alexandre aragão dos santos - o princípio da proporcionalidade no direito econômico

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  • 7/24/2019 Alexandre Arago dos Santos - O princpio da proporcionalidade no direito econmico

    1/32

    o PRINCPIO DA PROPORCIONALIDADE NO DIREITO ECONMICO

    ALEXANDRE SANTOS

    DE

    ARAGO

    I

    -

    Introduo. II

    -

    Panorama do Ordenamento Jurdico Brasileiro. III

    - Proporcionalidade dos Mecanismos de Regulao Econmica.

    IV

    -

    Princpios do Direito Econmico derivados do Princpio Geral da Propor

    cionalidade. V - Os Aspectos Comissivos da Proporcionalidade. -

    Princpio da Proporcionalidade e Supremacia do Interesse Pblico . VII

    - A Proporcionalidade e as Relaes e Sujeio Especial. VIII

    - s

    Agncias Reguladoras como Manifestao do Princpio da Proporcionali

    dade. IX

    -

    Proporcionalidade e Servios Pblicos. X - Proporcionalidade

    e os Monoplios Estatais.

    Xl -

    Proporcionalidade e Atividades Privadas

    de Interesse Pblico. XII

    -

    Proporcionalidade e Atividades Privadas Su

    jeitas ao Poder de Polcia. XIII - Concluses.

    I -

    Introduo

    As regulaes estatais da economia so dotadas de grande mutifacetariedade.

    O seu dinamismo e a forma com que os mais diversos instrumentos de regulao e

    interveno do Estado se sucederam ao longo do tempo, no foi um processo

    substitutivo, mas acumulativo.

    Em

    outras palavras, o surgimento de novos mecanismos regulatrios da econo

    mia em cada fase da histria poltico-econmica do Estado no causou o fim dos

    intrumentos caractersticos das fases anteriores, com os quais passaram a conviver

    e mesmo a se mesclar.

    assim que o corporativismo do feudalismo, o patrimonialismo e os privilgios

    regalianos do Estado absolutista continuam a existir, naturalmente no com a mesma

    Procurador do Estado do Rio de Janeiro, Professor contratado de Direito Administrativo da

    Universidade do Estado do Rio de Janeiro - U.E.R.J. e da Universidade Estcio de S, membro

    das Comisses de Direito Administrativo e de Direito Constitucional do Instituto dos Advogados

    Brasileiros - IAB, Mestrando em Direito

    Pblico pela UERJ.

    R

    Dir.

    Adm.

    Rio de Janeiro, 223: 199-230, jan./mar. 2 1

  • 7/24/2019 Alexandre Arago dos Santos - O princpio da proporcionalidade no direito econmico

    2/32

    intensidade, nos dias de hoje. Basta vermos, por exemplo, a autonomia das univer

    sidades e das entidades desportivas asseguradas em nossa Constituio Federal (arts.

    207 e 217,

    I

    respectivamente) e as vrias atividades econmicas e bens monopo

    lizados pelo Estado (arts. 20, 176 e 177).

    O mesmo se diga do poder de polcia, surgido

    no

    Estado liberal-burgus, mas

    que, malgrado

    as

    grandes mudanas pelas quais vem passando, persiste como

    um

    dos principais instrumentos de conformao das atividades econmicas privadas ao

    interesse pblico.

    A concesso de servios pblicos, advinda da necessidade do Estado liberal

    burgus regular as atividades econmicas com intensidade superior a que o simples

    poder de polcia ento lhe permitia, no apenas subsiste, como tem aumentado a sua

    importncia em funo da desestatizao dos servios pblicos. A concesso dos

    servios desestatizados fez com que o instituto readquirisse o seu carter inicial, pelo

    qual no significa uma real inteno do Estado assumir a atividade como sua, mas

    apenas a de regulament-la com maior intensidade.

    1

    A explorao direta de atividade econmicas pelo Estado, crescente desde o

    surgimento do Estado Democrtico de Direito

    no

    incio

    do

    sculo XX, apesar de

    encontrar-se em declnio, subsiste e muito difcil que, pelos menos em algumas

    reas e com algumas flexibilizaes, o Estado se retire totalmente de todas as

    atividades econmicas que gere

    de

    p r se

    So as relaes da regulao estatal da economia em suas diversas modalidades

    com o Princpio da Proporcionalidade que constituem o objeto do presente ensaio.

    Como tm elevado poltico-ideolgico, as diferentes formas de regulao estatal

    so altamente variveis em cada Direito Positivo, tanto espacialmente como tempo

    ralmente. Isso impe que a anlise a ser realizada, apesar de delas no poder em

    absoluto prescindir, tome com cautela os ensinamentos da doutrina estrangeira

    e os

    conceitos formulados em outras circunstncias jurdicas, polticas e ideolgicas.

    1 Expondo o surgimento das concesses como conciliao entre os dogmas liberais no-interven

    cionistas e a necessidade do Estado regular com maior intensidade novas atividades (ferrovias, gs,

    telefonia, eletricidade, etc.), de complexidade tcnica e de tendncias monopolizadoras at ento

    desconhecidas, o Catedrtico da Universidade Autnoma de Madrid, Gaspar Arino Ortiz, afirmou

    que a tenso entre a urgncia de satisfazer as novas necessidades pblicas - exigncias de uma

    sociedade progressivamente urbana e industrial - e as concepes ideolgicas liberais imperantes,

    ser resolvida mediante um mecanismo genial:

    a concesso administrativa.

    Na concesso, o Estado

    encontrar uma frmula que lhe permitir compatibilizar uma e outra postura; de uma parte, se

    entender que o Estado titular de tais atividades; o

    dominus

    dos servios pblicos; de outra, se

    entender que o Estado no deve geri-los diretamente e se valer da concesso como frmula-ponte

    que o permite dirigir sem gerir. A concesso se configurar assim como uma transferncia de

    funes e tarefas cuja titularidade corresponde primariamente ao Estado, atividades que no eram

    intrinsecamente pblicas, que no faziam parte das finalidades histricas do Estado, de seus fins

    essenciais, mas que acabaram sendo publicizadas

    Principios de Derecho Pblico Econmico,

    Ed. Comares e Fundacin de Estudios de Regulacin, Granada, 1999, pp. 483/4).

    2

    Afirmando a importncia e utilidade do emprego do Direito Administrativo comparado, o Mestre

    Eduardo Garca de Enterra observa que, apesar de devermos partir do nosso prprio Direito, o

    Direito Comparado no constitui disciplina de adorno ,

    mas

    um considervel instrumento de

    200

  • 7/24/2019 Alexandre Arago dos Santos - O princpio da proporcionalidade no direito econmico

    3/32

    Cabe, neste sentido, trazer

    baila a advertncia de CARLOS ARI SUNDFELD

    de que a Constituio Federal no d uma disciplina acabada para os diversos servios

    pblicos e atividades econmicas do Estado, deixando ao Legislador um campo

    bastante largo de conformao. Sendo assim, o estudo da matria deve mais ter em

    vista a legislao de regncia de cada uma destas atividades do que recorrer-se

    acriticamente de lies doutrinrias (umas, velhssimas e desatualizadas; outras,

    copiadas sem reflexo de livros estrangeiros, muitas vezes mal-lidos; algumas ditadas

    por vinculaes econmicas, partidrias ou pessoais), tentando encaix-las

    fora

    na realidade, sem o menor respeito ao Direito Positivo vigente .3

    Com efeito, se em alguns casos a Constituio pr-determina o instrumento

    regulatrio a ser adotado (por exemplo, define no art. 21, X a XII algumas atividades

    que devem ser prestadas como servios pblicos), em outros deixa largo espao ao

    Legislador para definir mais concretamente o seu perfil e a escolha por esta ou aquela

    modalidade regulatria. Em ambos os casos, todavia, o Legislador no tem liberdade

    absoluta, devendo se pautar por todas as normas da Constituio, notadamente pelo

    Princpio da Proporcionalidade.

    Iniciaremos, destarte, com a colocao do panorama constitucional em que 'a

    regulao da economia se desenvolve entre ns. Como conseqncia, exploraremos

    a maneira com que o Princpio da Proporcionalidade - em seus aspectos negati

    vos/omissivos e positivos/comissivos - e os princpios dele oriundos devem inspirar

    as escolhas pblicas por esta ou aquela modalidade regulatria e a intensidade com

    que cada uma delas deve ser desempenhada. Colocados os balizamentos tericos,

    adentraremos em algumas aplicaes do Princpio da Proporcionalidade na seara

    econmica.

    Panorama do Ordenamento Jurdico Brasileiro

    A Constituio Brasileira, como constituio compromissria, no poderia dei

    xar de refletir o persistente conflito entre pblico e privado; entre o livre caminhar

    da economia e a interveno estatal; entre os interesses individuais e os coletivos.

    Tanto assim, que as reformas que sucederam promulgao da Constituio

    de 1988 tiveram como um dos seus principais focos justamente o Direito Econmi

    co.

    4

    Vejamos, portanto, como este se encontra balizado constitucionalmente.

    formao de um jurista completo e maneira, muitas vezes indispensvel, de ampliao das pers

    pectivas do prprio Direito, para enfrentar um determinado problema anlogo a problemas conhe

    cidos em outros Direitos, rompendo ciclos de racionalidade ou de apequenamento de solues

    disponveis, inrcias doutrinrias ou jurisprudenciais, menosprezos de valores jurdicos substanciais

    de consistncia (Prefcio obra a panicipacin Pblica em

    l

    Procedimiento de Elaboracin

    de los Reglamentos el los Estados Unidos de Amrica de Juan Jos Lavilla Rubira, Ed. Civitas,

    Madrid, 1991,

    p

    18

    3

    A

    Regulao de Preos e Tarifas dos Servios de Telecomunicaes

    na obra coletiva

    Direito

    Administrativo Econmico

    coordenada pelo prprio Carlos

    Ari

    Sundfeld, Ed. Malheiros, So Paulo,

    2000,

    pp. 318.

    4 As reformas Constituio de 1988 no chegaram a alterar a classificao das diversas moda-

    2 1

  • 7/24/2019 Alexandre Arago dos Santos - O princpio da proporcionalidade no direito econmico

    4/32

    Ao contrrio do que ocorre

    em

    outros direito positivos, a nossa Constituio

    estabelece uma ntida distino entre servio pblic0

    5

    e atividade econmica. Na

    verdade, contudo, no podemos torcer a realidade a ponto de sustentar que os servios

    pblicos no sejam atividades econmicas. Os servios pblicos so atividades

    econmicas qualificadas

    como

    tal, qualificao esta que visa a permitir a prestao

    direta pelo Estado ou uma forte regulao e ingerncia estatal na atividade

    quando

    gerida por particulares de legatrios. O servio pblico revela-se, ento,

    como uma

    das mais intensas formas de interveno do Estado na economia.

    desta forma que EROS ROBERTO GRAU considera que a Constituio

    brasileira de 1988 subdividiu a atividade econmica lato senslI em servio pblico

    e atividade econmica

    stricto sensll.

    6

    Tanto

    assim, que o art. 175, que disciplina

    a prestao dos servios pblicos pelo prprio Estado ou por concessionrios e

    permissionrios privados, est contido no Captulo destinado

    aos

    princpios gerais

    da atividade

    econmica .

    A Constituio tambm prev no art.

    21

    a prestao de servios pblicos pela

    Unio, mas, desta feita, no apenas diretamente,

    por

    concesso ou por permisso,

    mas tambm mediante autorizao: art. 21, incisos X (postal e correio),

    X (teleco

    municaes) e XII,

    a

    a

    f '

    (servios de radiodifuso sonora e de sons e imagens;

    servios e instalaes de energia eltrica e o aproveitamento energtico dos cursos

    de gua; a navegao area, aeroespacial e a infra-estrutura aeroporturia; os servios

    de transporte ferrovirio e aquavirio; os servios de transporte rodovirio interes

    tadual e internacional de passageiros; os portos martimos, fluviais e lacustres) e

    XIII (nucleares).7

    Estes so os servios expressamente nomeados pela Constituio,

    que

    tambm

    os estabelece implicitamente ao fixar a competncia subsidiria dos Estados-mem

    bros no art. 25,

    10

    (por exemplo, os servios de transporte intermunicipal) e ao

    lidades de regulao estatal da economia, atribuindo, contudo, maior relevo a algumas em detrimento

    de outras, sem retirar do Texto Maior qualquer uma delas. Em sua maior parte, as reformas

    permitiram que determinados servios pblicos, que s podiam ser prestados indiretamente por

    empresas da Administrao Indireta. passassem a ser prestados por de legatrios privados.

    5

    Naturalmente que no esto includas em nosso conceito de servio pblico as funes pblicas

    soberanas. indelegveis, como a defesa nacional, a tributao, etc. (Ramn Parada,

    Derecho Admi-

    nistrativo, I Ed. Marcial Pons, Madrid.

    11

    ed., 1999, pp, 473/4). Seguindo a melhor doutrina,

    nosso conceito tambm no contempla as atividades que no correspondam a uma especfica

    prestao aos usurios, como por exemplo, as obras pblicas (Elio Casetta. Manuale di Diritlo

    Amministrativo, Ed. Giuffre, Milo, 2000,

    p.

    605).

    6

    Eros Roberto Grau, A Ordem Econmica na Constituio de 1988, Ed. Malheiros, So Paulo,

    4 ed., 1998. pp. 137/9. Alguns autores utilizam a expresso servios pblicos econmicos ou

    industriais para denominar as atividades econmicas stricto sensu exploradas pelo Estado v.g.

    Droit Public et ie conomique, PUF. Paris. 1949.

    p.

    136). Preferimos, no entanto. no fazer uso

    destas expresses para no misturar os conceitos de atividade econmica (em sentido estrito)

    explorada pelo Estado e os servios pblicos propriamente ditos.

    7

    Tambm h o art. 25, 2 prev o servio pblico de distribuio de gs canalizado. H tambm

    competncia comum para a prestao dos servios pblicos de assistncia social e de educao (art.

    23.

    II

    e 211).

    202

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    prever a competncia dos Municpios para prestar os servios pblicos de interesse

    local art. 30, V). Questo controvertida, a ser abordada mais adiante, saber se

    possvel a criao pelo Legislador de servios pblicos no previstos constitucional

    mente.

    Os princpios das atividades econmicas fixados no art. 170 devem inspirar a

    explorao de todas as atividades econmicas, sejam elas servios pblicos ou

    atividades econmicas

    stricto sensu.

    Em relao atividade econmica

    stricto sensu

    a Constituio estabelece o

    monoplio em favor da Unio arts. 20, 176 e 177) de uma srie de bens e atividades

    a eles correlatas, com destaque para os bens minerais, inclusive o petrleo e seus

    derivados.

    A explorao pelo Estado de outras atividades econmicas

    stricto sensu

    isto ,

    alm daquelas que so objeto de monoplio, permitida apenas em regime de

    concorrncia com a iniciativa privada e desde que seja necessria aos imperativos

    da segurana nacional ou ao atendimento de relevante interesse coletivo art. 173).

    Vige para estas atividades o princpio da liberdade de iniciativa, observadas as

    regras de polcia econmica geral que s conforme aos princpios e valores funda

    mentais da Repblica Federativa do Brasil arts. 1 e 3) e aos princpios setoriais

    da ordem econmica art. 170), exigida, quando for o caso, autorizao prvia para

    o seu exerccio art. art. 170, pargrafo nico).

    Estes so, em apertada sntese, os dispositivos que regem cada uma das moda

    lidades regulatrias que veremos mais adiante: servios pblicos art. 175), ativida

    des econmicas monopolizadas arts. 176 e 177), atividades econmicas de interesse

    pblico art. 170, pargrafo nico) e atividades econmicas sujeitas ao poder de

    polcia art. 170, que, malgrado a sua aplicao a todas as atividades econmicas,

    constitui tambm o fundamento da regulao mediante o exerccio do poder de

    polcia geral).

    A realidade, no entanto, est longe de possuir a aparentemente serenidade que

    a letra da Constituio parecer ter, o que impe a apreciao dos valores fundamentais

    em jogo, valores e princpios que balizam a sujeio das atividades econmicas s

    diferentes modalidades regulatrias e a intensidade com que estas devem ser exer

    cidas.

    -

    Proporcionalidade dos mecanismos de regulao econmica

    Nos termos das sempre precisas lies de TRCIO SAMPAIO FERRAZ J

    NIOR,

    a

    ordem econmica autnoma introduz uma acelerao dos processos so

    ciais, que no podem ser resolvidos luz de mecanismos de controle como, por

    exemplo, os direitos individuais. Estes mecanismos foram concebidos como instru

    mentos capazes de regular relaes at certo ponto estveis ou de reduzida velocidade

    mutacional. Trata-se de princpios genricos, com conceitos abertos, cujo controle

    remetido a princpios ideolgicos que a prxis confirma ou desconfirma. Com isto,

    na prtica da ordem econmica, que exige decises rpidas e imediatas, revela-se

    relativamente fcil dizer qual o fundamento da interveno, mas extremamente difcil

    203

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    apontar os casos em que ela no cabe. ( ... )

    A mobilidade econmica de hoje est a

    reclamar novos mecanismos de invelltil'idade do constitucionalista. Pois, sem eles,

    permaneceremos nesta curiosa situao em que

    os

    verdadeiros limites constitucio-

    nais da

    inteneno

    estatal no domnio econmico so deslocados para a prpria

    prxis do Estado, no sentido de que somos obrigados a

    rer

    como ele age para, ento,

    saber

    o

    que dele se

    po e

    exigir. g

    Para evitar que isto acontea, o que constitui o escopo deste nosso estudo, a

    regulao estatal da economia deve refletir a necessria convivncia de princpios

    constitucionais

    9

    que, ora se somam, ora entram em conflito: de um lado, temos os

    valores da livre iniciativa (art. 10, IV, CF), a propriedade privada (art. 170, 11, CF)

    e a livre concorrncia (art. 170, IV, CF); de outro, temos que procurar realizar a

    soberania e o desenvolvimento nacional (art.

    10,

    I;

    30,

    e 170, I, CF), a cidadania

    (art.

    10, 11 ;

    a dignidade da pessoa

    humana

    (art.

    10,

    I1I, CF); os valores sociais do

    trabalho (art. 10. IV, CF); construir uma sociedade livre, justa e solidria (art. 30, I,

    CF); erradicar a pobreza e a marginalizao, assim

    como

    reduzir as desigualdades

    sociais e regionais (art. 30, III e 170, VII, CF); promover o bem de todos, sem

    preconceitos de origem, raa, sexo, cor (art. 30, IV, CF); a funo social

    da

    proprie

    dade (art. 170, m CF); a defesa do consumidor (art. 170,

    m

    CF); a defesa do

    meio

    ambiente (art. 170, V, CF) e a busca do pleno emprego (art. 170, VIII, CF).

    Note-se que, com base nestes princpios constitucionais, j foi diversas vezes

    afirmada pelo Supremo Tribunal Federal a constitucionalidade da regulao estatal

    de atividades econmicas privadas. Em uma destas decises, o Min. SEPLVEDA

    PERTENCE, tratando da constitucionalidade do controle estatal sobre as mensali

    dades escolares, afirmou:

    Senhor Presidente, temos, ao menos desde 1934, e marcadamente no texto de

    88. uma tpica Constituio compromissria, como de resto, si serem quase todas

    as Constituies contemporneas. De tal modo que sempre arbitrrio que a afir

    mao de um dos valores, de um dos vetores axiolgicos do projeto de sociedade

    veiculado pela Constituio, se faa com a abstrao

    de

    outros valores,

    de

    outros

    vetores axiolgicos ... Cm instrumento constitucional de concretizao desta funo

    permanente de ponderao de valores que, em termos absolutos, se contradiriam,

    Senhor Presidente, precisamente, na ordem econmica, a competncia do Estado

    para intervir como agente normativo e regulador da atividade

    econmica .10

    A Ementa do acrdo foi assim redigida:

    Em face da atual Constituio, para conciliar o fundamento da livre iniciativa

    e do princpio da livre concorrncia com os da defesa do consumidor e da reduo

    das desigualdades sociais, em conformidade com os ditames da justia social, pode

    o Estado, por via legislativa, regular a poltica de preos de bens e servios, abusivo

    8 Fundamentos e Limites Constitucionais da Interveno do Estado no Domnio Econmico,

    RDP,

    47-48/270-271. grifamos.

    Aludimos a .. princpios

    em

    seu sentido geral, tal como usado por Ronald Dworkin p. 72 da

    obra Los Derechos em Seria, Ed. Ariel, Barcelona, 1999, trad. Marta Guastavino.

    10 ADIN n319-DF, RTJ. 149:666/692.

    204

  • 7/24/2019 Alexandre Arago dos Santos - O princpio da proporcionalidade no direito econmico

    7/32

    que o poder econmico que visa o aumento arbitrrio de lucros. Logo, determinada

    lei no inconstitucional pelo s fato de dispor sobre critrios de reajuste de

    mensalidades das escolas particulares 11

    O julgado, como se v, foi calcado exclusivamente em princpios, mas, afinal,

    o que so os princpios?

    As

    normas

    so gnero do qual so espcies

    as

    regras e os princpios. EROS

    ROBERTO GRAU,12 sintetizando as lies de DWORKIN, afirma que as regras

    jurdicas, no comportando excees, so aplicveis de modo completo ou no, de

    modo absoluto, no se passando o mesmo com os princpios; os princpios jurdicos

    possuem uma dimenso - a dimenso do peso ou importncia - que no comparece

    nas regras jurdicas .

    Dentre as vrias definies de princpio jurdico, podemos aludir clssica

    formulao de CELSO ANTNIO BANDEIRA DE MELO, que o considera como

    o mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposio funda

    mental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhe o esprito e servindo

    de critrio para sua exata compreenso e inteligncia, exatamente por definir a lgica

    e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tnica e lhe d sentido

    harmnico

    13

    As meras regras jurdicas, apesar de genricas e abstratas, dizem respeito a

    situaes hipotticas especficas, que, concretizando-se

    na

    vida prtica, acarretam

    determinadas conseqncias jurdicas. Trata-se do conhecido esquema preceito -

    sano , pelo qual, ocorrendo o fato previsto na regra, a ele devem suceder os efeitos

    jurdicos nela tambm, j de antemo, estabelecidos.

    O mecanismo de aplicao dos princpios muito mais complexo do que o

    esquema binrio caracterstico das regras. No prevem situaes determinadas e,

    muito menos, efeitos jurdicos especficos que delas decorreriam. bvio que

    normatizam situaes e que podem acarretar efeitos jurdicos, mas, devido ao seu

    carter fluido, suas conseqncias, alm de no poderem ser previamente estabele

    cidas, dependem das caractersticas de cada situao e dos demais princpios que

    forem pertinentes.

    O objetivo dos princpios no estabelecer uma normatizao objetiva e pre

    visvel. A sua grande riqueza est exatamente na maleabilidade que propicia em

    relao

    s

    demais normas do ordenamento jurdico e diante das situaes complexas

    da vida, insuscetveis de serem resolvidas pela singela aplicao de regras lgico

    subsuntivaso

    Os princpios no estabelecem que, ocorrendo tal fato, ser aplicada determinada

    sano ou concedido certo benefcio. Possuem um papel estruturante da ordem

    ADIN n 319-DF, RTJ, 149:666/692.

    2

    A ordem Econmica na Constituio de 1998

    Interpretao

    e Crtica

    Ed. RT, 2' edio, p

    114.

    3

    Apud

    Jos Afonso

    da

    Silva,

    Curso de Direito Constitucional Positivo

    Ed. Malheiros,

    16'

    ed.,

    1999, p 95. Para uma ampla exposio dos diversos critrios definidores dos princpios, ver Robert

    Alexy,

    Teoria de los Derechos Fundamentales

    Centro de Estudios Constitucionales, Madrid, pp.

    82 a 87.

    205

  • 7/24/2019 Alexandre Arago dos Santos - O princpio da proporcionalidade no direito econmico

    8/32

    jurdica

    e da organizao estatal

    como

    um todo: estabelecem os pensamentos dire

    tores do ordenamento das instituies, inclusive do prprio Estado, de

    uma

    disciplina

    legal ou de um instituto jurdico.

    4

    So os princpios que. pela abstrao

    semntica em que

    so formulados,

    podem

    dar liga e unidade ao sistema jurdico.

    permeando

    todas as demais normas jurdicas,

    consubstanciando valioso

    elemento

    de interpretao e integrao do Direito.

    A importncia dos princpios constitucionais ainda maior, vez

    que espraiam

    a sua fora no apenas na prpria Constituio,

    como

    tambm.

    pela supremacia

    desta, em todo o ordenamento jurdico estatal, inquinando de inconstitucionalidade

    os atos que os contrariarem.

    comum

    que mais de um princpio seja aplicvel mesma situao concreta.

    O hermeneuta. todavia.

    dever

    adotar

    metodologia

    diferente da que emprega quando

    diante de (meras) regras contraditrias, em que a aplicao de uma deve necessaria

    mente implicar na excluso da outra.

    Em

    se tratando de conflitos entre princpios,

    devem

    eles ser ponderados, bus

    cando-se, sempre que possvel, alcanar soluo que no exclua

    por completo

    ne

    nhum deles

    . . .

    Assim,

    possvel que

    um

    princpio seja vlido e pertinente a deter

    minado caso concreto, mas

    que

    suas

    conseqncias jurdicas

    no sejam deflagradas

    naquele caso, ou no o sejam inteiramente,

    em

    razo da incidncia de outros prin

    cpios

    tambm

    aplicveis.

    H

    uma

    calibragem

    entre os princpios, e no a

    opo

    pela aplicao

    de um

    deles .

    5

    N as palavras de

    RECASENS

    SICHES,16 um dos maiores filsofos

    que

    a Am-

    rica Latina

    j

    deu cincia do Direito, uma relao jurdica, supe uma situao

    participante de mltiplos sentidos ou

    conexes

    estimativas,

    que

    so pertinentes ao

    Direito. Os elementos

    de uma

    vinculao social

    contm

    (positiva ou negativamente)

    vrios valores: a justia exige que o direito regule essa situao de maneira tal, que

    entre as concretizaes

    de

    valores contidas

    em cada

    sujeito se

    d

    a proporcionalida

    d

    e

    7 que

    existe

    objetivamente

    entre os valores.

    Pois bem, retornanr:\o aos princpios e valores

    da Ordem Econmica

    Constitu

    cional,

    podemos

    facilmente constatar que, no exerccio

    da

    atividade regulatria

    estatal, muitas vezes eles entraro

    em

    choque.

    Podem,

    todavia, somar-se, isto , a

    livre iniciativa pode, em alguns casos, ser o instrumento mais adequado para pro

    mover os valores scio-polticos igualitrios

    contemplados

    na Constituio.

    8

    Quanto

    melhor, mas no

    podemos supor

    que isso

    sempre

    se verifique.

    4 Karl Larenz. in

    Derecho

    Justo - fundamentos de tica jurdica . trad. Luiz Dez-Picazo,

    Civitas. 1985. p 14

    5 Daniel Sarmento. Os Princpios Constitucionais e a Ponderao de bens, integrante da obra

    coletiva

    Teoria

    dos Direitos Fundamentais , organizada por Ricardo Lobo Torres, Editora Reno

    var. 1999. p 52.

    h

    Los Temas de l Filosofa dei Derecho,

    Ed. BOSCH, Barcelona. 1934, pp. 102/3.

    17

    Para uma configurao da proporcionalidade no como princpio. mas como postulado norma

    ti\o. ver o interessante e erudito artigo de Humberto Bergmann vila. A Distino entre Princpios

    e Regras c a Redefinio do Dever de Proporcionalidade, ROA. 215/151-179.

    206

  • 7/24/2019 Alexandre Arago dos Santos - O princpio da proporcionalidade no direito econmico

    9/32

    A experincia histrica demonstra, inclusive atravs da anlise das razes do

    dbcle do liberalismo oitocentista, que o Estado deve atuar sobre e na economia

    para assegurar valores que no podem ser satisfeitos, e vez por outra, so mesmo

    agredidos, pela liberdade dos agentes do mercado.

    IY

    Quanto a isto, ressalvadas

    algumas correntes liberais mais ortodoxas,20 no h divergncias. A questo : qual

    deve ser a abrangncia e a intensidade da atuao do Estado sobre e na economia?

    A possibilidade de regulao estatal da economia no pode confundir-se com

    a entrega aos poderes pblicos de uma faculdade onmoda, que possa ser exercitada

    de qualquer modo. A reserva

    Lei das regulaes que afetam a liberdade de empresa

    e, sobretudo, os limites substanciais que o princpio da igualdade e o de proporcio-

    nalidade implicam para o legislador, so o instrumento que permite dotar de

    contedo a liberdade

    de

    empresa

    21

    Todavia, o Princpio da Proporcionalidade, alm de, como veremos, possuir

    aspectos comissivos, no pode servir de biombo para a inrcia da Administrao

    Pblica. Da mesma forma que a Administrao no pode deixar de pautar sua

    atuao pelo Princpio da Proporcionalidade, tambm no poder ela ir alm das

    exigncias deste postulado. A Administrao, portanto, tambm age de forma anti

    jurdica quando o Princpio da Proporcionalidade acaba por ser superestimado e a

    Administrao, em virtude disso, deixa de tomar medidas necessrias .22

    A resposta

    questo acima colocada deve, portanto, recorrer ao vetusto, mas

    8

    A delimitao de fronteiras Estado/sociedade ou, se se quiser. interesse pblicolinteresse

    privado, e de todas as que lhe surgem como conseqncia. no exclui, porm, que o conceito de

    direito subjectivo, como o de autonomia negociai, surjam no direito moderno como no completa

    mente desvinculados da noo de interesse pblico. ( ) Quer isto significar, portanto, que a posio

    abstencionista do Estado face aos modos de tutela dos interesses privados operados pelos respectivos

    titulares no significa que o interesse pblico seja ignorado: traduz, isso sim, uma dada concepo

    do interesse pblico, isto , a de que este coincide com o somatrio dos interesses privados, ou

    seja, a de que a sua prossecuo corresponde melhor prossecuo daqueles interesses privados e

    a de que esta por definio obtida quando os seus titulares o fazem em liberdade. Mas tambm

    quer significar que, concluso de que o interesse pblico no tem a mesma natureza do interesse

    privado, isto , a reformulao da concepo do papel do Estado na sociedade, se h-de seguir -

    e se pode seguir - uma interveno do Estado na vida jurdica privada (Ana Prata, A Tutela

    Constitucional da Autonomia Privada, Ed. Almedina. Coimbra. pp. 18 a 20).

    19 .. A Constatao de que o livre exerccio da livre iniciativa econmica privada. ao nvel da

    produo, e da autonomia privada, ao nvel da circulao dos bens e servios, no asseguram a

    satisfao de todas as necessidades humanas, nem sequer daquele conjunto de necessidades prim

    rias e vitais, indispensveis sobrevivncia em termos de garantia de um mnimo de dignidade

    humana (Ana Prata, A Tutela Constitucional da Autonomia Privada.

    Ed

    Almedina, Coimbra, p

    38).

    2

    Por exemplo, Robert Nozick, Anarquia. Estado e Utopia. Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro,

    1991, trad. Ruy J ungmann.

    21

    Sebastin Martn-Retortillo Baquer,

    Direito Administratil'O Econmico

    I

    Revista Espafiola de

    Derecho Administrativo. voI. 63, grifos nossos.

    22 Heinrich Scholler, O Princpio da Proporcionalidade no Direito Constitucional e Admillistrativo

    da Alemanha, trad. Ingo Wolfgang Sarlet, Revista Interesse Pblico.

    voI

    2 p 105.

    207

  • 7/24/2019 Alexandre Arago dos Santos - O princpio da proporcionalidade no direito econmico

    10/32

    redescoberto. Princpio

    da

    Proporcionalidade.

    23

    cuja aplicao dos seus trs elemen

    tos

    24

    ao Direito Econmico

    5

    pode ser dissecada da seguinte forma:

    (a) A restrio liberdade do mercado deve ser apropriada realizao dos

    objetivos sociais perquiridos - elemento adequao dos meios aos fins. Ex.: o

    tabelamento interno de preos no o meio adequado para controlar o aumento de

    preos de produtos encarecidos

    em

    razo

    da

    alta

    do

    valor

    da

    matria-prima impor

    tada.

    (b) O Estado deve impor a menor restrio possvel, de forma que. dentre as

    vrias medidas aptas a realizar a finalidade pblica, opte pela menos restritiva

    liberdade de

    mercado

    - l m nto

    necessidade.

    Ex.: se o Estado pode assegurar o

    bem-estar da coletividade simplesmente ordenando determinada atividade privada,

    no deve titulariz-la como servio pblico, excluindo-a do mbito da iniciativa

    privada

    6

    HEINRICH

    SCHOLLER

    observa

    que as restries liberdade

    econmica

    de

    vem

    operar

    apenas

    em

    um

    degrau (ou

    esfera) ,

    passando para a fase seguinte

    to-somente

    quando uma restrio mais intensa se fizer absolutamente indispens

    vel para a consecuo dos fins almejados n

    Este o elemento do Princpio da Proporcionalidade que leva

    tendncia atual

    da Administrao dar preferncia a mecanismos consensuais, indutivos, e, portanto,

    menos constritivos, de regulao da economia. O poder de imprio da Administra

    o deixou de ser um dos seus principais (seno o nico) dos seus poderes, para

    passar a figurar

    como

    um (e no o mais importante deles) dos aspectos das aes

    do Estado .28 Se for possvel alcanar o interesse pblico visado de

    maneira

    con-

    23 Jos Maria Rodrguez de Sampaio observa que a Administrao Pblica deve, ao intervir na

    economia, ponderar proporcionalmente. no apenas o interesse privado (genericamente considera

    do)

    com

    o interesse pblico, mas tambm os diversos interesses privados entre si La Ponderacin

    de Bienes e Interesses em el Derecho Administrativo, Ed. Marcial Pons, Barcelona, 2000, pp. 31/9).

    24

    Partimos da exposio de Lus Roberto Barroso acerca do Princpio

    da

    Proporcionalidade,

    constante da obra Interpretao e Aplicao da Constituio, Ed. Saraiva, 1996, p. 209.

    25 ..

    A aplicaco do princpio de proporcionalidade, que deve presidir toda medida intervencionista,

    junto com o de paridade de trato e o da igualdade (visto agora como interdio da arbitrariedade)

    obriga sempre a justificar adequadamente toda interveno pblica sobre as libertades dos cidados

    no campo econmico (Alberto Alonso Ureba, a empresa pblica. Aspectos jurdico-constitucio

    nales y e derecho econmico. Revista Espafiola de Derecho Administrativo, vol. 50).

    Tambm

    F

    Dreyfus afirma que a proporcionalidade das medidas administrativas no domnio econmico uma

    garantia para o particular, vez que, ao contrapor o princpio

    da

    liberdade ao da ordem pblica, reduz

    os casos en que o primeiro deve render-se ao segundo La

    li en

    du commerce et de I industrie,

    Revista Espafiola de Derecho Administrativo, vol. 8).

    6

    No dizer de Vittorio Ottaviano, uma coisa proibir

    uma

    actividade porque prejudica a utilidade

    social. e outra prescrever que s se pode desenvolver uma certa actividade se de tal forma se

    prosseguir a utilidade social (apud Ana Prata, A Tutela Constitucional da Autonomia Privada.

    Ed. Almedina, Coimbra, p. 204).

    n

    O

    Princpio da Proporcionalidade no Direito Constitucional e Administrativo da Alemanha,

    trad. Ingo Wolfgang Sarlet. Revista Interesse Pblico, vol. 2, pp. 102/5.

    28 Maria Alessandra Stefanelli. La Tutela deU Utente di Publici Servici, Ed. CEDAM, Padova,

    1994, p 04.

    208

  • 7/24/2019 Alexandre Arago dos Santos - O princpio da proporcionalidade no direito econmico

    11/32

    sensual, os instrumentos coercitivos devero ser descartados por desproporcionais.

    Esta assertiva revela-se ainda mais forte quando a regulao vertical no for urgente,

    hipteses em que a Administrao Pblica dever tentar alcanar os seus objetivos

    consensualmente e,

    em

    caso de insucesso, a sim, partir para a adoo de instrumentos

    coercitivos de regulao da economia (princpio do tria and error das polticas

    pblicas).

    Nesta perspectiva, se constata que o maior mbito da regulao estatal, atual

    mente estendida a quase todos os setores das atividades humanas, legitimou-se por

    um afrouxamento, pelo carter menos constritivo dos instrumentos regulatrios,

    dando lugar ao que CHARLES-ALBERT MORAND chamou de Direito Pblico

    mais extenso, mas menos coativo ,29 ou, nas palavras de DELMAS-MARTY,

    esta

    fluidez, proporciona ao direito a possibilidade de se estender a domnios que, at

    ento, em grande parte lhe escapavam

    .30

    (c) A restrio imposta ao mercado deve ser equilibradamente compatvel com

    o benefcio social visado, isto , mesmo que aquela seja o meio menos gravoso,

    deve, tendo em vista a finalidade pblica almejada, valer a pena - proporciona

    lidade em sentido estrito. O Estado no pode, por exemplo, qualificar determinada

    atividade relativamente suprflua como servio pblico, mesmo que, suponhamos,

    esta seja a forma menos gravosa para realizar a finalidade pblica. Os benefcios a

    serem obtidos

    no

    compensariam a restrio que a qualificao como servio

    pblico imporia aos particulares interessados em explorar livremente a atividade.

    Hoje pouco se discute a respeito da incorporao ao nosso Direito do Princpio

    da Proporcionalidade. Discute-se apenas quanto ao seu fundamento: se um princpio

    implcito, ou um preceito de direito natural, se integra o cnone do Estado Demo

    crtico de Direito (art.

    1

    caput,

    CF). se advm do devido processo legal (art. 5,

    LIV, CF) ou se um dos outros direitos constitucionais previstos no

    2

    do art.

    5

    da Constituio Federal.

    No Direito

    Econmico

    a discusso no muito importante porque ele

    facilmente infervel de diversos dispositivos setoriais especficos (p. ex., art. 170,

    Pargrafo nico; art. 173,

    caput;

    e art. 174,

    caput, n fine,

    todos da Constituio

    Federal).

    29 Le

    Droit No-Moderne des Politiques Publiques. LGDJ, Paris. 1999, pp. 59 a 62. Veja-se, por

    exemplo. que, para exercer atividades econmicas o Estado teve que valer-se das sociedades de

    economia mista, desprovidas de us imperii. extenso da regulao estatal sobre atividades

    privadas at ento deixadas inteiramente ao arbtrio privado, acarretou. segundo Vital Moreira, na

    "transplantao do centro de gravidade da ordem jurdica da economia: do direito privado pra

    o direito pblico. Na medida em que a economia era juridicamente relevante, era-o para o direito

    privado. Ao que assiste, a partir de certo momento, ao deslocamento de domnios econmicos

    que anteriormente relevavam ao direito privado para o direito pblico, ou a complementarizao

    de institutos daquele por institutos deste. Por outros lado a cobertura pelo direito de domnios at

    a ajurdicos ou livres do direito faz-se predominantemente por meio do direito pblico A

    Ordem Jurdica do Capitalismo cit., p. 75).

    30

    Trois Dfis pour un Droit Mondial, ditions du Seuil, Paris, 1998,

    p.

    79.

    209

  • 7/24/2019 Alexandre Arago dos Santos - O princpio da proporcionalidade no direito econmico

    12/32

    IV - Os

    princpios do direito econmico derivados do princpio geral da

    proporcionalidade

    Inserto no Princpio da Proporcionalidade, mais especificamente

    em

    seu ele

    mento necessidade (supra

    letra

    b )

    est o

    Princpio da Subsidiariedade,31

    que, na

    seara do Direito Econmico, impe ao Estado que se abstenha de intervir e de regular

    as atividades que possam ser satisfatoriamente exercidas ou auto-reguladas pelos

    particulares em regime de liberdade.

    32

    Ou seja, na medida em que os valores sociais

    constitucionalmente assegurados no sejam prejudicados, o Estado no deve coarctar

    a liberdade dos agentes econmicos, e, caso seja necessrio, deve faz-lo da maneira

    menos restritiva possvel.:13

    Cumpre destacar a afinidade do Princpio da Subsidiariedade com o Estado

    pluralista democrtico:

    3

    l

    se

    certo que o bem-estar envolve um conceito de Estado

    social e este, por seu lado, pressupe intervencionismo pblico, isto no significa,

    por si s, todavia, excluso de um princpio de subsidiariedade do entendimento

    da

    interveno econmica, social e cultural do Estado Y

    Por outras palavras, a persecuo do bem-estar social, apesar de determinar

    sempre um certo grau de interveno dos poderes pblicos, no incompatvel com

    uma interveno norteada pela idia de subsidiariedade enquanto princpio norma

    tivo. Se o Estado Democrtico impe a garantia das condies bsicas de dignidade

    da pessoa humana, a verdade que isto no significa necessariamente que tenha de

    ser apenas o prprio Estado a realizar este objetivo. No havendo mais a separao

    absoluta entre Estado e sociedade, desde que seja concretizado o fim do bem-estar,

    31

    No mesmo sentido. Jos Ignacio Lpez Gonzles, l principio General de Proporcionalidad

    em el Derecho Administrativo. Instituto Garcia Oviedo da Universidade de Sevilha, 1988, p 81.

    32 .. O ncleo deste princpio consiste em reconhecer a prioridade da atuao dos corpos sociais

    sobre os corpos polticos no atendimento de interesses gerais. s passando o cometimento a estes

    depois que a sociedade, em seus diversos nveis de organizao, demandar sua atuao subsidiria

    (Diogo de Figueiredo Moreira Neto, Mutaes do Direito Administrativo, Ed. Renovar, Rio de

    Janeiro, 2000.

    iJ

    153). Sobre o Princpio da Subsidiariedade. ver tambm a obra de Chantal

    Millon-Delsol.

    Le

    Principe de Subsidiarire. Ed. PUF, Paris, 1993.

    33 Jos Alfredo de Oliveira Baracho afirma que o Princpio da Subsidiariedade aparece como

    forma alternativa para os embates entre o Estado liberal e o Estado mnimo e o Estado Interven

    cionista ou Providencial. Desse dualismo de desencontros, aparece o Estado Subsidirio (O

    Princpio da Subsidiariedade - conceito e evoluo. Ed. Forense, 2000,

    p

    95).

    3 l

    O princpio da subsidiariedade muitas vezes arvorado pelos opositores da regulao estatal

    como ligado apenas s suas idias liberais. Todavia, no h como se conceber um monoplio

    ideolgico sobre tal princpio. to relevante quanto antigo:

    L

    'ide d'autorit subsidiaire sourd

    comme une evidence dans la societ dcrite par Aristote, travers une comprehension sociale qui

    se donne

    pour

    naturelle, en realir unique em son genre face aux culrures proches de /'poque.

    Plus tard, Thomas d'Aquin reprend son compre cette vision et lui prte des justifications

    suplmentaires

    (Chantal Millon-Delsol, Le

    Principe de Subsidiarit,

    PUF, Paris. 1993, p 9).

    35

    Paulo Otero. Vinculao e Liberdade de Conformao jurdica do Sector Empresarial do

    Estado. Ed. Coimbra. 1998. pp. 18/19.

    210

  • 7/24/2019 Alexandre Arago dos Santos - O princpio da proporcionalidade no direito econmico

    13/32

    pode dizer-se que esto abertos todos os caminhos, do absentesmo do Estado sua

    interveno direta na economia.

    36

    Tambm digno de nota o

    Princpio da Razo Pblica 37

    tambm inerente ao

    Princpio da Prorcionalidade, pelo qual os problemas no podem ser resolvidos por

    razes ou interesses inerentes a grupos parciais. Por mais respeitvel que seja a

    minoria ou mesmo a maioria interessada, os seus interesses s podem ser atendidos,

    no em virtude deles em si, mas por razes pblicas atinentes

    coletividade como

    um todo.

    Por derradeiro, no mbito dos elementos adequao e necessidade do Princpio

    da Prorcionalidade, se encontra ainda o Princpio da Diferena 38 pelo qual as

    liberdades econmicas e desigualdades existentes na sociedade so admissveis se

    gerarem vantagens para os mais desfavorecidos. Assim, a ausncia de regulao ser

    admissvel apenas se beneficiar os membros da sociedade como um todo, de forma

    que estariam em pior situao se fosse imposta a regulao estatal.

    A grande vantagem da conjuno dos princpios acima enumerados, que, se

    por um lado, impede que o Estado Democrtico se

    invista de um dirigismo totalitrio

    e abrangente, por outro, faz-nos ver que, ao contrrio do que apregoa o entusiasmo

    neoliberal, a plena liberdade empresarial e a auto-regulao privada da economia

    so admissveis, mas com parcimnia. devendo-se criteriosamente aferir, caso a caso,

    se so melhores para a sociedade do que a regulao estatal, que tambm, por sua

    vez, ser mais ou menos rgida de acordo com os mesmos princpios.

    v

    Os aspectos comissivos da proporcionalidade

    o Princpio da Proporcionalidade e os princpios dele derivados so geralmente

    abordados apenas em seus aspectos negativos - nas limitaes que impem ao

    Poder Pblico

    -

    olvidando-se dos aspectos positivos que tambm possuem, que

    obrigam o Estado a atuar sobre a economia quando os agentes do mercado no

    satisfazerem ou agredirem as necessidades pblicas que devem ser protegidas pela

    regulao estatal.39

    6

    lbid.

    37 As Consideraes aqui expendidas derivam dos ensinamentos de John Rawls, O

    Liberalismo

    Poltico

    Ed. tica, So Paulo, 2000, trad. Dinah de Abreu Azevedo, Captulo VI. O autor apesar

    de admitir a incidncia da razo pblica sobre todas as regulaes sociais, perspectiva por ns

    adotada, centra sua anlise sobre a aplicao do princpio aos elementos constitucionais essenciais.

    8 Teoria da Justia.

    Ed. Martins Fontes, So Paulo, 1997, trad. Almiro Pisetta e Lenita M. R

    Esteves, pp. 79 a 89.

    39

    A preferncia doutrinria pelos aspectos negativos, inibidores da atuao estatal, do Princpio

    da Proporcionalidade talvez se explique pela maior eficcia que possuem se comparada com a

    eficcia dos seus aspectos positivos.Trata-se da conhecida questo da plena eficcia dos direitos

    individuais de proteo frente ao Estado e da eficcia limitada limitada, mas existente) dos direitos

    a prestaes do Estado. Aprofundar m Luis Roberto Barroso, O

    Direito Constitucional e a

    Efetividade de suas Normas.

    Ed. RENOVAR, Rio de Janeiro, 1990, e Jos Afonso da Silva,

    211

  • 7/24/2019 Alexandre Arago dos Santos - O princpio da proporcionalidade no direito econmico

    14/32

    A este respeito,

    JOS IGNACIO LPEZ GONZLES

    afirma que o

    f vor

    libertatis e a dignidade da pessoa humana, enquanto parmetros determinantes

    do

    Princpio

    da

    Proporcionalidade da atividade administrativa, no se

    configuram

    ape

    nas

    como

    limites substanciais ao exerccio dos poderes

    da

    Administrao -

    segundo

    vimos, impondo o dever de adotar as solues menos restritivas para os particulares

    -

    tendo

    que operar tambm como

    exigncia positiva (no plano das prestaes

    positivas que a Constituio garante) de intervenes administrativas a servio destes

    valores do nosso ordenamento jurdico. Neste sentido o Princpio da Proporcionali

    dade pode e deve desempenhar o papel de critrio funcional determinante de inter

    venes pblicas em distintos setores sociais ou econmicos, na medida que a

    liberdade e a dignidade da pessoa assim o exijam .40

    Tambm

    o Princpio

    da

    Subsidiariedade. normalmente associado apenas ideo

    logia abstencionista, no exclusivo deste ou daquele

    pensamento

    poltico, podendo

    ser utilizado pelas diversas vertentes ideolgicas

    como

    estratgias para o alcance

    das suas finalidades, observados os marcos

    da

    Constituio.

    Assim

    porque

    possui

    no apenas um aspecto negativo, omissivo, consistente na vedao da regulao

    estatal nas searas

    em

    que a iniciativa

    privada

    esteja atuando

    compativelmente com

    os interesses sociais,

    como

    tambm um aspecto positivo, comissivo, que. nas palavras

    de JUAN CARLOS CASSAGNE vincula

    o Estado e lhe

    impe

    o

    dever de

    intervir,

    na hiptese de insuficincia

    da

    iniciativa privada, na

    medida em

    que a

    sua

    ingerncia

    seja socialmente necessria e no suprima

    ou impea

    a atividade dos particulares

    .41

    Tambm JAIME RODRGUEZ-ARANA

    MUNOZ observa

    que

    a subsidiarie

    dade no equivale a um Estado fraco. bem ao contrrio,

    uma

    vez que a fraqueza de

    qualquer Estado no mensurvel pelo

    tamanho

    do setor pblico, mas pela sua

    sensibilidade

    em

    relao ao bem-estar dos seus cidados

    .42

    Entre ns,

    EDSON RICARDO SALEME,

    de forma associada ao

    elemento

    necessidade do Princpio

    da

    Proporcionalidade, destacou o aspecto comissivo do

    Princpio da Subsidiariedade como desdobramento do prprio conceito de subsdio,

    a Administrao deveria levar a cabo todas as atividades

    que

    os particulares no

    queiram, no saibam ou no possam executar

    por

    sua conta. O Estado somente agiria

    em

    carter temporrio e cessaria to logo houvesse a disponibilidade do particular

    em

    realizar a atividade

    B

    VI - Princpio da proporcionalidade e supremacia do interesse pblico

    O

    princpio da

    supremacia do interesse pblico no pode ter

    um

    papel

    Aplicabilidade das Normas Constitucionais,

    Ed. Malheiros. 1998. 3' ed.

    4 El principio General de Proporcionalidad em el Derecho Administrati\'O. Instituto Garcia

    Oviedo. Universidade de Sevilha. 1988. pp. 80/1.

    41

    a

    lntervencin Administrativa. Ed. Albeledo-Perrot, Buenos Aires,

    2'

    ed

    pp. 22/3.

    42

    Crisis

    n

    the Welfare State.

    Rivista Trimestrale di Diritto Pubblico. 1997. n 4/1173.

    43 Formas de Desestatizao: aspectos jurdicos,

    mimeo,

    p.

    104 (fonte: Biblioteca da Faculdade

    de Direito da Universidade de So

    Paulo--USP).

    212

  • 7/24/2019 Alexandre Arago dos Santos - O princpio da proporcionalidade no direito econmico

    15/32

    necessariamente prevalente na ponderao entre os diversos valores econmicos

    constitucionais. Este princpio, oriundo de uma poca em que a Administrao tinha

    poderes genricos de ingerncia na vida dos cidados para assegurar um metafsico

    interesse pblico , se no deve ser abandonado, deve ao menos ser adequado ao

    Estado Democrtico de Direito e sua formao pluralista.

    44

    No existe um interesse pblico abstratamente considerado que deva prevalecer

    sobre os interesses particulares eventualmente envolvidos. A tarefa regulatria do

    Estado bem mais complexa do que a singela formulao de uma supremacia do

    interesse pblico .

    O

    interesse privado e o interesse pblico esto de tal forma institudos pela

    Constituio que no podem ser separadamente descritos na anlise da atividade

    estatal e de seus fins. ( ) Em vez de uma relao de contradio entre os interesses

    privado e pblico h, em verdade,

    uma

    conexo estrutural . ( .. ) A verificao de

    que a administrao deve orientar-se sob o influxo de interesses pblicos no signi

    fica, nem poderia significar, que se estabelea uma relao de prevalncia entre

    interesses pblicos e privados. Interesse pblico como finalidade fundamental da

    atividade estatal e supremacia do interesse pblico sobre o particular no denotam

    o mesmo significado.

    O interesse pblico e os interesses privados no esto princi

    pialmente em conflito, como pressupe uma relao de conflito. Da a afirmao de

    HBERLE:

    Eles

    comprovam a nova, aberta e mvel relao entre ambas as

    medidas 45

    E mais, em uma sociedade complexa e pluralista no h apenas um interesse

    pblico, mas muitos (melhoria e ampliao dos servios, modicidade das tarifas,

    atrao de investidores estrangeiros, regras pr-estabelecidas para propiciar maior

    segurana jurdica, possibilidade de adaptao das regras a circunstncias superve

    nientes, etc.),46 o que leva ODETE MEDAUAR a observar que a uma concepo

    de homogeneidade do interesse pblico. segue-se, assim, uma situao de heteroge

    neidade; de uma idia de unicidade, passou-se concreta existncia de multiplicidade

    44 Sobre a origem do princpio da supremacia do interesse pblico no Estado absoluto, onde de

    fato era necessrio para que fosse alcanada uma mnima coeso social, ver Maria Alessandra

    Stefanelli,

    a

    Tutela dell'Utente di Publici Servici.

    Ed. CEDAM, Padova, 1994, pp. 43/4.

    45 Humberto Bergmann vila, Repensando o Princpio da Supremacia do Interesse Pblico sobre

    o Particular , constante da obra coletiva, organizada por Ingo Wolfgang Sarlet, O Direito Pblico

    em Tempos de Crise.

    Ed. Livraria do Advogado, Porto Alegre, pp. lll/2.

    46 No incomum a prtica de atos administrativos por estes entes sobre a fundamentao do

    intresse pblico .

    possvel, porm, identificar um interesse pblico universal, essencial? Cur

    var-se retrica do interesse pblico, sem atentar para a existncia de uma multiplicidade de

    interesses pblicos, submeter-se a um discurso poltico perverso e dissimulador. Podemos

    visualizar, sob esse enfoque, ao menos trs interesses pblicos em jogo dentro do processo

    decisrio das agncias reguladoras: o interesse do prprio Estado, o interesse das empresas con

    cessionrias e os interesses dos usurios. Identificar qual destes est sendo atendido numa deciso

    concreta

    da

    agncia

    de fundamental importncia para se aferir qual a legitimidade democrtica

    do ente especfico (Conrado Hbner Mendes, Reforma do Estado e Agncias Reguladoras,

    constante da obra coletiva

    Direito Administrativo Econmico,

    coordenada por Carlos Ari Sundfeld,

    Ed. Malheiros, So Paulo, 2000, p 104, grifos nossos).

    2 3

  • 7/24/2019 Alexandre Arago dos Santos - O princpio da proporcionalidade no direito econmico

    16/32

    de interesses pblicos. A doutrina

    contempornea

    refere-se impossibilidade

    de

    rigidez na prefixao do interesse pblico, sobretudo

    pela

    relatividade

    de

    todo

    padro

    de comparao. Menciona-se a indeterminao e dificuldade

    de

    definio do inte

    resse pblico, a sua difcil e incerta avaliao e hierarquizao, o

    que gera

    crise na

    sua prpria objetividade

    O Estado, ao regular as atividades econmicas, deve

    buscar

    satisfazer os inte

    resses pblicos fixados no

    ordenamento jurdico

    - no

    um interesse

    pblico geral

    e metafsico

    - compondo

    os interesses

    do

    prprio Estado; dos produtores de

    servios; da coletividade

    em

    geral; das diversas categorias de

    consumidores

    (grandes

    consumidores

    industriais,

    consumidores

    domiciliares e consumidores virtuais

    que

    ainda no gozam dos servios48);

    dos

    interesses pblicos setoriais e pontuais

    49

    , por

    vezes

    em

    conflito entre si; os interesses difusos e coletivos, etc.

    50

    Como

    afirma

    EDUARDO GARCA

    DE ENTERRA,51 todo o Direito

    pblico

    est

    protagonizado simultaneamente

    por

    entes pblicos e

    por

    sujeitos privados.

    Em

    todos os mbitos do Direito, que

    sempre

    intersubjetivo, se

    produz

    um enfrenta

    mento, seja no sentido mais formal

    da

    expresso, ou no sentido de

    que cada um

    dos

    sujeitos persegue fins ou interesses prprios.

    Mas

    misso do Direito articular, sobre

    esse enfrentamento entre os distintos sujeitos, um ponto de equilbrio em

    que

    cada

    qual h de receber o seu . No Direito pblico esse ponto de equilbrio especial

    mente comprometido e dramtico. O sujeito pblico , por sua prpria essncia, uma

    potentior persona,

    uma

    pessoa mais poderosa,

    que

    tende naturalmente

    supremacia

    e imposio. Todavia, se o Direito

    pblico

    h de ser

    efetivamente

    Direito no pode

    renunciar a essa meta de obter e de

    conseguir um

    equilbrio .

    No

    se

    est

    a negar a importncia

    jurdica

    do interesse pblico.

    H

    referncias

    positivas

    em

    relao a e l e 5 ~ O

    que deve

    ficar claro, porm, que, mesmo nos casos

    em que

    ele legitima uma atuao estatal restritiva especfica,

    deve

    haver uma pon

    derao relativamente aos interesses privados e medida de sua restrio.

    essa

    47

    O Direito Administratim em

    Emluo

    Ed. RT, So Paulo, 1992, p. 182.

    Veja-se, por exemplo, que a modicidade da tarifa pode beneficiar os consumidores que j

    usufruem o servio, mas pode prejudicar os investimentos necessrios para beneficiar os moradores

    das reas ainda no alcanadas pelos servios.

    49

    Para uma classificao dos diversos interesses pblicos, ver Massimo Severo Giannini,

    Diritto

    Amministratil O, Ed. Giuffre,

    3'

    ed., Milo, 1993, pp. 113 a 117. Denotando a conjuno que s

    vezes se d entre o interesse pblico e privado o autor d como exemplo a instalao de indstria

    em

    rea que necessita desenvolver-se. Trata-se no caso de um interesse pblico pontual, ou seja,

    que diz respeito a atividade que no pode ser genericamente considerada como de interesse pblico.

    que apenas pode s-lo diante da anlise de cada caso concreto.

    50 A doutrina destaca a importncia do procedimento administrativo como a sede adequada para

    que se proceda a uma adequada e pluralista ponderao entre os diversos interesses pblicos e

    privados envolvidos (Maria Alessandra Stefanelli, a Tutela dell Utente di Publici Servici, Ed.

    CEDAM, Padova, 1994, p. 56).

    5

    Actuacin Pblica

    y

    Actuacin Privada

    n

    el Derecho Urbanstico,

    Revista Espafiola de Derecho

    Administrativo, vol. 1

    52 Devemos destacar, sobretudo. a sua dimenso tica (Odete Medauar, O Direito Administrativo

    em Evoluo. Ed. RT, So Paulo, 1992, p 179).

    214

  • 7/24/2019 Alexandre Arago dos Santos - O princpio da proporcionalidade no direito econmico

    17/32

    ponderao para atribuir mxima realizao aos interesses envolvidos

    o

    critrio

    decisivo para a atuao administrativa.

    E antes que esse critrio seja delimitado,

    no h cogitar sobre a referida supremacia do interesse pblico sobre o particular

    53

    No mesmo sentido, ODETE MEDAUAR observa que contemporaneamente se

    impe a modificao do entendimento de sacrifcio de interesse em benefcio de

    outro, ou de primazia de um sobre outro interesse. Cogita-se hoje da funo atribuda

    Administrao de

    ponderao dos interesses

    em confronto; o princpio da no

    sacrificabilidade

    a priori

    de nenhum interesse; o objetivo dessa funo est na busca

    do estatuto da compatibilidade entre os interesses. ( .. ) Pode-se associar

    orientao

    ora exposta, de necessidade de completa apreciao de todos os fatores e interesses,

    com vista sua conciliao e sacrifcio mnimo, previso do princpio da impes

    soalidade, para todos os setores da Administrao pblica, na Constituio Federal,

    art. 37, caput . 54

    VII -

    A proporcionalidade e as relaes de sujeio especial

    As relaes de sujeio especial constituem Instituto regulatrio comum a uma

    srie de relaes do Poder Pblico com particulares mas que, todavia, muitas vezes

    manejado como artifcio de mitigao dos Princpios da Legalidade e da Propor

    cionalidade, equvoco que deve ser evitado.

    Com efeito, as relaes de sujeio especial so um dado comum s regulaes

    das atividades privadas de interesse geral, da explorao de servios pblicos e das

    atividades econmicas monopolizadas (o mesmo se diria dos servidores pblicos,

    contratados em geral, etc.). Nos termos da Teoria de OITO MA

    YER 55

    estas regu

    laes consubstanciam

    uma

    relao de sujeio especial , e no de supremacia

    geral, exercida apenas mediante o poder de polcia em seu sentido tradicional, pelo

    qual

    a Administrao figura no vnculo jurdico como autoridade pblica, utilizan

    do-se do seu poder de imprio, da sua supremacia perante todos os cidados, enquanto

    exercente de uma funo pblica, voltada a curar os interesses da coletividade

    56

    Nestes casos, como no h uma relao prvia entre o administrado e a Administra

    o, para a qual o primeiro teria assentido, o Princpio da Legalidade no incide com

    os seus rgidos contornos tradicionais.

    As relaes de supremacia especial so relaes especficas travadas pela

    Administrao com o particular, que, por meio delas, insere-se material ou juridica-

    53 Humberto Bergmann vila, Repensando o Princpio da Supremacia do Interesse Pblico sobre

    o Particular , constante da obra coletiva organizada por Ingo Wolfgang Sarlet O Direito Pblico

    em Tempos de Crise,

    Ed. Livraria do Advogado, Porto Alegre, pp. 127, grifamos.

    54

    O Direito Administrativo em Evoluo, Ed. RT, So Paulo, 1992, p. 183.

    55

    Derecho Administrativo Alemn,

    Ed. De Palma, Buenos Aires. 1982, tomo

    r

    pgs. 144-145

    56 Jos Roberto Pimenta Oliveira, A NEEL e Servios de Energia Eltrica. na obra coletiva Direito

    Administrativo Econmico, coordenada por prprio Carlos Ari Sundfeld, Ed. Malheiros, So Paulo,

    2000, pp. 339 a 341.

    215

  • 7/24/2019 Alexandre Arago dos Santos - O princpio da proporcionalidade no direito econmico

    18/32

    mente na esfera da Administrao, justificando o manejo. por parte desta, de poderes

    inerentes relao. ( .. ) Assim, ao receber determinada concesso ou permisso de

    servio pblico, o particular. por inserir-se em campo especfico da Administrao,

    passa a submeter-se a poderes administrativos mais intensos, decorrentes da titula

    ridade ou da natureza da atividade a ser desempenhada. Por meio deles a Adminis

    trao poder realizar injunes, estipular obrigaes, criar deveres, que sejam

    necessrios ao cumprimento da finalidade a que serve a atividade, restritos, porm,

    ao mbito da referida relao, sem, todavia, ofender o cnone da legalidade. Ao

    contrrio, nesta seara temos implcita autorizao legal para a criao de outras regras

    jurdicas necessrias ao desenvolvimento da relao jurdica

    7

    que, acrescentara

    mos, so decorrentes da adeso consensual do particular ao ordenamento setorial em

    questo atravs da autorizao, da permisso ou da concesso.

    A lei e a anuncia do particular se somam para conferir amplos poderes regu

    latrios ao Estado,58 que, de qualquer forma, no se isenta da necessria observncia

    do Princpio da Proporcionalidade:

    A

    extenso dos direitos fundamentais a todos

    os cidados, como direitos inerentes

    prpria personalidade, exige que as limitaes

    ao seu exerccio, baseadas na

    relao

    de sujeio especial , em que se encontram

    certas categorias de pessoas, s sejam admissveis na medida em que resultarem

    estritamente indispensveis para o cumprimento da misso ou da funo derivada

    da situao especial 59

    7 A considerao da vontade dos particulares como habilitadora de potestades administrativas

    foi formulada pelos tratadistas da evoluo conceitual sofrida por una das instituies chaves do

    Direito administrativo: a autorizao. Assim, Franchini dizia

    que

    parece claro que o particular,

    atravs do ato de autorizao vem a renunciar, a fim de ver removida a proibio ... a uma parte de

    sua liberdade. Este ato de submisso voluntria,

    em

    geral resulta implicitamente contido na prpria

    solicitao de autorizao . Em termos muito semelhantes, Manzanedo escrevia que a solicitao

    de autorizao tem a ela implcito o consentimento do interessado a esta submisso especial, que

    , definitivamente, o preo que paga para consegui-Ia. ( ) No se trata de uma espcie de negociao

    entre entidades de crdito (empresas em geral) e a Administrao, pela qual as primeiras cederiam

    parte da sua liberdade de empresa. Do que h de se falar propriamente da configurao do contedo

    de tais direitos individuais pela atuao de poderes administrativos suficientemente habilitados em

    normas legais, cuja razo ltima a garantia do interesse social situado em uma atividade to

    relevante para todo o conjunto de cidados (Jos Maria Michavila Nnez,

    Relacin especial de

    sujecin en el sector crediticio

    y

    Estado de Derecho,

    Revista Espanola de Derecho Administrativo,

    vol. 54).

    58 As

    chamadas relaes de sujeico especial no so um mbito em que os sujeitos ficam

    despojados dos seus direitos fundamentais ou em que a Administraco possa ditar normas sem

    habilitaco legal prvia. Estas relaes no

    se

    do a margem do direito, mas dentro dele e portanto

    tambm nelas tm vigncia os direitos fundamentais, de forma que a Administrao no goza nestas

    relaes de sujeio especial de

    um

    poder normativo carente de habilitaco legal. ainda que esta

    possa ser outorgada em termos que no seriam aceitveis em relaes de sujeio geral

    (El

    principio non bis n idem

    y

    su aplicacin a las relaciones de sujecin especial de la policia

    gubernativa, STC 234/1991, de

    10

    de dezembro de 1991, Revista Espanola de Derecho Adminis

    trativo. vol. 79)

    59

    Rafael Gmez-Ferrer Morant.

    Derecho a la tutela judicial

    y

    posicin jurdica peculiar de los

    poderes pblicos,

    Revista Espanola de Derecho Administrativo, vol. 33.

    216

  • 7/24/2019 Alexandre Arago dos Santos - O princpio da proporcionalidade no direito econmico

    19/32

    VIII - sagncias reguladoras como manifestao

    do

    princpio

    da

    proporcionalidade

    Verificada a necessidade de retrao da interveno estatal em vastos setores

    da vida econmica, teve-se, por outro lado, a conscincia de que o Estado no poderia

    deixar apenas ao bom senso empresarial a gesto de atividades de indubitvel

    interesse pblico, que devem, portanto, ficar sob o seu poder regulatrio.

    Apesar da sua origem relativamente antiga, que tem como principal marco a

    Interstate Commerce Commission criada nos Estados Unidos da Amrica do Norte

    em

    1887 para regulamentar os servios interestaduais de transporte ferrovirio,6o as

    agncias reguladoras constituem, cada vez mais, um importante mecanismo de

    dilogo entre o Direito, que no pode abrir mo do seu carter normativo, e a

    economia, que no cessa de aumentar a capacidade de impor a sua prpria lgica.

    6

    IUAN CARLOS CASSAGNE

    62

    observa que os poderes conferidos a estes

    rgos e entidades so de

    variada

    natureza e extenso . O panorama amplssimo,

    abrangendo os clssicos poderes administrativos relacionados com a fiscalizao das

    atividades desenvolvidas pelos particulares, cumprimento das regras estabelecidas

    nos contratos de concesso, nas licenas ou nas autorizaes, incluindo o estabele

    cimento de eventuais tarifas, poderes disciplinares, sancionatrios e preventivos de

    condutas prejudiciais aos interesses coletivos tutelados.

    Sendo assim, as agncias reguladoras so entidades atpicas

    em

    relao ao

    tradicional aparato administrativo, com acentuada caracterstica de independncia

    decisria e alta competncia tcnica, normalmente colegiadas,63 que ditam regras de

    comportamento aos operadores, os fiscalizam, aplicam-lhes sanes e formulam

    propostas ao Parlamento e ao Govemo.,,64

    60

    Bernard Schwartz,

    American Administrative

    Law Sir Isaac Pitman Sons Ltda., London, 1950,

    pp. 6 e 7.

    6

    O direito moderno mantm elevada interdependncia com os demais sistemas (p. e., econmico,

    poltico, cientfico, etc.), e sensvel

    s

    demandas que lhe so formuladas por este ambiente

    (abertura cognitiva); entretanto, s consegue process-Ias nos limites inerentes s estruturas, sele

    es e operaes que diferenciam o direito dos demais sistemas (fechamento operativo). Dessa

    perspectiva, o sistema jurdico um s, pouco importando se as cadeias normativas so mltiplas,

    no-hierarquizadas, informais ou produzidas em diferentes contextos. Essa unicidade decorre da

    funo do direito e no da arquitetura do sistema normativo. A globalizao demanda novas

    derenciaes no interior do sistema jurdico, mas no capaz de corromper sua funo

    (Celso Fernandes Campilongo, Teoria do Direito e Globalizao Econmica in Direito Global,

    Max Limonad, 1999, p. 80 - grifamos).

    62 Los Nuevos Entes Regulatorios

    integrante da obra coletiva

    El Derecho Pblico Actual

    Edicio

    nes Depalma, Buenos Aires, 1994, pp. 45/6.

    63 Quanto instituio de rgos de natureza colegiada como forma de controle, ver R. Zippelius

    in

    Teoria Geral do Estado Fundao Calouste Gulbenkian,

    3

    ed., 1997, trad. Karin Praeflce-Aires

    Coutinho, Coordenao de

    J.

    J.

    Gomes Canotilho,

    p.

    410):

    Mesmo

    a estruturao interna de um

    rgo estatal segundo o princpio colegial tem uma funo de controlo.

    64 Elisabetta Bani, Stato Regolatore e Autorit lndipendenti constante da obra coletiva

    Le

    Tras-

    formazioni dei Diritto Amministrativo

    Giuffre Editore, Milo, 1995, pp. 22/3.

    217

  • 7/24/2019 Alexandre Arago dos Santos - O princpio da proporcionalidade no direito econmico

    20/32

    Neste sentido, podemos afirmar que, alm da atribuio

    de

    receitas prprias,

    fundamental para a garantia da independncia das agncias reguladoras a nomeao

    dos seus dirigentes por termo certo e mediante procedimento especial, normalmente

    com a prvia aprovao das indicaes pelo Poder Legislativo, e a vedao de

    exonerao ad

    lllll11nJ

    Ambas as restries,

    ao

    poder

    de

    livre nomeao e exonerao pelo Chefe do

    Poder Executivo, foram consideradas constitucionais pelo Supremo Tribunal Federal

    no julgamento da Medida Cautelar pedida na ADIN

    n

    1949-0. A primeira em virtude

    do art. 52,

    m f '

    da Constituio Federal, admitir a prvia aprovao do Senado

    Federal da escolha de titulares de outros cargos que a lei determinar . Quanto

    constitucionalidade da vedao da exonerao ad

    ll11tllnJ

    dos dirigentes das agncias

    reguladoras, o Supremo entendeu que no viola as competncias do Chefe do Poder

    Executivo, admitindo a exonerao apenas por justa causa e mediante o prvio

    procedimento administrativo, assegurado o contraditrio e a ampla defesa, ou se

    advier a mudana da lei criadora da agncia independente.

    6

    CATHERINE TEITGEN-COLL

    Y,66

    ao analisar as autoridades administrativas

    independentes francesas, equivalentes

    s

    nossas agncias reguladoras, observa que

    tm a funo de regulao social em determinados setores, funo a qual o respectivo

    grupo social adere. So estas funes que justificam a estrutura e os poderes,

    inclusive de fixar regras jurdicas, destas instituies, que no so subordinadas ao

    Poder Executivo, nem so prolongamentos do Poder Legislativo ou Judicirio, e que

    so dotadas de poderes que lhes permite exercer de forma independente uma misso

    de regulao setorial.

    As apontadas caractersticas das agncias reguladoras,67 quais sejam, (a) a

    especializao tcnica e setorial, (b) os amplos poderes decisrios, notadamente de

    natureza normativa, e (c) a elevada autonomia frente ao Poder Executivo central,

    no fazem com que sejam instituies homogneas entre si, havendo, contudo, em

    todas elas, os traos comuns de autonomia face ao Poder Executivo central.

    68

    6 Dissonantemente, o Relator, Ministro Seplveda Pertence, entendeu aplicvel espcie a Smula

    n

    25, que dispe:

    ..

    A nomeao a termo no impede a livre demisso, pelo Presidente da Repblica,

    de ocupante de cargo de dirigente de autarquia (fonte:

    .

    Note-se, contudo, que, apesar de no ser

    muito notado pela doutrina, a Smula

    n 25

    nunca foi tomada em termos absolutos, tendo sido, por

    exemplo, excepcionada em relao aos reitores das universidades pblicas, geralmente de natureza

    autrquica, conforme o que dispe a Smula 47: Reitor de Universidade no livremente

    demissvel pelo Presidente da Repblica durante o prazo de sua investidura.

    66

    n

    Les autorits Administratives Indpendantes: histoire d une institution,

    constante da obra

    coletiva Les autorits Administratives Indpendantes, coord. Claude-Albert Colliard e Gerard

    Timsit. PUF, 1988, pp. 23/4.

    67 Antonio la Spina e Giandomenico Majone, o Stato Rego/atore,

    Ed.

    Molino, Bologna, 2000,

    p 62

    68

    H, de fato, uma grande heterogeneidade das agncias reguladoras: algumas so dotadas de

    considervel extenso de poderes autnomos, outras nem tanto, havendo ainda as que sequer podem

    ser consideradas como independentes ou autnomas, se descaracterizando, desta forma, como

    verdadeiras agncias.

    218

  • 7/24/2019 Alexandre Arago dos Santos - O princpio da proporcionalidade no direito econmico

    21/32

    possvel denotar que o nosso Direito, na senda dos pases ocidentais como

    um todo, tem buscado realizar a regulao da economia atravs de rgos ou

    entidades especializados tecnicamente e freqentemente dotados de especial auto

    nomia frente ao Poder Executivo central, valendo-se, para tanto, das agncias regu

    ladoras.

    A instituio de agncias reguladoras tende a atender ao Princpio da Propor

    cionalidade, a medida em que, ao retirar da esfera preponderantemente poltica a

    regulao de vastos setores da atividade econmica, busca assegurar a no imposio

    de regulaes de cunho eminentemente poltico, s vezes mesmo de cunho poltico

    eleitoral, e, desta forma, desnecessrias ou desvirtuadas para os fins pblicos aos

    quais a regulao estatal visa a atender.

    Estas instituies tambm so macro-emanaes da proporcionalidade da

    relao entre o Estado e a economia por caracterizarem a composio entre um

    Estado produtor, encarregado diretamente da gesto de unidades econmicas, e um

    Estado regulador, que no mais se substitui aos agentes econmicos, se limitando a

    impor-lhes certas regras e se esfora em hamonizar-Ihes as aes ( .. . Esta caracte

    rstica no , no entanto, denotadora de absentesmo: O estado regulador , desta

    forma, um Estado presente na economia

    como

    uma instncia tutelar encarregada de

    assegurar a manuteno dos grandes equilbrios .69

    IX -

    Proporcionalidade nos servios pblicos

    O conceito de servios pblicos , ao mesmo tempo, uma das mais nucleares e

    controversas noes do Direito Pblico. A variao que possui em cada direito

    positivo e

    em

    cada momento scio-econmico em muito contribui para a dificuldade

    da sua conceituao.

    7o

    Universalmente vem ocorrendo de ampliao

    do

    mbito de regulao estatal

    com a correspectiva reduo da sua intensidade. Noutras palavras, caracterstica

    do que alguns denominam de Estado Regulador

    71

    ou Estado rbitro

    72

    , ou seja,

    do

    69

    Jacques Chavalier,

    pud

    Dominique Bureau,

    la Rglementation de l conomie,

    constante dos

    Archives de Philosophie du Droit, Tomo

    41

    - e

    Priv et le Public,

    Ed. Sirey, Paris, 1997, p. 334.

    7 Segundo Laurent Richer, o grande influxo da poltica e das ideologias sobre a noo de servio

    pblico uma das causas da sua permanente crise (Service Public et lntert Priv, constante dos

    Archives de Philosophie du Droit, Tomo 41 - e Priv et le Public, Ed. Sirey, paris, 1997, p.

    293). Caio Tcito, lembrando a ironia de Mareei Waline, afirma que a noo de servio pblico

    fugidia e varivel, assemelhando-se, na disparidade de critrios e definies, a um

    dilogo

    de surdos,

    em que no se entendem os interlocutores (O Conceito de Senio Pblico,

    in

    Temas de Direito

    Pblico. Ed. Renovar, Rio de Janeiro. 1997, 10 Vol., p. 637). Para um histrico da crise da noo

    do servio pblico no Direito Administrativo francs, ver Franois Burdeau,

    Histoire du Droit

    Administratif,

    Ed. PUF, paris, 1995. pp. 473 a 481.

    71

    Por exemplo, Antonio la Spinta e Giandomenico Majone, o Stato Regolatore,

    II

    Mulino,

    Bolonha, 2000, pp. 168/9.

    7 Adotando esta denominao, Dominique Bureau. a Rglementation de l conomie, constante

    219

  • 7/24/2019 Alexandre Arago dos Santos - O princpio da proporcionalidade no direito econmico

    22/32

    Estado que se retirou das atividades de prestao direta ao pblico, a ampliao da

    extenso da regulao por ele exercida sobre as atividades dos particulares, regulao

    esta que passa. todavia. a ser exercida de forma menos constritiva.

    A reduo da intensidade regulatria permitiu que o poder regulatrio estatal

    se espraiasse, observado o Princpio da Proporcionalidade, por esferas privadas

    anteriormente menos ou nada reguladas. H uma tendncia

    diminuio da inten

    sidade regulatria nos setores onde a interveno estatal era bastante forte, e, por

    outro lado. um aumento desta intensidade onde a regulao era menos intensa.

    Sob esta perspectiva merece citao a interessante observao de JEAN CLAM

    7

    de que a liberalizao de atividades tradicionalmente consideradas como pblicas.

    longe de representar uma subtrao regulamentao exgena da atividade, demons

    tra como os atores privados se tornaram vtimas de sua prpria emancipao, ocor

    rendo

    uma

    potencializao da existncia pessoal e social .

    Neste contexto, o conceito de servio pblico, tradicionalmente o mais forte

    mecanismo de regulao social, tem passado por grandes desafios: se mantido o seu

    conceito tradicional de atividade exclusiva da esfera pblica, cujo mero exerccio

    poderia ser delegado a particulares, ter a sua esfera bastante reduzida; se ampliado

    o seu conceito para todas atividades. ainda que no exclusivas do Estado, em que

    este exera uma regulao ordenadora. o servio pblico alcanar uma amplitude

    tal que dispersar o seu conceito, abrangendo realidades bastante dspares.

    Certa feita

    JOS MANUEL SALA ARQUER reparou

    que

    a experincia re

    cente de outros pases - em especial das privatizaes inglesas - demonstra que

    a velha concepo da publicatio ou reserva ao Estado de todo um setor se tornou

    superada, na mesma medida em que tambm esto sendo superados os chamados

    monoplios naturais . Cada vez so mais numerosas

    as

    atividades consideradas

    tradicionalmente

    como

    servios pblicos que se transformam em atividades do

    mercado

    A questo de grande relevncia. uma vez que a maior discusso que se trava

    hoje a respeito dos servios pblicos exatamente se devem ser considerados como

    tal apenas os servios titularizados com exclusividade pelo Estado em razo do

    bem-estar da coletividade, ou se a sua noo deve abranger tambm as atividades

    privadas, no titularizadas pelo Estado, que tenham grande importncia para a

    coletividade e que por esta razo esto sujeitas a uma rgida e constante conformao

    pelo Poder Pblico, notadamente atravs da exigncia de autorizaes prvias.

    O que distinguiria estas autorizaes das autorizaes do poder de polcia no

    sentido tradicional que so muito mais do que atos que apenas levantam impedi-

    dos Archives de Philosophie du Orait. Tomo

    41

    - ePrir et le Public, Ed. Sirey, Paris, 1997,

    p.330.

    7 Qu est-ce qu um bien public? Une enqute sur le sens et

    /'

    ampleur de la socialisation de

    / wilit dans les societs complexes. constante dos Archives de Philosophie du Orait, Tomo 41 -

    e

    Pril et

    l

    Publico

    Ed. Sirey. paris. 1997.

    p

    216.

    Huida ai Derecho PriI Gdo

    y

    Huida dei Derecho. Revista de Oerecho Administrativo Espanol

    - REOA. 75/412-413 e La Comissin dei Mercado de las Telecomunicaciones, Ed. Civitas,

    Madrid. 2000. p 40,

    220

  • 7/24/2019 Alexandre Arago dos Santos - O princpio da proporcionalidade no direito econmico

    23/32

    mentos ao desempenho de atividade que poderia prejudicar a coletividade, mas que

    no atende diretamente a um interesse coletivo. As atividades econmicas que

    estamos abordando atendem diretamente coletividade, estando sujeitas a uma

    autorizao prvia ordenadora, que, alm de possibilitar ao particular o exerccio da

    atividade, investe o Poder Pblico de uma srie de poderes de direo sobre a

    atividade sem que a titularize (ex.: a atividade dos txis, em o Municpio pode mudar

    os requisitos de qualidade dos servios, fixar os preos, etc.).

    A dificuldade de distino entre os servios pblicos concedidos e as atividades

    privadas de interesse pblico autorizadas um exemplo da aplicao do Princpio

    da Proporcionalidade no Direito Econmico, tanto em seus aspectos omissivos, como

    comissivos. Vejamos, respectivamente:

    a)

    A rigidez da titularidade estatal exclusiva

    do servio pblico (publicario) em muitos setores tornou-se desnecessria, por exem

    plo, em razo da evoluo tecnolgica que possibilitou a existncia de concorrncia

    em atividades que antes eram monoplios naturais (ex.: alguns servios de teleco

    municaes);

    b)

    O aumento da complexidade da sociedade de massa, por sua vez,

    imps a regulamentao ordenadora de atividades privadas de prestao ao pblico

    at ento sujeitas apenas ao poder de polcia genrico.

    7

    assim que, proporcional

    mente, no necessria a titularidade pblica para que uma atividade atenda ao

    interesse pblico, bastando que esteja sujeita a uma intensa e constante regulao

    estatal.

    Diante disto, podemos perquirir se a Constituio de 1988, com as reformas

    que a sucederam, contempla um conceito de servio pblico estrito (apenas as

    atividades de utilidade pblica titularizadas pelo Estado), ou, se ao revs, inclui no

    conceito tambm as atividades de titularidade privada sujeitas conformao estatal.

    O art. 175 da Constituio Federal parece afirmar a titularidade estatal sobre as

    atividades econmicas

    lato sensu

    qualificadas como servios pblicos, ao estabelecer

    que devem ser prestados diretamente pelo Poder Pblico ou pelas empresas privadas,

    concessionrias ou permissionrias, que dele recebam a competente delegao. No

    alude no art. 175 s atividades privadas ordenadas pelo Estado mediante autorizao.

    Mas os incisos XI e XII do art. 21 tratam da prestao direta pela Unio ou indireta,

    mediante autorizao, concesso ou permisso, dos servios de telecomunicaes,

    de radiodifuso sonora e de sons e imagens; servios e instalaes de energia eltrica

    e o aproveitamento energtico dos cursos de gua; a navegao area, aeroespacial

    e a infra-estrutura aeroporturia; os servios de transporte ferrovirio e aquavirio;

    os servios de transporte rodovirio interestadual e internacional de passageiros; e

    os portos martimos, fluviais e lacustres.

    7 Os

    ganhos de contingncia, de elasticidade. de mobilidade, o aumento de opes propiciado

    pela diferenciao funcional se do paralelamente a uma extrema densificao. Podemos. desta

    forma, observar o paradoxo dos mundos das pessoas privadas, a tal ponto dinamizadas que so a

    irrupo umas das outras, condicionando-se mutuamente (Jean Clamo Qu est-ce qu um bien

    public. Une enqute sur te sens et /' ampleur de la socialisation de l utilit dans les societs

    complexes, constante dos Archives de

    Philosophie du Droit, Tomo 41 -

    Le Pri\ et

    l

    Public,

    Ed.

    Sirey, paris. 1997,

    p

    217).

    221

  • 7/24/2019 Alexandre Arago dos Santos - O princpio da proporcionalidade no direito econmico

    24/32

    Ao se referir prestao de servios mediante autorizao, a Constituio incluiu

    entre os servios pblicos atividades no titularizadas pelo Poder Pblico. Como

    sabemos, apenas a concesso e a permisso transferem a particulares a execuo de

    servios pblicos de titularidade estatal. As autorizaes so instrumentos de orde

    nao pblica de atividades de titularidade privada.

    Destarte. em razo do contexto inegavelmente liberalizante em que nos encon

    tramos e da disciplina constitucional que trata de atividades meramente autorizadas

    como servios pblicos, seria sustentvel que em nosso Direito os servios pblicos

    possuem um conceito amplo, identificando-se com todas as atividades de interesse

    da coletividade sujeitas aos princpios da continuidade e universalidade, sejam elas

    titularizadas pelo Estado ou pela iniciativa privada.

    Isso no nos impede, todavia, de ver as grandes diferenas de regime jurdico

    entre as atividades titularizadas pelo Poder Pblico, em que a competio no a

    regra, mas sim uma forte regulamentao e us variandi nos casos em que tenha

    havido concesso ou permisso, e as atividades privadas de interesse coletivo,

    sujeitas autorizao, em que a competncia e a abertura do mercado so a regra,

    sem embargo das normas editadas pelo Poder pblico, cujo descumprimento pode

    levar

    cassao da autorizao. No primeiro caso, temos uma relao endgena

    entre a regulao pblica e o prestador privado concessionrio ou permisionrio, ou

    seja, o Estado edita normas sobre o seu servio. No segundo caso a relao exgena:

    o Estado editada normas de regncia de atividades da iniciativa privada para que

    atinjam as finalidades pblicas a que se destinam.

    Para no tratar conjuntamente realidades diversas, abordaremos em distintos

    Tpicos as duas modalidades de servios pblicos, quais sejam, os servios pblicos

    propriamente ditos, exclusivos do Estado, sujeitos

    publicatio

    e de execuo trans

    fervel apenas atravs de concesso ou permisso, e as atividades privadas de inte

    resse coletivo regidas pelos princpios do servio pblico, exercidas por autorizat

    rios e sujeitas ordenatio, tambm chamadas de servios pblicos imprprios ou

    virtuais

    76

    Ressalto, no entanto, que, sempre que atendido o interesse da coletividade, se

    impe a adoo da modl1lidade regulatria menos constritiva, ou seja, a ordenatio,

    em detrimento da publicatio. Todas as atividades designadas pela Constituio como

    servio pblico podem, observado o Princpio da Proporcionalidade, deixar de ser

    exclusivas do Poder Pblico, exclusividade em funo da qual s poderiam ser

    exercidas por particulares mediante concesso ou permisso, para ter a sua titulari

    dade transferida

    iniciativa privada, ficando sujeitas apenas

    ordenao pblica

    autorizativa.

    A tra