categorias distintas, da mesma forma como são distintos os institutos da ação e do processo. O que pretendemos é, tão-somente, a inclusão dessas categorias ontologica-mente distintas numa única categoria quanto à cognição judicial, uma vez que ambas têm um elemento em comum, qual seja, o fato de serem ambas questões que devem ser apreciadas antes do objeto do processo, e cuja resolução pode impedir a apreciação deste.10 Sobre as questões prévias como gênero, de que são espécies as preliminares e as prejudiciais, Pontes de Miranda, Comentários ao Código de Processo Civil [de 1939], tomo IV, Rio de Janeiro, Forense, 2a ed., 1959, p. 63.11 Barbosa Moreira, Questões Prejudiciais e Coisa Julgada, Rio de Janeiro: Borsoi, 1967, pp. 29-30.12 Freitas Câmara, "O Objeto da Cognição no Processo Civil", ob. cit., p. 209.273

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Alexandre Freitas CâmaraUltrapassadas as preliminares, o que significa dizer que é possível a apreciação do objeto do processo, passa-se à segunda espécie de questão prévia, a prejudicial. Entra-se, neste momento, no segundo elemento componente do trinômio de questões que compõe o objeto da cognição judicial.Questão prejudicial é a segunda espécie de questão prévia, e pode ser definida como o antecedente lógico e necessário do julgamento do mérito (questão prejudicada), e que vincula a solução deste, podendo ser objeto de demanda autônoma.13 Trata-se, como se verifica facilmente pela definição apresentada, de questão que deve ser apreciada antes do objeto do processo, o que justifica sua inclusão como elemento distinto do mérito no objeto da cognição judicial. A prejudicial é uma questão prévia ao mérito e cuja solução terá forte influência na resolução do objeto do processo. Exemplo tradicional é o que se tem na "ação de alimentos", em que o autor alega ser filho do réu, e este contesta a pretensão do demandante, negando a filiação. Antes de julgar a pretensão do autor, como facilmente se deduz, caberá ao juiz verificar se ele é ou não filho do réu. Esta questão não integra o objeto do processo, sendo a ele anterior (questão prévia, portanto). Salta aos olhos, porém, que a solução que se dê à prejudicial influirá no julgamento da pretensão.Note-se que o juiz não julga a questão prejudicial (visto que esta não se inclui no objeto do processo), mas tão-somente dela conhece. Isto explica por que, por exemplo, afirma o art. 469, III, do CPC que a resolução da questão prejudicial não é alcançada pela coisa julgada. Esta afirmação contida na lei fica mais clara quando se sabe que só pode ser alcançado pela coisa julgada aquilo que é julgado, e isto não ocorre com as prejudiciais, que são apenas conhecidas. O juiz apenas conhece incidenter tantum das prejudiciais, e não principaliter .u

A questão prejudicial pode ser interna (quando surge no mesmo processo onde será apreciada a questão prejudicada, como ocorre no exemplo anteriormente aventado, da "ação de alimentos"), ou externa (quando sua apreciação se dará em outro processo, o que ocorreria, por exemplo, se a negação de paternidade do exemplo aventado tivesse ocorrido em "ação negatória de paternidade"). Pode, ainda, ser classifi-13 Antônio Scarance Fernandes, Prejudicialidade, São Paulo: RT, 1988, p. 53; Freitas Câmara, "O Objeto da Cognição no Processo Civil", ob. cit., p. 218.14 Será visto mais adiante que há uma possibilidade de o juiz conhecer principaliter das questões prejudiciais, hipótese em que estas serão julgadas e, por conseguinte, alcançadas pela autoridade de coisa julgada. É o que se dá quando existe "ação declaratória incidental" (arts. 5^, 325 e 470 do CPC).274

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cada em homogênea (quando pertence ao mesmo ramo do Direito que a questão prejudicada, e mais uma vez citamos o exemplo referido da "ação de alimentos", uma vez que a obrigação de alimentar e a filiação pertencem, ambas, ao mesmo ramo da ciência jurídica: o Direito Civil) e heterogênea (quando a prejudicial pertence a ramo do Direito diverso da questão prejudicada, o que se dá, por exemplo, quando numa demanda fundada no Direito Civil surge uma prejudicial de inconstitucionalidade de lei).Após a análise de eventual questão prejudicial que tenha surgido no processo, passa-se ao terceiro elemento do objeto da cognição, qual seja, o mérito da causa, ou objeto do processo (o Streitgegenstand da doutrina alemã). Este conceito já foi analisado anteriormente, sendo de lembrar, apenas, que o mérito da causa nada mais é do que a pretensão manifestada pelo autor em sua demanda. Em outras palavras, após a apreciação das questões prévias, passa o juiz a apreciar o mérito, ou seja, a julgar o pedido do autor.15

Após conceituar a cognição, e depois da exposição de seu objeto, há que se passar à classificação da cognição, analisando-se cada uma de suas espécies. Ainda aqui não há consenso doutrinário, embora se possa verificar uma certa uniformidade no pensamento da maioria dos autores que tratou do tema.Uma primeira tentativa de classificação da cognição foi feita por Chiovenda, que reconhecia a existência de uma cognição ordinária ao lado de outra, sumária.15 Para este autor há uma espécie ordinária de cognição, que seria "plena e completa", na qual o juiz teria "por objeto o exame a fundo de todas as razões das partes, ou seja, de todas as condições para a existência do direito e da ação e de todas as exceções do réu".17 Ao lado desta primeira espécie, reconhece Chiovenda uma cognição sumária, incompleta, "quando o exame das razões das partes ou não é exaustiva ou é parcial".18

15 Note-se que, como julgar o mérito é julgar o pedido do autor, caberá ao juiz, quando da prolação da sentença de mérito, julgar procedente ou improcedente o pedido (e não a ação, como se vê todos os dias na linguagem forense, e até mesmo na obra de diversos processualistas). Não se deve falar em "ação procedente" ou em "ação improcedente", uma vez que não é do julgamento da existência ou inexistência do poder de ação que se trata aqui. O que está sob julgamento, quando da apreciação do objeto do processo, é o pedido formulado pelo demandante. Admitir-se como corretas as expressões aqui criticadas implicaria fazer-se uma concessão inadmissível às teorias concretas sobre a ação.16 Chiovenda, Instituições de Direito Processual Civil, vol. I, pp. 174 e 236.17 Chiovenda, Instituições de Direito Processual Civil, vol. I, p. 175.18 Chiovenda, Instituições de Direito Processual Civil, vol. I, p. 175.275

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Alexandre Freitas CâmaraA cognição sumária, para este autor, poderia se manifestar de três formas:a) na condenação com execução provisória, quando se admite que uma sentença condenatória, ainda sujeita a recurso, produza o efeito de abrir caminho para a instauração da execução forçada;b) na condenação sob reserva, quando se admite que o juiz possa proferir sentença condenatória, reservando o exame de determinadas exceções do réu para momento posterior; ec) no procedimento monitório, quando a lei admite que se possa ordenar um pagamento antes de ser ouvido o pretenso devedor.Ter-se-ia cognição sumária nos três casos, sendo a cognição não definitiva (na hipótese sub a), parcial (na hipótese sub b) ou superficial (na hipótese sub c).19 Nas três espécies de cognição sumária ter-se-ia como objetivo a antecipação da execução, razão pela qual deu Chiovenda a estas medidas provenientes de cognição incompleta o nome de "declarações com predominante função executiva".20 Admitia, ainda, Chiovenda, haver cognição sumária, em razão da urgência, para concessão de medidas provisórias, acauteladoras ou não.21

Esta classificação da cognição, embora extremamente lógica, e tendo sido defendida pelo mais influente entre todos os processua-listas, não recebeu acolhida da melhor doutrina. É realmente preferível adotar-se outra forma de classificação, proposta no Brasil pelas vozes mais autorizadas que trataram do tema.22

Assim é que a cognição deve ser examinada em dois planos, o horizontal (da extensão ou amplitude) e o vertical (da profundidade).No plano horizontal, em que se verifica a amplitude da cognição judicial, o que se busca é saber qual a extensão com que são analisados os elementos componentes do objeto da cognição. Fala-se, assim, em cognição plena (quando todos os componentes do trinômio19 Chiovenda, Instituições de Direito Processual Civil, vol. I, pp. 236-237.20 Chiovenda, Instituições de Direito Processual Civil, vol. I, p. 237.21 Chiovenda, Instituições de Direito Processual Civil, vol. I, p. 275.22 Watanabe, Da Cognição no Processo Civil, pp. 83-91; Marinoni, Tutela Cautelar e 7bteia Antecipatóría, pp. 21-27.276

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são apreciados) e limitada (quando ocorre alguma restrição na amplitude da cognição). A primeira espécie é a mais freqüente no processo de conhecimento, já que o princípio da economia processual impõe se busque a existência de um processo capaz de assegurar o máximo de vantagem com o mínimo de dispêndio. Assim sendo, na maioria dos processos cognitivos o objeto da cognição é inteiramente analisado pelo juízo, com o que se garante que a sentença resolverá a questão submetida ao crivo do judiciário da forma mais completa possível.Exemplo da segunda espécie, em que a cognição é limitada no plano horizontal, restringindo-se assim a análise do objeto da cognição, é o que se tem nas "ações possessórias", em que - como notório - não se pode examinar a existência do domínio (vedação da "exceção de domínio"). Assim, por exemplo, se for proposta uma "ação posses-sória" em que figure como réu o proprietário do bem, este não poderá alegar em defesa o domínio. A cognição é, portanto, limitada, restringindo-se à análise da posse. Fica aberta, obviamente, a via da "ação petitória" para que aquele que se considere proprietário possa fazer valer este direito em juízo.No plano vertical, em que se busca saber a profundidade da análise dos elementos a serem apreciados pelo juiz, tem-se três espécies de cognição: exauriente, sumária e superficial.A primeira espécie é aquela em que a decisão judicial será proferida com base em juízo de certeza. Cabe, aqui, uma explicação. E que todo juízo de certeza é, em verdade, um juízo de verossimilhança.23 Tal se dá porque o juiz atua, em relação aos fatos da causa, como o historiador em relação aos fatos históricos, buscando reconstruí-los. Assim é que o juiz, em sua atividade cognitiva, afirma que dado fato é verdadeiro quando alcança aquele grau de convencimento que lhe é outorgado por uma máxima verossimilhança. A certeza a que se refere aqui, portanto, não é uma certeza psicológica, mas uma certeza jurídica.24

A cognição exauriente, portanto, permite a prolação de uma decisão baseada em juízo de certeza, o que justifica a formação da coisa julgada, manto que reveste de imutabilidade e indiscutibilidade o conteúdo desta decisão. Em outros termos, a cognição exauriente permite a resolução definitiva da questão trazida ao crivo do judiciário,23 Piero Calamandrei, "Verità e Verosimiglianza nel Processo Civile", in Opere Giuridiche, vol. V, p. 616.24 Piero Calamandrei, "Verità e Verosimiglianza nel Processo Civile", ob. cit., p. 617.277

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Alexandre Freitas Câmaraimpedindo, assim, o surgimento de processo posterior que tenha o mesmo objeto.As principais características da cognição exauriente são a existência de um contraditório antecedente ao provimento jurisdicional (eis que o juiz só poderá formar o juízo de certeza após ouvir as razões de ambas as partes), o qual deverá se realizar nos termos predeterminados por lei, e na possibilidade de o provimento assim proferido ser alcançado pela imutabilidade e indiscutibilidade da coisa julgada substancial.25

A cognição exauriente, como facilmente se verifica, é freqüente nos processos de conhecimento, uma vez que a finalidade essencial destes é, precisamente, a obtenção de certeza jurídica quanto à existência ou inexistência do direito substancial afirmado pelo demandante.A segunda modalidade de cognição no plano vertical é a cognição sumária. Esta se caracteriza por levar o juiz a emitir um provimento baseado em juízo de probabilidade. Cabe, aqui, outra rápida digressão. Os conceitos de possibilidade, verossimilhança e probabilidade são, em verdade, muito próximos, sendo mesmo comum que sejam empregados como sinônimos. Não parece, porém, que esta seja a melhor forma de se interpretar estes termos. Assim é que optamos por dar a estes três conceitos o sentido que lhes dá Calamandrei, em obra clássica já referida: possível é aquilo que pode ser verdade; verossímil é aquilo que tem a aparência de verdade; por fim, provável é aquilo que se pode considerar como razoável, ou seja, aquilo que demonstra grandes motivos para fazer crer que corresponde à verdade.26 Apresentam-se, pois, estes três termos como uma escala em direção à certeza: a mais tênue das três figuras é a mera possibilidade (capaz de excluir, apenas, os fatos impossíveis de terem ocorrido). Um pouco mais forte é a verossimilhança (que se afigura como aparência de que o fato ocorreu) e, por fim, a probabilidade, algo como uma "quase-certeza".Na cognição sumária busca-se um juízo de probabilidade, devendo o provimento a ser proferido afirmar, apenas e tão-somente, que é provável a existência do direito, ou seja, que há fortes indícios no sentido de sua existência, convergindo para tal conclusão a maioria dos fatores postos sob o exame do juiz. Tal provimento, obviamente,25 Estas as características apontadas para o que chama cognizione piena, e que corresponde ao que aqui vimos chamando cognição exauriente, Proto Pisani, Lezioni di Diritto Processuale Civile, p. 601.26 Calamandrei, "Verità e Verosimiglianza nel Processo Civile", ob. cit., p. 621.278

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não poderá jamais ser tido por imutável e indiscutível, já que não é capaz de afirmar a existência do direito, sendo - portanto - incapaz de ser alcançado pela imutabilidade e indiscutibilidade decorrentes da autoridade de coisa julgada substancial.27

São diversas as hipóteses em que o juiz é chamado a emitir provimentos com base em cognição sumária, entre eles se destacando as medidas cautelares e a tutela antecipatória.28 A cognição sumária é uma técnica destinada a assegurar três escopos principais: economia processual, evitar o abuso do direito de defesa e busca de efetividade da tutela quando esta seja comprometida pelo tempo.29

É de se notar, por fim, que, em razão da diversidade conceptual anteriormente apontada entre possibilidade, verossimilhança e probabilidade, não parece correto afirmar que a cognição sumária permite um "juízo de verossimilhança".30 Este, como se verá adiante, é o que se forma na cognição superficial, terceira e última espécie de cognição no aspecto vertical.A probabilidade, exigida na cognição sumária, corresponde a uma "quase-certeza", razão pela qual exige-se, neste campo, a existência de alguma produção probatória.31 E à luz dessas provas, insuficientes para produzir um juízo de certeza, mas capazes de convencer o juiz da probabilidade de existência do direito afirmado, que se prolatará o provimento judicial decorrente de cognição sumária.Afirme-se, para encerrar esta rápida exposição do conceito e das características da cognição sumária, que estamos convencidos de que a probabilidade de existência do direito exigida para a prolaçao de um27 Nao concordando com o que vai no texto, afirmando a possibilidade de um provimento baseado em cognição sumária alcançar a coisa julgada material, Luiz Fux, Tateia de Segurança e Tutela da Evidência, São Paulo: Saraiva, 1996, pp. 8-9.28 Sobre a natureza sumária da cognição em sede de tutela cautelar, para não multiplicar desnecessariamente as citações, basta referir a principal ohra já escrita sobre o tema: Piero Calamandrei, "Introduzione alio Studio Sistemático dei Prowedimenti Cautelari", in Opere Giuridiche, vol. IX, Nápoles: Morano, 1983, p. 201. Sobre a índole sumária da cognição na tutela antecipada, é farta a literatura no Brasil. Consulte-se, entre outros, Baptista da Silva, Curso de Processo Civil, vol. I, p. 113; Nery Júnior, Atualidades sobre o Processo Civil, p. 61; Dinamarco, A Reforma do Código de Processo Civil, p. 145; Marinoni, A Antecipação da Tutela na Reforma do Processo Civil, pp. 22-24; Freitas Câmara, Lineamentos do Novo Processo Civil, p. 62.29 Proto Pisani, Lezioni di Diritto Processuale Civile, p. 603.30 Vários autores, porém, fazem esta equiparação entre probabilidade e verossimilhança, que nos parece errônea. Por todos, Baptista da Silva, Curso de Processo Civil, vol. I, p. 113.31 Marinoni, Tutela Cautelar e Tutela Antecipatória, pp. 24-25.279

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provimento cautelar é a mesma que se exige para a antecipação da tutela jurisdicional satisfativa.32

A terceira e última das modalidades de cognição quanto à profundidade é a cognição superficial ou rarefeita. Esta se caracteriza por levar o juiz a um juízo de possibilidade (ou, pode-se dizer, a um juízo de verossimilhança). É de se notar que é aqui, na cognição superficial, e não na cognição sumária, que haverá verdadeiro juízo de verossimilhança. A utilização indevida desta palavra no caput do art. 273 do Código de Processo Civil pode induzir o intérprete em erro, uma vez que a hipótese ali versada, tutela antecipada, é exemplo típico de cognição sumária.Verossimilhança, como se sabe, é a aparência de verdade, sendo conceito mais rarefeito que o de probabilidade. O juízo de verossimilhança, é de se deixar claro, não é um juízo a ser exercido sobre os fatos, mas sobre as afirmações.33 O juízo de verossimilhança, portanto, característico da cognição superficial, se dá num primeiro momento, o das alegações, antes de se iniciar o procedimento probatório. Trata-se de um juízo que se produz sobre uma máxima de experiência, decorrente da verificação da freqüência com que se produz o fato alegado pela parte.34 O juízo de verossimilhança, pois, difere do juízo de probabilidade, típico da cognição sumária, pois este se realiza após a produção de algumas provas.A cognição superficial é típica das decisões liminares em processo cautelar (mas não em todas as liminares, visto que algumas são deferidas com base em cognição sumária, como no caso do mandado de segurança).35 Pode-se, pois, afirmar que a decisão liminar será deferida com base numa cognição que, no plano vertical, encontra-se um "degrau" acima daquela exigida para o provimento final do processo onde a mesma é prolatada. Assim, por exemplo, no processo de conhecimento de rito ordinário, o provimento final - a sentença - é proferido com base em cognição exauriente. Conseqüência disto é que a liminar antecipa-32 Já afirmamos isto anteriormente, em Freitas Câmara, Lineamentos do Novo Processo Civil, p. 68. No mesmo sentido, Marinoni, Tutela Cautelar e Tateia Antecipatóría, p. 24, esp. nota de rodapé n2 30. Em sentido contrário, afirmando haver diferença de profundidade entre a cognição para a tutela antecipada e para a tutela cautelar, entendendo ser a exigência para a tutela cautelar mais tênue, Dinamarco, A Reforma do Código de Processo Civil, p. 145.33 Calamandrei, "Verità e Verosimiglianza nel Processo Civile", ob. cit., pp. 621-622.34 Calamandrei, "Verità e Verosimiglianza nel Processo Civile", ob. cit., pp. 622-623.35 Marinoni, Thtela Cautelar e Thtela Antecipatória, p. 26.280

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tória dos efeitos da sentença deverá ser deferida com base em cognição sumária (um "degrau" acima). Já no processo cautelar, em que o provimento final é de cognição sumária, a liminar deverá ser proferida à luz de um juízo de mera verossimilhança, ou seja, cognição superficial.Afirme-se, por fim, que as diversas modalidades de cognição podem ser combinadas num mesmo processo, sendo possível admitir-se a existência de processos com cognição plena e exauriente, plena e sumária, limitada e exauriente, e todas as outras combinações que se revelem possíveis entre a amplitude (plano horizontal) e a profundidade (plano vertical) da cognição.36

36 Watanabe, Da Cognição no Processo Civil, p. 85-86; Freitas Câmara, "O Objeto da Cognição no Processo Civil", ob. cit., pp. 224-225.281

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Capítulo XIFormação, Suspensão e Extinção do Processo de Conhecimento§ 1° Formação do Processo de ConhecimentoO tema que ora se passa a analisar está regido pelos arts. 262 a 264 do Código de Processo Civil. O primeiro destes dispositivos afirma que o processo civil começa por iniciativa da parte, e se desenvolve por impulso oficial. A primeira parte desta regra nos leva a recordar o princípio da demanda, ligado inexoravelmente à inércia que caracteriza a função jurisdicional. Sendo certo que, como visto anteriormente, a jurisdição é uma função inerte, a qual só é exercida (salvo alguns poucos casos excepcionais) mediante provocação, é preciso que haja a iniciativa da parte, consistente no ajuizamento da demanda, para que se instaure o processo civil. Nunca é demais recordar, aliás, que a demanda, ato de impulso inicial da atividade jurisdicional do Estado, é um pressuposto processual de existência.Uma vez iniciado o processo, porém, este se desenvolverá por impulso oficial, ou seja, por atuação ex officio do juiz. Assim é que cabe ao juiz, através da prolação de despachos (que, como já examinado, são os provimentos meramente ordinatórios, destinados a impulsionar o processo), dar andamento ao processo, o qual só ficará parado aguardando a iniciativa de alguma (ou de ambas) das partes quando houver a necessidade de que alguma delas (ou mesmo ambas) pratique ato essencial a seu desenvolvimento.O processo é uma entidade jurídica de formação gradual. Nasce com a propositura da ação, mas só se completa com a citação, cuja conseqüência é a integração do réu à relação processual, que assim se angulariza.1 E preciso ter-se claro, portanto, que mesmo antes da citação já existe processo, o que se prova muito facilmente, bastando dizer que, proposta a ação, pode o juiz indeferir a inicial, o que, nosPor todos, sobre a formação gradual do processo, Moniz de Aragao, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. II, pp. 475-476.283

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Alexandre Freitas Câmaratermos do art. 267, I, do CPC, "extingue o processo". Ora, se o Código prevê a possibilidade de extinção do processo antes da citação, significa isto dizer que naquele momento o processo já existe (mesmo porque contrariaria a lógica admitir-se a extinção de algo que não existe ainda).No momento em que é proposta a ação, portanto, já se instaura uma relação processual, de configuração linear, entre autor e Estado-juiz.2 Após a citação é que tal relação se angulariza, com o ingresso do demandado.Inicia-se, pois, o processo com a propositura da ação, sendo certo que o Código de Processo Civil, em seu art. 263, fixa o momento em que se dá tal propositura. Assim é que se considera proposta a ação no momento em que a petição inicial oferecida pelo demandante é despachada (nos casos em que há apenas um juízo competente em tese para o feito), ou no momento em que a mesma é distribuída (quando houver mais de um juízo competente, hipótese em que a escolha do juízo perante o qual tramitará o feito se dá por distribuição, ou seja, por sorteio). Uma vez proposta a ação esta já produz efeitos em relação ao autor, sendo certo que os efeitos previstos no art. 219 (aos quais já nos referimos anteriormente, quando do estudo da citação) só se produzem para o réu depois que este é validamente citado.Frise-se, ainda uma vez, que os efeitos previstos no art. 219 do CPC se produzem para o réu depois da citação válida, mas se produzem para o autor desde o momento do ajuizamento da demanda, ou seja, desde a propositura da ação.3

Proposta a ação, como visto, já se instaura uma relação processual de configuração linear entre Estado-juiz e autor, a qual se angulariza com a citação (válida) do demandado. Esta relação processual nasce,2 Tornaghi, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. II, p. 303.3 Esta afirmação é limitada, obviamente, àqueles efeitos que, previstos no art. 219, podem de alguma forma atingir o demandante. Assim, por exemplo, a constituição do réu em mora só a ele concerne. Importante verificar, porém, que a indução de litispendência é efeito que se produz, também, para o autor. O que se quer dizer com isto é que, uma vez proposta a ação, já há, para o autor, litispendência, o que impede a propositura de demanda idêntica à já ajuizada. Com isto, fica impossível a propositura de diversas demandas idênticas, antes da citação do réu, com o fito de se escolher o juízo mais conveniente aos interesses do autor. Esta prática já foi por nós combatida em ensaio elaborado em cooperação com ilustre professor e magistrado federal no Rio de Janeiro, acerca do instituto que ali denominamos distribuição múltipla. Sobre o tema, William Douglas Resinente dos Santos e Alexandre Freitas Cânrara, "A Distribuição Múltipla e suas Conseqüências Processuais", in Revista da Procuradoría-Geral da República, vol. VIII, p. 11, também publicado na Revista de Direito da Defensoría Pública (RJ), vol. VIII, p. 196.284

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assim, em razão da demanda do autor, a qual, como visto anteriormente, se identifica por três elementos: partes, causa de pedir e pedido (ou objeto). Estes elementos podem ser alterados ao longo do processo, quando se dá o fenômeno chamado de alteração da demanda.A alteração da demanda pode ser subjetiva (quando ocorre mudança de alguma das partes) ou objetiva (quando se modifica o pedido ou a causa de pedir). Ambas as hipóteses vêm tratadas no art. 264 e seu parágrafo único do Código de Processo Civil.No que se refere às alterações subjetivas, estas - em regra - não podem ser efetuadas. Isto porque, depois de citado o réu, as partes deverão permanecer as mesmas até o fim do processo. Excepciona o art. 264, apenas, as "substituições" permitidas por lei. Cabe, aqui, uma crítica ao Código. A redação do art. 264 fala em "substituição", o que permite uma confusão entre este fenômeno da alteração subjetiva da demanda e a "substituição processual", sendo certo que esta se liga ao conceito de legitimidade extraordinária ad causam. Na verdade, o fenômeno pelo qual uma das partes da demanda se retira da relação processual, para que outra pessoa ocupe seu lugar, é denominado sucessão processual.4 Regula o Código, nos arts. 41 a 43, algumas das hipóteses mais relevantes de sucessão processual, entre as quais se destaca a sucessão em razão da morte de alguma das partes (art. 43). Estas não são, porém, as únicas hipóteses de sucessão processual, podendo-se recordar aqui a sucessão que se opera através da nomeação à autoria, nos casos em que ocorre a chamada "dupla concordância". Relembrando rapidamente o fenômeno, basta dizer que sendo feita a nomeação à autoria pelo réu, e com ela concordando tanto o autor como o nomeado, este ingressa na relação processual como réu, no lugar do demandado original, que se retira do processo. Ocorre, então, sucessão processual.Além das alterações subjetivas da demanda, regula o Código as alterações objetivas, ou seja, a modificação do pedido e da causa de pedir. Neste passo, há que se reconhecer a existência de três fases distintas no processo de conhecimento. Uma primeira, que vai da propositura da ação até a citação do réu, em que é lícito ao autorAfirma o Ministro Athos Gusmão Carneiro que "debaixo do nomen júris de 'substituição das partes', o Código de Processo Civil realmente tratou, nos arts. 41 a 43, do fenômeno da sucessão das partes: o litigante Tício retira-se do processo, e em seu lugar ingressa Caio na relação jurídica processual, como autor ou como réu. A expressão 'substituição das partes' é imprópria, inclusive por dar azo a confusões com o instituto da 'substituição processual'" (Intervenção de Terceiros, p. 39).285

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Alexandre Freitas Câmaramodificar unilateralmente qualquer dos elementos objetivos da demanda. Numa segunda fase, da citação até o saneamento do processo, a alteração objetiva da demanda é possível, desde que com ela concorde o réu. Por fim, após a decisão declaratória de saneamento do processo, nenhuma modificação objetiva da demanda será mais possível (art. 264, parágrafo único), eis que neste momento ocorre o fenômeno conhecido como estabilização da demanda.5

Note-se que a alteração do objeto da demanda pode ser quantitativa ou qualitativa, admitindo-se até a possibilidade de, antes da citação, o autor aditar seu pedido, formulando outro que se some àquele (art. 294 do CPC).6 O que não se admite em nenhuma hipótese é que a alteração do pedido implique mudança do tipo de processo. Em outros termos, não se admite que o demandante que pediu, por exemplo, a condenação do réu a pagar uma quantia em dinheiro, altere seu pedido, para pleitear a execução do crédito. A mudança de pedido não pode ter como conseqüência a mudança de tipo de processo.7 Dentro da mesma espécie de processo, porém, as alterações objetivas da demanda são possíveis, desde que respeitadas as três "fases" anteriormente referidas.

§ 2o- Suspensão do ProcessoTema pouco versado em doutrina, a suspensão do processo tem sido objeto de decisões pouco precisas e tratamento assistemático pelo Judiciário. Trata-se, porém, de tema da maior relevância, tendo em vista as conseqüências práticas que podem advir da inobservância de seus princípios.A suspensão do processo já foi definida por notável jurista como "a paralisação do curso do processo pela ocorrência de motivosSobre as três fases aqui referidas, consulte-se Theodoro Júnior, Curso de Direito Processual Civil, vol. I, p. 323.O art. 294 recebeu sua redação atual da Lei n- 8.718/93. Antes da mudança, era a seguinte a redação do dispositivo: "Quando o autor houver omitido, na petição inicial, pedido que lhe era lícito fazer, só por ação distinta poderá formulá-lo." Verifica-se, pelo cotejo entre a redação vigente e a revogada, que antes da modificação do dispositivo não poderia o demandante aditar o pedido formulado originariamente, a ele fazendo acrescer algo que não tivesse pedido inicialmente. Não parece ter atentado para a mudança de orientação a Desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, Maria Stella Villela Souto Lopes Rodrigues, ABC do Processo Civil, vol. I, São Paulo: RT, 6a ed., 1996, p. 142. Sobre a impossibilidade de conversão de uma espécie de processo em outra, Rogério Lauria Tucci, "Escolha da Via Executiva quando o Caso Era de Escolha da Via de Cognição", in RePro, vol. XXX, pp. 277-278.286

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legalmente previstos".8 Trata-se de uma crise do processo,9 durante a qual nenhum ato processual poderá ser praticado. Atos processuais que eventualmente sejam praticados durante a suspensão do processo devem ser tidos por juridicamente inexistentes.10 Excluem-se desta assertiva os atos urgentes, os quais devem ser praticados mesmo durante a suspensão (art. 266, in fine). Tais atos serão realizados para que se evite dano irreparável a qualquer das partes. Assim, por exemplo, é possível a citação do demandado durante a suspensão do processo para evitar a consumação da prescrição ou da decadência.E preciso ter sempre claro que a suspensão do processo é uma situação provisória e temporária, durante a qual o processo não deixa de existir, ficando apenas em estado latente.11

Há que se distinguir a suspensão própria da suspensão imprópria. Aquela paralisa inteiramente o processo, ficando permitida apenas a prática de atos urgentes. E o que se dá, por exemplo, quando ocorre a suspensão por convenção das partes (art. 265, II). Já na suspensão imprópria não há, verdadeiramente, paralisação do processo. É o que ocorre, por exemplo, na suspensão causada pelo oferecimento de exce-ção de impedimento, suspeição ou incompetência relativa (art. 265, III). Nesta situação, fica paralisado apenas o que é indevidamente chamado "processo principal", e que em verdade é o único a existir, enquanto são praticados os atos pertinentes ao incidente provocado. Os atos processuais praticados para o julgamento da exceção integram aquele único processo, o "principal". O incidente, aqui, não é processo autônomo, mas mero desvio do procedimento principal. Tem-se, assim, uma ilusão de suspensão do processo, quando o que está suspenso é, tão-somente, o procedimento principal, para que se decida o incidente.12

É de se afirmar, ainda, que o Direito brasileiro não distingue a suspensão da interrupção do processo, sendo certo que os casos que8 Leonardo Greco, "Suspensão do Processo", in RePro 80/90.9 Theodoro Júnior, Curso de Direito Processual Civil, vol. I, p. 317.10 No sentido do texto, Tomaghi, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. II, p. 323. Em sentido diverso, entendendo que tais atos são nulos, Greco Filho, Direito Processual Civil Brasileiro, vol. II, p. 65. Sobre o tema, manifestou-se também Leonardo Greco, embora de forma dúbia, falando este jurista tanto em nulidade como em ineficácia (Greco, Suspensão do Processo, p. 102).11 Dinamarco, Execução Civil, vol. I, p. 118.12 Sobre a suspensão imprópria, Dinamarco, Execução Civil, vol. I, pp. 119-120; Enrico Tullio Liebman, Manuale di Diritto Processuale Civile, vol. II, Milão: Giuffrè, reimpressão da 4a ed., 1984, p. 191.287

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Alexandre Freitas Câmaraem outros sistemas levam a esta, no Brasil são, também, causas de suspensão. !3As causas de suspensão do processo, própria ou imprópria, são expressamente previstas em lei, destacando-se, sobre o tema, o art. 265 do Código de Processo Civil. A primeira das hipóteses de suspensão ali previstas é a morte ou perda da capacidade processual de qualquer das partes, de seu representante legal ou de seu advogado. Morrendo qualquer das partes, seu representante legal ou seu advogado, é de se suspender o processo.14 O mesmo se diga quando ocorrer perda de capacidade processual (que, no caso do advogado, pode se dar com a perda da capacidade postulatória, bastando pensar no caso de ter o mesmo tomado posse no cargo de juiz ou promotor de justiça, o que lhe retira a capacidade de postular como advogado).Nos termos do § Ia do art. 265, comprovado o falecimento ou a incapacidade da parte ou de seu representante legal, o juiz deverá declarar suspenso o processo,15 salvo se já tiver sido iniciada a audiência de instrução e julgamento (ou a sessão de julgamento, nos casos em que o processo esteja no tribunal). Nesta hipótese, deverá prosseguir a audiência, com o advogado nela prosseguindo, e a suspensão do pro-cesso só ocorrerá quando da publicação da sentença ou do acórdão.É de se notar que no caso de o óbito da parte ocorrer após o início da audiência, o advogado prossegue no processo até a suspensão, embora a morte do mandante seja causa de extinção do mandato. Al-13 Sobre a interrupção do processo, Liebman, Manuale di Diritto Processuale Civile, vol. II, p. 195. Sobre a absorção da interrupção pela suspensão do processo no direito brasileiro, Dinamarco, Execução Civil, vol. I, p. 122.14 No que concerne à morte da parte, há casos em que este fato leva não à suspensão, mas à extinção do processo (art. 267, IX, CPC).15 Fala a lei que, comprovado o óbito ou a incapacidade, o juiz suspenderá o processo. Em verdade, porém, a suspensão se dá desde a morte (ou desde a perda da capacidade), e o provimento jurisdicional terá natureza meramente declaratória, produzindo seus efeitos retroativamente (ex tunc). No sentido do que aqui se defende, por todos, Tornaghi, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. II, p. 313. Contra, entendendo que a suspensão se dá apenas a partir do momento em que o juiz toma ciência do fato que acarrete a suspensão, Amaral Santos, Primeiras Linhas de Direito Processual Civil, vol. II, p. 99. Posição que merece referência é a de Leonardo Greco, para quem o momento da suspensão deve ser aferido de acordo com a fase em que se encontra o processo, verificando-se se a morte ou perda da capacidade processual se deu num instante em que caberia à parte a prática de algum ato ou o exercício de alguma prerrogativa, caso em que a suspensão é imediata, ou se nada tinha a parte a fazer naquele momento, caso em que a suspensão só ocorrerá quando o processo chegar num ponto em que a atuação da parte se faça possível (ou mesmo necessária). Assim, Greco, Suspensão do Processo, pp. 91-92.288

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guns autores, por esta razão, afirmam que o advogado, nestes casos, converte-se em gestor de negócios,15

o que não parece adequado, uma vez que a gestão de negócios é figura de direito privado, sendo certo que o advogado não poderá praticar atos pelos sucessores da parte em relações jurídicas de direito material. Parece, pois, estar com a razão a parcela da doutrina que vê o advogado, na hipótese, como curador especial, ou seja, como alguém que - por força de lei - estará em juízo na defesa de interesses alheios, como se dá, por exemplo, com o curador especial do réu revel citado por edital (art. 9a, II, do CPC).17

A suspensão do processo em razão da morte ou incapacidade da parte ou de seu representante legal não está sujeita a qualquer limite de tempo, somente cessando a suspensão com a habilitação dos sucessores do falecido, ou com a designação de quem o represente.Discute-se se a hipótese aqui prevista é aplicável às pessoas jurídicas, ou seja, se o processo deve ser suspenso quando ocorrer a extinção da personalidade jurídica de alguma das partes do processo. Frise-se que a morte ou perda da capacidade processual do representante legal da pessoa jurídica não acarreta a suspensão do processo, visto que este é apenas um órgão daquela, e sua posição será ocupada por outrem, sem que haja solução de continuidade.Alguns autores afirmam ser a norma aqui comentada ampla ao ponto de incidir também sobre os casos de extinção da personalidade jurídica,18 o que não se afigura, data venia, correto. A extinção da pessoa jurídica não faz com que desapareça a possibilidade de tutela dos seus interesses ainda pendentes de solução por via judicial (ao contrário da pessoa natural, que com a morte ou perda da capacidade se acha privada da capacidade de compreensão), havendo alguém que represente tais interesses (como o liquidante). Por esta razão, parece melhor entender que a extinção da personalidade jurídica não acarreta a suspensão do processo.19

Na hipótese de morte ou perda da capacidade do advogado, a suspensão do processo é imediata, ainda que já se tenha iniciado a audiência de instrução e julgamento (ou a sessão de julgamento no tribunal). E preciso, porém, deixar consignado que a suspensão do processo por16 Assim, Tornaghi, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. II, p. 316.17 Trata o caso como sendo de curadoria especial Greco, Suspensão do Processo, p. 93.18 Moniz de Aragão, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. II, p. 497.19 Neste sentido, Greco, Suspensão do Processo, p. 93; Theodoro Júnior, Curso de Direito Processual Civil, vol. I, p. 327.289

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Alexandre Freitas Câmaramorte ou perda da capacidade do advogado só ocorre quando o fato tiver ocorrido com o único advogado constituído pela parte no processo. Havendo mais de um advogado constituído, o processo não se suspende, devendo prosseguir de imediato, com o outro procurador constituído. 20Suspenso o processo pela morte ou perda da capacidade processual do advogado, a parte terá um prazo de vinte dias para constituir novo procurador. Findo este prazo sem que tenha ingressado nos autos o novo advogado, deverá o processo ser extinto, sem resolução do mérito da causa, se foi o autor que deixou de nomear advogado, ou prosseguirá o feito à revelia do réu, se foi este quem deixou transcorrer aquele prazo (art. 265, § 2°).A segunda causa, prevista no art. 265, de suspensão do processo, é a convenção das partes. Trata-se da suspensão convencional do processo, que nunca poderá exceder o prazo de seis meses, sucessivos ou não.21 Findo o prazo previsto pelas partes para a suspensão, ou decorridos os seis meses tidos pela lei como limite máximo para a suspensão, deverá o escrivão remeter os autos ao juiz, que determinará o prosseguimento do feito (isto porque, como visto anteriormente, o processo civil se desenvolve por impulso oficial). A suspensão convencional do processo se liga, diretamente, ao princípio dispositivo, o qual é responsável por permitir às partes a livre disposição de seus interesses submetidos ao crivo do Judiciário. Assim é que podem as partes suspender o processo a fim de buscar uma composição amigável de seus interesses. Tal suspensão, porém, deve ficar limitada no tempo, como faz o CPC, sob pena de se ter uma possibilidade de as partes provocarem, por sua atividade, uma duração excessiva do processo, que - como visto - não deixa de existir durante a suspensão.Terceira causa de suspensão prevista no art. 265 do CPC é o oferecimento de exceção de impedimento ou suspeição do juiz, ou de incompetência relativa do juízo. Esta é uma hipótese de suspensão imprópria do processo, como visto, sendo de se afirmar, assim, que o procedimento principal é que permanecerá suspenso, aguardando a decisão do incidente (o qual tramitará na forma prevista nos arts. 304 a 314 do CPC, conforme determina o art. 265, § 4a). E de se afirmar que esta hipótese de suspensão se justifica pelo fato de se buscar, com isto,20 Moniz de Aragão, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. II, p. 501.21 Moniz de Aragão, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. II, p. 505.290

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Lições de Direito Processual Civilevitar o risco de se ter decisões proferidas por juiz parcial, ou por juízo incompetente. Por esta razão, determina a lei a paralisação do procedimento principal, até que se resolva o incidente.Logo a seguir, no art. 265, IV, a, dispõe o CPC no sentido de se suspender o processo "quando a sentença de mérito depender do julgamento de outra causa, ou da declaração da existência ou inexistência de relação jurídica, que constitua o objeto principal de outro processo pendente". Trata-se de caso de suspensão prejudicial do processo, em que este é paralisado para que se aguarde a decisão de questão prejudicial externa (também chamada exógena), ou seja, questão prejudicial a ser apreciada em processo diverso daquele em que se examina a questão prejudicada.22 Basta pensar, por exemplo, num processo instaurado pela propositura de "ação de alimentos", em que o autor tenha alegado ser filho do demandado. O réu, por sua vez, impugna esta afirmação, negando a qualidade de pai, e informando ao juiz que se encontra em curso outro processo, instaurado quando propôs, em face deste que agora o demanda, "ação negatória de paternidade". A questão da paternidade é, obviamente, prejudicial à dos alimentos, devendo por esta razão ser apreciada previamente. Ocorre que tal questão constitui o objeto de outro processo pendente ("objeto principal", como diz a lei, mas que nada mais é do que o objeto do processo, o mérito da causa, o Streitgegenstand dos alemães). Deverá, pois, o processo onde se aprecia a questão prejudicada ser suspenso, até que se decida a questão prejudicial.E importante observar que o processo só será suspenso se o outro, aquele onde se apreciará a questão prejudicial, iniciou-se antes dele.23 Tal assertiva tem por fim evitar que uma das partes, interessada na demora excessiva do processo, dê causa à suspensão através do ajui-zamento de outra demanda, na qual deduza um pedido que se revele prejudicial à questão objeto do processo já em curso. Refira-se, ainda, que a suspensão ocorrerá, na hipótese do art. 265, IV, a, tanto nos casos de prejudicial homogênea como nos casos de prejudicial heterogênea, sendo possível, portanto, suspender-se um processo civil para aguardar o julgamento de um processo penal.22 Sobre os conceitos de questão prejudicial e questão prejudicada, remete-se o leitor para o capítulo anterior deste livro, onde abordamos o objeto da cognição judicial.23 Greco, Suspensão do Processo, p. 99.291

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Alexandre Freitas CâmaraO art. 265, IV, b, do Código de Processo Civil prevê a suspensão do processo "quando a sentença de mérito não puder ser proferida senão depois de verificado determinado fato, ou de produzida certa prova, requisitada a outro juízo". Trata-se de processo em que se expediu carta (precatória, rogatória ou de ordem), o que determina a suspensão imprópria do mesmo, enquanto se aguarda o retorno da carta, essencial para que se possa prolatar a sentença de mérito. Tal dispositivo deve, porém, para ser exatamente compreendido, ser conjugado com o art. 338 do CPC, segundo o qual o processo só se suspende se a carta precatória ou rogatória tiver sido requerida antes do saneamento do processo.24 Este último dispositivo é de interpretação difícil. Isto porque a lei determina que a carta só terá o efeito de suspender o processo se requerida antes do saneamento do processo, o que parece ter como conseqüência uma distinção feita em relação à indispensabilidade da prova. Parece que o legislador considerou a prova por carta requerida antes do saneamento do processo "mais indispensável" do que a requerida depois.25

Como a prova deferida é de se reputar indispensável qualquer que tenha sido o momento da prolação do provimento que determine sua produção, só se pode considerar que o efeito suspensivo será negado quando a causa da expedição da carta for conhecida antes do saneamento do processo e, mesmo assim, a parte não se apressar em requerer sua expedição. Assim, por exemplo, se a parte já sabia desde o início do processo que precisaria da oitiva de uma testemunha residente em outra comarca, e ainda assim não requereu desde logo a expedição da carta precatória, o requerimento posterior ao saneamento não dará à carta efeito suspensivo. Requerida antes do saneamento, porém, o efeito se produzirá. Há que se considerar, porém, que o motivo da expedição pode ser superveniente ao saneamento. Basta pensar na testemunha que se mudou para outra comarca depois de saneado o processo. Não requereu a parte que se expedisse precatória antes da decisão de saneamento pelo simples fato de não ser a mesma, àquela altura, necessária. Não parece lógico retirar o efeito suspensivo da24 O art. 338 do CPC tem uma redação curiosa. Trata-se do único dispositivo do Código a utilizar a terminologia "despacho saneador", tradicional no Direito luso-brasileiro, mas que se revela tecnicamente inadequada, pois não se trata de verdadeiro despacho, mas de decisão interlocutória.25 A mesma afirmativa é encontrada em Pontes de Miranda, Comentários ao Código de Processo Civil, tomo IV, p. 293.292

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Lições de Direito Processual Civilcarta nesta hipótese, sob pena de se exigir que a parte atue com diligência superior à que se exige de uma pessoa normal. De outra forma, estar-se-ia exigindo da parte que requeresse a expedição de cartas antes do saneamento pelo simples temor de que alguma das testemunhas viesse a se mudar, indo residir em outra cidade, o que não parece se constituir em exigência razoável.26

Há que se dizer, porém, que a rigor não deve ser suspenso o processo pela expedição de carta. A prática dos atos que independam do resultado da carta deve ser admitida, sob pena de se dilatar excessivamente o processo. Assim, por exemplo, se foi expedida precatória para oitiva de testemunha, nada impede que outras testemunhas, que residam na comarca onde se desenvolve o processo, sejam ouvidas, ou que uma prova pericial seja produzida. Apenas os atos que dependam do resultado da diligência (como a prolação da sentença de mérito, por exemplo) requisitada a outro juízo é que ficarão na dependência do retorno da carta.27

A regra contida no art. 265, IV, c, do CPC é de interpretação das mais difíceis e controvertidas de todo o Código. Dispõe a referida alínea que o processo se suspende "quando a sentença de mérito tiver por pressuposto o julgamento de questão de estado, requerido como declaração incidente". Estamos, aqui, diante de outra espécie de suspensão prejudicial do processo, eis que a hipótese revela um caso em que a sentença de mérito depende, para ser proferida, do resultado da apreciação de outra questão, que se revela como seu antecedente lógico e necessário. A divergência doutrinária incidente sobre o ponto está em se fixar se a hipótese é de prejudicial interna ou externa.28

26 Pontes de Miranda, Comentários ao Código de Processo Civil, tomo IV, p. 294.27 Greco, Suspensão do Processo, p. 101.28 Afirmando que o dispositivo determina a suspensão do processo quando surgir uma prejudicial interna, encontram-se, entre outros, Moniz de Aragão, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. II, p. 513; Tornaghi, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. II, p. 320. Contra, entendendo tratar-se de regra referente à prejudicial externa, Frederico Marques, Manual de Direito Processual Civil, vol. III, p. 86; Greco Filho, Direito Processual Civil Brasileiro, vol. II, p. 68; Greco, Suspensão do Processo, p. 101. É de se referir a posição de notável jurista gaúcho, para quem o dispositivo determina a suspensão tanto nos casos de prejudicial externa como nos de prejudicial interna. Assim, Adroaldo Furtado Fabrício, A Ação Declaratória Incidental, Rio de Janeiro: Forense, 1976, p. 182. A intensa divergência sobre o tema, aliada à quase inexistente na prática "ação declaratória incidental", nos leva, antes de verificar o acerto de qualquer das posições apresentadas, a concordar com este último jurista citado, quando afirma que a revogação deste dispositivo "certamente não deixaria saudades" (Furtado Fabrício, A Ação Declaratória Incidental, p. 192).293

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Alexandre Freitas CâmaraParece-nos irrespondível a tese defendida por Frederico Marques, e que se revela como a dominante no atual cenário doutrinário pátrio. A norma contida no art. 265, IV, c é aplicável exclusivamente à pre-judicial externa. Isto porque a prejudicial interna teria que ser apreciada obrigatoriamente pelo juízo mesmo que não tivesse havido o pedido de declaração incidente. Este, como se sabe, tem como finalidade única fazer com que o juiz, que normalmente aprecia a questão prejudicial apenas incidenter tantum, o faça principaliter, para que, em decidindo a questão (e não apenas dela conhecendo, como ordinariamente ocorre), tal decisão seja alcançada pela autoridade de coisa julgada. A apreciação da questão prejudicial interna, portanto, ocorreria de qualquer forma, não se justificando a paralisação da "causa principal" para que se examine a prejudicial. O mesmo não se dá quando a hipótese é de prejudicialidade externa, na medida em que neste caso a cognição (e decisão, já que a lei exige o pedido de declaração incidente para que haja suspensão do processo) da questão prejudicial será exercida por juiz diverso daquele que deverá conhecer e decidir a questão prejudicada. É razoável, pois, que neste caso se determine a suspensão do processo condicionado, ou seja, do processo onde se deve julgar a questão prejudicada, para que se aguarde a decisão da questão condicionante (isto é, da questão prejudicial).Verifica-se, assim, que diferem as alíneas a e c deste art. 265, IV do CPC por versar a primeira sobre questão prejudicial externa que constitui o objeto de outro processo pendente, enquanto a última se refere a uma questão prejudicial (em relação ao processo que se vai suspender) que, no outro processo pendente é, também, prejudicial. Trata-se, pois, nesta última hipótese, de uma verdadeira "dupla prejudicialidade".29

Há que se dizer, por fim, que o CPC estabelece, no art. 265, § 5a, uma limitação temporal para a suspensão do processo por qualquer das hipóteses previstas no inciso IV do mesmo artigo. Tal suspensão, assim, não poderá exceder de um ano, após o que deverá o processo voltar a tramitar normalmente.Nos termos do art. 265, V, do Código de Processo Civil, suspende-se o processo "por motivo de força maior". Este pode ser definido como o motivo insuperável, alheio à vontade da parte, que impede a prática de atos processuais.30 Exemplos de eventos de força maior são as29 Greco, Suspensão do Processo, p. 101.30 Alguns autores, ao definir a força maior, exigem que o evento, além de insuperável, seja também imprevisível. Assim, porém, não nos parece. Os modernos meios de previsão294

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Lições de Direito Processual Civiltempestades, nevascas e outros fenômenos naturais (ou até mesmo causados por ato humano, como um incêndio provocado criminosamente nas dependências do fórum). Todos esses eventos suspendem o processo até que cessem, e com isso o processo voltará a tramitar normalmente.Por fim, no inciso VI do art. 265, prevê o CPC uma regra geral, verdadeira porta aberta capaz de permitir o ingresso, no sistema processual, de outras causas de suspensão do processo. Entre estas outras hipóteses de suspensão, previstas em outros dispositivos do Código, podemos citar, à guisa de exemplo, as disposições contidas nos arts. 13, 60, 64 e 394 (estes dois últimos revelando hipóteses de suspensão imprópria), além de muitos outros.

§ 3^ Extinção do ProcessoRegula o CPC, nos arts. 267 a 269, os casos de extinção do processo de conhecimento, os quais foram divididos em dois grupos: os de "extinção do processo sem julgamento do mérito" (art. 267) e os de "extinção do processo com julgamento do mérito" (art. 269). Em outros termos, prevê o Código algumas hipóteses em que o juiz deverá proferir sentença que não se revele capaz de definir o objeto do processo (art. 267), e outras em que a sentença a ser proferida dará uma definição ao mérito da causa, resolvendo-o. Não nos parece adequado, porém, falar-se em extinção do processo "com ou sem julgamento do mérito". Isto porque há casos de extinção "com julgamento do mérito" em que este, na verdade, não é julgado. E o que se dá nos casos previstos nos incisos II, III e V do art. 269.31 Por esta razão, parece-nos preferível falar-se não em extinção com e sem "julgamento" do mérito, mas em extinção com e sem resolução do mérito.32 Tal terminologia se justifica na medida em que, tanto nos casos em que o juiz efetivamente julgue o mérito (art. 269, I e IV), como nos casos em que a composição dos interesses se dê por ato da parte sujeito a homologação judicial (art.meteorológica, por exemplo, permitem prever, com razoável margem de acerto, eventos como furacões, nevascas e tempestades. Apesar da previsibilidade desses eventos, continuam os mesmos irresistíveis, como nos diz a experiência comum. Tais eventos devem ser considerados de força maior e, por esta razão, suspendem o processo.31 Adroaldo Furtado Fabrício, '"Extinção do Processo' e Mérito da Causa", in Saneamento do Processo - Estudos em Homenagem ao Proí. Galeno Lacerda, Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1989, p. 21.32 Terminologia sugerida por Furtado Fabrício, '"Extinção do Processo' e Mérito da Causa", p. 20.295

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Alexandre Freitas Câmara269, II, III e V), o objeto do processo terá sido resolvido definitivamente. E de se notar, aliás, que a doutrina, ainda quando não empregue a terminologia aqui adotada, afirma que nos casos previstos no art. 269, II, III e V, o que ocorre é uma equiparação do ato judicial a uma verdadeira sentença de mérito.33

O certo é que, qualquer que seja a terminologia empregada, sendo proferida sentença com base em qualquer das hipóteses previstas no art. 267, poderá o autor repetir a demanda, ajuizando-a novamente.34

Já nos casos previstos no art. 269, em que a sentença é capaz de resolver definitivamente o objeto do processo, a autoridade de coisa julgada que recairá sobre o provimento jurisdicional impedirá novo ajuizamento da mesma demanda. Se esta for novamente proposta, porém, deverá o novo processo ser extinto, sem resolução do mérito, nos termos do art. 267, V.Passa-se, agora, à análise das diversas hipóteses de extinção do processo de conhecimento, previstas nos arts. 267 e 269 do CPC. Inicia-se este estudo, naturalmente, pelos casos de extinção do processo sem resolução do mérito.A primeira hipótese de extinção do processo sem resolução do mérito se dá quando o juiz indefere a petição inicial. Esta, como sabido, é o instrumento através do qual o autor ajuíza sua demanda. Sendo a demanda, como já afirmado quando do estudo dos pressupostos processuais, um ato jurídico solene, a ausência de qualquer de seus requisitos formais levará à extinção do processo sem resolução do mérito, o que se fará através do indeferimento da petição inicial. As hipóteses de indeferimento da inicial encontram-se arroladas no art. 295 do Código de Processo Civil. Há um ponto, porém, a considerar. É que entre as causas de indeferimento da petição inicial existe um, previsto no art. 295, IV (prescrição e decadência) que levará à extinção do processo com resolução do mérito (art. 269, IV).35 Nas demais hipó-33 José Carlos Barbosa Moreira, "Aspectos da 'Extinção do Processo' conforme o Art. 329 CPC", in Saneamento do Processo - Estudos em Homenagem ao Prof. Galeno Lacerda, pp. 261-262.34 É certo que, nos termos do art. 268 do CPC, a demanda poderá ser novamente ajuizada, salvo na hipótese prevista no inciso V do art. 267. Parece-nos, porém, que mesmo nestes casos não há como se impedir a nova propositura da ação. O que ocorrerá é que, sendo novamente ajuizada a demanda, nas hipóteses ali previstas, o novo processo que se instaure será, fatalmente, extinto também sem que haja resolução do mérito, o que não se dá nas outras hipóteses.35 Barbosa Moreira, "Aspectos da 'Extinção do Processo' conforme o Art. 329 CPC", ob. cit., p. 263.296

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Lições de Direito Processual Civilteses (de que é exemplo a inépcia da petição inicial), a extinção do processo se dará sem resolução do mérito, exatamente como dispõe o inciso I do art. 267.Os incisos II e III do art. 267 tratam de hipóteses bastante semelhantes, as quais podem ser reunidas sob a denominação genérica abandono do processo. No primeiro destes dispositivos temos o abandono bilateral, em que o feito permanece parado por mais de um ano, por negligência de ambas as partes. Trata-se de hipótese em que o processo, para se desenvolver, dependa da prática de ato processual por ambas as partes, permanecendo ambas inertes. Afirme-se, porém, desde logo, que a hipótese é absolutamente excepcional, uma vez que - como visto anteriormente - instaurado o processo este se de-senvolve por impulso oficial. Ocorrendo, porém, o abandono bilateral, deverá o juiz extinguir o processo sem resolução do mérito. Anote-se, porém, que antes de proferir a sentença, deverá o juiz determinar a intimação pessoal das partes, para que se dê andamento ao processo em quarenta e oito horas (art. 267, § Ia). Apenas após esta providência, e decorrido o prazo sem que qualquer das partes tenha dado seguimento ao processo, é que este poderá ser extinto. Note-se que a lei exige aqui intimação pessoal das partes, não se podendo substituir esta por intimação ao advogado das mesmas. Isto porque pode ser o advogado o responsável pela paralisação do processo, sem que seu cliente tenha conhecimento do fato. Neste caso, de nada adiantaria intimar o advogado, pois o processo permaneceria abandonado. A intimação pessoal, portanto, é requisito essencial para que se possa prolatar sentença pela causa aqui referida.Já no inciso III do mesmo art. 267 tem-se a hipótese de abandono unilateral do processo. Nesta situação o processo é extinto sem resolução do mérito por permanecer parado mais de trinta dias por negligência do autor, que não realizou nenhuma diligência que lhe competia. Difere esta hipótese da anterior, portanto, porque nesta a desídia é exclusivamente do demandante, enquanto na anterior a negligência era de ambas as partes. Aplica-se a esta hipótese tudo quanto se disse na análise do inciso II quanto à necessidade de intimação pessoal (agora, obviamente, apenas do autor) para dar andamento ao processo em quarenta e oito horas, sob pena de - feita a intimação e decorrido in albis o prazo - extinguir-se o processo sem resolução do objeto do processo.Diverge a doutrina, quanto a esta causa de extinção, quanto a poder ou não o juiz, de ofício, determinar a intimação do autor e, decor-297

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Alexandre Freitas Câmararidas as quarenta e oito horas após a intimação, extinguir o processo. Alguns autores entendem que tal atuação ex officio do juiz é absolutamente possível,36 enquanto outros subordinam a extinção do processo por este fundamento à provocação do réu.37 A nosso sentir, há que se distinguir duas situações. A primeira, quando o abandono unilateral do processo se dá antes da intervenção do réu no processo, o que ocorre com o oferecimento de resposta. Neste caso, nada impede que o juiz ponha termo ao processo de ofício, observando as prescrições legais. Já no caso de o abandono ser posterior ao oferecimento da res-posta do réu, a solução é outra. Neste caso, o juiz só poderá extinguir o processo em razão do abandono unilateral se o réu o requerer. Tal requerimento é exigido como meio de se impedir a "desistência indireta da ação". Como veremos adiante, após o oferecimento da resposta do réu, a desistência da ação manifestada pelo autor só levará à extinção do processo se o réu com ela concordar. Imagine-se um caso em que o autor, após manifestar a desistência da ação e ver o réu discordar da mesma, abandone o processo por mais de trinta dias. Se entendêssemos possível a extinção do processo ex officio, o demandante conseguiria, por via indireta, aquilo que o ordenamento lhe negara por via direta: a extinção do processo em razão da desistência. Para evitar esta desistência por via oblíqua é que nos parece exigível o requerimento do réu para que se possa extinguir o processo sem resolução do mérito em razão do abandono unilateral.O inciso IV do art. 267 prevê hipótese já apreciada nesta obra, qual seja, a extinção do processo sem resolução do mérito pela ausência de algum dos pressupostos processuais. É preciso frisar, porém, que o presente dispositivo se aplica tão-somente aos pressupostos processuais subjetivos, ou seja, aos ligados aos sujeitos do processo. A irregularidade formal da demanda, que corresponde à ausência do pressuposto objetivo, leva à extinção do processo sem resolução do mérito através do indeferimento da petição inicial, aplicando-se, assim, o disposto no inciso I deste mesmo art. 267.No que se refere aos pressupostos subjetivos, há ainda que se afirmar que a ausência de capacidade processual não deve levar o juiz a prolatar, de imediato, sentença que ponha termo ao processo sem reso-lução do objeto do processo. Isto porque deve se diferenciar as conse-36 Por todos, Barbosa Moreira, "Aspectos da 'Extinção do Processo' conforme o Art. 329 CPC", ob. cit., p. 269.37 Frederico Marques, Manual de Direito Processual Civil, vol. II, p. 18.298

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TLições de Direito Processual Civilqüências do comparecimento do autor sem capacidade e do réu sem o mesmo atributo. Comparecendo o demandado sem preencher todos os requisitos necessários à presença da capacidade processual (por exemplo, o réu é relativamente incapaz e vem a juízo sem estar assistido por seus pais, ou é civilmente capaz mas comparece desacompanhado de advogado), deverá o juiz fixar prazo para que seja sanado o vício (art. 13 do CPC). Sanado o vício, prossegue normalmente o processo. Decorrido o prazo sem que o réu saneie o vício de capacidade, deverá ser considerado revel, já que este seu comparecimento é processualmente ineficaz, o que significa dizer que, para o processo, tudo se passará como se o réu não tivesse se manifestado.Já no caso de ausência de capacidade processual do demandante, também deverá o juiz fixar prazo para que seja sanado o vício. Decorrido este sem que seja suprida a incapacidade, aí sim deverá o processo ser extinto sem resolução do mérito.Determina o art. 267, V, a extinção do processo sem resolução do mérito nas hipóteses de perempção, litispendência ou coisa julgada. A primeira destas se dá quando o autor dá causa, por três vezes, à extinção do processo por abandono unilateral (art. 268, parágrafo único, c/c art. 267, III). Nesta hipótese, em sendo proposta a mesma demanda pela quarta vez, deverá este quarto processo ser extinto sem resolução do mérito. É de se notar que o único caso em que há um limite de vezes em que se pode provocar a extinção do processo é este. Queremos dizer, com isto, que em sendo extinto o processo por outra das razões previstas neste art. 267 (ou em qualquer outra norma), poderá o autor ajuizar novamente a demanda, sem que haja um número máximo de vezes em que isto se possa repetir. Assim, por exemplo, o autor poderá dar causa à extinção do processo por desistência da ação quantas vezes quiser, sem que isto o impeça de, novamente, ajuizar a mesma demanda. Só ocorre perempção quando a extinção do processo se dá, por três vezes, por abandono unilateral do processo.Além disso, há que se afirmar que a perempção impede o regular exercício do poder de demandar, mas não extingue o direito material da parte, que poderá, assim, exercê-lo em defesa. Exemplifique-se: um Fulano propõe "ação de cobrança" em face de um Beltrano, pleiteando a condenação do réu ao pagamento de uma quantia em dinheiro que este lhe deve. O processo é extinto, sem resolução do mérito, por abandono unilateral. Este fato se repete por três vezes, dando azo à perempção. Com isto, o Fulano fica impedido de ajuizar novamente a mesma demanda em face do Beltrano, pois se o fizer verá o novo299

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Alexandre Freitas Câmaraprocesso ser extinto sem resolução do mérito. Pode ocorrer, porém, de o Beltrano demandar o Fulano, pleiteando a condenação deste ao pagamento de quantia em dinheiro. Neste caso, nada impede que o Fulano alegue em defesa aquele seu direito de crédito, pleiteando assim a compensação entre as duas obrigações.Outra hipótese de extinção prevista neste art. 267, V, é a litispendencia. Nos termos do art. 301, § 32, do CPC ocorre a litispendencia quando "se repete ação, que está em curso". Em outros termos, dispõe o Código no sentido de ocorrer litispendencia quando se ajuiza demanda idêntica a outra (mesmas partes, mesma causa de pedir e mesmo objeto), quando o processo instaurado em razão da primeira demanda ainda se encontra em curso. Na verdade, a litispendencia (de lide pendente) se dá pela existência do primeiro processo, ou seja, pelo ajuizamento da primeira demanda. O fato de se ajuizar demanda idêntica não gera litispendencia. Em verdade, a litispendencia previamente existente impede a propositura de demanda idêntica, e em sendo tal demanda ajuizada, deverá o novo processo ser extinto sem resolução do mérito.38

Repita-se, ainda, o que foi dito anteriormente quanto ao momento em que se induz a litispendencia. O art. 219 é expresso em afirmar que é a citação válida que induz litispendencia, mas nos termos do art. 263, a contrario sensu, tal efeito se produz para o demandante desde o momento da propositura da ação. Assim é que, ajuizada a demanda, não poderá o autor oferecer outras idênticas à primeira, mesmo antes da citação, pois todos os processos instaurados depois daquele primeiro deverão ser extintos sem resolução do mérito. Com isto se poderá evitar os males da "distribuição múltipla", fenômeno infelizmente muito comum na prática, consistente no ajuizamento de diversas demandas idênticas, com o fim de se escolher o juízo onde tramitará o processo. Opta o demandante pelo juízo que lhe seja mais favorável, desistindo das demais ações.39

Por fim, determina o art. 267, V, a extinção do processo, sem resolução do mérito, se houver coisa julgada que impeça a análise da demanda. Não é este o momento adequado para se examinar o intrincado38 Sobre o que vai exposto no texto, por todos, Rogério Lauria Tucci, Do Julgamento conforme o Estado do Processo, São Paulo: Saraiva, 3s ed., 1988, p. 187.39 Sobre o tema, e inclusive com propostas de solução para o mesmo, Resinente dos Santos e Freitas Câmara, A Distribuição Múltipla e suas Conseqüências Processuais, passim.300

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Lições de Direito Processual Civiltema da coisa julgada, um dos mais relevantes de toda a ciência processual. Por ora, basta se ter em mente que esta regra tem finalidade assemelhada à que determina a extinção do processo em razão da litispendência. Isto porque, também aqui, o que se pretende é evitar o julgamento de demanda que não seja inédita. Ao contrário da litispendência, porém, em que o processo a ser extinto se instaura em razão de demanda idêntica a outra geradora de processo ainda em curso, na hipótese ora em análise a demanda é idêntica a outra já definitivamente julgada, em processo anterior que foi extinto com resolução do mérito (art. 301, § 3a, segunda parte). Nesta hipótese, em que a demanda tenha dado causa à instauração de processo cujo objeto foi resolvido por sentença que conteve resolução do mérito, tendo se esgotado os recursos (com o que se pode afirmar que este processo estará definitivamente encerrado, formando-se, assim, a coisa julgada), não se poderá ajuizar novamente aquela mesma demanda, pois se isto for feito o novo processo terá de ser extinto sem resolução do mérito.O art. 267, VI, trata de hipótese já apreciada nesta obra, qual seja, a extinção do processo sem resolução do mérito por ausência de "condição da ação". Trata-se do dispositivo que fez o Código de Processo Civil adotar a teoria eclética da ação, defendida pela maior parte da doutrina brasileira, segundo a qual as "condições da ação" seriam um elemento anterior ao mérito da causa, cuja resolução dependeria da presença de todas elas (as quais, segundo o próprio Código, no dispositivo aqui referido, seriam a possibilidade jurídica da demanda, o interesse processual ou interesse de agir e a legitimidade das partes).Já tendo sido examinadas, em passagem anterior deste livro, as "condições da ação", bem assim as diversas teorias sobre o poder de ação, não há necessidade de repetir aqui tudo o que já se viu. Basta, nesta passagem, lembrar que, embora dominante, não é unânime a teoria segundo a qual a ausência de qualquer destas três "condições da ação" tradicionalmente reconhecidas leve à extinção do processo sem resolução do mérito.40

40 Assim é que, por exemplo, alguns autores consideram que todas as "condições da ação" integram, em verdade, o mérito da causa (neste sentido, por todos, Calmon de Passos, "Em Torno das Condições da Ação - A Possibilidade Jurídica", in Revista de Direito Processual Civil, vol. IV, p. 57).301

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Alexandre Freitas CâmaraNos termos do inciso VII do art. 267, com a redação que lhe deu a Lei na 9.307/96 (Lei de Arbitragem), extingue-se o processo, sem resolução do mérito, pela convenção de arbitragem. Denomina-se convenção de arbitragem a um gênero que comporta duas espécies: a cláusula compromissória e o compromisso arbitrai.41 Define-se a cláusula compromissória como "a convenção através da qual as partes em um contrato comprometem-se a submeter a arbitragem os litígios que possam vir a surgir, relativamente a tal contrato" (art. 4° da Lei de Arbitragem). Trata-se, em verdade, de um contrato preliminar, verdadeiro contrato-promessa, que pode ser visto como uma "promessa de compromisso arbitrai".42

Já o compromisso arbitrai pode ser definido como "a convenção através da qual as partes submetem um litígio à arbitragem de uma ou mais pessoas, podendo ser judicial ou extrajudicial" (art. 9° da Lei de Arbitragem).Há que se fazer, aqui, algumas observações. A vigente sistemática da arbitragem no Brasil equipara os efeitos da cláusula compromissória e do compromisso arbitrai, dando a ambas as espécies de convenção de arbitragem eficácia suficiente para provocar a instauração do processo arbitrai. Assim, ajuizada demanda que tenha por objeto questão que deva ser submetida à arbitragem, por terem as partes voluntariamente celebrado uma convenção de arbitragem, deverá o processo ser extinto sem resolução do mérito, eis que o conflito de interesses existente só poderá ser legitimamente resolvido pelo árbitro. É preciso afirmar, porém, que o juiz só poderá conhecer da convenção de arbitragem se a parte interessada alegar (art. 301, § 4°, CPC). Assim sendo, proposta a ação, e deixando o réu de, na contestação, alegar a existência de convenção de arbitragem, ter-se-á esta por renunciada, podendo o processo desenvolver-se regularmente.43

Outra questão a ser considerada neste momento é a da existência de uma hipótese em que a celebração de compromisso arbitrai não leva o juiz a extinguir o processo sem resolução do mérito. Trata-se da hipótese de "ação de substituição de compromisso arbitrai" (art. 7a da Lei de Arbitragem). Neste caso, em que a parte vai a juízo pleiteando a prolação de sentença que produza os mesmos efeitos de um41 Para maiores considerações sobre o tema, Freitas Câmara, Arbitragem, pp. 21 e seguintes.42 Freitas Câmara, Arbitragem, p. 23.43 Freitas Câmara, Arbitragem, p. 32, com farta indicação bibliográfica sobre o ponto.302

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Lições de Direito Processual Civilcompromisso arbitrai que deveria ter sido celebrado, mas não o foi em razão da recusa do demandado, a celebração do compromisso em juízo levará o juiz a extinguir o processo com resolução do mérito, em razão da autocomposição do conflito.44

É de se afirmar, por fim, que a atual redação do dispositivo ora em análise é responsável por, pela primeira vez, dar à cláusula compro-missória a eficácia de gerar a extinção do processo, uma vez que, antes da edição da Lei de Arbitragem, apenas o compromisso arbitrai era apto a produzir este efeito. No sistema anterior, já revogado, a existência de cláusula compromissória não gerava a extinção do processo, mas apenas a obrigação, para aquele que tivesse proposto a ação, de indenizar a parte contrária por perdas e danos, em razão do des-cumprimento da cláusula.Logo a seguir, determina o CPC, em seu art. 267, VIII, a extinção do processo sem resolução do mérito quando o autor desistir da ação. A desistência da ação pode ser definida como "a abdicação expressa da posição processual, alcançada pelo autor, após o ajuizamento da ação".45 Como já se afirmou, o poder de ação não se esgota quando do exercício da demanda, se revelando, na verdade, toda vez que a parte ocupa alguma posição jurídica ativa no processo. Pode ocorrer, no entanto, que o demandante, no curso do processo, abra mão de ocupar as posições ativas que ainda estavam por vir, abdicando da continuação do desenvolvimento do processo já instaurado. Ao fazer isto, estará o demandante desistindo da ação, o que deve levar o juiz à prolação de sentença, extinguindo-se o processo sem resolução do mérito. A desistência da ação, dentro da classificação dos atos processuais por nós apresentada, é de ser considerada um ato processual dispositivo da parte.É de se notar que, ao contrário do que se dá com os atos processuais das partes em geral, a desistência da ação não produz efeitos desde logo, fazendo-se essencial para que tais efeitos se produzam a homologa-ção da mesma por sentença, conforme dispõe o art. 158, parágrafo único, do CPC. Além disso, no que concerne à desistência da ação, não se pode deixar de frisar que, em sendo a mesma manifestada antes do oferecimento da resposta do demandado, é ato unilateral, devendo ser homologada sem que se faça necessária a oitiva do demandado. Já no que concerne à desistência manifestada depois de a resposta do réu ter44 Freitas Câmara, Arbitragem, p. 29.45 José Rogério Cruz e Tucci, Desistência da Ação, São Paulo: Saraiva, 1988, p. 5.303

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Alexandre Freitas Câmarasido oferecida, faz-se necessária a prática de atos processuais dispositivos concordantes, o que significa dizer que, manifestada a desistência depois do oferecimento da resposta, faz-se necessário o consentimento do réu para que a mesma possa ser homologada por sentença, extinguindo-se o processo sem resolução do mérito.Refira-se, aliás, que a redação do § 4° do art. 267 do CPC é absolutamente imprecisa, pois que condiciona a produção de efeitos da desistência à concordância do réu toda vez que a mesma for manifestada depois de decorrido o prazo da resposta, o que não se revela adequado. A melhor doutrina sobre o tema exige o consentimento do réu para que a desistência produza efeitos toda vez que for a mesma manifestada depois do oferecimento da resposta.46 Quer-se, com isto, dizer o seguinte: decorrido o prazo da resposta e tendo o réu permanecido revel (havendo, pois, ausência de contestação), poderá o autor desistir livremente da ação, sem que o consentimento do demandado se faça necessário. De outro lado, tendo o réu oferecido resposta antes do término do prazo para a prática do ato, seu consentimento será necessário, ainda que a desistência tenha sido manifestada antes do termo final daquele.Por esta razão é que preferimos entender que o momento a partir do qual o consentimento do réu é exigido para que a desistência da ação surta efeitos é o do oferecimento da contestação, e não o termo final do prazo para resposta.47

Relembre-se, por fim, que a desistência indireta da ação deve ser evitada. Assim, já oferecida a contestação (e sendo, portanto, exigido seu consentimento para que o autor possa, eficazmente, desistir da ação), não se poderá admitir a extinção do processo por abandono unilateral (art. 267, III) sem que haja provocação do demandado, sob pena de ao autor ser permitido obter por via oblíqua o que não lhe permite a lei conseguir por via direta.No inciso IX do art. 267 encontra-se a previsão de que o processo deve ser extinto sem resolução do mérito "quando a ação for considerada intransmissível por disposição legal". Trata-se de norma cuja re-dação não permite fácil interpretação. A dificuldade decorre de ter a lei falado em intransmissibilidade da ação, quando na verdade é da in-46 Cruz e Tucci, Desistência da Ação, pp. 23-25, Lauria Tucci, Do Julgamento conforme o Estado do Processo, p. 199.47 Neste sentido, além dos autores citados na nota anterior, Theodoro Júnior, Curso de Direito Processual Civil, vol. I, p. 341.304

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Lições de Direito Processual Civiltransmissibilidade do direito substancial alegado em juízo que se trata.48 A hipótese versa sobre aqueles processos em que se deduzem em juízo uma relação jurídica intuitu personae ou intuitu familiae, em que a morte de uma das partes deve levar à extinção do processo por ser a posição da parte na relação jurídica deduzida (res in iudicium deducta) insuscetível de transmissão aos sucessores.Pense-se, por exemplo, na hipótese de alguém contratar um famoso cantor para realizar um concerto, o qual não ocorre por ter o mesmo faltado à apresentação. Imagine-se, então, que o contratante proponha, em face do cantor, demanda pleiteando sua condenação à realização do concerto, esperando a tutela jurisdicional específica daquela obrigação de fazer, obviamente de caráter personalíssimo. Falecendo o cantor no curso do processo, e sendo a obrigação intuitu personae, de nada adiantaria o prosseguimento do feito com a participação do espólio do demandado, uma vez que a obrigação era intransmissível. Deve-se, pois, extinguir o processo sem resolução do mérito.É de se notar, aliás, que nesta hipótese a morte da parte é causa de extinção, e não de suspensão do processo.Outra das causas de extinção do processo sem resolução do mérito é a confusão entre autor e réu. Esta se dá toda vez que as posições de autor e réu incidirem sobre a mesma pessoa. Basta pensar na hipótese em que, falecendo qualquer das partes no curso do processo, deve a mesma ser sucedida na relação processual pela parte contrária, seu único sucessor. Neste caso, a mesma pessoa passará a ocupar as posições de demandante e demandado, o que acarretará a extinção do processo sem resolução do objeto do processo.Por fim, no inciso XI do art. 267, se prevê a extinção do processo sem resolução do mérito nos demais casos prescritos em lei. Trata-se de norma em branco, através da qual se abre uma porta para a existência de outras hipóteses de extinção do processo sem resolução do mérito, de que são exemplos as regras dos arts. 47, parágrafo único, e 265, § 2a, ambos do CPC.Vistas as causas geradoras da extinção do processo sem que seja resolvido o mérito, passa-se à análise das causas de extinção com resolução do mérito. Esta revela o que pode ser chamado "extinção normal do processo", em contraposição à extinção anômala, que é a que se dá sem resolução do mérito. Fala-se aqui em extinção normal48 Lauria Tucci, Do Julgamento conforme o Estado do Processo, p. 208.305

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Alexandre Freitas Câmaraporque esta é a forma de extinção esperada do processo de conhecimento, em que a sentença que põe termo ao mesmo é capaz de apresentar uma resolução definitiva para o objeto do processo.A primeira das hipóteses de extinção do processo cognitivo com resolução do mérito, prevista no art. 269, I, do CPC, é o acolhimento ou rejeição do pedido do autor. Trata a norma aqui referida das sentenças de procedência e de improcedência do pedido. Nunca é demais lembrar que o mérito da causa, ou seja, o objeto do processo (Streitgegenstand) é a pretensão processual formulada pelo autor através de seu pedido (o qual, como se sabe, é um dos elementos identificadores da demanda). Assim sendo, julgar o pedido do autor corresponde a julgar o mérito da causa. Por esta razão é que, nos termos do art. 269, I, extingue-se o processo com resolução (e aqui pode-se dizer, sem medo de errar, com julgamento) do mérito quando o juiz julga o pedido formulado pelo autor procedente (acolhendo-o) ou improcedente (rejeitando-o). Esta é a situação mais freqüente, não sendo necessário mais do que a observação da realidade forense cotidiana, para que se afirme que a maior parte dos processos cognitivos se encerra com a prolação de uma sentença que julgue o pedido do autor procedente ou improcedente.Por fim, é de se dizer que não se deve falar em "procedência ou improcedência da ação". Isto porque a procedência é da pretensão, do pedido, sendo certo que este não se confunde com o poder de ação. O pedido é, tão-somente, um dos elementos identificadores da demanda, ato de impulso inicial do exercício da função jurisdicional, não se podendo confundir, sob pena de se comprometer a construção teórica realizada em torno do conceito de ação, esta com o pedido. As expressões "ação procedente" e "ação improcedente", portanto, embora de uso corrente na praxe forense, devem ser consideradas tecnicamente inadequadas e, por conseguinte, de utilização imprópria.Extingue-se, também, o processo cognitivo, com resolução do mérito, quando o réu reconhecer a procedência do pedido do autor. O reconhecimento jurídico do pedido já foi definido por notável professor paulista como "o ato unilateral através do qual o réu reconhece, total ou parcialmente, a juridicidade da pretensão contra ele formulada pelo autor, possibilitando a extinção do processo com julgamento de mérito".49 Com exceção da referência a julgamento do mérito, o qual se dá na hipótese apenas por equiparação, sendo preferível falar-se, pelas razões já apresentadas, em resolução do mérito, nada mais há a criticar49 Glito Fornaciari Júnior, Reconhecimento Jurídico do Pedido, São Paulo: RT, 1977, p. 7.306

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Lições de Direito Processual Civilna referida definição. Tanto assim que outro notável jurista de São Paulo já se referiu ao reconhecimento do pedido, com base nas lições de Chiovenda, como "a declaração do réu de que o pedido do autor é juridicamente fundado".50

Verifica-se, portanto, que o reconhecimento jurídico do pedido é o ato dispositivo unilateral praticado pelo réu em que este, aderindo à pretensão do autor,51 admite ser procedente o pedido por este formulado. Reconhecendo o réu o pedido do demandante, deverá o processo ser extinto com resolução do mérito.Algumas considerações devem ser feitas aqui, porém. Em primeiro lugar, há que se ter claro que a extinção do processo com resolução do mérito só será possível, neste ou em qualquer outro caso, se supe-radas todas as causas de extinção sem resolução do mérito.52 Presente alguma (qualquer uma) das causas de extinção do processo sem resolução do mérito, este não poderá ser resolvido, ainda que o demandado tenha reconhecido a procedência do pedido (ou que tenha ocorrido qualquer das hipóteses de extinção com resolução do objeto do processo). Superadas as preliminares do mérito, pois, é que será possível a resolução deste. Neste caso, tendo o réu reconhecido a procedência do pedido formulado pelo autor, deverá o juiz proferir sentença.Outra questão haverá, aí, a considerar. Reconhecendo o réu a procedência do pedido, e nada havendo que impeça a extinção do processo com resolução do mérito, deverá o juiz proferir sentença acolhendo o pedido do autor, ou deverá este limitar-se à prolação de sentença homologatória do reconhecimento?53

Parece melhor esta segunda po-50 Moacyr Lobo da Costa, Confissão e Reconhecimento do Pedido, Sao Paulo: Saraiva, 1983; Chiovenda, Phncipii di Diritto Processuale Civile, p. 736, onde se lê, textualmente, o seguinte: "II riconoscimento è Ia dichiarazione dei convenuto che Ia domanda deWattore è giuridicamente fondata".51 A referência à "adesão" é de Carnelutti, Derecho y Proceso, p. 201, e é feita no Brasil por José Carlos Barbosa Moreira, "Reconhecimento do Pedido", in Direito Processual Civil (Ensaios e Pareceres), p. 94.52 São as seguintes as palavras de Barbosa Moreira, "Aspectos da 'Extinção do Processo' Conforme o Art. 329 CPC", ob. cit., p. 270: "Ao nosso ver, impende deixar assente, antes de mais nada, que o órgão judicial não deve basear-se em motivo concernente ao meritum causae... se outro está presente que justifique a extinção do feito sem julgamento do mérito. Este, consoante princípio incontroverso entre nós, só se torna suscetível de exa- me depois de ultrapassados os outros planos cognitivos e rejeitadas (ou superadas) as questões estranhas ao mérito - as quais, por isso mesmo, se qualificam como preliminares a ele".53 Divide-se a doutrina quanto ao tema. Pela necessidade de sentença que aprecie o mérito, acolhendo ou rejeitando o pedido do autor, Lobo da Costa, Confissão e Reconhecimento307

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Alexandre Freitas Câmarasição. O reconhecimento do pedido tem como conseqüência a resolução definitiva do meritum causae em razão do ato dispositivo da parte demandada, o que demonstra tratar-se de ato de autocompo-sição. Tem, portanto, natureza análoga à da transação e da renúncia à pretensão (art. 269, III e V). Sendo certo que nestes casos a sentença é homologatória do ato de autocomposição, não haveria razão para que diante do reconhecimento o juiz procedesse de modo diverso. A similitude de efeitos justifica, pois, a conclusão aqui defendida.Terceira causa de extinção do processo com resolução do mérito, e a segunda manifestação da autocomposição, é a transação. Esta vem referida no art. 840 do Código Civil de 2002 e pode ser definida como "o negócio jurídico bilateral através do qual as partes previnem ou extinguem relações jurídicas duvidosas ou litigiosas, por meio de concessões recíprocas, ou ainda em troca de determinadas vantagens pecuniárias".54 Como se verifica pela disposição legal referida, e pela definição apresentada, extraída da obra de notável civilista, a transação é uma forma de extinção de relações jurídicas substanciais mediante concessões recíprocas feitas pelos interessados. Celebrada a transação quando tal relação jurídica já se encontrava deduzida em um processo, deverá este ser extinto, com resolução do mérito, através de sentença homologatória do ato compositivo.A quarta causa de prolação de sentença que põe termo ao processo com resolução do mérito é o reconhecimento, pelo juízo, de que ocorreu a prescrição ou a decadência do direito do demandante (art. 269, IV). Tema dos mais polêmicos, a cujo respeito os civilistas (a cuja disciplina pertence o estudo do tema) não conseguiram, até hoje, chegar a qualquer acordo, é o da precisa definição destes dois impor-tantes fenômenos. Sem querer aqui apresentar um tratado sobre o tema, limitar-nos-emos a referir nossa posição sobre os mesmos, certos de que tais considerações serão importantes para que se possa tornar claro o que será dito em seguida, quando da análise específica do disposto no inciso IV do art. 269 do Código de Processo Civil.Nosso objetivo, nesta pequena digressão, é apresentar a distinção entre prescrição e decadência, visto que os conceitos destes doisdo Pedido, p. 86. Pela sentença homologatória do reconhecimento manifesta-se Barbosa Moreira, O Novo Processo Civil Brasileiro, Rio de Janeiro: Forense, 10a

ed., 1990, p. 3. 54 Silvio Rodrigues, Direito Civil, vol. II, São Paulo:

Saraiva, 6a ed., 1976, p. 239. Em sentido assemelhado, Arnoldo Wald, Obrigações e Contratos, São Paulo: RT, 10a ed., 1992, p. 102: "Ato jurídico bilateral pelo qual os interessados, por concessões mútuas, evitam ou terminam um litígio".308

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Lições de Direito Processual Civilinstitutos são objeto de estudo do Direito Civil, e não do Direito Processual. Antes, porém, não se pode deixar de lembrar que tanto a decadência como a prescrição são institutos que revelam a importância do tempo para o Direito, aplicações que são do velho brocardo romano dormientibus non succurrit ius.Não há grande divergência entre os civilistas quanto ao conceito de decadência. É freqüente encontrar-se nas obras especializadas a afirmação de que a decadência é a perda de um direito pelo decurso do tempo.55 Esses mesmos autores afirmam, ainda, que a prescrição difere da decadência porque nela não se extingue diretamente o direito, mas a ação.56 Estas afirmações, porém, não são - como se sabe - unânimes. Assim, por exemplo, autores há que afirmam que tanto a prescrição como a decadência atingem o direito, nenhum dos dois, portanto, fazendo perecer a ação.57

As divergências doutrinárias acerca da distinção entre prescrição e decadência decorrem da ausência de um critério seguro para diferençar os dois institutos. Parece-nos, porém, inaceitável o critério segundo o qual a prescrição atingiria a ação e a decadência o direito.58 É de se concordar com os autores que afirmam ser a prescrição um instituto que, assim como a decadência, atinge o direito material.59 Esta, aliás, é a única conclusão a que pode chegar quem defenda uma concepção abstrata do poder de ação. Como já se viu em passagem anterior deste estudo, o poder de ação é abstrato, o que significa dizer que o mesmo existe ainda que o demandante não tenha o direito material afirmado na demanda. Em outros termos, também nos casos de improcedência55 Idéia encontrada, por exemplo, em Rodrigues, Direito Civil, vol. I, p. 348. Assim, também, Antônio Luís da Câmara Leal, Da Prescrição e da Decadência, Rio de Janeiro: Forense, 2s ed., 1959, p. 114, onde se lê que "a decadência tem por objeto o direito, é estabelecida em relação a este e tem por função imediata extingui-lo".56 Assim, Rodrigues, Direito Civil, vol. I, p. 348; Câmara Leal, Da Prescrição e da Decadência, p. 114.57 Caio Mário da Silva Pereira, Instituições de Direito Civil, vol. I, p. 480.58 Este critério, que nos parece inaceitável, foi o responsável por uma assertiva de notável jurista pátrio, capaz de demonstrar a insuficiência e a inadequação deste critério: "Com efeito, a prescrição atinge diretamente a ação e por via oblíqua faz desaparecer o direito por ela tutelado; a decadência, ao inverso, atinge diretamente o direito e por via oblíqua ou reflexa extingue a ação" (Washington de Barros Monteiro, Curso de Direito Civil -Parte Geral, São Paulo: Saraiva, 8a ed., 1971, p. 301). Ora, se ambas atingem o direito e a ação, e sendo certamente difícil distinguir, numa ciência tão pouco exata como o Direito, o que é reto e o que é oblíquo, certamente não se pode encontrar aqui uma forma segura de distinguir prescrição de decadência.59 San Tiago Dantas, Programa de Direito Civil, vol. I, Rio de Janeiro: Rio Ed., 1978, p. 398.309

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Alexandre Freitas Câmara

do pedido há exercício regular do poder de ação. Assim sendo, aquele que vai a juízo alegando ser titular de um direito, e vê reconhecida a prescrição (ou a decadência), terá regularmente exercido o poder de ação, uma vez que todas as preliminares terão sido superadas (inclusive a referente à presença das "condições da ação"), e estará o juiz julgando (aqui o caso é de efetivo julgamento, como já se viu) o objeto do processo (art. 269, IV).Verifica-se, pois, que tanto a decadência como a prescrição só serão apreciadas e reconhecidas pelo juízo no caso de ser possível o exame do meritum causae, razão pela qual torna-se natural a afirmação de que ambos os institutos estão ligados ao perecimento do direito material, e não ao poder de ação.Tanto na prescrição como na decadência, portanto, desaparece o direito material, mantendo-se íntegro o poder de ação. Resta, pois, buscar outro critério distintivo entre os dois institutos. Alguns critérios podem ser encontrados em profundos trabalhos doutrinários elaborados sem as amarras da premissa segundo a qual a prescrição atingiria a ação.60 Parece-nos, porém, que o único critério seguro é o que distingue prescrição de decadência pelo tipo de direito material atingido. Isto porque, como se sabe, há direitos materiais subjetivos (aos quais corresponde um dever jurídico, como o direito de crédito) e direitos materiais potestativos (ou de formação, aqueles aos quais corresponde uma sujeição de um dos sujeitos da relação jurídica, como o direito que tem o cônjuge de anular o casamento por erro essencial quanto à pessoa do outro cônjuge). A nosso juízo, prescrição é a perda de um direito subjetivo pelo decurso do tempo, enquanto decadência é a perda de um direito potestativo pelo mesmo fundamento.61 Assim sendo, podemos afirmar que tanto a prescrição como a decadência atingem o direito material, sendo assim acertada a inclusão dos dois institutos como matérias integrantes do meritum causae. A insistência de alguns setores da doutrina em considerar a prescrição como a extinção da ação é incoerente com a tomada de posição do nosso direito positivo, sendo certo que esses autores deveriam, por coerência,60 E clássico o ensaio de Agnelo Amorim Filho, "Critério Científico para Distinguir a Prescrição da Decadência e para Identificar as Ações Imprescritíveis", in Revista de Direito Processual Civil, vol. III, 1962, p. 95. Além deste, recomenda-se a leitura de Caio Mário da Silva Pereira, "Prescrição e Decadência", in Livro de Estudos Jurídicos, vol. X, p. 30.61 Em sentido assemelhado, Amorim Filho, "Critério Científico para Distinguir a Prescrição da Decadência e Identificar as Ações Imprescritíveis", ob. cit., p. 131.310

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Lições de Direito Processual Civilafirmar que o reconhecimento da prescrição teria como conseqüência a extinção do processo sem resolução do mérito. A opinião aqui defendida, salvo melhor juízo, é coerente com o direito objetivo, razão pela qual nos parece a única defensável.Observe-se, porém, que a afirmação feita anteriormente, de que a prescrição seria a perda do direito subjetivo pelo decurso do tempo é, em verdade, uma simplificação. A decadência é, verdadeiramente, a perda do direito potestativo pelo decurso do tempo. O mero fato de ter decorrido o prazo decadencial faz com que pereça o direito potestativo. Já com a prescrição as coisas se passam de modo um pouco diferente. Isto porque a prescrição é, a rigor, um procedimento, isto é, uma seqüência de fatos e atos, e não um simples fato jurídico. Para que o direito subjetivo desapareça pela prescrição é preciso que ocorram diversos fatos que, encadeados, provocam o perecimento do direito. Não basta o decurso do prazo para que a prescrição se consume.Para ocorrer a prescrição é preciso, em primeiro lugar, que tenha decorrido o prazo previsto em lei. Isto, porém, não é suficiente. É preciso ainda que, depois de decorrido o prazo prescricional, o credor ajuíze sua demanda (porque, evidentemente, ajuizada a demanda antes do termo ad quem do prazo prescricional, não terá havido prescrição, eis que o primeiro fato integrante do procedimento prescricional não terá ocorrido). Ajuizada a demanda depois de decorrido o prazo prescricional, é preciso que o devedor, ao se manifestar no processo, alegue a prescrição. Como sabido, o devedor, uma vez citado, pode ter diversas atitudes, sendo absolutamente excepcional que a prescrição venha a ocorrer. Isto porque o devedor, uma vez citado, pode ficar revel; pode renunciar à faculdade de alegar a prescrição; pode reconhecer a procedência do pedido; pode se defender sem alegar prescrição; e, por fim, pode defender-se alegando a consumação do prazo prescricional. Somente nesta última hipótese (uma, em cinco possíveis condutas do devedor no processo) é que se consumará a prescrição. É, pois, a prescrição, um procedimento, composto por três fatos: o decurso do prazo, a propositura da demanda após o termo final daquele prazo, a alegação da prescrição pelo devedor. Apenas com o concurso desses três fatos é que se pode considerar desaparecido o direito subjetivo em razão da prescrição. Esta explicação permite entender porque a pres-crição, mesmo sendo matéria de ordem pública, não pode ser conhecida de ofício pelo juiz. É que o juiz não pode declarar uma prescrição que ainda não ocorreu (já que só ocorrerá quando o demandado alegar). Por outro lado, esta tese permite que se compreenda porque311

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Alexandre Freitas Câmaranão se pode repetir pagamento feito após o decurso do prazo pres-cricional. É que tendo sido o pagamento feito depois do termo final do prazo, mas antes de completado o procedimento prescricional, não houve ainda a prescrição, e o direito subjetivo ainda existia (ou, o que dá na mesma, a obrigação do devedor ainda existia). A prescrição é, pois, a perda do direito subjetivo em razão de uma seqüência de fatos, um procedimento, composto por três elementos: o decurso do prazo, o ajuizamento intempestivo da demanda, a alegação pelo demandado.62 E de se observar, ainda que o Código Civil de 2002, rompendo com a tradição sustentada pelo seu antecessor, de 1916, não mais afirma que a prescrição atinge a ação. Adere a lei civil, porém, a outro entendimento igualmente criticável: o de que a prescrição faria desaparecer a pretensão (art. 189 do Código Civil de 2002). E preciso esclarecer que o conceito de pretensão adotado pelo legislador civil é o que tem origem na obra de Bernard Windscheid, para quem a pretensão seria o poder de exigir de outrem o cumprimento de uma prestação. Dizia o notável jurista tedesco, em notório estudo sobre o conceito romano de actio, que esta seria o termo para designar o que se pode exigir de outrem, ou seja, a pretensão.63 E era o mesmo jurista quem afirmava que a prescrição faria desaparecer a pretensão.64 Este entendimento conta com adesões na doutrina brasileira do Direito Civil,65 e foi adotado expressamente pelo Código Civil de 2002, mas é, data venia, inaceitável. Isto porque o próprio conceito de pretensão de Windscheid é inaceitável. O único conceito de pretensão que se pode aceitar é o estabelecido por Carnelutti.65 O conceito de pretensão como instituto de Direito Material, que Windscheid tentou estabelecer, é incompatível com a autonomia do Direito Processual. Isto porque a pretensão seria, segundo aquele jurista alemão, um instituto que ficaria a meio caminho62 Tudo o que aqui se sustenta a respeito da prescrição encontra apoio em Cândido Rangel Dinamarco, Fundamentos do Processo Civil Moderno, vol. I, 3a ed., 2000, pp. 440-446, que desenvolve suas idéias a partir do que se encontra na obra de Bruno Troisi, La Prescrizione come Procedimento,63 Bernard Windscheid, "Sobre Ia doctrina de Ia 'actio' romana, dei derecho de accionar actual, de Ia 'litiscontestatio' y de Ia sucesión singular en Ias obligaciones", in Bernard Windscheid e Theodor Muther, Polemica sobre Ia 'actio', trad. esp. de Tomás A. Banzhaf, Buenos Aires: EJEA, 1974, pp. 11-12.64 Bernard Windscheid, ob. cit., p. 58.65 Por todos, pode-se citar Francisco Amaral, Direito Civil - Introdução, Rio de Janeiro: Renovar, 2a ed., 1998, p. 552.66 Carnelutti, Derecho y Proceso, p. 61.312

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Lições de Direito Processual Civilentre o direito subjetivo e o poder de ação. Segundo a teoria aqui criticada, o direito subjetivo seria uma figura distinta da pretensão. Assim sendo, por exemplo, no momento em que uma pessoa empresta a outra uma quantia em dinheiro, marcando-se o vencimento da dívida para uma semana depois do empréstimo, surgiria para o credor, na data da realização do empréstimo, o direito de receber o pagamento (e esse direito tanto seria existente que o credor poderia receber o pagamento mesmo antes do vencimento da obrigação), mas nesse momento ainda não existiria o poder de exigir a prestação, ou seja, ainda não teria nascido a pretensão. Esta só surgiria com a violação do direito subjetivo. Em outros termos, vencida e não paga a dívida, nasceria para o credor uma posição jurídica nova, a pretensão, que seria o poder de exigir o pagamento. Este poder seria o alvo da prescrição, se não exercido no prazo previsto em lei. Em outras palavras, decorrido o prazo prescricional, sempre segundo a teoria aqui criticada, o direito subjetivo continuaria existindo, mas não seria mais possível ao seu titular exigir do devedor o pagamento. Este conceito de pretensão, todavia, é inteiramente dispensável.67 São dois os planos do ordenamento jurídico, o substancial e o processual, e em cada um deles se encontra uma posição jurídica: o direito subjetivo e a ação. Aquele que vai a juízo cobrar dívida ainda não vencida é "carecedor de ação" por falta de interesse de agir. A sentença que na hipótese será proferida será puramente processual, determinando a extinção do feito sem resolução do mérito, e nada dizendo sobre aspectos substanciais. Por outro lado, cobrando-se em juízo uma dívida já vencida, julgar-se-á o mérito da causa, afirmando-se a existência ou inexistência do direito subjetivo. A pretensão material, com todas as vênias, é conceito absolutamente dispensável, que em rigorosamente nada contribui para a ciência jurídica. A inclusão deste conceito no Direito Brasileiro, pelo Código Civil de 2002, inova na cultura jurídica brasileira, que sobreviveu sem ele durante todos estes anos, e dele jamais precisou. A prescrição, reafirma-se, faz desaparecer o próprio direito subjetivo, e seria inaceitável a afirmação de que o direito subjetivo sobrevive à prescrição, sob pena de se ter de afirmar a existência de um direito material insuscetível de realização jurisdicional, o que contraria o princípio da efetividade do processo (segundo o qual o processo deve ser capaz de dar a quem tenha um direito tudo aquilo que ele tenha o direito de67 Neste sentido, Dinamarco, Fundamentos do Processo Civil Moderno, vol. I, p. 282.313

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Alexandre Freitas Câmaraobter). A prescrição é, pois, um procedimento capaz de extinguir o direito subjetivo.68

Reconhecida a prescrição ou a decadência, portanto, deverá o juiz extinguir o processo com resolução do mérito. Aqui, aliás, como se dá também no inciso I do art. 269 (e não nos demais), apresenta-se correta a dicção da lei, já que o processo estará sendo extinto, efetivamente, com julgamento do mérito.Por fim, no art. 269, V, do CPC, prevê a lei a extinção do processo com resolução do mérito "quando o autor renunciar ao direito sobre que se funda a ação". Trata-se de dispositivo de redação criticável, em razão da concepção acerca do poder de ação admitida como correta em nosso sistema processual. Em sendo abstrato o poder de ação, o qual - como tantas vezes aqui afirmado - existe ainda que não haja o direito substancial afirmado pelo demandante, não se pode admitir como correta a afirmação segundo a qual a ação se funda sobre um direito.69 Trata a lei, em verdade, da renúncia à pretensão do autor, isto é, ao ato dispositivo unilateral mediante o qual o demandante abdica de sua pretensão de direito material, com que se obtém a autocomposição do conflito. Não se deve confundir a hipótese presente com a de desistência da ação, pois que nesta última, que leva à extinção do processo sem resolução do mérito, o autor abre mão apenas de sua posição processual, sem que se faça qualquer alteração nas posições de direito material, referentes ao objeto do processo. Já na renúncia, que tem como conseqüência a extinção do processo com resolução do mérito (mas sem o seu julgamento, já que a sentença aqui será homologatória), o demandante abre mão de sua pretensão de direito material, a qual integra o próprio objeto do processo, razão pela qual a mesma pretensão jamais poderá ser levada a juízo novamente, sendo o meritum causae resolvido em definitivo pela sentença.O mesmo se diga, aliás, para todas as causas de extinção do processo com resolução do mérito, uma vez que em todas elas, estando o mérito resolvido em definitivo, não se poderá mais levar a juízo a68 Nao se pode deixar de dizer que a teoria segundo a qual a prescrição faz desaparecer o direito subjetivo, aqui sustentada, encontra apoio em nobre doutrina processual, já que afirmada por Carnelutti, Usucapione delia Proprietà Industriale, Milão: Giuffrè, 1938, p. 11: "con Ia prescrizione estintiva un diritto si estingue".69 A crítica aqui referida pode ser também encontrada em Tornaghi, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. II, p. 351.314

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Lições de Direito Processual Civilmesma demanda (e, se isto for feito, o novo processo que se instaure deverá ser extinto, sem resolução do mérito, em razão da coisa julgada - art. 267, V).315

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Capítulo XII Procedimento Ordinário§ I2 Conceito e CabimentoO Código de Processo Civil e as leis extravagantes que regulam matéria processual descrevem uma série de procedimentos adequados ao processo cognitivo. Como já se viu em passagem anterior desta obra, o procedimento é o aspecto extrínseco do processo, formado por uma seqüência ordenada de atos processuais. Nada impede (ao contrário, é interessante que assim seja) que o ordenamento positivo preveja, para uma determinada espécie de processo, diversos procedimentos. Assim é que, para o processo de conhecimento, fala-se em procedimentos comuns e especiais.Os procedimentos comuns, regulados no CPC, são dois: ordinário e sumário (art. 272). Os especiais encontram-se regulados no Livro IV do Código de Processo Civil e na legislação extravagante. O estudo dos procedimentos é fundamental para a adequada compreensão da forma (ou das formas) de desenvolvimento do processo. É preciso, além disso, saber determinar qual será o procedimento aplicável a cada caso concreto. Isto porque não se pode admitir uma livre escolha do procedimento a ser observado. As normas de determinação do procedimento são cogentes, não sendo lícito às partes optarem por pro-cedimento diverso do prescrito em lei.1

Por esta razão, é preciso saber, antes de mais nada, se há procedimento especial previsto para a hipótese, pois neste caso este é que deverá ser observado. Assim, por exemplo, se alguém pretende demandar em juízo pleiteando a demarcação dos limites entre dois imóveis, deverá o processo observar o procedimento previsto nos arts. 946 a 966 do CPC. Não havendo, porém, procedimento especial aplicável,1 Neste sentido, por todos, Greco Filho, Direito Processual Civil Brasileiro, vol. II, p. 95. Há, porém, ao menos uma exceção a esta regra: o procedimento monitório, que é opcional, podendo o demandante se valer de tal procedimento ou do rito comum, ordinário ou sumário.317

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Alexandre Freitas Câmaraserá o caso de se observar o procedimento comum. Nesta situação, deve-se verificar, em primeiro lugar, se a hipótese se enquadra entre as de utilização do procedimento sumário. Assim, por exemplo, se a demanda versar sobre um contrato de arrendamento rural, este será o procedimento a ser observado (art. 275, II, a).Por fim, em se verificando que a hipótese também não é de procedimento sumário, deverá ser utilizado o procedimento ordinário. Este é, portanto, a "vala comum" para onde deságuam todas as causas para as quais não haja procedimento especificamente previsto (basta pensar, por exemplo, numa "ação de cobrança" de dívida em valor superior ao previsto para o procedimento sumário, ou numa "ação de alimentos" quando inexistir prova pré-constituída da obrigação de alimentar).Sendo certo que o legislador não foi (nem poderia ser) capaz de descrever procedimentos para a imensa maioria das hipóteses que podem ser levadas ao Judiciário, fica claro que o procedimento ordinário é o rito de maior incidência prática, sendo utilizado na imensa maioria dos processos cognitivos que vêm a se instaurar. Isto, por si só, bastaria para demonstrar a importância do estudo do procedimento ordinário. Outras razões há, porém, que fazem deste estudo um ponto essencial da ciência do processo. Uma delas é que o CPC (e a legislação extravagante) não se preocupa em regular os outros procedimentos com riqueza de detalhes. Estes são regulados apenas naquilo em que diferem do procedimento ordinário. Tal se dá por força da norma contida no art. 272, parágrafo único, do CPC, segundo o qual "o procedimento especial e o procedimento sumário regem-se pelas disposições que lhes são próprias, aplicando-se-lhes, subsidiariamente, as disposições gerais do procedimento ordinário". Assim, por exemplo, o CPC não regula o prazo de que dispõe o demandado para oferecer sua resposta no procedimento especial da "ação de consignação em pagamento", o que faz com que ali se aplique a previsão existente para o procedimento ordinário. Outra situação que pode ser lembrada como exemplo é a da ausência de regulamentação do rito da audiência de instrução e julgamento no procedimento sumário, o que faz com que lhe sejam aplicáveis as regras do procedimento ordinário. Este é, pois, um procedimento aplicável subsidiariamente a todos os demais, razão pela qual é o único procedimento do processo de conhecimento regulado, pelo Código de Processo Civil, em todos os seus pormenores e vicissitudes.Por fim, não se pode deixar de falar que o procedimento ordinário é um "modelo" quase que perfeito de processo de conhecimento, com318

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Lições de Direito Processual Civila delimitação das diversas fases que o compõem, e a mais ampla possibilidade de apresentação de alegações e provas que se possa imaginar. Isto porque o procedimento ordinário pode ser dividido em quatro fases bastante bem delimitadas. Frise-se, porém, que tais fases recebem seus nomes em razão de uma atividade que nelas se revele preponderante (e não exclusiva). Assim é que no procedimento ordiná-rio se verifica a existência de uma fase postulatória (que vai da pro-positura da ação até a réplica), uma fase de saneamento (com as providências preliminares e o julgamento conforme o estado do processo), outra fase de instrução probatória,2 e uma fase decisória.Frise-se, porém, que algumas destas fases podem ser deixadas de lado, de acordo com os fatos que venham a ocorrer no processo. Assim, por exemplo, poderá ser indeferida a petição inicial oferecida pelo demandante, o que tornará inexistente as fases de saneamento e de instrução probatória. Tais desvios do caminho traçado como regra geral serão analisados durante a exposição da seqüência de atos que compõem o procedimento ordinário.O procedimento ordinário é, pois, no sistema processual vigente entre nós, o mais relevante entre todos os procedimentos do processo de conhecimento, sendo possível chamá-lo de o mais comum dos proce-dimentos, por ser o de maior utilização prática, além de ser aplicável subsidiariamente aos demais.

§ 2^ Petição InicialA petição inicial é o instrumento da demanda. Esta é uma definição que, embora simples ao extremo, parece-nos capaz de explicar com proficiência o que seja este primeiro momento do procedimento ordinário (e, diga-se de passagem, de todos os procedimentos). Como já se sabe, demanda é o ato inicial de impulso da atividade jurisdicional do Estado, exigida em razão da inércia característica desta função, que resulta no princípio consagrado no art. 2° do CPC (adequadamente chamado, aliás, princípio da demanda). A demanda é, pois, um ato processual extremamente relevante, uma vez que dá causa à2 Preferimos falar em fase de instrução probatória, e não em "fase instrutória", como fazem diversos autores, por estarmos convictos de que, sendo certo que instruir significa preparar, não é só através da produção de provas que se prepara o resultado final do processo, e que também as fases postulatória e de saneamento são, em verdade, instrutórias. Por esta razão, já que a fase de que aqui se trata se caracteriza pela produção das provas, preferimos falar em fase de instrução probatória.319

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Alexandre Freitas Câmarainstauração do processo (afinal, como já visto, o processo civil começa por iniciativa da parte, já havendo processo desde o momento da propositura da ação, momento marcado pelo art. 263 do CPC). A demanda é um ato jurídico solene, realizado através de um instrumento chamado petição inicial. Permitimo-nos, aqui, utilizar uma imagem que empregamos em obra anterior, e que nos parece capaz de explicar o que se quer aqui dizer. É sabido de todos que há uma diferença entre o contrato de mandato e a procuração, sendo certo que o Código Civil define a procuração como "o instrumento do mandato" (art. 653, in fine, do Código Civil de 2002). Da mesma forma, há diferença entre o ato jurídico denominado demanda, e seu instrumento, que é a petição inicial. Por esta razão, nos parece lícito repetir a afirmação anteriormente feita: "A petição inicial é o instrumento da demanda".3Tratando-se de ato solene, não se pode negar a existência de requisitos formais para o ajuizamento da demanda, os quais são tradicionalmente denominados na praxe forense de requisitos da petição inicial. Estes vêm, quase todos, enumerados no art. 282 do CPC. Diz-se que ali estão quase todos os requisitos por haver um, essencial, previsto no art. 39, I, do CPC: o endereço onde o advogado do autor receberá as intimações que lhe forem dirigidas.Assim é que a petição inicial deverá indicar, antes de mais nada, o juízo ou tribunal a que é dirigida (art. 282, I). O Código comete, neste dispositivo, uma impropriedade de redação que decorre de uma praxe forense. Confunde-se, no texto da norma, o juízo (ou seja, o órgão juris-dicional) com a pessoa natural do juiz. A petição inicial, em verdade, não é dirigida a nenhum juiz, mas sim a um juízo.4

A indicação do órgão judiciário a que se dirige a petição inicial é extremamente relevante para a sua regularidade, por se tratar de ato de comunicação de vontade e de conhecimento, destinado a informar ao Estado qual o órgão que o demandante tem por competente para conhecer de sua causa.5

Depois de indicar o juízo a que a petição inicial é dirigida, passa o autor a apresentar os elementos identificadores da demanda: partes, causa de pedir e pedido. Assim é que exige a lei a apresentação da qualificação das partes, com a indicação de seus nomes, prenomes,3 Freitas Câmara, Dos Procedimentos Sumário e Sumaríssimo, p. 32.4 Assim também Theodoro Júnior, Curso de Direito Processual Civil, vol. I, p. 380, que afirma: "Indica-se o órgão judiciário, e não o nome da pessoa física do juiz".5 Pontes de Miranda, Comentários ao Código de Processo Civil, tomo IV, p. 10.320

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Lições de Direito Processual Civil

estado civil, profissão, domicílio e residência do autor e do réu (art. 282, II). Deve o autor apresentar todos os elementos de que dispõe e que tornem possível a individuação das partes da demanda. Assim, embora não diga expressamente o dispositivo legal ora analisado, deve o autor (desde que possível) indicar o número do Registro Geral (RG) e do Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) ou do Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ) das partes, com o que se permite uma mais fácil identificação, evitando-se, assim, os males da homonímia.Deve-se ressaltar, neste ponto, que nem sempre o autor disporá de todos os elementos necessários à correta individuação do réu, hipótese em que deverá apresentar os elementos de que tenha conhecimento, e declinar ao juízo os demais elementos que tornem possível a identificação do demandado (como um apelido, uma característica física e assim por diante).6

Após a qualificação das partes, deve passar o autor a indicar a causa de pedir, já definida anteriormente, e que é composta pelos fatos que dão origem à pretensão do autor. A necessidade de indicação da causa de pedir vem expressa no art. 282, III, do CPC, que fala em fatos e fundamentos jurídicos do pedido. Os fatos a que se refere a norma são os que compõem a causa de pedir próxima, ou seja, os fatos que -segundo a descrição do demandante - lesaram ou ameaçam o direito de que o mesmo afirma ser titular. Já os fundamentos jurídicos são, em verdade, a causa de pedir remota, ou seja, o título (o fato constitutivo) do direito afirmado pelo autor.7 É absolutamente desnecessária a indicação dos dispositivos legais onde o autor foi buscar os fundamentos para embasar sua demanda, já que iura novit cúria (o juiz conhece o direito).8

Deve o autor, como último elemento identificador da demanda, apresentar o pedido, com suas especificações (art. 282, IV). Pedido, como se sabe, é o veículo da pretensão manifestada pelo autor. Divide-se em pedido imediato (um provimento jurisdicional, que no processo de conhecimento é a sentença de mérito) e pedido mediato, queEm nossa experiência profissional tivemos a oportunidade de atuar como patrono do réunuma "ação possessória" em que o autor, ao elaborar a inicial, propôs a ação em face de"pessoa conhecida na região como João", sendo certo que este, embora não fosse onome real do demandado, permitiu sua identificação pelo oficial de justiça responsávelpela diligência de citação.Nery Júnior, Código de Processo Civil Comentado, p. 713.Figueiredo Teixeira, Código de Processo Civil Anotado, p. 205.321

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Alexandre Freitas Câmaracorresponde à tutela de um bem da vida. Trata-se de elemento cuja importância para o processo é extrema, já que o pedido delimita o objeto do processo. Julgar o pedido, como já se afirmou anteriormente, é julgar o próprio merítum causae.O pedido deve ser certo e determinado.9 Ambas as qualidades aqui afirmadas devem estar presentes no pedido apresentado na petição inicial, sendo, pois, imprescindíveis. Pedido determinado, segundo um dos nossos mais notáveis juristas, "é o que externa uma pretensão que visa a um bem jurídico perfeitamente caracterizado".10 E pedido certo, segundo o mesmo autor, "é o que deixa claro e fora de dúvida o que se pretende, quer no tocante a sua qualidade quer no referente a sua extensão e qualidade".11 Assim sendo, não basta ao autor, por exemplo, pedir a condenação do réu a pagar a ele uma soma em dinheiro devida em razão de um contrato de mútuo (pedido determinado), mas afirmar também a quantidade de dinheiro que pretende receber (pedido certo). Determinação e certeza, portanto, se completam, sendo essenciais para que se possa delimitar o objeto do processo.Admite a lei, todavia, a formulação de pedido genérico nas hipóteses arroladas nos três incisos do art. 286 do CPC. Pedido genérico é o formulado sem a determinação do aspecto quantitativo do pedido. Não se admite qualquer indeterminação quanto ao aspecto qualitativo do mesmo.12 Assim, poderá o autor formular pedido genérico nas "ações universais", se não for possível individuar os bens demandados (art. 286, I). Chama-se "ação universal" aquela em que se pleiteia a condenação do réu a entregar ao autor uma universalidade de bens, como se dá na "ação de petição de herança", ou numa demanda em que se pleiteie a condenação do réu a entregar ao autor uma biblioteca. Nestas hipóteses, se não puder o autor determinar os bens individuais que compõem a universalidade, poderá formular pedido genérico. Admite-se, ainda, a formulação de pedido genérico quando não for10 n12O art. 286 do CPC fala em pedido certo ou determinado. É pacífica, porém, a doutrina,em afirmar a impropriedade da redação, optando por interpretar a norma como o fizemos:o pedido deve ser certo e determinado. Por todos, José Joaquim Calmon de Passos,Comentários ao Código de Processo Civil, vol. III, Rio de Janeiro, Forense, 6a ed., 1991,p. 214.Calmon de Passos, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. III, p. 215.Calmon de Passos, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. III, p. 215.Afirma Jacy de Assis, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. II, tomo II, Rio deJaneiro, Forense, 1979, p. 132, que "três são pois as hipóteses do pedido genérico,embora certo e determinado no que é devido, mas indeterminado no quanto é devido".

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Lições de Direito Processual Civilpossível ao demandante determinar, de modo definitivo, as conseqüências do ilícito (art. 286, II). Assim, por exemplo, numa demanda em que se pleiteie reparação por um dano que ainda está se perpetrando, decorrente, v.g., de um acidente de trânsito em que a vítima ainda vem se submetendo a tratamento médico, sendo imprevisível o fim do mesmo, será possível a formulação de pedido genérico. Por fim (art. 286, III), admite-se pedido genérico quando a determinação do valor da condenação depender de ato que deva ser praticado pelo réu (como se dá, por exemplo, numa "ação de prestação de contas").As hipóteses de pedido genérico são excepcionais, devendo por isto mesmo ser interpretadas restritivamente. A regra será a formulação de pedido certo e determinado, em todos os seus aspectos, in-clusive o quantitativo. Isto porque o pedido é um "projeto da sentença", devendo esta (se for pela procedência da pretensão, obviamente) atender ao pedido nos limites de sua especificação. A formulação de pedido genérico fora dos casos indicados tornaria muito difícil a prolação de sentença que atendesse à exigência de que a sentença individue o objeto do comando judicial.A lei processual admite a possibilidade de o autor cumular pedidos numa só petição inicial (art. 292), ainda que inexista conexão entre as diversas demandas cumuladas.13 Exige a lei, como requisito da cumu-lação, que os pedidos sejam compatíveis entre si (assim, por exemplo, não poderá o adquirente de um bem com vício redibitório cumular o pedido de rescisão do contrato com o de abatimento do preço); que um mesmo juízo seja competente para conhecer de todos (não se admite, pois, a cumulação dos pedidos de alimentos e petição de herança quando houver separação entre o juízo de família e o de órfãos e sucessões); que o mesmo procedimento seja adequado para todas as demandas (neste caso, sendo diversos os procedimentos, a cumulação se torna possível se for possível a utilização do procedimento ordinário).São diversas as formas de cumulação de pedidos. A doutrina, porém, não chegou a uma forma única de classificação, havendo diversos critérios conhecidos. Assim, por exemplo, setor respeitável da doutrina classifica as espécies de cumulação de pedidos em cumulação condicional e simples, aquela se dividindo ainda em sucessiva (ou condicional em sentido estrito), eventual (ou subordinada) e alternativa.14

13 Formulando o autor mais de um pedido, estará, em verdade, cumulando demandas, já que cada pedido identifica uma demanda.14 Chiovenda, Príncipü di Dirítto Processuale Civile, pp. 1.129-1.132.323

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Alexandre Freitas CâmaraParece-nos, porém, que a melhor classificação é a proposta por eminente autor pátrio que tratou do tema ex professo: cumulação em sentido estrito e em sentido amplo. Na primeira forma, os diversos pedidos admitem a possibilidade de procedência simultânea, o que não ocorre na segunda, em que apenas um entre os pedidos poderá ser julgado procedente. A cumulação em sentido estrito se divide em cumulação simples e sucessiva; a cumulação em sentido amplo será sempre da espécie eventual ou subsidiária.^A primeira espécie de cumulação de pedidos em sentido estrito é a cumulação simples. Nesta, o autor formula pedidos absolutamente independentes entre si, sendo certo que, nesta hipótese, as demandas não possuem em comum elementos outros que não as partes.16 Assim, por exemplo, ter-se-á cumulação simples quando o autor pretender cobrar do réu dívidas decorrentes de contratos de mútuo diferentes. Não há, entre os pedidos, nenhuma ligação, sendo possível ao juiz decidir cada demanda cumulada de uma forma diferente. Admite-se, mesmo, a possibilidade de que todas sejam procedentes, razão pela qual esta é espécie de cumulação em sentido estrito.Na segunda espécie de cumulação em sentido estrito, a cumulação sucessiva, o autor formula dois (ou mais) pedidos, sendo certo que a análise do posterior depende da procedência do que lhe precede.17

Exemplo desta espécie se encontra na cumulação de "ação de investigação de paternidade" com "ação de petição de herança". O segundo pedido só será apreciado se o primeiro for julgado procedente, sendo possível a procedência simultânea. Trata-se, aliás, de demanda condicional (a segunda), já que sua apreciação fica submetida a um evento futuro e incerto (a procedência do primeiro pedido), que se manifestará dentro do próprio processo. Como já se viu, admite-se a prática de atos processuais condicionais, quando a condição for endoprocessual.Por fim, ter-se-á cumulação em sentido amplo, eventual ou subsidiária, quando o autor formula dois (ou mais) pedidos, sendo certo que, nesta hipótese, o segundo pedido só será apreciado se o primeiro for julgado improcedente. Trata-se de situação simétrica à anterior, da cumulação sucessiva.18 Exemplo deste tipo de cumulação se tem15 Adota-se, aqui, a classificação proposta por Araken de Assis, Cumulação de Ações, São Paulo: RT, 1989, p. 220.16 Araken de Assis, Cumulaçào de Ações, p. 221.17 Araken de Assis, Cumulação de Ações, p. 222.18 Araken de Assis, Cumulação de Ações, p. 223.324

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Lições de Direito Processual Civilquando o autor pede a condenação do réu ao cumprimento específico de uma obrigação de entregar coisa e, no caso de tal condenação ser impossível por ter a coisa perecido, a condenação do demandado ao pagamento de seu equivalente pecuniário. Este segundo pedido, como parece lógico, só será apreciado se o primeiro for julgado improcedente. Aqui, também, tem-se o ajuizamento de demanda condicional, em que o julgamento da mesma está subordinado ao resultado do julgamento da primeira, sendo, pois, condição endoprocessual. Regula o Código esta espécie de cumulação no art. 289 do CPC.Não se deve confundir a cumulação de pedidos com o pedido alternativo (art. 288). Neste não há cumulação de demandas. Formula-se pedido alternativo quando a relação de direito material deduzida no processo dá origem a uma obrigação alternativa (aquela que pode ser cumprida por mais de uma forma pelo devedor). Assim, por exemplo, se o devedor comprometeu-se a entregar ao credor um boi ou um cavalo, e a obrigação não foi cumprida, será lícito ao credor propor ação pedindo a condenação do demandado a entregar uma coisa ou outra. O pedido aqui é único, já que a obrigação é só uma, e assume esta forma em razão das peculiaridades do direito substancial.Admite-se, também, o pedido alternativo nas obrigações acompanhadas de prestação facultativa,19 assim entendida aquela obrigação em que o devedor, desde o nascimento da relação obrigacional, se reserva o poder de liberar-se do vínculo entregando ao credor, em lugar da prestação devida, uma prestação diferente, desde logo determinada ou determinável. Esta difere da obrigação alternativa porque nesta últi-ma as duas prestações encontram-se no mesmo plano, sendo ambas devidas, enquanto na obrigação com prestação facultativa apenas a primeira prestação é devida (daí ser chamada "prestação principal"), admitindo-se, porém, que o devedor a substitua por outra já determinada previamente. Basta dar um exemplo: um Fulano se compromete a entregar a um Beltrano um automóvel, ficando acertado desde logo que poderá se liberar da obrigação entregando ao credor o seu valor em dinheiro. Neste caso o credor espera o automóvel como objeto da prestação (ao contrário da obrigação alternativa, em que o credor, desde logo, sabe da indeterminação do que lhe será entregue), mas19 Sobre obrigações alternativas e obrigações acompanhadas de prestação facultativa, é obrigatória a consulta a Ricardo César Pereira Lira, A Obrigação Alternativa e a Obrigação Acompanhada de Prestação Facultativa, Rio de Janeiro, tese, 1970, passim.325

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Alexandre Freitas Câmarasabe também que o devedor poderá se liberar do vínculo entregando coisa diversa, previamente determinada (ou determinável). O descum-primento deste tipo de obrigação, como dito, terá também como conseqüência no campo processual a formulação de pedido alternativo.20

Ainda no estudo do pedido, e do modo como o mesmo pode (ou deve) ser formulado na petição inicial, deve-se referir que no caso da obrigação cujo cumprimento se pretende ser de trato sucessivo, com prestações periódicas, considera-se que as prestações vincendas se encontram incluídas no pedido, ainda que não o diga expressamente o autor (art. 290). É o que se tem, por exemplo, na "ação de consignação de alugueres e acessórios da locação", em que o autor pleiteia a consignação de um mês de aluguel e deverá, no mesmo processo, consignar as prestações que vierem a vencer durante seu trâmite, ainda que não o pleiteie expressamente na petição inicial. Quer-se, com isto, evitar a necessidade de propositura de uma nova demanda a cada vencimento de prestação se é única a relação jurídica obrigacional.Esta norma, aliás, é exceção à regra geral, contida no art. 293 do CPC, segundo a qual a interpretação do pedido deve ser sempre restritiva. Não se pode considerar incluído no pedido aquilo que ali não foi inserido expressamente, salvo nos casos previstos em lei (de que é exemplo, além do art. 290, que acaba de ser visto, o disposto no art. 20, que prevê a inclusão, na sentença, da condenação do vencido a ressarcir o vencedor das despesas processuais e honorários advo-catícios). Como regra geral, porém, deve-se interpretar restritivamente o pedido, o que é corolário do princípio da demanda, já que o pedido é o limite estabelecido para o exercício da função jurisdicional, que é, por natureza, inerte (art. 2° do CPC).Após a identificação da demanda, com a indicação das partes, da causa de pedir e do pedido, exige a lei seja incluída na petição inicial a determinação do valor da causa (art. 282, V). Tal exigência decorre da regra contida no art. 258 do CPC, segundo o qual "a toda causa será atribuído um valor certo, ainda que não tenha conteúdo econômico imediato". Além disso, o art. 259 é expresso em afirmar que "o valor da causa constará sempre da petição inicial". Nosso processo civil é, em diversas passagens, ainda influenciado por um cunho essencialmente patrimonial, econômico. Por esta razão, diversos fenômenos processualmente relevantes sofrem influência do valor da causa, o qual deve20 Barbosa Moreira, O Novo Processo Civil Brasileiro, p. 14.326

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Lições de Direito Processual Civilser fixado ainda que a mesma não tenha conteúdo econômico apreciável. Basta referir-se à fixação da competência em razão do valor e à determinação para que se observe o procedimento sumário nas causas cujo valor não exceda de vinte vezes o maior salário mínimo vigente no país (art. 275, I), para que se tenha noção da importância do valor da causa. Além disso, há fenômenos extraprocessuais que se relacionam com o valor da causa, como, por exemplo, o cálculo de tributos.21

Cabe ao demandante calcular o valor da causa, indicando-o na sua petição inicial. Os arts. 259 e 260 apresentam uma série de formas de cálculo para o valor da causa, a serem observadas nas hipóteses ali previstas. O mesmo é feito por outros dispositivos legais, como o art. 58, III, da Lei de Locações (Lei na 8.245/91). Deve-se ter certo, porém, que, como regra, o valor da causa deve corresponder à vantagem econômica que se quer obter com o processo.22 Nas causas sem cunho patrimonial verificável, como numa "ação de investigação de paternidade", o valor da causa deverá ser atribuído pelo autor, nada impe-dindo que o mesmo seja simbólico, correspondendo até mesmo a unidade monetária.Nos termos do inciso VI do art. 282, deve o autor indicar, na petição inicial, as provas com que pretende demonstrar a veracidade de suas alegações. Trata-se de uma exigência de especificação de provas, nem sempre respeitada pelos advogados que elaboram as petições iniciais. Inúmeros advogados, impressionados talvez com a possibilidade de algum fato superveniente tornar insuficientes as provas que pretendiam produzir de início, acabam afirmando em suas petições que pretendem produzir "todos os meios de prova em direito admissíveis", ou alguma fórmula similar. Tal assertiva não preenche o requisito imposto pela lei para a regularidade formal da demanda, mas tem sido aceita por juizes e tribunais complacentes. É certo, porém, que tal comportamento acabou por gerar o costume de muitos magistrados de,21 No Estado do Rio de Janeiro, o demandante tem de recolher aos cofres do Estado, para poder propor sua demanda, uma taxa judiciária, correspondente a dois por cento sobre o valor da causa (havendo, diga-se, um valor mínimo e outro máximo para a taxa).22 Gélson Amaro de Souza, Do Valor da Causa, São Paulo: Sugestões Literárias, 2a ed., 1987, p. 15, afirma que "o valor da causa no processo civil é a representação da força propulsora que deu causa à ação. Sempre haverá de eqüivaler ao benefício que se busca com a ação em razão do prejuízo que se evita com o exercício do direito de ação. Deve ser observado o valor da coisa, mas sem perder de vista que nem sempre o objeto do pedido é a coisa por inteiro, ficando a força propulsora da ação limitada apenas à parte do objeto do pedido, reduzindo assim o valor do pedido".327

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Alexandre Freitas Câmaraapós o encerramento da fase postulatória do procedimento, determinar às partes que "especifiquem as provas que pretendem produzir", o que certamente se tornaria desnecessário (ao menos na maioria das vezes) se as partes tivessem, no momento oportuno, especificado as provas com que pretendem demonstrar a verdade de suas alegações.Deve, pois, o demandante, em sua petição inicial, indicar com precisão os meios de prova com que pretende demonstrar a veracidade de suas assertivas, utilizando fórmula análoga à seguinte: "Protesta pela produção de prova documental, testemunhai e pericial".Por fim, exige o inciso VII do art. 282 que da petição inicial conste o requerimento de citação do demandado. E de se notar que incumbe ao autor o ônus de promover a citação, ou seja, dar ao Estado os elementos necessários para que a citação possa ser realizada. Assim, além de pagar as custas, cabe ao autor indicar, por exemplo, o endereço do réu, ou - tratando-se de pessoa jurídica - o nome da pessoa que, representando-a, deve receber a citação.23

Ao lado dos requisitos apresentados no art. 282, como já dito, deve a petição inicial indicar, também, o endereço onde o advogado recebe intimações (art. 39, I, CPC).Elaborada a petição inicial, é a mesma levada a juízo, devendo o juiz, neste primeiro momento, fazer uma análise da observância dos requisitos formais da demanda, a fim de pronunciar-se, pela primeira vez, no processo. Três hipóteses podem, então ocorrer: a petição inicial pode preencher todos os seus requisitos (ao menos à primeira vista), caso em que estará apta a permitir um regular desenvolvimento do processo; poderá conter um vício sanável; e poderá, por fim, conter vício insanável.Considerando-se que a petição inicial que preencha todos os seus requisitos será apta a permitir o regular desenvolvimento do processo daí em diante, afigura-se mais importante, por ora, a análise das conseqüências de haver vício naquela petição. Assim, em tendo a petição inicial um vício sanável (e.gr., o autor deixou de indicar o valor23 Sobre o tema, já se pronunciou o Superior Tribunal de Justiça, em acórdão proferido no REsp n- 33.528-4-AM, relator o Ministro Waldemar Zveiter, publicado no DJ de 2.8.1993: "Incumbe ao autor informar, na petição inicial (art. 282, VII, do CPC), o nome de quem deve receber a citação pela pessoa jurídica, respondendo pelas conseqüências dos equívocos ou erros que o oficial de justiça, por si ou induzido, viesse a cometer, por ignorar a quem devesse citar, ou o fizesse equivocadamente. Precedentes do STJ" (trecho citado por Sálvio de Figueiredo Teixeira, O STJ e o Processo Civil, Brasília: Brasília Jurídica, 1995, p. 233).328

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Lições de Direito Processual Civilda causa), deverá o juiz determinar ao demandante que saneie o vício no prazo de dez dias (art. 284). Este prazo, porém, será de apenas quarenta e oito horas se o vício da petição inicial for a ausência de indicação do endereço do advogado (art. 39, parágrafo único, do CPC). Sanado o vício, a petição inicial se encontrará apta a permitir o regular desenvolvimento do processo. Decorrido o prazo sem que o vício seja sanado, deverá o juiz indeferir liminarmente a petição inicial.De outro lado, contendo a petição inicial um vício insanável (como, por exemplo, um pedido juridicamente impossível), deverá o juiz, também liminarmente, indeferi-la.Como já se viu, o juiz ao indeferir a petição inicial estará extinguindo o processo, o que se dará - quase sempre - sem resolução do mérito (art. 267, I). Prevê o Código de Processo Civil, no art. 295, as causas de indeferimento da petição inicial. Assim, deverá tal petição ser indeferida quando for inepta (art. 295, I e seu parágrafo único), quando a parte for manifestamente ilegítima (art. 295, II), quando o autor carecer de interesse de agir (art. 295, III), quando o juiz verificar, desde logo, a decadência ou a prescrição (art. 295, IV, hipótese de extinção do processo com resolução do mérito),24 quando o tipo de procedimento escolhido pelo autor não for o adequado, sendo impossível sua adaptação (art. 295, V), ou quando o autor deixar de corrigir o vício sanável contido na petição inicial no prazo assinado para tal (art. 295, VI).Sendo o ato de indeferimento da petição inicial uma sentença, poderá o autor interpor o recurso de apelação (art. 296 c/c art. 513 do CPC). Trata-se, porém, de uma apelação com características próprias, um pouco diversas das que tem, normalmente, esta espécie de recurso. Assim é que a apelação contra a sentença que indefere liminarmente a petição inicial é a única, no sistema do CPC, a admitir juízo de retrata-24 É de se notar que, na hipótese de indeferimento liminar da petição inicial, não terá sido ainda citado o réu, o que faz com que tais matérias tenham sido examinadas ex offício pelo juiz. É notório que a decadência pode ser apreciada de ofício (assim, por todos, Orlando Gomes, Introdução ao Direito Civil, Rio de Janeiro: Forense, 9a ed., 1987, p. 431). No que se refere à prescrição, é o próprio CPG, em seu art. 219, § 5-, que afirma a possibilidade de se reconhecer de ofício a mesma, quando não se tratar de direitos patrimoniais. Surge, então, a seguinte questão: existe prescrição de direitos não-patrimoniais? A doutrina se divide, optando alguns pela resposta afirmativa (Moniz de Aragão, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. II, p. 264), e outros pela negativa (Costa Machado, Código de Processo Civil Interpretado, p. 161). Esta última nos parece a melhor posição. Não existe prescrição de direitos não-patrimoniais, pois que estes direitos, exatamente em razão de sua natureza, estão sujeitos à decadência. Em outros termos, apenas a decadência poderá ser conhecida de ofício pelo juiz.329

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Alexandre Freitas Câmaração,25 o que significa dizer que é lícito ao juiz, interposta a apelação contra a sentença que indeferiu liminarmente a petição inicial, reformar sua decisão, determinando a citação do réu ou a emenda da inicial.26 Mantida a decisão é que o recurso será enviado ao tribunal competente para seu julgamento. Além disso, a apelação contra a sentença de indeferimento liminar da petição inicial não está sujeita ao oferecimento de contra-razões do apelado (ou seja, de impugnação oferecida pela outra parte), eis que o réu ainda não foi citado, não integrando, portanto, a relação processual.27 Por fim, há que se afirmar que a apelação contra sentença que indefere liminarmente a petição inicial não está sujeita, no tribunal, à revisão (art. 551, § 3a).28

Deferida a petição inicial, através do provimento tradicionalmente denominado "despacho liminar positivo", o juiz determinará a citação do demandado para responder, no prazo de quinze dias. Ao ser citado, deverá o réu ser advertido de que, em não oferecendo contestação, se presumir-se-ão verdadeiros os fatos alegados pelo autor (art. 285).

§ 32 Resposta do RéuNo procedimento ordinário o prazo para oferecimento da resposta é de quinze dias. Obviamente que se aplicam aqui, alterando este prazo, as regras do art. 188 (prazo em quádruplo para a Fazenda Pública e o Ministério Público) e do art. 191 (prazo em dobro para litisconsortes com advogados diferentes). Em regra, porém, será de quinze dias o prazo da resposta. Este prazo será contado da forma habitual, excluindo-se o dia do início e incluindo-se o do vencimento. O termo inicial do prazo para resposta vem fixado no art. 241, e como regra geral (já que a citação postal é a regra), será o momento da juntada aos autos do aviso de recebimento.25 Dizemos que é a única no sistema do CPC porque encontram-se, fora do Código, outras hipóteses em que tal juízo é possível (assim é que em todas as apelações do Estatuto da Criança e do Adolescente há juízo de retratação - art. 198, VII, do ECA).26 Freitas Câmara, Lineamentos do Novo Processo Civil, p. 49.27 Neste sentido a maioria da doutrina: Dinamarco, A Reforma do Código de Processo Civil, p. 81, Carreira Alvim, Código de Processo Civil Reformado, p. 63, Freitas Câmara, Lineamentos do Novo Processo Civil, p. 49. Contra, entendendo necessária a citação do réu para participar do procedimento recursal, Calmon de Passos, inovações no Código de Processo Civil, p. 109.28 Trataremos da revisão dos recursos no segundo volume desta obra, quando da análise da ordem dos processos nos tribunais.330

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Lições de Direito Processual CivilNeste prazo poderá o demandado oferecer qualquer uma das três espécies de resposta admitidas em nosso ordenamento: contestação, reconvenção e exceção. Além destas três, e embora não seja considerada pelo CPC como modalidade de resposta, será também aqui examinada a impugnação ao valor da causa, que em muito se assemelha às respostas admitidas no sistema do Código.É de se iniciar, porém, pelo estudo das três espécies de resposta. Antes de se analisar cada uma delas, contudo, há que afirmar que cada modalidade de resposta tem uma finalidade diversa, podendo o réu oferecer, das três, as que ele quiser. Até mesmo as três modalidades poderão ser oferecidas pelo réu, se este quiser. O oferecimento de uma espécie de resposta independe do oferecimento das demais, o que faz com que o réu possa fazer todas as combinações possíveis entre as três espécies. Pode, pois, apenas contestar (ou apenas reconvir, ou só excepcionar), poderá, também, oferecer duas das espécies (contestação e reconvenção, contestação e exceção, reconvenção e exceção), e poderá, por certo, oferecer as três espécies no mesmo processo.

3.1. ContestaçãoA primeira, e mais importante, das modalidades de resposta é a contestação. Este é o ato através do qual o réu apresenta a parte essencial de sua defesa. Na contestação o réu apresenta suas defesas processuais (como, por exemplo, uma alegação de carência de ação, ou qualquer outra questão preliminar - art. 301), além das defesas de mérito. Estas, por sua vez, podem ser diretas ou indiretas.Chama-se defesa direta de mérito a negação do fato constitutivo do direito do autor. Assim, por exemplo, numa "ação de cobrança" de dívida decorrente de contrato de mútuo, a defesa direta de mérito consistirá em se negar a celebração do contrato de empréstimo. De outro lado, defesa indireta de mérito consiste na alegação de fato extintivo (como a prescrição), impeditivo (como a incapacidade do agente) ou modificativo (como o pagamento parcial) do direito do autor.Toda a matéria de defesa deve ser alegada na contestação, tanto as matérias de fato como as de direito. Deve ser observado, aqui, o princípio da eventualidade. Trata-se de princípio que se faz presente não só na contestação como em todas as demais manifestações das partes do processo. Tal princípio significa que todas as alegações da parte devem ser produzidas de uma só vez, na primeira oportunidade331

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que ela tenha para se manifestar, ainda que contraditórias entre si.29 Basta pensar, por exemplo, numa demanda em que o autor pretenda ver o réu condenado a pagar uma dívida decorrente de um contrato de mútuo. Citado, o réu poderá contestar alegando que o autor nunca lhe emprestou dinheiro, mas se houve empréstimo também houve pagamento. As alegações, contraditórias entre si, devem ser formuladas ambas na contestação, sob pena de o réu perder a faculdade de argüir tais defesas no processo (preclusão). Toda a matéria de defesa deve ser argüida na contestação, sob pena de preclusão. Excetuam-se, apenas, a relativa a direito superveniente, as questões que o juiz possa conhecer de ofício (como a decadência ou as defesas processuais em geral, com exceção apenas da convenção de arbitragem -art. 301, § 4a), ou aquelas matérias que, por expressa autorização legal, possam ser argüidas em qualquer grau de jurisdição, como a prescrição (art. 303, III, do CPC c/c art. 193 do Código Civil de 2002).Além do princípio da eventualidade, que exige, como se viu, a apresentação de toda a matéria de defesa na contestação, aí incluindo-se as defesas processuais e de mérito (diretas e indiretas), ainda que contraditórias entre si, deve o réu atender, em sua contestação, ao ônus da impugnação especificada dos fatos (art. 302 do CPC). Significa isto dizer que o réu tem o ônus de impugnar cada um dos fatos alegados pelo autor, de forma precisa e específica. Fato narrado pelo autor na inicial e não impugnado pelo réu na contestação se presume verdadeiro.30 Somente não se opera tal presunção quando o fato alegado e não impugnado for daqueles que não admitem confissão (art. 302, I), assim considerados os que se referirem a direitos indisponíveis (art. 351); se a petição inicial não veio acompanhada de instrumento público que a lei considerar da substância do ato (forma ad29 Robert Wyness Millar, Los Princípios Formativos dei Procedimiento Civil, trad. esp. de Catarina Grossman, Buenos Aires: Ediar, 1945, pp. 96-97, onde se lê: "Lo que se ha caracterizado (aunque, ai parecer, no con entera razón), como 'exageración artificial' dei principio de preclusión, lo implica Ia Uamada Eventualmaxime o principio de eventualidad que se resume mejor en ei término de principio de acumulación eventual También cabría denominado principio de ataque y defensa global, puesto que supone que Ias partes, en Ias respectivas fases, deben presentar simultânea y no consecutivamente todas Ias alegaciones y elementos de prueba que pertenezcan a estos períodos, sean compatibles o no unos con otros, y aun cuando ei pronunciamiento en base a uno de estos puntos hiciese innecessaria Ia consideración de los demás".30 A presunção, no caso, é relativa, iuris tantum, e admite a produção de prova em contrário (assim, por todos, Wellington Moreira Pimentel, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. III, São Paulo: RT, 2a ed., 1979, p. 274).332

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substantiam, art. 302, II); ou se tais fatos estiverem em contradição com a defesa, considerada esta em seu conjunto (art. 302, III).Conseqüência do ônus da impugnação especificada dos fatos é a inadmissibilidade da "contestação por negação geral", aquela em que o réu se limita a afirmar que todas as alegações do autor são inverí-dicas, ou que sua pretensão é improcedente. Contestar por negação geral é o mesmo que não contestar. Esta forma de contestação só é admitida, nos termos do art. 302, parágrafo único, quando apresentada pelo curador especial (nomeado nas hipóteses do art. 9a) e pelo Ministério Público.31

Não se pode falar da contestação sem que algumas considerações sejam feitas acerca da ausência dela, no fenômeno designado por revelia (arts. 319 a 322 do CPC). Esta deve ser conceituada, pois, como ausência de contestação, no prazo e forma legais.32 Em outros termos, sendo citado o réu, e deixando este de oferecer contestação dentro do prazo e com a observância das formalidades legais, será considerado revel, ocorrendo, assim, o fenômeno da revelia.É importante notar que a revelia não deve ser entendida como "ausência de resposta", mas como "ausência de contestação". Isto porque nada impede que o réu deixe de contestar (permanecendo, pois, revel) e ofereça outra modalidade de resposta, como a reconvenção. Neste caso, não se poderá falar em "ausência de resposta", eis que o réu terá reconvindo, mas ainda assim deverá o demandado ser tido por revel, uma vez que terá deixado de oferecer contestação.Instituto que recebeu tratamento diferenciado de cada ordenamento jurídico ao longo de sua evolução histórica, mesmo hoje são diversas as regulamentações da revelia (e de seus efeitos) nos diferentes ordenamentos jurídicos. Originária do Direito Romano, a revelia foi ali31 Fala a lei, ainda, em advogado dativo, mas este é um personagem estranho ao processo civil. Neste, estando o autor sem advogado é de se extinguir o processo sem resolução de mérito, e estando o réu sem patrono, deve ser considerado revel. Não podemos concordar com a afirmação de alguns autores (por todos, Fidélis dos Santos, Manual de Direito Processual Civil, vol. I, p. 355), de que o advogado dativo é o nomeado nas hipóteses de assistência judiciária gratuita, eis que se denomina advogado dativo, tradicionalmente, aquele nomeado para exercer a defesa de quem se recusa a oferecer resistência, como se tem, por exemplo, na figura do defensor dativo do processo penal. O defensor público (ou outro profissional que exerça a assistência judiciária gratuita) é profissional habilitado, capaz de representar seu patrocinado adequadamente, não se fazendo sentir a necessidade de dispensa do ônus da impugnação especificada em razão da hipossuficiência econômica da parte.32 Rita Gianesini, Da Revelia no Processo Civil Brasileiro, São Paulo: RT, 1977, p. 66.333

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Alexandre Freitas Câmaratratada de forma diferenciada em cada uma das fases do desenvolvimento do processo romano. Assim é que, na primeira fase de sua evolução (a fase das legis actiones, ou "ações da lei", em que o processo se dividia em duas fases (in iure e apud iudicem, a primeira perante o magistrado e a segunda perante o iudex), a presença do réu na primeira fase era essencial, para que se tornasse possível a litis con-testatio. Assim, não se pode admitir a existência de revelia na primeira fase, in iure, sendo certo que o réu ausente poderia ser conduzido perante o magistrado pelo uso da força.33 Já na segunda fase, apud iudicem, há divergência doutrinária acerca da possibilidade de ausência do demandado, parecendo, porém, que a melhor posição é admitir tal fenômeno.34 Numa segunda fase do desenvolvimento do processo romano, o período do processo formular, admitia-se a ausência de defesa do demandado, que era tratado como indefensus, o que significa dizer que era ele tratado como se condenado fosse.35 Por fim, no último período do processo civil romano, da extraordinária cognitio, a ausência do réu não impedia o regular desenvolvimento do processo, sendo certo que o juiz, ao proferir sentença, não estava obrigado a acolher a pretensão do demandante.36

No Direito moderno há, também, variações no tratamento dispensado à revelia. Assim é que no Direito italiano a revelia dá origem ao processo contumacial, sujeito a regras especiais, aplicáveis apenas com a declaração da revelia, ato judicial que reconhece a inatividade do réu. Admite-se, porém, que o réu ingresse tardiamente no processo, recebendo o mesmo no estado em que se encontra.37 Além disso, a revelia não leva a nenhuma alteração no ônus da prova, permanecendo para o autor o ônus de demonstrar a veracidade de suas alegações.38 isto se dá33 Cruz e Tucci et aiii, Lições de História do Processo Civil Romano, pp. 55-56.34 Admite que o processo romano das legis actiones podia se desenvolver sem a presença do réu na fase apud iudicem, Rogério Lauria Tucci, Da Contumácia no Processo Civil Brasileiro, São Paulo: Saraiva, 1964, p. 24. Em sentido contrário, afirmando que "en los primeros tiempos, no se concebia ei proceso en ausência de Ias partes y ello acarreaba su nulidad", Humberto Cuenca, Proceso Civil Romano, p. 81.35 Cruz e Tucci et aiii, Lições de História do Processo Civil Romano, pp. 85-86.36 Cruz e Tucci et aiii, Lições de História do Processo Civil Romano, p. 144.37 Fazzalari, II Processo Ordinário di Cognizione, vol. I, p. 166 (ressalvando que ocorrendo rimesso in termini o réu que ingressa tardiamente poderá praticar atos que, em princípio, já se encontravam preclusos, o que se dá por ter demonstrado o réu que ingressou tardiamente por ter sido nula a citação ou por outro motivo a si não imputável.38 Chiovenda, Instituições de Direito Processual Civil, vol. III, p. 148.334

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Lições de Direito Processual Civilporque o Direito italiano se preocupa em reduzir aos limites do possível e do justo o prejuízo que acarretará a ausência da parte no processo.39

Diverso do italiano, e de maior influência sobre o nosso sistema, é o Direito alemão.40 Neste, onde o processo civil é regulado, essencialmente, pela mais do que centenária ZPO (Zivilprozessordnung), dis-pensa-se ao réu revel um tratamento extremamente rigoroso. Pode-se resumir o sistema alemão da ZPO pelas seguintes características:a) dá-se a revelia pela ausência do réu a qualquer das audiências designadas para o debate oral;b) a conseqüência da revelia do réu é a poena confessi quanto aos fatos alegados pelo demandante e, segundo o conteúdo destes, resolução em seu favor ou em seu prejuízo;c) pronunciamento das conseqüências da revelia através da "sentença contumacial";d) esta sentença é sujeita a oposição.41

E de se notar que a "confissão ficta" que se opera em razão da revelia, no Direito alemão, não acarreta necessariamente a procedência do pedido do demandante, pois que apenas os fatos alegados serão tidos como verdadeiros, cabendo ao órgão judicial resolver as quaestio iurisA2

São semelhantes, em diversos pontos, o sistema alemão e o brasileiro, principalmente no que se refere às conseqüências. Deixe-se claro, porém, que ao contrário do que se dá na Alemanha, a ausência do réu a uma audiência não implicará revelia se, antes disto, tiver ele oferecido contestação. Em nosso sistema, revelia é, como afirmado anteriormente, ausência de contestação, sendo esta a única situação em que se pode admitir a ocorrência do fato processual da revelia.Entre nós, porém, assim como entre os alemães, a revelia produz o efeito de gerar a presunção (relativa) de veracidade dos fatos alegados39 Mandrioli, Corso di Dirítto Processuale Civile, vol. II, p. 282.40 Sobre a influência do Direito alemão sobre o sistema brasileiro da revelia, consulte-se José Carlos Barbosa Moreira, "A Revelia no Direito Alemão e a Reforma do Processo Civil Brasileiro", in Estudos sobre o Novo Código de Processo Civil, pp. 134 e seguintes.41 Adolf Wach, Conferências Sobre Ia Ordenanza Procesal Civil Alemana, trad. esp. de Ernesto Krotoschin, Buenos Aires: EJEA, 1958, p. 172.42 Barbosa Moreira, "A Revelia no Direito Alemão e a Reforma do Processo Civil Brasileiro", ob. cit., p. 136.335

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Alexandre Freitas Câmarapelo autor (art. 319 do CPC).43 Este é o chamado efeito material da revelia. Trata-se de presunção relativa e que, por conseguinte, pode ser ilidida por prova em contrário. Note-se que, no direito brasileiro (como no italiano), o revel pode intervir no processo a qualquer tempo, rece-bendo-o no estado em que se encontra. Assim, havendo tempo útil para produzir determinada prova (o que, gize-se, dificilmente acon-tecerá), poderá esta ser produzida, como se vê, aliás, pelo enunciado na 231 da Súmula da Jurisprudência Dominante do Supremo Tribunal Federal: "O revel, em processo civil, pode produzir provas, desde que compareça em momento oportuno". Além disso, nada impede que o juiz, dos elementos de prova trazidos aos autos pelo próprio demandante, ou da verificação de que há fatos da causa que são notórios (e que contrariam os interesses do demandante), ou ainda que o autor alegou fatos impossíveis, possa ter por afastada a presunção a que se refere o art. 319 do CPC.É de se observar que nas hipóteses previstas no art. 320 do CPC a revelia não induzirá este efeito material, não surgindo a presunção de veracidade dos fatos alegados pelo autor. Assim é que, havendo li-tisconsórcio passivo, a contestação oferecida por um dos réus aproveitará aos seus litisconsortes que não tiverem contestado. E de se notar que, obviamente, esta contestação só aproveitará aos litisconsortes ausentes nos limites do que nela tiver sido alegado. Obviamente, os fatos alegados pelo autor e não impugnados nesta contestação presumir-se-ão verdadeiros não só para o litisconsorte que compareceu ao processo, mas também para os que deram azo à revelia.Também não produz efeito a revelia quando a causa versar sobre direitos indisponíveis. Neste caso, assim como no anterior, a revelia não dispensa o autor de provar a veracidade de suas alegações. É o que se dá, por exemplo, numa "ação de investigação de paternidade", em que a revelia do demandado não exime o autor do ônus de provar que o réu é seu pai.Por fim, afirma o art. 320 que não se opera o efeito material da revelia se a petição inicial não veio acompanhada de instrumento público que a lei considere indispensável à prova do ato jurídico (forma ad probationem). Além destas três hipóteses de inocorrência dos efeitos da revelia, outras há a considerar. Assim, por exemplo, os casos em que43 Neste sentido, considerando relativa a presunção, Nery Júnior, Código de Processo Civil Comentado, p. 745. Em sentido diverso, entendendo tratar-se de presunção absoluta, Gianesini, Da Revelia no Processo Civil Brasileiro, p. 75.336

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Lições de Direito Processual Civilao réu revel (citado com hora certa ou por edital) se nomeia curador especial (art. 9°, II, CPC), podendo este oferecer contestação por negação geral (art. 302, parágrafo único), o que afasta a produção do efeito material da revelia, e ainda a hipótese de, revel o réu, seu assistente oferecer contestação, atuando como seu "gestor de negócios" (art. 52).Produzindo-se o efeito material da revelia, e presumindo-se verdadeiros os fatos alegados pelo autor, deverá o juiz decidir o mérito (o que só ocorrerá, obviamente, se não houver nenhuma razão para pôr termo ao processo sem resolução do mérito - art. 267), o que fatalmente se fará em favor do demandante. É certo que apenas as questões de fato ficarão superadas nesta hipótese, visto que as questões de direito devem ser apreciadas livremente pelo juiz. Ocorre que, se dos fatos narrados pelo autor na inicial (e que se presumem verdadeiros, por força da produção do efeito material da revelia) não decorrer logicamente o direito que o demandante afirma ter, o caso será de indeferimento da petição inicial (art. 295, I e seu parágrafo único, II, CPC). Assim sendo, a improcedência do pedido do autor nos casos de revelia (referimo-nos, obviamente, aos casos em que a revelia produz efeitos) dependerá de ter o autor narrado fatos de que resulte, naturalmente, a conclusão narrada mas, do conjunto probatório (ou da existência de fatos notórios, ou ainda da alegação de fatos impossíveis), seja afastada a presunção de veracidade.Além do efeito material já mencionado, produz a revelia efeitos processuais. Estes são dois. O primeiro, o "julgamento antecipado da lide" (art. 330, II, CPC), ou seja, o julgamento imediato do mérito. Este efeito decorre, naturalmente, do efeito material da revelia, o que faz com que, obviamente, não se produza nos casos em que a revelia não gere a presunção de veracidade dos fatos alegados.Produzindo a revelia seu efeito material, os fatos alegados pelo demandante não precisarão ser provados (art. 334, IV, CPC), o que implicará a desnecessidade de outras atividades processuais destinadas à formação do convencimento judicial. Por esta razão, deverá o juiz, de imediato, proferir sentença de mérito, julgando a pretensão do autor (art. 269, I).Verifica-se, pela conjugação dos efeitos da revelia já mencionados, a razão de se considerar rigoroso o tratamento dispensado ao revel em nosso sistema. O mero fato de o réu não contestar implica presunção de veracidade dos fatos alegados pelo autor e julgamento imediato do mérito, o que faz com que o processo fique extremamente abreviado,337

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Alexandre Freitas Câmarasendo quase inevitável que o resultado final seja favorável ao demandante.Além deste efeito processual de permitir o julgamento imediato do mérito, há outro efeito processual da revelia, previsto no art. 322 do Código de Processo Civil. Revel o demandado, os prazos processuais correrão sem que este seja intimado dos atos e termos do processo. E de se notar que este efeito se produz apenas enquanto o réu permanecer ausente do processo. Sua intervenção, que, como se sabe, é possível a qualquer tempo, fará cessar a produção deste efeito, e o réu passará a ser intimado de tudo o que vier a ocorrer a partir de então.44

E de se notar que este efeito processual mencionado no art. 322 do CPC não exclui a fluência dos prazos processuais, os quais deverão ser todos respeitados. A conseqüência da incidência desta norma é, tão-somente, fazer com que os prazos corram independentemente de intimação do demandado revel.3.2. ReconvençãoSegunda das modalidades de resposta prevista em nosso sistema como cabível no procedimento ordinário, a reconvenção não é uma modalidade de defesa, mas sim um verdadeiro contra-ataque. Trata-se, em verdade, de uma demanda autônoma, oferecida pelo réu em face do autor. Pode-se, assim, definir a reconvenção como a ação proposta pelo réu em face do autor, aproveitando-se do mesmo processo.^ Sendo a reconvenção uma demanda autônoma, o réu é de ser tratado, aqui, como demandante (réu-reconvinte) e o autor como demandado (autor-reconvindo).É de se verificar, antes de mais nada, que a reconvenção, embora demanda autônoma, não faz nascer um novo processo. O processo é único, e nele se contêm a demanda original e a demanda recon-vencional.46 Tal processo terá, assim, seu objeto alargado, eis que uma44 Edson Prata, A Revelia no Direito Brasileiro, São Paulo: LEUD, 1981, p. 26, que, referindo-se à possibilidade de o revel intervir no processo em qualquer fase, afirma: "Revel foi até ali, não será mais nos atos subseqüentes".45 Esta definição se aproxima bastante da apresentada pelo clássico autor brasileiro Francisco de Paula Baptista, ancestral de todos os processualistas pátrios. Confira-se, pois, Paula Baptista, Teoria e Prática do Processo Civil e Comercial, p. 93. Na doutrina brasileira recente, José Rogério Cruz e Tucci, Da Reconvenção, São Paulo: Saraiva, 1984, pp. 58-59; Clito Fornaciari Júnior, Da .Reconvenção no Direito Processual Civil Brasileiro, São Paulo: Saraiva, 1979, pp. 12-13.46 Fornaciari Júnior, Da Reconvenção no Direito Processual Civil Brasileiro, p. 12.338

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Lições de Direito Processual Civilnova pretensão terá sido manifestada por aquele que originariamente ocupava a posição de réu, mas que agora terá assumido uma posição ativa, como reconvinte.A afirmação de que estamos, aqui, diante de um único processo é extremamente relevante, pois que assim não haverá possibilidade de defesa de posição diversa da que afirma que o ato judicial de indeferimento liminar da reconvenção não põe termo ao processo (que continuará a existir para que se julgue a demanda original), não sendo, pois, sentença, e sim decisão interlocutória (o que faz com que o recurso cabível contra este provimento seja o agravo - art. 522 do CPC - e não a apelação - art. 513).47 Tem-se, pois, com o oferecimento da demanda reconvencional, um único processo, cujo objeto é alargado, e não a existência de dois processos simultâneos.48

Impõe a lei requisitos para a admissibilidade da reconvenção, os quais decorrem, naturalmente, do fato de tal modalidade de resposta ser inspirada numa busca de economia processual que norteia todo o ordenamento processual civil vigente. O objetivo da reconvenção é permitir que, num único processo, duas pretensões sejam apreciadas. Para que se obtenham bons resultados com a reconvenção, porém, faz-se necessário que alguns pontos sejam observados. Em primeiro lugar, deve haver algum nexo entre o que já compunha o objeto do processo e o que será objeto da demanda reconvencional. Basta pensar numa "ação de despejo" em que o réu, em reconvenção, ajuizasse demanda de investigação de paternidade, e se terá idéia da necessidade de se estabelecer os limites dentro dos quais a reconvenção poderá ser admitida. Assim, são requisitos para que se possa admitir a reconvenção:a) que o juízo da causa principal não seja absolutamente incompetente para apreciar a demanda reconvencional (art. 109, CPC);47 No sentido do texto, Fornaciari Júnior, Da Reconvenção no Direito Processual Civil Brasileiro, p. 169; Cruz e Tucci, Da Reconvenção, p. 77; Calmon de Passos, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. III, p. 376. Contra, entendendo cabível a apelação, por ver na decisão que indefere liminarmente a reconvenção uma sentença, Bermudes, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. VII, p. 127.48 Também na doutrina estrangeira se reconhece que a reconvenção não dá azo à instauração de processo novo, sendo, pois, único o processo em que serão apreciadas a demanda original e a reconvencional. Neste sentido, na doutrina italiana, Mandrioli, Corso di Diritto Processuale Civile, vol. I, p. 129. Na doutrina portuguesa, consulte-se Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, Coimbra: Coimbra Editora, 2a ed., 1985, p. 323.339

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Alexandre Freitas Câmarab) haver compatibilidade entre os procedimentos aplicáveis à causa principal e à reconvenção;c) estar pendente o processo da causa principal;d) haver conexão entre a reconvenção e a "ação principal" ou com o fundamento da defesa (art. 315).49

Destes requisitos, o único a exigir maior atenção é o último: a reconvenção deve ser conexa com a demanda principal ou com os fundamentos da defesa. O conceito de conexão empregado no art. 315 é mais amplo do que aquele empregado no art. 103 do Código de Processo Civil. Tal se evidencia pelo fato de o art. 315 admitir a conexão entre a demanda reconvencional e a defesa, sendo certo que esta não tem causa de pedir ou objeto, e o art. 103 é expresso em considerar que há conexão quando houver, entre duas demandas, identidade de pedido ou de causa de pedir.50

Há que se considerar, pois, a existência de duas situações distintas. Na primeira, admite-se a reconvenção quando esta for conexa com a demanda principal; na segunda, quando a conexão se der com os fundamentos da defesa. Na primeira situação, de conexão entre a demanda principal e a demanda reconvencional, nenhuma dificuldade deveria haver, já que a hipótese é de conexão entre duas demandas, o que ocorrerá toda vez que entre elas houver comunhão de objeto ou de causa de pedir. É certo, porém, que o termo "conexão", aqui, não está empregado naquele sentido que se encontra no art. 103, mas em senso mais amplo.51 Evidentemente, será cabível a reconvenção quando houver a conexão descrita no art. 103 do CPC, por identidade de objeto ou de causa de pedir.Quanto à conexão pela causa de pedir, esta pode se dar quando as demandas forem fundadas na mesma causa remota ou na mesma causa próxima. Assim, por exemplo, se o autor pede a condenação do réu ao cumprimento de uma obrigação prevista num contrato, pode o réu reconvir pleiteando a anulação do contrato, sendo ambas as demandas fundadas na mesma causa de pedir remota (o contrato). De outro lado, se o autor pleiteia uma indenização por dano causado a um bem seu, poderá o réu reconvir pleiteando indenização a um dano por49 Nery Júnior, Código de Processo Civil Comentado, p. 734.50 No sentido do texto, Barbosa Moreira, O Novo Processo Civil Brasileiro, p. 62.51 José Carlos Barbosa Moreira, A Conexão de Causas como Pressuposto da Reconvenção, São Paulo: Saraiva, 1979, p. 135.340

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Lições de Direito Processual Civilele sofrido, alegando que o mesmo se deu naquele mesmo evento danoso (identidade de causa de pedir próxima).Já no que se refere à conexão pelo pedido, exige-se identidade do pedido mediato, pois do contrário (identidade de pedidos imediatos) haveria conexão entre todas as demandas condenatórias (só para citar um exemplo). Assim, se um dos cônjuges pleiteia a separação judicial fundado em injúria grave, pode o outro cônjuge reconvir pedindo a separação em razão de adultério (conexão entre demanda principal e demanda reconvencional fundada na identidade de pedidos mediatos, já que em ambas as demandas se pleiteia a separação).Pode haver conexão com a demanda principal, capaz de tornar admissível a reconvenção, porém, quando não se identifiquem nem a causa de pedir nem o pedido. É o que se dá, por exemplo, na seguinte hipótese: "Tício, inquilino de Caio, propõe em face deste ação para ressarcir-se de danos pessoais que alega terem-lhe sido causados por agressão física do locador. Caio nega haver agredido Tício; diz que os ferimentos, ocorridos por ocasião de um tumulto, tiveram outra causa. Quer, por seu turno, demandar Tício, afirmando que este, pelo comportamento escandaloso no episódio, infringiu o regulamento do edifício e por conseguinte o contrato de locação, que o obrigava a respeitá-lo; deve, assim, ser despejado".52

De outro lado, quando se trata de conexão entre a reconvenção e a defesa, não se poderia mesmo querer dar à conexão o sentido que lhe atribui o art. 103 do CPC, pelo simples fato de a contestação não ter causa de pedir ou pedido. Tem a palavra, portanto, sentido mais amplo aqui do que o que se encontra no art. 103 do CPC.53 Exemplo clássico, lembrado por diversos autores, é o da demanda em que o autor pretende a condenação do réu ao pagamento de uma quantia em dinheiro, em que o réu contesta alegando compensação entre a dívida exigida pelo autor, e outra, de que ele é credor, e o demandante devedor. Sendo esta segunda obrigação de valor superior àquela cujo pagamento o deman-52 O exemplo é haurido da obra de Barbosa Moreira, A Conexão de Causas como Pressuposto da Reconvenção, p. 154. Aduz, ali, o ilustre processualista carioca: "A causa de pedir na ação de perdas e danos intentada por Tício e a causa de pedir na ação de despejo que Caio quer propor nem mesmo em parte coincidem. Aquela consiste no prejuízo que o locatário atribui ao locador; esta, na suposta infração contratual. Por outro lado, inexiste conexão entre a ação de Caio e o fundamento da sua defesa, que se resume na negativa da agressão".53 Assim, também, Fornaciari Júnior, Da Reconvenção no Direito Processual Civil Brasileiro, p. 121.341

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Alexandre Freitas Câmaradante exige na sua demanda, e pretendendo o réu ver o autor condenado a pagar o excesso, deverá reconvir, sendo sua reconvenção cabível porque conexa com o que foi alegado na contestação.54

Há que se referir, ainda, que além dos requisitos mencionados anteriormente, como essenciais para a admissibilidade da reconvenção, é preciso ainda que se façam presentes as "condições da ação" e os pressupostos processuais. Quanto às "condições da ação", avulta em importância a análise da legitimidade das partes na demanda reconvencional. Isto porque o parágrafo único do art. 315 dispõe que "não pode o réu, em seu próprio nome, reconvir ao autor, quando este demandar em nome de outrem". Trata-se de dispositivo pouco claro, mas de interpretação simples, como se verifica pela análise das opiniões doutrinárias sobre ele manifestadas. Assim é que, por esta regra, a reconvenção só pode ser oferecida pelo réu em face do autor se estes ocuparem, na demanda reconvencional, a mesma qualidade jurídica que ostentam na demanda principal. Refere-se, pois, o dispositivo citado, às hipóteses de substituição processual. Em outros termos, o que o dispositivo ora sob exame significa é que se alguma das partes na demanda original ali está como legitimado extraordinário, exercendo a substituição processual de outrem, só poderá se admitir a reconvenção se nesta demanda a parte figurar, também, como substituta processual.55 Assim, por exemplo, se A propõe ação em face de B, estando o autor em juízo, em nome próprio, na defesa de interesse de C (substituição processual), o réu (B) só poderá reconvir se a demanda reconvencional for dirigida a A na qualidade de substituto processual de C (e, obviamente, se A mantiver, para esta demanda, a legitimidade ad causam extraordinária que tem para a demanda principal).Há que se afirmar, ainda, que havendo litisconsórcio na demanda original, não há necessidade de que todos sejam partes da demanda reconvencional. Assim, por exemplo, havendo pluralidade de autores, pode o réu reconvir em face de um só deles. Do mesmo modo, havendo pluralidade de réus, nada impede que apenas um deles ofereça reconvenção.56 Problema mais complexo é o da possibilidade de, com a reconvenção, se provocar a instauração de um litisconsórcio entre quem já era parte da demanda principal e um terceiro, estranho à54 O exemplo, como dito, é clássico. Referem-no, entre outros, Barbosa Moreira, O Novo Processo Civil Brasileiro, p. 62; Fornaciari Júnior, Da Reconvenção no Direito Processual Civil Brasileiro, p. 122.55 Barbosa Moreira, O Novo Processo Civil Brasileiro, p. 61.56 Calmon de Passos, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. III, p. 365.342

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Lições de Direito Processual Civilrelação processual. Em outros termos, num processo entre A e B, pode este oferecer reconvenção em face de A e C? Parte da doutrina manifesta-se contra esta possibilidade de ampliação subjetiva do processo através da reconvenção, sustentando que neste caso se estaria admitindo que a demanda reconvencional fosse proposta por quem não é réu, ou em face de quem não é autor.57 Outros autores, porém, admitem tal ampliação subjetiva do processo através da reconvenção, em posição que nos parece a melhor.58 Basta citar, aqui, duas hipóteses, para se verificar as vantagens de se admitir a reconvenção subjetivamente mais ampla que a demanda principal. Imagine-se um contrato entre um Fulano, um Beltrano e um Sicrano, sendo que este último demandou o Fulano, pleiteando a condenação deste a adimplir certa obrigação decorrente daquela avença. O Fulano, por sua vez, quer oferecer reconvenção pleiteando a anulação do contrato. Não parece haver dúvidas de que, nesta demanda anulatória proposta pelo Fulano, haverá litisconsórcio necessário entre o Beltrano e o Sicrano. A ser verdadeira a afirmação de que a reconvenção não pode ampliar subjetivamente a relação processual, o Fulano ficaria impedido de oferecer sua reconvenção, já que o litisconsórcio que iria se formar seria necessário. Pense-se, agora, na demanda declaratória da inexistência de uma obrigação, proposta pelo devedor em face do credor, em que este pretenda oferecer reconvenção pedindo a condenação do devedor e de seu fiador. A possibilidade de se oferecer esta reconvenção subjetivamente mais ampla é totalmente amparada pelo princípio da economia processual, o qual se encontra à base dos institutos da reconvenção e do litisconsórcio. Além disso, é de se concordar com a afirmação de um de nossos maiores juristas, para quem, nesta hipótese de reconvenção subjetivamente mais ampla que a demanda principal, "a ação terá caráter reconvencional para o autor da ação primitiva e originário para os demais".59

Oferecida e admitida a reconvenção, o autor-reconvindo será intimado, através de seu advogado, para contestá-la em quinze dias (art. 316). Há, aqui, que se tecer algumas considerações. Em primeiro lugar, a intimação a que se refere a lei terá lugar, apenas, se a reconvenção for admitida, não bastando seu oferecimento, como pareceria a quem interpretasse literalmente o art. 316 do CPC.60 Além disso, há que se57 Fornaciari Júnior, Da Reconvenção no Direito Processual Civil Brasileiro, pp. 97-98.58 Por todos, Dinamarco, Litisconsórcio, pp. 384-387.59 Tornaghi, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. I, p. 212.60 Barbosa Moreira, O Novo Processo Civil Brasileiro, p. 64.343

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Alexandre Freitas Câmaradizer que a intimação será feita ao autor-reconvindo através de seu advogado, pouco importando se o mesmo recebeu ou não poderes especiais para receber citação em nome de seu patrocinado.61 A ausência de contestação do autor-reconvindo implicará revelia, sendo aplicáveis, aqui, todas as considerações acerca deste tema anteriormente ex-pendidas. Deve-se dizer, aqui, que a reconvenção não será autuada em apartado, devendo seu trâmite se dar nos autos do processo instaurado pela demanda principal.Há, ainda, que se dizer que o Código dispensa tratamento autônomo à reconvenção em relação à demanda original. Por esta razão, a existência de qualquer causa que torne impossível a apreciação do mérito da demanda principal não impedirá a apreciação da demanda reconvencional (art. 317). Assim, por exemplo, se o autor desistir da ação principal, ou se ficar o juiz convencido da ausência de interesse de agir naquela demanda, ou se as partes celebrarem uma convenção de arbitragem para submeter o conflito consubstanciado na demanda principal à decisão de um árbitro, ou qualquer outra situação análoga, deverá o juiz proferir decisão (interlocutória) declarando que a demanda principal não será apreciada em seu mérito, prosseguindo o processo apenas quanto à reconvenção.Na maioria das vezes, porém, inexistindo motivo para se impedir a apreciação do mérito de qualquer das duas demandas, aplicar-se-á o disposto no art. 318 do CPC, e tanto a demanda principal como a reconvencional serão apreciadas na mesma sentença.É de se notar que, nos termos do art. 299 do CPC, contestação e reconvenção devem ser oferecidas simultaneamente. Isto significa dizer, evidentemente, que as petições devem ser protocoladas no mesmo momento, sob pena de ocorrer a preclusão. Assim, por exemplo, se o réu oferece contestação no décimo dia do prazo, não poderá, posteriormente, oferecer reconvenção (ou, vice-versa, tendo o réu recon-vindo, não poderá, depois, contestar).62

61 Nery Júnior, Código de Processo Civil Comentado, p. 742.62 Fornaciari Júnior, Da Reconvenção no Direito Processual Civil Brasileiro, p. 149; Cruz e Tucci, Da Reconvenção, p. 60. Contra, porém, por considerar que contestação e reconvenção devem ser oferecidas no mesmo prazo, ainda que não ao mesmo tempo, já se manifestou o Superior Tribunal de Justiça: no REsp. n^ 132.545-SP Relator o Min. Waldemar Zveiter, cuja ementa é a seguinte: "Processual Civil - Contestação e Reconvenção - ambos apresentados no mesmo prazo da resposta - Interpretação teleológica e sistemática do art. 299 do CPC. I - Não ocorre a preclusão consumativa, quando ainda no prazo da resposta, contestação e reconvenção são ofertadas, embora a reconvenção tenha sido entregue depois da contestação. II - Recurso não conhecido".344

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Lições de Direito Processual Civil

3.3. ExceçãoTerceira das modalidades de resposta, regulada nos arts. 304 a 314 do CPC, é a exceção. Este termo, tradicionalmente empregado, em seu sentido mais amplo, para designar a defesa,63 ou, em sentido mais estrito, as matérias de defesa que só podem ser conhecidas se forem suscitadas pela parte (como a conhecida "exceção de não cumprimento de contrato", exceptio non adimpleti contractus), é aqui empregado em senso diverso dos dois mencionados.Designa-se por exceção uma modalidade de resposta do réu através da qual podem ser argüidas algumas defesas processuais, a saber: impedimento e suspeição do juiz e incompetência relativa do juízo.64

E preciso, no estudo das exceções, ressaltar o fato de que estas nem sempre se revelam como resposta do réu. Tal se dá, em primeiro lugar, porque o autor também pode opor as exceções de impedimento e de suspeição (art. 304). É de se notar, aliás, que o citado artigo do Código prevê ainda a possibilidade de o autor oferecer exceção de incompetência relativa do juízo, embora tal hipótese se revele impossível, uma vez que o autor, em sua petição inicial, dirigiu sua demanda àquele juízo, cabendo apenas ao demandado argüir a incompetência relativa (sob pena de, em não o fazendo, permitir, com sua inércia, a prorrogação da competência).65

Em segundo lugar, as exceções de impedimento e de suspeição do juiz podem ser oferecidas mesmo depois de decorrido o prazo para a resposta do demandado, uma vez que a faculdade de excepcionar pode ser exercida num prazo de quinze dias a contar do fato que ocasionou a argüição da questão, o que pode se dar em qualquer tempo e grau de jurisdição (art. 305). Aqui, mais uma vez, foi impreciso o Código, visto que não se pode conceber o surgimento de causa superveniente de incompetência relativa, a qual existirá, apenas, se sua causa for con-63 Assim é que alguns autores se referem à defesa utilizando o termo exceção. Por todos, confira-se Redenti, Dirítto Processuale Civile, vol. I, p. 59, onde se lê: "Nel significato piu genérico delia parola si può chiamare eccezione qualunque motivazione o ragione, ghe possa essere addotta davanti ai giudíce (o comunque essere presa in considerazione da lui) per non emanare i prowedimenti che gli siano stati chiesti".64 Barbosa Moreira, O Novo Processo Civil Brasileiro, p. 58.65 No mesmo sentido, afirmando que apenas ao réu cabe oferecer exceção de incompetência, Barbosa Moreira, O Novo Processo Civil Brasileiro, p. 56. Em sentido diverso, admitindo a oposição de exceção de incompetência relativa também pelo autor, Moreira Pimentel, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. III, p. 285.345

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Alexandre Freitas Câmaratemporânea à formação do processo.66 O mesmo não se dá, obviamente, com o impedimento e com a suspeição, já que estes podem vir de causas supervenientes.Imprecisa, ainda, é a redação do Código ao afirmar que o prazo para o oferecimento de exceção é de quinze dias a contar do fato que deu origem à incompetência, ao impedimento ou à suspeição. No que se refere à incompetência relativa, como visto, é a mesma sempre originária, aplicando-se a esta primeira modalidade de exceção as regras atinentes ao prazo comum da resposta do réu. No que se refere às exceções de impedimento e de suspeição, o prazo de quinze dias é contado da data em que a parte tenha ciência da causa de parcialidade do juiz.67

Além disso, há que se afirmar que não se pode considerar extinta a faculdade de argüir o impedimento pelo decurso deste prazo de quinze dias da ciência do fato que originou o vício. Isto porque, sendo o impedimento causa de rescindibilidade de sentença (art. 485, II, CPC), alegável mesmo depois do trânsito em julgado, não se pode admitir que a parte não mais pudesse suscitar tal questão antes do término do processo, ainda que decorrido o prazo mencionado no art. 305.68

Não se podem encerrar estas considerações iniciais quanto às exceções processuais sem deixar de lembrar que o oferecimento de qualquer delas acarreta a suspensão do processo (art. 305, parágrafo único, c/c art. 265, III, CPC). Esta suspensão, que é imprópria, perdurará até que a questão seja definitivamente julgada. Frise-se, porém, que não é o oferecimento, mas o recebimento da exceção que causa a suspensão, o que significa dizer que nos casos de rejeição liminar da mesma o processo não se suspenderá.69Trata o CPC da exceção de incompetência nos arts. 307 a 311. Esta exceção deve ser apresentada em petição autônoma, fundamentada e devidamente instruída, indicando o excipiente o juízo que considera competente. Sendo "manifestamente improcedente" a exceção, deverá a mesma ser rejeitada liminarmente. Caso contrário, sendo recebida a exceção (o que acarretará a suspensão do processo), deverá o juiz ouvir66 Barbosa Moreira, O Novo Processo Civil Brasileiro, p. 57.67 Moreira Pimentel, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. III, p. 288; Pontes de Miranda, Comentários ao Código de Processo Civil, tomo IV, p. 153.68 No mesmo sentido, Barbosa Moreira, O Novo Processo Civil Brasileiro, p. 57.69 Afirme-se, porém, que apenas a exceção de incompetência relativa pode ser rejeitada liminarmente (art. 310).346

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Lições de Direito Processual Civilo excepto (ou seja, a parte contrária, que na hipótese será o demandante), no prazo de dez dias, e após tal manifestação (ou decorrido o decêndio sem que o excepto se manifeste), deverá o juiz decidir o incidente em igual prazo (dez dias). Havendo necessidade de produção de prova testemunhai, deverá o juiz designar audiência de instrução, para só após decidir. Julgada procedente a exceção de incompetência, serão os autos remetidos ao juízo competente. A decisão proferida na exceção de incompetência tem caráter interlocutório, sendo erro grosseiro confundi-la com uma sentença.A seguir, nos arts. 312 a 314, regula o CPC o procedimento das exceções de impedimento e de suspeição. Aqui, também, deverá a exceção ser oferecida em petição autônoma, especificando a causa de im-pedimento (art. 134) ou de suspeição (art. 135) que se entende existir. A petição, dirigida ao próprio juiz da causa, poderá ser instruída com documentos e conterá rol de testemunhas, se o excipiente pretender a produção deste tipo de prova. O juiz, reconhecendo a causa de parcialidade, ordenará a remessa dos autos ao seu substituto legal. Caso contrário, terá um prazo de dez dias para apresentar suas razões, acom-panhadas de documentos e rol de testemunhas (se houver), determinando a remessa dos autos da exceção ao tribunal.70 Verificando que a exceção não procede, determinará o tribunal seu arquivamento. Procedente a exceção, serão os autos remetidos ao substituto legal do juiz impedido ou suspeito, arcando este com as custas do incidente.

3.4. Impugnação ao Valor da CausaEmbora não seja incluída pelo Código entre as modalidades de resposta do réu, a impugnação ao valor da causa muito se assemelha a uma espécie de resposta, razão pela qual será, aqui, examinada. Afirma o art. 261 do CPC que pode o demandado, no prazo de que dispõe para contestar (ou seja, no prazo da resposta), impugnar o valor atribuído à causa pelo autor em sua petição inicial. Tal impugnação deverá ser oferecida em petição autônoma, a fim de ser autuada em apartado. Recebida a impugnação, deverá o juiz ouvir o autor em cinco dias e, em seguida (e sem suspender o processo, conforme determina o art. 261), e servindo-se, se necessário, do auxílio de um perito, deverá70 É de se notar que, ao contrário da exceção de incompetência, em que uma das partes é o excipiente e a outra o excepto, nas exceções de impedimento e de suspeição excepto será o juiz.347

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Alexandre Freitas Câmaradecidir o incidente, determinando o correto valor da causa, o que fará por decisão interlocutória, a ser proferida no prazo de dez dias.Afirma, por fim, o parágrafo único do art. 261 que, em não sendo impugnado o valor da causa, presume-se o mesmo aceito pelo demandado. Surge, então, a questão de saber se o valor da causa erradamente indicado pelo autor na inicial e não impugnado pelo réu pode ser alterado pelo juiz, de ofício. Parece correta, sobre o tema, a lição de notável jurista paranaense, diversas vezes citado ao longo desta obra, para quem há de se fazer uma distinção: nas causas cujo valor seja fixado por critérios estabelecidos por lei de forma taxativa, pode o juiz, de ofício, alterar o valor erroneamente indicado na petição inicial, o que poderá ser feito antes ou depois do decurso do prazo de que dispõe o réu para oferecer sua impugnação. Já nos casos em que a atribuição do valor da causa for deixada à discrição do autor faz-se impossível a atuação ex officio do juiz.71

§ 4e Providências PreliminaresDecorrido o prazo da resposta do réu, tenha ela sido oferecida ou não, deverá o julgador verificar se há necessidade de se tomar alguma das medidas que o CPC denominou providências preliminares. São tais providências em número de três, e vêm reguladas nos arts. 324 a 328 do Código de Processo Civil. É preciso dizer, porém, que a ordem em que tais dispositivos aparecem no Código não é a melhor, pois que não obedece à seqüência lógica nem à importância de tais providências. Assim é que as referidas providências preliminares serão aqui analisadas em outra ordem, a qual se nos afigura como a melhor. Tratar-se-á, pois, em primeiro lugar, da réplica. Após, da especificação de provas e, por fim, da declaração incidente.4.1. RéplicaÉ preciso se afirmar desde logo que o CPC não emprega o termo réplica para designar o ato processual que será examinado neste71 Moniz de Aragão, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. II, pp. 460-461. No mesmo sentido, Barbosa Moreira, O Novo Processo Civil Brasileiro, p. 25; Pontes de Miranda, Comentários ao Código de Processo Civil, tomo III, p. 416. É preciso, porém, notar que este entendimento, embora esposado pela esmagadora maioria da doutrina, não é unânime na jurisprudência, havendo acórdãos no sentido da inadmissibilidade da alteração ex officio do valor da causa atribuído pelo demandante.348

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Lições de Direito Processual Civilpasso. É certo, também, que nenhuma outra denominação foi empregada pelo Código, que simplesmente não deu nome a este ato processual, razão pela qual permanece o emprego deste nome que pertence à tradição do Direito luso-brasileiro. Assim é que já as ordenações do reino utilizavam este termo para designar o mesmo ato processual que ora se estuda.72 O mesmo se deu no Regulamento n2 737, primeira lei brasileira a reger nosso processo comercial (e, posteriormente, também o processo civil).73 O termo, aliás, é empregado ainda hoje na lei portuguesa (art. 502° do CPC de Portugal), sendo sua utilização comum na praxe forense e na doutrina brasileiras.74

Réplica é a resposta do autor à contestação do réu. Toda vez que o demandado, em sua contestação, tiver suscitado alguma questão nova, deverá ser aberta oportunidade para que o autor se manifeste sobre a mesma, o que vem previsto nos arts. 326 e 327 do CPC. E de se notar que haverá espaço para a réplica apenas e tão-somente nas hipóteses em que o demandado tenha suscitado alguma questão nova em sua defesa. Assim é que, limitando-se o réu a negar o fato constitutivo do direito do autor, não haverá réplica, por absoluta desnecessidade. Basta aventar um exemplo para que tudo se torne mais claro. Ajuizada por um Fulano uma demanda em face de um Beltrano em que o autor pede a condenação do réu ao pagamento de uma quantia em dinheiro devida em razão de um contrato de mútuo, pode o réu, na contestação, limitar-se a negar a celebração do contrato. Nesta hipótese, não haverá réplica, visto que o demandante já afirmara anteriormente a celebração do contrato, e agora se limitaria, indubitavelmente, a repetir aquela assertiva. O mesmo não se dá, porém, se o demandado alegar que já efetuou o pagamento, pois que este é um fato novo, extintivo do alegado direito do autor, o que leva o sistema a assegurar para o demandante uma oportunidade para se manifestar.Nos termos dos arts. 326 e 327 do CPC haverá réplica nas hipóteses em que o réu, em sua contestação, tiver alegado alguma questáo preliminar (art. 301 do CPC), ou se tiver aduzido algum fato extintivo, impeditivo ou modificativo do direito do autor.72 Sobre o emprego do termo réplica nas Ordenações do Reino Português, consulte-se Ramalho, Praxe Brasileira, p. 212.73 Sobre a réplica no Regulamento n- 737, Paula Baptista, Teoria e Prática do Processo Civil e Comercial, p. 84.74 Para se verificar o emprego do termo réplica na doutrina brasileira confira-se, entre outros, Amaral Santos, Primeiras Linhas de Direito Processual Civil, vol. II, pp. 249-250; Greco Filho, Direito Processual Civil Brasileiro, vol. II, p. 162.349

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Alexandre Freitas CâmaraNão se pode deixar de afirmar que o prazo para o autor falar em réplica é de dez dias, qualquer que seja o tipo de alegação apresentada pelo réu e que tenha dado azo a este ato processual.Por fim, é de se dizer que o autor não poderá, na réplica, aduzir fatos novos, mas tão-somente impugnar as alegações feitas pelo demandado. Isto porque, em se assegurando ao autor uma segunda oportunidade para formular alegações (tendo a primeira oportunidade sido a própria petição inicial), ter-se-ia que assegurar tratamento isonômico ao demandado, que passaria a ter o direito a uma segunda oportunidade para formular alegações (além da oportunidade que já teve, na contestação). Haveria, pois, a necessidade de uma "tréplica". Ademais, em podendo o réu, na "tréplica", alegar fatos novos, haveria de ser garantida a oportunidade para o autor impugná-los, o que tornaria necessária a existência de uma "quadruplica".75

4.2. Especificação de ProvasA segunda espécie de providência preliminar a ser aqui considerada é esta que denominamos especificação de provas. Vem tal ato referido no art. 324 do CPC, o qual é colocado sob a epígrafe "Do Efeito da Revelia". Curiosa epígrafe, que encima um artigo que trata, exatamente, da hipótese em que a revelia não produz efeitos.A denominação que aqui se emprega, especificação de provas, não é estranha à doutrina, sendo encontrada em vários autores.76 Determina o art. 324 do CPC que, em sendo revel o réu, numa das hipóteses em que a revelia não produz efeitos (o que se dá, por exemplo, nas hipóteses do art. 320 do CPC), deve o juiz determinar ao autor que especifique as provas que pretende produzir na audiência de instrução e julgamento. Tal providência preliminar se justifica pelo fato de se estar aqui diante de uma hipótese em que a revelia do demandado não tem como conseqüência a presunção de veracidade dos fatos alegados pelo demandante, o que faz com que se mantenha com o autor o ônus de provar a veracidade de suas alegações. Assim, cabe ao juiz deter-75 Os termos "tréplica" e "quadruplica" designam os referidos atos processuais, inexistentes no sistema brasileiro e em Portugal, onde a fase inicial, de alegações, se desenvolvia daquela forma (hoje não há mais no sistema português a "resposta à tréplica" ou "quadruplica"). Sobre o sistema português, por todos, Varela et alii, Manual de Processo Civil, p. 363.76 Por todos, Figueiredo Teixeira, Código de Processo Civil Anotado, p. 232.350

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Lições de Direito Processual Civilminar ao autor que informe que meios de prova pretende utilizar para contribuir para a formação do convencimento do juiz acerca da veracidade de suas assertivas.É preciso, porém, estabelecer a distinção entre esta providência preliminar, por nós denominada especificação de provas, e que é a única providência desta espécie prevista no CPC, e outra, de nome idêntico, que surgiu como um costume observado em diversas partes de nosso país. É praxe que no procedimento ordinário, após o oferecimento da réplica, determine o juiz às partes que especifiquem as provas que pretendem produzir. Tal costume está intimamente ligado a um vício dos advogados, que nas petições iniciais e nas contestações raramente especificam as provas que pretendem produzir, preferindo apresentar um genérico "protesto" pela produção de todos os meios de prova admissíveis. A ausência de especificação de provas na petição inicial e na contestação leva os juizes a determinar que tal especificação se faça após o oferecimento da réplica. Trata-se de costume (o qual, como se sabe, é fonte do Direito Processual) que já foi motivo de aplauso por notável doutrinador.77 Tal praxe, realmente, é digna de aplauso, eis que é fundamental se superar o problema causado pela inexistência de especificação de provas no momento adequado, sendo essencial para o regular desenvolvimento do processo em direção a um provimento sobre o mérito a afirmação, a ser feita pelas partes, a respeito dos meios de prova de que pretendem se valer para demonstrar a veracidade de suas alegações.Relembre-se, porém, que esta segunda modalidade de especificação de provas não está regulada em lei. A única especificação de provas prevista no CPC é a que deve fazer o autor nas hipóteses em que, revel o demandado, a revelia não produza efeitos.

4.3. Declaração IncidenteComo visto anteriormente, quando do estudo do objeto da cognição judicial, pode acontecer de surgir no processo controvérsia quanto a um77 Dinamarco, A Reforma do Código de Processo Civil, p. 107. Ousamos discordar deste autor apenas quanto a um ponto: segundo afirma Dinamarco, o autor poderia, na petição inicial, limitar-se a um protesto genérico por provas, enquanto o réu teria o ônus de, ao contestar, especificar as provas que pretende produzir. A nosso juízo, também ao autor incumbe este ônus, embora nem demandantes nem demandados costumem cumpri-lo a contento.351

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Alexandre Freitas Câmaratipo de questão,78 prévia ao exame do mérito, e cuja resolução irá influenciar a resolução do objeto do processo. São as questões prejudiciais. Estas questões, como se sabe, podem ser objeto de demanda autônoma, onde sua resolução se dará por sentença definitiva, que se tornará imutável e indiscutível quando alcançar a autoridade de coisa julgada material. Não é isto, porém, o que ocorre quando a prejudicial surge no seio de um processo onde não constitua o objeto principal. Nesta hipótese, que é a que aqui nos interessa, a prejudicial não é decidida, mas tão-somente conhecida pelo juiz, que se limita a decidir o mérito da causa (ou objeto do processo, o Streitgegenstand dos alemães).Assim sendo, a apreciação que se faça da questão prejudicial será tida, apenas, como fundamento da decisão sobre o mérito, não sendo pois alcançada pela autoridade de coisa julgada (art. 469, III do CPC), o que permite que a mesma volte a ser discutida em processo posterior. Basta pensar, por exemplo, numa "ação de alimentos" em que surja como questão prejudicial a existência ou não da relação de paternidade entre autor e réu, o que se dá porque este último, e.g., nega a qualidade de pai do autor que lhe foi atribuída na petição inicial. A resolução desta questão se dará incidentalmente, incidenter tantum, não integrando o objeto do processo (o qual permanece inalterado: a existência ou não de direito aos alimentos).O sistema processual brasileiro, porém, criou um instrumento dirigido a uma maior economia processual, na medida em que visa evitar a instauração de um segundo processo, onde se buscará uma decisão príncipaliter acerca da prejudicial, permitindo que sua apreciação no processo onde surgiu originariamente a controvérsia fosse capaz de permitir a prolação de uma decisão sobre a questão que viesse a se tornar imutável e indiscutível, alcançada que seria pela autoridade de coisa julgada.Cria-se, pois, um sistema através do qual se permite uma ampliação do objeto do processo, que passaria a incluir, também, a pretensão de declaração da existência ou inexistência da relação jurídica prejudicial. A este instituto se deu o nome de "ação declaratória incidental". Assim é que, nos termos do art. 5^ do CPC, "se, no curso do processo, se tornar litigiosa relação jurídica de cuja existência ou78 A palavra questão é aqui, como ao longo da obra, empregada no sentido que lhe dava Carnelutti, e que é tradicionalmente adotado pela doutrina e pela legislação, de ponto controvertido.352

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Lições de Direito Processual Civilinexistência depender o julgamento da lide, qualquer das partes poderá requerer que o juiz a declare por sentença".Surge, assim, no sistema processual positivo, a "ação declaratória incidental", uma demanda incidente a ser ajuizada no curso do processo onde surgiu a controvérsia quanto à prejudicial, e que permitirá a ampliação do objeto daquele processo, fazendo com que o juiz não simplesmente conheça daquela questão, incidentalmente, mas que a decida, principaliter, em sua sentença, o que fará com que tal decisão seja alcançada pela autoridade de coisa julgada material. Estas afirmações encontram respaldo em obra pioneira sobre o tema, elaborada ainda na vigência do CPC de 1939, por uma das mais notáveis juristas de nosso país, que assim se expressou: "Mediante a ação declaratória incidental operar-se-á a ampliação do objeto do pedido; e a questão prejudicial, que poderia constituir objeto de processo autônomo, terá sido declarada dentro de ação que verse sobre outro estado ou relação jurídica, de forma que a ela também se estenda a autoridade da coisa julgada".79

É de se referir, porém, que a declaratória incidental não gera mera ampliação do pedido, constituindo-se, isto sim, em pedido novo, nova pretensão veiculada em processo que já se encontrava em curso.80 Trata-se de instituto que encontra similares em outros países, onde -assim como entre nós - a apreciação da questão prejudicial não é alcançada pela autoridade de coisa julgada. Chiovenda, por exemplo, previa a possibilidade de uma questão prejudicial ser objeto de uma domanda di accertamento incidentale.81

Modernamente, regula o tema o art. 34 do CPC italiano, onde se exige a formulação de pedido para que a solução da prejudicial seja alcançada pela coisa julgada.82 Também o moderno Direito português prevê o instituto, como se vê pela leitura do art. 96.2 do CPC português.83

Dispõe o art. 5a do CPC no sentido de que qualquer das partes pode ajuizar a demanda de declaração incidente, ampliando assim o objeto do processo, fazendo com que a apreciação da questão prejudicial se dê principaliter e, portanto, seja alcançada pela autoridade de coisa julgada,79 Ada Pellegrini Grinover, Ação Declaratória Incidental, São Paulo: RT, 1972, p. 58.80 Furtado Fabrício, A Ação Declaratória Incidental, p. 99.81 Chiovenda, Principii di Diritto Processuale Civile, p. 917.82 Por todos, Proto Pisani, Lezioni di Diritto Processuale Civile, p. 72.83 Sobre o Direito português, consulte-se Artur Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, vol. III, Coimbra: Almedina, 1982, p. 404.353

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Alexandre Freitas Câmaratornando-se imutável e indiscutível. É preciso, porém, se ter em conta que é fundamental se perquirir a existência de competência do juízo onde tramita o processo para decidir a questão prejudicial (art. 470 do CPC). É requisito de admissibilidade da demanda declaratória incidental, portanto, que o juízo seja competente ratione materiae, além de ter competência funcional.84 Os critérios de competência em razão do valor e do território não precisam ser observados, uma vez que são derrogáveis, aplicando-se o disposto no art. 109 do CPC.A existência deste requisito de admissibilidade da "ação declaratória incidental" é que torna impossível a qualquer das partes demandar a declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo inci-dentalmente. É que a competência para conhecer da inconstitucionalidade como objeto principal do processo é do Supremo Tribunal Federal, não podendo nenhum outro juízo proferir decisão sobre o tema que venha a ser alcançada pela autoridade de coisa julgada.85

Conhecido o conceito de "ação declaratória incidental", e sabido que a mesma tem como requisito a competência do juízo (que deve preencher, ao menos, os critérios absolutos de fixação da competência), é de se passar à análise do art. 325 do CPC, que se inclui entre as providências preliminares. Assim é que tal artigo da legislação codificada confere ao autor um prazo de dez dias para demandar a declaração incidente quando a controvérsia acerca da prejudicial tiver surgido na contestação do demandado. Não se refere o Código, porém, ao prazo para que o réu demande a declaração incidente, o que é, obviamente, possível, eis que o art. 5e fala em "ambas as partes". Não há, porém, divergência quanto a qual seja este prazo, sendo tranqüilo o entendimento segundo o qual, pretendendo o réu a declaração incidente, deverá formular sua demanda no prazo de que dispõe para oferecer contestação.86

84 Furtado Fabrício, A Ação Declaratória Incidental, pp. 148-149; Barbi, Ação Declaratória Principal e Incidente, pp. 218-219.85 Também nega a possibilidade de a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo ser objeto de "ação declaratória incidental" Nagib Slaibi Filho, Anotações à Constituição de 1988 - Aspectos Fundamentais, Rio de Janeiro: Forense, 4^ ed., 1993, p. 89. É certo, porém, que este autor chega a tal conclusão por fundamento diverso, pois que nega às partes interesse de agir ao demandar tal declaração. Não nos parece que o problema se encontre no interesse de agir, que pode existir, uma vez que tal declaração poderia ser útil à parte, mas sim na incompetência absoluta do juízo, o que impede a declaração incidente.86 João Batista Lopes, Ação Declaratória, São Paulo: RT, 3a ed., 1991, p. 128; Alfredo Buzaid, A Ação Declaratória no Direito Brasileiro, São Paulo: Saraiva, 2a ed., 1986, pp. 396-397; Furtado Fabrício, A Ação Declaratória Incidental, p.461.354

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Lições de Direito Processual CivilHá que se verificar, neste passo, se a "ação declaratória incidental" proposta pelo réu deve ser obrigatoriamente oferecida simultaneamente com a contestação, como se dá com a reconvenção (art. 299). É certo que alguns autores atribuem à declaração incidente demandada pelo réu caráter reconvencional,87 e a adesão a este posicionamento torna simples a resposta à questão que aqui se coloca. Sendo a declaração incidente pedida pelo réu uma reconvenção, é de se aplicar à mesma o disposto no art. 299, havendo, assim, uma exigência de oferecimento simultâneo de contestação e demanda declaratória incidental.Outros autores, porém, negam a equiparação da declaratória incidental à reconvenção.88 Esta segunda posição nos parece a mais correta, por haver uma diferença fundamental entre os dois institutos. Enquanto na reconvenção amplia-se o objeto da cognição, com a inclusão de novas questões, trazidas aos autos pelo réu-reconvinte, a demanda declaratória incidental não amplia aquele objeto, uma vez que a questão prejudicial seria examinada de qualquer maneira, eis que essencial para a resolução do mérito. A "ação declaratória incidental" mantém intacto o objeto da cognição, alterando apenas o objeto do processo, que passa a incluir uma questão que, em princípio, não o integrava. Assim sendo, não haveria a necessidade de observância de simultaneidade com a contestação. O problema, porém, não é tão facilmente solucionado. Isto porque, antes de o réu contestar, não terá surgido a controvérsia, o que exclui o interesse de agir para a demanda declaratória incidental. De outro lado, após o oferecimento da contestação, terá se encerrado o prazo para a apresentação de resposta.89 Assim sendo, a única possibilidade para o réu demandar a declaração incidente é fazê-lo simultaneamente com a contestação. Antes de oferecida esta não haverá interesse de agir, após seu oferecimento, estará extinto o prazo para a prática do ato. Nenhuma outra conclusão nos parece razoável.A "ação declaratória incidental" não deverá ser autuada em apartado, tramitando nos próprios autos do processo onde foi ajuizada.90

87 Por todos, Furtado Fabrício, A Ação Declaratória Incidental, p. 130-13188 Neste sentido, Fornaciari Júnior, Da Reconvenção no Direito Processual Civil Brasileiro, pp. 46-49.89 Note-se que, mesmo dispondo o réu de quinze dias para responder, o oferecimento de resposta, e.g., no décimo dia do prazo põe termo a este, pois que o prazo é o intervalo de tempo dentro do qual um ato pode ser praticado. Tendo sido realizado o ato, o prazo se encerra, ainda que não tivesse ainda alcançado o seu termo final.90 Furtado Fabrício, A Ação Declaratória Incidental, pp. 166-167. Em sentido diverso, entendendo que a "ação declaratória incidental" referente a causas de estado deve ser355

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Alexandre Freitas CâmaraOferecida a demanda de declaração incidente, deverá a outra parte ser intimada, através de seu advogado, para a ela responder no prazo de quinze dias.91 O caso não é de citação, mas de intimação, porque a demanda declaratoria incidental não dá azo ao surgimento de um novo processo, e a citação é um ato de comunicação da existência de um processo novo.A demanda de declaração incidente pode ser rejeitada liminarmente, toda vez que faltar algum de seus requisitos específicos, ou quando se der alguma das causas de indeferimento da petição inicial. Tal decisão será interlocutória, desafiando, assim, o recurso de agravo. Não sendo rejeitada liminarmente, deverá ser julgada em conjunto com a demanda principal, numa única sentença.92 Esta, aliás, conteria a apreciação da questão prejudicial ainda que não se houvesse demandado a declaração incidente. A diferença estaria em que, não havendo "ação declaratoria incidental", a prejudicial seria apreciada na fundamentação da sentença, e na hipótese de tal declaração ter sido demandada, sua decisão se dará na parte dispositiva da sentença, sendo assim alcançada pela autoridade de coisa julgada.Uma última questão a considerar é a da possibilidade de o autor demandar a declaração incidente nos casos de revelia do demandado. O problema surge, principalmente, em razão do disposto no art. 321 do CPC, segundo o qual "ainda que ocorra revelia" o autor não poderá demandar declaração incidente sem promover nova citação do réu. Surge, assim, o problema de se admitir a demanda declaratoria incidental nos casos de revelia. É certo que, em princípio, deve valer a observação feita por incomparável processualista italiano, de que é requisito para a admissibilidade da demanda de declaração incidente a existência de controvérsia sobre a prejudicial e, portanto, "na ausência de qualquer contestação, é vedado à parte aproveitar-se da preju-dicialidade para requerer uma declaração. Não se concebe, portanto, uma demanda de declaração incidente à revelia do réu".93 Esta asser-autuada em apartado, Gusmão Carneiro, "Notas sobre a Ação Declaratoria Incidental", in Intervenção de Terceiros, p. 138.91 Buzaid, A Ação Declaratoria no Direito Brasileiro, p. 400; Amaral Santos, Primeiras Linhas de Direito Processual Civil, vol. II, p. 253. Em sentido um pouco diverso, entendendo ser caso de citação, e não de intimação, Lopes, Ação Declaratoria, p. 131; Luís Antônio de Andrade, Aspectos e Inovações do Código de Processo Civil, Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1974, p. 6.92 Barbi, Ação Declaratoria Principal e Incidente, p. 217.93 Chiovenda, Instituições de Direito Processual Civil, vol. I, p. 400.356

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Lições de Direito Processual Civiltiva é tida como verdadeira, sem ressalvas, por importante jurista pátrio,94 mas não parece capaz de resolver o problema sem deixar qualquer margem de dúvida. Em primeiro lugar, há que se considerar a existência do art. 321, que é expresso em prever a declaração incidente demandada pelo autor em processo onde o réu é revel. Em segundo lugar, não se pode esquecer que existe a possibilidade (remota, é certo) de que, revel o réu, alguma prejudicial se torne controvertida. É o que se tem, por exemplo, se o revel foi citado por edital ou com hora certa, tendo o curador especial suscitado a controvérsia, ou na hipótese de pluralidade de réus, em que apenas um deles contesta, permanecendo em revelia os demais, tendo o que contestou suscitado a controvérsia sobre a questão prejudicial. Nestas hipóteses, e em outras que a doutrina tem aventado, torna-se presente o requisito da existência de controvérsia sobre a prejudicial, o que torna admissível a demanda de declaração incidente.95 Neste caso, porém, e por expressa determinação do art. 321 do Código de Processo Civil, deverá o réu ser citado (e não apenas intimado) para oferecer resposta.

§ 5s Julgamento conforme o Estado do ProcessoUltrapassadas as providências preliminares, ainda que nenhuma delas tenha se feito necessária (o que é previsto no art. 328 do CPC), passa-se ao momento do julgamento conforme o estado do processo. Esta é uma denominação polimórfica,^5 não univoca, pois que sob este conceito se reúnem três atos bastantes distintos entre si. De qualquer sorte, neste momento o procedimento ordinário chega a um estágio onde uma decisão será proferida. Inevitavelmente será proferida uma decisão, seja esta uma sentença (com ou sem resolução do mérito), seja uma decisão interlocutória.Pode-se mesmo dizer que o procedimento ordinário, até este momento, era comparável a uma estrada sem desvios de rota, com percurso retilíneo. Petição inicial, citação, resposta, réplica, nenhum desvio de percurso apareceu até agora. Neste momento, porém, o procedimento ordinário chega a uma encruzilhada. A estrada retilínea se transforma num cruzamento de três caminhos diversos (as três94 Gusmão Carneiro, "Notas sobre a Ação Declaratória Incidental", ob. cit., p. 139.95 Neste sentido tem se manifestado a doutrina dominante. Por todos, Furtado Fabrício, A Ação Declaratória Incidental, p. 137.96 A expressão é de José Carlos Barbosa Moreira, "O procedimento ordinário", in Estudos sobre o Novo Código de Processo Civil, p. 114.357

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Alexandre Freitas Câmaramodalidades de julgamento conforme o estado do processo), e apenas um destes caminhos que se abrem à nossa frente será o adequado para cada processo que siga o rito ordinário. É preciso, então, que se verifique qual, entre as espécies de julgamento conforme o estado do processo, se revela adequada para o caso concreto, o que se faz pela análise do disposto nos arts. 329, 330 e 331 do CPC, os quais deverão ser examinados nesta precisa ordem em que estão dispostos. Há que se estudar, pois, a "extinção do processo" (art. 329), o "julgamento antecipado da lide" (art. 330) e o "saneamento do processo" (art. 331).

5.1. "Extinção do Processo"Em algumas hipóteses, considerou o Código de Processo Civil que o procedimento deveria ser abreviado, encerrando-se desde logo o processo, com prolação de sentença. Tal abreviação se dá pelo fato de, nos casos de que trata o art. 329 do CPC, ser inútil o prosseguimento do feito. Assim é que o art. 329 determina a extinção do processo se tiver ocorrido alguma das hipóteses do art. 267 (extinção do processo sem resolução do mérito) ou do art. 269, incisos II a V (extinção do processo com resolução do mérito).97

Assim sendo, deverá o julgador, neste momento do processo, verificar se ocorreu alguma das hipóteses previstas no art. 267 do CPC. Sendo positiva a resposta, deverá proferir sentença terminativa, ou seja, sentença que ponha termo ao processo sem resolução do mérito. Negativa, porém, a resposta à pesquisa, deverá ser verificada a presença de alguma das situações previstas no art. 269, II a V. Em caso afirmativo, deverá ser proferida sentença definitiva, extinguindo-se o processo com resolução do mérito.E de se verificar que, por uma questão de lógica, deve ser verificada, antes de mais nada, a presença de alguma causa de extinção sem resolução do mérito, pois a presença de qualquer delas impede a apreciação do objeto do processo.98 Assim, presente alguma causa de extinção do processo sem resolução do mérito, não poderá este ser97 É de se notar que o CPC inclui aqui as hipóteses em que o mérito é resolvido sem ser julgado, o que se verifica pela ausência de referência ao inciso I do art. 269. Parece-nos, pois, que a presença, no caso, do inciso IV do mesmo artigo, em que há efetivo julgamento do mérito, é descabida. Seria mais razoável que esta hipótese viesse contemplada na figura seguinte, a do "julgamento antecipado da lide".98 Barbosa Moreira, "Aspectos da 'extinção do processo' conforme o Art. 329 CPC", ob. cit., p. 270.358

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Lições de Direito Processual Civilresolvido, devendo o juiz, necessariamente, dar prevalência à causa prevista no art. 267 sobre a arrolada no art. 269.Mesmo entre as causas de extinção sem resolução do mérito, deve ser respeitada a prevalência de umas sobre outras. Assim é que, havendo desistência da ação, nenhuma outra causa deverá ser levada em consideração, eis que a desistência impede a continuação da atividade cognitiva do juiz.99 Não tendo havido desistência, deve prevalecer, como causa de extinção, a ausência de algum pressuposto processual, e apenas na hipótese de todos estarem presentes é que se deve verificar se estão preenchidas as "condições da ação".100 Nas demais causas de extinção sem resolução do mérito, não parece haver razão técnica para preferência de umas sobre outras.Não se fazendo presente nenhuma causa de extinção sem resolução do mérito, e devendo este, pois, receber uma definição, deve o juiz dar preferência às causas de extinção por autocomposição (art. 269, II, III e V).iQ1 Inexistindo qualquer delas, aí sim deverá ser verificada a ocorrência de prescrição ou de decadência.Não se fazendo presente qualquer das hipóteses de "extinção do processo", nos termos do art. 329, deve o juiz passar à análise do art. 330, para que se saiba se o "julgamento antecipado da lide" se revela adequado para o processo em exame.

5.2. Julgamento Antecipado do MéritoSuperada a hipótese de "extinção do processo" com base no art. 329 do CPC, o que revela a utilidade do processo, deve-se verificar se é possível o "julgamento antecipado da lide" (art. 330). Isto porque o legislador constatou a possibilidade de o prosseguimento do feito ser desnecessário, uma vez que todos os elementos necessários para que se proceda à apreciação do objeto do processo já se encontram nos autos. Presente, pois, qualquer das hipóteses arroladas no art. 330, deverá o juiz proferir sentença definitiva, isto é, sentença que seja capaz de pôr termo ao processo com resolução do mérito, apreciando o pedido do autor para o acolher ou rejeitar. Trata-se, pois, de caso de99 Barbosa Moreira, "Aspectos da 'extinção do processo' conforme o Art. 329 CPC", ob. cit., pp. 270-271.100 Barbosa Moreira, "Aspectos da 'extinção do processo' conforme o Art. 329 CPC", ob. cit., p. 271.101 Barbosa Moreira, "Aspectos da 'extinção do processo' conforme o Art. 329 CPC", ob. cit., p. 272.359

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Alexandre Freitas Câmaraextinção do processo com resolução do mérito, apoiada no disposto no art. 269, I, do Código de Processo Civil.A denominação do instituto é criticável. Em primeiro lugar, este julgamento não é, propriamente, "antecipado". O mérito estará sendo apreciado por ser este o momento adequado (o único momento ade-quado, frise-se) para tal julgamento.102 Melhor seria falar-se, aqui, não em julgamento "antecipado", mas em julgamento imediato. Este julgamento não corresponde à prática ex abrupto de um ato processual que deveria ser realizado mais adiante (não sendo, pois, uma antecipação), mas se revela como prática do ato decisório no único momento adequado para sua efetivação.Além disso, não nos parece correta a referência a julgamento "da lide", pelas razões expostas quando do estudo da teoria geral do Direito Processual, e da afirmação de que a lide não corresponde ao objeto do processo, o qual é formado, em verdade, pela pretensão processual do demandante. Por esta razão, e considerando que o que é julgado aqui é o objeto do processo, eu seja, o mérito da causa, é que nos parece adequado designar esta modalidade de julgamento conforme o estado do processo de julgamento imediato do mérito. Falaremos, ainda, e como sinônimo desta expressão, em julgamento antecipado do mérito, por ser esta denominação semelhante à empregada no texto do CPC, e mais próxima à tradicionalmente usada na linguagem forense ("julgamento antecipado da lide").O "julgamento antecipado da lide" é, pois, o julgamento imediato do mérito, e tal assertiva se faz fundamental para que se possa descobrir seu alcance. Como já se disse, o julgamento antecipado do mérito será adequado nas hipóteses em que o prosseguimento do feito se revele desnecessário, o que se dá pelo fato de todos os elementos de que se precise para a apreciação do objeto do processo já se encontrarem nos autos. Nesta hipótese, em que nenhuma prova - além das que tenham sido anteriormente produzidas - tenha de ser colhida, não se faz necessária a realização de outros atos processuais, tornando-se possível (e, por isso mesmo, desejável) o imediato julgamento do mérito.Duas são as situações, previstas nos dois incisos do art. 330, em que se revela adequado o julgamento imediato do mérito. A primeira hipótese (art. 330, I) é aquela em que toda a controvérsia incide sobre102 Egas Dirceu Moniz de Aragao, Exegese do Código de Processo Civil, vol. IV, tomo I, Rio de Janeiro, Aide, s/d, p. 27.360

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Lições de Direito Processual Civilquestões de direito, já que a matéria de fato é toda incontroversa. Pense-se, por exemplo, numa demanda declaratória da nulidade de fiança prestada por pessoa casada sem consentimento do cônjuge, em que os fatos são incontroversos (não se discute o fato de o fiador ser casado e ter prestado a fiança sem a vênia conjugai), controvertendo as partes tão-somente quanto às conseqüências de tal ato ter sido praticado sem aquele consentimento (nulidade? anulabilidade? ineficácia?). Sendo a matéria controvertida exclusivamente de direito, faz-se desnecessária a colheita de provas, na medida em que o direito deve ser conhecido pelo órgão judicial. Caberá, então, o julgamento antecipado do mérito. Ainda neste inciso I do art. 330 se prevê a situação em que haja controvérsia também sobre matéria fática, mas os elementos já constantes dos autos sejam suficientes para o julgamento do mérito, não havendo necessidade de colheita de outras provas. Basta imaginar uma hipótese em que toda a controvérsia incida sobre questões fáticas, dependendo as alegações, para serem provadas, apenas da prova documental já acostada. Por exemplo, numa "ação de despejo" por denúncia vazia, alega o autor que notificou o locatário regularmente, para que desocupasse o imóvel, o que é negado pelo réu (sendo esta a única questão controvertida no processo). Estando nos autos o instrumento da notificação, bastará ao juiz examiná-lo para constatar sua regularidade, sendo desnecessária a produção de qualquer outra prova.Tanto no caso de a controvérsia versar apenas sobre questões de direito, como no de haver divergência quanto a alguma questão fática que independa, para sua solução, da produção de outras provas além das já colhidas, deverá o juiz proferir o julgamento antecipado do mérito (art. 330, I), pois o processo se encontra pronto para receber decisão de mérito.A outra hipótese prevista para que se faça o julgamento antecipado do mérito é a revelia (art. 330, II). Já se viu anteriormente que um dos efeitos processuais da revelia é permitir o julgamento imediato do objeto do processo, o que decorre da presunção de veracidade dos fatos alegados pelo demandante. Presumindo-se tais fatos verdadeiros, nada mais terá de ser provado pelo autor, o que torna desnecessário o prosseguimento do feito. Possível, pois, o imediato julgamento do mérito.É de se frisar, porém, que tal efeito só se produz nos casos em que se produza também o efeito material da revelia, qual seja, a presunção de veracidade dos fatos alegados, uma vez que nos casos em que a361

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Alexandre Freitas Câmararevelia não produz este efeito (como, por exemplo, nas hipóteses previstas no art. 320 do CPC) deverá o autor, nos termos do já apreciado art. 324, indicar que provas pretende produzir em audiência para demonstrar a veracidade de suas assertivas, o que exclui a possibilidade de julgamento antecipado do mérito. Nos casos de revelia eficaz, porém, deverá o juiz apreciar, de imediato, o mérito da causa. Frise-se, ainda, que a revelia não impede a "extinção do processo" com base no art. 329 do CPC, desde que presente alguma causa de extinção que possa ser conhecida de ofício, como a "carência de ação" ou a decadência.103

Por fim, há que se frisar que o julgamento imediato do mérito não é uma faculdade do juiz, sendo certo que o julgador será obrigado a proferir tal decisão, sob pena de cometer erro in procedendo (ou seja, erro na forma de conduzir o processo e praticar os atos processuais). Não existe aqui discricionariedade judicial. Presente alguma das hipóteses do art. 330 do CPC, o juiz terá de, inevitavelmente, proferir sentença de mérito.104

5.3. Audiência Preliminar e Saneamento do ProcessoNão sendo caso de incidência de qualquer das modalidades anteriormente apreciadas de julgamento conforme o estado do processo, por exclusão, deverá ser aplicado o disposto no art. 331 do CPC. A incidência deste dispositivo apenas nos casos em que incabivel qualquer das modalidades anteriores decorre de seu próprio texto, onde se lê que "se não ocorrer qualquer das hipóteses previstas nas seções precedentes", será aplicada a norma ali enunciada.O art. 331, com a redação que lhe deu a Lei ne 10.444, uma das leis componentes do movimento conhecido como "segunda etapa da reforma do CPC", ou "reforma da reforma", encontra-se sob a rubrica "da audiência preliminar", já que a anterior, "do saneamento do processo", revelava-se inadequada,105 eis que o dispositivo trata de uma audiên-103 Gianesini, Da Revelia no Processo Civil Brasileiro, p. 116.104 Neste sentido se pronuncia a doutrina, de forma praticamente unânime. Entre outros, assim se manifestam Lauria Tucci, Do Julgamento Conforme o Estado do Processo, pp. 257-259; Barbosa Moreira, Estudos sobre o Novo Código de Processo Civil, pp. 110-111. Em sentido contrário, entendendo possível ao juiz, nas hipóteses em que seria cabível o julgamento antecipado do mérito, determinar a produção de outras provas, Jacy de Assis, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. II, tomo II, p. 310.105 Gusmão Carneiro, Audiência de Instrução e Julgamento e Audiências Preliminares, p. 107.362

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Lições de Direito Processual Civilcia, que a redação anterior do artigo chamava de audiência de conciliação, mas que sempre sustentamos deveria denominar-se audiência preliminar, nome agora expressamente acolhido pelo texto legal, sendo certo que a decisão declaratória de saneamento do processo é apenas um dos resultados possíveis do processo. Curioso notar, todavia, que a modificação do nome da audiência (e da própria seção do Código em que se encontra o artigo que a regula) se dá exatamente por força da lei que diminuiu a importância da mesma, transformando-a em uma audiência que, se não é exclusivamente de conciliação, o é principal-mente.106

Determina o art. 331 do CPC que, em não sendo caso de "extinção do processo" (art. 329) ou de julgamento imediato do mérito (art. 330), deverá ser designada uma audiência preliminar, a se realizar no prazo máximo de trinta dias.107

A esta audiência deverão, nos termos da lei, comparecer as partes (que podem se fazer representar por procurador — que pode ser o próprio advogado — ou preposto com poderes para transigir). A ausência de qualquer das partes, que não vá pessoalmente nem se faça representar, implica, tão-somente, tornar inviável a conciliação neste momento.108

Presentes as partes (ou seus procuradores habilitados), deve-se buscar a conciliação. Esta não deve ser confundida com transação, a qual é, em verdade, apenas um dos possíveis resultados da conciliação. Obtida esta, pode-se ter verdadeira transação (quando houver, de parte a parte, concessões mútuas), bem assim renúncia à pretensão (por parte do demandante) ou reconhecimento da procedência do pedido (por parte do demandado), sendo certo que todos estes resultados levarão à extinção do processo com resolução do mérito. Pode ainda ocorrer de a conciliação ser alcançada e produzir, como resultado, a desistência da ação, mantendo-se intacta a pretensão do autor, uma vez que não se tocará na res in iudicium deducta. Nesta hipótese, a conciliação acarretará a extinção do processo sem resolução do mérito.109

106 Crítica análoga se encontra em Dinamarco, A Reforma da Reforma, p. 20.107 Este prazo é dos chamados "prazos impróprios", como soem ser os prazos fixados para a atuação dos juizes, ou seja, prazos cujo descumprimento não acarreta conseqüências processuais. O fato de não ser possível a realização da audiência preliminar em trinta dias não impede sua realização posterior. Sobre a natureza imprópria deste prazo, Freitas Câmara, Lineamentos do Novo Processo Civil, p. 51.108 Dinamarco, A Reforma do Código de Processo Civil, pp. 125-126.109 Dinamarco, A Reforma do Código de Processo Civil, pp. 129-130.363

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Alexandre Freitas CâmaraÉ de se dizer que a impossibilidade de conciliação nesta fase do processo não impede que a mesma seja tentada novamente, numa eventual audiência de instrução e julgamento, já que permanece em vigor o disposto no art. 447 e seguintes do CPC.Ocorrendo a conciliação, deverá esta ser tomada por termo e homologada por sentença (art. 331, § 1°). Se, por qualquer motivo, a conciliação não for obtida, prosseguirá a audiência em busca de atingir suas outras finalidades. É de se afirmar, pois, e desde logo, este ponto fundamental para a exata compreensão da audiência preliminar: esta não tem na conciliação sua única finalidade. Trata-se, em verdade, de ato processual de tríplice finalidade: conciliação - saneamento - organização da instrução.110

Assim sendo, não obtida a conciliação, prosseguirá a audiência preliminar em direção ao saneamento do processo e à organização das atividades de instrução. É o que se verifica pela leitura do § 2a do art. 331, cuja redação não obedece a uma ordem razoável do ponto de vista lógico, mas que assim pode ser entendido: não sendo obtida, por qualquer motivo, a conciliação, deverá o juiz sanear o processo e organizar as atividades de instrução probatória.O saneamento do processo é, em verdade, uma decisão interlo-cutória que nada saneia, mas tão-somente declara saneado o processo, ou seja, o declara livre de quaisquer vícios que possam impedir seu regular prosseguimento.111 Instituto de origem portuguesa,112 a decisão de saneamento do processo tem por fim precípuo declarar, como dito, a ausência de vícios capazes de impedir o regular desenvolvimento do processo em direção a um provimento de mérito. A eventual existência de algum vício sanável já terá sido, a esta altura, corrigida, na medida110 Freitas Câmara, Lineamentos do Novo Processo Civil, pp. 52-53; Dinamarco, A Reforma do Código de Processo Civil, p. 118; Gusmão Carneiro, Audiência de Instrução e Julgamento e Audiências Preliminares, p. 107.111 Barbosa Moreira, Estudos sobre o Novo Código de Processo Civil, pp. 112-113. É de se notar que este ato é conhecido, na prática forense, pelo nome de "despacho saneador", nomenclatura herdada do Direito português, onde se originou o instituto, e que chegou ao Direito brasileiro, onde consta expressamente do texto do art. 338 do CPC. É preciso deixar claro, porém, que tal ato não é, em verdade, um despacho, mas sim uma decisão interlocutória.112 Sobre o sistema português, onde surgiu a figura do "despacho saneador", cujo embrião foi o "despacho regulador" em lei datada de 1907, e suas ligações com o vigente Direito brasileiro, Alexandre Freitas Câmara, "Audiência Preliminar e Saneamento do Processo: Uma Perspectiva Luso-brasileira", in Doutrina, vol. I, coord. James Tubenchlak, Niterói: ID, 1996, p. 241.364

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Lições de Direito Processual Civil

em que a atividade de saneamento do processo vem se desenvolvendo desde a propositura da ação (como se viu, por exemplo, quando da análise da petição inicial, cujos vícios sanáveis deveriam ser corrigidos em dez dias), e a existência de vício insanável terá levado, fatalmente, à "extinção do processo", com base no art. 329 do CPC.A mais relevante questão surgida da análise da decisão declaratória de saneamento do processo é a de sua eficácia preclusiva. Em outros termos: proferida a decisão declaratória de saneamento do processo (e contra ela não tendo sido interposto qualquer recurso), poderá ser reconhecida, mais tarde, a existência de algum vício cuja inexistência fora declarada naquele provimento? O tema divide a doutrina em diversas posições conflitantes. Diga-se, aliás, que a divergência já existia ao tempo do revogado CPC de 1939, onde se encontravam posições no sentido de que, irrecorrido o "despacho saneador", tornar-se-iam preclusas todas as questões nele decididas (ou mesmo as que, podendo ter sido nele decididas, não o foram),H3 enquanto outros autores negavam a incidência de preclusão sobre as questões decididas no "despacho saneador" e que constituíssem matéria de ordem pública (como as "condições da ação" e os pressupostos processuais).114 Diante do sistema instituído pelo CPC de 1973, em vigor, manteve-se a celeuma, havendo intensa divergência doutrinária (com óbvios reflexos na jurisprudência). O problema surge por força do confronto entre as normas contidas nos arts. 473 ("é defeso à parte discutir, no curso do processo, as questões já decididas, a cujo respeito se operou a preclusão") e 267, § 3a ("o juiz conhecerá de ofício, em qualquer tempo e grau de jurisdição, enquanto não proferida a sentença de mérito, da matéria constante dos nas IV, V e VI; todavia, o réu que a não alegar, na primeira oportunidade em que lhe caiba falar nos autos, responderá pelas custas de retardamento").Alguns autores, apontando a existência de uma aparente contradição entre os dois dispositivos, já que um impede às partes tornar a discutir as questões processuais já decididas, enquanto o outro permite ao juiz rever sua decisão a qualquer tempo (antes da prolação da sentença de mérito), afirmam que a decisão declaratória de saneamento do processo gera preclusão apenas para as partes,113 Neste sentido, por todos, Liebman, Notas à edição brasileira de Chiovenda, Instituições de Direito Processual Civil, vol. I, p. 378114 Galeno Lacerda, Despacho Saneador, Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 2a ed., 1985, pp. 160-161.365

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Alexandre Freitas Câmaradestinatárias do art. 473, que ficariam impedidas de tornar a discutir as questões processuais resolvidas na decisão de saneamento, mas não haveria, in casu, preclusão para o juiz, que ficaria livre para reconhecer a existência de algum vício que declarara inexistir naquele provimento.115 Este posicionamento, porém, não é - como já afirmado -pacífico. Assim é que, por exemplo, alguns autores defendem haver na hipótese preclusão tanto para as partes como para o juiz, não se podendo tornar a discutir questão que tenha sido resolvida na decisão de saneamento contra a qual não tenha sido interposto recurso (ou se o recurso interposto não foi admitido).116

Autores há, ainda, que traçam a seguinte distinção: sobre as questões efetivamente decididas no "despacho saneador" haverá preclusão, não mais podendo tais questões ser discutidas e apreciadas, alcançando esta preclusão tanto as partes como o juiz; já sobre as questões que não tenham sido decididas (embora pudessem tê-lo sido, ou porque já suscitadas pelas partes, ou porque cognoscíveis de ofício), incide, também, a preclusão, tanto para as partes como para o juiz, salvo sobre aquelas matérias que podem, por expressa disposição de lei, ser conhecidas a qualquer tempo (como a incompetência absoluta, os pressupostos processuais e as "condições da ação").117

Por fim, há de se considerar a opinião de outro setor da doutrina, segundo o qual a preclusão não se forma quanto às matérias enumeradas no art. 267, § 3a, do CPC, podendo ser apreciadas de ofício (ou mediante provocação) a qualquer tempo, ainda que tenham sido expressamente decididas no "despacho saneador".118 Esta nos parece a melhor posição, sendo certo que a mesma não conflita com o art. 473 do CPC. É certo que diversos autores afirmam a existência de eficácia preclusiva da decisão de saneamento do processo com supedâneo naquele dispositivo, mas tal norma impede que as partes tornem a discutir as questões já decididas a cujo respeito tenha se operado a preclusão. Dos termos do dispositivo se extrai que não há nenhuma vedação a que se volte a discutir as matérias a cujo respeito a preclusão não se opera. Ora, o art. 267, § 3fi, do CPC tem precisamente115 Neste sentido, portodos, Sérgio Bermudes, "O Despacho Saneador no CPC -Julgamento conforme o Estado do Processo - Eficácia Preclusiva do Despacho Saneador", in Direito Processual Civil - Estudos e Pareceres, São Paulo: Saraiva, 1983, pp. 34-36.116 Assim Lauria Tucci, Do Julgamento Conforme o Estado do Processo, pp. 292-293.117 Esta a opinião, entre outros, de Barbosa Moreira, O Novo Processo Civil Brasileiro, p. 72.118 Figueiredo Teixeira, Código de Processo Civil Anotado, p. 239.366

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Lições de Direito Processual Civila finalidade de excluir a formação de preclusão sobre as matérias ali enunciadas (pressupostos processuais, impedimentos processuais e "condições da ação"), o que faz com que tais matérias (sobre as quais, repita-se, não se forma a preclusão) possam tornar a ser discutidas. Assim, será possível a revisão da decisão de saneamento pelo próprio juízo que a proferiu (e, com muito mais razão, pelo juízo de segundo grau, que aprecie a causa em grau de recurso, e que poderá conhecer daquelas matérias ex oííicio). Tal posição é a única capaz de conciliar a decisão de saneamento do processo com os princípios hauridos da teoria geral do Direito Processual, onde se verificou que a apreciação do objeto do processo é impossível quando faltar algum daqueles elementos. Admitir a existência de preclusão sobre alguma daquelas questões seria permitir que se apreciasse o mérito da causa mesmo que se verificasse, depois de se declarar saneado o processo, a existência de algum impedimento processual, ou a "carência de ação". Basta pensar, por exemplo, na hipótese de, após a declaração de saneamento, se verificar a existência de coisa julgada, capaz de impedir a apreciação do mérito da causa. Afirmar a existência de preclusão seria permitir que se proferisse sentença de mérito onde a mesma não poderia ser prolatada (sendo até mesmo possível a in-terposição, posteriormente, de "ação rescisória" contra tal sentença). Parece ilógico se permitir a propositura de "ação rescisória" e não se admitir o reconhecimento, de ofício ou mediante provocação, da presença daquele impedimento processual.Vistas as duas primeiras finalidades da audiência preliminar, tentar a conciliação e sanear o processo, há que se falar do terceiro e último objetivo desta audiência, qual seja, a organização da instrução. Esta atividade consiste em três atos, realizados pelo juiz no mesmo provimento proferido ao final da audiência preliminar, em que declarara saneado o processo. Organizar a instrução consiste em fixar os pontos controvertidos, deferir as provas que serão produzidas e designar audiência de instrução e julgamento, se necessário.A fixação dos pontos controvertidos é fundamental para a organização das atividades de instrução probatória. Isto porque, como será visto com mais detalhes adiante, apenas as alegações concernentes a fatos controvertidos devem ser provadas. O que é incontroverso não se constitui em objeto de prova (mesmo porque tal prova seria inútil, já que não há dúvida no processo quanto à veracidade da alegação). Assim sendo, caberá ao juiz, na audiência preliminar, afirmar quais são os fatos controvertidos, com o fim de367

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Alexandre Freitas Câmaradelimitar a produção das provas, otimizando os resultados da instrução probatória. Com a fixação dos pontos controvertidos, impede-se a produção de prova inútil, o que permite um processo mais rápido e mais efetivo, com uma mais célere entrega da prestação jurisdicional.Note-se que, antes da reforma do CPC, a fixação dos pontos controvertidos se dava somente na audiência de instrução e julgamento, por força do disposto no art. 451 do CPC, que foi revogado implicitamente pela redação dada ao art. 331 pela Lei na 8.952/94 (redação esta que seria posteriormente alterada pela Lei na 10.444/2002).119

Após fixar os pontos controvertidos, deverá o juiz deferir as provas que serão produzidas, ou seja, dispor sobre os meios de prova que entende devam ser utilizados para que se possa formar seu convencimento acerca das alegações das partes. Tais meios de prova serão aqueles considerados pertinentes entre os indicados pelas partes (e é de se afirmar que esta atividade de organização da instrução, mais do que atividade decisória, é atividade de diálogo entre o juiz e as partes, como afirmam Dinamarco e Gusmão Carneiro),120 além daqueles cuja produção o próprio juiz, de ofício, entenda necessária (art. 130 do CPC). É de se notar que esta atividade é destinada a permitir o descobrimento da verdade, fim último do processo, podendo, portanto, o juiz, após este momento, determinar a produção de outras provas, que, em princípio, não lhe pareciam necessárias.121

Por fim, deverá o juiz designar audiência de instrução e julgamento, se necessário. Em outros termos, deverá o juiz, na hipótese de ter deferido a produção de alguma prova oral, determinar a realização de audiência de instrução e julgamento. Não havendo prova oral a ser produzida (porque o juiz, por exemplo, determinou tão-somente a produção de prova pericial), não deverá ser designada esta outra audiência, e após a produção da prova já será possível a prolação de sentença. Mais uma vez se aplica a regra segundo a qual nenhum ato processual inútil deve ser praticado. Inexistindo prova oral a ser produzida, não haveria utilidade na realização de uma audiência para colheita de provas. Assim, desnecessária sua realização, não deve a mesma ser designada.122

119 No sentido da revogação do art. 451 do CPC, Dinamarco, A Reforma do Código de Processo Civil, p. 134; Freitas Câmara, Lineamentos do Novo Processo Civil, p. 54.120 Dinamarco, A Reforma do Código de Processo Civil, p. 133; Gusmão Carneiro, Audiência de Instrução e Julgamento e Audiências Preliminares, p. 105.121 Barbosa Moreira, O Novo Processo Civil Brasileiro, p. 82.122 Sérgio Bermudes, A Reforma do Código de Processo Civil, São Paulo: Saraiva, 2a ed., 1996, p. 59.368

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Lições de Direito Processual CivilResumindo o que foi dito até aqui a respeito da audiência preliminar, tem esta tríplice finalidade: conciliação, saneamento do processo e organização da instrução. Obtida a conciliação, deve esta ser tomada por termo e homologada por sentença. Não sendo, por qualquer motivo, alcançada a conciliação, deve o juiz sanear (rectius, declarar saneado) o processo e organizar a instrução (o que se faz mediante a fixação dos pontos controvertidos, deferimento das provas que serão produzidas e designação, se necessário, de audiência de instrução e julgamento).Uma última questão, porém, deve ser apreciada. O art. 331 afirmava, na redação que lhe dera a Lei na 8.952/94, que a audiência preliminar deveria ser realizada se a causa versasse sobre direitos disponíveis. Posteriormente, alterou-se essa redação pela Lei na 10.444/2002, que passou a determinar a realização da audiência quando a causa verse sobre direitos que admitem transação. E de se perguntar, então, em que casos se realiza esta audiência, e se há alguma hipótese em que a mesma não deve ser realizada (caso em que se deve fixar qual será a forma de atuação do juiz).Sobre o tema surgiram, originariamente, três correntes doutrinárias. Uma primeira, interpretando literalmente o texto atribuído ao art. 331 pela Lei na 8.952/94, afirmava que a audiência preliminar se realizaria apenas nas causas que versassem sobre direitos disponíveis.123 Nas causas que versassem sobre direitos indisponíveis, para esta corrente, tudo seria como antes, devendo o juiz atuar como se não tivesse havido a reforma do CPC: sustentava-se que caberia ao juiz, por ato escrito, proferir o "despacho saneador", ou seja, a decisão decla-ratória de saneamento do processo. Esta corrente perde qualquer sentido com a redação que a Lei na 10.444/2002 atribuiu ao art. 331, uma vez que essa lei substituiu, no caput do art. 331, a expressão "direitos disponíveis" por essa outra, "direitos que admitam transação". Afasta-se, assim, por completo, a possibilidade de se aceitar esta primeira corrente, tendo sido acolhida sugestão feita pela corrente que, a seguir, se passará a expor.Para uma segunda corrente, bastante semelhante à anterior, haveria apenas um equívoco na interpretação literal do texto do art. 331, na redação da Lei na 8.952/94: é que ao falar em "direitos disponíveis", teria o legislador "cochilado".124 Para os defensores desta posição123 Calmon de Passos, Inovações no Código de Processo Civil, p. 111.124 A expressão "cochilo do legislador" é de Bermudes, A Reforma do Código de Processo Civil, p. 57.369

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Alexandre Freitas Câmaradoutrinária, a audiência preliminar deveria ser realizada sempre que a causa versasse sobre direitos que admitam conciliação (ainda que indisponíveis como o direito aos alimentos, que embora irrenunciável, admite acordo quanto ao valor, forma de pagamento etc.) Versasse a causa, por outro lado, sobre direitos que não admitissem conciliação, aí sim deveria ser tudo como antes da reforma, cabendo ao juiz, por escrito, proferir a decisão de saneamento do processo.125

Por fim, uma terceira corrente doutrinária afirmava a necessidade de realização de audiência preliminar em qualquer caso, versasse a causa sobre direitos disponíveis ou indisponíveis, pouco importando se estes admitiam ou não a conciliação.126 Esta é a corrente que sempre nos pareceu mais acertada. E eram diversos os fundamentos que nos levavam a isto. Em primeiro lugar, era preciso considerar a fonte do dispositivo. Não havia dúvidas na doutrina quanto ao fato de o art. 331 ter sido trazido para o Direito brasileiro diretamente do Código de Processo Civil Modelo para a América Latina.127 O art. 301 deste Código apresenta as finalidades da audiência preliminar, as quais coincidem, em linhas gerais, com as finalidades da nossa audiência de mesmo nome, sendo certo que não há, ali, nenhum obstáculo à realização da audiência em razão da natureza do direito material deduzido em juízo.Em segundo lugar, era preciso levar em consideração o fato de que ao se admitir que em alguns casos o procedimento ordinário teria a realização de uma audiência preliminar, e em outros não, sendo certo que esta variação se daria em razão da natureza do direito material deduzido em juízo, estar-se-ia admitindo a existência de dois procedimentos ordinários, um para direitos que admitem conciliação, e outro para direitos que não a admitem. Esta existência de dois procedimentos ordinários seria arbitrária e contrária ao sistema, em que o procedimento ordinário, como já se afirmou, é aplicável para todas as causas para as quais não haja procedimento especificamente125 Bermudes, A Reforma do Código de Processo Civil, p. 57; Gusmão Carneiro, Audiência de Instrução e Julgamento e Audiências Preliminares, p. 108.126 Dinamarco, A Reforma do Código de Processo Civil, pp. 124-125; Nery Júnior, Atualidades sobre o Processo Civil, p. 109. A este posicionamento manifestamos adesão, desde nosso primeiro livro, em opinião que mantemos neste momento (Freitas Câmara, Líneamentos do Novo Processo Civil, p. 53).127 O CPC Modelo (também conhecido como CPC Tipo) não é uma lei, mas uma obra doutrinária, que se põe a meio caminho entre o direito positivo e os tratados, elaborado por um grupo de processualistas latino-americanos com o fim de criar um modelo capaz de guiar as reformas que viessem a ser feitas nas legislações processuais dos países latino-americanos.370

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Lições de Direito Processual Civilprevisto.128 Havia entre nós apenas um procedimento ordinário, e a audiência preliminar era ato deste procedimento, integrando-o obrigatoriamente (desde que, obviamente, não se tivesse proferido sentença antes do momento adequado para sua realização).Um terceiro argumento que era utilizado para justificar a obrigatoriedade de realização da audiência preliminar mesmo nas causas que versassem sobre direitos que não admitem conciliação estava no fato de que esta é uma audiência que tem tríplice finalidade: conciliação, saneamento e organização da instrução.129 Estando-se diante de um direito que não admita conciliação, torna-se impossível alcançar a primeira (mas não única) daquelas finalidades, o que justificaria a realização da audiência para que se buscasse alcançar os outros dois fins: saneamento do processo e organização da instrução. Ressalte-se, aliás, que o próprio texto do art. 331, § 2o-, dava margem a este entendimento, ao afirmar que "se, por qualquer motivo, não for obtida a conciliação" a audiência preliminar prossegue, em direção ao saneamento e à organização da instrução. Ora, um dos motivos que pode impedir a obtenção de conciliação é a natureza da res in iudicium deducta, o que levava à conclusão que também por este motivo, quando a conciliação não é nem mesmo tentada (porque impossível), deveria ser realizada a audiência preliminar.130

Por fim, era preciso lembrar que não existia, no Direito brasileiro, nenhuma norma que previsse o saneamento do processo como ato escrito (lembrando-se que, para as duas correntes em primeiro lugar referidas, em algumas causas o juiz deveria sanear o processo por escrito). A única norma que regulava o saneamento do processo era o art. 331 do CPC, que previa tal ato como integrante de uma audiência, onde deveria ser praticado oralmente. Assim, não haveria como se admitir a prolação por escrito daquela decisão.Por estas razões é que sempre sustentamos a terceira das correntes expostas. Ocorre que a Lei n° 10.444/2002, aprovada quando este livro já se encontrava em sétima edição, acrescentou um § 3e ao art. 331 do CPC, o que fez com que se superasse toda a divergência anteriormente apresentada. Estabelece o aludido § 3s que "se o direito em litígio não admitir transação, ou se as circunstâncias da causa evidenciarem ser improvável sua obtenção, o juiz poderá, desde logo,128 Dinamarco, A Reforma do Código de Processo Civil, p. 124.129 Freitas Câmara, Lineamentos do Novo Processo Civil, p. 53.130 Dinamarco, A Reforma do Código de Processo Civil, p. 124.371

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Alexandre Freitas Câmarasanear o processo e ordenar a produção da prova, nos termos do § 2a". Vê-se, assim, que o legislador de 2002 optou pela solução proposta pela segunda das correntes anteriormente descritas, conforme a qual a audiência preliminar só deve ser realizada quando a causa versar sobre direitos que admitem transação. Versando a causa sobre um direito que não admita transação, deverá o juiz, desde logo (ou seja, através de pronunciamento escrito), proferir a decisão de saneamento do processo e organização da instrução probatória, descrita no § 2a desse art. 331.Também não se realizará a audiência preliminar quando o juiz considerar, pelas circunstâncias da causa, que é improvável a conciliação.131 Esta improbabilidade se revelará quando uma das partes tiver expressamente manifestado não estar disposta a transigir. Ou quando de outras circunstâncias da causa se puder extrair esse juízo de probabilidade.A opção do legislador, ao criar o § 3a do art. 331, é, data venia, infeliz. Pelos motivos anteriormente expostos, a audiência preliminar era extremamente útil mesmo nos casos em que a causa versa sobre direitos que não admitem transação, eis que permite um diálogo entre o juiz e as partes e seus advogados, o que otimiza a instrução processual. A possibilidade de as partes e o juiz dialogarem a respeito da instrução probatória permite evitar a prática de atos processuais desnecessários para a solução da causa. Infelizmente, porém, o legislador optou por excluir a realização da audiência nesses casos, bem como naquelas hipóteses em que, mesmo sendo em tese possível a transação em razão da natureza do direito material deduzido em juízo, ser improvável a autocomposição. Esta segunda hipótese, além de tudo, serve como desculpa para juizes, que não gostam de realizar audiência, evitá-la, afirmando simplesmente que proferem por escrito a decisão de saneamento porque se convenceram, pelas circunstâncias da causa, da improbabilidade de haver autocomposição. Volta-se, assim, aos velhos tempos do "despacho saneador" escrito. Espera-se, sinceramente, que em uma próxima reforma do CPC se retire essa regra, afirmando-se expressamente que a audiência preliminar se realiza sempre, qualquer que seja a natureza do direito material dedu-131 Fala a lei na hipótese em que as circunstâncias da causa forem capaz de evidenciar ser improvável a obtenção da transação. Como se pode evidenciar uma probabilidade? Há, aqui, uma verdadeira contradição em termos. A nosso sentir, deve-se ler o texto legal como se dissesse que a audiência não se realizará quando for ao menos improvável a obtenção da transação.372

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Lições de Direito Processual Civilzido no processo. Atualmente, porém, a audiência preliminar só se realizará quando a causa versar sobre direitos que admitem transação, não sendo improvável que a autocomposição ocorra.

§ 6^ Instrução Probatória e Audiência de Instrução e JulgamentoEncerrada a audiência preliminar sem que se tenham conciliado as partes, faz-se necessária a realização de uma atividade de colheita de provas, com eventual audiência de instrução e julgamento. Eventual porque esta audiência só se realizará no caso de haver alguma prova oral a ser produzida. Caso contrário (como, por exemplo, se a única prova a ser colhida é pericial), deverá o juiz, após a produção da prova - e depois de ouvir as partes sobre a mesma, abrindo-se-lhes prazo para apresentar impugnações -, proferir desde logo a sentença, sem a realização de uma audiência que se revelaria inteiramente inútil.Não examinaremos neste passo o chamado direito probatório, conjunto de regras e princípios que nos permitem conhecer a teoria geral das provas e as diversas provas em espécie. Este tema será estudado em momento posterior desta obra. Neste passo, limitar-nos-emos à análise da fase de instrução probatória e da audiência de instrução e julgamento.A fase de instrução probatória não recebe este nome porque nela se realiza toda a atividade de produção de provas, mas por ser esta a atividade preponderante neste momento do processo. Em realidade, a atividade de produção de provas começa com a petição inicial e a contestação, quando já são trazidas aos autos as provas de natureza documental. Após o saneamento do processo, porém, serão produzidas as outras provas, sendo certo que a perícia e a inspeção judicial serão, de ordinário, produzidas logo após a audiência preliminar, enquanto as provas orais são colhidas em audiência especificamente designada para tal, a audiência de instrução e julgamento.A fase de instrução probatória, portanto, pode não chegar a se desenvolver, o que se dará todas as vezes em que o processo for extinto, com a prolação de sentença, na fase de julgamento conforme o estado do processo (ou mesmo antes, se tiver sido indeferida a petição inicial). Nada disso tendo ocorrido, porém, passa-se a esta fase de produção de provas, em que se estará preparando (instruindo) a373

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Alexandre Freitas Câmaraformação da convicção do juiz acerca dos fatos da causa, para que se possa decidir o objeto do processo.Como dito, havendo necessidade de colheita de prova oral, será designada uma audiência de instrução e julgamento (AIJ). Passa-se, pois, ao estudo deste importante instituto processual, o qual permite que se guardem alguns aspectos da oralidade, característica essencial do processo civil moderno.Pode-se definir a AIJ como um ato processual complexo,132 como fazem muitos juristas, embora pareça-nos preferível falar não em "ato complexo", mas sim em complexo de atos. A AIJ é, em verdade, uma seqüência ordenada de atos processuais, que se sucedem na forma prevista na lei (o que nos permite falar na existência de um procedimento da audiência de instrução e julgamento). Estes atos processuais, que serão praticados quase que simultaneamente, formam, em seu conjunto, a audiência de instrução e julgamento. É por esta razão que, mais do que um ato complexo, a AIJ se nos afigura um complexo de atos processuais.É importante notar que, em nosso sistema, a AIJ é una e contínua (art. 455 do CPC). Por esta razão, não sendo possível realizar todos os atos da audiência de uma só vez, deverá a mesma ser suspensa, a fim de prosseguir em data próxima. Ter-se-á, neste segundo momento, a continuação daquela AIJ, e não a realização de uma segunda audiência de instrução e julgamento.133 Assim é que, por exemplo, a parte que compareceu à primeira parte da audiência não poderá ser considerada ausente se tiver faltado à continuação da mesma. Da mesma forma, não se pode considerar reaberto o prazo para oferecimento de rol de testemunhas, sob o argumento de que se estaria aqui diante de uma segunda audiência.134

A AIJ, como todos os demais atos processuais, é pública, sendo livre o acesso à sala de audiências, onde poderá ingressar qualquer pessoa. Tal publicidade, obviamente, se restringe nos casos em que o processo tramite em segredo de justiça, hipótese em que a AIJ será realizada a portas fechadas (art. 444 do CPC).É de se notar, ainda, que o juiz exerce poder de polícia na audiência (art. 445), cabendo-lhe assegurar o decoro e a tranqüilidade132 Gusmão Carneiro, Audiência de Instrução e Julgamento e Audiências Preliminares, p. 11.133 Amaral Santos, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. IV, p. 382.134 Gusmão Carneiro, Audiência de Instrução e Julgamento e Audiências Preliminares, pp. 36-37.374

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Lições de Direito Processual Civilnecessários ao bom andamento da AIJ, requisitando mesmo a força policial, se necessário.135 Cabe, ainda, ao juiz dirigir a realização da audiência de instrução e julgamento, procedendo pessoalmente à colheita das provas e exortando os advogados e o Ministério Público a discutir a causa com elevação e urbanidade (art. 446).A parte mais importante do estudo da audiência de instrução e julgamento é, sem sombra de dúvida, a análise do rito conforme o qual a mesma se desenvolve. Assim é que, no dia e hora designados, deverá o juiz declarar aberta a AIJ, determinando que se faça o pregão das partes e de seus advogados.136 A presença das partes não é essencial à realização da audiência de instrução e julgamento, e sua ausência só produz efeitos quando a parte tenha sido intimada para prestar depoimento pessoal (quando, então, incide a chamada "pena de confissão"). A ausência do advogado, por sua vez, é processualmente relevante, uma vez que o juiz poderá dispensar a produção das provas requeridas pela parte cujo patrono não tenha comparecido (art. 453, § 22). É de se notar que tal dispensa de prova não é obrigatória, mas mera faculdade do juiz.Presentes as partes, deverá o juiz, versando a causa sobre direitos patrimoniais de caráter privado, ou sobre direitos de família que admitam autocomposição, proceder a uma tentativa de conciliação (art. 447). Obtida esta, será tomada por termo, o qual, assinado pelas partes, será homologado por sentença pelo juiz (arts. 448 e 449). É de se notar que o fato de ter havido uma tentativa frustrada de conciliação anterior, na audiência preliminar, não exclui o dever do juiz de, uma vez mais, exortar as partes a que se conciliem. O art. 331 do CPC não foi capaz de revogar o art. 447, permanecendo como integrantes do procedimento ordinário estes dois momentos em que se tenta conciliar as partes.137

Não sendo obtida a conciliação, ou versando a causa sobre matéria em que se faz impossível a autocomposição, passa-se à fase135 Há quem considere que a expressão "poder de polícia", encontrada no art. 445, está empregada em sentido impróprio. Neste sentido, José de Moura Rocha, "Há 'Poder de Polícia' no Art. 445 do Código de Processo Civil?", in RePro 6/38. No sentido do texto, considerando haver, na hipótese, verdadeiro poder de polícia, Gusmão Carneiro, Audiência de Instrução e Julgamento e Audiências Preliminares, p. 39.136 É de se notar que, sendo o pregão ato integrante do procedimento da AIJ, só pode se realizar depois que o juiz a tiver iniciado. Na prática, porém, isto raramente ocorre, sendo certo que na maioria dos casos o juiz só adentra a sala de audiências após o pregão, e com as partes e seus advogados já postados à sua espera.137 Dinamarco, A Reforma do Código de Processo Civil, p. 123.375

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Alexandre Freitas Câmaraseguinte da AIJ, quando serão produzidas as provas. É de se observar que, nos termos do art. 451 do CPC, cabe ao juiz, neste momento, fixar os pontos controvertidos, sobre os quais incidirá a atividade probatória. Ocorre que, com a redação dada ao art. 331 do CPC pela Lei na 8.952/94, tal fixação terá sido feita anteriormente, quando da audiência preliminar, razão pela qual este art. 451 deve ser tido por revogado (revogação tácita).138

Dispõe o art. 452 acerca da ordem em que as provas deverão ser colhidas na AIJ: esclarecimentos do perito e dos assistentes técnicos, depoimentos pessoais das partes (primeiro o autor e depois o réu), inquirição das testemunhas (primeiro as do autor e, depois, as do demandado). Esta ordem, embora deva ser, via de regra, observada, poderá ser alterada quando assim o determinarem as peculiaridades do caso concreto. Assim é que, por exemplo, o Tribunal de Justiça do Paraná já considerou haver nulidade insanável numa audiência em que o juiz observou a ordem prevista na lei, por ter indeferido requerimento do réu, advogado em causa própria, de inversão na ordem dos depoimentos pessoais das partes, a fim de ser ouvido em primeiro lugar e poder permanecer na sala de audiências durante o depoimento da autora, porque depondo após esta não poderia presenciar seu depoimento nem lhe formular perguntas. Entendeu o TJPR que referido indeferimento violou a garantia do contraditório, pois teria impedido o réu de, como advogado, participar da produção da prova, formulando perguntas no depoimento da autora.139

Finda a colheita das provas orais, deverá o juiz passar a palavra aos advogados das partes, primeiro o do autor e depois o do réu, e após ao Ministério Público (nos feitos em que atua como fiscal da lei) pelo prazo de vinte minutos, prorrogáveis a seu critério por mais dez (art. 454). Havendo litisconsorte ou terceiro (como o assistente), o prazo será necessariamente de trinta minutos, a ser dividido entre as pessoas do mesmo grupo, na forma do art. 454, § Ia.Em havendo oposição, falará em primeiro lugar o oponente, por vinte minutos, e após os opostos, cada qual pelo prazo de vinte minutos (art. 454, § 2a). Neste momento, os opostos oferecerão apenas seus argumentos referentes à oposição, ficando os debates a respeito138 Freitas Câmara, Lineamentos do Novo Processo Civil, p. 54; Dinamarco, A Reforma do Código de Processo Civil, p. 134.139 TJPR, Apelação cível n- 380/85, in Paraná Judiciário 18/51, citado por Moniz de Aragão, Sentença e Coisa Julgada, p. 54, nota de rodapé 77.376

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Lições de Direito Processual Civilda demanda original para momento posterior (ainda na mesma AIJ), sem a participação do opoente, onde se observarão as regras do caput do art. 454.140Não se pode deixar de dizer que, na imensa maioria dos casos concretos, os advogados deixam de se valer deste importante instrumento de persuasão que é a possibilidade de apresentação oral de suas alegações, limitando-se a se reportar aos elementos já constantes dos autos.Nas hipóteses em que a causa verse sobre questões complexas, de fato ou de direito, o debate oral poderá ser substituído, a critério do juiz (a quem cabe a direção do processo), pela apresentação de memoriais escritos, devendo o juiz designar dia e hora para a apresentação dos mesmos. Tradicionalmente os juizes determinam a apresentação simultânea dos memoriais, o que conta com o aplauso de parte da doutrina.141

Não nos parece, data venia, que esta seja a melhor posição. Deve-se ter em mente que os memoriais são mero substitutivo dos debates orais. Ninguém discute que, nos debates orais, o advogado do réu se manifesta depois de conhecer os argumentos do advogado do demandante. Outra não poderá ser, pois, a interpretação quando se estiver diante da apresentação de memoriais. Estes deverão ser apresentados não simultaneamente, mas sim sucessivamente, primeiro o autor e depois o réu, para que este tenha a oportunidade de conhecer os argumentos do demandante.142

Após os debates orais (ou após o oferecimento dos memoriais), deverá o juiz proferir sua sentença, na própria audiência, ou no prazo (impróprio) de dez dias nos termos do art. 456.Não se podem encerrar estas breves considerações acerca da audiência de instrução e julgamento sem que se fale algo sobre os casos em que a mesma poderá ser adiada (art. 453). Assim é que, em primeiro lugar, pode a AIJ ser adiada por convenção das partes, o que140 Contra, entendendo que aos opostos caberá, nesta oportunidade, apresentar suas alegações acerca da oposição e da demanda original, Gusmão Carneiro, Audiência de Instrução e Julgamento e Audiências Preliminares, p. 84. No sentido do texto, Moniz de Aragão, Sentença e Coisa Julgada, p. 65. Esta a posição que nos parece a mais acertada, pois não seria razoável que, com a oposição, se desse às partes menos tempo do que teriam para apresentar suas alegações orais na hipótese de não ter sido proposta aquela demanda prejudicial.141 Costa Machado, Código de Processo Civil Interpretado, p. 388, afirmando que uma das partes não deve conhecer os argumentos da outra.142 No sentido do texto, Rogério Lauria Tucci e José Rogério Cruz e Tucci, "Indevido Processo Legal Decorrente da Apresentação Simultânea de Memoriais", in Devido Processo Legal e Tutela Jurisdicional, São Paulo: RT, 1993, p. 95.377

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Alexandre Freitas Câmarase admite apenas uma vez. Além disso, pode-se adiar a audiência de instrução e julgamento quando a ela não puder comparecer, justifi-cadamente, alguma das pessoas que dela deveria participar (parte, advogado, perito, testemunha etc).Nesta segunda hipótese, as despesas causadas pelo adiamento serão suportadas por quem tiver lhe dado causa. Além disso, incumbe ao advogado, até o início da audiência, provar a existência de motivo justo para seu adiamento. Há que se considerar, porém, que poderá haver casos em que se torne impossível tal prova (por exemplo, o advogado sofre um ataque cardíaco a caminho da audiência). Neste caso, se a justificativa for apresentada antes da prolação da sentença, deverá o juiz anular a audiência, para que outra se realize. Já tendo sido proferida a sentença, deverá ser interposto recurso, cabendo a alegação de nulidade da audiência nas razões da apelação.143

Questão que tem gerado divergência em doutrina é a de saber se constitui motivo justo para o adiamento da audiência o fato de o advogado ter audiência anteriormente designada, para a mesma data e horário, em outro processo. Parece-nos que a resposta deve ser positiva. Não se pode exigir do advogado que, contrariando as leis da física, encontre-se em dois lugares ao mesmo tempo, nem se pode punir a parte por ter procurado um advogado com muitos clientes (caso em que este evento se afigura muito mais provável), ou por ter sido "vítima" de uma coincidência.144

143 Fidélis dos Santos, Manual de Direito Processual Civil, vol. I, p. 474.144 Consideram tal motivo justo para o adiamento, entre outros, Amaral Santos, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. IV, p. 378; Fidélis dos Santos, Manual de Direito Processual Civil, vol. I, p. 474. Em sentido contrário, Gusmão Carneiro, Audiência de Instrução e Julgamento e Audiências Preliminares, p. 96.378

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Capítulo XIII Procedimento Sumário§ ls Conceito e CabimentoSegunda das modalidades de procedimento comum no processo de conhecimento, embora possa ser considerado especial em relação ao procedimento ordinário, o procedimento sumário é um procedimento de cognição plena, em que há uma maior concentração dos atos processuais, sendo, pois, sumário apenas formalmente.1

Determina o art. 275 do CPC quais são as causas em que será observado o procedimento sumário, excluindo ainda seu cabimento nas causas relativas ao estado e à capacidade das pessoas (art. 275, parágrafo único). As hipóteses de cabimento do procedimento sumário se dividem em dois grupos: cabimento em razão do valor da causa (art. 275, I) e cabimento em razão da matéria (art. 275, II). Neste último, observa-se o procedimento sumário qualquer que seja o valor.Em primeiro lugar, há que se afirmar, pois, que o procedimento sumário será cabível nas causas cujo valor não exceda de sessenta vezes o valor do salário mínimo. Excluem-se as causas referentes ao estado e à capacidade das pessoas, como visto, além daquelas para as quais haja procedimento especial previsto (como as "ações posses-sórias" e a "ação de consignação em pagamento").Além disso, há que se referir brevemente às causas de cabimento do procedimento sumário em razão da matéria. Estas estão arroladas, como dito, no inciso II do art. 275 do CPC.A primeira destas hipóteses (art. 275, II, a) prevê o cabimento do procedimento sumário nas causas "de arrendamento rural e de parceria agrícola". Assim sendo, todas as causas versando matéria ligada a estes contratos (como, e.g., uma demanda anulatória de um contrato de arrendamento rural), levarão à adoção deste procedimento. Deve-se dizer que o dispositivo merece interpretação extensiva, considerando-1 Freitas Câmara, Dos Procedimentos Sumário e Sumaríssimo, p. 11. É de se notar, com Araken de Assis, que este procedimento melhor se chamaria "plenário rápido" (Araken de Assis, Procedimento Sumário, São Paulo: Malheiros, 1996, p. 11).379

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Alexandre íYeitas Câmarase aplicável o procedimento sumário não só nas causas relativas à parceria agrícola, mas sim à parceria rural, em todas as suas modalidades.2

A seguir, determina o Código de Processo Civil que se observe o procedimento sumário nas causas "de cobrança ao condômino de quaisquer quantias devidas ao condomínio". Trata-se de hipótese de notável importância prática, uma vez que as pessoas, mais e mais, se aglomeram nas grandes cidades, vivendo em condomínios por planos horizontais. A demanda ajuizada pelo condomínio de edifício em face do condômino inadimplente seguirá o procedimento sumário. É de se observar, ainda, que o dispositivo aqui comentado abrange ainda as causas ligadas ao condomínio comum do Código Civil, incida este sobre coisas móveis ou imóveis, hipótese em que a legitimidade ativa será não do condomínio (que neste caso não tem capacidade de ser parte), mas de qualquer dos demais condôminos.3

Logo a seguir, determina o CPC que se observe o procedimento sumário nas causas "de ressarcimento por danos em prédio urbano ou rústico". Sendo certo que, na linguagem jurídica, o vocábulo prédio designa qualquer imóvel, edificado ou não, abiangendo o solo e suas acessões, aplica-se a disposição do art. 275, II, c, toda vez que alguém demandar pleiteando reparação por dano causado a imóvel seu, seja ele urbano ou rústico.4

Determina ainda o CPC a observância do procedimento sumário nas causas "de ressarcimento por danos causados em acidente de veículo de via terrestre". Esta talvez seja a causa mais freqüente entre as que levam ao procedimento sumário. Note-se que o procedimento de que ora se trata será observado tanto nos casos de dano à coisa como nos de dano à pessoa (material ou moral).5

Além disso, utiliza-se o procedimento sumário em razão da matéria toda vez que o acidente for de veículo terrestre, qualquer que seja sua tração (motorizada, humana ou animal).6 Ficam, pois, de foraFreitas Câmara, Dos Procedimentos Sumário e Sumaríssimo, p. 19; Athos Gusmão Carneiro, Do Rito Sumário na Reforma do CPC, São Paulo: Saraiva, 1996, p. 24. Assis, Procedimento Sumário, p. 30; Freitas Câmara, Dos Procedimentos Sumário e Sumaríssimo, p. 22. Em sentido contrário, entendendo que a hipótese diz respeito, tão-somente, ao condomínio em edifício, Gusmão Carneiro, Do Rito Sumário na Reforma do CPC, p. 25.José Eduardo Carreira Alvim, Procedimento Sumário na Reforma Processual, Belo Horizonte; Del Rey, 1996, p. 44.Gusmão Carneiro, Do .Rito Sumário na Reforma do CPC, p. 28.Freitas Câmara, Dos Procedimentos Sumário e Sumaríssimo, p. 25; Gusmão Carneiro, Do Rito Sumário na Reforma do CPC, p. 28.380

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Lições de Direito Processual Civildo campo de incidência da norma apenas os acidentes envolvendo veículos náuticos e aeronáuticos.Observa-se, também, o procedimento sumário nas causas "de cobrança de seguro, relativamente aos danos causados em acidente de veículo", ressalvando-se, obviamente, as hipóteses em que o credor disponha de título executivo (art. 275, II, e, c/c art. 585, III, CPC). Note-se que aqui não faz a lei distinção quanto ao tipo de veículo envolvido no acidente, o que faz com que o procedimento sumário se revele cabível ainda que se trate de seguro de acidentes sofridos em veículo náutico ou aeronáutico.7 É de se notar que a hipótese albergará apenas as causas fundadas em seguro quando este tiver como objeto o veículo envolvido no acidente. Todas as vezes em que o objeto segurado for a própria pessoa,8 isto é, nos casos de seguro de vida e de acidentes pessoais, haverá título executivo extrajudicial, capaz de embasar uma demanda de execução forçada.É ainda cabível o procedimento sumário nas demandas "de cobrança de honorários dos profissionais liberais, ressalvado o disposto em legislação especial". Assim, toda vez que inexistir norma especial, o processo instaurado por demanda de um profissional liberal, que pretende receber seus honorários, seguirá o procedimento sumário. Exemplo de norma especial, determinando a utilização do processo de execução, se encontra na Lei n° 8.906/94, conhecida como Estatuto dos Advogados e da Ordem dos Advogados do Brasil, que dá ao contrato escrito de honorários advocatícios eficácia de título executivo extrajudicial. Como regra geral, porém, o profissional liberal terá de se valer de um processo de conhecimento, onde será observado o rito sumário.Por fim, observa-se o procedimento sumário "nos demais casos previstos em lei" (art. 275, II, gr). Isto porque nada impede que outras normas jurídicas criem outras hipóteses de utilização do procedimento sumário em razão da matéria. Problema surge, porém, quanto às normas anteriores à vigência da Lei na 9.245/95, em que se determinava a observância do procedimento sumaríssimo. Isto porque, como se sabe, antes da edição da referida lei, o CPC regia um procedimento sumaríssimo, que veio a ser substituído pelo atual procedimento sumário. A denominação procedimento sumaríssimo, porém, não foi simplesmenteCarreira Alvim, Procedimento Sumário na Reforma Processual, p. 48.Não deve causar espécie a afirmação de que uma pessoa pode ser objeto de uma relação jurídica, pois nada impede que o homem seja objeto de direito (assim, por todos, Gomes, Introdução ao Direito Civil, p. 174).381

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Alexandre Freitas Câmaraabandonada, sendo ainda utilizada para designar o procedimento aplicável aos juizados especiais cíveis, regidos pela Lei na 9.099/95.9 Fica, então, a dúvida: qual o procedimento aplicável àquelas causas para as quais a lei previa, antes da vigência da Lei na 9.245/95, o procedimento sumaríssimo? Predomina o entendimento segundo o qual naqueles casos (entre os quais se incluem a "ação revisional de aluguel" e a "ação de adjudicação compulsória") deve ser observado o procedimento sumário.10

§ 2Q Petição InicialA petição inicial do procedimento sumário não guarda maiores diferenças em relação à que se deve elaborar no procedimento ordinário. Todos os requisitos previstos no art. 282 devem ser observados,11

assim como o requisito constante do art. 39, I, do CPC. As únicas diferenças entre a petição inicial do procedimento sumário e a do ordinário decorre da norma constante do art. 276 do Código de Processo Civil, onde se lê que "na petição inicial, o autor apresentará o rol de testemunhas e, se requerer perícia, formulará quesitos, podendo indicar assistente técnico".Significa isto dizer que, em tendo o demandante protestado, em sua petição inicial, pela produção de prova testemunhai, terá o ônus de indicar, desde logo, que testemunhas pretende ver inquiridas em juízo. A ausência de tal indicação na petição inicial implica preclusão, não sendo possível a juntada posterior do rol.12 O mesmo se diga com relação à prova pericial. Requerida esta na petição inicial, terá o autor a faculdade de apresentar quesitos e indicar assistente técnico, o que deverá ser feito na própria petição inicial. O requerimento de perícia sem que se formule quesitos e indique assistente técnico importa em preclusão, não podendo o autor apresentar posteriormente seus quesitos e seu assistente. Note-se que a preclusão é apenas quanto a9 Sobre o tema, Freitas Câmara, Dos Procedimentos Sumário e Sumaríssimo, p. 81.10 Neste sentido, entre outros, Freitas Câmara, Dos Procedimentos Sumário e Sumaríssimo, pp. 28-29; Joel Dias Figueira Júnior, O Novo Procedimento Sumário, São Paulo: RT, 1996, p. 125; Assis, Procedimento Sumário, p. 35. Em sentido contrário, entendendo que aplica-se, naquelas hipóteses, o procedimento sumaríssimo dos juizados especiais cíveis, Bermudes, A Reforma do Código de Processo Civil, p. 33.11 Theodoro Júnior, As Inovações no Código de Processo Civil, p. 172.12 Freitas Câmara, Dos Procedimentos Sumário e Sumaríssimo, p. 37.382

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Lições de Direito Processual Civilestas indicações, o que não inviabiliza a realização da perícia em si.13 É de se notar, ainda, que tal preclusão implica perda, tão-somente, da faculdade de indicar assistente técnico e formular quesitos na perícia que o próprio autor tenha requerido. Na hipótese de, posteriormente, o réu requerer a produção desta espécie de prova, ou se a mesma for deferida de ofício pelo juiz ou a requerimento do Ministério Público, dever-se-á garantir ao autor a oportunidade de formular seus quesitos e de indicar seu assistente.14

No mais, como dito, a petição inicial atende aos mesmos requisitos das petições iniciais em geral, motivo pelo qual se remete o leitor à parte deste trabalho que se dedicou ao estudo deste instrumento no procedimento ordinário (supra, capítulo XII, § 2°).

§ 3^ Citação e Audiência de ConciliaçãoDeferida que seja a petição inicial, determinará o juiz a citação do demandado para comparecer a uma audiência, chamada pelo CPC de audiência de conciliação (art. 277), embora também aqui tenha a doutrina preferido a terminologia audiência preliminar.15 Isto porque tal audiência (assim como a prevista no art. 331 do CPC para o procedimento ordinário) tem múltiplas finalidades, com ela se visando alcançar não só a conciliação das partes, mas também (se o acordo não for obtido) a prática da maior parte dos atos que compõem o procedimento sumário, como a apresentação de resposta, sendo possível, até mesmo, que nessa audiência seja proferida a sentença.O réu, no procedimento sumário, é citado para comparecer a esta audiência preliminar. Há, pois, neste passo profunda diferença entre o procedimento que ora se analisa e o ordinário, no qual o demandado é citado para oferecer resposta no prazo de quinze dias. Aqui, o réu é citado para comparecer à audiência preliminar.Entre a citação e a realização de audiência deve haver um intervalo mínimo de dez dias (art. 277). Dispõe também o referido artigo que a audiência deve ser realizada num prazo máximo de trinta dias a13 Bermudes, A Reforma do Código de Processo Civil, p. 38. Em sentido diverso, entendendo que a não apresentação de quesitos e de assistente técnico torna impossível o deferimento da prova pericial requerida pela autor, Fornaciari Júnior, A Reforma Processual Civil, p. 45.14 No mesmo sentido, Bermudes, A Reforma do Código de Processo Civil, p. 38.15 Por todos, Gusmão Carneiro, Do Rito Sumário na Reforma do CPC, p. 39.383

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Alexandre Freitas Câmaracontar do provimento que a designar, mas tal prazo é impróprio, como soem ser os prazos fixados para os juizes, o que faz com que sua inobservância não acarrete qualquer conseqüência processual.Deve, pois, e este é o prazo que aqui nos interessa, haver dez dias, no mínimo, entre a citação e a audiência preliminar no procedimento sumário. Este prazo, diga-se desde logo, não é contado da forma habitual, mas de forma invertida. Isto porque, normalmente, o dia do início do prazo é anterior ao do vencimento, enquanto aqui considera-se dia do início a data da audiência preliminar, e dia do vencimento, o dia limite para que se realize a citação. Assim, por exemplo, se a audiência tiver sido designada para uma sexta-feira, dia 20, a citação deverá estar realizada até no máximo o dia 10 anterior, uma terça-feira. O dia do início do prazo é o dia da audiência, o qual é excluído da contagem, e o dia 10 o dia do vencimento, o qual se inclui, portanto. Considere-se, porém, uma audiência designada para o dia 23, segunda-feira. Neste caso, sendo o primeiro dia anterior ao do início um domingo,16 o prazo começará a ser contado da sexta-feira anterior (inclusive), devendo a citação ser feita até, no máximo, o dia 11, uma quarta-feira.E de se notar que, a nosso juízo, o prazo de dez dias deve mediar entre a citação e a audiência, e não entre a juntada aos autos da prova da citação e a audiência, embora a posição contrária à que defendemos seja a dominante em doutrina.17

É de se ressaltar, ainda, quanto a este prazo previsto no art. 277, que ele será contado em dobro quando for ré a Fazenda Pública.18 Além disso, aplica-se à hipótese o disposto no art. 191. Assim sendo, toda vez que houver litisconsórcio passivo, deverá o juiz determinar que entre a última citação que se realize e a audiência preliminar exista um intervalo mínimo de vinte dias.19

Do instrumento de citação deverá constar a advertência ao réu de que sua ausência terá como conseqüência a produção do efeito mate-16 Note-se que, sendo um prazo de contagem invertida, há de se contar em primeiro lugar o dia útil imediatamente anterior ao do início, e não - como se faz normalmente - o primeiro dia útil subseqüente.17 Defendem a posição dominante, entendendo aplicável à hipótese o art. 241 do CPC, entre outros, Theodoro Júnior, As Inovações no Código de Processo Civil, p. 173; Carreira Alvim, Procedimento Sumário na Reforma Processual, p. 67; Assis, Procedimento Sumário, p. 83.18 Freitas Câmara, Dos Procedimentos Sumário e Sumaríssimo, p. 43.19 Vicente Greco Filho, Comentários ao Procedimento Sumário, ao Agravo e à Ação Monitoria, São Paulo: Saraiva, 1996, p. 7.384

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Lições de Direito Processual Civilrial da revelia, presumindo-se iurís tantum a veracidade dos fatos alegados pelo autor (art. 277 e seu § 2a do CPC).Iniciada a audiência preliminar, deverá o juiz instar as partes a que se conciliem. Obtida a conciliação, será esta tomada por termo e homologada por sentença. Não havendo conciliação, prossegue a audiência preliminar na forma prevista no art. 278, o qual será objeto de nossa análise em breve.É de se notar, antes de mais nada, que o CPC determina o comparecimento pessoal das partes à audiência, podendo fazer-se representar por preposto com poderes para transigir (art. 277, § 3°). Há que se interpretar esta determinação, porém, com o clássico grão de sal. Em primeiro lugar, deve-se verificar se há alguma conseqüência na ausência do autor, que não vai nem se faz representar. Na ausência de qualquer previsão quanto a tais conseqüências, outra não pode ser a solução desta questão senão a de considerar que a única conseqüência da ausência do demandante é tornar impossível (ao menos naquele momento) a conciliação.20

A seguir, há que se verificar a conseqüência processual da ausência do réu, que não comparece nem se faz representar por preposto seu. Aqui há, a nosso juízo, que se tomar em consideração as seguintes hipóteses: se o réu não vai (nem mesmo representado por preposto com poderes para transigir), não comparecendo tampouco seu advogado, a conseqüência é a revelia. De outro lado, se o réu comparece (ou se faz representar por preposto), mas desacompanhado de advogado, será possível a tentativa de conciliação, mas não obtida esta o réu ficará revel (por não poder contestar). Até este ponto parece haver consenso na doutrina.21 Fica, então, uma última possibilidade: a de o réu não comparecer pessoalmente, mas se fazer representar apenas por seu advogado (tenha ele ou não poderes para transigir). Parte da doutrina considera que, nesta hipótese, haverá revelia (pelo não comparecimento do demandado).22 Esta, todavia, não nos parece a melhor posição. Revelia, no sistema do CPC, continua a ser "ausência de contestação".23

20 Freitas Câmara, Dos Procedimentos Sumário e Sumaríssimo, p. 45; Assis, Procedimento Sumário, p. 86; Gusmão Carneiro, Do Rito Sumário na Reforma do CPC, p. 43.21 Por todos, Theodoro Júnior, As Inovações no Código de Processo Civil, p. 175.22 Gusmão Carneiro, Do Rito Sumário na Reforma do CPC, p. 41; Assis, Procedimento Sumário, p. 85.23 Em sentido contrário, entendendo que no procedimento sumário revelia é "ausência do demandado à audiência", Carreira Alvim, Procedimento Sumário na Reforma Processual, p. 70. No sentido do texto, Bermudes, A Reforma do Código de Processo Civil, p. 41.385

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Alexandre Freitas CâmaraA ausência (ainda que sem justificativa) do demandado, que apesar disto se faz representar em juízo por advogado, não levará necessariamente à falta de contestação, a qual poderá ser oferecida pelo causídico. Por esta razão, não nos parece se possa aqui falar em revelia.24 Tal se dá, ainda, por inexistir norma que regulamente a figura do preposto, nada impedindo, pois, que tal delegado da parte seja o próprio advogado.25

Note-se, por fim, que o sistema não é infenso à possibilidade de uma parte pessoa natural se fazer representar em juízo por preposto.26

Obtida a conciliação, como dito, deverá a mesma ser tomada por termo e homologada por sentença. Em caso contrário, deverá prosseguir a audiência preliminar, com o oferecimento da resposta do réu (art. 278 do CPC).

§ 42 Resposta do Réu: Contestação e ExceçãoNão tendo sido obtida a conciliação, deverá o réu, na própria audiência preliminar, oferecer sua resposta, sendo duas as modalidades aqui cabíveis: contestação e exceção. A contestação tem, no procedimento sumário, a mesma função que no ordinário: servir de instrumento para que o réu apresente sua defesa processual, bem assim suas defesas de mérito, diretas e indiretas. Da mesma forma, a exceção será o instrumento hábil a permitir que se suscite a incompetência relativa do juízo, o impedimento e a suspeição do juiz. Por estes motivos, dispensam-nos de tecer maiores considerações acerca destas duas modalidades de resposta, remetendo o leitor para o que já se disse sobre as mesmas no estudo do procedimento ordinário. Dedicaremos, pois, nossa atenção tão-somente àquelas características especiais da resposta do réu no procedimento sumário, que as diferenciam da que se apresenta nos demais procedimentos.Em primeiro lugar, há que se dizer que a resposta pode ser oferecida por escrito ou oralmente (ao contrário do que se tem nos24 No mesmo sentido, Fornaciari Júnior, A Reforma Processual, p. 49; Bermudes, A Reforma do Código de Processo Civil, p. 41.25 Freitas Câmara, Dos Procedimentos Sumário e Sumaríssimo, p. 45; Theodoro Júnior, As Inovações no Código de Processo Civil, p. 175. É de se anotar a existência de posição restritiva, segundo a qual o advogado só poderá ser o preposto se tiver vínculo empregatício com a parte. Neste último sentido, Gusmão Carneiro, Do Rito Sumário na Reforma do CPC, p. 43.26 Gusmão Carneiro, Do Rito Sumário na Reforma do CPC, p. 43. Em sentido contrário, admitindo a representação por preposto apenas para pessoas jurídicas, Fornaciari Júnior, A Reforma Processual, pp. 48-49.386

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Lições de Direito Processual Civildemais procedimentos, em que a forma escrita é essencial). Deve o réu fazer sua contestação ser acompanhada dos documentos e do rol de testemunhas com que pretenda demonstrar a veracidade de suas alegações. Além disso, tem o réu o ônus de, na contestação, formular quesitos e indicar assistente técnico, toda vez que tiver requerido a produção de prova pericial (ou quando o autor a tiver requerido).Além disso, é de se dizer que no procedimento sumário o réu deverá impugnar o valor da causa na própria contestação, não se coadunando com o procedimento aqui estudado o incidente de impugnaçao ao valor da causa cabível no procedimento ordinário.27

Por fim, não se pode deixar de referir a norma contida no art. 278, § Ia, segundo a qual o réu pode, desde que fundado nos mesmos fatos, formular pedido em seu favor na própria contestação. Trata-se da possibilidade de o réu, sem necessidade de oferecer reconvenção, formular pedido em face do autor (pedido contraposto). Basta pensar num acidente de trânsito, em que o autor, fundado no referido evento, pede a condenação do réu ao pagamento de uma indenização, e o réu, citado, contesta a alegação do autor de que seria o responsável pelo acidente e, na própria contestação, pede a condenação do autor ao pagamento de indenização devida em razão daquele mesmo acidente.Permite-se, pois, ao réu, com sua contestação, ampliar o objeto do processo,28 fazendo com que todas as "demandas sumárias" tenham natureza dúplice.29 A única exigência feita pela lei para admitir esta demanda contraposta é que ela tenha a mesma causa de pedir que a demanda principal. Além disso, é de se considerar que a previsão desta possibilidade de demandar através da própria contestação torna incabível o oferecimento de reconvenção.30

27 Figueira Júnior, O Novo Procedimento Sumário, p. 211.28 Freitas Câmara, Dos Procedimentos Sumário e Sumaríssimo, p. 53.29 As demandas dúplices são aquelas em que tanto o autor como o réu podem formular pedido em seu favor, como, por exemplo, a "ação renovatória de locação empresarial" e a "ação de prestação de contas". Sobre a natureza dúplice das demandas submetidas ao procedimento sumário, Greco Filho, Comentários ao Procedimento Sumário, ao Agravo e à Açào Monitoria, p. 12; Gusmão Carneiro, Do Rito Sumário na Reforma do CPC, p. 49; Carreira Alvim, Procedimento Sumário na Reforma Processual, p. 99.30 Nery Júnior, Atualidades sobre o Processo Civil, p. 93; Freitas Câmara, Dos Procedimentos Sumário e Sumaríssimo, p. 5*4. Em sentido contrário, Fornaciari Júnior, A Reforma Processual Civil, p. 52. É curioso notar que Dinamarco considera permanecer em vigor o § 2a, do art. 315, que proibia a reconvenção no procedimento sumaríssimo (hoje sumário), como se lê em A Reforma do Código de Processo Civil, p. 253, embora tal norma tenha sido revogada expressamente pela Lei n- 9.245/95.387

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Alexandre Freitas CâmaraTendo o réu formulado pedido em face do autor através da contestação, passará a ser tratado como autor desta sua demanda, de-vendo-se garantir ao demandante oportunidade de oferecer resposta à mesma, sob pena de revelia.31

§ 5° Conversão do ProcedimentoPrevê o CPC a possibilidade de o procedimento sumário ser convertido em ordinário, o que se dará por força de decisão interlocutória a ser proferida pelo juiz na audiência preliminar daquele procedimento (e contra a qual, portanto, será cabível apenas agravo retido). Três são as causas de conversão do procedimento: inadequação em razão do valor da causa, inadequação em razão da matéria e necessidade de prova técnica complexa.Já se viu anteriormente que o procedimento sumário é adequado para todas as causas cujo valor não exceda de sessenta vezes o salário mínimo.32 Pode ocorrer, porém, de o autor ter indicado na petição inicial valor inferior ao adequado, como forma de assegurar a observância do procedimento sumário em lugar do ordinário. Tendo o réu argüido em sua contestação esta questão, impugnando o valor atribuído à causa, e sendo tal impugnação acolhida, deverá o juiz determinar a conversão do procedimento, do sumário para o ordinário.O mesmo se diga para as hipóteses em que o procedimento sumário é adequado em razão da matéria, pouco importando aí o valor da causa. Nestes casos, poderá o juiz verificar que a matéria que constitui o objeto do processo não se inclui entre aquelas previstas no art. 275, II, do CPC, hipótese em que determinará a conversão do procedimento sumário em ordinário. Basta pensar numa demanda em que o autor pede a rescisão de um contrato de arrendamento rural (hipótese de procedimento sumário), em que o juiz verifica que, em verdade, o contrato celebrado entre as partes é de locação de imóvel urbano (caso em que tal pretensão será manifestada através de "ação de despejo", a qual segue o procedimento ordinário). Deve, pois, o juiz determinar a conversão do procedimento.Por fim, deve o juiz determinar a conversão do procedimento sumário em ordinário quando verificar que a formação de seu conven-31 Freitas Câmara, Dos Procedimentos Sumário e Sumaríssimo, pp. 54-55.32 Salvo aquelas para as quais haja procedimento especificamente previsto, hipótese em que este prevalecerá sobre o sumário.388

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Lições de Direito Processual Civilcimento exige a colheita de prova técnica de grande complexidade. Observe-se que no procedimento sumário não há vedação de colheita de prova técnica, apenas determinando a lei que se converta o procedimento em ordinário quando tal prova for de grande complexidade. Apenas provas técnicas pouco complexas serão adequadas no procedimento sumário, que se revela, assim, o campo adequado para aplicação do disposto no art. 421, § 2°, do CPC.33

A conversão do procedimento sumário em ordinário, nesta última hipótese, não seria, a rigor, necessária.34

Isto porque, como dito, o procedimento sumário é compatível com a produção de provas técnicas, sendo — como é - um procedimento de cognição exauriente. Optou, todavia, o legislador por determinar a conversão, por lhe parecer que o procedimento ordinário permite uma maior dilação probatória, com mais amplas oportunidades de discussão acerca do material probatório produzido no processo.

§ 6^ Instrução Probatória e Audiência de Instrução e JulgamentoAo final da audiência preliminar, não tendo havido conciliação, nem tendo sido caso de conversão do procedimento, deverá o juiz verificar se pode, desde logo, proferir sentença, o que fará se o pros-seguimento do feito for inútil (o que se dará quando estiver presente alguma causa de extinção do processo sem resolução do mérito), ou desnecessária (o que ocorrerá na presença de alguma causa de extinção do processo com resolução do mérito). Por esta razão, determina a lei que o juiz, na própria audiência preliminar, deverá verificar se é possível a prolação de sentença, extinguindo-se o processo (na forma do art. 329 do CPC), ou proferindo-se o julgamento imediato do mérito ("julgamento antecipado da lide", art. 330).Não sendo possível a incidência de nenhum dos dois artigos citados, ou seja, sendo útil e necessária a continuação do processo (o33 Note-se que a perícia no procedimento sumário não será produzida obrigatoriamente por aquela forma prevista no art. 421, § 2-, cabendo ao juiz decidir entre aquela forma e a tradicional.34 Dinamarco, A Reforma do Código de Processo Civil, p. 252. Vale citar que, segundo Fornaciari Júnior, esta é, em verdade, a única hipótese de conversão do procedimento, eis que as duas anteriores (conversão em razão da inadequação do procedimento por força do valor da causa ou da matéria) seriam, em verdade, hipóteses de correção do procedimento (A Reforma Processual Civil, p. 50).389

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Alexandre Freitas Câmaraque se dá por não estar presente, ao menos aparentemente, nenhuma causa de extinção sem resolução do mérito, mas ainda não sendo possível a resolução do mesmo), deverá o juiz deferir as provas cuja colheita ainda se faça necessária, designando audiência de instrução e julgamento, se necessário. A decisão prevista no art. 278, § 2a, do CPC corresponde a uma decisão declaratória de saneamento do processo, nos termos do art. 331 do CPC, o qual deverá ser tomado como paradigma pelo juiz no momento de proferi-la.35

Sendo deferida apenas prova pericial, deverá o juiz determinar sua produção para, após a entrega do laudo, ouvir as partes e, em seguida, prolatar sentença (salvo se houver necessidade de esclarecimentos do perito e dos assistentes técnicos, hipótese em que deverá ser designada audiência de instrução e julgamento).36 Sendo deferida apenas prova oral, deverá o juiz designar, desde logo, audiência de instrução e julgamento, a se realizar num prazo máximo de trinta dias a contar da audiência preliminar.37

Por fim, tendo deferido tanto a prova pericial como a oral, deverá o juiz, desde logo, designar audiência de instrução e julgamento, mas nesta hipótese não incide o prazo de trinta dias que está previsto para a hipótese anterior.Quanto ao procedimento para a colheita de provas, e ao rito para a realização da audiência de instrução e julgamento, não contém a lei regras específicas para o procedimento sumário, razão pela qual deverão ser observadas as regras estatuídas para o procedimento ordinário (art. 272, parágrafo único, CPC).38

§ 7° Inadmissibilidade de Declaração IncidentalO art. 280 do CPC (na redação da Lei n° 10.444/2002) proíbe a ação declaratória incidental no procedimento sumário. Esta norma veio pôr termo a uma antiga divergência doutrinária acerca do cabimento da declaração incidental no vetusto procedimento sumaríssimo, na forma como era regulado no sistema original do Código de Processo Civil. Alguns autores, no sistema anterior à reforma do CPC, eram refratários35 Sobre a decisão de saneamento do processo no procedimento sumário, confira-se Assis, Procedimento Sumário, pp. 100-102.36 Optando o juiz por realizar a perícia na forma do art. 421, § 2-, do CPC, designará, desde logo, audiência de instrução e julgamento.37 Este prazo de trinta dias, porém, é impróprio, o que significa dizer que seu descumprimento não acarreta conseqüências processuais.38 Nery Júnior, Atualidades sobre o Processo Civil, p. 95.390

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Lições de Direito Processual Civil

à possibilidade de se pedir tal declaração incidente da existência ou inexistência de relação jurídica que se revelasse prejudicial ao exame do objeto do processo,39 enquanto outros admitiam a possibilidade de se formular tal pedido.40

O sistema ora vigente não deixa mais nenhuma margem à divergência. A ação declaratória incidental foi vedada expressamente pelo art. 280 do CPC.Tal vedação, porém, a nosso juízo, não é interessante. Isto porque a prejudicial que eventualmente venha a surgir no processo, ainda que este siga o procedimento sumário, terá de ser apreciada pelo juiz, visto que se trata de um antecedente lógico e necessário da apreciação do mérito da causa. Tal questão será, pois, necessariamente conhecida, e a ação declaratória incidental teria como única conseqüência permitir que tal apreciação se mostrasse apta a ser recoberta pela autoridade de coisa julgada material. Nenhuma modificação no procedimento é provocada pela ação declaratória incidental, o que nos leva a afirmar que a mesma não se mostra incompatível com o procedimento sumário.41

§ 82 Intervenção de Terceiros no Procedimento SumárioO mesmo art. 280, que proibiu a ação declaratória incidental, vedou também a intervenção de terceiros no procedimento sumário, com exceção da assistência, do recurso de terceiro prejudicado e das intervenções fundadas em contrato de seguro. Não é esta a sede própria para analisar as modalidades de intervenção de terceiros, o que já se fez anteriormente. Basta, por ora, dizer que ficaram absolutamente proibidas a oposição e a nomeação à autoria. Além disso, ficam proibidos a denunciação da lide e o chamamento ao processo, salvo nos casos em que estas intervenções sejam provocadas com fundamento em um contrato de seguro, como se dá, por exemplo, nos casos de acidente de39 Neste sentido, entre outros, Barbosa Moreira, O Novo Processo Civil Brasileiro, p. 145; Furtado Fabrício, A Ação Declaratória Incidental, p. 141.40 Entre outros, admitiam a declaratória incidental no procedimento sumaríssimo: Fornaciari Júnior, Da Reconvenção no Direito Processual Civil Brasileiro, p. 144; Batista Lopes, Ação Declaratória, p. 139; Barbi, Ação Declaratória Principal e Incidente, p. 214.41 Já havíamos manifestado anteriormente esta opinião em Freitas Câmara, Dos Procedimentos Sumário e Sumaríssimo, p. 71. Opinião semelhante à nossa sobre o tema é manifestada por Carreira Alvim, Procedimento Sumário na Reforma Processual, p. 117.391

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Alexandre Freitas Câmaratrânsito (art. 275, II, d), em que o demandado denuncie a lide à seguradora, ou nos casos regidos pelo Código de Defesa do Consumidor, em que se permite expressamente (art. 101, II, do CDC) o chamamento ao processo do segurador nos casos em que o fornecedor é demandado pelo consumidor que pretende reparação de danos.Parece-nos, em linhas gerais, salutar a medida. Proibir a intervenção de terceiros significa salvaguardar a celeridade processual, um dos fins essenciais do procedimento sumário. Apenas nos parece cri-ticável a proibição de nomeação à autoria, visto que, nos casos em que a mesma for cabível, e não sendo possível sua realização, dificilmente se terá outra solução que não a extinção do processo sem resolução do mérito, por ausência de legitimidade passiva para a causa, o que contraria a própria finalidade da norma, que é assegurar a economia processual, permitindo um máximo de proveito com o mínimo de dispêndio de tempo e energias.42

Autores houve que criticaram a proibição por completo da denunciação da lide,43 estabelecida pela reforma do CPC que deu, através da Lei n° 9.245/95, a redação anterior à atual do art. 280. Sempre nos pareceu que andara bem o legislador ao impedir a denunciação da lide, uma vez que o direito de regresso da parte que poderia ter feito a denunciação da lide estaria assegurado, podendo ser exercido através de demanda autônoma. A proibição de denunciação da lide impede, é certo, que a demanda regressiva seja desde logo apreciada, mas por outro lado impede também que o procedimento sumário se arraste por muito mais tempo do que o estritamente necessário, o que fatalmente ocorreria se esta modalidade de intervenção fosse admitida. Através da reforma instituída pela Lei ne 10.444/2002, que modificou a redação do art. 280 do CPC, alcançou-se uma solução intermediária, mantida a vedação à denunciação da lide, mas admitindo essa modalidade de intervenção nos casos em que a mesma seja baseada em contrato de seguro (como no exemplo, anteriormente apresentado, do acidente de trânsito). A solução do legislador é elogiável, já que mantém o sistema anteriormente estabelecido em suas linhas gerais, limitando-se a criar uma exceção, bastante razoável, na medida em que é notória a utilidade de se trazer a juízo a seguradora, que muitas vezes acabará por arcar diretamente com o pagamento da indenização devida pelo segurado, sendo abso-42 Freitas Câmara, Dos Procedimentos Sumário e Sumaríssimo, p. 72.43 Figueira Júnior, O Novo Procedimento Sumário, p. 137.392

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Lições de Direito Processual Civillutamente desnecessária, em casos tais, a instauração de um segundo processo quando é possível resolver tudo em um só feito.Quanto à oposição e ao chamamento ao processo, nenhuma voz se ergue na doutrina contra a vedação feita pelo texto da lei, o que mostra o acerto do legislador. A Lei na 10.444/2002, todavia, ao dar a atual redação do art. 280 do CPC, abriu uma exceção, permitindo, como já anunciado, o chamamento ao processo fundado em contrato de seguro, na hipótese prevista no art. 101, II, do Código de Defesa do Consumidor, exceção esta elogiável, já que não haveria razão para proibir o chamamento ao processo fundado em contrato de seguro quando se tornou possível a denunciação da lide fundada no mesmo tipo de contrato, sendo certo que a denunciação da lide é responsável por tornar o processo muito mais complexo do que o chamamento ao processo seria capaz. De outro lado, a assistência e o recurso de terceiro são incapazes de provocar demora excessiva ao processo, razão pela qual não houve em sede doutrinária nenhuma crítica à admissão destas duas.44

44 A admissão da assistência e do recurso de terceiro, únicas modalidades de intervenção de terceiro possíveis no procedimento sumário, teve outra vantagem: pela primeira vez se encontra expresso no texto do CPC que assistência e recurso de terceiro são, verdadeiramente, modalidades de intervenção de terceiros, o que antes era apenas uma afirmação feita em doutrina.393

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Capítulo XIV Direito ProbatórioTEORIA GERAL DAS PROVAS

§ ls Conceito de ProvaNo processo de conhecimento, para que o juiz possa formar seu convencimento e decidir o objeto do processo, faz-se fundamental a colheita das provas que se façam necessárias, e que serão o material com base em que o juiz formará seu juízo de valor acerca dos fatos da causa. Este é, pois, o momento de se passar ao exame das normas e princípios que regem a prova, conjunto este que recebe de alguns doutrinadores o nome de direito probatório. É este conjunto de princípios, conceitos e regras que passamos, aqui, a analisar.O estudo do chamado direito probatório pode ser dividido em duas partes: uma primeira, chamada teoria geral da prova, e uma segunda parte, composta pelo estudo das provas em espécie. Esta divisão será aqui observada, dedicando-se o último item deste capítulo ao estudo dos meios de prova, enquanto os itens anteriores analisarão a teoria geral do direito probatório.Denomina-se prova a todo elemento que contribui para a formação da convicção do juiz a respeito da existência de determinado fato. Quer isto significar que tudo aquilo que for levado aos autos com o fim de convencer o juiz de que determinado fato ocorreu será chamado de prova. Exemplificando, se se pretende convencer o juiz da ocorrência de um acidente de veículos e, com este fim, se leva aos autos o depoimento de uma testemunha, tal depoimento se constituirá em uma prova. Da mesma forma, se se deseja convencer o juiz que um Fulano é o proprietário de determinado imóvel, e se leva a juízo uma certidão do registro de imóveis, onde conste a transcrição do referido bem em seu nome, tal documento será uma prova. Os referidos elementos deverão contribuir para a formação da convicção do juiz sobre a veracidade das alegações feitas pelas partes quanto à matéria fática.395

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É importante se ressaltar que há, em sentido técnico-jurídico, uma importante diferença entre convicção e certeza. Enquanto a certeza é objetiva, sendo uma qualidade do fato, a convicção é subjetiva, e se forma na mente do juiz. Por exemplo, imagine-se um caso em que seja fundamental convencer o juiz que a cor da camisa do réu era lilás. Ocorre que, por ser daltônico, o magistrado enxergava ali uma blusa azul. O daltonismo do juiz não tem, obviamente, o condão de alterar a cor da camisa, que continua a ser lilás. Tal fato é certo. O que se quer com a prova é formar na mente do juiz a convicção acerca da certeza do fato (isto é, o que se quer é convencer o juiz da existência daquela qualidade do fato, a certeza sobre a cor da camisa).1

Outra conclusão importante a que se chega com a análise do conceito é a de que as provas incidem sobre matéria fática, em regra que comportará raríssimas exceções, que mitigarão o princípio iura novit cúria.O objeto desta definição é, pois, a prova. Não se pode, todavia, prosseguir o trabalho sem antes se proceder a uma tomada de posição a respeito da natureza das normas jurídicas que regulamentam a prova (até mesmo para que possamos situar a que ramo do Direito está vinculado o tema, se ao direito material ou ao direito processual, o que influirá, certamente, na verificação de quais institutos servirão de base ao estudo do tema).Parece-nos que as normas sobre prova têm natureza processual,2 pois regulam o meio pelo qual o juiz formará sua convicção, a fim de exercer a função jurisdicional. Esta é, como se sabe, a função de todaJá se disse anteriormente que o processo civil busca a verdade real, ou seja, o objetivo maior do processo civil é atingir um grau tal que permita a prolação de um provimento que corresponda à verdade dos fatos, ou seja, à certeza. É certo, porém, que em muitos casos, em nome da segurança, o processo acaba por abrir mão da busca da verdade, contentando-se com decisões proferidas com base em probabilidades (aquilo que, tradicionalmente, denominou-se "verdade formal").A matéria é extremamente polêmica, sendo certo que adotamos, aqui, a posição dominante sobre o tema. No sentido do texto, entre outros, Hermenegildo de Souza Rego, Natureza das Normas sobre Prova, São Paulo: RT, 1985, p. 143; Couture, Fundamentos do Direito Processual Civil, pp. 179-181; Liebman, Manuale di Diritto Processuale Civile, vol. II, p. 74; Barbosa Moreira, O Novo Processo Civil Brasileiro, p. 74. Autores há, porém, que se posicionam em sentido diverso, afirmando a natureza substancial das normas sobre prova. Neste sentido, por todos, Satta, Direito Processual Civil, vol. I, p. 213. Por fim, há que se considerar a existência de autores que se põem em defesa de teorias "mistas", afirmando que as normas sobre prova são partilhadas pelo direito substancial e o processual. Esta posição tem, entre seus defensores, Moacyr Amaral Santos, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. IV, Rio de Janeiro; Forense, 6^ ed., 1994, p. 18.396

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norma processual - a regulamentação dos instrumentos de que dispõe o Estado para exercer a jurisdição. Não se pode confundir tais normas com as que regulam a forma de determinados atos jurídicos (como o dispositivo que exige instrumento público para o contrato de compra e venda de bens imóveis), pois estas possuem caráter material (estando ligadas à própria validade dos atos jurídicos, pois que a forma é, nestas hipóteses, determinada ad substantiam).O Código Civil de 2002, todavia, trouxe um título dedicado a regulamentar o direito probatório (arts. 212 a 232). O Código Civil é criticável por diversas razões, entre as quais não distinguir entre a prova e a forma dos atos jurídicos (sendo certo que o Código Civil de 1916 fazia expressamente a distinção). Há, porém, no Código de 2002 disposições que, não obstante postas no título "da prova" tratam da forma do ato jurídico, como por exemplo os parágrafos do art. 215, que tratam dos requisitos formais da escritura pública. Mais criticável do que isso, todavia, é a própria inclusão de regras sobre prova no Código Civil. Ainda que se admita a idéia de que a prova é instituto de natureza mista, com aspectos processuais e substanciais, é o Código de Processo Civil a sede adequada de sua regulamentação. Isto se dá porque o direito probatório é o mesmo, qualquer que seja a natureza da matéria de fundo. Em outros termos, são as mesmas as regras sobre provas nos casos em que o processo verse sobre Direito privado (civil, comercial) ou público (tributário, previdenciário, administrativo etc.) Em um país como o Brasil, que adota o modelo da jurisdição una, submetendo-se ao Judiciário tanto as demandas que versam sobre Direito privado como aquelas que versam sobre Direito público, é inaceitável que as regras sobre provas sejam postas em um diploma destinado a regulamentar o Direito privado. Além disso, não se pode deixar de dizer que muitas das disposições do Código Civil de 2002 sobre provas são incompatíveis com o modelo processual brasileiro, como se verá adiante.O conceito de prova não ficaria completo sem que se procedesse a uma classificação das provas, o que se passa, pois, a fazer.Classificam-se as provas quanto ao fato, quanto ao sujeito, quanto ao objeto e quanto à preparação.3

Quanto ao fato, as provas serão diretas ou indiretas. Prova direta é a que diz respeito ao fato probandi, isto é, ao próprio fato cuja existência se pretende demonstrar. Assim, é prova direta o depoimento de uma teste-3 Amaral Santos, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. IV, pp. 5-6.397

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Alexandre Freitas Câmaramunha que narra um acidente de veículos por ela presenciado. Por outro lado, a prova indireta diz respeito a outros fatos, dos quais, por meio de raciocínio dedutivo, o juiz presume a existência do fato probandi (por exemplo, o depoimento de uma testemunha que não presenciou o acidente, mas viu automóveis amassados e pessoas machucadas -destes dois fatos, haver carros amassados e pessoas feridas, o juiz deduz ter ocorrido um acidente). A estes fatos, objetos da prova indireta, e dos quais o juiz deduz o fato probandi, dá-se o nome de indícios, sendo a prova indireta, por este motivo, também conhecida como prova indiciaria.Quanto ao sujeito, as provas são pessoais e reais. Pessoal é a prova consistente em qualquer afirmação consciente feita por uma pessoa, como o depoimento de uma das partes, por exemplo. Chama-se prova real a toda atestação inconsciente feita por uma coisa, como, e.g., uma declaração contida em um documento.No que concerne ao objeto, temos provas testemunhais, documentais e materiais. Prova testemunhai é toda afirmação oral. Compreende, pois, este conceito, tanto a prova testemunhai propriamente dita, ou stricto sensu, como o depoimento pessoal prestado por alguma das partes (costuma-se conceituar este meio de prova como "o testemunho das partes em juízo"). Prova documental é toda afirmação escrita ou gravada. Estão aqui compreendidas, portanto, as fotografias (que nada mais são do que gravações de imagens), além de instrumentos contratuais, como a escritura pública de compra e venda de bem imóvel. Por fim, prova material é qualquer outra materialidade que sirva de prova (como as perícias e as inspeções judiciais).Por fim, quanto à preparação, a prova pode ser casual ou precons-tituída. Casual é a prova produzida no curso do processo, como, e.g., uma perícia. Preconstituída é a prova preparada preventivamente, isto é, antes da propositura da ação, como o contrato de locação, por exemplo, que existe antes da propositura de eventual "ação de despejo", e que é usado como prova da existência da relação exlocato.

§ 2° Objeto da ProvaComo se viu do conceito de prova, esta incide como regra sobre matéria fática. Em função disto, é comum encontrarmos em sede doutrinária a afirmação de que o objeto da prova são os fatos.4 Esta não nosAmaral Santos, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. IV, p. 5.398

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parece, todavia, uma afirmação correta. Os fatos existem ou não existem, e isto é certo. Como já afirmamos anteriormente, a prova não tem por fim criar a certeza dos fatos, mas a convicção do juiz sobre tal certeza. Por este motivo, preferimos afirmar que o objeto da prova é constituído pelas alegações das partes a respeito de fatos.5 As alegações podem ou não coincidir com a verdade, e o que se quer com a produção da prova é exatamente convencer o juiz de que uma determinada alegação é verdadeira. Alegações sobre fatos, pois, e não os fatos propriamente, constituem o objeto da prova.Como regra, portanto, as provas devem recair sobre matéria fática. Por exceção, todavia, há hipóteses em que pode haver prova sobre matéria de direito. Significa isto dizer que, em algumas situações excepcionais, o objeto da prova será também constituído por alegações sobre direito. Tais hipóteses estão previstas no art. 337 do Código de Processo Civil, e são quatro: direito municipal, estadual, estrangeiro e consuetudinário. Note-se, no entanto, que ainda que alguma das partes alegue em seu favor alguma das espécies de direito citadas acima, pode ser desnecessária a produção de prova, eis que o juiz, nos termos do referido dispositivo, pode determinar a produção de prova sobre o teor e a vigência do direito alegado, mas não é obrigado a fazê-lo (uma vez que é possível que o juiz conheça a norma jurídica invocada, e neste caso a produção da prova seria um formalismo inútil).O juiz é obrigado a conhecer o direito vigente no local onde exerce suas funções (é a aplicação do famoso brocardo iura novit cúria). Isto faz com que se conclua que, ao falar em direito municipal e estadual, quer o art. 337 do CPC significar direito vigente em Município ou Estado-membro da Federação diverso daquele onde o juiz exerce suas funções. Exemplificando: em processo em curso na comarca do Rio de Janeiro, no caso de alguma das partes alegar direito municipal do Rio de Janeiro, o juiz é obrigado a conhecer a norma jurídica referida. Se, todavia, alguém alegar lei municipal de Niterói, o juiz poderá determinar que a parte que a alegou prove o teor e a vigência da lei invocada (o mesmo se dirá, mutatis mutandis, no caso de direito estadual).A prova do direito municipal e estadual pode ser feita através da juntada do diário oficial onde foi publicada a norma jurídica ou através de certidão do órgão legislativo (Câmara de Vereadores ou Assembléia Legislativa) onde se ateste o teor e a vigência da lei indicada.Santiago Sentis Melendo, La Prueba, Buenos Aires: EJEA, 1979, p. 12.399

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Alexandre Freitas CâmaraNo que se refere à aplicação do direito estrangeiro (e os casos de aplicação do direito positivo alienígena se constituem em objeto de estudo do Direito Internacional Privado), este pode ser provado através da juntada de documento ou publicação oficial do país estrangeiro cuja norma é aplicada. E de se admitir a utilização de subsídios doutrinários, com a juntada de cópia de obra de doutrina de jurista conhecido, eis que, como é óbvio, a doutrina jurídica de um país retrata o seu direito positivo. Assim, exemplificando, para provar o teor e a vigência de norma jurídica de Direito Civil francês, é possível a utilização de obras de autores como os irmãos Mazeaud, Colin et Capitant ou Jean Carbonnier.Admite-se, também, como meio de prova do direito estrangeiro, a juntada de parecer de jurisconsulto especializado na matéria sobre a qual se controverte.Problema de graves proporções é o que surge quando não se logra provar o direito estrangeiro. Como deverá o juiz decidir a causa se a mesma deveria ser solucionada com base no direito estrangeiro e este não foi suficientemente provado? Várias soluções são encontradas na doutrina, como, por exemplo, a afirmação de que, nesta hipótese, deverá o juiz aplicar a lei nacional, presumindo-a idêntica à estrangeira,6 enquanto outros autores afirmam que, neste caso, deverá o juiz aplicar o direito "provavelmente vigente".7 Há mesmo quem sugira a pura e simples rejeição da pretensão da parte a quem aproveitaria a aplicação do direito estrangeiro.8

Parece-nos melhor a solução propugnada por Espínola e Espínola Filho, no sentido de que, na hipótese aqui aventada, se deve aplicar a lei nacional.9

É sempre bom lembrar que normas jurídicas estrangeiras respei-tantes ao Direito Processual nunca serão aplicadas no Brasil, eis que,Eduardo Espínola e Eduardo Espínola Filho, A Lei de Introdução ao Código CivilBrasileiro, vol. III, Rio de Janeiro: Renovar, 2a ed., 1995, p. 281.Martin Wollf, Derecho Internacional Privado, trad. esp. de José Rovira y Ermengol,Barcelona: Labor, 1936, p. 140.Morelli, Derecho Procesal Civil Internacional, p. 61.Em recentíssima manifestação sobre o tema, um dos mais ilustres juristas brasileirosafirmou que, a seu juízo, a preferência deve ser dada à solução preconizada por MartinWollf, aplicando-se o direito "provavelmente vigente", mas que isto só deveria ser feitoquando a probabilidade fosse muito forte. Em caso contrário, dever-se-ia optar pelaaplicação da lei brasileira (Jacob Dolinger, "Aplicação, Prova e Interpretação do DireitoEstrangeiro: Um Estudo Comparado de Direito Internacional Privado", in Revista deDireito Renovar, vol. V, 1996, p. 43).400

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mesmo nos casos de aplicação do direito estrangeiro, as normas processuais aplicáveis são, sempre, as da lex fori.Por fim, no que concerne ao direito consuetudinário, ou seja, o direito baseado nos costumes, qualquer meio de prova poderá ser utilizado. Nunca é demais lembrar, sobre este ponto, que o costume aplicável como fonte do direito nunca poderá ser contra legem.§ 3^ Ônus da ProvaA análise do ônus da prova pode ser dividida em duas partes: uma primeira, em que se pesquisa o chamado ônus subjetivo da prova, e onde se busca responder à pergunta "quem deve provar o quê?"; e uma segunda, onde se estuda o denominado ônus objetivo da prova, onde as regras sobre este ônus são vistas como regras de julgamento, a serem aplicadas pelo órgão jurisdicional no momento de julgar a pretensão do autor.Pelo aspecto subjetivo, e nos termos do art. 333 do vigente Código de Processo Civil, cabe ao autor o ônus de provar o fato constitutivo de seu direito, e ao réu o de provar os fatos extintivo, impeditivo e modificativo do direito do autor. Além disso, cabe também ao réu o "ônus da contraprova", isto é, o ônus de provar a inexistência do fato constitutivo do direito do autor.10

Pode-se, pois, dizer o seguinte: incumbe ao autor o ônus de provar o fato constitutivo de seu direito. O réu, por sua vez, poderá assumir dois ônus: o de provar a inexistência de tal fato (prova contrária ou contraprova), ou o de - admitindo o fato constitutivo do direito do de-mandante - provar os fatos extintivo, impeditivo ou modificativo do direito do autor.Entende-se por fato constitutivo aquele que deu origem à relação jurídica deduzida em juízo (res in iudicium deducta). Exemplificando: numa demanda em que se pretenda a condenação do réu ao pagamento de dívida decorrente de contrato de mútuo, este contrato é o fato constitutivo do direito do autor, e a este incumbe o ônus de prová-lo.Fato extintivo é aquele que põe fim à relação jurídica deduzida no processo, como, e.g., o pagamento. Assim, no exemplo anteriormente referido, da "ação de cobrança" de dívida decorrente de mútuo, cabe ao réu provar que já efetuou o pagamento (ou que, por qualquer outro modo,10 Chiovenda, Principii di Dírítto Processuale Civile, p. 788.401

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Alexandre Freitas Câmaraa obrigação se extinguiu), e não ao autor provar que o réu se encontra em mora (como alguns, leigos principalmente, chegam a pensar).Fato impeditivo é um fato de conteúdo negativo, a ausência de algum dos requisitos genéricos de validade do ato jurídico (agente capaz, objeto lícito, forma prescrita ou não defesa em lei). Assim, incumbe ao réu demonstrar ao juiz que, e.g., o agente era menor de dezoito anos - e, por conseguinte, relativamente incapaz -, ou que o contrato de depósito foi celebrado oralmente.Por fato modificativo entende-se aquele que altera a relação jurídica in iudicium deducta, como o pagamento parcial.Considerando a hipótese, de resto bastante provável, de o réu não ter a produzir nenhuma prova sobre a existência de fato extintivo, impeditivo ou modificativo do direito do autor, mas tendo algum meio de provar a inexistência do fato constitutivo, é que a doutrina afirma caber também ao réu o ônus da contraprova. Com isso, num processo em que haja nos autos apenas duas provas produzidas, um testemunho no sentido de ter sido celebrado um contrato de mútuo entre as partes, e outro no sentido de tal contrato nunca ter sido celebrado, deverá o juiz formar sua convicção num dos dois sentidos. Se não se permitisse ao réu tentar demonstrar a inexistência de tal fato, a única prova constante dos autos seria favorável ao autor, que veria, assim, sua pretensão ser acolhida.Quanto ao chamado ônus objetivo da prova, há que se afirmar, calcado nas lições da mais moderna doutrina, que as regras sobre distribuição do ônus da prova são regras de julgamento, a serem aplicadas, como já afirmado, no momento em que o órgão jurisdicional vai proferir seu juízo de valor acerca da pretensão do autor.11

É de se afirmar, em primeiro lugar, que a visão subjetiva do ônus da prova tem mais relevância psicológica do que jurídica. Em verdade, no momento da produção da prova pouco importa quem está produzindo este ou aquele meio de prova. Isto se dá em razão do princípio da comunhão da prova, segundo o qual, uma vez levadas ao processo, as provas não mais pertencem a qualquer das partes, e sim ao juízo, nada importando, pois, quem as produziu. O juiz só deverá11 É freqüente, na doutrina moderna, o estudo do ônus da prova sob este ângulo objetivo. Entre outros, confira-se Gian Antônio Micheli, La Carga de Ia Prueba, trad. esp. de Santiago Sentis Melendo, Bogotá: Temis, 1989, pp. 157 e seguintes; José Carlos Barbosa Moreira, "Julgamento e Ônus da Prova", in Temas de Direito Processual, Segunda Série, pp. 73 e seguintes.402

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Lições de Direito Processual Civilconsiderar as regras sobre a distribuição do ônus da prova, portanto, no momento de julgar o mérito, eis que só assim poderá verificar quem será prejudicado em razão da inexistência de prova sobre determina-dos fatos. Assim é que a inexistência de prova sobre o fato constitutivo levará à improcedência do pedido. Provado o fato constitutivo, no entanto, pouco importa quem levou aos autos os elementos de convicção necessários para que se considerasse tal fato como existente, e a falta de prova sobre a existência de fato extintivo do direito do autor, por exemplo, deverá levar o juiz a julgar procedente a pretensão.Em outras palavras, provados todos os fatos da causa, o juiz não dará qualquer aplicação às regras de distribuição do ônus da prova. Se, porém, a investigação probatória for negativa, ou seja, quando os fatos não estiverem integralmente provados, aí sim as regras de distribuição do ônus da prova produzirão seus regulares efeitos.12 Esta visão objetiva do ônus da prova liga-se, pois, à vedação do non Hquet, ou seja, à impossibilidade de o juiz se eximir de julgar por qualquer motivo. Ainda que os fatos da causa não estejam adequadamente provados, terá o juiz de proferir uma decisão, o que fará com base nas regras de distribuição do ônus probandi.Não se pode encerrar a análise do ônus da prova sem que se faça um comentário a respeito de sua distribuição nas "ações declaratórias negativas", ou seja, naquelas demandas em que se pretende a declaração da inexistência de uma relação jurídica. Diverge a doutrina sobre a forma de distribuição do ônus da prova nestes casos. Enquanto para alguns autores ocorre verdadeira inversão do ônus, cabendo ao réu provar o fato constitutivo de seu direito, e ao autor a existência de fato extintivo ou impeditivo do direito do demandado,13 outros autores afirmam que não há que se falar, na hipótese, em inversão, cabendo ao autor demonstrar a inexistência da vontade concreta da lei favorável ao demandado, ou seja, caberia ao autor demonstrar a inexistência da relação jurídica deduzida em juízo.14

Parece-nos, porém, e com todo o respeito que merecem as opiniões citadas, todas de grandes mestres do Direito Processual, que a distribuição do ônus da prova nas "ações declaratórias negativas" depen-12 Micheli, La Carga de Ia Prueba, p. 171.13 Barbi, Ação Declaratóría Principal e Incidente, p. 156.14 Buzaid, A Ação Declaratóría no Direito Brasileiro, pp. 336-337; Chiovenda, Instituições de Direito Processual Civil, vol. I, p. 224.403

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Alexandre Freitas Câmaradera do que for alegado pelo autor. Se este fundar sua pretensão na existência de fato extintivo ou impeditivo do direito do réu (por exemplo, o autor, afirmando já ter pago sua dívida, pede a declaração da inexistência da obrigação), a ele (demandante) caberá a incumbência de provar os fatos alegados. Neste caso, o réu ficará até mesmo dispensado de produzir qualquer prova sobre a existência do fato constitutivo de seu direito, eis que este será incontroverso, não se constituindo, pois, em objeto de prova. Por outro lado, se o autor se limitar a negar a existência do fato constitutivo, (por exemplo, o autor pede a declaração da inexistência de uma obrigação que, segundo ele, jamais existiu, embora sua existência venha sendo alardeada pelo demandado) haverá, aí sim, uma inversão do ônus, cabendo ao réu demonstrar a existência do fato constitutivo do seu direito.

§ 4^ Destinatários da Prova e Sistemas de ValoracãoA prova possui dois tipos de destinatários: um destinatário direto, o Estado-juiz e destinatários indiretos, as partes. A prova, uma vez levada aos autos, pertence a todos, isto é, pertence ao processo, não sendo de nenhuma das partes (princípio da comunhão da prova, já referido anteriormente). Como se costuma dizer no jargão forense, a prova (já produzida) é do juízo, e não das partes.No estudo dos destinatários da prova, há que se ressaltar a importância do destinatário direto da mesma, o juízo, e os métodos existentes para que o juiz valore as provas produzidas. São os sistemas de valoracão da prova, que permitirão ao juiz a formação de um juízo de valor sobre o objeto da prova, formando assim seu convencimento acerca do fato probandi.O primeiro sistema de valoracão da prova conhecido foi o da prova legal, originário das ordálias (ou juízos de deus). Neste sistema primitivo (o das ordálias), acreditava-se que a parte que estivesse com a razão seria protegida pela divindade. Desta época são os meios de prova mais estapafúrdios e cruéis, como a utilização de água fervente (a ser jogada sobre a parte, a fim de verificar se a mesma mentia) ou da fogueira. Este sistema, obviamente, evoluiu, até chegar ao da prova legal.Por este sistema, a lei atribui "valores" fixos aos meios de prova, os quais devem ser seguidos pelo juiz ao formar seu juízo de valor. Assim, exemplificando, se a lei atribuísse à prova testemunhai peso um, à prova documental peso dois e à confissão peso três, o juiz, ao final do processo, deveria verificar quantos de cada um desses meios404

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Lições de Direito Processual Civilprobatórios cada parte dispõe, para que possa declarar então quem teve a melhor sorte no processo.15 Tal sistema, hoje inteiramente superado, transformou o processo em verdadeiro jogo, onde o sucesso ficaria ao lado do melhor estrategista.É verdade, porém, que embora superado, o sistema da prova legal ainda guarda resquícios no Direito moderno, não se podendo fechar os olhos para a realidade: ainda existem (infelizmente) algumas normas cujo fim é tarifar a prova, afirmando que determinados fatos só se provam por este meio, ou que aquele outro é inadequado para provar outros fatos. Viola-se, assim, a liberdade do juiz, que fica vinculado às tarifas estabelecidas pelo direito positivo. É o que se tem, por exemplo, na norma constante do art. 227 do Código Civil de 2002, que revogou tacitamente o art. 401 do CPC, e que nega qualquer valor à prova exclusivamente testemunhai nos negócios jurídicos cuja valor exceda dez vezes o maior salário mínimo vigente no país (sendo certo que a revogada regra do CPC era mais restrita, já que fazia alusão apenas a contratos, enquanto o dispositivo do Código Civil de 2002 fala, mais genericamente, em negócios jurídicos). E ainda o que se tem com o art. 902 do CPC, que exige "prova literal" (ou seja, prova escrita) do contrato de depósito, que - embora não solene - só se prova por esta forma.Superado (ainda que - como visto - não inteiramente) o sistema da prova legal, chega-se ao sistema, ainda distante do ideal, da íntima convicção, segundo o qual o juiz deve julgar de acordo com seu convencimento, o qual deverá ser formado através de quaisquer elementos. O juiz não fica, por este sistema, vinculado às provas produzidas, podendo proferir sua decisão, até mesmo, com base em impressões pessoais e fatos de que tomou conhecimento extrajudicialmente.16 Tal sistema, que está em desuso no moderno processo civil, é ainda usado, em sede processual penal, no procedimento do tribunal do júri, onde os jurados não se encontram vinculados às provas existentes.17

Por fim, o último sistema conhecido, e também o mais adotado, sendo o usado em nosso Direito Processual Civil, é o da persuasão racional (também chamado sistema do livre convencimento, ou ainda do livre convencimento motivado).15 Sobre o tema aqui versado existe uma obra clássica, de consulta obrigatória para os que desejam se aprofundar na matéria: Cario Furno, Teoria de Ia Prueba Legal, trad. esp. de Sérgio Gonzalez Collado, Madri: Editorial Revista de Derecho Privado, 1954.16 Amaral Santos, Primeiras Linhas de Direito Processual Civil, vol. II, pp. 380-381.17 Vicente Greco Filho, Manual de Processo Penal, São Paulo: Saraiva, 2a ed., 1993, p. 190.405

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Alexandre Freitas CâmaraNeste sistema, o juiz é livre para formar seu convencimento, desde que este se baseie nos elementos constantes dos autos. O juiz não pode tomar em consideração, a fim de formar sua convicção acerca das alegações sobre a matéria de fato, nenhum elemento além das provas carreadas para os autos. É a aplicação do brocardo quod non est in acti non est in mundo (o que não está nos autos não está no mundo).18

Além de basear sua decisão nas provas existentes nos autos, o juiz deverá apresentar no decisum os motivos que o levaram a decidir desta ou daquela forma. E o princípio da motivação das decisões judiciais, já estudado. A exigência de motivação se justifica como meio de controle da atividade judicial, se constituindo no único meio seguro de se verificar se a decisão judicial foi proferida com base nos elementos de prova constantes dos autos, o que decorre do sistema da persuasão racional (que, por esta razão, é também chamado princípio do livre convencimento motivado).

§ 5e Meios de Prova: Generalidades; Procedimento Probatório; EspéciesMeios de prova são os instrumentos através dos quais se torna possível a demonstração da veracidade das alegações sobre a matéria fática controvertida e relevante para o julgamento da pretensão.19 A doutrina costuma distinguir entre meios e fontes de prova, sendo estas entendidas como as pessoas e coisas de onde promana a prova, enquanto aqueles são os instrumentos que permitem se leve ao juiz os elementos que irão participar da formação de sua convicção.2018 Ricardo Aronne, O Princípio do Livre Convencimento do Juiz, Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1996, p. 73, onde se lê: "O magistrado possui plena liberdade de julgar o feito, segundo seu convencimento, tendo como limitador a esta liberdade a lei, os fatos constantes dos autos e os limites da lide".19 Amaral Santos, Primeiras Linhas de Direito Processual Civil, vol. II, p. 274, onde se afirma que os meios de prova "são os instrumentos dos quais dimana a prova".20 Não há consenso doutrinário acerca da distinção entre fonte e meio de prova. O sistema aqui adotado, que vê na fonte de prova algo que preexiste ao processo, de onde promana o meio de prova, sendo este o instrumento que leva ao processo os elementos que irão atuar na formação da convicção do juiz, é aceito, entre outros, por Moniz de Aragão, Exegese do Código de Processo Civil, vol. IV, torno I, p. 57, e por Juan Montero Aroca, La Prueba en ei Proceso Civil, Madri: Civitas, 1996, pp. 82-85. De outro lado, porém, alguns autores vêem na fonte de prova o fato de que o magistrado extrai a verdade, e no meio de prova a atividade judicial desenvolvida com o fim de descobrir esta verdade (assim Francesco Carnelutti, La Prueba Civil, trad. esp. de Niceto Alcalá-Zamora y Castillo, Buenos Aires: Depalma, 2a ed., 1982, pp. 67-71; Sentis Melendo, La Prueba, p. 147.406

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Lições de Direito Processual CivilO nosso direito positivo admite a utilização, no processo civil, dos meios juridicamente idôneos, isto é, dos meios legais de prova, bem como dos moralmente legítimos (art. 332 do CPC).Meios legais de prova são aqueles definidos em lei, os meios de prova típicos. Vêm consagrados no Código de Processo Civil, e entre eles encontramos a prova documental, a prova testemunhai e a confissão (para citar alguns exemplos).Meios moralmente legítimos são aqueles que, embora não se enquadrem em nenhum esquema abstrato predisposto pelo legislador (e, por isto, são conhecidos como provas atípicas), podem ser utilizados no processo por não violentarem a moral e os bons costumes (conceitos que independem de definição, por serem espécies de conceitos jurídicos vagos - aqueles que não se podem exprimir por palavras, mas cujo significado é conhecido de todos, uma vez que são "sentidos" por qualquer pessoa).É de se notar que o Código Civil de 2002, em seu art. 212, apresenta um elenco menor de provas (confissão, documento, testemunha, presunção, perícia). A norma ali veiculada é, sob diversos aspectos, criticável. Em primeiro lugar, misturam-se meios de prova (como a perícia) e fontes de prova (como a testemunha). Em segundo lugar, ali se inclui a presunção que não é nem meio nem fonte de prova. Em terceiro lugar, o texto ora referido não faz alusão à inspeção judicial ou aos meios atípicos de prova (sendo certo que a leitura do art. 221, parágrafo único, do Código Civil de 2002, que faz alusão às provas "de caráter legal", parece demonstrar que este diploma pretende mesmo excluir as provas atípicas do sistema processual brasileiro). Ora, a exclusão da inspeção judicial e dos meios atípicos de prova implica uma restrição ao direito à prova, o qual é garantido constitucionalmen-te por ser um corolário da garantia do contraditório. Sendo o contraditório, como visto anteriormente, a garantia de que os interessados no provimento poderão participar do processo influindo no seu resultado, o direito à prova é elemento integrante daquela garantia, já que através da prova as partes podem interferir no resultado do processo de conhecimento. Assim sendo, limitações como essas, que excluem de forma absoluta a utilização de certos meios de prova, violam a garantia constitucional do contraditório e, por isso mesmo, são inconstitucionais. Continuam a ser admitidas entre nós, portanto, a inspeção judicial e as provas atípicas.Ainda com relação aos meios de prova, é interessante se lembrar que a Constituição Federal proíbe a utilização, no processo, de provas407

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Alexandre Freitas Câmaraobtidas por meio ilícito (art. 5e, LVI). Tais meios de prova - como, e.g., a confissão obtida sob tortura - se utilizados no processo, gerarão como conseqüência a inexistência jurídica da prova através dela carreada aos autos.O princípio da proibição das provas ilícitas vem suscitando algumas discussões interessantes, e que merecem ser referidas. A primeira delas diz respeito à aplicação, no Brasil, do chamado "princípio da proporcionalidade", originário do Direito Processual Penal alemão, com passagem pelos Estados Unidos da América, e segundo o qual a prova obtida ilicitamente poderia ser utilizada em favor do réu, como aplicação da garantia de defesa (note-se que o princípio é originário do processo penal). Segundo os defensores da aplicação de tal princípio, a parte que praticasse ato ilícito para obter determinada prova poderia utilizá-la no processo de forma válida, devendo por outro lado responder pelo ilícito cometido, desde que o bem sacrificado pelo ilícito fosse menos relevante que o interesse que se quer tutelar com a prova assim obtida. Embora conte com ilustres defensores,21 tal princípio não pode ser aplicado entre nós, pois a Constituição proibiu de forma peremptória e indiscriminada a utilização de provas obtidas por meio ilícito, não sendo, portanto, possível a utilização de tais meios de prova por nenhuma das partes, em razão da aplicação da conhecida regra de hermenêutica jurídica segundo a qual "onde a lei não distingue não cabe ao intérprete distinguir".Outro ponto que pode gerar alguma controvérsia é o da escuta telefônica. Se por um lado parece óbvio que a escuta clandestina, ou "grampo", é ilícita, por outro, há que se verificar a possibilidade de determinação judicial para a gravação de conversas telefônicas. A Constituição Federal é bastante clara ao limitar o poder do juiz de fazer tal determinação à instrução criminal (art. 5a, XII). Parece, assim, obviamente afastada a possibilidade de utilização da escuta telefônica, ainda que autorizada, como meio de prova no processo civil. Há que se considerar, no entanto, outra hipótese: a da transcrição da escuta telefônica autorizada no processo penal poder ou não ser levada ao processo civil como prova emprestada. Tal problema pode ter duas soluções possíveis: ou se considera admissível tal utilização, na medida em que a prova foi produzida por meio lícito e levada ao21 Entre os quais podemos citar Vicente Greco Filho, Tateia Constitucional das Liberdades, São Paulo: Saraiva, 1989, pp. 112-113.408

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Lições de Direito Processual Civilprocesso civil por meio admitido em nosso Direito, qual seja, a prova emprestada; ou se considera que neste caso a prova emprestada será inadmissível por estar sendo utilizada com o fim de se obter por via indireta aquilo que a Constituição proibiu fosse obtido de forma direta. Inclinamo-nos por esta segunda solução, por nos parecer mais consentânea com o nosso vigente sistema constitucional. O direito não pode permitir que se atinja por via oblíqua algo que o ordenamento positivo proíbe seja concedido ou utilizado. Admitir a utilização desta prova, que poderíamos chamar "indiretamente ilícita", seria compactuar com uma ilicitude (a utilização de conversas telefônicas como fonte de prova no processo civil). Por esta razão não consideramos admissível a utilização da prova emprestada quando o meio utilizado para obtenção daquela prova a ser carreada para os autos do processo em questão, embora lícito em relação ao processo onde a prova foi originariamente produzida, seja ilícito em relação ao processo para onde se pretende levar a referida prova.Por fim, não se pode esquecer da questão das gravações de diálogos. Estas podem ser consentidas (quando autorizadas por todas as pessoas que estejam sendo gravadas), as quais são comuns quando se pretende documentar as tratativas orais para a celebração de um contrato - principalmente quando este é de grande valor - e que podem ser utilizadas no processo porque obtidas licitamente; e clandestinas (gravações feitas sem que uma ou mais das pessoas gravadas tivesse conhecimento da gravação), e que não podem ser usadas como prova por violarem a garantia da intimidade dos indivíduos. Estas, portanto, serão tidas como inexistentes quando levadas aos autos como prova de alguma alegação sobre matéria de fato.Por fim, sempre se deve lembrar que, em a parte agindo acobertada por alguma excludente de ilicitude, como o estado de necessidade ou a legítima defesa, a prova obtida poderá ser utilizada no processo (uma vez obtida em estado de necessidade, por exemplo, o meio de obtenção da prova foi lícito, mas é possível sua utilização).No estudo dos meios de prova a doutrina costuma referir a denominada prova emprestada, isto é, uma prova produzida com vistas a determinado processo, e que se deseja carrear para outro. Nosso sistema admite a utilização da prova emprestada, mas não se pode esquecer que a obediência ao princípio do contraditório é essencial. Por este motivo, se determinada prova foi produzida num processo entre um Fulano e um Beltrano, não pode este querer levar tal prova para outro feito, em que a parte adversa é um Sicrano, eis que este não409

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Alexandre Freitas Câmaraparticipou do contraditório no momento da produção da prova. Se ocorrer o contrário, todavia (ou seja, se o Sicrano quiser levar para o outro processo a prova produzida no feito em que eram partes o Fulano e o Beltrano, a fim de utilizá-la contra este), a solução deverá ser a inversa, eis que o Beltrano, contra quem a prova será produzida, integrou o contraditório quando da produção da mesma.Conclui-se, portanto, que para se tornar possível a utilização da prova emprestada é fundamental que a parte contra quem se pretende produzir a prova tenha integrado o contraditório no momento da produção da mesma.A prova emprestada terá de ser valorada como se fosse uma prova documental, o que nos leva a crer que, ao contrário do que é afirmado por alguns autores,22 não se trata de uma prova atípica, mas de uma manifestação da prova documental.Denomina-se procedimento probatório a seqüência logicamente ordenada de atos que tende à produção da prova. Tal procedimento é formado por três atos: propositura, admissão e produção.2^Propositura da prova é o momento em que as partes indicam, de forma especificada, os meios de prova de que pretendem se utilizar para contribuir na formação da convicção do juiz. O autor deve especificar provas na petição inicial, e o réu na contestação.24

A admissão da prova ocorre no momento em que o juiz dispõe sobre os meios de prova que entende devam ser utilizados para que seu convencimento possa se formar. Tal se dá na decisão declaratória de saneamento do processo, nos termos do art. 331, § 2a, do CPC (conforme visto anteriormente, cabe ao juiz, na audiência preliminar, organizar a instrução, o que exige sejam deferidas, isto é, admitidas, as provas que serão produzidas).Por fim, o último ato do procedimento probatório é a produção da prova, ou seja, a carreação aos autos do meio de prova cuja utilização foi deferida. Em regra, a produção da prova se dá na audiência de instrução e julgamento (art. 336 do CPC), havendo exceções no tocante à prova documental (que deve ser produzida, em regra, junto com a apresentação da petição inicial e da contestação - art. 396 - só se admitindo a juntada posterior de documentos quando sua não22 Por todos, Baptista da Silva, Curso de Processo Civil, vol. I, p. 298.23 Amaral Santos, Primeiras Linhas de Direito Processual Civil, vol. II, p. 275.24 Theodoro Júnior, Curso de Direito Processual Civil, vol. I, p. 458; Amaral Santos, Primeiras Linhas de Direito Processual Civil, vol. II, p. 275.410

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Lições de Direito Processual Civilapresentação no momento oportuno foi devida a legítimo impedimento [como o desconhecimento da existência do mesmo, o caso fortuito e a força maior]; à prova pericial e à inspeção judicial (que devem ser realizadas após a decisão de saneamento do processo, mas antes da audiência de instrução e julgamento).

§ 6^ Das Provas em Espécie6.1. ConceitoComo já afirmamos anteriormente, em nosso direito positivo são admissíveis como meios de prova aqueles denominados de juridicamente idôneos, ou seja, os meios legais (típicos, previstos em lei) e os moralmente legítimos (provas atípicas). Passamos, agora, ao estudo das provas típicas, ou seja, dos meios de prova regulados no Código de Processo Civil, que podem ser conceituados como aqueles meios de prova regulamentados em sede legislativa. O nosso CPC prevê como meios típicos de prova os seguintes: depoimento pessoal, confissão, exibição de documento ou coisa, prova documental, prova testemunhai, prova pericial e inspeção judicial, sendo cada uma objeto de análise em separado a partir de agora.Não se poderia, porém, deixar de fazer aqui alguma referência (breve, é certo) às chamadas provas atípicas. Como já afirmado por mais de uma vez, nosso sistema admite a utilização de meios de prova que, embora não estejam expressamente previstos em lei, sejam moralmente legítimos. São os meios atípicos de prova, ou simplesmente provas atípicas. Há que se verificar, porém, e antes de mais nada, se os mesmos existem. Isto porque, segundo boa parcela da doutrina, o elenco de provas típicas não permite a existência de espaço para que se possa imaginar outros meios de prova.25 É certo, porém, que a doutrina dominante parece admitir a existência de meios atípicos de prova (ou, ao menos, de formas atípicas de colheita de prova).26 Difícil, porém, é encontrar exemplo de prova atípica. Já afirmamos nossa discordância com a afirmação corrente segundo a qual a prova emprestada seria atípica, por nos parecer tratar-se de prova documental.25 Neste sentido, negando a existência de provas atípicas, Sentis Melendo, La Prueba, p. 166.26 Por todos, José Carlos Barbosa Moreira, "Alguns Problemas Atuais da Prova Civil", in Temas de Direito Processual, Quarta Série, p. 147.411

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Alexandre Freitas CâmaraÉ inegável, porém, que dois exemplos, que podem ser encontrados em doutrina, são de difícil objeção, parecendo mesmo tratarem-se de meios atípicos. Um deles é a chamada prueba de informes (terminologia empregada nos países de língua espanhola, onde é reconhecida como meio típico de prova).27 Trata-se da prestação de informações ao juízo por terceiros, notadamente órgãos públicos e pessoas jurídicas (como bancos, sindicatos etc), mediante escritos dirigidos ao órgão judicial em resposta a ofícios por este enviados.28 Este meio de prova não pode ser confundido com a prova documental por não ser preconstituído, nem com a prova testemunhai por não ser personalíssimo, nem com a prova pericial por não exigir conhecimentos técnicos para sua elaboração. Trata-se, pois, de prova atípica.O outro exemplo de difícil crítica é o que considera prova atípica o comportamento processual da parte, reconhecido como prova típica no CPC português.29 Poderá o juiz, para proferir sua sentença, tomar em consideração a conduta das partes ao longo do processo, como, por exemplo, a recusa em submeter-se a uma inspeção judicial.30 Diga-se, aliás, que seria difícil impedir que o juiz tomasse em consideração tal conduta na formação de seu convencimento.31 Merece registro o fato de que o Código Civil de 2002 estabelece, em seus arts. 231 e 232, regras que tipificam o comportamento da parte como prova quando a mesma se recusa a se submeter a uma perícia médica. Afirma o art. 231 daquele diploma legal que "aquele que se nega a submeter-se a exame médico necessário não poderá aproveitar-se de sua recusa", aduzindo em seguida o art. 232 que "a recusa à perícia médica ordenada pelo juiz poderá suprir a prova que se pretendia obter com o exame". Não se pode, apesar dessas regras, afirmar que o comportamento da parte tenha se tornado meio típico de prova, já que a lei civil fala apenas no comportamento da parte em relação à perícia médica, não fazendo menção ao comportamento em outras situações processuais. Além27 Verifique-se, por exemplo, os arts. 396 a 403 do Código de Processo Civil da Argentina.28 O exemplo é de Barbosa Moreira, Alguns Problemas Atuais da Prova Civil, p. 148.29 CPC de Portugal, art. 5192.30 O exemplo que vem desde logo à mente é a recusa do indigitado pai em se submeter ao exame de ADN (ácido desoxirribonucléico), sendo certo que a jurisprudência dominante em nosso país não admite seja a parte submetida contra sua vontade a tal exame, mas se extraindo da recusa conseqüências na formação do convencimento judicial.31 O comportamento da parte é apontado como meio de prova atípico por Moniz de Aragão, Exegese do Código de Processo Civil, vol. IV, tomo I, pp. 74-75. Sobre a relevância processual da conduta das partes, Fumo, Teoria de Ia Prueba Legal, pp. 75-82.412

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disso, lamenta-se o fato de que o texto do art. 232 do Código Civil de 2002 serve como meio para que os juizes não obriguem as pessoas a se submeter ao exame de ADN nas "ações de investigação de pater-nidade", sendo certo que esta obrigatoriedade, embora não conte com apoio da maioria da doutrina e da jurisprudência, é essencial para que se possa descobrir a verdade em matéria de parentesco, o que é uma forma de se proteger a dignidade da pessoa humana. O direito de saber quem são os ascendentes integra o conjunto dos mais elementares direitos da personalidade humana, e permitir que alguém, através de mera recusa a se submeter a um exame, impeça a efetivação daquele direito, levando o juiz a decidir com base em mera probabilidade, implica diminuir a aplicação do mais relevante princípio constitucional: o da dignidade da pessoa. Sempre sustentamos, por essa razão, que é possível obrigar a parte a se submeter ao exame de ADN e, coerentemente com esse entendimento, passamos a sustentar que o art. 232 do Código Civil de 2002 só pode ser empregado como regra de julgamento, quando for absolutamente impossível a realização da prova pericial.É certo, porém, que além destes dois meios de prova, é difícil reconhecer outros meios atípicos, uma vez que os meios típicos são capazes de exaurir quase todos os instrumentos possíveis, aptos a carrear ao processo os meios de formação da convicção judicial. Passemos, pois, aos meios típicos de prova.6.2. Depoimento PessoalEspécie dos gêneros prova oral (quando classificada quanto ao sujeito) e prova testemunhai (classificação da prova quanto ao objeto), o depoimento pessoal é o testemunho prestado por uma das partes (autor ou réu) em juízo.Este meio de prova tem dois objetivos: trazer esclarecimentos acerca dos fatos da causa - isto é, sobre os fatos controvertidos e relevantes alegados pelas partes - e provocar a confissão.32

Intimada a parte para comparecer à audiência de instrução e julgamento a fim de prestar depoimento pessoal, e não sendo atendida a determinação judicial, ou seja, ficando a parte que deveria depor ausente daquele ato processual, deverá ser aplicada ao ausente a32 Amaral Santos, Primeiras Linhas de Direito Processual Civil, vol. II, p. 441.413

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Alexandre Freitas Câmara"pena de confissão", o que significa dizer que se considerará que a parte contumaz confessou (confissão presumida) os fatos sobre os quais deveria prestar depoimento.33

Observe-se que se trata de confissão presumida, e não de confissão ficta. Presunção relativa, iurís tantum, que poderá, portanto, ser ilidida pelo conjunto probatório constante dos autos.34

É interessante observar que, no texto do art. 342 do vigente Código de Processo Civil, e que é, à primeira vista, a primeira norma jurídica a tratar da regulamentação do depoimento pessoal, o que se tem é uma regra que trata de outro meio de prova, o interrogatório.35 Dispõe a referida norma jurídica no sentido de que o juiz pode, de ofício ou a requerimento das partes, em qualquer estado do processo, determinar o comparecimento de alguma das partes, a fim de ser interrogada sobre os fatos da causa. Duas são as diferenças essenciais entre estes dois meios de prova, o depoimento pessoal e o interrogatório: em pri-meiro lugar, enquanto o depoimento pessoal é prestado na audiência de instrução e julgamento, o interrogatório pode ser produzido em "qualquer estado do processo", o que significa dizer a qualquer tempo; em segundo lugar, enquanto o depoimento pessoal tem o duplo objetivo a que nos referimos há pouco (esclarecer sobre os fatos da causa e provocar a confissão), o interrogatório possui uma finalidade única: carrear para os autos esclarecimentos sobre os fatos da causa. Conseqüência importante disto é que, ausente a parte que foi intimada para o interrogatório, não se poderá aplicar a "pena de confissão" ou, em outras palavras, não se poderá presumir confessados os fatos da causa sobre os quais a parte seria interrogada.Importante se observar a norma contida no parágrafo único do art. 344, eis que poderá trazer implicações à garantia de defesa assegurada constitucionalmente (art. 5a, LV, da Constituição da República). Isto porque, segundo tal dispositivo, quem ainda não prestou depoimento não pode assistir ao testemunho da outra parte. Considerando-se que33 Apenas o depoimento pessoal requerido pela parte contrária é que a sujeita à "pena de confissão" (também chamada "pena de confesso"), e não o depoimento pessoal determinado de ofício pelo juiz. Neste sentido, Barbosa Moreira, O Novo Processo Civil Brasileiro, p. 77. Em sentido contrário, admitindo a aplicação da "pena de confesso" quando o depoimento tiver sido determinado de ofício, Pontes de Miranda, Comentários ao Código de Processo Civil, tomo IV, p. 307.34 Amaral Santos, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. IV, pp. 83-85.35 Greco Filho, Direito Processual Civil Brasileiro, vol. II, pp. 216-217.414

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Lições de Direito Processual Civilem primeiro lugar deve depor o autor, para que somente após o réu preste seu depoimento, temos que, em função da garantia de ampla defesa, a regra aqui considerada pode sofrer alterações, invertendo-se a ordem dos depoimentos. Tal ocorrência, por exemplo, em hipótese semelhante à narrada pelo eminente jurista Egas Dirceu Moniz de Aragão, na qual em ação proposta pela ex-esposa, em face de seu ex-marido, e onde ambas as partes deveriam prestar depoimento pessoal, o juiz determinou que o réu saísse da sala de audiências durante o depoimento pessoal da autora. Ocorre que o réu era também seu próprio advogado (atuando, pois, em causa própria) e, em tendo de deixar a sala, não teria a oportunidade conferida pela lei ao advogado de sugerir perguntas para que o juiz as formule. Assim, requereu o réu a inversão da ordem dos depoimentos, o que foi indeferido pelo magistrado, que após ouvir as partes (na ordem estabelecida a priori pela lei) proferiu sentença. Tal provimento judicial, todavia, foi anulado pelo Tribunal de Justiça do Paraná, que entendeu ser a inversão daquela ordem imprescindível, no caso concreto, para que restasse garantida a plenitude de defesa do réu.36

6.3. ConfissãoConfissão é a admissão, por alguma das partes, de fato contrário aos seus interesses e favorável ao adversário (art. 348). Não se concebe, como se vê do conceito do instituto, que alguém confesse fato favorável aos seus próprios interesses.Não se pode confundir a confissão com um instituto que, numa primeira análise, com ela muito se assemelha, mas que, na verdade, é de natureza bastante diversa: o reconhecimento jurídico do pedido. Enquanto na confissão, como se verifica do conceito exposto, há a admissão de um fato, no reconhecimento jurídico do pedido o que ocorre é a admissão da existência do próprio direito material alegado pelo autor. Com exemplos a distinção entre os dois institutos se torna mais clara. Assim é que, numa demanda em que o autor pretende a cobrança de dívida decorrente de contrato de mútuo, ter-se-á confissão se o réu, ao contestar a demanda, afirmar que celebrou o contrato36 Egas Dirceu Moniz de Aragão, Sentença e Coisa Julgada, Rio de Janeiro: Aide, 1992, p. 54. O acórdão referido foi proferido na Apelação cível n- 380/85, publicada em Paraná Judiciário 18/51.415

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alegado, mas já pagou o débito (neste exemplo, o demandado admite existir um fato, o contrato de mútuo, contrário aos seus interesses porque constitutivo do direito do autor), afirmação esta que, como parece óbvio, não exclui a possibilidade de sucesso do réu no processo. No mesmo feito, ter-se-ia reconhecimento da procedência do pedido se o réu admitisse a existência do próprio direito de crédito alegado pelo autor (o que, obviamente, excluiria qualquer possibilidade de vitória do demandado - ressalvada, obviamente, a possibilidade de ter ocorrido alguma das causas que levam o juiz a proferir sentença terminativa, que põe termo ao processo sem resolução do mérito).A confissão somente pode versar sobre fatos concernentes a direitos disponíveis (art. 213 do Código Civil de 2002, que revoga tacitamente o art. 351 do CPC), e como corolário da norma contida no art. 48 do CPC, dispõe o art. 350 que a confissão judicial feita por um dos litisconsortes não prejudica os demais. Recorde-se, todavia, que pelo princípio da comunhão da prova, a confissão será valorada pelo juiz, destinatário direto da mesma, e poderá servir de base para a formação do seu convencimento, sendo ilógico admitir a possibilidade de o juiz considerar que o fato confessado ocorreu para o confitente e não ocorreu para os demais.Dispõe o art. 352 do Código de Processo Civil que a confissão que emane de erro, dolo ou coação pode ser invalidada,37 através de "ação anulatória", quando ainda pendente o processo em que foi feita, e por "ação rescisória", se já tiver se formado a autoridade de coisa julgada material sobre a sentença de que constitui o único fundamento. Esta última possibilidade está prevista também no inciso VIII do art. 485 do CPC, onde a questão recebeu um tratamento mais apropriado. Isto porque a "ação rescisória" não tem por fim revogar a confissão, e sim rescindir a sentença definitiva transitada em julgado.38 É de se notar que o art. 214 do Código Civil de 2002 prevê a anulabilidade da confissão obtida mediante erro de fato ou coação, sem fazer alusão ao dolo. Este dispositivo, porém, não revoga o art. 352 do CPC por não ser com ele incompatível nem tratar da matéria de forma exauriente (já que não faz qualquer alusão ao dolo, o qual - evidentemente - é causa de37 O texto da norma fala, inadequadamente, em revogação, quando a hipótese é de anulação, ou seja, de invalidação. A mesma crítica aqui feita se vê em Pontes de Miranda, Comentários ao Código de Processo Civil, tomo IV, p. 330.38 Confira-se, sobre este fundamento para a rescisão da sentença, Barbosa Moreira, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. V, p. 126.416

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anulação de atos jurídicos, e não haveria qualquer razoabilidade em se afirmar que a partir da vigência do Código de 2002 não mais seria possível invalidar a confissão obtida pelo induzimento do confitente em erro. O art. 214 do Código Civil de 2002, portanto, é absolutamente supérfluo, devendo ser reputado como não escrito.

6.4. Exibição de Documento ou CoisaTrata-se aqui, em verdade, de demanda autônoma, de índole cautelar, e não de meio de prova.39 O Código de Processo Civil regula a demanda cautelar de exibição em dois locais distintos, conforme seja a demanda antecedente ou incidente ao processo principal. Enquanto a "ação de exibição" antecedente, preparatória do processo principal cuja efetividade visa garantir, encontra sua regulamentação nos arts. 844 e 845, a "ação cautelar de exibição" incidente ao processo principal está regulada pelos arts. 355 a 363.Legitimado ativo para a exibição é qualquer das partes,40 sendo legitimado passivo seu adversário no processo principal ou terceiro em cujo poder se encontre o documento ou a coisa e, em cada uma destas hipóteses, haverá um procedimento diferente a ser obedecido.Na petição inicial da "ação de exibição", além dos requisitos de qualquer petição inicial, deverá haver a individuação, tão exata quanto possível, do documento ou da coisa cuja exibição se pretende; a finalidade da prova, com indicação dos fatos que se relacionam com o documento ou a coisa; e as circunstâncias em que se funda o requerente para afirmar a existência do documento ou coisa, bem como sua localização em mãos do requerido. Este será citado para responder em cinco dias (se se tratar do adversário do requerente no processo principal) ou em dez dias (se for terceiro estranho ao processo para onde se pretende carrear a prova).A exibição será dispensada, nos termos do art. 363, toda vez que seja lesiva à intimidade e à honra do requerido, de sua família, bem como a dever de sigilo seu.39 Sobre o caráter de ação autônoma da exibição de documento ou coisa, Amaral Santos, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. IV, pp. 122-123.40 Discute-se em sede doutrinária se a exibição incidental pode ser determinada de ofício. Pela negativa, Amaral Santos, Comentários ao Código de Processo Civil, vols. IV/V, p. 125; pela afirmativa, Theodoro Júnior, Curso de Direito Processual Civil, vol. I, p. 472. A nosso sentir, exige a lei processual que se formule pedido de exibição (art. 356), o que exclui a possibilidade de atuação ex officio do juiz.417

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Alexandre Freitas CâmaraNão se encaixando em tais situações, o requerido terá que exibir a coisa ou o documento que se encontre em seu poder e, em não cumprindo a ordem, o juiz considerará verdadeiros os fatos que o requerente pretendia provar através da exibição (quando o requerido for seu adversário no processo principal - art. 359); ou expedirá mandado de apreensão se o requerido for terceiro (art. 362).

6.5. Prova DocumentalDocumento é toda atestação escrita ou gravada de um fato. Por este conceito, verificamos que a noção de documento, em nosso Direito, é bastante ampla, alcançando não só os instrumentos escritos como também as fotografias, filmes, gravações de sons e assemelhados.A prova documental, como já afirmado, deve ser produzida com a petição inicial e com a contestação. Só é admissível a juntada posterior de documentos quando sua apresentação no momento em princípio oportuno não foi possível por legítimo impedimento.O documento público, isto é, aquele proveniente de um oficial público (como um tabelião, por exemplo), faz prova de sua formação e dos fatos que ocorreram à frente do referido oficial (art. 364). Em sendo incompetente o oficial responsável pela lavratura do documento, este terá o mesmo valor probante de um documento particular, assim como se feito sem a observância das determinações legais (art. 367). Merece registro o fato de que o art. 215 do Código Civil de 2002 afirma que "a escritura pública, lavrada em notas de tabelião, é documento dotado de fé pública, fazendo prova plena". Este dispositivo não só é incapaz de tratar por inteiro da matéria, já que o art. 364 do CPC é mais completo, dizendo que fatos podem ser provados pela escritura pública. Além disso, é inaceitável a afirmação de que a escritura pública serve como "prova plena", pois isso tira por inteiro o poder do juiz de valorar a prova, o que contraria o princípio do devido processo legal, na medida em que impede a produção de resultados justos no processo, dando preferência à verdade formal em detrimento da verdade real.Dispõe o art. 366 que "quando a lei exigir, como da substância do ato, o instrumento público, nenhuma outra prova, por mais especial que seja, pode suprir-lhe a falta". O texto da lei faz confusão entre a forma de um ato jurídico e sua prova. Quando a forma é da substância do ato (forma ad substantia), a sua inobservância acarretará a invalidade do ato jurídico (como se sabe, três são os requisitos genéricos de validade de todo ato jurídico - agente capaz, objeto lícito e forma prescrita ou não418

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defesa em lei). Exemplificando, a compra e venda de bem imóvel celebrada por instrumento particular é nula. Sendo nulo o ato jurídico, não há como se provar ser o mesmo apto a produzir efeitos.41

O documento particular gera uma presunção relativa de veracidade das alegações ali constantes. Quer isto dizer que, à vista de um documento particular, caberá ao interessado o ônus de provar a falsidade das referidas afirmações. Quando, todavia, o documento particular contiver apenas uma declaração de ciência de determinado fato, presume-se verdadeira a declaração, mas não a existência do ato, competindo ao interessado em sua existência o ônus de provar a veracidade da alegação (art. 38, parágrafo único, do CPC, combinado com o art. 219, parágrafo único, do Código Civil de 2002, segundo o qual essa regra só se aplica quando a declaração de ciência não tiver relação direta "com as disposições principais, ou com a legitimidade das partes").A fé do documento público ou particular cessa com a declaração judicial de sua falsidade (art. 387), consistindo tal falsidade em formar documento não verdadeiro ou em alterar documento verdadeiro. O incidente de argüiçao de falsidade pode surgir em qualquer tempo e grau de jurisdição, incumbindo à parte contra quem foi produzida a prova argüir sua falsidade na contestação, ou num prazo de dez dias da intimação de sua juntada aos autos (art. 390).42

A argüiçao de falsidade é, em verdade, uma "ação declaratória incidental".43 Nesta "ação declaratória incidental de falsidade de documento" o ônus de provar a falsidade cabe à parte que argüiu o incidente (art. 389, I, do CPC).Suscitado o incidente, o juiz "suspenderá o processo principal" (art. 394). A expressão foi colocada entre aspas porque, na verdade, o que se tem é uma suspensão imprópria do processo.Argüida a falsidade do documento, a parte que carreou o documento aos autos será intimada para oferecer resposta no prazo de dez dias (art. 392), devendo o órgão jurisdicional, a seguir, determinar a realização de prova pericial.Segundo o disposto no art. 395, "a sentença que resolver o incidente declarará a falsidade ou autenticidade do documento". Algumas41 Pontes de Miranda, Comentários ao Código de Processo Civil, tomo IV, p. 363.42 A parte não é obrigada a suscitar o incidente, fazendo-o se assim o desejar. Neste sentido, Theodoro Júnior, Curso de Direito Processual Civil, vol. I, p. 498.43 Greco Filho, Direito Processual Civil Brasileiro, vol. II, p. 230.419

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Alexandre Freitas Câmaraquestões surgem aqui e devem ser analisadas. A primeira delas diz respeito à natureza do provimento judicial que declara a autenticidade ou falsidade do documento. Para parte da doutrina trata-se de decisão interlocutória, recorrível mediante agravo.44 Para outros doutrinadores trata-se verdadeiramente de sentença.45 Esta nos parece a melhor solução. O juiz, em sua sentença (que será una), decidirá a "ação declaratória incidental" (em qualquer de suas formas ~ibí eadem ratio, ubi eadem dispositio) e a "ação principal". Isto se conclui da leitura dos arts. 469, III e 470 do CPC, segundo os quais não transita em julgado a solução de questão prejudicial (e a autenticidade ou falsidade do documento é, obviamente, uma questão prejudicial, por ser um antecedente lógico e necessário do julgamento da pretensão do autor, cuja solução será por ela influenciada, podendo ainda tal questão ser objeto de ação autônoma), salvo se tiver sido demandada a declaração incidente. Tais dispositivos, como se sabe, referem-se aos limites objetivos da coisa julgada.46 Assim, por sentença única, o juiz decidirá a demanda principal e a demanda incidental de declaração de falsidade do documento.47

Há, ainda, que se examinar os limites subjetivos da coisa julgada material quando a sentença declara a autenticidade ou falsidade de um documento. Em outros termos, há que se saber que pessoas serão atingidas pela imutabilidade e indiscutibilidade de uma sentença que declare um documento falso ou autêntico.Remonta a Chiovenda a lição segundo a qual haveria, nesta hipótese, coisa julgada erga omnes, uma vez que seria inadmissível a idéia de um documento poder ser considerado falso em um processo e autêntico em outro.48 Liebman, todavia, defendia aqui a aplicação da regra segundo a qual a coisa julgada só atinge as partes, não beneficiando nem prejudicando terceiros (art. 472 do CPC).49 Este, realmente, é o melhor posicionamento. A limitação subjetiva da coisa44 Amaral Santos, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. IV, p. 226.45 Figueiredo Teixeira, Código de Processo Civil Anotado, p. 263.46 Figueiredo Teixeira, Código de Processo Civil Anotado, p. 263. Em sentido diverso, entendendo que a argüição de falsidade deve receber uma sentença diversa da que será prolatada na ação principal, João Carlos Pestana de Aguiar, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. IV, São Paulo: RT, 2a ed., 1977, p. 267.47 Sendo decidido o incidente por sentença, o recurso cabível será, obviamente, apelação (art. 513 do CPC).48 Chiovenda, Principii di Dirítto Processuale Civile, p. 851.49 Liebman, Manuale di Dirítto Processuale Civile, vol. I, p. 383.420

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julgada às partes se deve a fatores políticos. O contraditório (garantia política de participação do jurisdicionado na preparação do provimento jurisdicional) é essencial ao próprio conceito de processo, e não se pode admitir que uma decisão fique coberta pela autoridade da coisa julgada, tornando-se imutável, sem que o interessado no provimento tenha tido a oportunidade de participar da elaboração do mesmo. Por esta razão, nosso ordenamento jurídico consagrou a regra do art. 472 do CPC. E, por este motivo, a sentença que declarar a autenticidade ou falsidade do documento transita em julgado apenas inter partes. A opção política assumida pelo Estado em criar o instituto da coisa julgada, impondo um termo final aos conflitos de interesses cujas soluções lhe são submetidas, mas ao mesmo tempo afirmando que a imutabilidade do comando contido na sentença, se limitará a atingir as partes entre as quais a mesma foi dada, importa em assumir o risco de decisões contraditórias sobre a mesma questão, quando elas forem proferidas em processos diversos, mas tal risco é preferível à outra opção que se havia colocado à frente do legislador, e que foi por ele rejeitada: a eternização dos conflitos, permitindo-se sempre a reabertura das discussões, em nome de uma quimérica busca da "justiça ideal".6.6. Prova TestemunhaiComo parece óbvio, prova testemunhai é a produzida por testemunhas. Conceitua-se testemunha como sendo a pessoa estranha ao feito (pois se for parte o que se tem é depoimento pessoal, e não prova testemunhai) que vai a juízo dizer o que sabe sobre os fatos da causa. Embora a admissibilidade deste meio de prova seja bastante ampla, não se admite a prova exclusivamente testemunhai nos negócios jurídicos cujo valor exceda o décuplo do salário mínimo no momento de sua celebração (art. 227 do Código Civil de 2002), ressalvada a hipótese prevista no inciso II do art. 402 do CPC, qual seja, nos casos em que era impossível a obtenção da prova escrita da obrigação. Note-se que o que a lei não admite é a utilização da prova exclusivamente testemunhai. Esta poderá ser utilizada, todavia, como complemento da prova documental (art. 402,1), naquilo que se costuma chamar "começo de prova escrita". Tais regras, sempre é bom lembrar, são aplicáveis, também, ao pagamento e à remissão da dívida.Qualquer pessoa, em princípio, pode ser testemunha, não podendo depor em tal condição, entretanto, as pessoas incapazes, impedidas e suspeitas (art. 405). Merece registro o fato de que o Código421

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Alexandre Freitas CâmaraCivil de 2002, em seu art. 228, enumera uma série de pessoas que não podem ser testemunhas. Esse dispositivo, porém, não faz distinção entre impedidos, incapazes e suspeitos, o que mostra ser regra que não trata da matéria de forma exaustiva. Além disso, todas as pessoas referidas no art. 228 do Código Civil de 2002 estão elencadas também no art. 405 do CPC, o que mostra que não há qualquer incom-patibilidade entre os dois dispositivos. Por estas razões, não se pode considerar revogado o artigo da lei processual, que continua a reger a matéria.São incapazes de depor (art. 405, § ls) o interdito por demência; o que, acometido por enfermidade ou debilidade mental, ao tempo em que ocorreram os fatos, não podia discerni-los ou, ao tempo em que deve depor, não está habilitado a transmitir as percepções; o menor de dezesseis anos; o cego e o surdo, quando a ciência dos fatos depender dos sentidos que lhes faltam.São impedidos de depor (art. 405, § 2s) o cônjuge, bem como o ascendente e o descendente em qualquer grau, ou colateral, até o terceiro grau, de alguma das partes, por consangüinidade ou afinidade, salvo se o exigir o interesse público ou, tratando-se de causa relativa ao estado da pessoa, não se puder obter de outro modo a prova que o juiz repute necessária ao julgamento do mérito da causa; o que é parte na causa e o que intervém em nome de uma parte, como o tutor na causa do menor, o representante legal da pessoa jurídica, o juiz, o advogado e outros, que assistam ou tenham assistido às partes.Por fim, são considerados suspeitos para depor (art. 405, § 3a) o condenado por crime de falso testemunho, desde que já haja transitado em julgado a sentença penal condenatória; o que, por seus costumes, não for digno de fé (como, exempli gratia, um mentiroso contumaz); o inimigo capital da parte, assim como seu amigo íntimo e o que tiver interesse no litígio (como no caso do sublocatario em ação de despejo).Em se tratando de pessoas impedidas ou suspeitas (mas não de incapazes, com as ressalvas que adiante se verá), o juiz poderá tomar seus depoimentos na qualidade de informantes - ou seja, sem que prestem compromisso (sobre o compromisso, tratado no art. 415, falaremos logo adiante), devendo o julgador atribuir aos referidos depoimentos o valor que possam merecer (art. 405, § 4s). É de se referir, porém, que o parágrafo único art. 228 do Código Civil de 2002 modificou em parte o que acaba de ser dito, uma vez que permite, expressamente, que sejam ouvidas como informantes algumas pessoas que a lei processual considera incapazes de depor: os menores de422

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Lições de Direito Processual Civildezesseis anos; aqueles que, por enfermidade ou retardamento mental, não tiverem discernimento para a prática dos atos da vida civil; os cegos e surdos, quando a ciência do fato que se quer provar dependa dos sentidos que lhes faltam. Esta é, todavia, uma norma capaz de gerar perplexidade ao intérprete. Qual a utilidade de se colher o depoimento, como informante, de um cego ou de um surdo, quando a percepção do fato depende dos sentidos que lhes faltam? Pudessem eles depor sobre tais fatos, seriam ouvidos como testemunhas, e não como informantes. É absurda a idéia de que um cego possa depor como informante sobre o que viu, ou um surdo sobre o que ouviu! O mesmo se diga em relação aos doentes mentais, já que estes não têm discernimento a respeito dos fatos que presenciaram, nenhum valor podendo ter seus depoimentos sobre os mesmos. Observe-se que se fosse o depoente um doente mental capaz de discernir os fatos a cujo respeito devem depor, prestarão eles depoimento em juízo como testemunhas, e não como informantes, já que a doença mental não é capaz de afastar sua aptidão para depor em juízo como testemunhas. A única regra aparentemente razoável que se encontra no parágrafo único do art. 228 do Código Civil de 2002 é a que permite colher o depoimento, como informantes, dos menores de dezesseis anos. Esta disposição, porém, deve ser recebida com muito cuidado, já que os absolutamente incapazes não podem, em tese, praticar atos jurídicos válidos (nem mesmo depor em juízo). Poder-se-ia dizer que o legislador do Código Civil estava preocupado com os processos que versam sobre interesses desses incapazes, principalmente aqueles que versam sobre matéria de família, já que nesses casos a opinião da criança ou do adolescente pode (e deve) ser levada em conta. A lei, porém, não faz qualquer distinção, e seria possível, por exemplo, determinar-se o depoimento de uma criança de oito anos de idade em um processo em que se discuta alguma questão referente a um acidente de trânsito que ela tenha presenciado. A nosso sentir, a regra trazida pelo Código Civil de 2002, que torna possível a colheita de depoimento de menores de dezesseis anos na qualidade de informantes, deve ser lida como se contivesse uma ressalva: a de que tais depoimentos só serão colhidos quando isto for essencial para a proteção dos interesses do próprio incapaz. Não estando em jogo interesses da criança ou do adolescente, tal depoimento não deve ser colhido.A testemunha fica isenta de depor sobre fatos que lhe acarretem grave dano, bem como ao seu cônjuge e aos seus parentes consangüíneos ou afins, em linha reta, ou na colateral em segundo423

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Alexandre Freitas Câmaragrau. Cabe ao juiz, no caso concreto, verificar se o dano decorrente do depoimento será mesmo grave, permitindo ou não, conforme seu convencimento, que a testemunha deixe de depor. Ocorre também a referida isenção em relação aos fatos a cujo respeito a testemunha, por estado ou por dever de ofício, deva guardar sigilo.Nos termos do art. 407 do CPC, com a redação que lhe deu a Lei na 10.358/2001, incumbe às partes depositar em cartório o rol de testemunhas no prazo que o juiz fixar ao designar a data da audiência de instrução e julgamento ou, não tendo sido assinado pelo juiz qualquer prazo, até dez dias antes da aludida audiência.Limita-se a dez o número de testemunhas que cada parte pode oferecer, sendo lícito ao juiz dispensar as que excedam de três sobre o mesmo fato (art. 407, parágrafo único).Oferecido o rol de testemunhas, só é possível a substituição das mesmas quando ocorrer alguma das situações previstas no art. 408 (falecimento, enfermidade que impeça o depoimento ou mudança de residência, quando não for possível localizar o novo endereço).Hipótese interessante é aquela em que o próprio juiz é arrolado como testemunha. Se o magistrado nada souber sobre os fatos da causa, deverá mandar riscar seu nome do rol, mas se efetivamente tiver conhecimento de fatos que possam influir na decisão, deverá o julgador declarar seu impedimento, remetendo os autos para seu substituto legal, ficando a parte que o arrolou impedida de desistir da oitiva de seu depoimento.O depoimento da testemunha deve ser colhido na audiência de instrução e julgamento, perante o juiz da causa. Exceções a esta regra são as testemunhas que prestaram depoimento antecipadamente (sobre a produção antecipada de prova consulte-se os arts. 846 a 851 do CPC); as que são inquiridas através de carta - precatória, rogatória ou de ordem; as que, por doença ou outro motivo relevante, estão impedidas de comparecer a juízo; e as arroladas no art. 411 do CPC, que cria um benefício para os ocupantes de certos cargos, e que poderão ser inquiridos em suas residências ou no lugar onde exercem suas funções. Quando uma das pessoas arroladas no art. 411 tiver de prestar depoimento, o juiz deverá requisitar-lhe a designação de dia, hora e local onde será inquirida, remetendo-lhe cópia da petição inicial ou da defesa oferecida pela parte que a arrolou como testemunha.Intimada a comparecer, a testemunha deverá se dirigir à sede do juízo no dia e hora indicados, já tendo tomado conhecimento (ciência esta que se lhe levará no ato mesmo da intimação) do nome das partes424

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e da natureza da causa. Ausente sem motivo justificado, poderá ser conduzida coercitivamente a juízo, respondendo ainda pelas despesas decorrentes do adiamento da audiência.Autoriza o § Ia do art. 412 que a parte se comprometa a conduzir a testemunha que tiver arrolado independentemente de intimação. Se a mesma não comparecer, presume-se que a parte desistiu de ouvi-la.Nos termos do § 2e do mesmo artigo, toda vez que figurar no rol de testemunhas funcionário público ou servidor militar, o juiz o requisitará ao chefe da repartição ou ao comando do corpo a que servir.As testemunhas serão inquiridas pelo juiz, separadamente, primeiro as do autor e depois as do réu, de modo a que uma não ouça o depoimento das demais (art. 413). Note-se que, apesar do texto do art. 416, as partes não fazem perguntas diretamente à testemunha, visto que não vigora entre nós o sistema da cross-examination da família jurídica da common-law, cabendo-lhes, tão-somente, requerer ao juiz que formule as perguntas que entender necessárias (o que será feito, primeiro pela parte que a arrolou, e depois pela parte contrária).50 As perguntas que o magistrado considerar impertinentes serão indeferidas, mas se a parte que as formulou requerer serão obrigatoriamente transcritas na ata de audiência.Antes de iniciar seu depoimento, a testemunha será qualificada, devendo informar se tem relações de parentesco com alguma das partes, ou ainda se possui interesse na causa.Dispõe o § 1° do art. 414 que é lícito à parte contraditar a testemunha, argüindo-lhe a incapacidade, o impedimento ou a suspeição. Se a testemunha negar os fatos que lhe são imputados, a parte poderá provar a contradita por meio de documentos ou testemunhas, estas até um máximo de três, apresentadas no ato e inquiridas em separado. Provados ou confessados os fatos, a testemunha será dispensada ou ouvida na qualidade de informante.Ao início de seu depoimento, a testemunha deverá prestar compromisso de dizer a verdade, devendo ser advertida pelo juiz que comete crime de falso testemunho (tipificado no Código Penal, art. 342) quem faz afirmação falsa, cala ou oculta a verdade.Datilografado o depoimento (ou registrado por qualquer meio idôneo, como a estenotipia, a taquigrafia ou a gravação em videocassete), o50 Nery Júnior, Código de Processo Civil Comentado, p. 803. Em sentido parcialmente diverso, admitindo que em determinadas circunstâncias as partes podem se dirigir diretamente à testemunha, Amaral Santos, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. IV, p. 298.425

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Alexandre Freitas Câmaratermo (ou a gravação) será assinado pelo juiz, pelas testemunhas e pelas partes. O depoimento será obrigatoriamente vertido para a forma datilográfica se houver recurso da sentença ou se houver determinação judicial neste sentido, a qual pode ser de ofício ou mediante provocação.É possível ao juiz ordenar, de ofício ou mediante requerimento, a inquirição de testemunha referida (aquela que é mencionada no depoimento de outra testemunha), bem como a acareação de testemunhas ou destas com alguma das partes, quando houver declarações divergentes.Requerido pela testemunha, deverá a parte que a arrolou arcar com as despesas que tiver efetuado, devendo a parte pagá-la ou depositar a quantia em cartório no prazo de três dias (art. 419). Como o depoimento prestado em juízo é considerado serviço público, a testemunha sujeita ao regime trabalhista não sofre, por comparecer à audiência, perda em seu salário ou desconto no tempo de serviço.

6.7. Prova PericialExistem casos em que o julgamento do mérito da causa depende de conhecimentos técnicos de que o magistrado não dispõe. Nestes casos, deverá ele recorrer ao auxílio de um especialista, o perito, auxiliar da justiça (normalmente em caráter eventual) que, dispondo do conhecimento técnico necessário, transmitirá ao órgão jurisdicional seu parecer sobre o tema posto à sua apreciação. Assim, por exemplo, num processo em que se pretende a renovação de uma locação empresarial, um perito analisará o valor do imóvel locado, com o fim de verificar qual o valor de mercado do aluguel do prédio onde funciona a empresa. Da mesma forma, num processo em que se pretenda a interdição de alguém, um perito deverá verificar se o demandado é ou não alienado mental.O procedimento para a produção desta prova foi alterado pela Lei na 8.455/92, que trouxe algumas modificações ao texto do CPC, restando assim bastante simplificado.Para que se produza a prova pericial o juiz deve nomear expert de sua confiança, fixando, desde logo, o prazo para a entrega do laudo pericial (art. 421). Intimadas as partes da nomeação do perito, pode-se formular quesitos e apresentar assistentes técnicos no prazo de cinco dias (art. 421, § Ia).Nunca é demais se afirmar que o assistente técnico é um auxiliar da parte, e não do juízo, o que levou o legislador, na elaboração da Lei426

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Lições de Direito Processual Civilno 8.455/92, a excluí-lo do rol de pessoas sujeitas às hipóteses de impedimento e suspeição (art. 422 do CPC).Nos termos do § 2a do art. 421, a perícia poderá consistir apenas na inquirição do perito e dos assistentes técnicos, quando da audiência de instrução e julgamento, a respeito das coisas que houverem informalmente avaliado ou examinado, toda vez que a natureza do fato probandi o permitir.Dispõe o art. 422 do CPC que o perito cumprirá escrupulosamente seu encargo, independentemente da lavratura de termo de compromisso. Este termo, previsto na redação original do Código de Processo Civil, era um entrave burocrático ao andamento do processo, sem nenhuma utilidade prática. O perito tinha de firmar este compromisso de cumprir conscienciosamente o encargo que lhe fora cometido, o que não constitui nenhuma garantia de que tal cumprimento fiel fosse ocorrer. O bom perito, honesto, íntegro, não precisa assinar nenhum termo para trabalhar conscienciosamente. O mau perito, desonesto, corrupto (e eles infelizmente existem, pois em todos os campos da atividade humana há maus profissionais, que nada conseguem fazer além de denegrir a imagem de toda uma classe), não será impedido de trabalhar mal pelo fato de ter assinado um termo de compromisso. Em boa hora tal entrave burocrático inútil foi abolido pelo legislador.O perito (ao contrário do assistente técnico, repita-se) está sujeito a ser recusado por impedimento ou suspeição, podendo ainda escusar-se alegando motivo legítimo. Se for o caso, o juiz nomeará novo perito.O perito somente poderá ser substituído quando carecer do conhecimento técnico ou científico necessário (e não é por outra razão que o art. 431-B do CPC, acrescentado pela Lei n° 10.358/2001, permite expressamente ao juiz nomear, quando assim o exigir a complexidade da perícia, mais de um perito, podendo a parte, como conseqüência, indicar mais de um assistente técnico), ou ainda quando deixar de cumprir, sem motivo legítimo, o encargo que lhe foi confiado no prazo assinado pelo órgão jurisdicional. Nesta última hipótese, o juiz deverá comunicar o fato à corporação profissional respectiva, podendo ainda multar o perito, fixando a penalidade tendo em vista o valor da causa e o possível prejuízo decorrente do atraso causado no processo.51

As partes, que serão intimadas da data e local designados pelo juiz ou indicados pelo perito para ter início a produção da prova (art.51 Amaral Santos, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. IV, p. 326.427

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Alexandre Freitas Câmara431-A do CPC, acrescentado ao Código pela Lei n° 10.358/2001), podem, durante a diligência, apresentar quesitos suplementares, devendo a parte adversa ser intimada da juntada de tais quesitos.O art. 426 confere ao juiz o poder de indeferir os quesitos que considerar impertinentes, além de formular aqueles que entender necessários ao julgamento do mérito da causa.A atual redação do art. 427 foi muito feliz, por permitir ao juiz dispensar a realização de prova pericial quando as partes, na petição inicial e na contestação apresentarem pareceres técnicos ou documentos elucidativos que sejam considerados, pelo magistrado, suficientes para o julgamento da causa.Nos casos de perícia que se realize por carta (precatória, rogatória ou de ordem), é possível a nomeação do perito pelo juízo ao qual se remeteu a carta.O perito, para bem desempenhar sua função, poderá valer-se de todos os meios necessários, até mesmo ouvindo testemunhas, obtendo informações ou solicitando documentos, podendo ainda instruir o laudo com plantas, desenhos, fotografias ou outras peças que considere necessárias.Sendo impossível a apresentação do laudo no prazo assinado pelo juiz, este poderá conceder, a seu arbítrio, prorrogação do mesmo por uma única vez.52

O laudo pericial deverá ser apresentado no prazo fixado pelo juiz, até pelo menos vinte dias antes da audiência de instrução e julgamento; devem os assistentes técnicos apresentar seus laudos no prazo comum de dez dias, prazo este que corre a partir da intimação das partes da apresentação do laudo (art. 433, parágrafo único, do CPC, com a redação que lhe deu a Lei n° 10.358/2001).A lei processual prevê a possibilidade de as partes solicitarem, ao perito ou aos assistentes técnicos, que prestem esclarecimentos sobre seus laudos, esclarecimentos estes que deverão ser apresentados na audiência de instrução e julgamento, tendo o perito (assim como os assistentes técnicos) o direito de ser intimado pelo menos cinco dias antes da audiência, momento em que já tomará conhecimento do teor das perguntas que lhe serão formuladas naquele momento.Embora a prova pericial tenha por fim dar ao órgão jurisdicional elementos técnicos de que o magistrado não dispõe para que se torne52 Pestana de Aguiar, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. IV, p. 396.428

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Lições de Direito Processual Civilpossível o julgamento do meritum causae, afirma o art. 436 do CPC que o juiz não está adstrito ao laudo, podendo formar sua convicção livremente, tomando por base os demais elementos probatórios constantes dos autos.Pode ainda o juiz, de ofício ou a requerimento das partes, determinar a realização de uma segunda perícia, sempre que reputar insuficientemente esclarecida a matéria. Esta segunda perícia, entretanto, não substitui a primeira, cabendo ao juiz apreciar livremente o valor probatório de cada uma delas. A segunda perícia se rege pelas mesmas disposições legais que a primeira, e tem por objeto os mesmos fatos sobre os quais recaiu a perícia anteriormente realizada, destinando-se a corrigir omissões ou inexatidões a que a primeira perícia conduziu.6.8. Inspeção JudicialTrata-se de meio de prova em que o próprio juiz, através de seus sentidos,53 examina uma coisa ou pessoa, a fim de obter esclarecimentos sobre os fatos da causa. A inspeção judicial pode ser feita, de ofício ou a requerimento das partes, em qualquer fase do processo (art. 440).O juiz, ao realizar a inspeção, pode ser acompanhado por um ou mais peritos, e deverá ir ao local onde se encontre a coisa ou pessoa objeto da prova, toda vez que julgar necessário para poder melhor verificar ou interpretar os fatos a serem observados, quando a coisa (ou pessoa) não puder ser apresentada em juízo sem grandes despesas ou graves dificuldades ou quando determinar a reconstituição dos fatos. Nas hipóteses que não se enquadrem nas situações aqui enumeradas, e que se encontram arroladas nos três incisos do art. 442, a inspeção judicial deverá ser realizada na própria sede do juízo, lugar onde, via de regra, devem ser praticados todos os atos do processo (art. 176).As partes têm o direito de assistir à inspeção (parágrafo único do art. 442, direito este, aliás, que não lhes poderia ser subtraído, sob pena de se violar a garantia constitucional do contraditório, que assegura às partes o direito de influir diretamente na preparação do provimento jurisdicional), prestando esclarecimentos e fazendo as observações que considerem importantes para o deslinde da causa.53 Todos os sentidos, e nao apenas a visão. Neste sentido, Moniz de Aragão, Exegese do Código de Processo Civil, vol. IV, tomo II, p. 212.429

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Alexandre Freitas CâmaraUma vez concluída a diligência, o juiz deverá determinar a lavratura de auto circunstanciado, do qual deverá constar tudo aquilo que for útil ao julgamento do objeto do processo. Tal auto poderá ser instruído com desenho, gráfico, fotografia (parágrafo único do art. 443) ou peça análoga.430

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Capítulo XV Sentença§ 1° ConceitoO vigente Código de Processo Civil contém, em seu art. 162, § ls, uma definição de sentença, segundo a qual esta seria "o ato pelo qual o juiz põe termo ao processo, decidindo ou não o mérito da causa". Esta definição tem o nítido fim de evitar divergências doutrinárias e jurisprudenciais, máxime quanto ao cabimento de recurso contra os provimentos judiciais. Ocorre que esta definição contida na lei não é das mais precisas do ponto de vista da técnica processual. Basta dizer, para demonstrar a impropriedade da definição, que a sentença não é capaz de extinguir o processo, eis que é possível a interposição de recurso contra a mesma, o que fará com que o processo continue a se desenvolver. Em verdade, o processo só se encerra com o trânsito em julgado da sentença, o que se dá no momento em que se esgotam os recursos cabíveis.Assim sendo, há que se buscar uma definição de sentença cientificamente mais adequada, para que se possa bem compreender este ato processual, que de tão relevante já foi chamado em doutrina de "ato jurisdicional magno".1

Encontra-se em doutrina, por exemplo, a afirmação de que a sentença "é ato processual que põe termo, julgando ou não o mérito, ao processo de conhecimento de primeira instância".2 Também esta definição, porém, parece inadequada, uma vez que o procedimento em primeira instância não se encerra necessariamente com a sentença, seja porque o juiz ainda poderá vir a praticar atos no procedimento do recurso (como, por exemplo, quando recebe a apelação), seja porque, em alguns procedimentos especiais, há atos processuais que são praticados pelo juízo de primeira instância apenas depois de proferida a sentença (como, e.g., na "ação de despejo", em que após a sentença1 Luiz Fernando Bellinetti, Sentença Civil: Perspectivas Conceituais no Ordenamento Jurídico Brasileiro, São Paulo: RT, 1994, p. 86.2 Frederico Marques, Manual de Direito Processual Civil, vol. III, p. 23.431

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Alexandre Freitas Câmarao réu é intimado a desocupar o imóvel e, em não o fazendo, procede-se ao despejo forçado do imóvel).Por estas razões, parece-nos preferível definir sentença como o provimento judicial que põe termo ao ofício de julgar do magistrado, resolvendo ou não o objeto do processo. Com esta definição não atribuímos à sentença a força de pôr termo ao processo, o que, como visto, não corresponde à verdade. Afirma-se, tão-somente, que com a sentença o juiz cumpre seu ofício de julgar (ou, como diz o art. 463 do CPC, referindo-se à sentença de mérito, cumpre-se o ofício jurisdicional do juiz). Tal ofício de julgar estará encerrado, quer tenha o juiz proferido sentença que contenha resolução do mérito, quer não o contenha.Verifica-se, pois, que diante do direito objetivo brasileiro, são sentenças tanto os provimentos finais (empregada a palavra "final" aqui não no sentido cronológico, de último ato, mas no sentido lógico, significando aquilo que se pretende alcançar), que resolvem o objeto do processo (art. 269 do CPC), como aqueles que não o fazem (art. 267 do CPC).

§ 22 ClassificaçãoEmbora não esteja expressa no texto da lei, não há maiores divergências doutrinárias quanto a se classificar a sentença em duas categorias: as que contêm resolução do mérito, chamadas sentenças definitivas, e as que não resolvem o objeto do processo, denominadas sentenças terminativas.3

São sentenças terminativas aquelas proferidas com base em qualquer das hipóteses previstas no art. 267 do Código de Processo Civil, como, por exemplo, a que reconhece a "carência de ação", ou a que homologa a desistência da ação. De outro lado, são sentenças definitivas aquelas proferidas por alguma das razões previstas no art. 269 do CPC, de que são exemplos a sentença que acolhe ou rejeita o pedido do demandante e a sentença que homologa a transação.Sendo o processo cognitivo destinado a uma definição de direitos, um acertamento, o seu objetivo será alcançado apenas com a prolação de uma sentença definitiva, ou seja, de uma sentença capaz de resolver3 Por todos, acerca desta classificação, Amaral Santos, Primeiras Linhas de Direito Processual Civil, vol. III, pp. 6-7.432

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Lições de Direito Processual Civil("definir") o mérito da causa. Daí se dizer que a sentença definitiva revela a "extinção normal do processo de conhecimento".4

Há que se recordar, neste ponto, que nem todas as sentenças definitivas contêm julgamento do mérito. Isto porque nas sentenças proferidas em razão de reconhecimento do pedido, transação ou renúncia à pretensão não é o juiz que define o objeto do processo, o qual se resolve por ato das partes (autocomposição dos interesses). Estas sentenças, porém, embora não julguem o mérito, o tornam definitivamente resolvido, razão pela qual preferimos falar em sentenças com resolução do mérito. Há mesmo quem as chame de sentenças de mérito impuras.5

Por fim, há que se dizer que tanto as sentenças definitivas como as terminativas revelam ato de inteligência e de vontade do Estado.6 Isto porque, a se ter na sentença mero ato de inteligência, esta seria equiparada a um parecer, como os proferidos pelos jurisconsultos. A sentença é, porém, dotada de uma força que o mero parecer não tem, e que decorre do poder estatal de que está investido o juiz. Assim, é a vontade do Estado que torna a sentença obrigatória, vinculando as partes. Assim, pois, é que a sentença é tida pela melhor doutrina como ato de inteligência e de vontade do Estado, inteligência e vontade estas que são manifestadas através do juiz.

§ 3^ Elementos EssenciaisO art. 458 do CPC enumera os três elementos essenciais da sentença: relatório, fundamentação e dispositivo. O texto da lei não os chama de elementos, mas de requisitos, embora a terminologia aqui adotada seja a preferida pela doutrina, em detrimento da encontrada na lei.7 Isto porque a palavra "requisito", empregada no texto do art. 458 do CPC, designa algo que deve ser preexistente, algo que deve existir antes da sentença, como um seu pressuposto. Não é disso, porém, que trata o art. 458, o qual, em verdade, enumera os diversos4 Confira-se Theodoro Júnior, Curso de Direito Processual Civil, vol. I, p. 548.5 Carlos Silveira Noronha, Sentença Civil: Perfil Histórico-dogmático, São Paulo: RT, 1995, p. 281.6 Amaral Santos, Primeiras Linhas de Direito Processual Civil, vol. III, p. 11; Theodoro Júnior, Curso de Direito Processual Civil, vol. I, p. 546.7 Teresa Arruda Alvim Pinto, Nulidades da Sentença, São Paulo: RT, 2a ed., 1990, pp. 58-59; Freitas Câmara, Arbitragem, p. 97.433

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Alexandre Freitas Câmaracomponentes da sentença, suas "partes integrantes", daí ser preferível falar em elementos da sentença.São, como dito, três os elementos essenciais da sentença: relatório, fundamentação e dispositivo. Todos os três devem estar, obrigatoriamente, na sentença, e a ausência de qualquer deles viciará a decisão. Não há, porém, que se colocar os elementos necessariamente nesta ordem em que são apresentados na lei (embora esta seja a ordem com que os elementos são mais freqüentemente dispostos). Nada impede, por exemplo, que o juiz inicie sua sentença pelo dispositivo, passando depois à motivação e, ao final, apresentando o relatório.Relatório, na feliz definição de Amaral Santos, é a "síntese do processo".8 Trata-se da parte da sentença em que o juiz exporá, de forma resumida, todo o histórico do processo, desde a propositura da ação até aquele momento em que a sentença está sendo proferida. A exigência de que a sentença contenha um relatório do processo está, obviamente, ligada à necessidade de que o juiz, ao sentenciar, conheça bem o processo que estará sendo decidido.9

A fundamentação é a parte da sentença em que o juiz apresentará suas razões de decidir, os motivos que o levaram a proferir decisão do teor da que está sendo prolatada. Daí ser também chamada de motivação. É na fundamentação que o juiz apresentará os fatores que contribuíram para a formação de seu convencimento. Como ensina notável expositor da matéria, a motivação da sentença é "a parte do julgado que deve conter, ainda que entremeadas, a exposição dos fatos relevantes para a solução do litígio e a exposição das razões jurídicas do julgamento" .10

A fundamentação da sentença tem duas finalidades: em primeiro lugar, a motivação é instrumento destinado a servir de conexão entre a sentença e sua impugnação, servindo, assim, às partes, que conhecendo as razões da sentença, podem decidir se vão ou não impugná-la, e com que fundamentos, além de servir ao juízo superior, que apreciará a impugnação, e que poderá exercer melhor seu trabalho se conhecer as razões que levaram a sentença recorrida a ser proferida. Assim sendo, a motivação da sentença permite o controle vertical da atuação8 Amaral Santos, Primeiras Linhas de Direito Processual Civil, vol. III, p. 16.9 Greco Filho, Direito Processual Civil Brasileiro, vol. II, p. 257, onde se lê que o relatório garante que o juiz examine o processo.10 José Rogério Cruz e Tucci, A Motivação da Sentença no Processo Civil, São Paulo: Saraiva, 1987, p. 15.434

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Lições de Direito Processual Civildo juiz. Em segundo lugar, a motivação da sentença é garantia de controle externo da atividade do juiz, o qual é exercido pelo povo, em verdadeiro controle difuso da atividade judiciária, a fim de se permitir a verificação da exatidão e legalidade da decisão. Sob este aspecto, a motivação da decisão é uma exigência do Estado democrático.11 Esta exigência democrática de fundamentação decorre da necessidade de legitimação do exercício do poder. Ocorre que, enquanto os demais agentes do Estado (legisladores e administradores) são legitimados a priorí para exercer suas funções, o que se dá pelo voto, o juiz é um legitimado a posteriori, eis que sua legitimidade para exercer o poder que lhe é conferido só pode ser verificada após o efetivo exercício. Assim é que a motivação da decisão é a resposta política que o juiz dá para explicitar sua legitimação.12

A fundamentação da decisão é tão relevante que já se disse, com muita propriedade, que "good decisions are such decisions for wich good reasons can be given".13 Ademais, a exigência de motivação das decisões judiciais (inclusive da sentença) foi elevada à categoria de garantia constitucional (art. 93, IX, da Constituição da República), erigindo-se em verdadeiro princípio geral do Direito Processual.Todas as sentenças têm de ser fundamentadas, mas as sentenças terminativas podem ter motivação concisa (art. 459 do CPC).E de se dizer ainda que é na motivação que o juiz irá apreciar as questões prévias, tanto as preliminares como as prejudiciais.14 Quanto a estas últimas, porém, serão apreciadas e resolvidas no dispositivo da sentença, quando tiver havido pedido de declaração incidental (arts. 5a, 325 e 470 do CPC).Por fim, o terceiro elemento essencial da sentença é o dispositivo, a parte da sentença que tem conteúdo decisório. É no dispositivo que o juiz irá apresentar sua conclusão, dizendo se põe termo ao seu ofício de julgar resolvendo ou não o mérito da causa, declarando o autor "carecedor de ação", decretando o despejo, anulando o contrato, con-11 Michele Taruffo, "II Significato Costituzionale deWobligo di Motivazione", ob. cit., p. 38.12 Calmon de Passos, "A Formação do Convencimento do Magistrado e a Garantia Constitucional da Fundamentação das Decisões", ob. cit., pp. 10-11.13 A frase (que pode ser traduzida por: "boas decisões são aquelas para as quais boas razões podem ser dadas") é do jurista inglês Jeremy Bentham, e vem transcrita como epígrafe do ensaio de Barbosa Moreira, "A Motivação das Decisões Judiciais como Garantia Inerente ao Estado de Direito", in Temas de Direito Processual, 2a série, p. 83.14 Greco Filho, Direito Processual Civil Brasileiro, vol. II, p. 257.435

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Alexandre Freitas Câmaradenando o réu a pagar a quantia exigida, julgando improcedente o pedido do autor, ou qualquer outro resultado possível.É no dispositivo que se encontra o "comando" contido na sentença, e que a caracteriza.15 O dispositivo é, pois, o elemento mais importante da sentença, na medida em que é aí que se encontrará a decisão judicial, e, por conseguinte, a manifestação do poder de império estatal.O dispositivo pode ser direto (quando o juiz, por exemplo, condena o réu a pagar determinada quantia em dinheiro), ou indireto, (quando o juiz se limita a fazer referência ao lugar onde será encontrado o teor de sua decisão, como, por exemplo, na hipótese de se julgar procedente o pedido na forma da petição inicial).A ausência de qualquer dos elementos aqui enumerados implica vício da sentença. A falta de relatório ou de motivação importa em nuli-dade absoluta da sentença, como entende a unanimidade da doutrina.16 Já a falta de dispositivo implica inexistência jurídica da sentença.17 Isto porque a ausência de dispositivo torna o ato irreconhecível como sentença, visto que o mesmo não contém decisão (o que, como parece óbvio, é elemento constitutivo mínimo da sentença).Considera-se, também, inexistente a sentença não assinada pelo juiz que a prolatou.18 Realmente, enquanto não assinada, não se pode ter certeza quanto a ter sido aquele ato praticado ou não por um juiz, razão pela qual só se pode considerar existente a sentença a partir do momento em que a mesma é subscrita. Neste momento, a sentença passará a existir no mundo jurídico.

§ 4o Publicação e IrretratabilidadeSegundo o art. 463 do CPC, uma vez publicada a sentença, esta se torna irretratável, só podendo ser modificada pelo juízo que a prolatou para correção de erros materiais ou se forem opostos embargos de declaração.15 Moreira Pimentel, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. III, p. 520.16 Alvim Pinto, Nulidades da Sentença, p. 142; Amaral Santos, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. IV, pp. 399 e 401.17 Frederico Marques, Manual de Direito Processual Civil, vol. III, p. 31; Liebman, Manual de Direito Processual Civil, vol. I, p. 268. Em sentido contrário, entendendo que também a ausência de dispositivo implica nulidade, Greco Filho, Direito Processual Civil Brasileiro, vol. II, ob. cit., p. 257.18 Liebman, Manual de Direito Processual Civil, vol. I, p. 244.436

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Lições de Direito Processual CivilA primeira questão a ser abordada é a do momento em que se considera publicada a sentença. Este ponto se revela importante porque é a partir deste momento que a sentença se torna irretratável. Além disso, a sentença só tem existência jurídica depois de publicada.19

Há duas hipóteses a considerar: em primeiro lugar, a sentença proferida em audiência; em segundo lugar, a sentença proferida em gabinete (e.g., nos casos de "julgamento antecipado da lide" ou de sentença proferida no prazo de dez dias após a realização da audiência de instrução e julgamento).Na primeira hipótese não há maiores dificuldades, na medida em que, proferida em audiência a sentença, esta se considera publicada na própria audiência.Já na segunda hipótese, de sentença proferida em gabinete, fora da audiência, considera-se que sua publicação se dá no momento em que a mesma é juntada aos autos pelo escrivão.Quanto a esta última hipótese, há alguns pontos a considerar. Em primeiro lugar, não se pode confundir a publicação da sentença com a sua intimação. É esta última, e não aquela, que se faz pelo Diário Oficial. A linguagem tradicionalmente empregada na praxe forense, em que se costuma fazer referência à "publicação da sentença" no Diário Oficial, é equivocada do ponto de vista da técnica processual. Publicar a sentença é torná-la pública, e isto se dá na audiência (quando a mesma é ali proferida), ou no momento em que se a junta aos autos. Através do Diário Oficial se íntima as partes do teor da sentença, para que possam, querendo, interpor recurso.Outra questão a se considerar é a inadmissibilidade da opinião, encontrada com bastante freqüência em doutrina, segundo a qual a sentença que não é publicada em audiência se torna pública no momento em que é entregue pelo juiz ao escrivão.20 Esta opinião é manifestada sem que os seus defensores se dêem conta de que o escrivão pode receber a sentença do juiz e, por qualquer motivo, não a juntar de imediato aos autos. Pode mesmo ocorrer que, entre o momento em que o juiz entrega a sentença ao escrivão e o momento em que este a junta aos autos transcorra um prazo bastante longo. Basta pensar na hipótese de o escrivão receber a sentença do juiz no final da tarde de um dia, deixando para realizar sua juntada no dia seguinte. Imaginemos, ainda, que no dia seguinte tenha início uma greve dos serventuários da19 Barbosa Moreira, O Novo Processo Civil Brasileiro, p. 117.20 Nagib Slaibi Filho, Sentença Cível, Rio de Janeiro: Forense, 3a ed., 1995, p. 386.437

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Alexandre Freitas Câmarajustiça que se arraste por seis meses. Apenas depois deste período é que a juntada se fará, e somente aí se poderá considerar publicada a sentença.Por fim, há que se afirmar que, realizada a audiência de instrução e julgamento, e não se sentindo apto o magistrado a proferir, desde logo, a sentença, esta deverá ser proferida e juntada aos autos pelo escrivão. Não existe em nosso sistema a audiência de publicação de sentença.21

Uma vez publicada a sentença, esta se torna irretratável, não mais sendo possível sua modificação ou revogação, senão através de recurso.22

A lei processual só admite ao juiz modificar a sentença já publicada se houver erro material, ou se forem interpostos embargos de declaração. Sobre estes últimos, não é esta a sede adequada para sua análise, uma vez que se trata de recurso, regido pelos arts. 535 a 538 do CPC, e que será objeto de estudo no segundo volume desta obra. Quanto ao erro material, pode ser corrigido a qualquer tempo, mesmo depois de transitada em julgado a sentença, de ofício ou mediante requerimento da parte interessada (requerimento este que se faz por petição simples).Considera-se erro material aquele equívoco contido na sentença e que é incapaz de alterar seu teor. Exemplo clássico é o da inversão do nome das partes, com o juiz dando ao réu o nome do autor e vice-versa.23 Outro exemplo tradicional é o erro de cálculo cometido pelo juiz na sentença. Pense-se, por exemplo, no juiz que condena o réu a pagar a quantia de vinte mil reais, acrescido de cláusula penal moratória de dez por cento sobre o valor da obrigação, num total de vinte e quatro mil reais. O erro de cálculo é flagrante, mas fica óbvio, pela leitura da sentença, que o réu foi condenado a pagar vinte mil reais mais dez por cento, pouco importando, para a fixação do valor da condenação, o erro de cálculo do juiz.21 Neste sentido, Moniz de Aragão, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. II, p. 347; Moreira Pimentel, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. III, p. 499. Em sentido contrário, entendendo necessária a realização de audiência para leitura da sentença, Barbosa Moreira, O Novo Processo Civil Brasileiro, pp. 117-118. É de se referir ainda a posição de alguns autores que consideram facultativa a designação de audiência de leitura de sentença (por todos, Frederico Marques, Manual de Direito Processual Civil, vol. III, p. 18).22 Liebman, Manual de Direito Processual Civil, vol. I, p. 245.23 Tivemos, em nossa experiência profissional, um bom exemplo de erro material. Em acórdão proferido por uma das Câmaras Cíveis do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, grafou-se o nome de uma das partes corno Espólio de Júlia Martins, quando o nome correto seria Espólio de Júlia Magalhães.438

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§ 5^ Classificação da Sentença DefinitivaA sentença definitiva (isto é, a sentença que contém resolução do mérito, aquela que dá uma definição ao objeto do processo) se classifica em três espécies, segundo o seu conteúdo. Note-se, porém, que esta é uma classificação das sentenças de procedência do pedido, uma vez que a sentença que rejeita o pedido do autor (dita "sentença de improcedência" ou "de rejeição") será, sempre, meramente decla-ratória da inexistência do direito afirmado pelo autor.24

Assim sendo, distinguem-se, quanto ao conteúdo das sentenças definitivas, três espécies: meramente declaratórias, constitutivas e condenatórias.25 Note-se que preferimos falar aqui em classificação das sentenças quanto ao seu conteúdo, e não quanto aos seus efeitos, como preferem alguns dos autores que adotam esta forma de distinguir as sentenças definitivas. Por esta razão, parece-nos de bom alvitre iniciarmos esta parte da exposição apresentando a diferença entre conteúdo e efeitos da sentença.A sentença, como qualquer ato jurídico, tem um conteúdo, assim entendidas as notas essenciais que a distinguem dos outros atos jurídicos. Além disso, é a sentença, em tese, e também aqui como todos os atos jurídicos, suscetível de produzir efeitos no mundo do direito. Designa-se por eficácia esta aptidão para produzir efeitos.26 É certo que os efeitos de um ato jurídico guardam correspondência com seu conteúdo, o que se dá por imputação.27 Explique-se: o ordenamento jurídico atribui a cada ato jurídico uma série de efeitos, os quais são, em linha de princípio, correspondentes ao seu conteúdo. Nada impede,24 Como costuma se afirmar em doutrina, a sentença de improcedência é sempre declara-tória negativa, com exceção da que seja proferida em "ação declaratória negativa", pois nesta hipótese a sentença de rejeição será declaratória positiva. Neste sentido, Frederico Marques, Manual de Direito Processual Civil, vol. III, p. 32.25 Esta é a classificação mais aceita pela doutrina, tanto nacional quanto alienígena. Entre os nacionais, defendem-na Theodoro Júnior, Curso de Direito Processual Civil, vol. I, p. 560; Amaral Santos, Primeiras Linhas de Direito Processual Civil, vol. III, p. 29; Frederico Marques, Manual de Direito Processual Civil, vol. III, p. 32; Greco Filho, Direito Processual Civil Brasileiro, vol. II, p. 262. Na doutrina estrangeira defendem esta classificação, entre outros, Chiovenda, Instituições de Direito Processual Civil, vol. I, p. 183; Liebman, Manuale di Diritto Processuale Civile, vol. II, p. 169; Mandrioli, Corso di Dirítto Processuale Civile, vol. I, p. 61; Fazzalari, II Proceso Ordinário di Cognizione, vol. I, p. 284; Couture, Fundamentos do Direito Processual Civil, pp. 237-245.26 Barbosa Moreira, "Conteúdo e Efeitos da Sentença: Variações sobre o Tema", in Temas de Direito Processual, Quarta Série, p. 175.27 Barbosa Moreira, "Conteúdo e Efeitos da Sentença: Variações sobre o Tema", p. 176.439

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Alexandre Freitas Câmaraporém, que o ordenamento atribua efeitos diferentes a atos de idêntico conteúdo e vice-versa.O efeito, porém, não se confunde com o conteúdo do ato jurídico, uma vez que este se localiza dentro do ato, enquanto aquele é necessariamente extrínseco. Como muito bem dito por Barbosa Moreira, "conteúdo e efeito são entidades verdadeiramente inconfundíveis. Aquilo que integra o ato não resulta dele; aquilo que dele resulta não o integra".28

Assim é que a sentença, como os atos jurídicos em geral, possui um conteúdo e produz efeitos, não se podendo confundir estes com aquele. Em algumas hipóteses é bastante óbvia a diferença. Por exemplo, a sentença condenatoria produz o efeito de permitir a instauração de uma execução forçada, e ninguém situaria este efeito dentro da sentença, como se integrasse seu conteúdo. Em outros casos, porém, a distinção não é tão nítida, como se dá, por exemplo, na sentença meramente de-claratória. Nesta, o conteúdo da sentença consiste no ato judicial de acertamento quanto à existência (ou inexistência) de uma relação jurídica, e seu efeito consiste em que a relação jurídica valerá para as partes na forma como foi acertada, tornando-se irrelevante qualquer im-pugnação. Da mesma forma, na sentença constitutiva, há um conteúdo da sentença, consistente no reconhecimento da existência de um direito à obtenção de uma modificação jurídica (como, e.g., a anulação de um contrato ou a dissolução de uma sociedade), e na atuação deste mesmo direito; e há um efeito, consistente na situação nova, criada pela sentença (como, por exemplo, o rompimento dos laços criadores de direitos e obrigações entre os sujeitos do contrato anulado, ou entre os sócios da sociedade dissolvida).De outro lado, porém, e sendo certo que os efeitos da sentença são fixados por imputação, nada impede que se atribua a uma sentença meramente declaratória o efeito de permitir a instauração da execução forçada (como se tem, por exemplo, no art. 76 do CPC). Por esta razão é que não nos parece adequado classificar as sentenças definitivas tendo por base seus efeitos (os quais, como visto, são externos à sentença, e decorrem do ordenamento jurídico), mas sim por seu conteúdo (o qual é intrínseco e, portanto, não poderá variar entre sentenças que componham uma mesma espécie).Como visto, de acordo com o conteúdo as sentenças dividem-se em meramente declaratórias, constitutivas e condenatórias. É de se frisar28 Barbosa Moreira, "Conteúdo e Efeitos da Sentença: Variações sobre o Tema", p. 177.440

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que toda sentença de procedência do pedido do autor (e apenas estas estão sendo aqui classificadas) tem um conteúdo declaratório, consistente no acertamento da existência do direito afirmado pelo demandante. Algumas sentenças, porém, limitam-se a este acertamento, razão pela qual são chamadas meramente declaratórias, enquanto outras têm, ao lado deste conteúdo, um plus, o que as distingue daquela primeira espécie: as constitutivas e as condenatórias.A sentença meramente declaratória é a que contém, apenas, o acertamento da existência ou inexistência de uma relação jurídica ou da autenticidade ou falsidade de um documento.29 E de se notar que o ordenamento jurídico não admite, como regra, que se tenha sentença cujo conteúdo seja a mera declaração de um fato. Apenas a existência (ou a inexistência) de uma relação jurídica pode ser objeto de uma sentença de mero acertamento. Costuma-se dizer que a única exceção a esssa regra é a autenticidade ou falsidade de documento, expressamente admitida por lei (art. 42, II, CPC). Há, porém, algumas outras exceções, como a sentença que, em "ação demarcatória", torna certo o lugar onde se encontra o limite entre dois imóveis, ou a sentença que, no procedimento da posse em nome do nascituro, afirma a existência de um estado de gravidez.A sentença meramente declaratória tem por fim, como dito, conferir certeza, pondo termo à existência de dúvida quanto à existência ou inexistência de determinada relação jurídica (ou, excepcionalmente, quanto à autenticidade ou falsidade de um documento). A certeza jurídica, ou certeza oficial, é o efeito que corresponde ao conteúdo da sentença desta espécie.São inúmeros os exemplos de sentenças meramente declaratórias. Destacamos, aqui, alguns deles (sempre lembrando que apenas as sentenças de procedência do pedido estão sendo, neste momento, objeto de nossas considerações). Assim é que, entre as sentenças meramente declaratórias, podemos citar a da "ação de investigação de paternidade",30 a da "ação de usucapião",31 e a da "ação de consignação em pagamento".32

29 Amaral Santos, Primeiras Linhas de Direito Processual Civil, vol. III, p. 30. Em sentido análogo, Buzaid, A Ação Declaratória no Direito Brasileiro, p. 340.30 José Maria Leoni Lopes de Oliveira, A Nova Lei de Investigação de Paternidade, Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2a ed., 1994, p. 183.31 Nelson Luiz Pinto, Ação de Usucapião, São Paulo: RT, 2a ed., 1991, p. 133.32 Antônio Carlos Marcato, Ação de Consignação em Pagamento, São Paulo: Malheiros, 5a ed., 1996, p. 52.441

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Alexandre Freitas CâmaraSentenças constitutivas, por sua vez, são aquelas que contêm um ato judicial capaz de determinar a criação, modificação ou extinção de uma relação jurídica.33 E tradicional a afirmação em doutrina de que esta espécie de sentença seria formada por dois "momentos lógicos", um declaratório e outro constitutivo. Assim é que, no primeiro momento, o juiz declararia a existência do direito à modificação jurídica e, no segundo momento, determinaria que tal modificação se operasse.34 É o que se tem, por exemplo, na sentença que decreta o divórcio. O juiz, num primeiro momento lógico, declara a existência do direito à extinção do vínculo matrimonial (direito este que existe por estarem os cônjuges separados de fato há mais de dois anos, ou judicialmente há pelo menos um ano) e, num segundo momento, decreta a dissolução do casamento. Este é o conteúdo da sentença, que não pode ser confundido com seu efeito, consistente no rompimento dos vínculos (direito e obrigações) existentes entre as partes, e decorrentes da relação jurídica que se extinguiu.Exemplos de sentença constitutiva, além da proferida na "ação de divórcio", já referida, são a da "ação de anulação de casamento",35 a da "ação revisional de aluguel",36 a da "ação de substituição de compromisso arbitrai" (art. 7° da Lei n2 9.307/96).37

Vistas as duas primeiras espécies de sentenças definitivas, a meramente declaratória e a constitutiva, é de se passar ao estudo da sentença condenatoria, cuja conceituação é, sem sombra de dúvida, a mais difícil das três. Isto porque a doutrina não chegou a um consenso quanto ao verdadeiro conteúdo da condenação. E sabido que o efeito principal da sentença condenatoria é permitir a instauração da execução forçada de um crédito (o que se denominou eficácia executiva). Sendo certo, porém, que a classificação aqui apresentada leva em conta não o efeito, mas o conteúdo da sentença, é preciso aprofundar um pouco mais a pesquisa, examinando-se as principais posições acerca do tema.Assim é que, para Chiovenda, a sentença condenatoria supõe a existência de uma vontade da lei que garanta um bem a alguém,33 Antônio Carlos Marcato, Ação de Consignação em Pagamento, p. 52.34 Cândido Rangel Dinamarco, "Momento de Eficácia da Sentença Constitutiva", in RePro 63-8; Pará Filho, Estudo Sobre a Sentença Constitutiva, p. 58; Piero Calamandrei, "La Sentenza come Atto di Esecuzione Forzata", in Opere Giurídiche, vol. IX, Nápoles: Morano, 1983, p. 353; Liebman, Manual de Direito Processual Civil, vol. I, p. 189.35 Cahali, O Casamento Putativo, p. 109.36 Slaibi Filho, Comentários à Nova Lei do Inquilinato, p. 471.37 Freitas Câmara, Arbitragem, p. 26.442

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impondo ao réu a obrigação de uma prestação, e a convicção do juiz de que se possa, com base na sentença, sem nada mais, imediatamente ou depois de certo tempo, proceder por meio dos órgãos do Estado aos atos ulteriores necessários para a efetiva obtenção do bem garantido pela lei (execução). A condenação não seria, pois, uma ordem judicial, mas a formulação judicial de uma ordem contida na lei. A condenação geraria, porém, uma ordem dirigida aos órgãos estatais encarregados da execução, e por esta ordem se distinguiria da sentença meramente declaratória.38

Já para Carnelutti, a condenação seria a declaração da existência de um ato ilícito (da violação de uma obrigação e, eventualmente, da lesão de um direito).39 Posteriormente, Carnelutti modificaria sua opinião, reconhecendo que pode haver condenação onde não tenha havido qual-quer ilícito, passando então a afirmar que a condenação seria a declaração da existência da responsabilidade patrimonial.40 Segundo este notável jurista italiano, a diferença entre a condenação e a mera declaração não se encontra na natureza do ato judicial, mas em seu objeto. Condenar seria, então, a "declaração de certeza da relação relativa à sanção".41

Também Liebman ocupou-se do tema, afirmando ser a sentença condenatória aquela que, além da função de declarar a vontade da lei no caso concreto, produz também uma declaração "capaz de conduzir ao estádio ulterior da execução".42 Em outros termos, a sentença condenatória contém, segundo este que foi o jurista que mais influência exerceu sobre nosso Direito, não só a declaração da vontade concreta da lei, mas ainda a afirmação de que deve ser atuada pelos órgãos do Estado independentemente da vontade da parte vencida, ou seja, a declaração de sua exeqüibilidade.43 Por esta teoria, a condenação viria a coincidir, em seu sentido técnico, com a significação que lhe atribui a consciência comum e tradicional, que nela vislumbra a imposição de um mal, de um dano a quem transgrediu o direito,44 enfim, de uma sanção. A condenação seria, pois, a imposição da sanção, entendida esta como "efetiva e específica determinação das conseqüências que o orde-38 Chiovenda, Instituições de Direito Processual Civil, vol. I, pp. 184-185.39 Carnelutti, Lezioni di Diritto Processuale Civile, vol. II, Pádua: Cedam, 1986 (reimpressão da edição de 1926), p. 32.40 Carnelutti, Instituciones dei Proceso Civil, vol. I, trad. esp. de Santiago Sentis Melendo, Buenos Aires: El Foro, 1997, p. 72.41 Carnelutti, "Titulo Ejecutivo", in Estúdios de Derecho Procesal, vol. I, p. 658.42 Liebman, Embargos do Executado, trad. bras. de J. Guimarães Menegale, São Paulo: Saraiva, 2a ed., 1968, p. 96.43 Liebman, Embargos do Executado, p. 97.44 Liebman, Embargos do Executado, p. 104.443

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Alexandre Freitas Câmara

namento jurídico quer em seguida à verificação de certa hipótese (que, o mais das vezes, é o inadimplemento de uma obrigação)", e que não preexiste ao processo. Desta forma, a sentença condenatória não passaria de uma declaração, porquanto os direitos e obrigações preexistem à sentença, mas sob o aspecto processual teria eficácia constitutiva, porque a sanção só preexiste à sentença como vontade abstrata, e é o juiz quem a torna concreta. Com a sentença condenatória adquire o credor o que antes não tinha: o poder de provocar a atuação prática da sanção (ação de execução), a que corresponde a sujeição a ela do devedor (responsabilidade patrimonial).45 A condenação seria, portanto, uma aplicação de sanção.46Outro jurista a se preocupar com a definição da sentença condenatória foi Calamandrei, para quem a condenação consiste na transformação da obrigação em sujeição. Significa isto dizer que, antes da condenação, estava-se diante de uma obrigação, cujo adimple-mento dependia exclusivamente da vontade do obrigado e, depois da condenação, estar-se-á diante de uma sujeição, com o cumprimento da obrigação não mais dependendo da vontade do obrigado. O devedor tornar-se-ia, pois, de sujeito ativo de uma vontade em objeto passivo de uma vontade alheia.47 Neste sentido, pode-se mesmo afirmar que a sentença condenatória tem natureza constitutiva, pois a sanção executiva só pode ser atuada (excluídos os títulos executivos extrajudiciais) através da condenação.4^Mais modernamente, tratou do tema o notável processualista italiano Mandríoli, para quem a tutela jurisdicional cognitiva é condenatória quando se desenvolve em função e em preparação da execução forçada. Distingue este autor a demanda de mero acertamento da demanda condenatória, afirmando que naquela se pede apenas a afirmação de um direito, buscando-se obter certeza objetiva, enquanto nesta última se contém não só a afirmação de um direito violado, mas também a de uma conseqüente necessidade de restauração de tal direito no plano material.49

Já para Fazzalari a sentença condenatória é um comando dirigido pelo juiz a uma das partes, para que esta dê ou faça algo em favor da outra, comando este que se emite quando se verificou a fattispecie45 Liebman, Embargos do Executado, pp. 111-112.46 Liebman, Embargos do Executado, p. 114.47 Calamandrei, "La Condanna", in Opere Giuridiche, vol. V, pp. 491-492.48 Calamandrei, "La Condanna", p. 492.49 Mandrioli, Corso di Diritto Processuale Civile, vol. I, p. 62-63.444

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Licoes de Direito Processual Civilprevista na lei substancial, não tendo a mesma sido observada. O comando judicial, neste caso, cria uma nova situação substancial, de conteúdo idêntico àquele derivado da lei, mas munido de atributos particulares, de que é exemplo a possibilidade de realização forçada da ordem, o que se faz mediante execução forçada.50

O jurista uruguaio Eduardo Couture foi outro que dedicou parte de sua obra ao tema, afirmando que "sentenças condenatórias são todas as que impõem o cumprimento de uma prestação, seja em sentido positivo (dar, fazer), seja em sentido negativo (não fazer, abster-se)".51 A condenação consiste, segundo este que é considerado o maior dos processualistas latino-americanos de todas as épocas, normalmente, em impor ao obrigado o cumprimento da prestação, em determinar-lhe que se abstenha de efetuar os atos que lhe são proibidos, ou em obrigá-lo a desfazer o que já tenha sido efetuado.52

A doutrina brasileira também se ocupou do tema, como se vê, por exemplo, em Rogério Lauria Tucci, para quem as sentenças condenatórias contêm uma declaração de certeza sobre a existência da relação jurídica afirmada pelo autor e, outrossim, um quid, a atribuição ao vencedor da faculdade de promover a execução em seu benefício, contra o vencido. Determinam, assim, a realização de certa sanção, isto é, que o vencido cumpra a prestação de dar, fazer ou não fazer.53

Todas estas teorias apresentadas foram alvo de críticas de parte dos doutrinadores, sendo certo, por exemplo, que a teoria de Carnelutti foi criticada por Liebman e Calamandrei, sendo certo que este também criticou a teoria liebmaniana. Além disso, teorias similares às de Couture e Fazzalari foram criticadas por Chiovenda. Nenhuma teoria, pois, escapou à visão crítica dos processualistas. Parece-nos, porém, que a teoria original de Carnelutti é inaceitável, por considerar que a sentença condenatoria se caracteriza pelo reconhecimento de um ato ilícito, quando é certo que pode haver condenação sem ilícito (bastando para isso pensai nas hipóteses de responsabilidade civil objetiva, ou na condenação ao pagamento dos ônus da sucumbência), e que as teorias de Chiovenda, Calamandrei, Liebman (a que adere Lauria Jhcci) e Mandrioli se mostram equivocadas por tentar explicar a condenação a partir de efeitos seus. Assim, por exemplo, a sanção executiva a que se refere Liebman, consistente em fazer incidir sobre o50 Fazzalari, II Proceso Ordinário di Cognizione, vol. I, p. 281.51 Couture, Fundamentos do Direito Processual Civil, p. 240.52 Couture, Fundamentos do Direito Processual Civil, p. 241.53 Rogério Lauria Tucci, Sentença e Coisa Julgada Civil, p. 36.445

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Alexandre Freitas Câmaradevedor a responsabilidade patrimonial que será concretizada na execução forçada, é algo que, inegavelmente, encontra-se fora da sentença condenatória, sendo pois um seu efeito. O mesmo se diga da transformação da obrigação em sujeição, apontada por Calamandrei como traço distintivo das sentenças condenatórias. Trata-se, tão-somente, de uma forma de manifestação dos efeitos da sentença condenatória, visto que esta sujeição só se operaria na execução forçada.54

Além disso, parece-nos equivocada a idéia de se ligar necessariamente condenação e execução. Isto porque a condenação pode ter função repressiva, destinando-se a reprimir uma violação de direito já efetuada, hipótese em que se fornecerá ao titular do direito lesado um título hábil a lhe abrir as portas da execução forçada; mas pode também a condenação ter função preventiva, destinando-se a evitar que se perpetre uma violação de direito ainda não ocorrida, destinando-se, assim, a provocar o adimplemento espontâneo da obrigação, caso em que sua atuação não se dará por meio da execução forçada, mas através da fixação de medidas coercitivas dirigidas a sancionar o eventual inadim-plemento.55 Nesta última hipótese tem-se a chamada "condenação inibitória", destinada a impedir que se consume um ato ilícito.56

Parece-nos, pois, que a única forma de conceituar a sentença condenatória levando-se em consideração seu conteúdo, e não seus efeitos, é adotando a posição de Couture e de Fazzalarí, e afirmar a existência, na sentença condenatória, de um elemento consistente num comando, uma imposição dirigida pelo juiz ao réu (relembre-se que apenas as sentenças de procedência estão aqui sendo consideradas), a fim de que este cumpra uma prestação de dar, fazer ou não fazer. É a este elemento que corresponde o efeito de permitir a instauração da execução forçada.Nem se diga que esta imposição decorre da lei. A lei é norma abstrata, capaz, tão-somente, de afirmar que o devedor (abstratamente considerado), tem o dever de cumprir sua prestação. Apenas a sentença condenatória concretiza este comando legal, atuando a vontade54 Sobre as críticas às teorias de Calamandrei e Liebman, consulte-se Barbosa Moreira, "Reflexões Críticas sobre uma Teoria da Condenação Civil", in Temas de Direito Processual, Primeira Série, pp. 72-80.55 Proto Pisani, Lezioni di Diritto Processuale Civile, p. 167.56 Proto Pisani, Lezioni di Diritto Processuale Civile, p. 170. Sobre a tutela jurisdicional inibitória, consulte-se Luiz Guilherme Marinoni, "Tutela Inibitória: a Tutela de Prevenção do Ilícito", in Doutrina, vol. II, coord. James Tubenchlak, Niterói: ID, 1996, pp. 13 e seguintes.446

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concreta da norma e, por conseqüência, permitindo a produção do efeito executivo. Assim é que, a nosso juízo, a sentença condenatória é aquela que impõe ao réu o cumprimento de uma prestação (de dar, fazer ou não fazer), correspondendo a este conteúdo o efeito de permitir a execução forçada do comando contido na decisão.É de se referir, ainda, que a sentença condenatória produz um importante efeito secundário,57 previsto no art. 466 do CPC, a hipoteca judiciária. Trata-se de importante instrumento preventivo de alienações fraudulentas, destinado, pois, a assegurar a efetividade de uma futura e eventual execução forçada do comando contido na sentença. É importante frisar que a hipoteca judiciária não gera para o credor direito de preferência, mas tão-somente o direito de seqüela, permitindo que se busque o bem hipotecado no patrimônio daquele que estiver com a coisa quando da execução.58

É de se notar que, em verdade, a sentença condenatória não produz a hipoteca judiciária, mas, tão-somente, constitui título para sua instituição, o que se dará com o registro da sentença no registro de imóveis.Com a edição da Lei n2 10.358/2001, surgiu um dado novo, que não pode deixar de ser levado em conta no estudo da sentença condenatória. Estabelece o art. 14, V, do CPC, acrescentado ao Código por aquela lei, que é dever das partes e de todos aqueles que participam do processo cumprir com exatidão os provimentos mandamentais. Há no CPC, pois, a partir da vigência desta lei, dispositivo reconhecendo expressamente a existência de provimentos mandamentais. Isto não altera, é bom que se diga, nosso entendimento no sentido de que as sentenças mandamentais não devem ser consideradas uma quarta categoria de sentenças definitivas, ao lado das meramente decla-ratórias, constitutivas e condenatórias. Deve-se, porém, levar em conta este dispositivo no estudo da matéria.Parece-nos que a classificação das sentenças definitivas deve continuar a ser feita por seu conteúdo, admitindo-se, assim, três tipos de sentença: meramente declaratórias, constitutivas e condenatórias.57 Os efeitos declaratórios, constitutivos e condenatórios sao os efeitos principais da sentença, e se produzem em razão do ato de vontade do Estado-juiz. Além deles, porém, outros efeitos podem ser produzidos pela sentença, estes, por força de lei, sendo chamados efeitos secundários da sentença. Destes, o mais importante, sem sombra de dúvida, é o de que se tratará agora.58 Sobre a hipoteca judiciária, consulte-se Moniz de Aragão, Sentença e Coisa Julgada, pp. 170-188.447

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Alexandre Freitas CâmaraAs sentenças condenatórias, porém, devem ser alvo de uma subclassi-ficaçâo, a qual será feita com base nos efeitos que pode produzir. Aqui teremos, então, duas espécies de sentença condenatória: a sentença condenatória executiva, assim entendida aquela cuja atuação se dá pelo emprego de meios executivos, e a sentença condenatória manda-mental, assim compreendida aquela cuja atuação ocorre pelo emprego exclusivo de meios de coerção, não podendo ser executada em razão da natureza do dever jurídico a ser cumprido pelo condenado. Assim é que a sentença que condena um pintor de paredes a pintar uma parede de branco é condenatória executiva, enquanto a sentença que condena um famoso pintor de quadros a pintar o retrato de uma pessoa é condenatória mandamental. Mantém-se íntegra, assim, a classificação tríplice das sentenças definitivas, admitindo-se a sentença mandamental não como quarta espécie, ao lado das outras três, mas como uma subespécie de sentença condenatória.Posteriormente, a Lei na 10.444/2002, com o sistema que estabeleceu ao reformar os arts. 461, 621, 624, 627 e 644, além da criação do art. 461-A, fez com que a execução das sentenças que condenam ao cumprimento de obrigação de fazer, não fazer ou entrega de coisa se daria dentro do próprio processo em que a sentença foi proferida. Modificou-se, assim, o esquema tradicional, em que a condenação era proferida em um processo (de conhecimento) e a execução se fazia em processo autônomo (executivo). Agora é um só o processo (quando se tratar de obrigação de fazer, não fazer ou entregar coisa diversa de dinheiro), com uma fase cognitiva - que termina com a condenação - e outra fase executiva. Estas sentenças, porém, seguem sendo consideradas condenatórias, não obstante deixem de ser vistas como títulos hábeis a permitir a instauração de outro processo, de execução. Mais uma vez, portanto, fica claro que é desnecessária a classificação quinaria das sentenças, que admite a existência de sentenças manda-mentais e executivas como categorias autônomas - como se verá melhor no tópico seguinte deste livro - já que estas duas sentenças são, na verdade, condenatórias.

§ 6^ Sentenças Executivas e MandamentaisParte respeitável da doutrina brasileira, ao estabelecer a classificação das sentenças de procedência do pedido, inclui duas outras espécies ao lado das três tradicionalmente admitidas (meramente declaratórias, constitutivas e condenatórias). Trata-se da classificação448

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"quinaria" das sentenças de mérito, que reconhece também a existência de sentenças executivas e mandamentais. É posição teórica fundada nas lições de Pontes de Miranda,^ e que tem entre seus principais defensores na atualidade o ilustre jurista Ovídio Baptista da Silva.eo Esta corrente doutrinária encontra berço nas lições do jurista alemão Küttner, e é de pouca ressonância na moderna doutrina estrangeira, que permanece fiel à classificação tradicional.Para os defensores desta classificação quinaria das sentenças, haveria uma classe de provimentos jurisdicionais, denominados "sentenças executivas lato sensu", que se caracterizariam por apreciar e decidir "sobre a relação existente entre o demandado e os bens que serão objeto da futura atividade executória, de modo a cortar a base de legitimidade, antes da sentença existente, entre o réu e o objeto material da demanda".61 Ao tornar ilegítima a posse da coisa que tem o demandado, esta espécie de sentença permitiria sua execução no mesmo processo em que foi proferida, ao contrário da sentença condenatória, que exigiria processo de execução autônomo, ou, em outras palavras, uma nova relação processual, distinta daquela em que se formou o provimento condenatório.Exemplo típico de sentença executiva lato sensu seria, para os defensores desta corrente, a que decreta o despejo.62 Esta, ao ser prola-tada, não só imporia ao réu o dever de restituir o imóvel ao locador, mas ainda tornaria ilegítima a posse do bem locado, o que levaria à possibilidade de se executar o comando judicial no mesmo processo em que se proferiu a sentença, sem que se faça necessária a instauração de processo autônomo de execução. O mesmo não se daria, por exemplo, com uma sentença que condenasse o réu a pagar ao autor uma indenização, pois a mesma seria incapaz de tornar ilegítima a posse dos bens do demandado, que lhe pertencem, e não ao demandante. Por esta razão, far-se-ia necessária a instauração de59 Pontes de Miranda tratou deste tema em diversas passagens de sua obra monumental. Confira-se, por exemplo, o que vai dito nos Comentários ao Código de Processo Civil [de 1939], tomo IV, p. 88-93; e na mesma obra, tomo I, pp. 82-97.60 Baptista da Silva, Curso de Processo Civil, vol. I, pp. 343-344. Esta corrente doutrinária conta, ainda, com a adesão de juristas do porte de Ada Pellegrini Grinover, "Tutela Jurisdicional nas Obrigações de Fazer e Não Fazer", pp. 135-138; Kazuo Watanabe, in Watanabe et alii, Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores do Anteprojeto, pp. 493-494.61 Baptista da Silva, Curso de Processo Civil, vol. II, p. 138.62 Baptista da Silva, Curso de Processo Civil, vol. II, p. 235.449

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Alexandre Freitas Câmaraprocesso autônomo (o processo de execução), onde se procederia à expropriação de bens que, legitimamente, fossem encontrados no patrimônio do devedor.Parece-nos, porém, que a existência de sentenças executivas lato sensu não é defensável. Isto porque estas sentenças, assim como as condenatórias, impõem ao demandado o cumprimento de uma prestação (assim, v.g., a sentença que decreta o despejo, que impõe ao réu a prestação de restituir o imóvel ao locador), e o fato de sua execução se dar no mesmo processo, e não em processo autônomo, se deve a razões de política legislativa, tendo o legislador optado por tornar desnecessária a instauração de um novo processo, e permitindo, por conseguinte, a realização da atividade executiva no próprio processo de conhecimento.63

Ademais, a se considerar que a sentença condenatória jamais admite execução no mesmo processo em que foi proferida, fazendo-se necessária a instauração do processo executivo autônomo, ter-se-ia que afirmar que nos juizados especiais cíveis não há nenhum caso de sentença condenatória, uma vez que ali a execução é, tão-somente, uma fase do processo de conhecimento, sendo incapaz de fazer nascer relação processual nova.64 Além disso, há que se recordar que, como defendemos em passagem anterior desta obra, a execução de sentença, de Iege ferenda, não é processo autônomo (sendo certo, a uma, que esta posição é minoritária na doutrina brasileira, e a duas, que de iege lata a execução de sentença é tratada no ordenamento brasileiro como relação processual autônoma em confronto com o processo cognitivo onde se formou o título executivo).65 Não nos parece, pois, admissível a existência de sentenças executivas como categoria diversa das sentenças condenatórias.Ademais, com a edição da Lei ne 10.444/2002, seria preciso dizer que todas as sentenças que condenam a prestar obrigação de fazer, não fazer ou entregar coisa diversa de dinheiro mudaram de categoria, deixando de ser condenatórias e passando a ser executivas, já que são executadas no mesmo processo em que proferidas, não mais se instaurando o processo de execução ex intervallo. Aliás, é de se dizer que o63 Dinamarco, Execução Civil, vol. I, p. 87, nota de rodapé 77; Freitas Câmara, Da Natureza Jurídica da Sentença de Despejo, p. 110.64 Marotta Moreira, Juizados Especiais Cíveis, pp. 84-85; Fidélis dos Santos, Novos Perfis do Processo Civil Brasileiro, p. 182; Freitas Câmara, Dos Procedimentos Sumario e Sumaríssimo, pp. 111-112.65 Sobre o tema, consulte-se o que vai dito supra, capítulo VIII, § 6-, deste livro.450

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Lições de Direito Processual Civilargumento dos defensores da sentença executiva como categoria autônoma, os quais afirmavam que o legislador processual não poderia modificar o modo de execução das sentenças condenatórias e executivas, dispensando o processo autônomo de execução no primeiro caso ou o exigindo no segundo cai por terra com a aludida Lei na 10.444/2002, já que agora, para as sentenças que antes dela exigiam a instauração de processo executivo de obrigação de fazer, não fazer ou entrega de coisa, este processo autônomo se tornou incabível, sendo a sentença efetivada no mesmo processo em que proferida. Poder-se-ia dizer que, com a referida modificação legislativa todas as sentenças condenatórias (com exceção das que condenam a pagar dinheiro) se tornaram executivas ou, o que é mais técnico, deve-se reconhecer que as sentenças executivas são, na verdade, sentenças condenatórias. Ser a execução um processo autônomo ou uma segunda fase do mesmo processo em que se proferiu a condenação não altera a natureza da sentença, cujo conteúdo permanece o mesmo. Modifica-se, isto sim, a natureza do processo, que deixa de ser só de conhecimento, e passa a ser um processo eclético, misto de cognição e execução.De outro lado, a corrente doutrinária aqui referida, liderada por Pontes de Miranda, reconhece a existência de uma outra categoria de sentenças, as mandamentais. Estas poderiam ser definidas como aquelas que têm por fim obter, como eficácia preponderante, "que o juiz emita uma ordem a ser observada pelo demandado, em vez de limitar-se a condená-lo a fazer ou não fazer alguma coisa".66 Seria de sua essência, pois, conter uma ordem para que se expeça um mandado, donde a designação "sentença mandamental".67 Aqui, também, haveria exercício de atividade jurisdicional posterior à sentença, na mesma relação processual, sem que se fizesse necessária a instauração de processo novo. Difeririam as sentenças mandamentais das executivas pelo fato de a execução ser ato do juiz, que substitui atividade que a parte poderia ter exercido sponte sua, enquanto o mandado contém ato que só o juiz poderia praticar.68 Exemplo típico de sentença mandamental seria a do mandado de segurança.69 Assim, porém, não nos parece. A sentença que concede a segurança {rectius, que julga procedente o pedido de mandado de segurança) pode assumir, conforme as66 Baptista da Silva, Curso de Processo Civil, vol. II, p. 247.67 Baptista da Silva, Curso de Processo Civil, vol. II, p. 247.68 Baptista da Silva, Curso de Processo Civil, vol. II, p. 248.69 Baptista da Silva, Curso de Processo Civil, vol. II, p. 269.451

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Alexandre Freitas Câmaracaracterísticas do caso concreto, natureza meramente declaratória, constitutiva ou condenatória.70 A categoria das sentenças mandamen-tais, a nosso juízo, é desnecessária, assim como a das sentenças exe-cutivas, pois que o conceito de sentença condenatória é amplo o suficiente para incluí-las. O fato de a sentença conter uma ordem dirigida ao demandado não a desnatura como sentença condenatória, mesmo porque não aderimos à proposição teórica que vê nas sentenças condenatórias mera declaração da sanção aplicável. A nosso sentir a sentença condenatória contém um comando dirigido ao demandado, para que este cumpra uma prestação de dar, fazer ou não fazer, da mesma forma que nas sentenças "mandamentais".71

Pelas razões expostas, preferimos manter nossa posição, em defesa da concepção dominante, admitindo apenas três espécies de sentença definitiva: meramente declaratória, constitutiva e condenatória.

§ 7° Tutela AntecipadaTema que foi tratado preliminarmente quando do estudo da tutela jurisdicional, na parte deste trabalho dedicado à teoria geral do Direito Processual Civil, a tutela antecipada, ou tutela antecipatória, será aqui estudada à luz do direito positivo, mais especificamente o art. 273 do CPC, com a redação que lhe deu a Lei na 8.952/94. Há que se recordar, porém, que a tutela antecipada é espécie de tutela jurisdicional satis-fativa, prestada no bojo do processo de conhecimento (independendo, assim, de processo autônomo para sua concessão), e que se concede com base em juízo de probabilidade (razão pela qual foi por nós considerada como espécie de tutela jurisdicional sumária). Este tipo de tutela jurisdicional já vinha regulada no Direito brasileiro há muito tempo, mas era cabível apenas nas hipóteses para as quais fosse expressamente prevista, como nas "ações possessórias". Com a reforma do Código de Processo Civil, porém, passou-se a ter este instrumento como aplicável genericamente ao processo de conhecimento, sendo cabível qualquer que seja o procedimento aplicável, comum (ordinário ou sumário) ou especial.70 Alfredo Buzaid, Do Mandado de Segurança, vol. I, São Paulo: Saraiva, 1989, p. 76.71 No sentido do texto, considerando que as sentenças executivas e mandamentais são, em verdade, sentenças condenatórias, Bermudes, Introdução ao Processo Civil, p. 121. É de se referir a posição de Arruda Alvim, para quem as sentenças mandamentais são, em verdade, constitutivas ("Sentença no Processo Civil", in RePro 2/59).452

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Afirma o art. 273 do CPC que o juiz "poderá", desde que presentes alguns requisitos, antecipar a tutela jurisdicional. Há que se afirmar, porém, que inexiste aqui qualquer discricionariedade judicial, sendo dever do juiz conceder a tutela antecipatória nos casos em que se façam presentes os requisitos de sua concessão, e sendo vedada a antecipação se algum requisito estiver ausente. Trata-se, pois, de um "poder-dever" do juiz, a que este não poderá se furtar.72

Exige o art. 273 do CPC, a fim de que se possa antecipar a tutela jurisdicional, que haja requerimento da parte interessada. Proíbe-se, assim, a concessão ex officio da tutela antecipatória. A necessidade de requerimento da parte foi alvo de severas críticas formuladas por importante teórico do tema,73 enquanto outro setor da doutrina a aplaudiu.74 Parece-nos que a lei processual, ao exigir o requerimento da parte, manteve-se consentânea com nosso sistema processual, onde prevalece o princípio da demanda, não podendo o órgão jurisdicional conceder à parte algo que não foi por ela pleiteado. Ademais, não se pode olvidar a hipótese de a tutela antecipada ser, afinal, indevida, causando danos à parte adversa, os quais precisarão ser reparados. Não se poderia, porém, responsabilizar o autor por um dano causado ao réu por uma decisão judicial que ele não pedira (assim como não seria possível, na hipótese, responsabilizar o juiz, o qual só responde civilmente nos casos de dolo ou fraude, conforme dispõe o art. 133 do CPC).Há que se verificar quem são as partes legitimadas a pleitear a antecipação da tutela jurisdicional. O autor, obviamente, poderá fazê-lo. Isto decorre do fato de se permitir, com o art. 273, a antecipação da tutela pretendida no pedido inicial, e este, como parece óbvio, é o formulado pelo demandante. Pode, ainda, pleitear a antecipação da tutela o assistente, simples ou qualificado, uma vez que este dispõe dos mesmos poderes da parte assistida (art. 52 do CPC).75 Não nos parece possível, de outro lado, que o Ministério Público, atuando como custos legis, possa postular a tutela antecipada, o que decorre de sua posição de sujeito imparcial do processo.76 O réu não poderá pleitear a antecipação da tutela jurisdicional, salvo nos casos em que tenha72 Nery Júnior, Atualidades sobre o Processo Civil, p. 75.73 Fux, Tutela de Segurança e Tutela da Evidência, p. 338.74 Carreira Alvim, Tutela Antecipada na Reforma Processual, p. 27.75 Nery Júnior, Atualidades sobre o Processo Civil, p. 72.76 Freitas Câmara, Lineamentos do Novo Processo Civil, p. 64. Contra, entendendo admissível a tutela antecipada requerida pelo MP quando atua como fiscal da lei, Bermudes, A Reforma do Código de Processo Civil, p. 29.453

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Alexandre Freitas Câmaraajuizado demanda ele próprio (como, e.g., nos casos de reconvenção, ou de pedido contraposto formulado na contestação, o que é possível, por exemplo, no procedimento sumário), mas nestes casos o réu se torna demandante, sendo tratado como se autor fora.77

Permite a lei que a antecipação da tutela jurisdicional seja total ou parcial. Em outros termos, pode o juiz, ao início do processo, e com base em cognição sumária, conceder desde logo tudo aquilo que o autor pleiteou, ou apenas parte do que fora pedido. Basta pensar numa demanda em que se peça a condenação do réu ao pagamento de uma certa quantia em dinheiro. Presentes os requisitos da antecipação da tutela jurisdicional, poderá o juiz conceder, desde logo, tudo o que foi pedido, ou apenas parte daquele valor.78

Além disso, há que se referir o fato de a lei admitir tão-somente a antecipação da tutela pretendida afinal, ou seja, pode-se antecipar apenas aquilo que poderia ser concedido ao final do processo, através da sentença de procedência da pretensão. É por esta razão que fala o Código de Processo Civil em antecipação dos efeitos da tutela pretendida no pedido inicial. Esta tutela, salta aos olhos, é a sentença de mérito que acolhe o pedido do demandante, ou seja, a sentença de procedência do pedido.Como se sabe, a sentença de procedência pode produzir três tipos de efeitos principais: declaratórios, constitutivos e condenatórios (negando-se, aqui, a existência de efeitos executivos e mandamentais). Resta verificar, aqui, quais entre estes efeitos principais da sentença poderão ser antecipados.Parece-nos impossível a antecipação do efeito declaratório. Este consiste na certeza jurídica conferida à existência ou inexistência do direito afirmado pelo autor em sua demanda. A nosso sentir, é impossível a antecipação da certeza com base em juízo de probabilidade. Estar-se-ia, aqui, diante de verdadeiro paradoxo: o juiz estaria afirmando a existência de uma "provável certeza", a qual, obviamente, seria incapaz de satisfazer a pretensão de obter certeza.79

77 Nery Júnior, Atuaiidades sobre o Processo Civil, p. 72.78 Egas Dirceu Moniz de Aragão, "Alterações no Código de Processo Civil: Tutela Antecipada, perícia", in Reforma do Código de Processo Civil, coord. Sálvio de Figueiredo Teixeira, p. 237. Em sentido diverso, entendendo que antecipar parcialmente não é antecipar menos do que se pediu, mas antecipar algum ou alguns entre diversos pedidos formulados, Calmon de Passos, inovações no Código de Processo Civil, p. 8.79 No mesmo sentido, Rodolfo de Camargo Mancuso, "Tutela Antecipada: Uma Interpretação do Art. 273 do CPC", in Reforma do Código de Processo Civil, coord. Sálvio454

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O mesmo se diga com relação à antecipação dos efeitos constitutivos. Não nos parece admissível, com base no art. 273 do CPC, a antecipação deste tipo de efeito, consistente na criação, modificação ou extinção de uma relação jurídica. Isto porque os efeitos constitutivos, de ordinário, só podem se produzir depois da afirmação da existência de um direito à modificação de uma situação jurídica, o que exige cognição exauriente.80 Seria inócua a prolação de uma decisão que provisoriamente constituísse uma situação jurídica nova, sendo certo que decisões inúteis não devem ser prolatadas (mesmo porque faltaria interesse em sua obtenção). Imagine-se, por exemplo, uma decisão que antecipasse a tutela numa "ação de dissolução de sociedade". Dissolvida parcialmente a sociedade, ainda não seria possível sua liquidação, o que revela sua total inutilidade. Via de regra, pois, parece-nos impossível a antecipação da tutela constitutiva.81 Não se pode negar, porém, que em algumas hipóteses a lei prevê expressamente a possibilidade de antecipação de efeito constitutivo da tutela jurisdicional, como se dá na previsão do aluguel provisório nas "ações revisionais de aluguel", regulado no art. 68, II, da Lei na 8.245/91. Esta medida tem inegável caráter de antecipação de tutela,82 e nítida eficácia constitutiva. Não se pode, portanto, negar a possibilidade de antecipação da tutela constitutiva quando houver expressa previsão legal desta possibilidade. Não parece possível, porém, que tal espécie de tutela jurisdicional seja antecipada com fulcro no art. 273 do CPC.Esta norma, a nosso juízo, permite tão-somente a antecipação da tutela condenatória.83 Como já se pronunciou notável doutrinador de país vizinho ao nosso, a tutela antecipada nada mais é do que uma condenação antecipada.84 Apenas a eficácia condenatória, consistentede Figueiredo Teixeira, p. 184; Marinoni, A Antecipação da Tutela na Reforma do Processo Civil, p. 34; Freitas Câmara, Lineamentos do Novo Processo Civil, p. 65; Baptista da Silva, Curso de Processo Civil, vol. I, p. 114. Em sentido diverso, admitindo a antecipação de efeitos declaratórios, Dinamarco, A Reforma do Código de Processo Civil, p. 144; Nery Júnior, Atualidades sobre o Processo Civil, p. 74.80 Marinoni, A Antecipação da Tutela na Reforma do Processo Civil, pp. 35-36.81 No sentido do texto, além de Marinoni (citado na nota anterior), Baptista da Silva, Curso de Processo Civil, vol. I, p. 114; Mancuso, "Tutela Antecipada: Unia Interpretação do Art. 273 do CPC", p. 184; Freitas Câmara, Lineamentos do Novo Processo Civil, p. 66. Em sentido contrário, admitindo amplamente a antecipação da eficácia constitutiva, Dinamarco, A Reforma do Código de Processo Civil, p. 144; Nery Júnior, Atualidades sobre o Processo Civil, p. 73.82 Luiz Fux, Thtela Antecipada e Locações, Rio de Janeiro: Destaque, 2^ ed., 1996, p. 137.83 No mesmo sentido Mancuso, "Tutela Antecipada: Uma Interpretação do Art. 273 do CPC", p. 184.84 Augusto Mario Morello, Anticipación de Ia Tutela, La Plata: Libreria Editorial Platense, 1996, p. 4.455

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Alexandre Freitas Câmara

na imposição ao demandado de uma prestação (de dar, fazer ou não fazer) pode ser concedida antes da obtenção da certeza quanto à existência ou não do direito afirmado pelo autor. É certo que tal condenação antecipada teria como principal efeito permitir, desde logo, a instauração de uma execução forçada, a qual estaria embasada em título provisório, instável, porque ainda sujeito à revisão judicial. A possibilidade de execução fundada em título instável, porém, não é estranha ao Direito brasileiro, onde se admite a execução provisória de sentenças ainda sujeitas a recurso. Tal execução, porém, será provisória como o título que serve de supedâneo para sua instauração (conforme, aliás, o expressamente disposto no § 32 do art. 273).Visto que a tutela antecipada é uma condenação antecipada, concedida no bojo do processo de conhecimento, a requerimento da parte, com base em juízo de probabilidade (cognição sumária), há que se verificar quais são os requisitos impostos por lei para sua concessão.Em primeiro lugar, fala a lei em "prova inequívoca", que convença o juiz da "verossimilhança da alegação". As duas expressões são, ao menos aparentemente, antagônicas. Isto porque a prova inequívoca seria aquela indene de dúvidas, ou seja, a capaz de formar no julgador um juízo de certeza. De outro lado, porém, afirma o texto legal bastar a verossimilhança da alegação, ou seja, bastaria que a alegação parecesse verdadeira (já que verossimilhança, como se sabe, é a mera aparência de verdade). A certeza, como examinado em passagem anterior desta obra, é obtida através de cognição exauriente, enquanto a verossimilhança é alcançada na cognição rarefeita. Parece-nos, pois, que ao unir estes dois conceitos radicalmente opostos, pretende a lei a afirmação de um conceito que se coloque em posição intermediária entre aqueles dois: a cognição sumária, a qual leva à formação de juízos de probabilidade.85 Assim sendo, conclui-se que o primeiro requisito para a concessão da tutela antecipatoria é a probabilidade de existência do direito afirmado pelo demandante.Esta probabilidade de existência nada mais é, registre-se, do que o fumus boni iuris, o qual se afigura como requisito de todas as modalidades de tutela sumária, e não apenas da tutela cautelar.86

85 No mesmo sentido do texto, Dinamarco, A Reforma do Código de Processo Civil, p. 145.86 Identificam a probabilidade exigida para a tutela antecipada e o fumus boni iuris exigido para a tutela cautelar, entre outros, Mancuso, "Tutela Antecipada: Uma Interpretação do Art. 273 do CPC", ob. cit., p. 176; Baptista da Silva, Curso de Processo Civil, vol. I, p. 113; Marinoni, A Antecipação da Tutela na Reforma do Processo Civil, p. 69. Em sentido diverso, entendendo que a probabilidade exigida para a antecipação da tutela é "mais do que o fumus boni iuris", Dinamarco, A Reforma do Código de Processo Civil, p. 145; Nery Júnior, Atualidades sobre o Processo Civil, p. 69.456

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Assim sendo, deve verificar o julgador se é provável a existência do direito afirmado pelo autor, para que se torne possível a antecipação da tutela jurisdicional.Não basta, porém, este requisito. A probabilidade de existência do direito do autor deverá aderir outro requisito, sendo certo que a lei processual criou dois outros (incisos I e II do art. 273). Estes dois requisitos, porém, são alternativos, bastando a presença de um deles, ao lado da probabilidade de existência do direito, para que se torne possível a antecipação da tutela jurisdicional.Assim é que, na primeira hipótese, ter-se-á a concessão da tutela antecipatória porque, além de ser provável a existência do direito afirmado pelo autor, existe o risco de que tal direito sofra um dano de difícil ou impossível reparação (art. 273, I, CPC). Este requisito nada mais é do que o periculum in mora, tradicionalmente considerado pela doutrina como pressuposto da concessão da tutela jurisdicional de urgência (não só na modalidade que aqui se estuda, tutela antecipada, mas também em sua outra espécie: a tutela cautelar). Verifica-se, pois, que havendo risco de que o direito substancial que o autor quer ver protegido através do provimento jurisdicional definitivo (direito este cuja existência se afigura, ao menos até aqui, provável), sofra dano de difícil ou impossível reparação, deverá o juiz conceder a antecipação da tutela jurisdicional.Pode-se, facilmente, figurar um exemplo. Pense-se na hipótese de uma criança precisar de uma transfusão de sangue com urgência, sem o que correrá risco de vida, sendo a autorização para a intervenção negada pelo pai do menor por motivos religiosos. O ajuizamento de demanda visando a obtenção de tutela jurisdicional capaz de permitir a satisfação do direito à vida levaria, normalmente, à frustração do demandante, que veria seu direito irremediavelmente lesado (com a morte da criança), em razão da demora natural do processo. Por esta razão, permite-se ao juiz a antecipação da tutela jurisdicional, com o fim de se permitir, desde logo, a satisfação do direito substancial, o que se dará através da imediata autorização para que se realize a intervenção médica necessária.E de se notar que tal hipótese não é de tutela cautelar, não sendo possível a confusão entre as duas modalidades de tutela jurisdicional. Isto porque tanto a tutela cautelar como a tutela antecipada prestada com base neste inciso I do art. 273 têm como fundamento de concessão o periculum in mora, o risco de dano. Ocorre que na tutela cautelar o que corre risco de sofrer dano irreparável (ou de difícil reparação) é a457

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Alexandre Freitas Câmaraefetividade do processo, do provimento jurisdicional. O direito substancial, nesta hipótese, não está em risco. Já na tutela antecipada o que corre risco de perecer é o próprio direito material. A tutela caute-lar é uma modalidade de tutela do processo, enquanto a tutela antecipada é destinada a proteger o direito substancial.87

Estar-se-á, aqui, diante do que se poderia chamar "tutela antecipada de segurança", uma vez que esta modalidade de tutela ante-cipatória é destinada a assegurar o direito material que se encontra em estado de periclitância.88

A outra modalidade de tutela antecipatória, prestada com fulcro no inciso II do art. 273 do CPC, não tem relação com o estado de perigo do direito, razão pela qual se mostra inadequada a denominação "tutela de segurança". Trata-se de hipótese em que, ao lado da probabilidade de existência do direito do autor, ocorre abuso do direito de defesa do demandado, o qual apresenta defesa manifestamente protelatória. Nesta hipótese caberá também a antecipação da tutela jurisdicional, que se pode chamar, aqui, "tutela antecipada da evidência".89

É inegável que todos têm o direito à defesa, o qual encontra guarida constitucional. Este direito, porém, como todos os outros, deve ser exercido de forma legítima, pois seu exercício abusivo não é tolerado pelo ordenamento jurídico. Assim, se o réu apresenta defesa com o único propósito de protelar a entrega da prestação jurisdicional, deve-se tutelar antecipadamente o direito substancial que, em razão da defesa abusiva, mais do que provável, já se revela evidente.Pense-se, por exemplo, numa "ação de despejo por denúncia vazia", em que o réu contesta tão-somente para alegar a "injustiça" da denúncia imotivada da locação. A defesa, claramente, é despida de fundamento sério que permita sua apreciação. Trata-se de defesa protelatória, que permite a imediata prestação da tutela jurisdicional, através da antecipação dos efeitos da sentença de mérito.É de se referir que, nesta última hipótese, só se pode admitir a antecipação da tutela jurisdicional após o oferecimento da contestação87 Fux, 7bteJa de Segurança e Tateia da Evidência, pp. 48-49.88 E pioneira, quanto à terminologia aqui empregada, a obra de Fux, Jhtela de Segurança e 7liteia da Evidência, p. 49, e a ela já havíamos aderido anteriormente (conforme se vê em Freitas Câmara, Arbitragem, p. 84).89 Utiliza-se, aqui, ainda uma vez, a terminologia empregada por Fux, Tutela de Segurança e TbteJa da Evidência, pp. 305-311, e que já havíamos empregado em Freitas Câmara, Arbitragem, p. 84.458

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do demandado,90 ao contrário da hipótese de tutela antecipada de segurança, em que se torna possível a concessão da medida inaudita altera parte, ou seja, antes da manifestação do réu no processo.91

Determina o § le do art. 273 que a decisão que antecipa a tutela jurisdicional seja fundamentada de modo claro e preciso. Esta exigência, obviamente, se estende também às decisões que indeferem a antecipação, por força do princípio da motivação das decisões judiciais, previsto no art. 93, IX, da Constituição da República.No § 2a do mesmo art. 273, traz o CPC uma norma de interpretação difícil, e cujo verdadeiro sentido só será encontrado se a mesma for analisada cum grano salis. Trata-se da norma segundo a qual não se pode antecipar a tutela jurisdicional quando esta puder produzir efeitos irreversíveis. Em primeiro lugar, há que se afirmar que não trata a norma, apesar de sua expressão literal, de irreversibilidade do provimento jurisdicional que antecipa a tutela, mesmo porque tal provimento não se torna irreversível, já que pode ser modificado ou revogado a qualquer tempo (art. 273, § 4e). É da irreversibilidade dos efeitos da tutela jurisdicional antecipada que trata a lei, erigindo-a à condição de requisito negativo de concessão da tutela jurisdicional.92

Uma interpretação apressada da norma nos levaria a concluir que, havendo risco de que a antecipação da tutela jurisdicional acarretasse efeitos irreversíveis, tal antecipação seria terminantemente proibida. Esta, porém, não é a melhor exegese. Isto porque há casos em que o indeferimento da tutela antecipada pode causar um dano ainda mais grave do que seu deferimento. Pense-se, por exemplo, numa hipótese em que a antecipação da tutela se faça necessária para que se realize uma transfusão de sangue, ou uma amputação de membro. Ambos os casos revelam provimentos jurisdicionais capazes de produzir efeitos irreversíveis. Ocorre que o indeferimento da medida, nos exemplos citados, provocaria a morte da parte, o que é - sem sombra de dúvida - também irreversível.90 Freitas Câmara, Lineamentos do Novo Processo Civil, p. 72. Contra, entendendo cabível a antecipação nesta hipótese mesmo antes de se ouvir o réu, Nery Júnior, Atualidades sobre o Processo Civil, p. 69.91 Neste sentido, Marinoni, A Antecipação da Tutela na Reforma do Processo Civil, p. 60. Contra, entendendo que mesmo nesta hipótese há que se permitir a manifestação do réu antes da concessão da medida, Bermudes, A Reforma do Código de Processo Civil, p. 29.92 Carreira Alvim, Código de Processo Civil Reformado, p. 124.459

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Alexandre Freitas CâmaraNestas hipóteses, estar-se-á diante de verdadeira "irreversibilida-de recíproca",93 caso em que se faz possível a antecipação da tutela jurisdicional. Diante de dois interesses na iminência de sofrerem dano irreparável, e sendo possível a tutela de apenas um deles, caberá ao juiz proteger o interesse mais relevante, aplicando-se o princípio da proporcionalidade, o que lhe permite, nestas hipóteses, antecipar a tutela jurisdicional (ainda que, com tal antecipação, se produzam efeitos irreversíveis).94

Nos termos do § 3a do art. 273 (com a redação que lhe deu a Lei na 10.444/2002), "a efetivação da tutela antecipada observará, no que couber e conforme sua natureza, as normas previstas nos arts. 588, 461, §§ 4° e 5a, e 461-A". Significa isto dizer que a efetivação (que não é necessa-riamente execução, como dizia a redação anterior do dispositivo, já que a atuação do comando contido na decisão antecipatoria pode se dar por meios de coerção, como os previstos nos §§ 4a e 5a do art. 461 do CPC) da decisão concessiva de tutela antecipada se fará, quando se tratar de obrigação pecuniária, na forma do art. 588 do CPC; tratando-se de tutela antecipada relativa a obrigações de fazer ou não fazer, aplicar-se-á o disposto nos §§ 4° e 5a do art. 461; por fim, tratando-se de tutela antecipada referente a obrigações de entregar coisa diversa de dinheiro, será aplicável o disposto no art. 461-A. Estas regras, todavia, são aplicáveis apenas "no que couber", o que significa dizer que as mesmas devem ser vistas como "parâmetros operacionais", cabendo ao juiz, se verificar que alguma das regras aí referidas não é adequada à efetivação da tutela antecipada em um certo caso concreto, determinar que a atuação da medida se dê pelo meio que se revele mais eficiente, o que atenderá à exigência constitucional de tutela jurisdicional efetiva e adequada.Afirma, ainda, a lei processual (art. 273, § 4a) que a decisão que antecipa a tutela jurisdicional pode ser revogada ou modificada a qualquer tempo, desde que em decisão fundamentada (o que, aliás, decorre dos princípios gerais do Direito Processual). Esta possibilidade de revogação ou modificação é conseqüência da natureza sumária da cognição exercida pelo juiz para o fim de conceder a antecipação da93 Freitas Câmara, "Tutela Antecipatoria: Um Enfoque Constitucional", p. 341.94 No sentido do texto, admitindo a antecipação de tutela com efeitos irreversíveis (em hipóteses excepcionais), entre outros, Freitas Câmara, Lineamentos do Novo Processo Civil, p. 75; Carreira Alvim, Código de Processo Civil Reformado, pp. 125-126; Baptista da Silva, Curso de Processo Civil, vol. I, p. 120; Moniz de Aragão, 'Alterações no Código de Processo Civil: Tutela Antecipada, Perícia", ob. cit., p. 241; Marinoni, A Antecipação da Thtela na Reforma do Processo Civil, p. 79.460

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tutela jurisdicional, sendo possível toda vez que surgirem novas circunstâncias - de fato ou de direito - que sejam capazes de alterar a convicção do juiz. Pode-se mesmo dizer que a tutela antecipada é sempre concedida rebus sic stantibus.95

Há que se dizer, porém, que a revogação ou modificação da tutela antecipada exige requerimento da parte interessada, não podendo se dar de ofício.96

Determina o § 5a do art. 273 que, concedida ou não a antecipação da tutela jurisdicional, deverá o processo seguir até final julgamento. Trata-se de regra afinada com a idéia de que no processo de conhecimento a obtenção de certeza quanto à existência ou inexistência do direito do autor é um dos objetivos a serem alcançados, e tal só será possível com o exercício, pelo juiz, de cognição exauriente. Por esta razão, deverá o processo seguir até a prolação da sentença, a qual estará embasada em juízo de certeza, o que permitirá o encerramento do processo com a integral satisfação da pretensão (incluindo-se, aí, a pretensão à declaração, ínsita em toda pretensão de tutela jurisdicional cognitiva).A Lei n° 10.444/2002 acrescentou ao art. 273 do CPC dois novos parágrafos, o 62 e o 7s. Dispõe o § 62 que "a tutela antecipada também poderá ser concedida quando um ou mais dos pedidos cumulados, ou parcela deles, mostrar-se incontroverso". Trata-se de dispositivo mal escrito, o que deve o intérprete a uma interpretação necessariamente extensiva da regra. Isto porque o texto da lei gera a falsa impressão de que este parágrafo só pode ser aplicado nos casos em que tenha havido cumulação de demandas, o que não é verdade. Na realidade, este § 62 quer significar que toda vez que uma parcela do objeto do processo (isto é, do mérito da causa) se tornar incontroverso, deverá o juiz, com relação a tal parcela, proferir imediata decisão, prosseguindo o feito apenas em relação ao que ainda é controvertido.Observe-se, em primeiro lugar, que se todo o objeto do processo se torna incontroverso não é caso de se pensar em tutela antecipada, mas em julgamento imediato de todo o mérito (arts. 329 e 330 do CPC). Basta pensar, por exemplo, no caso de reconhecimento da procedência do pedido, ou de confissão por uma das partes de todos os fatos narrados pela outra, não aduzindo o confitente qualquer outro fato em95 Moniz de Aragão, "Alterações no Código de Processo Civil: Tutela Antecipada, Perícia", p. 240.96 Carreira Alvim, Código de Processo Civil Reformado, p. 129.461

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Alexandre Freitas Câmaraseu favor. Nesses casos, deverá o juiz proferir sentença, não sendo aplicável este § 62, do art. 273.Há casos, todavia, em que o objeto do processo é composto (como quando são formulados dois pedidos cumulados) ou decomponível (quando se formula um só pedido, o de condenação do demandado a en-tregar uma certa quantidade de coisas, como no caso de pedido de condenação pecuniária). Nessas hipóteses, pode acontecer de uma parcela do objeto do processo se tornar incontroversa. Basta pensar na possibilidade de o réu reconhecer a procedência de um dos pedidos cumulados (mas não a do outro), ou de reconhecer a parcial procedência do pedido (o que se dá, por exemplo, quando o autor quer ver o réu condenado a pagar cem e o demandado contesta dizendo dever apenas trinta). Nestes casos, forma-se um juízo de certeza, baseado em cognição exauriente, quanto à parcela incontroversa do objeto do processo, o que deve levar o magistrado a proferir imediata decisão a respeito da mesma. Só assim estará sendo atendida a promessa constitucional de tempes-tividade da tutela jurisdicional, já que não demorará excessivamente a resposta à parcela incontroversa do objeto do processo.E de se notar que no caso previsto no § 62, do art. 273, a decisão antecipatória é interlocutória, sendo pois impugnável por agravo (na forma do art. 522 do CPC). Trata-se, porém, de decisão baseada em cognição exauriente, capaz de declarar a própria existência ou inexistência do direito material, razão pela qual será tal provimento, ao se tornar irrecorrível, capaz de alcançar a autoridade de coisa julgada material. Não se trata, aqui, pois, de uma antecipação provisória, mas de uma antecipação definitiva da tutela. Há, pois, verdadeira cisão do julgamento do mérito, já que este, antes da criação do § 62 do art. 273 do CPC, tinha de ser inteiramente julgado na sentença, sendo certo que agora tal julgamento pode ser feito de forma parcelada, julgando-se no curso do processo as parcelas incontroversas do mérito e se reservando para a sentença o julgamento apenas daquilo que tenha se mantido controvertido até o fim. Neste caso, evidentemente, desaparece a vedação, anteriormente anunciada, a que se conceda tutela antecipada de natureza meramente declaratória ou constitutiva, já que tal proibição, como visto, decorre do caráter sumário da cognição e da provisoriedade da antecipação de tutela fundada no caput do art. 273. A tutela antecipada concedida com apoio no § 6a do art. 273, pois, pode ter natureza meramente declaratória, constitutiva ou condenatória.Por fim, é de se registrar a importantíssima inovação decorrente do § 7a do art. 273, também acrescentado pela Lei n2 10.444/2002, que462

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torna fungíveis as tutelas de urgência (antecipada e cautelar). O fato de serem essas duas modalidades de tutela jurisdicional de urgência ontologicamente distintas não significa que não se possa ter um sistema unificado de prestação das mesmas, o que permite a simplificação do processo, evitando-se que por razões de técnica processual se deixe de prestar a tutela jurisdicional adequada. Pelo sistema tradicionalmente adotado no Brasil, a tutela antecipada era sempre prestada no mesmo processo em que se buscava obter a tutela jurisdicional definitiva. Por outro lado, a tutela cautelar exigia, para ser prestada, a instauração de processo autônomo, o processo cautelar. A existência de vias processuais distintas para a obtenção da tutela antecipada e da tutela cautelar só poderia gerar dificuldades. Basta pensar na hipótese de que alguém ajuizasse demanda autônoma, sob o rótulo de cautelar, para pleitear algo que aos olhos do juiz parecesse ter natureza de tutela antecipada. Certamente haveria juizes que, formalistas em demasia, indefeririam a medida pleiteada, determinando à parte que se valesse da via própria para obtenção da tutela jurisdicional. O mesmo poderia ocorrer, mutatis mutandis, quando se requeresse a concessão de tutela antecipada quando adequado fosse ajuizar demanda cautelar autônoma. Com o § 7° do art. 273, porém, a medida cautelar poderá ser deferida no mesmo processo em que se busca a tutela jurisdicional satisfativa. E como fungíveis são os bens jurídicos que podem ser substituídos um pelo outro, indistintamente, deve-se reconhecer que sendo ajuizado processo autônomo para obtenção de tutela de urgência, esta poderá ser concedida tanto nos casos em que tenha natureza cautelar como naqueles em que sua natureza seja de tutela antecipada, satisfativa.97

Em outras palavras, a regra do § 7a do art. 273 proíbe ao juiz indeferir uma medida cautelar sob o fundamento de que ela deveria ter sido requerida em processo autônomo e não incidentemente ao processo em que se busca a tutela satisfativa, bem como proíbe ao juiz o indeferimento de tutela sumária satisfativa sob o fundamento de que esta não deve ser postulada em demanda autônoma, mas incidentemente ao processo de conhecimento. Augura-se que esta regra seja o primeiro passo na formação de uma nova cultura jurídica, que dispense a formação de dois processos (cognitivo e cautelar) para que se obtenha um resultado que pode ser alcançado com um só processo.97 No mesmo sentido, afirmando que nao existe "fungibilidade em uma só mao de direção", Dinamarco, A Reforma da Reforma, p. 92.463

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Capítulo XVI Coisa Julgada§ 1°- Conceito e Natureza JurídicaProferida a sentença, seja ela terminativa ou definitiva, é possível a interposição de recurso, para que outro órgão jurisdicional reexamine o que foi objeto de decisão. O número de recursos em nosso sistema, porém, é limitado. Grande, é certo, mas limitado. Assim é que, num determinado momento, torna-se irrecorrível a decisão judicial, pelo fato de se terem esgotado os recursos previstos no ordenamento. Há ainda que se considerar que há um prazo para a interposição dos recursos previstos e, em não sendo interposto o recurso no prazo previsto, este não poderá, após esgotado aquele lapso de tempo, ser interposto. Nesta hipótese, também se torna irrecorrível a decisão, pelo fato de não se ter interposto o recurso cabível.Tanto numa hipótese como noutra, isto é, tanto no caso de se terem esgotado os recursos porventura admissíveis, como no caso de ter decorrido o prazo sem que o recurso admissível tivesse sido interposto, torna-se irrecorrível a decisão judicial. No momento em que se torna irrecorrível a decisão judicial ocorre seu trânsito em julgado. Surge, assim, a coisa julgada, fenômeno que passamos, agora, a analisar.Como forma preliminar (e, diga-se desde logo, uma forma que se revelará, afinal, insatisfatória), pode-se conceituar a coisa julgada como o faz a Lei de Introdução ao Código Civil, em seu art. 62, § 32, onde se lê que "chama-se coisa julgada ou caso julgado a decisão judicial de que já não caiba recurso".Diversas são as definições do fenômeno encontradas na doutrina. Interessa, aqui, referir a posição defendida por Enrico Tullio Liebman, por ser a posição mais aceita na doutrina brasileira. Assim é que, para aquele jurista italiano, mentor da escola processual brasileira, coisa julgada é "a imutabilidade do comando emergente de uma sentença".1

Liebman, Eficácia e Autoridade da Sentença, trad. bras. de Alfredo Buzaid e Benvindo Aires, Rio de Janeiro: Forense, 3a ed., 1984, p. 54. A teoria de Liebman é defendida, na doutrina brasileira, entre outros, por Amaral Santos, Primeiras Linhas de Direito Processual Civil, vol. III, p. 42; Frederico Marques, Manual de Direito Processual Civil, vol. III, p. 235; Lauria Tucci, Sentença e Coisa Julgada Civil, p. 41.465

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Alexandre Freitas CâmaraConsistiria a coisa julgada, segundo Liebman, na imutabilidade da sentença em sua existência formal, e ainda dos efeitos dela provenientes.2

Por esta teoria, dominante - como já afirmado - entre os proces-sualistas brasileiros, a coisa julgada tornaria imutável a sentença, fazendo com que aquele ato processual se tornasse insuscetível de alteração em sua forma, e faria ainda imutáveis os seus efeitos (todos eles: declaratórios, constitutivos e condenatórios).A coisa julgada, segundo esta doutrina, deve ser considerada em dois aspectos: formal e substancial (ou material). Assim sendo, cha-mar-se-ia coisa julgada formal a imutabilidade da sentença, e coisa julgada material a imutabilidade dos seus efeitos.3 A coisa julgada formal seria, assim, comum a todas as sentenças, enquanto a coisa julgada material só poderia se formar nas sentenças de mérito.4 Poder-se-ia, assim, dizer que todas as sentenças transitam em julgado (coisa julgada formal), mas apenas as sentenças definitivas alcançam a autoridade de coisa julgada (coisa julgada material).Em outros termos, e com base na teoria até aqui exposta, no momento em que a sentença se tornasse irrecorrível, transitando em julgado, tornar-se-ia impossível alterá-la. A esta imutabilidade da sentença chamar-se-ia coisa julgada formal. Tratando-se de sentença definitiva, porém, a esta coisa julgada formal se acresceria ainda a imutabilidade dos efeitos da sentença (declaratórios, constitutivos, condenatórios), e a esta imutabilidade dos efeitos é que se daria o nome de coisa julgada material.A coisa julgada formal seria, assim, um pressuposto lógico da coisa julgada substancial, haja vista que seria impossível a formação desta sem a daquela.5

É preciso, porém, afirmar que esta teoria, embora dominante, não é pacífica, tendo recebido uma série de críticas, formuladas por notáveis processualistas. Assim, por exemplo, há autores que vêem na coisa julgada material a imutabilidade do efeito declaratório da sentença definitiva, entendendo que os outros efeitos (constitutivo e condenatorio) não seriam alcançados por aquela autoridade.6

De outro lado, não podemos deixar de referir outra crítica, ainda mais forte, segundo a qual seria equivocada a afirmação de que a coisa2 Liebman, Eficácia e Autoridade da Sentença, p. 54.3 Liebman, Eficácia e Autoridade da Sentença, p. 60.4 Liebman, Eficácia e Autoridade da Sentença, p. 60.5 Liebman, Eficácia e Autoridade da Sentença, p. 60.6 Assim por exemplo, Ovídio Baptista da Silva, Sentença e Coisa Julgada, pp. 104-106.4fifi

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Lições de Direito Processual Civiljulgada material tornaria imutáveis os efeitos da sentença. Isto porque, segundo os autores que a formularam, os efeitos da sentença podem se alterar a qualquer tempo, mesmo depois da formação da coisa julgada substancial.7 Esta crítica é, em verdade, procedente. Os efeitos da sentença definitiva são, por natureza, mutáveis, e não se destinam a durar para sempre. Basta pensar em algumas hipóteses: o efeito condenatório de uma sentença consiste em abrir caminho para a execução forçada da prestação cujo cumprimento foi imposto ao devedor. Parece óbvio que, após o adimplemento da obrigação (voluntário ou por meio de execução forçada), nada restará daquele efeito. Da mesma forma, pode-se pensar numa sentença constitutiva, como a de divórcio, cujo efeito é fazer desaparecer a relação jurídica de casamento, rompendo o vínculo entre os cônjuges. Nada impede, porém, que os ex-cônjuges voltem a se casar entre si, tornando ao estado de casados, o que torna insubsistente o efeito daquela sentença. Por fim, pense-se numa sentença meramente declaratória, que tenha afirmado a existência de uma relação jurídica, consistindo o efeito declaratório precisamente em conferir certeza oficial a tal existência. Ninguém negaria que a referida relação jurídica poderia deixar de existir, por qualquer motivo, fazendo desaparecer aquela certeza oficial que se revelava como efeito da sentença.Não são, pois, os efeitos da sentença que se tornam imutáveis com a coisa julgada material, mas sim o seu conteúdo (sobre a distinção entre conteúdo e efeitos da sentença, relembre-se o que foi dito no capítulo anterior deste livro). É este conteúdo, ou seja, é o ato judicial consistente na fixação da norma reguladora do caso concreto, que se torna imutável e indiscutível quando da formação da coisa julgada.8 Ainda que desapareçam os efeitos da sentença, não se poderá jamais pôr em dúvida que a sentença revela a norma que se mostrava adequada para a resolução daquela hipótese que fora submetida à cognição judicial. É este conteúdo da sentença que se faz imutável e indiscutível. Não é, pois, a eficácia da sentença que se torna imutável, mas a própria sentença.9

Ainda que se veja na coisa julgada formal a imutabilidade da sentença, e na coisa julgada material a imutabilidade do conteúdo da sentença, não se pode chegar a considerar, como fez Liebman, que aAssim, entre outros, Enrico Allorio, "Naturaleza do Ia Cosa Juzgada", in Problemas de Derecho Procesal, vol. II, p. 163; Barbosa Moreira, "Eficácia da Sentença e Autoridade da Coisa Julgada", in Temas de Direito Processual, Terceira Série, p. 109. Barbosa Moreira, Eficácia da Sentença e Autoridade da Coisa Julgada, pp. 110-112. Allorio, Naturaleza de Ia Cosa Juzgada, p. 163.467

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Alexandre Freitas Câmaradiferença entre os dois fenômenos era de pouca importância.10 Isto porque a coisa julgada formal tem alcance limitado ao próprio processo onde foi proferida a sentença, impedindo que naquele feito se reabra a discussão já encerrada com o esgotamento dos recursos que podiam ser interpostos. A coisa julgada substancial, de outro lado, tem alcance mais amplo, tornando o conteúdo da sentença imutável e indiscutível em qualquer outro processo, sendo certo que não se poderá, ainda que em processo novo, retomar a discussão sobre aquilo que já foi objeto de decisão transitada em julgado. E lícito, porém, afirmar que coisa julgada formal e coisa julgada material são "degraus de um mesmo fenômeno",11 o que nos faz ainda uma vez afirmar que só se torna possível a uma sentença alcançar a autoridade de coisa julgada material se, antes, tiver alcançado a coisa julgada formal. Esta é, portanto, um pressuposto (lógico, e não cronológico, já que sob este último aspecto as duas espécies de coisa julgada se formam no mesmo momento) daquela.Quanto à afirmação de que apenas o conteúdo declaratório é alcançado pela coisa julgada, ficando fora dos limites desta o conteúdo constitutivo e o condenatório, não pode ser aceita. Isto porque também estes dois conteúdos tornam-se imutáveis. Não se pode, repita-se ainda uma vez, confundir o conteúdo da sentença com os seus efeitos. Assim é que, por exemplo, na sentença constitutiva o conteúdo é a modificação da situação jurídica existente (entendendo-se o termo "modificação" no sentido de "ato de modificar"). Já o efeito da sentença constitutiva é a nova situação jurídica, surgida por força da sentença. Assim, por exemplo, numa sentença em "ação de revisão de aluguel", conteúdo da sentença é o ato judicial que determina o novo aluguel a vigorar, e efeito da sentença é o novo valor devido pelo locatário. É certo que este pode ser modificado (inclusive por futura sentença, em nova "ação de revisão de aluguel", ou por acordo entre as partes), mas será imutável e indiscutível que, para aquela situação levada à cognição judicial, deveria o juiz ter determinado a modificação que, efetivamente, se operou. O mesmo pode se dizer, mutatis mu-tandis, para o conteúdo condenatório da sentença. Assim é que todos os elementos componentes do conteúdo da sentença, declaratórios,10 Liebman, Eficácia e Autoridade da Sentença, p. 60.11 Amaral Santos, Primeiras Linhas de Direito Processual Civil, vol. III, p. 43.468

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Lições de Direito Processual Civil

constitutivos ou condenatórios, tornar-se-ão imutáveis e indiscutíveis com a coisa julgada.Pode-se, pois, definir a coisa julgada como a imutabilidade da sentença {coisa julgada formal) e de seu conteúdo (coisa julgada material), quando não mais cabível qualquer recurso.Definido o instituto da coisa julgada, há que se fixar qual é, exatamente, sua natureza. Isto porque se encontra, em doutrina, adesão a diversas posições teóricas, das quais as duas mais conhecidas vêem na coisa julgada um efeito da sentença, ou uma qualidade que a ela adere.12

É de se afirmar que a corrente doutrinária que defende ser a coisa julgada um efeito da sentença encontra-se equivocada. Isto porque, como ensina Barbosa Moreira, a imutabilidade de uma sentença não lhe é "co-natural".13 Quer o ilustre processualista carioca, com esta afirmação, dizer que é possível afirmar a existência de sentenças que em nenhum momento se tornam imutáveis e indiscutíveis. A impossibilidade de modificação da sentença a qualquer tempo, com a previsão de um número limitado de recursos, todos sujeitos a prazos de interposição, e a conseqüente imutabilidade da sentença a partir do momento em que a decisão se torne irrecorrível é uma opção de política legislativa, que surge pelo fato de o ordenamento ser voltado à preservação da segurança jurídica, a qual seria impossível de se alcançar se as questões submetidas ao crivo do Judiciário pudessem ser discutidas ad infinitum.Não foi por outra razão, aliás, que Liebman afirmou que a coisa julgada não é um efeito da sentença, algo que decorra naturalmente dela, mas sim uma qualidade que passa a revesti-la (e a seus efeitos, segundo a concepção daquele eminente processualista) a partir de certo momento.14

Parece-nos, porém, e com a devida vênia aos defensores da posição dominante na doutrina brasileira, que também a tese liebmaniana se revela inadequada. A coisa julgada, é certo, não pode ser tida como12 Afirmando que a coisa julgada é efeito da sentença, entre outros, Ghiovenda, Principü di Dirítto Processuale Civile, p. 901; Celso Neves, Coisa Julgada Civil, São Paulo: RT, 1971, p. 443. De outro lado, vêem na coisa julgada uma qualidade que adere à sentença, entre outros, Liebman, Eficácia e Autoridade da Sentença, p. 54; Lauria Tucci, Sentença e Coisa Julgada Civil, p. 41; Greco Filho, Direito Processual Civil Brasileiro, vol. II, pp. 264-265. Esta última é, diga-se, a posição mais aceita pela doutrina brasileira.13 Barbosa Moreira, Eficácia da Sentença e Autoridade da Coisa Julgada, p. 103.14 Liebman, Eficácia e Autoridade da Sentença, p. 54.469

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Alexandre Freitas Câmaraefeito da sentença. Não é, tampouco, qualidade dela, e isto nos afasta, em definitivo, das principais proposições de Liebman acerca da coisa julgada.A nosso juízo a coisa julgada se revela como uma situação jurídica.15 Isto porque, com o trânsito em julgado da sentença, surge uma nova situação, antes inexistente, que consiste na imutabilidade e indiscuti-bilidade do conteúdo da sentença, e a imutabilidade e a indiscutibi-lidade é que são, em verdade, a autoridade de coisa julgada. Parece-nos, pois, que a coisa julgada é esta nova situação jurídica, antes inexistente, que surge quando a decisão judicial se torna irrecorrível.Podemos, assim, afirmar que a coisa julgada é a situação jurídica consistente na imutabilidade e indiscutibilidade da sentença (coisa julgada formal) e de seu conteúdo (coisa julgada substancial), quando tal provimento jurisdicional não está mais sujeito a qualquer recurso.§ 2e Coisa Julgada Formal e Coisa Julgada MaterialTornamos, neste passo, a tratar dos dois momentos da coisa julgada, os dois "degraus do mesmo fenômeno", o que se faz em razão da importância da distinção. É por esta razão que voltamos a tratar do tema, que já foi mencionado no item anterior deste capítulo.Como já se viu, a imutabilidade e indiscutibilidade da sentença ocorrem a partir do momento em que contra ela não cabe mais qualquer recurso. Este é o momento do trânsito em julgado da sentença. Qualquer que seja esta, tenha ela resolvido ou não o mérito da causa, tornar-se-á imutável e indiscutível. Isto é o que se chama coisa julgada formal.A coisa julgada formal, porém, só é capaz de pôr termo ao processo,16 impedindo que se reabra a discussão acerca do objeto do processo no mesmo feito. A mera existência da coisa julgada formal é incapaz de impedir que tal discussão ressurja em outro processo.15 Machado Guimarães, Estudos de Direito Processual Civil, p. 14; Barbosa Moreira, "Ainda e Sempre a Coisa Julgada", in Direito Processual Civil (Ensaios e Pareceres), pp. 145-146; idem, "Eficácia da Sentença e Autoridade da Coisa Julgada", ob. cit., p. 113.16 Ressalve-se, aqui, a existência de processos que não se encerram com o trânsito em julgado da sentença, como é o caso do que se instaura em razão da propositura de "ação de despejo", onde após a formação da coisa julgada é que ocorrerá, normalmente, o desalijo forçado do imóvel (se isto já não tiver ocorrido quando da execução provisória da sentença). Tais exceções, porém, são estabelecidas por um critério político do legislador, e não infirmam a regra geral.470

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Lições de Direito Processual CivilPor tal motivo, as sentenças definitivas, as quais contêm resolução do objeto do processo (Streitgegenstand, na linguagem dos doutri-nadores alemães), devem alcançar também a coisa julgada material (ou substancial). Esta consiste na imutabilidade e indiscutibilidade do conteúdo (declaratório, constitutivo, condenatório) da sentença de mérito, e produz efeitos para fora do processo. Formada esta, não poderá a mesma matéria ser novamente discutida, em nenhum outro processo.Note-se que, instaurado novo processo cujo objeto já tenha sido apreciado por sentença definitiva que tenha alcançado a autoridade de coisa julgada material, deverá este novo feito ser extinto, sem resolução do mérito, em razão da existência da coisa julgada material (art. 267, V, CPC). A coisa julgada material funciona, pois, como impedimento processual, o que significa dizer que sua existência impede que o juiz exerça cognição sobre o objeto do processo. Trata-se, como se vê, de questão preliminar, que deve ser sempre apreciada (ou seja, deve o juiz, em qualquer processo, de ofício ou mediante provocação, verificar se existe coisa julgada material que impeça a apreciação do mérito da causa e, em existindo tal impedimento processual, proferir sentença terminativa).Pode ocorrer, todavia, que após a formação da coisa julgada material surja novo processo, com objeto distinto do anterior, onde a questão decidida naquele primeiro seja um antecedente lógico do objeto deste segundo feito. Pense-se, por exemplo, num processo onde o juiz tenha proferido sentença, a qual já tenha alcançado a autoridade de coisa julgada material, onde se tenha afirmado que um Fulano é pai de um Beltrano e, agora, este propõe "ação de alimentos" em face daquele, fundando sua pretensão na relação jurídica de filiação existente entre eles. O demandado, porém, alega em sua contestação não ser o pai do autor, e afirma que, por ter este processo objeto distinto do anterior, a questão poderia ser livremente apreciada. Como resolver esta questão? O problema se agrava pelo fato de o art. 301, § 32, do CPC afirmar que há coisa julgada quando se "repete ação" já decidida por sentença contra a qual não caiba mais recurso.Ocorre que o nosso sistema adota, como regra geral, a chamada teoria das três identidades ou teoria do tria eadem. Significa isto dizer que duas demandas são idênticas quando têm as mesmas partes, a mesma causa de pedir e o mesmo objeto.17 Isto significa dizer que,17 Sobre a teoria das três identidades, ou teoria do tria eadem, consulte-se Chiovenda, Instituições de Direito Processual Civil, vol. I, pp. 353-363.471

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Alexandre Freitas Câmaracomo regra geral, a coisa julgada material só implica extinção de processo que se instaure após a sua formação se este novo feito decorrer de demanda idêntica à que levou à instauração do primeiro processo, sendo certo que duas demandas são idênticas quando seus três elementos identificadores (partes, causa de pedir e pedido) são iguais.Ocorre, porém, que a teoria das três identidades não é capaz de explicar todas as hipóteses, servindo, tão-somente, como regra geral. Há casos em que se deve aplicar a "teoria da identidade da relação jurídica", segundo a qual o novo processo deve ser extinto quando a res in iudicium deducta for idêntica à que se deduziu no processo primitivo,18 ainda que haja diferença entre alguns dos elementos identificadores da demanda. Imagine-se a seguinte hipótese: ajuizada demanda em que pretende o autor a declaração (pretende-se, pois, sentença meramente declaratória) da existência de um crédito em seu favor, vê o demandante seu pedido ser rejeitado, por ter sido provado pelo réu que já havia efetuado o pagamento. Após o trânsito em julgado da sentença, propõe o autor (o mesmo autor) nova demanda, em face do mesmo réu, e com base na mesma causa petendi, mas agora pleiteando a condenação do réu ao pagamento do débito. Parece claro que estamos diante de demandas distintas, já que os pedidos formulados são diferentes. Ainda assim, porém, o resultado deste segundo processo será a pro-lação de sentença terminativa, extinguindo o processo sem resolução do mérito, em razão da existência de coisa julgada material revestindo a sentença que declarou a inexistência do crédito. Este resultado, porém, não é alcançado pela utilização da teoria da tríplice identidade, mas sim pela teoria da identidade da relação jurídica.Retorna-se, assim, ao problema proposto. Tendo sido proposta "ação de investigação de paternidade", a sentença, coberta pela autoridade de coisa julgada substancial, declarou que A é pai de B. Posteriormente, pretende A negar esta qualidade, em processo instaurado a partir de "ação de alimentos" proposta por B. A relação jurídica deduzida neste processo é a mesma que se deduziu no anterior, razão pela qual aquela coisa julgada já formada deve ser respeitada, sendo impossível reabrir-se a discussão acerca de ser ou não o réu o pai do autor.Note-se, porém, que nesta questão que ora suscitamos o resultado do segundo processo, obviamente, não será a extinção sem resolução do mérito. O que há de comum entre esta hipótese e a que levantamos18 Cruz e Tucci, A Causa Petendi no Processo Civil, p. 169.472

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Lições de Direito Processual Civilanteriormente, da coisa julgada na "ação declaratória" impedindo a apreciação da demanda condenatória, é que tanto numa hipótese como noutra a coisa julgada deve ser respeitada, fazendo com que se considere imutável e indiscutível o que já foi objeto de decisão por sentença de que não mais caiba recurso.Afirme-se, por fim, que a coisa julgada material tem como efeito impedir qualquer nova apreciação da questão já resolvida,19 e não, como já se chegou a afirmar, obrigar os juizes a decidir sempre no mesmo sentido da decisão transitada em julgado. Além disso, se surgir um processo em que haja uma questão prejudicial que já tenha sido objeto de resolução por sentença transitada em julgado, tal questão não poderá ser discutida no novo processo, cabendo ao juiz, tão-somente, tomar o conteúdo da sentença transitada em julgado como verdade. Assim, por exemplo, numa "ação de despejo" não será possível discutir a existência ou inexistência da locação, se uma sentença anterior, transitada em julgado, declarou existente aquela relação jurídica.

§ 3^ Limites Objetivos da Coisa JulgadaTema que gerou intensa divergência doutrinária, mas que acabou por ser bem resolvido pelo vigente Código de Processo Civil, é o dos limites objetivos da coisa julgada. Trata-se da verificação do alcance da imutabilidade e indiscutibilidade da sentença transitada em julgado, vista em seu aspecto objetivo. Em outras palavras, o que se busca aqui é saber o que transitou em julgado.O CPC inicia a regulamentação da matéria pelo art. 468, segundo o qual "a sentença, que julgar total ou parcialmente a lide, tem força de lei nos limites da lide e das questões decididas". Como se sabe, no sistema do CPC a palavra "lide" é empregada para designar o objeto do processo (Streitgegenstand), ou seja, o mérito da causa. Assim é que, nos termos do art. 468 do CPC, a sentença faz coisa julgada nos limites do objeto do processo, o que significa dizer, nos limites do pedido.20

19 Chiovenda, Instituições de Direito Processual Civil, vol. I, p. 382, onde se lê que com a "exceção de coisa julgada" (rectius, objeção de coisa julgada), se pretende "excluir não só uma decisão contrária à precedente, mas simplesmente uma nova decisão sobre o que já foi julgado".20 Theodoro Júnior, Curso de Direito Processual Civil, vol. I, p. 578.473

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Alexandre Freitas CâmaraEm outros termos, o que não tiver sido objeto do pedido, por não integrar o objeto do processo, não será alcançado pelo manto da coisa julgada. É de se recordar, aqui, que o pedido, para ser adequadamente interpretado, depende fundamentalmente da causa de pedir, que o define e limita. Assim sendo, pode-se utilizar aqui o exemplo empregado por Theodoro Júnior, para que se possa entender melhor a exegese do art. 468 do CPC. Desta forma, se o herdeiro legítimo também contemplado em testamento reivindica a herança apenas invocando a disposição testamentária (uma questão) e perde a demanda, não estará inibido pela res iudicata de propor outra ação baseada na vocação hereditária legítima (outra questão ainda não decidida).É bom lembrar que a expressão coisa julgada vem do latim res iudicata, que se liga a outra expressão naquela língua: res in iudicium deducta. Como já se afirmou uma série de vezes ao longo desta obra, no momento da propositura de uma ação, afirma o demandante em juízo a existência de uma relação jurídica que o une ao demandado. Esta é a res in iudicium deducta. Assim, por exemplo, para ajuizar "ação de despejo", há que se afirmar a existência de uma locação, da mesma forma que para se ajuizar "ação de divórcio" há que se afirmar a existência de um casamento, e numa "ação de cobrança" se irá afirmar a existência de uma relação obrigacional. Uma vez afirmada esta relação jurídica na petição inicial, será ela objeto da atividade cognitiva do juiz, que deverá formar um juízo de valor sobre sua existência ou inexistência. Desta forma, uma vez proferida a decisão, a relação que havia sido deduzida no processo se torna uma relação já julgada. Em outros termos, pode-se dizer que a res iudicata nada mais é do que a res in iudicium deducta depois que foi iudicata.21

Verifica-se, desta forma, que o art. 468 do CPC leva à conclusão (e não poderia ser de outra forma) que apenas aquilo que foi deduzido no processo e, por conseguinte, objeto de cognição judicial, é alcançado pela autoridade de coisa julgada.Completa-se este sistema com o que vem disposto nos arts. 469 e 470 do CPC. Com base nestes dispositivos se pode afirmar que apenas o dispositivo da sentença transita em julgado.22 O relatório, que obviamente não contém qualquer elemento decisório, não transita em21 Chiovenda, "Sulla Cosa Giudicata", in Saggi di Diritto Processuale Civile, vol. II, p. 401.22 Greco Filho, Direito Processual Civil Brasileiro, vol. II, p. 268.474

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Lições de Direito Processual Civiljulgado. Quanto à motivação da sentença, esta não é alcançada pela coisa julgada, como se verifica pela leitura do art. 469 do CPC.23

Pode-se pensar num exemplo capaz de ilustrar o ponto. Imagine-se que um Fulano propõe demanda em face de um Beltrano alegando que sobre o imóvel do réu há uma servidão de caminho em benefício do seu, e que o réu teria construído um muro que impede a utilização da passagem, razão pela qual pede a sua condenação ao pagamento de uma indenização pelos danos causados. O Beltrano contesta afirmando inexistir a referida servidão. O juiz, considerando existir a servidão, e tendo em vista a construção do muro, condena o Beltrano a indenizar o Fulano, tendo a sentença transitado em julgado. Posteriormente, o Beltrano ajuíza em face do Fulano "ação declaratória de inexistência de servidão", pedindo tão-somente que se declare inexistir, sobre seu imóvel, qualquer servidão em benefício do prédio do réu.24 No sistema vigente entre nós, nada impede que se aprecie esta demanda, sendo mesmo possível que se venha a declarar inexistente a servidão, sem que haja qualquer ofensa à coisa julgada. Isto porque, naquele primeiro processo, apenas o dispositivo da sentença transitou em julgado, o que significa dizer que apenas o comando condenatório da sentença, que determinou que o Beltrano indenizasse o Fulano, tornou-se imutável e indiscutível, pouco importando os motivos. Note-se que, ainda que se declare a inexistência da servidão, será impossível se pleitear a repetição do que havia sido pago, uma vez que o dispositivo daquela primeira sentença foi coberto pela autoridade de coisa julgada.Afirme-se, ainda, que a apreciação das questões prejudiciais (que, como já se afirmou, se dá na fundamentação da sentença) não é alcançada pela autoridade de coisa julgada, salvo se tiver havido "ação declaratória incidental" (hipótese em que a apreciação da prejudicial se dará no dispositivo), quando então a resolução desta questão também será alcançada pela autoridade de coisa julgada (art. 470 do CPC), eis que terá também passado a integrar o objeto principal do processo, não mais sendo objeto de apreciação incidenter tantum.25

23 O art. 469 do CPC tem gerado também divergências doutrinárias, sendo certo que alguns autores propõem interpretação diversa da que aqui se dá ao mesmo (e, diga-se, a todo o sistema dos limites objetivos da coisa julgada). Confira-se, para uma interpretação bastante diferente da que aqui se propõe, Ronaldo Cunha Campos, Limites Objetivos da Coisa Julgada, Rio de Janeiro: Aide, 2a ed., 1988, passim.24 Trata-se daquela que os civilistas denominam "ação negatória". Por todos, consulte-se Orlando Gomes, Direitos Reais, Rio de Janeiro: Forense, 9a ed., 1985, p. 288.25 Barbosa Moreira, "Os limites Objetivos da Coisa Julgada no Sistema do Novo Código de Processo Civil", in Temas de Direito Processual, ia Série, p. 94.475

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Alexandre Freitas CâmaraIntegra também o sistema criado pelo CPC para a regulamentação dos limites objetivos da coisa julgada o art. 474 do CPC, segundo o qual "passada em julgado a sentença de mérito, reputar-se-ão deduzidas e repelidas todas as alegações e defesas, que a parte poderia opor assim ao acolhimento como à rejeição do pedido". Trata-se de dispositivo referente à chamada "eficácia preclusiva da coisa julgada". Vale-se a norma, desnecessariamente, da técnica do "julgamento implícito", afirmando que se consideram "deduzidas e repelidas" todas as alegações que poderiam ter sido feitas e não o foram.A existência de "julgamento implícito" nesta hipótese é defendida por respeitável setor da doutrina,26 mas apesar disso não nos parece correto tal posicionamento.Em verdade, o que se quer dizer com o art. 474 é que, uma vez alcançada a sentença definitiva pela autoridade de coisa julgada, tornam-se irrelevantes todas as alegações que poderiam ter sido trazidas a juízo e que não o foram. Isto se dá, diga-se, porque os motivos não transitam em julgado, sendo, pois, irrelevante o caminho trilhado pelo raciocínio do juiz para proferir sua decisão. Apenas o dispositivo da sentença transita em julgado e, por conseqüência, não se poderia permitir que a coisa julgada fosse infirmada toda vez que a parte vencida se lembrasse de alguma alegação que poderia ter feito mas não fez.Basta pensar no réu condenado a pagar uma dívida mas que se esqueceu de, no processo cognitivo, alegar a prescrição. Não será possível, após o trânsito em julgado da sentença condenatória, alegar aquela causa extintiva da obrigação, ainda que com ela se fosse capaz de alterar o resultado final do processo. Isto porque, após o trânsito em julgado da sentença condenatória, aquela alegação tornou-se irrelevante, não mais podendo ser objeto de apreciação judicial.O art. 474 do CPC, como dito, trata da eficácia preclusiva da coisa julgada. Não se pode confundir coisa julgada e preclusão, razão pela qual devemos nos preocupar em analisar, ainda que brevemente, este último conceito. Preclusão é a perda de uma faculdade processual.27 Trata-se de instituto importantíssimo para o desenvolvimento do processo, pois assegura que este não dê passos para atrás, caminhando26 Theodoro Júnior, Curso de Direito Processual Civil, vol. I, p. 582. A teoria do "julgamento implícito" teve um notável opositor em Enrico Allorio, "Crítica de Ia Teoria de Ia Cosa Juzgada Implícita", in Problemas de Derecho Procesal, vol. II, p. 165.27 Chiovenda, Instituições de Direito Processual Civil, vol. I, p. 372.476

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Lições de Direito Processual Civilsempre para a frente, em direção à entrega da prestação jurisdicional. Processo, aliás, vem do latim pro cedere, andar para a frente.Assim é que, ao longo do processo, ocorrem preclusões, com as partes perdendo faculdades, ficando, pois, impedidas de praticar atos processuais. A perda destas faculdades se dá o nome de preclusão.Há três espécies de preclusão: temporal, lógica e consumativa. Ocorre a primeira quando a perda da faculdade processual se dá pelo decurso do prazo dentro do qual o ato deveria ter sido praticado. Assim, por exemplo, decorrido o prazo de quinze dias de que a parte dispõe para apelar contra a sentença, não será mais possível a interposição do recurso. Já a preclusão lógica ocorre pela prática de um ato incompatível com a faculdade que se perde. Por exemplo, o réu que, condenado a pagar uma certa quantia em dinheiro, efetua o pagamento, perde a faculdade de interpor recurso contra a sentença que o condenou. A aceitação da sentença, pois, fez com que o réu perdesse a faculdade de recorrer, e a isto se denomina preclusão lógica. Por fim, ocorre a preclusão consumativa quando a faculdade desaparece por já ter sido exercida. Assim, e.g., aquele que já interpôs recurso contra uma decisão não poderá interpor outro (ou mesmo aditar o já interposto), uma vez que a faculdade de recorrer terá desaparecido por consumação (preclusão consumativa).28Coisa julgada e preclusão não se confundem, embora não se possa negar à coisa julgada uma eficácia preclusiva, ou seja, a aptidão para produzir o efeito de impedir novas discussões sobre aquilo que foi por ela alcançado.29 Significa isto dizer que, formada a coisa julgada, tornadas irrelevantes quaisquer alegações que poderiam ter sido aduzidas pelas partes (mas não o foram), não se pode mais discutir o que ficou decidido, perdendo as partes a faculdade de suscitar tais alegações. Se a sentença tiver alcançado apenas a coisa julgada formal, esta eficácia preclusiva impede novas discussões apenas no processo onde a sentença foi proferida (eficácia preclusiva endopro-cessual), mas se a sentença alcançou também a coisa julgada material, tal eficácia preclusiva impede qualquer nova discussão, em qualquer28 Sobre o estudo da preclusão ainda não se escreveu em nosso país qualquer obra que superasse a de Antônio Alberto Alves Barbosa, Da Preclusão Processual Civil, São Paulo: RT, 2a ed., 1992, passim.29 Sobre a matéria, é de fundamental importância consultar-se o ensaio de Machado Guimarães, "Preclusão, Coisa Julgada, Efeito Preclusivo", in Estudos de Direito Processual Civil, pp. 9-32, esp. p. 15.477

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Alexandre Freitas Câmaraoutro processo, acerca do que já foi coberto pela autoridade de coisa julgada (eficácia preclusiva pan processual).É a esta eficácia preclusiva pan processual da coisa julgada substancial que se refere o art. 474 do CPC, e não exatamente aos seus limites objetivos.30 Por este dispositivo se torna impossível que, em qualquer processo, se torne a discutir o que já ficou decidido e coberto pela autoridade de coisa julgada, mesmo que se queira agora aduzir razões novas, que poderiam ter sido alegadas no processo onde se formou a coisa julgada, mas que não o foram.

§ 4Q Limites Subjetivos da Coisa JulgadaAssim como tem limites objetivos, a coisa julgada tem também limites subjetivos. Trata do tema o art. 472 do CPC, estabelecendo quais são as pessoas atingidas pela coisa julgada. Assim é que, nos termos do referido artigo do Código de Processo Civil, "a sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não beneficiando, nem prejudicando terceiros".Adota-se, pois, no Direito brasileiro, regra conhecida desde o Direito Romano, onde se afirmava que res inter alios iudicata, aliis non praeiudicare.31 Esta limitação do alcance da coisa julgada às partes sempre foi, aliás, defendida pela melhor doutrina.32

Com a regra do art. 472 do CPC se afirma que a coisa julgada faz a sentença imutável e indiscutível entre as partes, mas tal indiscuti-bilidade e imutabilidade não podem atingir terceiros, estranhos ao processo onde aquela autoridade se formou.A importância prática desta regra é facilmente identificável. Pense-se numa sentença transitada em julgado que declara ser um Fulano o proprietário de um determinado bem. O conteúdo declaratório desta sentença é imutável e indiscutível entre o Fulano e um Beltrano (que também foi parte no processo), mas nada impede que um terceiro, Sicrano, também se considerando titular do domínio, ajuíze demanda em face do Fulano a fim de ver declarado ser ele o verdadeiro proprie-30 Barbosa Moreira, "A Eficácia Preclusiva da Coisa Julgada Material no Sistema do Processo Civil Brasileiro", in Temas de Direito Processual, 1& Série, pp. 101-102.31 Este texto encontra-se no Digesto (D. 42, 1, 63), conforme se colhe em Cuenca, Proceso Civil Romano, p. 93.32 Liebman, Eficácia e Autoridade da Sentença, p. 80; Chiovenda, Principií di Diritto Pro-cessuale Civile, p. 921; Carnelutti, Lezioni di Diritto Processuale Civile, vol. IV, pp. 432-433.478

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tário. De nada adiantaria ao Fulano, neste caso, afirmar que uma sentença transitada em julgado já afirmara ser ele o proprietário. A coisa julgada já existente não impede que o Sicrano, que foi terceiro em relação àquele primeiro processo, discuta o ponto.É certo, porém, que a afirmação contida no art. 472 do CPC, segundo o qual a coisa julgada só atinge as partes, não beneficiando nem prejudicando terceiros, embora exata, é incapaz de explicar todos os fenômenos ligados à extensão subjetiva da res iudicata.Há, pois, que se considerar algumas hipóteses especiais, o que se passa a fazer.Em primeiro lugar, tem-se que considerar os limites subjetivos da coisa julgada nas hipóteses de substituição processual, ou seja, naqueles casos em que a parte era um legitimado extraordinário, o qual se encontrava em juízo atuando, em nome próprio, na defesa de interesse alheio, sendo certo que o legitimado ordinário não foi parte do processo (mesmo porque, se tivesse atuado como parte, o legitimado ordinário seria, obviamente, alcançado pela coisa julgada, como se verificaria pela simples leitura do texto do art. 472 do CPC).Não parece haver dúvidas na doutrina de que a coisa julgada que se forma para o substituto processual se forma, também, para o substituído.33 Isto se dá, registre-se, porque o substituído não é verdadeiro terceiro, já que é ele (e não o substituto) o titular do interesse substancial levado a juízo.34

Outra hipótese que merece consideração é a da sucessão (entre vivos ou mortis causa) na relação jurídica deduzida no processo onde se formou a coisa julgada. Não pode haver dúvidas de que a coisa julgada impede nova discussão sobre o que já foi decidido também para o sucessor.35 Assim, por exemplo, se num processo em que foram partes Fulano e Beltrano, a sentença declarara que o primeiro é titular de um determinado direito, não pode Sicrano, filho de Beltrano, pretender, após a morte deste, tornar a discutir aquela mesma questão, alegando que, por não ter sido parte no processo, não estaria atingido pelos limites da coisa julgada.Isto se dá porque o sucessor assume a posição do sucedido na relação jurídica, o que significa dizer que, com a sucessão, passa o33 Liebman, Eficácia e Autoridade da Sentença, p. 97; Dinamarco, Litisconsórcio, p. 190; Oliveira Júnior, Substituição Processual, p. 169.34 Liebman, Eficácia e Autoridade da Sentença, p. 97.35 Liebman, Eficácia e Autoridade da Sentença, pp. 96-97.479

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Alexandre Freitas Câmarasucessor a ocupar todas as posições jurídicas que eram anteriormente ocupadas pelo sucedido, ficando sujeito às mesmas faculdades, ônus, sujeições, obrigações e direitos que este. O sucessor, pois, passa a ocupar a posição que antes era de quem foi parte no processo em que se formou a coisa julgada, o que significa dizer que agora a imutabilidade e indiscutibilidade da sentença alcançam a ele.Outra questão a ser apreciada é a da coisa julgada nas questões de estado. A matéria foi regulada pelo art. 472, in fine, onde se lê que "nas causas relativas ao estado de pessoa, se houverem sido citados no processo, em litisconsórcio necessário, todos os interessados, a sentença produz coisa julgada em relação a terceiros".A mera leitura do art. 472 do CPC parece levar à conclusão de que nas questões de estado a coisa julgada é oponivel erga omnes. Assim, por exemplo, a sentença que decretasse a interdição, após o trânsito em julgado, seria imutável e indiscutível em relação às partes e a terceiros.36

Não nos parece, porém, que esta seja a correta interpretação do disposto na parte final do art. 472 do CPC. Em verdade, esta norma determina a citação, como litisconsortes necessários, de todos os interessados, os quais, sendo citados, tornar-se-ão partes, sendo pois atingidos pela coisa julgada. Em não sendo citado qualquer dos interessados (litisconsortes necessários), a sentença será inutiliter data, ineficaz em relação aos que participaram do processo, bem assim em relação aos que dele não participaram. Fora do processo, como terceiros, ficarão apenas aqueles que não têm interesse jurídico na causa, e que, por isto mesmo, não poderão se insurgir contra a coisa julgada.37 Em verdade, não há aqui nenhuma exceção à regra estabelecida pela primeira parte do mesmo art. 472, sendo certo que a matéria estaria melhor regulada como um parágrafo do art. 47 do CPC, onde se deveria ler algo como "nas questões de estado, formar-se-á o litisconsórcio necessariamente entre todos os interessados".36 Defendem que a hipótese é mesmo de coisa julgada erga omnes, entre outros, Amaral Santos, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. IV, p. 457; Theodoro Júnior, Curso de Direito Processual Civil, vol. I, p. 587.37 Frederico Marques, ManuaJ de Direito Processual Civil, vol. III, pp. 244-245. A solução semelhante chegou o mais notável estudioso da coisa julgada, ao afirmar que "a coisa julgada, em questões de estado, vale erga omnes, com a única exceção daqueles terceiros que tenham interesse e, por conseguinte, legitimação da mesma natureza e proximidade que a das partes" (Liebman, "Limites à Coisa Julgada nas Questões de Estado", in Eficácia e Autoridade da Sentença, p. 211).480

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Lições de Direito Processual CivilVistas estas hipóteses, dignas de atenção especial, retorna-se à regra enunciada no art. 472 do CPC, segundo a qual a coisa julgada só alcança as partes, não beneficiando nem prejudicando terceiros. Sig-nifica esta regra, como já se afirmou, que terceiros não são alcançados pela imutabilidade e indiscutibilidade da sentença, podendo vir a discutir em juízo a questão já resolvida por sentença coberta pela autoridade de coisa julgada. Há que se fazer, porém, uma distinção entre as diversas modalidades de terceiro, a fim de se determinar com precisão quem pode (e quem não pode) infirmar a autoridade de coisa julgada substancial.Assim é que se precisa, antes de mais nada, distinguir entre terceiros juridicamente indiferentes e terceiros juridicamente interessados. Os primeiros dividem-se em terceiros desinteressados (os quais são totalmente estranhos à relação deduzida em juízo) e terceiros com interesse de fato (e.gr., um credor em relação à sentença que condena o devedor a pagar a outro de seus credores uma quantia em dinheiro, sentença esta que irá acarretar a diminuição do patrimônio do devedor, diminuindo a garantia daquele primeiro credor). Estes últimos, por sofrerem prejuízos de fato (mas não de direito) em razão da sentença, são equiparados aos primeiros para os fins que ora examinamos. Afirma-se, pois, que os terceiros juridicamente indiferentes não podem se opor à coisa julgada, por absoluta falta de interesse de agir, requisito essencial à obtenção de um provimento jurisdicional de mérito.Quanto aos terceiros juridicamente interessados, podem estes ser divididos em dois grupos: de um lado, há terceiros cujo interesse jurídico é idêntico aos das partes. Estes podem, obviamente, se insurgir contra a coisa julgada. Basta pensar numa demanda ajuizada por um acionista de uma determinada sociedade anônima, em face desta, onde se pede a anulação de uma assembléia de acionistas. Transitada em julgado a sentença que julgou improcedente o pedido de anulação, nada impede que outro acionista, terceiro em relação àquele processo, mas titular de um interesse jurídico equivalente ao das partes, venha a ajuizar demanda pelo mesmo fundamento, e com idêntico pedido.Há, porém, que se considerar a existência de terceiros com interesse jurídico inferior ao das partes. Estes, embora possam vir a sofrer prejuízo jurídico em razão da sentença, encontram-se em posição de subordinação em relação às partes, o que acarretará algumas conseqüências relevantes. Pense-se, por exemplo, na posição do sublocatário em relação a uma sentença que tenha decretado o despejo, em proces-481

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Alexandre Freitas Câmaraso em que foram partes locador e locatário.38 Embora tenha permanecido como terceiro no processo em que se proferiu a sentença, o sublocatário não poderá atacar a coisa julgada que se formou com a mesma liberdade com que o faz o terceiro cujo interesse jurídico é equivalente ao das partes.Assim é que o terceiro com interesse jurídico subordinado ao das partes só poderá atacar a coisa julgada que eventualmente se forme alegando injustiça da decisão. Deve-se entender por decisão injusta a que contrarie o direito em tese ou a que seja proferida manifestamente contra a prova dos autos. Apenas estas duas causas poderão embasar uma demanda do terceiro titular de interesse jurídico subordinado ao da parte em face do vencedor do processo onde se formou a coisa julgada.Diferem, pois, os terceiros juridicamente interessados em que uns (os que têm interesse equivalente ao das partes) não são em nenhum modo afetados pela coisa julgada, enquanto outros (os que têm interesse subordinado ao das partes) só poderão infirmar a res iudicata alegando injustiça intrínseca da decisão.39

§ 5s A Coisa Julgada nas Sentenças DeterminativasChama-se sentença determinativa aquela que dispõe sobre relação jurídica continuativa, assim entendida toda e qualquer relação jurídica que se protrai no tempo. Exemplos ilustrativos da espécie são as sentenças (sempre de procedência do pedido) proferidas em "ação de alimentos" e em "ação revisional de aluguel".A sentença determinativa, registre-se desde logo, não é uma nova espécie de sentença, formando ao lado das já conhecidas. Esta sentença poderá ser de qualquer uma das espécies conhecidas, sendo certo que, nos exemplos acima figurados, a sentença na "ação de alimentos" é condenatória, enquanto a proferida na "ação revisional de aluguel" é constitutiva.Ocorre que, por regular relações jurídicas de trato sucessivo, cuja atuação se prolonga no tempo, pode a sentença determinativa se38 Referimo-nos, aqui, ao sublocatário consentido, eis que na locação de imóveis urbanos a autorização do locador é essencial para que a sublocação lhe seja oponível.39 Toda a tese aqui esposada acerca das espécies de terceiros e sua relação com a sentença transita em julgado é baseada nas lições de Liebman, Eficácia e Autoridade da Sentença, pp. 145-148.482

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Lições de Direito Processual Civildeparar com modificações nas circunstâncias de fato ou de direito existentes quando de sua prolação. Assim, por exemplo, o condenado a pagar alimentos pode vir a perder todas as suas fontes de renda, desaparecendo assim a possibilidade de prestar (ou, da mesma forma, o credor dos alimentos pode ter um aumento de riqueza, desaparecendo a necessidade de que se lhe preste alimentos), ou o aluguel judicialmente revisto pode vir a se tornar excessivo ou insuficiente.Não se nega, nestes casos, a possibilidade de revisão do que ficou estatuído na sentença, sendo certo que se pode, nos casos figurados, se ajuizar demanda destinada a rever os alimentos ou o aluguel. A questão que aqui se coloca é a de saber se estas sentenças são alcançadas pela coisa julgada (formal e material) e, em caso positivo, qual o fundamento para permitir a alteração de algo que se estabeleceu através de sentença tornada imutável e indiscutível.Não parece haver maiores divergências em doutrina quanto à aptidão destas sentenças para transitarem em julgado, alcançando assim a coisa julgada formal, a despeito do conteúdo do art. 15 da Lei de Alimentos (Lei na 5.478/68).40 É inegável que, num certo momento, se esgotarão as vias recursais, encerrando-se o processo, e tornando-se imutável a sentença ali proferida. Negar a aptidão destas sentenças para o trânsito em julgado, aliás, poderia gerar problemas insolúveis. Basta dizer que se a sentença que condena a prestar alimentos não transitasse em julgado, sua execução não seria, jamais, definitiva, mas sempre provisória.Questão que tem gerado maior controvérsia é a de se saber se tais sentenças são aptas a alcançar a autoridade de coisa julgada substancial. Em outros termos, o que se deseja é saber se as sentenças de-terminativas têm seu conteúdo (declaratório, constitutivo ou conde-natório) tornado imutável e indiscutível. Aderimos, aqui, à posição dominante entre nós, segundo a qual tais sentenças são, também, aptas a alcançar esta situação jurídica.41 Basta figurar um exemplo para40 Afirmam que as sentenças determinativas alcançam a coisa julgada formal, entre outros, Amaral Santos, Primeiras Linhas de Direito Processual Civil, vol. III, p. 56; Fidélis dos Santos, Manual de Direito Processual Civil vol. I, p. 508; Barbosa Moreira, "Eficácia da Sentença e Autoridade da Coisa Julgada", in Temas de Direito Processual, 3^ Série, p. 111.41 Ê dominante a posição aqui defendida. Entre outros, a ela aderem Barbosa Moreira, "Eficácia da Sentença e Autoridade da Coisa Julgada", ob. cit., p. 111; Adroaldo Furtado Fabrício, "A coisa julgada nas ações de alimentos", in RePro 62-10. Em sentido contrário, afirmando que tais sentenças não alcançam a coisa julgada material, Greco Filho, Direito Processual Civil Brasileiro, vol. II, p. 266.483

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Alexandre Freitas Câmarademonstrar a aptidão destas sentenças para alcançar a autoridade de coisa julgada substancial. A propõe, em face de B, "ação de alimentos", sendo o pedido julgado procedente, condenando-se o demandado a pagar ao demandante, a título de prestação alimentícia, uma certa quantia. Após o trânsito em julgado (formal) da sentença, A, considerando insuficiente o valor fixado, propõe nova "ação de alimentos" em face de B, com a mesma causa de pedir da demanda anterior, e formulando idêntico pedido. Esta demanda seria, obviamente, rejeitada sem exame do mérito, o que só se poderia justificar com o fundamento de que a primeira sentença teria alcançado a coisa julgada material, o que impediria qualquer nova discussão sobre a matéria em processo posterior.Não pode, pois, haver dúvidas quanto à aptidão das sentenças determinativas para alcançar a coisa julgada (formal e material). Surge, então, uma questão a resolver: qual o fundamento capaz de autorizar a revisão do que ficou estabelecido naquela sentença, se a mesma foi alcançada pela autoridade de coisa julgada? Este é ponto extremamente controvertido, e que merece a nossa atenção. Não se duvida que as sentenças determinativas alcancem a autoridade de coisa julgada, mas ao mesmo tempo é inegável que tais sentenças, mesmo depois da formação da coisa julgada substancial, podem ser revistas. Qual a razão desta possibilidade de revisão? É o que passamos a examinar.Entende a maior parte da doutrina que as sentenças determinativas podem ser alteradas porque contêm implícita a cláusula rebus sic stantibus A2 Esta, como se sabe, é cláusula ligada à chamada "teoria da impre-visão", elaborada pelos pós-glosadores, através da afirmação de que contractus qui habent tractum sucessivum et dependentiam de futuro, rebus sic stantibus intelliguntur. Significa esta cláusula que nas relações jurídicas continuativas, as quais se protraem no tempo (dependendo, pois, do futuro), pode haver alteração das circunstâncias de fato e de direito que envolveram sua formação, o que permitiria sua revisão.Não recebeu, porém, esta teoria, a adesão de todos os juristas que trataram do tema. Observou-se, com muita argúcia, que todas as sentenças contêm a cláusula rebus sic stantibus, e nem por isso se cogita de sua revisão. As sentenças determinativas, segundo esta outra proposição, poderiam ser revistas em razão de uma especial42 Theodoro Júnior, Curso de Direito Processual Civil, vol. I, p. 587; Amaral Santos, Primeiras Linhas de Direito Processual Civil, vol. III, p. 56; Sérgio Gilberto Porto, Coisa Julgada Civil, Rio de Janeiro: Aide, 1996, p. 98.484

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natureza da relação jurídica deduzida no processo, a qual implicaria uma sentença que conteria, em si própria, a autorização para que se procedesse, no futuro, à sua revisão.43 Afirma-se, aliás, em respeitável sede doutrinária, que o CPC vigente teria optado por esta orientação, uma vez que dispõe, no art. 471, I, que "nenhum juiz decidirá novamente as questões já decididas, relativas à mesma lide, salvo se, tratando-se de relação jurídica continuativa, sobreveio modificação no estado de fato ou de direito; caso em que poderá a parte pedir a revisão do que foi estatuído na sentença".44

Não nos parece, porém, que se haja de recorrer à cláusula rebus sic stantibus, ou a uma especial natureza da relação jurídica in iudicium deducta para se entender a possibilidade de revisão do que ficou estatuído na sentença determinativa (categoria esta, aliás, de cuja existência é possível duvidar). Entendemos que a mera aplicação dos princípios gerais estudados acerca da coisa julgada permite compreender o fenômeno, que em nada difere do que se dá com as "outras" sentenças.Não se pode jamais esquecer que a coisa julgada é a relação deduzida no processo depois de ter sido julgada. Em outros termos, a coisa julgada é a própria res iudicanda depois de ter sido iudicataA5 Não é por outro motivo, aliás, que os juristas portugueses preferem dar ao fenômeno aqui estudado o nome de "caso julgado".46 Esta denominação, aliás, pode ser encontrada também no direito positivo brasileiro (Lei de Introdução ao Código Civil, art. 62, § 3a), e é bastante sugestiva do que seja a coisa julgada: esta consiste, basicamente, no caso submetido a juízo, depois de ter sido definitivamente julgado.Estas idéias nos levam a concluir que - permita-se o truísmo - a coisa julgada só atinge aquilo que foi julgado. Por esta razão, aliás, é que se aplica aqui a teoria da tríplice identidade, segundo a qual duas demandas são idênticas quando têm as mesmas partes, a mesma causa de pedir e o mesmo objeto (art. 301, § 2a, CPC). Esta teoria, registre-se, é aplicável à coisa julgada, sendo a responsável por se identificar os casos em que esta autoridade impede o julgamento de uma demanda trazida a juízo (art. 301, § 3«, in fine).43 Liebman, Eficácia e Autoridade da Sentença, p. 26.44 Ada Pellegrini Grinover, Notas a Liebman, Eficácia e Autoridade da Sentença, p. 35.45 Chiovenda, "Sulia Cosa Ciudicata", ín Saggi di Dirilto Processuale Civile, vol. II, p. 401.46 Por todos, consulte-se João de Castro Mendes, Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil, Lisboa: Ática, 1968, pp. 15-16.485

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Alexandre Freitas CâmaraJá se disse anteriormente que a coisa julgada impede que a mesma demanda torne a ser apreciada pelo Estado-juiz, e só se tem identidade de demandas quando os três elementos identificadores são rigorosamente idênticos. Ocorre que, no caso em tela, a segunda demanda (a de "revisão") não é idêntica à primeira, o que mostra ine-xistir obstáculo à sua apreciação.A "ação de revisão de alimentos", por exemplo, tem causa de pedir e objeto bastante distintos da "ação de alimentos". Trata-se, pois, de demanda nova, inédita, e que por esta razão pode ser livremente apreciada pelo Estado-juiz.47 O mesmo se diga de uma eventual segunda demanda de "revisão", que pode ter o mesmo objeto da primeira, mas terá, necessariamente, causa de pedir diferente daquela.

§ 6s A Coisa Julgada nas Demandas ColetivasO direito positivo brasileiro, como se sabe, regula uma série de remédios destinados à tutela dos interesses metaindividuais (difusos e coletivos), como, e.g., a "ação popular" e a "ação civil pública".48

Além disso, nosso sistema jurídico conhece instrumentos destinados à tutela dos interesses individuais homogêneos, os quais, embora tenham caráter individual, recebem tratamento coletivo. A proteção deste tipo de interesse se dá, por exemplo, através da "ação coletiva para tutela dos interesses dos consumidores ".49A referência aos instrumentos de tutela dos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, numa exposição sobre a coisa julgada, é pertinente na medida em que há, em nosso sistema jurídico, uma série de regras jurídicas destinadas à regulamentação da res iudicata nas demandas coletivas (designação com que se chama, genericamente, a todos os instrumentos de tutela dos interesses anteriormente referidos). Tome-se como exemplos, entre outros, os arts. 18 da47 Compartilham deste entendimento, afirmando ser desnecessário o recurso à cláusula rebus sic stantibus, e vendo na hipótese mera aplicação dos princípios comuns da coisa julgada, entre outros, Furtado Fabrício, A Coisa Julgada nas Ações de Alimentos, pp. 20-21; Barbosa Moreira, "Eficácia da Sentença e Autoridade da Coisa Julgada", in Temas de Direito Processual, Terceira Série, pp. 111-112.48 Sobre a "ação popular", consulte-se Rodolfo de Camargo Mancuso, Ação Popular, São Paulo: RT, 1993, passim; sobre a "ação civil pública", merece referência a obra de José dos Santos Carvalho Filho, Ação Civil Pública - Comentários por Artigo, Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1995, passim.49 Sobre a "ação coletiva", consulte-se Luiz Renato Topan, Ação Coletiva e Adequação da Tutela Jurisdicional, Belo Horizonte: Del Rey, 1993, passim.486

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Lições de Direito Processual CivilLei da "Ação Popular" (Lei 112 4.717/65) e 16 da Lei da "Ação Civil Pública" (Lei na 7.347/85).É o seguinte o sistema previsto para a coisa julgada na "ação popular": a sentença que julgar o pedido procedente fará coisa julgada erga omnes, isto é, alcançará não só o autor da demanda como todos os demais membros da coletividade. O mesmo se dará quando o pedido for julgado improcedente, salvo se esta sentença for proferida por insuficiência de provas, hipótese em que a sentença não alcançará a autoridade de coisa julgada substancial.50 Neste caso, diz a lei, qualquer cidadão (inclusive o mesmo que propôs a primeira demanda) poderá propor "ação popular idêntica", bastando para isto que junte "nova prova".Trata-se, pois, de sistema que prevê a formação da coisa julgada secundum eventum litis, ou seja, a formação da coisa julgada se dará (ou não) conforme o resultado do processo. A coisa julgada secundum eventum litis, embora tenha sido intensamente criticada pela doutrina clássica,51 afigura-se como instrumento essencial à adequada tutela jurisdicional dos interesses difusos e coletivos. Pense-se, por exemplo, numa "ação popular" proposta em conluio entre o demandante e um governante que tivesse praticado um ato ilegal e lesivo ao patrimônio público, na qual o demandante, propositadamente, não apresentasse provas suficientes para demonstrar a veracidade de suas alegações. A sentença que rejeitasse o pedido faria coisa julgada erga omnes, impedindo que qualquer outro membro da coletividade, ainda que de posse de novas provas, atacasse aquele ato. Por esta razão, mostra-se fundamental a utilização do sistema aqui descrito.O sistema da "ação popular" foi empregado, originariamente, também para a "ação civil pública", como se vê pela leitura do disposto no texto original do art. 16 da Lei na 7.347/85.52 Posteriormente, porém, foi editada a Lei n2 9.494/97, que alterou o disposto 110 referido art. 16, tendo o mesmo passado a ter a seguinte redação: "A sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão prolator, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova50 José Carlos Barbosa Moreira, "A Ação Popular do Direito Brasileiro como Instrumento de Tutela Jurisdicional dos Chamados 'Interesses Difusos'", in Temas de Direito Processual, Primeira Série, p. 123.51 Por todos, Liebman, Eficácia e Autoridade da Sentença, pp. 81-82.52 Carvalho Filho, Ação Civil Pública - Comentários por Artigo, pp. 341-343.487

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Alexandre Freitas Câmaraprova". A única inovação do novo texto, como se vê, é a fixação do que se pode denominar limites territoriais da coisa julgada. A sentença na "ação civil pública", como se vê, fará coisa julgada "erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão prolator". O novo texto, porém, revela uma inegável contradição em seus próprios termos: não se pode admitir coisa julgada erga omnes (ou seja, para todos) que não atinja a todos, mas somente àqueles que se encontram em determinados limites territoriais. Esta limitação tem como conseqüência a irrazoabilidade da norma: pense-se numa "ação civil pública" ajuizada pelo Ministério Público de um Estado em que se profere sentença de improcedência do pedido, alcançando-se assim a autoridade de coisa julgada material. Poderá o Ministério Público de outro Estado ajuizar demanda pelo mesmo fundamento e com o mesmo objeto? E no caso de ter sido a demanda ajuizada pelo Ministério Público Federal num determinado Estado, seria possível ao Ministério Público Federal ajuizar novamente a demanda em outro Estado da Federação? Além disso, é de se considerar que os limites territoriais da coisa julgada se ampliarão conforme o número de recursos interpostos. Sendo certo que o julgamento do mérito do recurso substitui a decisão recorrida (art. 512 do CPC), e sendo certo que os limites territoriais da coisa julgada são fixados pela competência territorial do órgão prolator da decisão alcançada pela autoridade de coisa julgada, pode-se ter o seguinte: proferida sentença em "ação civil pública" por um juízo federal da seção judiciária do Rio de Janeiro, sua sentença fará coisa julgada nos limites do Estado do Rio de Janeiro. Havendo apelação contra tal sentença, porém, e sendo ela julgada pelo TRF da 2a Região, o acórdão por este prolatado faria coisa julgada nos Estados do Rio de Janeiro e do Espírito Santo (que compõem a 2a Região). Tendo sido, porém, interposto (e admitido) recurso especial, será este julgado pelo Superior Tribunal de Justiça, que prolatará acórdão capaz de fazer coisa julgada em todo o país. Com isso, ter-se-á uma decisão fazendo coisa julgada para pessoas diversas conforme o órgão que a tenha proferido, tudo isto num mesmo processo. Como facilmente se conclui, tal sistema fere de morte o princípio da razoabilidade das leis, que integra nosso sistema constitucional por força do devido processo legal substancial (como se viu em passagem anterior deste livro). Assim sendo, não se pode admitir outra conclusão que não a que afirme a inconstitucionalidade do novo art. 16 da Lei da Ação Civil Pública. Mantém-se, pois, para a "ação civil pública" o mesmo sistema de coisa488

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Lições de Direito Processual Civiljulgada que fora estabelecido anteriormente, e que é idêntico ao da "ação popular".Há, por fim, que se fazer referência à "ação coletiva", em que se busca a tutela dos interesses dos consumidores, e que tanto se destina à proteção de interesses difusos e coletivos como de interesses individuais homogêneos.O tema de que ora tratamos está regulado no art. 103 do Código de Proteção e Defesa do Consumidor (CDC). Segundo este dispositivo, a sentença fará coisa julgada erga omnes, exceto se for de impro-cedência por insuficiência de provas, quando a demanda versar sobre interesses difusos; ultra partes, limitadamente ao grupo categoria ou classe, salvo se de improcedência por insuficiência de provas, quando versar a demanda sobre interesses coletivos; e erga omnes, apenas nos casos de procedência do pedido, para beneficiar as vítimas e seus sucessores, nas demandas que versarem sobre interesses individuais homogêneos.A "ação coletiva", como se vê, exige algumas considerações, que passamos a fazer.Quanto às "ações coletivas" que visam à tutela de interesses difusos, nenhuma novidade surge, uma vez que se adota aqui o mesmo sistema que para as demais demandas coletivas.No que concerne às "ações coletivas" destinadas a tutelar interesses coletivos, porém, há que se verificar que, pela própria natureza do interesse envolvido, nem todos os membros da coletividade estão ligados à demanda. Assim é que a coisa julgada se fará ultra partes, atingindo não só o demandante e o demandado, mas todos aqueles sujeitos do interesse que se levou a juízo (exceto no caso de sentença de improcedência do pedido por insuficiência de provas, hipótese em que não se forma a coisa julgada material). Pense-se, por exemplo, numa "ação coletiva" destinada a tutelar interesse coletivo dos membros de uma determinada associação. A coisa julgada que venha a se formar atingirá não só a associação, como também seus associados (mas não alcançará a todos os membros da coletividade). Coisa julgada ultra partes, portanto, e não erga omnes.Por fim, há que se considerar as "ações coletivas" destinadas à tutela dos interesses individuais homogêneos. Neste caso, a coisa julgada se forma erga omnes, nos casos de sentença que julgue o pedido procedente, beneficiando-se, assim, a todos os titulares dos interesses (e a seus sucessores). De outro lado, a sentença de improcedência do pedido (seja ou não por insuficiência de provas) alcança a autoridade489

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Alexandre Freitas Câmarade coisa julgada substancial, mas para atingir somente as partes do processo em que se formou, não podendo prejudicar os terceiros que não tenham participado, como litisconsortes, do processo.Nesta última hipótese, o que se tem é a adoção do sistema tradicional para as sentenças de improcedência do pedido, com a coisa julgada se formando apenas inter partes, e a adoção de um sistema de coisa julgada erga omnes para as sentenças de procedência, o que nos leva a concluir que a extensão da coisa julgada erga omnes se dará, nestas situações, secundum eventum litis.53

Verifica-se, assim, que nas demandas destinadas a proteger interesses individuais homogêneos, a prolação de sentença de improcedência do pedido não impede que terceiros, que não tenham integrado a relação processual, ajuízem demandas individuais para tutela de seus interesses (que, como dito, são individuais, embora tenham recebido "tratamento coletivo"). A sentença da "ação coletiva", pois, é capaz de beneficiar, mas nunca de prejudicar, aqueles que não integraram a relação processual onde a mesma tenha sido proferida.E de se notar, por fim, que a única diferença entre o sistema da coisa julgada tradicional, regido pelo Código de Processo Civil, e o sistema das demandas coletivas, encontra-se na previsão de formação da coisa julgada secundum eventum lítis. Não há, na extensão erga omnes ou ultra partes da coisa julgada, qualquer exceção aos princípios gerais. Isto porque, como se sabe, nas demandas coletivas ocorre substituição processual, com o demandante tutelando em juízo interesses que não lhe são próprios. Ora, sabe-se que a coisa julgada que se forma para o substituto processual atinge também o substituído, o que explica a extensão subjetiva da coisa julgada nas hipóteses aqui examinadas.

§ 7° A Coisa Julgada no Mandado de SegurançaO fenômeno da coisa julgada não adquire, em princípio, nenhuma característica especial quando incide sobre sentença proferida em mandado de segurança. Este, como se sabe, é um processo de conhecimento como outro qualquer, sendo certo, portanto, que os princípios já53 Grinover, in Grinover et alii, Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores do Anteprojeto, pp. 591-592.490

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Lições de Direito Processual Civilestudados acerca da coisa julgada incidem aqui, via de regra, sem nenhuma diferença.E de se referir, porém, que no mandado de segurança coletivo incidem as regras referidas anteriormente a respeito da coisa julgada nas demandas coletivas.54

A única questão a merecer alguma atenção no que concerne à coisa julgada no mandado de segurança é a que vem do enunciado na 304 da Súmula da Jurisprudência Predominante do Supremo Tribunal Federal, cujo teor é o seguinte: "Decisão denegatória de mandado de segurança, não fazendo coisa julgada contra o impetrante, não impede o uso da ação própria".Tal enunciado se liga, diretamente, ao disposto aos arts. 15 e 16 da Lei do Mandado de Segurança (Lei n° 1.533/51), segundo os quais "a decisão do mandado de segurança não impedirá que o requerente, por ação própria, pleiteie os seus direitos e os respectivos efeitos patrimoniais" (art. 15), e "o pedido de mandado de segurança poderá ser renovado se a decisão denegatória não lhe houver apreciado o mérito" (art. 16).Quanto à regra do art. 16, nenhuma novidade, já que a sentença que não contém resolução do mérito, meramente terminativa, não alcança a autoridade de coisa julgada substancial, sendo incapaz de impedir nova propositura da mesma demanda. No que se refere ao disposto no art. 15 da lei, porém, há que se tecer algumas considerações, a fim de se compreender a formação da coisa julgada na sentença de mérito no mandado de segurança.Não pode haver dúvidas, em primeiro lugar, que a sentença que concede a segurança (rectius, julga procedente o pedido no mandado de segurança) é apta a alcançar a autoridade de coisa julgada.55 Tal se dá, aliás, porque as regras sobre a coisa julgada incidem, em princípio (e como já afirmado) sobre a sentença proferida em mandado de segurança.Quanto à sentença que denega a segurança, há que se ter em conta que a mesma pode ser de várias espécies. Isto porque a nomenclatura "denegação da segurança" é equívoca, razão pela qual, aliás, deveria deixar de ser empregada, optando-se pelo uso da terminologia corrente para as sentenças em geral, onde se fala em54 José Joaquim Calmon de Passos, Mandado de Segurança Coletivo, Mandado de Injunçao, Habeas Data: Constituição e Processo, Rio de Janeiro: Forense, 1991, pp. 69-70.55 Alfredo Buzaid, Do Mandado de Segurança, vol. I, p. 252.491

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Alexandre Freitas Câmaraimprocedência do pedido e em "extinção do processo sem resolução do mérito".56Assim é que, em primeiro lugar, deve-se considerar a existência de sentenças em que a segurança é denegada por ter faltado algum requisito essencial à apreciação do mérito (e.g., alguma "condição da ação"). Neste caso, como parece elementar, a sentença, terminativa que é, não alcança a autoridade de coisa julgada material, nada impedindo que a demanda seja novamente ajuizada.Há que se considerar, porém, a possibilidade de a sentença ter denegado a segurança por considerar inexistente o direito afirmado pelo autor (sentença de improcedência do pedido). Neste caso não pode haver dúvidas de que a coisa julgada material irá se formar, tendo em vista que a sentença é definitiva, e terá declarado a inexistência do direito, devendo este seu conteúdo tornar-se imutável.57

Problema surgirá, porém, quando a sentença se limite a afirmar que o impetrante não tèm "direito líquido e certo". Esta, como se sabe, é a denominação oficial da posição jurídica de vantagem que se tutela através do mandado de segurança, e que costuma ser definida como "direito comprovado de plano".58

Sobre o tema já se manifestaram diversas vozes respeitáveis na doutrina brasileira, sendo possível encontrar, por exemplo, quem sustente que tal sentença, que afirma inexistir "direito líquido e certo" (note-se: a sentença não diz, nesta hipótese, que não há direito, mas tão-somente que inexiste "direito líquido e certo"), é, em verdade, sentença terminativa, que não contém resolução do mérito, por reco-nhecer a ausência de uma "condição da ação".59 Há, também, quem se limite a afirmar a inexistência, na hipótese, de coisa julgada material, sem, no entanto, afirmar as razões de seu convencimento.60

5657585960

Pelo abandono da nomenclatura aqui criticada pronunciou-se Hélcio Alves deAssumpção, "Mandado de Segurança: A Comprovação dos Fatos como PressupostoEspecífico de Admissibilidade do Wiit", in Revista do Ministério Público, vol. I, n- 2, Riode Janeiro, 1995, p. 43.Assumpção, "Mandado de Segurança: A Comprovação dos Fatos como PressupostoEspecífico de Admissibilidade do Writ", ob. cit., p. 42; Lúcia Valle Figueiredo, Mandadode Segurança, São Paulo: Malheiros, 1996, pp. 175-176.Hely Lopes Meirelles, Mandado de Segurança, Ação Popular, Ação Civil Pública,Mandado de Injunção, "Habeas Data", São Paulo: RT, 13a ed., 1989, p. 14.Assumpção, "Mandado de Segurança: A Comprovação dos Fatos como PressupostoEspecífico de Admissibilidade do Writ", ob. cit., p. 42; Figueiredo, Mandado deSegurança, ob. cit., p. 176 (esp. nota de rodapé n- 6).Meirelles, Mandado de Segurança, Ação Popular, Ação Civil Pública, Mandado deInjunção, "Habeas Data", p. 75.492

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Lições de Direito Processual CivilEsta não é, a nosso juízo (e data venia dos que a defendem) a melhor posição. Entendemos que a expressão "direito líquido e certo" é indivisível, não se podendo cindi-la, como fazem alguns, para entender que a palavra "direito" diz respeito ao mérito, enquanto a "liquidez e certeza" se enquadraria nas "condições da ação". Isto porque a categoria "direito líquido e certo" é eminentemente processual, significando, como dito, direito que decorre de fatos comprováveis de plano, através de prova exclusivamente documental A existência do "direito líquido e certo" não é exigida para que se possa apreciar o mérito da causa no mandado de segurança, como se verifica pelo seguinte exemplo: um Fulano impetra mandado de segurança contra uma portaria de Ministro de Estado que determinou a liquidação de empresa de que era diretor, além de pôr em indisponibilidade os bens que compõem seu patrimônio. A sentença, porém, "denega a segurança", afirmando que o ato impugnado foi praticado sem qualquer ilegalidade ou abuso de poder. Ora, se inexiste no caso qualquer direito, não se pode afirmar a existência de "direito líquido e certo". Não há, no caso, nem "direito líquido e certo", nem "direito ilíquido", ou "direito incerto". Simplesmente não há direito subjetivo. Ainda assim, porém, havia direito à obtenção de um provimento de mérito, o que demonstra a presença de todas as "condições da ação". O "direito líquido e certo" não pode, portanto, ser considerado como elemento estranho ao mérito.A sentença que afirma a inexistência de "direito líquido e certo" (mas não a inexistência do direito substancial) é sentença de mérito e, por esta razão, alcança a autoridade de coisa julgada substancial. Apenas seu conteúdo, porém, é que se torna imutável, e o conteúdo da sentença, na hipótese, limita-se a declarar a inexistência de "direito líquido e certo". Fica, pois, o autor, impedido de novamente impetrar mandado de segurança (contra a mesma autoridade, pela mesma causa de pedir e com o mesmo objeto), mas nada impede que vá às "vias ordinárias". Não existe obstáculo à propositura de nova demanda, com os mesmos elementos identificadores, mas por outra via que não a especialíssima do mandado de segurança, pela simples razão de que a coisa julgada tornou imutável e indiscutível, tão-somente, a inexistência de "direito líquido e certo", mas não a inexistência do direito substancial, o qual poderá, assim, ser deduzido em juízo em processo que permita uma maior dilação probatória.61

61 No sentido do texto, Emane Fidélis dos Santos, "Mandado de Segurança Individual e Coletivo (legitimação e interesse)", in Mandado de Segurança e Mandado de Injunção, coord. Sálvio de Figueiredo Teixeira, São Paulo: Saraiva, 1990, pp. 127-128.493

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Alexandre Freitas CâmaraEquivocada, pois, a Súmula 304 do STF, por considerar possível a prolação de sentença de mérito que não alcança a autoridade de coisa julgada no mandado de segurança, quando é de se considerar que todas as sentenças de mérito (salvo as de improcedência por insuficiência de provas proferidas em demanda coletiva) alcançam aquela situação jurídica de imutabilidade e indiscutibilidade do que ficou decidido.Verifica-se, assim, inexistir qualquer diferença entre o sistema da coisa julgada no mandado de segurança individual e o sistema comum, regulado pelo Código de Processo Civil.494

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índice RemissivoABANDONO DO PROCESSO Conceito - p. 297ABUSO DO DIREITO De ação - p. 118 De defesa - pp. 88, 279, 458AÇÃOA todo direito corresponde uma ação que o assegura - pp. 48, 114Classificação - p. 131Composição da trilogia estrutural do Direito Processual - pp. 11, 59Conceito - p. 118Condições da ação ou requisitos do provimento final - p. 122Interesse de agir - p. 125Legitimidade das partes - p. 123Possibilidade jurídica - p. 127 Desistência indireta da ação - p. 298Fixação da competência no momento da sua propositura - p. 97 Outorga do cônjuge/companheiro para propositura - p. 29 Propositura - p. 283 Teorias sobre a ação - p. 113AÇÃO CAUTELAR Conceito - p. 132AÇÃO CIVIL COLETIVA Coisa julgada - p. 489 Proteção de interesses coletivos ou difusos - p. 37AÇÃO CIVIL PÚBLICACoisa julgada - pp. 486, 489Ministério Público - p. 219Proteção de interesses coletivos ou difusos - p. 37515

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Alexandre Freitas CâmaraAÇÃO CONSTITUTIVA NECESSÁRIA Conceito -p. 126AÇÃO DE ALIMENTOSCompetência fixada por foro privilegiado - p. 100AÇÃO DE ANULAÇÃO DE CASAMENTOCompetência fixada por foro privilegiado - p. 101AÇÃO DE CONHECIMENTO Conceito - p. 131AÇÃO DE CONVERSÃO DE SEPARAÇÃO EM DIVÓRCIO Competência fixada por foro privilegiado - p. 101AÇÃO DE DIVISÃO E DEMARCAÇÃO DE TERRAS Competência do foro da situação da coisa - p. 100AÇÃO DE EXECUÇÃO Conceituação - p. 131AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE Ministério Público - p. 219 Revelia - p. 51AÇÃO DE NUNCIAÇÃO DE OBRA NOVACompetência do foro da situação da coisa - p. 100AÇÃO DE OPOSIÇÃO Conceito -p. 191AÇÃO DE REGRESSO Conceito - p. 200AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOCompetência fixada por foro privilegiado - p. 100AÇÃO DE SEPARAÇÃOCompetência fixada por foro privilegiado - p. 100516

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Lições de Direito Processual CivilAÇÃO DE SUBSTITUIÇÃO DE COMPROMISSO ARBITRAL Conceito - p. 302AÇÃO DECLARATÓRIA IncidentalConceito - p. 353De arguição de falsidade - p. 419 No procedimento sumário - pp. 184, 390 NegativaConceito - p. 117Inversão do ônus da prova - pp. 403-404AÇÃO INTRANSMISSIVELExtinção do processo - p. 304AÇÃO MONITORIAUtilização do direito italiano para interpretação de normas - p. 27AÇÃO POPULARCoisa julgada - p. 486Ministério Público - p. 221Proteção de interesses coletivos ou difusos - pp. 37, 486AÇÃO POSSESSÓRIAAntecipação de tutela - p. 452Competência do foro da situação da coisa - p. 100AÇÃO REGRESSIVA Conceito - p. 200AÇÃO RESCISÓRIAAção autônoma de impugnaçao da sentença - p. 257 Prazo para ajuizamento - p. 147 Pela Fazenda Pública - p. 41AÇÃO UNIVERSAL Conceito - p. 322ACESSO À JUSTIÇA Arbitragem - p. 39517

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Alexandre Freitas CâmaraAssistência Judiciária gratuita - p. 36Conciliação - p. 39Evolução - p. 35Garantia constitucional - p. 48Informalidade no procedimento - p. 38Interesses difusos e coletivos - p. 37Mediação - p. 39Novo enfoque - p. 38Princípio da mafastabilidade do controle jurisdicional - p. 46Reforma do judiciário - p. 38Sucedâneos da jurisdição - p. 39Três ondas de acesso à justiça - p. 35ACESSO À ORDEM JURÍDICA JUSTA Conceito - p. 34ADMINISTRADORAuxiliar da Justiça - p. 150 Funções - p. 151ADVOCACIA GERAL DA UNIÃODefesa dos interesses da União - p. 161ADVOGADOCapacidade postulatória - p. 161Direitos - p. 164Essencialidade à administração da justiça - p. 161Indicação de endereço na petição inicial - p. 320Óbito - p. 289Representação da parte em juízo - p. 161AMPLA DEFESAAssegurada nos processos judiciais e administrativos - p. 50ANTECIPAÇÃO DE TUTELA JURISDICIONAL Conceito - pp. 87, 453 Distinção da tutela cautelar - p. 456 Legitimidade para o requerimento - p. 453 Requisitos para a concessão - p. 453 Vedação da concessão ex officio - p. 453518

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Lições de Direito Processual CivilANULABILIDADEDo ato processual - p. 255ARBITRAGEMEspecialização, sigilo e celeridade - p. 39 Extinção do processo pela sua convenção - p. 302 Meio paraestatal de solução de conflitos - p. 38ARGUIÇÃO DE FALSIDADE Conceito - p. 419ARRENDAMENTO RURALCabimento do procedimento sumário - p. 318ASSISTÊNCIACabimento - p. 185Espécies - p. 186Modalidade de intervenção de terceiro - p. 185Prazos - p. 187ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIAEtapa de acesso à justiça - p. 35Extrajudicial - p. 39Integral e gratuita, como garantia constitucional - p. 36ASSISTÊNCIA LITISCONSORCIAL Conceito - p. 186ATO(S)Administrativos - p. 65Do processo e atos processuais - p. 241Judiciais - p. 65JurídicoConceito - p. 239 Processual(is) - p. 239 Cartas - p. 259 Citação - p. 245Essencialidade da validade - p. 260 No processo de execução - p. 259 Classificação - p. 242519

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Alexandre Freitas CâmaraComunicação - p. 259Conceito - p. 241Convalidação da invalidade - p. 256Documentação - p. 248Existência, validade e eficácia - p. 251Fato, ato e negócio jurídicos - p. 239Fax - p. 249Forma - p. 245Horário de prática de ato processual - p. 246Ineficaz - p. 257Inexistente - p. 252Instrumentalidade - p. 248Inválido - 253Aptidão de produção de efeitos - p. 257Princípio do prejuízo - p. 255 Liberdade da forma - p. 247 Lugar - p. 247 Modo - p. 247 Prazos - p. 246 Princípios - p. 247Sujeitos a termo ou condição - p. 258 Tempo - p. 246 Transmissão de dados e imagens - p. 249AUDIÊNCIAProcedimento ordinárioAudiência de instrução e julgamento - p. 373Audiência preliminar - p. 362 Procedimento sumárioAudiência de conciliação - p. 283Audiência de instrução e julgamento - p. 389AUTOTUTELA Vedação - p. 66AUXILIAR(ES) DA JUSTIÇAAtos processuais - p. (tirei, não consegui localizar) Funções - p. 151520

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1Lições de Direito Processual CivilBENEFÍCIO DE PRAZO Conceito - p. 41CAPACIDADE PostulatóriaConceito - p. 161 Exclusiva do advogado - p. 161Perda, não acarreta a suspensão do processo - p. 289 ProcessualPerda, suspensão do processo - p. 288 Pressuposto processual de existência - p. 233 Pressuposto processual de validade - p. 236"CARÊNCIA DE AÇÃO"Ausência de "condição da ação" - p. 123CARTASDe ordem - p. 266 Precatória - p. 266 Rogatória — p. 266CAUSA DE PEDIRElemento identificador da demanda - p. 234CERTEZADiferença de convicção - p. 396CHAMAMENTO AO PROCESSOModalidade de intervenção de terceiro - p. 212CITAÇÃOCom hora certa - p. 264De litisconsorte necessário - p. 262De pessoas jurídicas - p. 264De terceiro interveniente - p. 260Efeitos da citação válida - p. 263Essencialidade de validade - p. 260Ficta - p. 263Lugar - p. 262No processo de execução - p. 259521

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Alexandre Freitas CâmaraPor edital - p. 264Por oficial de justiça - p. 264Por via postal - p. 263Prazos - p. 263Procedimento ordinário - p. 383Procedimento sumário - p. 383Real - p. 263COGNIÇÃOConceito — p. 271 Espécies - p. 271 Objeto-p. 271COISA JULGADACoisa julgada formal - p. 470Coisa julgada material - p. 470Conceito - p. 465Limites objetivos da coisa julgada - p. 473Limites subjetivos da coisa julgada - p. 478Nas demandas coletivas - p. 486Nas sentenças determinativas - p. 482Natureza jurídica - p. 465No mandado de segurança - p. 490COMPETÊNCIACausas da modificação da competência - p. 104Como pressuposto processual de validade - p. 235Conceito - p. 95Conflito de competência - p. 110Declaração de incompetência - p. 108Fixação - p. 44Critérios de fixação - p. 96 IncompetênciaAbsoluta - p. 102Relativa - p. 102 Legislativa sobre Direito Processual - p. 18COMUNICAÇÃO DOS ATOS PROCESSUAIS Citação-p. 259Com hora certa - p. 264522

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Lições de Direito Processual CivilConceito - p. 259De litisconsorte necessário - p. 269De pessoas jurídicas - p. 264De terceiro interveniente - p. 260Efeitos da citação válida - p. 263Essencialidade de validade - p. 260Ficta - p. 263Lugar - p. 262No processo de execução - p. 259Por edital - p. 264Por oficial de justiça - p. 264Por via postal - p. 263Prazos - p. 263Procedimento ordinário - p. 383Procedimento sumário - p. 383Real - p. 263 CartasDe ordem-p. 266Precatória - p. 266Rogatória - p. 266 ultimação - p. 259Conceito - p. 266Contagem de prazo - pp. 247, 266Do Ministério Público -p. 266Regras referentes à citação - p. 266CONFISSÃOConseqüências da confissão feita por um litisconsorte - p. 182CONFLITOEntre tratado internacional e lei interna - p. 19CONTESTAÇÃO Conceito -p. 331 Princípio da eventualidade - p. 331CONTRADITÓRIOApós a prolação da decisão - p. 54Assegurado nos processos judiciais e administrativos - p. 50Em ação de investigação de paternidade - p. 51523

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Alexandre Freitas CâmaraNo processo de execução - p. 51 No processo penal - p. 51 Princípio do contraditório - p. 49CONTROLE JURISDICIONALLeis que vedam a concessão de liminares - p. 47Princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional - p. 46CONTROVÉRSIA(S)Desformalização - p. 38CONVICÇÃODiferença de certeza - p. 396CORREIO ELETRÔNICOPossibilidade de interposição de petição - p. 249COSTUMEConceito - p. 20CURADOR ESPECIALContestação por negação geral - p. 337DECISÃO(ÕES) JUDICIAL(IS)Desprovida de fundamentação - p. 55 Mal fundamentadas - p. 56DECLARAÇÃO INCIDENTEInadmissibilidade no procedimento sumário - p. 390 No procedimento ordinário - p. 354DEMANDAConceito - pp. 233, 319 Elementos identificadoresCausa de pedir - p. 234Partes - p. 234Pedido - p. 234 Regularidade formal da demandaPressuposto processual de existência - p. 324Pressuposto processual de validade - p. 328524

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Lições de Direito Processual CivilDENUNCIAÇÃO DA LIDEModalidade de intervenção de terceiro - p. 199DESFORMALIZAÇÃO DAS CONTROVÉRSIAS Objetivo - p. 38DEVIDO PROCESSO LEGAL Acesso à Justiça — p. 34 Assistência judiciária gratuita - p. 35 Como princípio geral de Direito Processual - p. 16 Conceito - p. 31Informalidade no procedimento - p. 38 Interesses coletivos ou difusos - p. 36 Reforma do Judiciário - p. 38 Sucedâneos da jurisdição - p. 39DIREITO ALTERNATIVOTransformação da jurisdição de equidade em regra geral - p. 76DIREITO CONSTITUCIONAL PROCESSUAL Conceito - p. 16DIREITO JUDICIÁRIO Denominação - p. 6DIREITO JURISDICIONAL Denominação - p. 6DIREITO PROBATÓRIO Regulamentação - p. 397 Teoria geral das provas - p. 395DIREITO PROCESSUALAfirmação da sua autonomia científica - p. 7Civil - p. 15Competência legislativa - p. 18Conceito - p. 3Constitucional - p. 16Denominação - p. 5"Direito adjetivo" - p. 8525

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Alexandre Freitas CâmaraEvolução científicaFase científica - p. 9Fase imanentista - p. 8Fase instrumentalista - p. 9 Fontes - p. 15Integração da lei processual - p. 30 Interpretação da lei processual - p. 23Método comparativo - p. 26Método histórico - p. 25Método literal ou gramatical - p. 23Método lógico-sistemático - p. 24Método teleológico - p. 27ResultadosAb-rogante - p. 29 Declarativo - p. 28 Extensivo - p. 28 Restritivo - p. 28 Posição enciclopédica - p. 7 Princípios constitucionais - p. 31Da mafastabüidade do controle jurisdicional - p. 46Da isonomia - p. 40Da motivação das decisões judiciais - p. 55Do contraditório - p. 49Do devido processo legal - p. 31Do juiz natural - p. 43 Ramo do direito público - p. 7 Ramos - p. 11 Teoria Geral - p. 11 Trilogia estrutural - pp. 11, 59DIREITO PROCESSUAL CIVIL Fontes - p. 15Integração da lei processual - p. 30 Interpretação da lei processual - p. 23Método comparativo - p. 26Método histórico - p. 25Método literal ou gramatical - p. 23Método lógico-sistemático - p. 24Método teleológico - p. 27

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TLições de Direito Processual CivilResultadosAb-rogante - p. 29 Declarativo - p. 28 Extensivo - p. 28 Restritivo - p. 28DIREITO PROCESSUAL CONSTITUCIONAL Conceito - p. 16 Mandado de Injunção - p. 16 Mandado de Segurança - p. 16 Recurso Extraordinário - p. 16DIREITO PÚBLICOREITO PUBLICO Posição enciclopédica do Direito Processual - p. 7DOCUMENTOArgüição de falsidade - p. 419Natureza do provimento judicial que declara autenticidade oufalsidade - p. 420 Conceito - p. 418 Público - p. 418DOUTRINAConceito - p. 21E-MAIL\4AILPossibilidade de interposição de petição - p. 249EMBARGOS DO EXECUTADOPrazo para oferecimento pela Fazenda Pública - p. 41EQÜIDADEAplicabilidade - p. 75ESCUTA TELEFÔNICAComo meio de prova - p. 408ESPECIFICAÇÃO DE PROVAS Conceito - p. 350527

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Alexandre Freitas CâmaraESTADODemocrático de Direito - pp. 64, 76 Funções do Estado e função jurisdicional - p. 63 DistinçãoEntre a função jurisdicional e a administrativa - p. 65 Entre os atos administrativos e judiciais - p. 65EXCEÇÃOConceito - p. 345 Instrução - p. 347EXPEDIENTE FORENSE Horário - p. 246FATOJurídicoConceito - p. 239 ProcessualConceito - p. 240FAXPossibilidade de interposição de petição - p. 249FAZENDA PÚBLICABenefício de prazo - p. 41Prazo para ajuizamento de ação rescisória - p. 41Prazo no procedimento sumário - p. 385Prazo para oferecimento de embargos do executado - p. 41FONTE(S)Do Direito Processual Civil EspéciesFormais - p. 15 Materiais - p. 20 Conceito - p. 15FORO PRIVILEGIADO Hipóteses - p. 100528

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Lições de Direito Processual Civil"GRAMPO"Como meio de prova - p. 408GRATUIDADE DA JUSTIÇA Aos hipossuficientes - p. 35GRAVAÇÕESComo meio de prova - p. 409HIERARQUIADas normas jurídicas - p. 16Conflito entre tratado internacional e lei interna - p. 19 Inexistência de supremacia hierárquica entre lei complementar e lei ordinária - p. 17IMPUGNAÇÃO DO VALOR DA CAUSA Oferecimento - p. 347INAUDITA ALTERA PARTEAdmissibilidade nos casos periculum in mora - p. 54INCAPAZIntervenção obrigatória do Ministério Público - p. 42INCOMPETÊNCIADeclaração de incompetência - p. 108 EspéciesAbsoluta - p. 102Relativa - p. 102INSPEÇÃO JUDICIAL Conceito - p. 427Exclusão implica em restrição ao direito à prova - p. 407 Momento para realização - p. 411INTIMAÇÃOConceito - p. 266 Contagem de prazo - pp. 247, 266 Espécie de comunicação - p. 259 Do Ministério Público - p. 266 Regras referentes à citação - p. 266529

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Alexandre Freitas CâmaraINSTRUÇÃO PROBATÓRIANo procedimento ordinário - p. 373 No procedimento sumário - p. 389INTEGRAÇÃODa Lei Processual Conceito - p. 30INTERESSE DE AGIR Conceito - p. 125INTERPRETAÇÃO Da Lei ProcessualMétodo comparativo - p. 26 Método literal ou gramatical- p. 23 Método lógico-sistemático - p. 24 Método histórico - p. 25 Método teleológico - p. 27Resultado ab-rogante - p. 29 Resultado declarativo - p. 28 Resultado extensivo - p. 28 Resultado restritivo - p. 28INTERVENÇÃO DE TERCEIROS No procedimento ordinárioAssistência - p. 185Chamamento ao processo — p. 212Denunciação da lide - p. 199Nomeação a autoria - p. 193Oposição - p. 189Recurso de terceiro - p. 216 No procedimento sumário - p. 391INVESTIDURA DO ÓRGÃO NA JURISDIÇÃO Pressuposto processual de validade - p. 233JUIZ NATURALPrincípio do juiz natural - p. 43530

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Lições de Direito Processual CivilJUIZADO(S) DE PEQUENAS CAUSASCompetência concorrente dos Estados e Distrito Federal para legislar sobre processo- pp. 18, 19JULGAMENTO CONFORME O ESTADO DO PROCESSO Audiência preliminar e saneamento do processo - p. 362 Conceito - p. 357 Extinção do processo - p. 358 Julgamento antecipado do mérito - p. 359JURISDIÇÃOCaracterísticas essenciais - p. 70 Conceito - pp. 66, 83 Competência - p. 95Critérios de fixação - p. 96 De direito - p. 82 De eqüidade - pp. 75, 81 Escopos - p.80 Espécies - p. 73Funções do Estado e função jurisdicional - p. 63 Investidura do órgão na jurisdiçãoComo pressuposto processual de validade - p. 234 Lide, elemento acidental ao exercício da jurisdição - p. 69 Órgão estatal investido de jurisdiçãoPressuposto processual - p. 232 Sucedâneos da jurisdição - p. 39 Tutela JurisdicionalAntecipada - p. 86Classificação - p. 83Conceito - p. 83Específica relativa às obrigações de fazer, não fazer e entregarcoisa - p. 90Unicidade e indivisibilidade - p. 73 Voluntária - p. 76JURISPRUDÊNCIAInexistência de eficácia vinculante - p. 22 Uniformização - p. 23LEGITIMATIO AD CAUSAM Conceito - p. 123531

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Alexandre Freitas CâmaraLEGITIMIDADEDas partes - pp. 123, 231 Extraordinária - p. 124LEI(S)Complementar não pode ser considerada como fonte do DireitoProcessual Civil - p. 17Fonte formal do Direito Processual Civil - p. 15 Interpretação da lei processual - p. 23 Método comparativo - p. 26 Método histórico - p. 25 Método literal ou gramatical - p. 23 Método lógico-sistemático - p. 24 Método teleológico - p. 27 ResultadosAb-rogante - p. 29 Declarativo - p. 28 Extensivo - p. 28 Restritivo - p. 28Integração da lei processual - p. 30 Que vedam a concessão de liminares - p. 47LIDEElemento acidental ao exercício da jurisdição - p. 69LIMINAR(ES)Leis que vedam a concessão de liminares - p. 47LITISCONSÓRCIOClassificação - p. 165Conceito - p. 164Confissão - p. 182Decisão que determina exclusão de litisconsortes - p. 174Facultativo - p. 170Necessário - pp. 165, 170Ativo - p. 168Citação - p. 262 Originário - p. 178Princípio da independência dos litisconsortes - pp. 180, 182 Simples ou comum - p. 178532

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Lições de Direito Processual CivilSuperveniente - p. 178 Unitário - pp. 174, 181MANDADO DE SEGURANÇACoisa julgada no mandado de segurança - p. 490 ColetivoProteção de interesses coletivos ou difusos - p. 37MINISTÉRIO PÚBLICO Ação popular - p. 220 Atuação como fiscal da lei - p. 219 Atuação como órgão interveniente - p. 221 Atuação como parte da demanda - p. 219 Benefício de prazo - p. 41 Conceito - p. 219 Intimação - p. 266 No processo civil - p. 219 Nos processo em que haja interesse de incapaz - p. 42NEGÓCIO JurídicoConceito - p. 240 Processual - p. 242NOMEAÇÃO A AUTORIAModalidade de intervenção de terceiro - p. 193NORMA(S) JURÍDICA(S) Cogentes - p. 254 Dispositivas - p. 254Fonte formal do Direito Processual Civil - p. 15 Hierarquia - p. 16NULIDADE(S)Decisões judiciais mal fundamentadas - p. 56 Falta de fundamentação na decisão judicial - p. 55ÔNUSDa impugnação especificada dos fatos - p. 332 Da prova - p. 401533

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Alexandre Freitas CâmaraOPOSIÇÃOModalidade de intervenção de terceiro - p. 189ÓRGÃO ESTATAL INVESTIDO DE JURISDIÇÃO Pressuposto processual - p. 232PARTE (S)Conceito - p. 183Elemento identificador da demanda - p. 233PEDIDOElemento identificador da demanda - p. 234PERITOSujeição à recusa - p. 427PERSUASÃO RACIONALSistema de valoração da prova adotado pelo Direito Processual Civil brasileiro - p. 405PETIÇÃO INICIAL Conceito - p. 319POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO Conceito - p. 127PRAZO(S)Benefício de prazo - p. 41No procedimento sumário - p. 383Fazenda Pública como ré - p. 384 Para ajuizamento de ação rescisória - p. 147Pela Fazenda Pública - p. 41 Para assistente e assistido - p. 187 Para demanda da declaração incidente - p. 354 Para oferecimento da resposta do réu - p. 330 Para oferecimento do rol de testemunhas - p. 424 Para réplica — p. 350 Possibilidade de interposição de petição por sistema detransmissão de dados - p. 249 Processuais - p. 246534

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Lições de Direito Processual CivilContagem - p. 246 EspéciesDilatório — p. 246Peremptório - p. 246 Feriados - p. 247PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS De existência - p. 233 De validade - p. 235Segundo a mais moderna e autorizada doutrina brasileira da teoria geral de Direito Processual - p. 233PRINCÍPIO(S)Da documentação - p. 248Da eventualidade - p. 331Da inafastabilidade do controle jurisdicional - p. 46Da independência dos litisconsortes - pp. 180, 182Da instrumentalidade das formas - pp. 38, 248Da isonomia - p. 40Da liberdade das formas - p. 247Da motivação das decisões judiciais - pp. 55, 406Da perpetuatio iurisdictionis - p. 97Da proporcionalidade - p. 408Da publicidade - p. 248Do contraditório - p. 49Do devido processo legal - p. 31Do juiz natural - p. 43Do livre convencimento motivado - p. 405Do prejuízo - p. 255Gerais do DireitoConceito - p. 20 Iura novit cúria — p. 396PROCEDIMENTODesformalização - p. 38 Espécies - p. 317 OrdinárioConceito - p. 317Fases - p. 319535

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Alexandre Freitas CâmaraInstrução probatória e audiência de instrução e julgamentop. 373 Julgamento conforme o estado do processo - p. 357Audiência preliminar - p. 362Extinção do processo - p. 358Julgamento antecipado do mérito - p. 359 Petição inicial - p. 319 Providências preliminares - p. 348Declaração incidente - p. 351Especificação de provas - p. 350Réplica - p. 348 Resposta do réu - p. 330Contestação - p. 331Exceção - p. 345Impugnação ao valor da causa - p. 347Reconvenção - p. 338 Saneamento do processo - p. 362 Sumário AudiênciaDe Conciliação - p. 383De Instrução e julgamento - p. 389 Cabimento - p. 379 Citação - p. 383 Conceito - p. 379Conversão do procedimento - p. 388 Instrução probatória - p. 389 Petição inicial - p. 382 Resposta do réuContestação - p. 386Exceção - p. 386PROCESSOClassificação - p. 223Conceito - p. 141De conhecimento - p. 269Extinção - p. 295Formação - p. 283Suspensão - p. 286 E procedimento - p. 144 Efetividade - p. 221536

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Lições de Direito Processual CivilEspéciesAdministrativoAssegurados o contraditório e a ampla defesa - p. 50CivilDenominação - p. 6JudicialAssegurados o contraditório e a ampla defesa - p. 50 Existência - p. 233 Extinção - pp. 233, 295 Formação - p. 283 Inexistência - p. 233 Instrumentalidade - p. 222 Natureza jurídica - p. 141 Objeto - p. 226 Pressupostos processuais - p. 230De existência - p. 233De validade - p. 235Segundo a mais moderna e autorizada doutrina brasileira dateoria geral de Direito Processual - p. 232 Sujeitos - p. 145Advogado - p. 161Auxiliares da Justiça - p. 150Estado-juiz e Juiz — p. 146Intervenção de terceiros - p. 182Litisconsórcio - p. 164Ministério Público - p. 219Partes - p. 153 Suspensão - p. 286 Teorias sobre o processo - p. 133PROVA(S)Atípicas - p. 411Classificação - p. 397Conceito - p. 395Destinatários da prova - p. 404Determinação de produção de provas ex officio - p. 45Em espécieConceito - p. 411Confissão - p. 415Depoimento pessoal - p. 413537

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Alexandre Freitas CâmaraExibição de documento ou coisa - p. 417Inspeção judicial - p. 429Prova documental - p. 418Prova pericial - p. 426Prova testemunhai - p. 421 Emprestada - p. 409 Escuta telefônica - p. 408 Especificação de provas - p. 350 Fontes de prova - p. 406 Gravações de diálogos - p. 409 Inspeção judicialSua exclusão implica em restrição a direito - p. 407Momento para a realização - p. 411 Meios de prova - p. 406Natureza das normas sobre a prova - p. 396 Objeto da prova - p. 398 Ônus da prova - p. 401 Pericial - pp. 411, 426 Princípio da proporcionalidade - p. 408 Princípio iura novit cúria — p. 396 Procedimento probatórioAdmissão da prova - p. 410Produção da prova - p. 410Propositura da prova - p. 410 Sistemas de valoração - p. 404Persuasão racional - p. 405 Típicas-p. 411 Vedação constitucional - p. 407RECONVENÇÃO Conceito - p. 338Oferecimento simultâneo à contestação - p. 344 Requisitos - p. 339RECURSO DE TERCEIROModalidade de intervenção de terceiro - p. 216REGIMENTO(S) DOS TRIBUNAIS Conceito - p. 20538

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Lições de Direito Processual CivilRÉPLICAConceito - p. 349 Prazo - p. 350RESCINDIBILIDADE Da sentença - p. 257RESPOSTA DO RÉUPrazo para oferecimento - p. 330REVELIAConceito - p. 333Efeitos - p. 335Em ação de investigação de paternidade - p. 51No processo penal - p. 51SANEAMENTO DO PROCESSO Conceito - p. 364SENTENÇA(S)Alegação de ineficácia - p. 262 Classificação — p. 432Da sentença definitiva - p. 439 Conceito - pp. 242, 431 Condenatória - p. 439 Constitutiva - pp. 72, 439 Declaratória - pp. 72, 439 Elementos essenciais - p. 433 Executiva - p. 448 Mandamental - p. 448 Publicação e irretratabilidade - p. 436 Rescindibilidade - p. 255 Tutela antecipada - p. 452SISTEMAS DE VALORAÇAO DA PROVA Evolução - p. 404 Persuasão racional - p. 405SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL Conceito - p. 125539

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Alexandre Freitas CâmaraTEORIA(S)Geral do Direito processual - p. 11 Sobre a ação - p. 113 Sobre a jurisdição - p. 66 Sobre o processo - p. 133TERCEIROConceito - p. 183TESTEMUNHA(S) Conceito - p. 421Pessoas que não podem ser testemunhas - p. 421 Prazo oferecimento do rol de testemunhas - p. 424TUTELA JURISDICIONAL Antecipada - pp. 86, 452 Classificação - p. 83 Conceito - p. 83Específica relativa às obrigações de fazer, não fazer e entregar coisa - p. 90UNIFORMIZAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA Meios - p. 23540

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CÂMARA, Alexandre FreitasLições de Direito Processual Civil DPC-38 v.1 (2285) 531/04TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE PERNAMBUCOProve que sabe honrar osseus compromissos devolvendo com pontualidade este livro à Biblioteca.TC PE