alexander, j. o novo movimento teórico
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O NOVO MOVIMENTO TEORICO
Jeffrey C. Alexander
A teoria sociolgica vive um momento crucial. Os outrora jovens opositores da teoria funcionalista
chegam meia idade. Suas lies polmicas foram apreendidas; como tradies consagradas,
porm, suas limitaes tericas tornaram-se cada vez mais visveis. A desesperana em face da crise
da sociologia marcou o nascimento da era ps-funcionalista. Agora,. quando a prpria fase ps-
funcionalista est chegando ao fim, percebe-se no uma crise, mas uma encruzilhada, um momento
decisivo ansiosamente esperado.
Contra a dominao do funcionalismo no ps-guerra empreenderam-se duas revolues. Por um
lado, surgiram escolas radicais e estimulantes de microteorizao, acentuando o carter contingente
da ordem social e a centralidade da negociao individual. Por outro lado, desenvolveram-se
vigorosas escolas de macroteorizao, enfatizando o papel de estruturas coercitivas na determinao
do comportamento individual e coletivo. Esses movimentos transformaram o debate geral e
permearam os trabalhos empricos de alcance mdio. Ao mesmo tempo em que triunfavam,
contudo, a autoconfiana e o impulso desses enfoques tericos comeavam a declinar.
Esse enfraquecimento decorria de sua unilateralidade, que tornava impossvel sua sustentao. Essa,
pelo menos, ser a tese central deste ensaio. Demonstrarei que a unilateralidade gerou contradies
tanto na tradio micro como na macro. Foi, alis, com vistas a escapar a essas dificuldades que
uma gerao mais jovem de socilogos formulou um programa de trabalho de natureza inteiramente
diversa. Persistem entre eles desacordos fundamentais, mas h um princpio fundante em relao ao
qual todos esto de acordo: a micro e a macroteoria so igualmente insatisfatrias; ao e estrutura
precisam ser agora, articuladas. Onde, at dez anos atrs, havia um clima inteiramente favorvel a
programas tericos radicais e unilaterais, ouve-se contemporaneamente a exortao a uma
teorizao de tipo completamente diferente. Nos centros da sociologia ocidental - na Inglaterra, na
Frana, na Alemanha e nos Estados Unidos - o que est na ordem do dia mais propriamente uma
teoria que busque a sntese do que uma que insista na polmica.
Minha pretenso neste ensaio a de reconstruir analiticamente essa nova e surpreendente mudana
no progresso da teoria geral. Devo comear, porm, por justificar o prprio projeto de uma teoria
geral. Parece-me indiscutvel que a teorizao num nvel geral - isto , sem referncia a problemas
empricos particulares ou a domnios especficos - constitui um esforo significativo, na verdade,
crucial. Foi a teoria geral, por exemplo, que articulou e sustentou os desenvolvimentos que acabo de
descrever. Cristalizados por amplos debates tericos, alm disso, esses desenvolvimentos no
permaneceram segregados em qualquer domnio terico abstrato. Ao contrrio, permearam
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sucessivamente todos os subcampos empricos da sociologia. Na sociologia norte-americana,
contudo, a significao e mesmo a validade da teoria geral est submetida a constante controvrsia.
Reflexo de um vis empiricista profundamente arraigado, esse questionamento torna mais difcil
perceber desenvolvimentos mais amplos e discutir sobre a direo do desenvolvimento da
sociologia de uma maneira racional e disciplinada. Parece claro que, como preldio a qualquer
exerccio terico substantivo, o projeto de uma teoria geral deve ser defendido, assim como devem
ser explicadas as razes de sua relevncia exclusiva.
Farei essa defesa no contexto da elucidao da natureza especfica de uma cincia social.
Argumentarei que a predio e a explicao no so os nicos objetivos da cincia social, sendo
igualmente significativas as modalidades mais gerais de discurso que caracterizam os debates
tericos. Insistirei, ademais, que esto presentes nesses discursos critrios avaliativos diferentes dos
empiricistas. Depois de discutir esse ponto tentarei articular esses critrios de verdade ao nvel "dos
pressupostos" do discurso. S ento retornarei questo substantiva que constitui o centro deste
ensaio. Reconstruirei o desenvolvimento das respostas micro e macro tradio funcionalista e
avaliarei esses discursos em termos dos critrios de validez que formulei. Depois de identificar os
projetos tericos que emergem como resposta aos insucessos dessas tradies micro e macro,
esboarei em grandes traos o que poder vir a ser um modelo sinttico da inter-relao entre ao e
estrutura.
A Sociologia como Discurso e como Explicao
A fim de defender o projeto de uma teoria geral, preciso convencionar que os argumentos
sociolgicos no dependem de um resultado explicativo imediato para serem considerados
cientficos. A aceitao disso pelos cientistas sociais depende, em primeiro lugar, de eles
encararem, ou no, sua disciplina como uma forma nascente de cincia natural e, em segundo, de
sua concepo de cincia natural. Aqueles que se opem teoria geral no apenas identificam a
sociologia com a cincia natural como concebem esta ltima como uma atividade antifilosfica,
observacional, proposicional e puramente explicativa. Aqueles que querem legitimar a teoria geral
em sociologia, por outro lado, podem tambm identificar-se com a cincia natural; ao faz-lo,
apontam para as implicaes de revoluo no sentido de Kuhn e argumentam que empreendimentos
no empricos, filosficos, informam e, com freqncia, influenciam decisivamente a prtica das
cincias naturais. Essa foi a abordagem que adotei em defesa da teoria geral em meu primeiro livro,
Positivism, Pressupositions, and Current Controversies (Alexander, 1982).
Essa defesa contra um positivismo estritamente explicativo provou-se limitada. No h dvida de
que, em resposta quele argumento, surgiu gradualmente entre os cientistas sociais uma concepo
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mais sofisticada de cincia. Isso, por sua vez, levou a uma tolerncia maior em relao teoria geral
entre alguns membros do campo empiricista (1). Ao enfatizar os aspectos pessoais e subjetivos da
cincia natural, porm a posio ps-positivista deixou de dar conta de sua objetividade relativa
assim como se seu impressionante sucesso explicativo. Essa limitao lanou dvidas sobre a
defesa da teoria geral na cincia social. fora de dvida que a cincia natural tem sua prpria
hermenutica. Se, no entanto, essa subjetividade no impediu a construo de poderosas leis gerais
nem a acumulao de conhecimentos factuais, esses mesmos critrios estritamente empiricistas
podem servir de fundamento a uma cincia social ps-positivista. Mas essa concluso no se segue.
Outros critrios alm do sucesso explicativo esto profundamente implicados no debate das cincias
sociais. Por comparao cincia natural, argumentos sem referncia imediata a questes factuais e
explicativas so onipresentes nas cincias sociais. Somos obrigados a concluir que a estratgia de
identificar a cincia social com uma cincia natural interpretativa est fadada ao fracasso. A defesa
da teoria geral na cincia social no pode, portanto, basear-se inteiramente na redefinio da cincia
natural operada por Kuhn (2). Ela deve diferenciar a cincia social da natural de um modo decisivo.
Que ambas compartilham uma epistemologia interpretativa o comeo e no o fim do argumento.
preciso, pois, reconhecer que a hermenutica cientfica pode influir em tipos de atividade
cientfica muito diferentes. Caso contrrio, o papel fundamental da teoria geral nas cincias sociais,
por contraste com as naturais, no pode ser verdadeiramente compreendido, e muito menos aceito
como uma atividade legtima. Apenas na medida em que se reconhece sua significao que os
critrios de verdade implcitos em tal teoria geral podem ser formalizados e submetidos ao debate
racional explcito.
Que a cincia possa ser concebida como uma atividade hermenutica no determina os tpicos
particulares aos quais a atividade cientfica se volta em cada disciplina cientfica. No entanto,
precisamente a alocao de tal atividade que responsvel pelo "clima" relativamente emprico ou
terico de uma disciplina. Ps-positivistas declarados reconheceram que a cincia natural moderna
pode ser distinguida de outros tipos de estudos por sua capacidade de excluir de seu objeto a
ancoragem subjetiva em que se funda. Por exemplo, embora Holton tenha demonstrado
exaustivamente que temas arbitrrios e supra-empricos afetam profundamente a fsica moderna, ele
no deixa de insistir (1973, p. 330-331) em que nunca defendeu a introduo de discusses
temticas "na prtica da prpria cincia." Ele at mesmo sugere que "a cincia apenas comeou a
crescer rapidamente quando tais questes foram excludas dos laboratrios." Mesmo Collingwood,
filsofo claramente idealista, que insistia em que a prtica cientfica se baseia em supostos
metafsicos, admitia (1940, p. 33) que "a tarefa do cientista no propor essas questes, mas apenas
pressup-las."
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Por que, a despeito dos aspectos subjetivos de seu conhecimento, podem os cientistas naturais
operar tal excluso? A resposta a essa pergunta importante, pois ela nos dir porque o cientista
social no pode. A alocao da atividade cientfica depende do que os seus praticantes consideram
intelectualmente problemtico. E porque os cientistas naturais freqentemente concordam sobre
os princpios gerais que informam seu ofcio que questes empricas mais delimitadas podem
receber sua ateno. Isso precisamente o que autoriza a cincia normal no sentido de Kuhn (1970)
a prosseguir como uma atividade de soluo de problemas empricos especficos. Habermas
tambm particularmente sensvel relao entre essa especificidade emprica e o acordo
generalizado. Caracterizando a cincia natural enquanto tal como a cincia normal,.ele escreve que
(1971, p. 91) "o resultado genuno da cincia moderna no consiste na produo da verdade (mas
em) um mtodo de chegar a um consenso voluntrio e permanente."
Questes supra-empricas s so abordadas explicitamente se h desacordo sobre os supostos de
fundo que informam uma cincia. o que Kuhn chama de crise de paradigma. E nessas crises,
segundo ele, que ocorre "uma volta filosofia e ao debate sobre os fundamentos." Nos perodos
normais da cincia, essas dimenses no-empricas so camufladas; por essa razo, hipteses
especulativas parecem poder ser decididas por referncia ou a dados dos sentidos, que so
relativamente acessveis, ou a teorias cuja especificidade torna sua relevncia para tais dados
imediatamente visvel. Isso no acontece na cincia social, porque em sua aplicao social a cincia
produz um desacordo muito maior. E porque esse desacordo amplo e persistente existe, os supostos
fundamentais, implcitos e relativamente invisveis na cincia natural, irrompem vividamente na
cincia social. As condies definidoras da crise do paradigma nas cincias naturais so a rotina nas
sociais (3).
A nfase na importncia do dissenso na cincia social no precisa levar ao relativismo radical. Pois
a possibilidade de conhecimento racional nas cincias sociais permanece, mesmo se se abandona o
ideal da objetividade empiricista. E essa perspectiva no nega necessariamente nem a possibilidade
de construo de leis gerais de processos sociais, nem a busca de predies relativamente acertadas
(4). possvel acumular conhecimento sobre o mundo a partir de pontos de vista diferentes e em
competio (cf. Wagner, 1984). tambm possvel sustentar leis gerais relativamente preditivas a
partir de orientaes gerais substancialmente diferentes.
Minha sugesto, no entanto, de que, nas condies das cincias sociais, o acordo consistente sobre
a natureza precisa do conhecimento emprico, e mais ainda o acordo sobre as leis gerais
explicativas, so altamente improvveis. Porque a competio entre perspectivas fundamentais
rotineira, os supostos fundamentais da cincia social so rotineiramente visveis. A discusso
generalizada uma discusso sobre as origens e conseqncias do dissenso fundamental. Uma vez
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que os supostos fundamentais so to visveis, a discusso geral se torna parte integrante do debate
nas cincias sociais, tanto como a prpria atividade explicativa. Na cincia social, portanto,
argumentos sobre validez no podem referir-se apenas a questes empricas. Eles cortam a gama
completa de compromissos no-empricos que sustentam pontos de vista diferentes.
Positivistas respondero a este argumento sugerindo que o desacordo generalizado, longe de ser a
fonte da diferena entre a cincia natural e a social, antes seu resultado. Concluem (por exemplo,
Wallace, 1971) que se os socilogos fossem mais fiis ao rigor e disciplina da cincia natural, a
natureza geral e especulativa da discusso nas cincias sociais diminuiria e o desacordo poderia
eventualmente desaparecer. Essa posio fundamentalmente equivocada. O dissenso amplo
inerente cincia social, por razes cognitivas e valorativas.
Na medida em que os objetos de uma cincia se localizam no mundo fsico exterior mente, seus
referentes empricos podem, em princpio, ser mais facilmente verificados pela comunicao
interpessoal. Na cincia social, os objetos de estudo so estados mentais ou condies que
envolvem estados mentais. Por essa razo, a possibilidade de confuso entre os estados mentais do
observador e os do observado endmica. Essa a verso das cincias sociais do Princpio de
Incerteza de Heisenberg.
A resistncia ao simples acordo sobre referentes empricos tambm emana do carter
distintivamente valorativo da cincia social. Em contraste com a cincia natural, h na cincia social
uma relao simbitica entre descrio e avaliao. As prprias descries dos objetos de estudo
tm implicaes ideolgicas. A sociedade deve ser chamada de "capitalista" ou de "industrial"?
Ocorreu "proletarizao", "individualizao" ou "atomizao"? Cada caracterizao d incio ao que
Giddens (1970) chamou de dupla hermenuti, uma interpretao da realidade com o potencial de
entrar na vida social e retornar, afetando por sua vez as definies do intrprete. Se j difcil, por
razes cognitivas e valorativas, chegar a um consenso sobre os simples referentes empricos da
cincia social, isso ainda mais difcil nas abstraes a partir daqueles referentes que formam a
substncia da teoria social.
Finalmente, por causa desse desacordo emprico e terico endmico que a cincia social se divide
em tradies e escolas. Esses grupos solidrios no so simplesmente manifestaes de desacordo
cientfico, mas bases sobre as quais tais desacordos so promovidos e mantidos. Ao invs de
considerar o desacordo e a comunicao distorcida que o acompanha como um mal necessrio,
muitos tericos da cincia social (p. ex., Ritzer, 1975) tomam o conflito entre escolas como
indicador do carter saudvel de uma disciplina.
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Por todas essas razes, o discurso - e no apenas a explicao - se torna um trao importante no
campo da cincia social. Por discurso, refiro-me a modos de argumentao que so mais
consistentemente generalizados e especulativos que as discusses cientficas normais. Estas ltimas
se ocupam, de modo disciplinado, de peas especficas de evidncia emprica, de lgicas indutivas e
dedutivas, de explicao atravs de leis gerais, e dos mtodos atravs dos quais essas leis podem ser
verificadas ou falsificadas. O discurso, ao contrrio, se volta para o raciocnio. Ele se dirige ao
processo de raciocinar mais que os resultados da experincia imediata, e se torna significativo onde
no existe verdade clara e evidente. O discurso visa persuaso pelo argumento mais que
predio. Sua capacidade de persuadir se baseia em qualidades como coerncia lgica, grau de
abrangncia, riqueza interpretativa, relevncia valorativa, fora retrica, beleza, e textura do
argumento.
Foucault (1970) identifica as prticas intelectuais, cientficas e polticas com "discursos" a fim de
negar-lhe o status meramente indutivo e emprico. Por essa via, ele insiste em que as atividades
prticas so constitudas e conformadas historicamente por compreenses metafsicas que podem
definir uma poca inteira. Tambm a sociologia um campo discursivo. Nela, encontra-se pouco da
homogeneidade que Foucault atribui a tais campos; na cincia social h discursos, no um discurso.
Esses discursos, ademais, no so diretamente ligados legitimao do poder, como Foucault passa
a afirmar insistentemente em sua obra posterior. Os discursos na cincia social tm como alvo a
verdade, e so constantemente submetidos a estipulaes racionais sobre como se pode chegar
verdade e sobre qual pode ser essa verdade.
Baseio-me aqui na compreenso de Habermas (p. ex, 1984) do discurso como parte de um esforo
que os interlocutores fazem para atingir a comunicao no distorcida. Se Habermas subestima as
qualidades irracionais da comunicao - e da ao - ele certamente descobriu um modo de
conceitualizar suas aspiraes racionais. Suas tentativas sistemticas de identificar modos de
argumento e critrios para chegar justificao persuasiva mostram como se pode combinar
compromissos racionais com o reconhecimento de argumentos supra-empricos. O campo real do
discurso da cincia social oscila entre o discurso racionalizante de Habermas e o discurso arbitrrio
de Foucault.
E por causa da centralidade do discurso que a teoria das cincias sociais to multivalente e que
os esforos (p. ex., Wallace, 1971) no sentido de seguir compulsivamente a lgica da cincia natural
so fadados ao fracasso (5). Seguidores da orientao positivista sentem a tenso entre essa
concepo multivalente e seu ponto de vista empiricista, e para resolv-lo privilegiam a "teoria"
relativamente ao que pejorativamente chamam de meta-teoria (Turner, 1986) e chegam at mesmo a
excluir a teoria em favor de uma concepo estrita de "explicao" (Stintchcombe, 1968). Essas
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distines, porm, se parecem mais com tentativas utpicas de fugir cincia social, do que com
esforos para compreend-la. O discurso geral central, e a teoria inerentemente multivalente. Se
a cincia social pudesse, de fato, adotar uma estratgia exclusivamente explicativa, por que um
empiricista confesso como Stintchcombe se sentiria obrigado tarefa de defender o empiricismo
discursivamente? Pois a substncia dos argumentos de Stintchcombe (1968, 1978) raciocnio; seu
objetivo persuadir pela fora demonstrativa da lgica geral.
Sobredeterminao pela Teoria e Subdeterminao pelo Fato
A onipresena do discurso, e as condies que a criam, geram a sobredeterminao da cincia social
pela teoria e sua subdeterminao pelo que tomado como fato. No h referncia clara e
indiscutvel para os elementos que compem a cincia social - definies, conceitos, modelos ou
"fatos". Por isso, no h regras de correspondncia entre diferentes nveis de generalidade.
Formulaes a um nvel no so claramente traduzveis para outros nveis. Por exemplo, embora
estimativas empricas precisas de correlaes entre duas variveis possam ser estabelecidas algumas
vezes, essas correlaes raramente servem para provar ou desprovar uma proposio sobre essa
inter-relao estabelecida em termos mais gerais. Isso porque a existncia de dissenso emprico e
ideolgica permite que os cientistas sociais operacionalizem as proposies de modos diferentes.
Consideremos, por exemplo, dois dos mais cuidadosos esforos recentes de relacionar dados
teoria mais geral. Em uma tentativa de testar sua recente teoria estrutural, Blau comea com uma
proposio a que chama de teorema do tamanho - a noo de que uma varivel puramente ecologia,
tamanho do grupo, determine as relaes para fora do grupo (Blau, Blum, Schwartz, 1982, p. 46).
Baseado em dados que incluem no s o tamanho do grupo mas tambm sua taxa de casamentos,
ele afirma (p. 47) que a relao encontrada entre taxa de casamentos e tamanho do grupo verifica o
teorema do tamanho. Por qu? Porque os dados demonstram que "o tamanho do grupo e a
proporo de casamentos exgamos se relacionam inversamente." Mas a exogamia um dado que,
de fato, no operacionaliza "relaes extragrupo." um tipo de relao extragrupo entre outras, e,
como o prprio Blau reconhece, um tipo no qual entram outros fatores alm do tamanho do grupo.
Relao extragrupo, em outras palavras, no tem um referente claro. Por isso, a correlao entre o
que tomado como seu indicador e tamanho do grupo no pode verificar a proposio geral sobre a
relao entre tamanho do .grupo e relaes extragrupo Os dados empricos de Blau, portanto, esto
desarticulados de sua teoria, a despeito de sua inteno de relacion-los de um modo teoricamente
decisivo.
No ambicioso estudo de Lieberson (1980) sobre imigrantes negros e brancos nos Estados Unidos
desde 1880 aparecem problemas similares. Lieberson comea com a proposio no muito
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formalizada de que "a herana da escravido" responsvel pelos diferentes nveis de desempenho
entre os imigrantes negros e europeus. A operacionalizao dessa proposio feita em duas etapas.
Primeiro, a herana definida em termos de "falta de oportunidade" para os antigos escravos, e no
em termos culturais. Segundo, ele define oportunidade em termos dos dados que elaborou sobre as
taxas variveis de educao e segregao residencial. Ambas operacionalizaes, porm, so
altamente contestveis. No apenas outros cientistas sociais definiriam a herana da escravido em
termos diferentes - por exemplo, em termos culturais - mas tambm oportunidades poderiam ser
concebidas de outros modos que no educao e residncia. Porque no h, portanto, relao
necessria entre as taxas que Lieberson identificou e diferenas de oportunidade, no pode haver
certeza de que seus dados demonstrem a proposio mais geral que relaciona desempenho e
herana. A correlao medida, claro, se sustenta por si mesma como uma contribuio emprica.
A contribuio terica mais ampla, no entanto, no se d, pois a correlao no pode testar a teoria
a que se destina.
bem mais fcil encontrar exemplos do problema oposto, a sobredeterminao dos "fatos"
empricos pela teoria, uma vez que em virtualmente todo estudo terico amplo a amostragem dos
dados empricos aberta a discusso. Em The Protestant Ethic and the Spirit of Capitalism, por
exemplo, a equao de Weber (1958 [ 1904-1905]) do esprito do capitalismo com os empresrios
ingleses dos sculos XVII e XVIII tem sido amplamente contestada. Se os capitalistas italianos das
primeiras cidades-estado modernas so vistos como manifestaes do esprito capitalista (p. ex.,
Trevor-Roper, 1965), ento a correlao de Weber entre capitalistas e puritanos se baseia numa
amostra restrita e no serve para substanciar sua teoria. Na medida em que isso for verdade, os
dados empricos de Weber foram sobre-selecionados por sua referncia terica tica protestante.
Distncia similar entre a teoria geral e indicadores empricos pode ser encontrada no famoso estudo
de Smelser, Social Change in the Industrial Revolution (1959). Em sua teoria, Smelser prope que
as mudanas nos papis na famlia, e no os levantes industriais em si mesmos, foram responsveis
pelas atividades radicais de protesto dos trabalhadores ingleses nos anos 1820. Em sua narrativa
histrica, ele descreve as mudanas fundamentais na estrutura da famlia e as localiza na seqncia
que sugere. Os dados de arquivos que apresenta em seco mais tcnica (Smelser, 1959, p. 188-
199), no entanto, parecem indicar que essas mudanas na famlia no comearam seno uma ou
duas dcadas depois do comeo de importantes disputas industriais. Sua preocupao terica com a
famlia sobredeterminou a apresentao dos dados em sua narrativa histrica, da mesma forma que
seus dados mais tcnicos, de arquivos, subdeterminaram sua teoria geral (6).
O mesmo tipo de sobredeterminao, produzido por uma teoria muito diferente, pode ser
exemplificado no trabalho mais recente de Skocpol (1979), em que ela procura documentar uma
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teoria histrica e comparativa. Ela se prope (p. 18) a assumir um "ponto de vista impessoal e no
subjetivo" sobre as revolues, dando significao causal apenas a "situaes e relaes de grupos
institucionalmente determinadas." Ela est procura de dados empricos da revoluo e o nico a
priori que admite seu compromisso com o mtodo comparativo (p. 33-40). Reconhece em vrias
passagens, porm, o papel desempenhado pela cultura poltica local e pelos direitos tradicionais (p.
ex., p. 62, 138), bem como a necessidade de dar ateno (embora breve) aos temas da liderana e da
ideologia (p. 161-173). Ao faz-lo, a sobredeterminao terica de seus dados torna-se visvel. Suas
preocupaes com a estrutura a levaram a deixar de fora dos dados que analisa o contexto cultural e
intelectual da revoluo (7). Sua interpretao decididamente estruturalista dos fatores subjetivos
que menciona s possvel por causa da inexistncia desses dados contrrios.
A subdeterminao emprica da teoria e a sobredeterminao terica dos dados ocorrem
simultaneamente, em toda parte. Como resultado, a cincia social essencialmente contestvel,
tanto em suas declaraes factuais mais especficas, como em suas generalizaes mais abstratas.
Cada concluso emprica aberta discusso que parta de consideraes supra-empricas, e cada
proposio geral pode ser contestada por referncia a "fatos empricos" inexplicados.
Desse modo, cada proposio na cincia social est sujeita demanda de justificar-se por referncia
a princpios gerais (8 ). Argumentos contra o trabalho de Blau no precisam limitar-se
demonstrao emprica de que consideraes estruturais so apenas um dos diversos determinantes
da exagomia; pode-se, em vez disso, demonstrar que a prpria formulao de uma causao
puramente ecolgica se funda em pressupostos da ao de natureza excessivamente instrumental.
Ao considerar o trabalho de Lieberson posssvel contornar a questo emprica da relao entre
educao e oportunidades objetivas de modo semelhante. possvel construir o argumento
discursivo segundo o qual o foco exclusivo na herana da escravido, e sua operacionalizao em
termos estritamente estruturais, refletem no apenas um programa ideolgico a priori mas tambm
uma adeso a modelos estritamento conflitivos da sociedade. O trabalho de Smelser pode ser
criticado discursivamente pelo questionamento de sua adequao lgica ou pela crtica nfase dos
primeiros modelos funcionalistas na internalizao dos valores da famlia. O argumento de Skocpol
tambm pode ser avaliado sem referncia aos dados empricos da revoluo. Poderia ser
demonstrado, por exemplo, que ela compreende mal as "teorias voluntaristas da revoluo" - seu
alvo polmico - na medida em que as considera teorias individualistas que presumem conhecimento
racional das conseqncias da ao.
Formular tais argumentos participar do discurso e no da explicao. Como Seidman (1983, a
sair) esclareceu, o discurso no implica no abandono da busca da verdade. A verdade no precisa
limitar-se ao critrio da validade emprica testvel. Cada tipo de discurso implica em distintos
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critrios de verdade. Esses critrios ultrapassam a adequao emprica ao fazer afirmaes sobre a
natureza e conseqncias de pressupostos, sobre a formulao e adequao de modelos, as
conseqncias das ideologias, as meta-implicaes dos mtodos, e as conotaes das definies. Na
medida em que essas proposies se explicitam, elas podem ser consideradas como esforos no
sentido de racionalizar e sistematizar a complexidade da anlise social e da vida social, geralmente
apenas intudas. Controvrsias entre metodologias interpretativas e causais, entre concepes
utilitrias e normativas da ao, entre modelos de equilbrio e de conflito da sociedade, entre teorias
radicais e conservadoras da mudana, todas essas controvrsias so discursivas e no explicativas.
Elas so o reflexo dos esforos dos socilogos para formular critrios de "verdade" para diferentes
domnios no-empricos.
Por essa razo, no surpreendente que a resposta da disciplina a estudos importantes apresente to
pouca semelhana com as respostas claras e circunscritas sugeridas pelos defensores da "lgica da
cincia:" States and Social Revolutions, de Skocpol, por exemplo, foi analisado em todos os nveis.
Seus pressupostos, ideologia, modelo, mtodo, definies, conceitos e at mesmo seus fatos foram
sucessivamente clarificados, discutidos e elogiados. O que estava em jogo eram os critrios de
verdade por ela empregados para justificar suas posies em cada um desses nveis. S uma
pequena parte da resposta da disciplina a seu trabalho envolveu o teste sistemtico de suas hipteses
ou a reanlise de seus dados. No certamente nesses termos que se chegar a uma deciso sobre a
validez de sua abordagem estrutural (9).
Na discusso que segue, pretendo sugerir que uma boa parte da histria recente da sociologia pode
ser interpretada em termos da perspectiva que acabo de esboar. Tentarei demonstrar que o valor de
verdade desses desenvolvimentos recentes deve ser considerado em termos discursivos.
Formaes Discursivas no Ps-Guerra
Por ser discursiva, a sociologia pode progredir num sentido estritamente emprico sem que isso
implique em qualquer progresso em termos tericos mais gerais. Argumentos discursivos, e os
critrios racionais por eles implicados, so apenas subjetivamente cogentes. Eles so aceitos por
razes que independem de testes empricos convencionais. O que equivale a dizer que a cincia
social se desenvolve dentro de escolas e tradies. E seu fluxo lembra mais o movimento de uma
conversa que os passos de uma demonstrao racional. Move-se num sentido e noutro entre pontos
de vista limitados e profundamente enraizados. Assemelha-se mais a um pndulo que a uma reta.
Se refletirmos sobre a teoria sociolgica a partir da Segunda Guerra, veremos precisamente esse
movimento pendular. A diviso entre teorias da ao e teorias estruturais, que marcou (muito
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esquematicamente) os ltimos vinte e cinco anos, no aconteceu num vcuo histrico. Cada ponto
no movimento de um pndulo responde ao movimento precedente.
O discurso sobre ao versus estrutura surgiu como reao ao estrutural-funcionalismo de Parsons.
Parsons tentou acabar de uma vez por todas com as "escolas em conflito." Tentou compatibilizar
idealismo e materialismo em sua teoria sistmica, fazendo o mesmo com a ao voluntria e a
determinao estrutural em sua teoria sobre o indivduo. Embora em certos aspectos fundamentais
sua teoria seja a mais refinada e de maiores implicaes, seu esforo integrador no teve sucesso.
Em parte, o problema era intelectual, pois ele no realizou sua sntese de modo imparcial
(Alexander; 1983). Apesar de reconhecer o carter contingente da ao, ele estava mais interessado
na socializao dos indivduos; apesar de formalmente incorporar as estruturas materiais, ele se
dedicou muito mais teorizao do controle normativo. Mas tambm h razes sociolgicas para o
insucesso de Parsons. Como as idias a que Weber chamou de guarda-freios da histria, as vertentes
intelectuais do trabalho de Parsons serviram de trilhos para os interesses das escolas e tradies
tericas idealistas e materialistas. As tradies idealistas e estruturalista esto profundamente
enraizadas no desenvolvimento histrico das cincias sociais; seria preciso mais que uma
formulao terica sofisticada - mesmo uma que pudesse realizar uma sntese de modo mais
consistente - para desaloj-las.
Assim, embora a teoria funcionalista de Parsons tenha aberto caminhos para a teoria e para a
pesquisa no ps-guerra, o pndulo teria que voltar. Surgiram poderosas teorias que abriram a caixa
preta da ordem contingente: eram brilhantes reformulaes do pensamento pragmtico e
fenomenolgico. A outra nova tendncia se opunha idealizao da ao em Parsons Retornando a
Marx e vertente instrumental do pensamento de Weber, a teoria "estrutural" desenvolveu novas e
poderosas verses da macrossociologia.
No se pode negar que essa reao ps-funcionalista freqentemente tomou uma forma
decididamente emprica em que os estudiosos frequentemente se deixaram persuadir por causa dos
novos fatos e melhores explicaes que oferecia. O interacionismo simblico e a etnometodologia
realizaram estudos inovadores do desvio, do comportamento coletivo e dos papis sociais. Alm
disso, as polmicas metodolgicas associadas a esses estudos convenceram muitos socilogos de
que abordagens mais individualistas e naturalistas podiam permitir melhor acesso realidade. O
movimento estrutural tambm produziu avanos empricos convincentes em campos como
estratificao, modernizao e mudana social, e em metodologias de inclinao mais concreta,
histrica e comparativa.
-
Convm ressaltar, no entanto, que o sucesso disciplinar desses movimentos ps-funcionalistas no
se baseou nesses avanos empricos. Em primeiro lugar, eles nunca foram exclusivamente
empricos Eles faziam parte, e eram expresso, de compromissos mais gerais de tipo supra-
emprico. Tais compromissos tericos eram manifestos e no latentes; como tais, eles prprios se
tornaram focos principais no movimento ps-funcionalista. Em outras palavras, os opositores ps
funcionalistas no se envolveram em estudos empricos, mas em uma mirade de disputas tericas
altamente generalizadas. Essas disputas eram onipresentes; chegavam mesmo ao trabalho emprico
mais ostensivo. Em suma, o movimento ps-funcionalista se originava tanto no discurso como na
explicao; em relao a Parsons, e cada uma das vertentes em relao outra, ele se justificava
pela argumentao e no s pelos procedimentos empricos de verificao ou falsificao.
No passo seguinte, considerarei os pressupostos dessas perspectivas sobre a natureza da ao
individual e da ordem coletiva. Tentarei mostrar o que os contemporneos acharam particularmente
atraente nesses pressupostos, apesar de que cada tradio concebesse ao e ordem de modo
claramente unilateral e limitado. No estarei, portanto, apenas examinando argumentos discursivos,
mas participando deles. Tentarei ainda demonstrar quais so essas limitaes e sugerirei que, num
modelo mais sinttico, elas podem, em princpio, ser superadas.
Pressupostos e Dilemas Tericos
Por pressupostos (Alexander, 1982a, 1987b), entendo as suposies mais gerais que os socilogos
fazem quando se defrontam com a realidade. Cada teoria social e cada trabalho emprico tomam
posies a priori que permitem que os observadores organizem nas categorias mais simples os
dados dos sentidos que entram em suas mentes. E s nessa base que so possveis as manipulaes
mais conscientes que constituem o pensamento racional ou cientfico. Os pressupostos so objetos
do discurso, e so at mesmo discursivamente justificados. Em sua maioria, contudo, se originam
em processos que precedem ao prprio exerccio da razo.
Talvez a coisa mais bvia que, em seus encontros com a realidade, os estudiosos da vida social
devem pressupor seja a natureza da ao. Na era moderna, quando se pensa sobre a ao, discute-se
se ela racional ou no. Isso, obviamente, no implica na equao de senso comum ou racional com
o bom e atilado e do irracional com o mau e estpido. Na cincia social moderna, essa dicotomia se
aplica s pessoas como egostas (racionais) ou idealistas (no-racionais), como normativas e morais
(no-racionais) ou instrumentais e estratgicas (racionais), como agindo em termos de maximizar a
eficincia (racionalmente) ou como governadas pelas emoes e desejos inconscientes (no-
racionalmente). Em termos de orientaes empricas, essas descries da ao racional e da ao
irracional certamente diferem em aspectos relevantes especficos. Em termos da prtica terica,
-
porm, essas orientaes formam dois tipos-ideais. Na histria da teoria social esses tipos-ideais do
racional e do irracional tm marcado tradies tericas distintas, determinando argumentos
discursivos de tipo mais polmico (10 ).
Como definir essas tradies em termos que superem, mas no violem, as diferenas mais finas em
que se baseiam, de tal modo que, por exemplo, as teorias moralistas e emocionalistas possam ser
vistas como parte da tradio "no-racionalista"? A resposta extremamente simples: ela consiste
em formular a dicotomia em termos da referncia interna ou externa da ao (Alexander, 1982a, p.
71-79). As abordagens racionalistas ou instrumentais retratam os atores como movidos por foras
fora deles, enquanto que as abordagens no-racionalistas sugerem que a ao motivada de dentro
dos atores. possvel em princpio, supor que a ao pode tanto ser racional quanto irracional, mas
surpreendente quo raramente, na histria da teoria social, essa interpretao tem sido
efetivamente proposta.
Responder questo central sobre a ao no o bastante, porm. necessrio pressupor tambm
uma segunda questo maior. Refiro-me ao famoso "problema da ordem", embora o defina de
maneira ligeiramente diferente do que tem sido tipicamente o caso. Os socilogos so socilogos
porque acreditam que a sociedade tm padres, estruturas de alguma maneira diferentes dos atores
que a compem. Concordando embora com a existncia de tais padres, os socilogos esto
freqentemente em desacordo sobre como na realidade a ordem produzida. Uma vez mais
formularei esses desacordos em termos de tipos ideais dicotmicos, porque exatamente esse
desacordo cumulativo que caracteriza a histria emprica e discursiva do pensamento social (Ekeh,
1974 e Lewis e Smith, 1980). Essa dicotomia ope as posies individualista e coletivista.
Quando os pensadores assumem uma posio coletivista, consideram os padres sociais como
preexistindo a qualquer ato individual especfico, em certo sentido como produtos da histria. A
ordem social se impe a indivduos recm-nascidos como um fato estabelecido fora deles. Se
quisermos evitar a confuso derivada das primeiras formulaes dessa posio por Durkheim (1937
[1895]), evitando por outro lado a necessidade de "corrigir" os erros de Durkheim com justificativas
discursivas igualmente unilaterais (11), certas observaes devem ser feitas imediatamente sobre
essa definio de coletivismo. Ao escrever sobre adultos, os coletivistas geralmente reconhecem
que a ordem social existe tanto dentro do indivduo como fora dele; essa uma qualificao
importante, qual retornaremos. Seja conceitualizada como dentro ou fora do ator, entretanto, a
posio coletivista no concebe a ordem como produto de consideraes puramente instantneas ou
momentneas. De acordo com a teoria coletivista, cada ator individual empurrado na direo da
estrutura preexistente; se essa direo apenas uma probabilidade ou um destino determinado
depende de refinamentos da posio coletivista que sero considerados adiante.
-
Teorias individualistas freqentemente reconhecem que tais estruturas extra-individuais parecem
existir na sociedade, assim como reconhecem que existem padres intelegveis. Insistem, contudo,
em que esses padres so o resultado da negociao individual. Acreditam que as estruturas so no
s "portadas" pelos indivduos, mas na realidade produzidas pelos portadores no curso de suas
interaes individuais. O suposto que os indivduos podem alterar os fundamentos da ordem a
cada momento sucessivo no tempo histrico. Os indivduos, desse ponto de vista, no carregam a
ordem dentro de si. Eles antes obedecem ou se rebelam contra a ordem social - mesmo em relao a
valores que guardam dentro de si mesmos - de acordo com seus desejos individuais.
Uma vez mais, a possibilidade de combinar alguns elementos desta posio com uma nfase mais
coletivista ser tratada adiante. O que importa enfatizar neste ponto que problemas de ao e de
ordem no so operacionais. Cada teoria deve tomar uma posio sobre ambos. As permutaes
lgicas entre pressupostos formam as tradies fundamentais da sociologia. Como tais, formam os
eixos mais importantes em torno dos quais se desenvolve o discurso da cincia social.
por isso que os pressupostos so to centrais ao discurso. O estudo da sociedade se desenvolve em
torno das questes da liberdade e da ordem, e cada teoria se aproxima mais ou menos de cada um
desses plos. Os homens e mulheres modernos acreditam que os indivduos so dotados de livre-
arbtrio e que, por causa dessa capacidade, agem confiavelmente de modo responsvel. At certo
ponto, essa crena tem sido institucionalizada nas sociedades ocidentais. Os indivduos tm sido
escolhidos como as unidades polticas e culturais privilegiadas. Esforos legais tm sido feitos para
proteg-los do grupo, do estado, e de outros rgos coercitivos, como a igreja.
Os tericos da sociologia, sejam eles individualistas ou coletivistas, esto provavelmente to
comprometidos como qualquer cidado com a autonomia do indivduo. Na verdade; a sociologia
surgiu como disciplina como resultado dessa diferenciao do indivduo na sociedade, pois foi a
independncia do indivduo e o crescimento de sua capacidade de pensar livremente a sociedade
que permitiu que a prpria sociedade fosse concebida como um objeto de estudo independente. a
independncia do indivduo que torna a ordem problemtica, e essa problematizao da ordem
que torna a sociologia possvel. Ao mesmo tempo, os sociolgos reconhecem que a atividade
quotidiana do indivduo tem um carter padronizado. essa tenso entre liberdade e ordem que
fornece a base intelectual e moral da sociologia. Os socilogos exploram a natureza da ordem
social, e justificam discursivamente as posies que adotam em relao a essa questo, porque esto
profundamente interessados em implicaes da ordem para a liberdade individual.
As teorias individualistas so atraentes porque preservam a liberdade individual de modo aberto,
explcito e persistente. Seus postulados a priori supem a integridade do indivduo racional ou
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moral, e a capacidade que o ator tem de agir livremente contra sua situao, definida em termos
materiais ou culturais. Essa convergncia natural entre o discurso ideolgico e o explicativo faz do
individualismo uma corrente poderosa no pensamento moderno.
A teoria social emergiu de um longo processo de secularizao e rebelio contra as instituies
hierrquicas da sociedade tradicional. No Renascimento, Maquiavel sublinhou a autonomia do
prncipe racional para refazer o mundo. Os tericos ingleses do contrato, como Hobbes e Locke, se
libertaram das restries tradicionais produzindo um discurso que tornava a ordem social
dependente da negociao individual e, assim, do contrato social. O mesmo caminho foi seguido
por alguns dos principais pensadores do Iluminismo francs. Cada uma dessas tradies
individualistas era fortemente racionalista. Embora enfatizassem diferentes tipos de necessidades
individuais - poder, felicidade, prazer, segurana - cada uma delas retratava a sociedade como uma
emanao das escolhas de atores racionais. A ponte conceitual crucial entre essas tradies e a
teoria contempornea nas cincias sociais foi o Utilitarismo, particularmente a economia clssica,
cuja teoria da regulao invisvel dos mercados oferecia uma explicao emprica elegante de como
agregar decises individuais para formar sociedades (12). As justificaes fundamentais das verses
nacionalistas da teoria individualista derivam hoje desse discurso quase-econmico.
As teorias individualistas tambm assumem, claro, forma no-racional. Em sua inverso do
Iluminismo e de sua revolta contra o Utilitarismo, o Romantismo inspira teorias sobre o ator
passional (p. ex., Abrams, 1971), de Wundt a Freud. Em sua verso hermenutica, que abarca de
Hegel (Taylor, 1975) a Husserl e o existencialismo (Spiegelberg, 1971), essa tradio anti-
racionalista toma forma moral e freqentemente cognitiva.
As vantagens que uma posio individualista oferece so, ento, muito grandes. No entanto, sua
conquista tm um alto custo terico. Esse custo decorre da perspectiva completamente irrealista
dessas teorias sobre o voluntarismo na sociedade. Ao negar radicalmente o poder da estrutura
social, feitas as contas, a teoria individualista no presta um servio a liberdade. Ela encoraja a
iluso de que os indivduos no tm necessidade de outros ou da sociedade como um todo. Tambm
ignora que as estruturas sociais podem ser indispensveis liberdade. Esses custos constituem o
alvo do discurso contra a teoria individualista.
Por reconhecer a existncia do controle social, a teoria coletivista pode submet-lo anlise
explcita. Nesse sentido, o pensamento coletivista representa um avano real sobre a posio
individualista, tanto em termos tericos quanto morais. A questo saber se esse ganho, por sua
vez, no foi obtido a preo inaceitvel. O que perde a teoria coletivista? Como se relaciona aquela
fora coletiva vontade individual, e possibilidade de preservar o voluntarismo e o autocontrole?
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Para responder a essa questo decisiva, necessrio explicitar um ponto que ficou implcito at
aqui. Supostos sobre a ordem no implicam em qualquer suposto sobre a ao. Por causa dessa
indeterminao, h tipos muito diferentes de teoria coletivista.
Se a teoria coletivista ou no digna de seu custo vai depender de seus supostos sobre a
possibilidade da ao moral ou expressiva, logo no-racional. Muitas teorias coletivistas supem
que as aes so motivadas por formas estritas de racionalidade tcnico-eficiente. Feita essa
suposio, segue-se que as estruturas coletivas devem ser retratadas como externas aos indivduos e
inteiramente impermeveis sua vontade. As instituies polticas e econmicas, por exemplo,
supostamente controlam os atores de fora, quer eles queiram ou no. Elas o fazem formulando
sanes negativas ou positivas para atores que so reduzidos - qualquer que seja a natureza de seus
objetivos pessoais - a calculadores de prazer e de dor. Porque tais atores supostamente respondem
racionalmente a essa situao externa, os motivos so eliminados da teoria. Essa teoria supe que a
resposta do ator pode ser predita exclusivamente a partir da anlise do ambiente externo. Teorias
racional-coletivistas, portanto, explicam a ordem sacrificando o sujeito. Com efeito, dispensam a
prpria noo de um eu autnomo. Na sociologia clssica, o marxismo ortodoxo representa o
exemplo mais formidvel desse desenvolvimento, e as implicaes coercitivas que envolvem seu
discurso - reveladas, por exemplo, em referncias recorrentes "ditadura do proletariado" a s "leis
da histria" - geram grande controvrsia. A mesma tendncia a justificar um discurso sem sujeito,
contudo, tambm permeia a teoria neoclssica com ambies coletivas, assim como a sociologia de
Weber, como demonstra a controvrsia sobre o status da "dominao".
A teoria coletivista que, ao contrrio, admite a ao no-racional, percebe os atores como guiados
por ideais e pela emoo Esse mundo interno da subjetividade inicialmente estruturado, na
verdade, por seus encontros com objetos externos - os pais, professores, companheiros e livros. No
processo de socializao, contudo, tais estruturas extra-individuais se tornam internas ao eu. A
subjetividade s se torna um tpico da teoria coletivista se esse fenmeno da internalizao aceito.
Desse ponto de vista, a interao individual se torna uma negociao entre "eus sociais". Os perigos
que desafiam a uma tal teoria so exatamente os opostos aos que defrontam as teorias coletivistas de
tipo racionalista. Elas tendem a envolver-se em retrica moralista e em justificaes idealistas.
Como tais, elas freqentemente subestimam a sempre presente tenso entre o indivduo socializado
e seu ambiente. Essa tenso certamente mais bvia quando o socilogo tem que considerar um
ambiente que material na forma, possibilidade que no pode ser conceitualizada quando a teoria
coletivista formulada de modo unilateralmente normativo.
Na discusso sobre o discurso terico recente a seguir, abordarei a questo de como os
compromissos relativos aos pressupostos tem conformado o debate sociolgico nos ltimos vinte e
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cinco anos. Eles tm exercido influncia, mesmo que no exista nenhuma tentativa para justific-los
discursivamente. As figuras centrais nesses debates, no entanto, buscaram tal justificao
discursiva. Isso, em verdade, o que fez deles tericos influentes. Atravs de seu discurso, esses
tericos desenvolveram proposies sobre a amplitude e implicaes de suas teorias, proposies
essas que estipulavam "critrios de verdade" a um nvel supra-emprico. Nesta seco apresentei
minha concepo de quais devem ser tais critrios. Quando os aplico ao debate terico recente,
estarei freqentemente me contrapondo aos critrios de verdade dos principais participantes nesses
mesmos debates. Essa a verdadeira matria de que o discurso das cincias sociais feito.
Reconsiderando as Teorias Micro e Macro
talvez por causa do foco metodolgico e emprico da disciplina que a renovao massiva da teoria
individualista tem sido considerada como um renascimento da "microssociologia" (13). Pois, em
termos estritos, micro e macro so expresses relativas, referidas a relaes parte/todo a cada nvel
da organizao social. Na linguagem da cincia social mais recente, porm, esses termos tm sido
identificados com a distino entre tomar como foco emprico, de um lado, a interao individual e,
de outro, um sistema social inteiro.
Quando Homans (1958, 1961) apresentou a teoria das trocas, ele renovou a prpria posio
utilitarista que constitua base mais antiga e mais vigorosa da crtica de Parsons (1937). Homans
rejeitava tanto a tradio coletivista na sociologia clssica e contempornea quanto a tendncia
interpretativa na teoria individualista. Ele insistia em que as formas elementares da vida social no
so constitudas por elementos extra-individuais, como sistemas simblicos, mas por atores
individuais de inclinao exclusivamente racional. Ele se detinha no que determinava
comportamento subinstitucional, o comportamento de "indivduos reais" que ele concebia como
inteiramente independentes de normas socialmente definidas. Sua ateno era ocupada pelos
procedimentos atravs dos quais os indivduos fazem seus clculos, assim como pelo equilbrio
entre oferta e demanda no ambiente externo do indivduo. Na perspectiva racionalista de Homans,
as foras sociais que agem sobre os indivduos s podiam ser consideradas de modo objetificado e
externo.
A teoria das trocas adquiriu enorme influncia ao fazer renascer a microssociologia. Seu modelo
simples e elegante facilitava a predio; seu foco no indivduo a tornava empiricamente
operacional. Ela tambm acolhia uma viso fundamental que Parsons e, na verdade, tericos
coletivistas de todo tipo, tinha ignorado: atravs da tomada de decises sobre os custos da troca
pelos atores individuais que as "condies sociais objetivas" se articulam com a vida cotidiana dos
indivduos, instituies e grupos (14). O preo dessa conquista era, no entanto, alto, mesmo para
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tericos dentro do prprio paradigma. Por exemplo, Homans (1961, p. 40, 54-55) nunca foi capaz
de definir o "valor" de uma mercadoria seno de maneira circular; ele era levado a afirmar que o
valor derivava do reforo de uma orientao preexistente. Sua concepo (1961, cap. 12) da justia
distributiva mostra problemas anlogos; ele forado a referir-se a uma solidariedade irracional
para definir o que poderia ser uma troca equitativa.
As outras vertentes da microteoria optavam pelo lado interpretativo. Blumer (1969) foi o
responsvel pelo renascimento da teoria de Mead, embora a tradio que Blumer (1937) denominou
"interacionismo simblico" adotasse o pragmatismo apenas de forma radicalmente contingente (15).
Blumer insistia em que o significado determinado pela negociao individual, na verdade pela
reao dos outros ao ato do indivduo. O ator no percebido como portador de uma ordem coletiva
previamente definida. O que define as atitudes no a internalizao, mas a relevncia situacional
imediata. Atravs da "auto-indicao" at mesmo o prprio eu dos atores se torna objeto. o "eu"
(I) temporalmente enraizado do ator, e no o "eu" (me) mais socialmente focalizado, que determina
o padro da ordem social descrito na obra de Blumer.
Os escritos mais influentes de Blumer so de forma quase inteiramente discursiva; mesmo quando
programtico, dedica-se mais a promover a metodologia da observao direta que elaborao de
conceitos tericos. Goffman que deve ser considerado o mais importante terico emprico do
movimento interacionista-simblico. Para a maioria dos contemporneos, a obra de Goffman
parecia apenas impelir a teoria interacionista numa direo mais especfica e dramatrgica.
Certamente seus primeiros trabalhos autorizam essa leitura. Em contraste com a clara linha
coletivista de sua teorizao posterior, Goffman (p. ex., 1959) enfatizava os desejos individuais de
manipular a apresentao do eu em relao aos papis socialmente estruturados, e procurava (1963)
explicar o comportamento institucional como originado na interao face a face.
A etnometodologia, e o trabalho fenomenolgico em geral, apresenta uma histria mais complexa.
Garfinkel foi um aluno de Schutz, mas tambm de Parsons, e seus primeiros trabalhos (p. ex., 1963)
acolhem a centralidade da internalizao. O que Garfinkel explorava em seus primeiros trabalhos
era como os atores fazem suas prprias normas, isto , sua "etno"-metodologia. Sublinhando o
carter construdo da ao, ele descrevia como, atravs de tcnicas cognitivas (Garfinkel, 1967), os
indivduos concebiam eventos contingentes e nicos como representaes, ou "ndices", de regras
socialmente estruturadas. Nesse processo, ele mostrou, essas regras so, na realidade, no s
especificadas mas modificadas e mudadas.
medida em que a etnometodologia se torna um movimento terico importante, ela forada a
justificar-se de modo mais geral e discursivo. No processo, seus conceitos se tornam mais
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unilaterais. Apresentando-se como comprometida com uma sociologia alternativa, passa a afirmar
as "prticas dos prprios membros" acima da, e contra a, estrutura. Segundo o novo argumento, o
fato de que tcnicas constitutivas como a indexicalidade sejam onipresentes serve de evidncia de
que a ordem completamente contingente e a prtica infindvel da atividade ordenada passa a ser
identificada (Garfinkel et at, 1981) com a prpria ordem social. Que esse tipo de reduo
individualista seja mais ou menos inerente abordagem fenomenolgica , porm, contestado por
outras tendncias derivadas da escola etnometodolgica. A anlise conversacional (Sacks et at,
1974), por exemplo, considera a fala como sujeita a fortes limitaes estruturais, ainda que no
conceitualize esses limites de modo sistemtico.
certamente uma demonstrao irnica da falta de acumulao linear em sociologia o fato de que,
simultaneamente a esse ressurgimento da microteorizao, surja um movimento igualmente forte na
direo de trabalhos de tipo macro, coletivista, igualmente unilaterais. Esse movimento comea
quando os "tericos do conflito" se autojustificam, definindo a obra de Parsons como uma "teoria
da ordem". Como os novos microssocilogos, eles tambm negavam a centralidade da
internalizao e o elo entre ao e cultura que esse conceito envolve. Ao invs de enfatizar a
conscincia individual como base da ordem coletiva, porm, os tericos do conflito preferiam cortar
completamente a ligao entre conscincia e processos estruturais. Dahrendorf (1959) atribua o
papel ordenador central a posies de poder administrativo. Rex (1961) enfatizava os processos de
alocao econmica como base do poder da classe dirigente.
Se as teorias do conflito eram as principais justificativas da posio estrutural em sua fase inicial,
foi o marxismo de Althusser e seus discpulos (Althusser e Balibar, 1968; Godelier, 1967) que
formulou o discurso mais refinado e influente em sua fase posterior. Partindo de Spinoza e da
moderna teoria lingustica e antropolgica, esse marxismo estruturalista analisava os movimentos
histricos como variaes, transformaes e incarnaes particulares de princpios estruturais
fundamentais. Ao invs de partir da diversidade emprica e fenomnica, da ao social, como
sugeria a microteoria contempornea, esses marxistas-estruturalistas deram a primazia ontolgica e
metodolgica "totalidade". Embora as aes individuais possam desviar-se dos imperativos
estruturais, as conseqncias objetivas dessas aes so determinadas por estruturas que esto alm
do controle dos atores.
Embora to determinista como outras variantes, este marxismo estrutural menos diretamente
econmico que elas. Ele enfatiza a mediao poltica das foras produtivas mais que seu controle
direto (p. ex., Poulantzas). Esse discurso sobre a mediao e a "sobredeterminao" prepara o
advento de uma teoria marxista de clara influncia weberiana. Economistas-polticos crticos como
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Offe (1984 [1972]) e O'Connor (1973) analisam a funo do estado na acumulao capitalista e
tentam derivar os problemas e crises sociais da interveno estatal "inevitvel".
Ainda que as justificaes discursivas mais importantes da nova teoria estrutural viessem da
Europa, sua influncia nos Estados Unidos dependeu de uma srie de argumentos de alcance mdio.
A principal obra de Moore (1966) sobre as origens de classe das formaes estatais foi a que deu
maior mpeto a essa vertente ainda que fosse muito mais classicamente marxista que o
estruturalismo neoweberiano a que deu origem. A obra individual mais importante que segue a de
Moore a de Skocpol (1979). Skocpol no apenas desenvolve o que parecia uma poderosa nova lei
geral de explicao das revolues, mas ainda abre uma polmica contra as teorias subjetivas e
voluntaristas da revoluo, em nome de sua teoria estrutural descrita acima. A anlise de classes de
Wright (1978) retoma o mesmo tema antimicro, ao atribuir as ambigidades na conscincia de
classe de um grupo s "locaes contraditrias de classe". Paralelamente, Treiman (1977) produz o
que chama de "teoria estrutural do prestgio", que converte o controle cultural em organizacional e
nega qualquer papel causal independente compreenso subjetiva da estratificao. Em outro
trabalho importante ao qual j me referi, Lieberson (1980) coloca sua explicao da desigualdade
racial em termos do mesmo discurso altamente persuasivo. Ele identifica as "estruturas de
oportunidade" com o ambiente material e justifica essa operao descartando a anlise da volio
subjetiva como conservadora e idealista.
O Novo Movimento Terico
Os esforos para reformular a sociologia como uma disciplina orientada exclusivamente ou pela
ao ou pela estrutura surgiram como resposta frustrao com as promessas no cumpridas do
funcionalismo e tambm do desacordo fundamental sobre essas promessas. Nos anos 60 esse
desafio ao funcionalismo criou um clima de crise na disciplina. No fim dos setenta, os opositores
tinham triunfado, e a sociologia pareceu acalmar-se uma vez mais, numa meia-idade segura, embora
um tanto fragmentada. O discurso marxista permeava os escritos sociolgicos na Inglaterra e no
continente. Nos Estados Unidos, uma nova seco marxista formou-se na associao nacional, e
rapidamente ganhou mais membros do que a maioria das seces j estabelecidas. Seguiram-se
novos grupos de sociologia poltica, histrica e comparada, e suas abordagens estruturalistas
fizeram com que obtivessem resposta semelhante. A microteoria tambm granjeou enorme
autoridade. Quando de seu surgimento, a etnometodologia foi confrontada por um discurso que
questionava sua legitimidade fundamental e a descartava como bizarra ou corrompida (p. ex.,
Goldthorpe, 1973, Coleman, 1968 e Coser, 1975). Ao fim dos anos setenta, suas justificaes
discursivas eram aceitas por muitos dos principais tericos (p. ex., Collins, 1981 e Giddens, 1976),
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e levadas a srio pela maioria dos outros. A obra de Goffman passou ainda mais rapidamente de um
status controverso ao de clssico.
Contudo, no momento mesmo em que os outrora impetuosos opositores se tornavam o grupo
dominante, quando o carter "multiparadigmtico" da sociologia deixava de ser uma arriscada
profecia (p. ex., Friedrichs, 1970) para tornar-se saber convencional (p. ex., Ritzer, 1975), a fase
vital e criativa desses movimentos tericos chegava a seu fim. Na dcada presente, comea a tomar
forma um modo surpreendentemente diferente de discurso terico. Estimulada pelo fechamento
prematuro das tradies micro e macro, essa fase marcada por um esforo de juntar novamente a
teoria sobre a ao e a estrutura. Essa tentativa vem sendo feita dentro de cada uma das tradies
hoje dominantes, de ambos os lados da diviso micro/macro.
H razes sociais e institucionais, tanto como intelectuais, para esse desenvolvimento do trabalho
terico. Um de seus fatores o novo clima poltico nos Estados Unidos e na Europa. A maioria dos
movimentos sociais radicais se dissolveu, e aos olhos de muitos intelectuais crticos o prprio
marxismo perdeu a legitimidade moral. O impulso ideolgico que, nos Estados Unidos, alimentou o
discurso ps-parsoniano em sua forma micro e macro, e que justificou o estruturalismo marxista na
Europa, est extinto. Nos Estados Unidos, estruturalistas outrora entusisticos buscam meios de
utilizar a anlise cultural, e antigos sectrios da etnometodologia tentam integrar teorias macro
construtivas e tradicionais. Na Alemanha, Inglaterra e Frana; a nova gerao, ps-marxista tem
sido influenciada pela fenomenologia e pela microteoria norte-americana. A migrao das idias
parsonianas para a Alemanha (Alexander; 1984) no renovou o que hoje visto como um debate
obsoleto, mas inspirou novas tentativas de reintegrao terica.
O tempo intelectual tambm passou, e sua passagem foi regulada pelas exigncias de uma lgica
antes terica que social. Teorias parciais so estimulantes, e em certos momentos podem ser
altamente produtivas. Uma vez assentada a poeira da batalha terica, porm, no fcil manter o
contedo cognitivo da teoria. O revisionismo o sinal mais seguro de dissenso terico (16). Os que
tentam defender uma tradio estabelecida so particularmente sensveis a suas fraquezas, pois so
eles que devem enfrentar as demandas por justificaes discursivas que gradualmente se acumulam.
Em resposta a essas questes imanentes, estudiosos e seguidores talentosos introduzem revises ad
hoc na teoria original e desenvolvem novos modos de discursos frequentemente inconsistentes. O
problema que, a menos que a tradio inteira seja derrubada, tais revises acabam transformadas
em categorias residuais. Os argumentos discursivos que so gerados por crtica e resposta tm,
porm, uma consequncia no intencional. Eles iluminam as fraquezas na tradio original. Ao
faz-lo, facilitam aberturas, ou cruzamentos, entre tradies que um dia foram claramente distintas
-
(17). O novo movimento terico na sociologia pode ser revelado pelo estudo do revisionismo dentro
das tradies micro e macro.
Desenvolvimentos surpreendentes tiveram lugar, por exemplo, no interacionismo simblico.
Embora Goffman tivesse comeado sua carreira mais ou menos dentro da tradio radicalmente
contingente de Blumer, aparece em seus escritos posteriores uma mudana dramtica em direo a
questes estruturais e culturais. As estratgias criativas dos atores ainda so o objeto da predileo
de Goffman, mas ele agora (p. ex., Goffman, 1974) se refere a elas como instncias de estruturas
culturais e de estratificao na vida quotidiana. De modo semelhante, ainda que o impacto original
de Becker (1963) sobre a teoria do desvio se deva sua nfase na contingncia e no comportamento
de grupo, seu trabalho mais recente (Becker, 1984) adota uma perspectiva decididamente sistmica
da criatividade e de seus efeitos. Na verdade, uma srie de esforos de interacionistas simblicos no
sentido de sistematizar as relaes entre atores e sistemas sociais apareceu recentemente. Lewis e
Smith (1980), por exemplo, confrontam as justificaes discursivas fundamentais dessa tradio ao
sugerir que Mead, o suposto fundador da escola, era na realidade um antinominalista que tomava
uma posio coletivista e no individualista. Stryker (1980, p. 52-54, 57-76) chega ao ponto de
apresentar o interacionismo como basicamente uma modificao da prpria teoria dos sistemas
sociais (ver tambm Handel, 1979; Maines, 1977; Strauss, 1978; e Alexander e Colomy, 1985).
Desenvolvimentos do mesmo tipo podem ser encontrados no modelo da ao racional recolocado
pela teoria das trocas de Homans. Seus estudiosos sentiram a necessidade de demonstrar que essa
abordagem polemicamente micro era capaz de enfrentar os critrios de verdade gerados pela
macrossociologia. Como resultado, gradualmente deslocaram o foco de sua anlise das aes
individuais para a transformao das aes individuais em efeitos coletivos e, por extenso, da ao
intencional para a no-intencional. Assim, Wippler e Lindenberg (1987) e Coleman (1987) hoje
rejeitam a idia de que a conexo entre aes individuais e fenmenos estruturais possa ser
considerada uma relao causal entre eventos empricos discretos. Por causa da simultaneidade
emprica, a ligao entre micro e macro deve ser vista como uma relao analtica fundada em
processos indivisveis no sistema mais amplo. Essa ligao analtica operada pela aplicao de
"regras de transformao", como procedimento de votao, a aes individuais.
Esse foco na transformao tem levado os tcnicos a no mais considerarem as aes individuais,
como objetos de anlise em si mesmos mas como condies iniciais para a operao de mecanismos
estruturais. Desse modo, explicaes estruturais - sobre as regras de constituies (Coleman, a sair),
sobre a dinmica de organizaes e relaes entre grupos (Blau, 1977); sobre o sistema de
distribuio de prestgio (Goode, 1979) - comeam a substituir argumentos utilitrios dentro da
tradio micro racionalista. Teoriza-se tambm extensamente sobre efeitos no intencionais de
-
aes intencionais (Boudon, 1982 e 1987) e mesmo sobre a gnese da moralidade coletiva (Ekeh,
1974; Kadushin, 1978; Lindenberg; 1983).
Ainda que Garfinkel, o fundador da etnometodologia, continue a defender um programa micro
radical (Garfinkel et al, 1981), e ainda que o movimento revisionista para alm da teorizao
unilateral seja menos desenvolvido nesta que em outras tradies micro, imposssvel negar que
um movimento similar permeia a sociologia fenomenolgica. Cicourel, por exemplo, certamente
uma das figuras-chave na primeira fase, props recentemente uma abordagem mais interdependente
e sinttica (Knorr-Cetina e Cicourel, 1981). Um movimento de "estudos sociais sobre a cincia"
fundado na fenomenologia, ainda que advogando uma nova abordagem muito mais situacional da
cincia, se refere rotineiramente aos efeitos de enquadramento da estrutura social (Pinch e Collins,
1984; Knorr-Cetina e Mulkay, 1983). Embora tanto Smith (1984) como Molotch (Molotch e Boden,
1985) insistam na indispensvel autonomia das prticas constitutivas, eles recentemente produziram
estudos significativos que demonstram como essas prticas so estruturadas pelo contexto
organizacional e pela distribuio do poder. preciso insistir em que esses esforos
fenomenolgicos no envolvem apenas esquemas explicativos revisados. Esto, ao contrrio;
profundamente envolvidos com novos modos de justificao discursiva, tentativas de incorporar os
critrios de verdade de trabalhos mais estruturalistas (ver, p. ex., Schegloff, 1987).
Esforos igualmente revisionistas marcam um novo movimento para alm da posio racional-
coletivista, ou estrutural. Houve sempre uma abundncia de contradies internas em tais teorias,
contradies essas mais pronunciadas no trabalho de seus principais expoentes. Rex (1961, p. 113-
128), por exemplo, admitia uma trgua eventual entre classes dirigentes e dirigidas, trgua que
abriria um perodo de tranquilidade e a possibilidade de formas mais integrativas de socializao. O
porque da superao dessa situao diante de novos e "inevitveis" conflitos de classe foi algo que
Rex sempre afirmou mas nunca explicou de modo convincente.
Sempre que Althusser tenta persuadir seus leitores de que, correspondente autonomia relativa dos
sistemas polticos e ideolgicos, haveria uma determinao econmica "em ltima instncia"
(Althusser, 1970), sua teoria geralmente precisa se perde numa densa bruma metafsica A
insistncia de Skocpol (1979: 3-15) em que as explicaes no estruturalistas so individualistas
nunca foi justificada discursivamente, e a subordinao da ideologia revolucionria estratgia
conjuntural mais que a causas sociolgicas (Skocpol, 1979, p. 164-173) revela as fraquezas de seu
argumento, embora permita manter uma coerncia aparente.
-
Apenas recentemente, porm, esses movimentos na lgica terica tm se manifestado atravs da
reviso aberta e por esforos de incorporar modos discursivos manifestamente diferentes. Do lado
norte-americano da escola estruturalista, Moore comea a escrever sobre as fontes subjetivas, mais
que sobre as objetivas, da fraqueza da classe trabalhadora (Moore, 1978) e sobre o sentimento de
injustia dos proletrios, mais que sobre a prpria injustia objetiva. Uma vez que a mudana nos
argumentos de Skocpol foi mais rpida e teoricamente autoconsciente, ela ilustra de maneira mais
sugestiva o novo movimento terico. Foi numa tentativa de explicar a revoluo iraniana que
Skocpol (1982) levantou pela primeira vez a possibilidade de que as causas religiosas fossem
comparveis s econmicas e polticas. Num esforo recente de justificar sua posio diante dos
argumentos de um crtico culturalista (Sewell, 1985), ela cede terreno discursivo, apesar de insistir
(Skocpol, 1985) em que as explicaes culturais devem ter uma marca realista e proto-estrutural.
Nos ltimos cinco anos, na verdade, observa-se um extraordinrio impacto cultural no que at
recentemente era um domnio estruturalista da histria social. Sewell e Hunt, outrora dedicados
verso da sociologia do conflito de Tilly, so hoje adversrios da sociologia histrica de tipo
estrutural. Seus escritos se converteram em fontes para um discurso alternativo mais cultural
(Sewell, 1985; Hunt, 1987) e suas explicaes das mudanas revolucionrias na sociedade francesa
se contrapem diretamente aos modelos estruturais e propostas causais (Sewell, 1980; Hunt, 1984)
(18). Darnton (1984), outrora o expoente norte-americano da "cultura material" dos Anales, hoje
oferece critrios interpretativos para a verdade histrica e para reconstrues culturais do mito
popular como histria. A "nova histria social" se desvincula da outrora nova sociologia estrutural.
Para muitos historiadores mais jovens, essa histria parece velha e sua definio como "social"
excessivamente restrita.
Cada vez mais os historiadores se baseiam na antropologia e no na sociologia (19). Nesse campo
limtrofe, cultura e significado assumem um lugar cada vez mais central, como atesta a enorme
influncia de Geertz (1973), Turner (1969) e Douglas (1966). Por trs desse desenvolvimento na
antropologia est o renascimento dos estudos culturais em geral (ver, p. ex., Alexander e Seidman,
1988). Esse desenvolvimento sustentou-se pelo interesse renovado na filosofia hermenutica, pelo
florescimento da semitica e do estruturalismo, e pela introduo de uma nova verso da Sociologia
de Durkheim, com maior nfase no simblico (ver, p. ex., Wuthnow et al., 1984; Zelizer, 1985;
Alexander, 1987d). A sociologia apenas comea a ser significativamente afetada por essa mudana
em seu ambiente intelectual. Os novos rumos no trabalho de Skocpol so uma importante indicao
de que a mudana comea a ser sentida. O recente aparecimento de trabalhos polemicamente
antiestruturais em sociologia histrica (Calhoun, 1982, e Prager, 1986) promete aprofundar esse
desenvolvimento. No momento em que escrevo est sendo formada uma nova seo cultural na
-
American Sociological Association, e novos trabalhos de sociologia macro cultural progridem (p.
ex., Wuthnow, 1987, e Archer, a sair). Ainda que essa tendncia cultural na macrossociologia norte-
americana no se ligue diretamente ao movimento antimaterialista nos ltimos trabalhos de
Gouldner, eles o complementam de forma clara e reveladora. No ataque persistente ao "marxismo
objetivo" que Gouldner (1982) disparou pouco antes de sua morte, ele clamava por uma apreciao
renovada da tradio voluntarista na sociologia norte-americana. Somente essa tradio
antiestrutural, ele acreditava, capaz de teorizar sobre uma sociedade civil autnoma, contra o
estado e a economia.
Esse desafio desigual mas persistente teoria e explicaes estruturalistas nos Estados Unidos tem
seu paralelo no discurso crtico contra o marxismo estrutural na Europa. Em The Poverty of Theory
(1978), Thompson abriu uma polmica contra o althusserianismo em nome de uma teoria crtica
voluntarista e culturalmente centrada. Responsabilidade moral por um comportamento poltico
radical s poderia ser sustentada, ele acreditava, sobre essa base terica revista. Esse ensaio serviu
de estopim para o que veio a tornar-se uma inverso radical na sensibilidade terica. Por exemplo,
em seu ainda mais citado artigo, Michael Mann (1970) atacava as verses liberal e marxista da
teoria do consenso como superestimadoras da ideologia, e clamava por uma abordagem mais
puramente estrutural ao problema do consentimento da classe trabalhadora. No trabalho seguinte,
ele continuava a dedicar-se a questes organizacionais como mercados de trabalho (Mann &
Blackburn, 1979) e financiamento estatal (Mann, 1979). Seu trabalho atual - uma reconsiderao
abrangente das origens do poder social - assinala um afastamento decisivo dessa perspectiva. No
s o poder redefinido de modo pluralista, mas ligaes ideolgicas desempenham um papel
fundamental. Discutindo o papel histrico da cristandade, Mann (1986, p. 507) reconhece que
"identifiquei uma (rede) como necessria para tudo o que se seguiu." Para Perry Anderson (1986),
resenhista de Mann no Times Literary Supplement e ele prprio um lder do movimento estrutural
na Inglaterra, esse movimento na direo do cultural no foi suficiente. Para a perspectiva atual de
Anderson, Mann ainda "se aproxima demais da caracterstica confuso moderna que simplesmente
iguala poder e cultura" e ele recomenda que a cultura seja considerada de modo ainda mais
independente.
Fora da Inglaterra ocorrem turbulncias semelhantes no edifcio estruturalista. Na Europa Oriental
(comparar, por exemplo, Sztompka, 1974, e Sztompka, 1984, 1986, a sair), Escandinvia (Eyerman,
1982, 1984), Frana (Touraine, 1977) e Itlia (Alberoni, 1984), tericos outrora simpticos aos
argumentos marxistas afastam-se das contradies que limitam a ao em direo dos movimentos
sociais que respondem a elas. O marxismo de escolha racional de Elster (1985) pode ser
considerado como um esforo similar de evitar o determinismo, mas sua compreenso estritamente
-
racionalista da ao tem sido asperamente criticada (por exemplo, Lash e Urry, 1985; Walzer, 1985)
por sua incapacidade de incorporar a luta moral de movimentos sociais crticos.
Essa revoluo contra o marxismo nasce do movimento ps-estruturalista originado na Frana.
Embora em princpio to crtico do estruturalismo simblico como da reduo marxista, o principal
impacto da teoria ps-estruturalista nas cincias sociais tem sido a reduo da influncia da direo
marxista na teoria crtica. Na teoria de Foucault (p. ex., 1970), formaes discursivas substituem
modos de produo. Na de Bourdieu (p. ex., 1986), o capital cultural substitui o capital de tipo
tradicionalmente econmico. Na de Lyotard (1984) o papel de narrativas culturais sobre a
racionalidade e rebelio de atores histricos substitui explicaes que supem a racionalidade e
relacionam a rebelio somente dominao (20).
H um movimento igualmente importante contra o marxismo na Alemanha, e esse tem tido maiores
efeitos sobre a prtica da sociologia. A referncia mudana drstica na teoria de Habermas, que
se afasta do marxismo em direo ao que denomina "teoria comunicativa". Discutirei as idias de
Habermas no contexto mais amplo das mudanas na teoria geral, e com essa discusso concluo
minha apresentao do novo movimento terico na sociologia.
De uma macroperspectiva, a teoria geral tem ocupado sempre uma posio especial na cincia
social. esse modo relativamente abstrato e basicamente especulativo que atinge os recessos da
disciplina. Ela ajuda a orientar a sociologia dando-lhe, se no um reflexo de si mesma, pelo menos
um reflexo de suas aspiraes. Em anos recentes, o trabalho dos tericos gerais mais discutidos
evidenciou uma mudana decisiva no sentido da rejeio do estruturalismo unilateral. Os primeiros
trabalhos de Giddens (1971) eram uma continuao da tendncia estruturalista da teoria do conflito
e do neomarxismo, mas no final dos anos setenta sua obra sofre uma mudana de curso
fundamental. Ele se convenceu da necessidade de uma teoria complementar da ao. Construindo a
partir da insistncia fenomenolgica sobre a natureza reflexiva da atividade humana, ele desenvolve
uma teoria da "estruturao" (1985), cujo objetivo entretecer a contingncia, a estrutura material e
regras normativas. O desenvolvimento de Collins mostra trajetria semelhante. Embora mais
interessado que Giddens na etnometodologia, Collins apresenta em seus primeiros trabalhos (1975)
uma defesa da sociologia estruturalista do conflito. Em anos recentes, por contraste, abraa a
microssociologia radical, tanto fenomenolgica, como "goffmaniana".* Collins agora acredita que
cadeias de rituais de interao fazem a mediao entre a estrutura social e a ao contingente.
Tambm Habermas comeou sua carreira com um modelo tipicamente macroestrutural da dinmica
social (Habermas, 1973). Embora existam nesse primeiro trabalho claras referncias a elementos
morais e a diferentes tipos de ao, esses elementos so residuais em relao a seu modelo
-
pesadamente poltico-econmico da vida institucional. Em sua obra mais recente, porm, Habermas
(1984) desenvolve explcita e sistematicamente teorias sobre os processos micro e normativos
subjacentes, e muitas vezes opostos, s macroestruturas dos sistemas sociais. Ele utiliza o
desenvolvimento moral e cognitivo individual para ancorar sua descrio das fases histricas do
"aprendizado social", descries de atos de linguagem para desenvolver argumentos sobre a
legitimidade poltica, e a concepo de um mundo-vivido gerado interpessoalmente para justificar
sua explicao emprica da resistncia e da tenso social.
O que falta a esses argumentos macrotericos uma concepo robusta de cultura. Habermas se
afasta dos sistemas culturais porque a noo introduz um elemento de arbitrariedade e
irracionalidade a cada estgio concebvel da vida histrica. Giddens e Collins no podem abra-la
porque, influenciados pela microssociologia, concebem o ator de modo discreto e excessivamente
reflexivo (21). Contrariamente a essas tentativas, meu prprio trabalho comeou por um
compromisso com a instncia cultural. Argumentei (Alexander, 1982b) que, porque faltava a Marx
a percepo de Durkheim sobre a estrutura dos sistemas simblicos, sua teoria radical era de molde
inerentemente coercitivo. Sugeri que a sociologia poltica de Weber seguia a trilha marxista
(Alexander, 1983a), porque sua concepo da sociedade moderna rejeitava a possibilidade de
totalidades culturais integrativas. Defender desse modo a significao da cultura equivale a
reconhecer a importncia central das contribuies tericas de Parsons, particularmente a diferena
que estabelece entre cultura, personalidade e sociedade. No trabalho referido, porm, tambm segui
Parsons em sua negligncia em relao ordem num sentido individual. De ento para c, voltei-me
mais diretamente teorizao nas tradies micro (Alexander, 1985b, 1987b, Alexander e Giesen,
1987 e Alexander, a sair). Esbocei um modelo que concebo a ao como o elemento contingente do
comportamento, que pode ser analiticamente diferenciado da mera reproduo. Essa ao pode ser
concebida como fluindo em ambientes simblicos, sociais e psicolgicos. Esses ambientes, por sua
vez, se interpenetram com o ator emprico concreto, que no mais identificado com a ao
puramente contingente, como acontece tipicamente nas tradies da microteoria.
O novo movimento terico na sociologia avana em diversas frentes e sob vrios nomes.
Continuar a faz-lo enquanto no se extinguir a energia de seu movimento pendular. Do meu ponto
de vista, a chave para seu avano continuado um reconhecimento mais direto da centralidade do
significado coletivamente estruturado, ou cultura. H um abismo crescente entre a maioria das
novas tendncias sintticas em teoria geral, de um lado, e a ateno teoria da cultura que tem
caracterizado a nova teorizao macro em suas formas mais substantivas, de outro. Apenas se os
tericos gerais estiverem preparados para entrar no campo dos "estudos culturais" - equipados,
claro, com seu instrumental sociolgico - que a ponte pode ser gradualmente construda sobre o
-
abismo. Desta vez, porm, a teorizao sobre a cultura no pode degenerar em camuflagem para o
idealismo. Nem deve ser cercada por uma aura de objetividade que esvazia a criatividade e a
rebelio contra as normas (22). Se esses erros forem evitados, o novo movimento em sociologia ter
uma chance de desenvolver uma teoria verdadeiramente multidimensional. Essa ser uma
contribuio permanente ao pensamento social, mesmo que no possa impedir a volta do pndulo.
NOTAS:
1 - Pode-se observar esse efeito, por exemplo, no trabalho recente de Kreps (p. ex. 1985, 1987). Dedicado ao
objetivo prtico de desenvolver explicaes na pesquisa de desastres, sente-se compelido a envolver-se num
ambicioso programa de teorizao geral e a tornar explcito seu envolvimento ao nvel dos pressupostos, isto
, ao nvel menos emprico.
2 - Certamente o prprio Kuhn (1970) teria sido o primeiro a insistir em que sua redefinio da cincia
natural no lhe negasse um carter relativamente objetivo e cumulativo, e em que a cincia, social nem
remotamente se aproximou dessa condio.
3 - Essa a razo porque tantas das primeiras aplicaes das idias de Kuhn sociologia (por exemplo,
Friedrichs, 1970) parecem hoje to exageradas. Elas proclamavam revolues numa disciplina em estado
contnuo de profundo desacordo e de revoluo terica.
4 - A esse respeito, Wagner e Berger (1984) e Wagner (1984) esto certos ao enfatizar as semelhanas entre
as cincias duras e as outras em termos de progresso cientfico. Por outro lado, quando separam
drasticamente programas de pesquisa explicativa do que chamam de "estratgias orientadoras", perderia de
vista a qualidade discursiva e generalizada do argumento na cincia social e, portanto, a base inerentemente
relativista em que todo progresso nas cincias sociais necessariamente se funda.
5 - O problema no simplesmente que Wallace que fornece a mais clara ilustrao recente desse ponto de vista - esteja errado em forar a teoria social no molde da cincia natural. que ele toma a reconstruo
lgica de como a cincia natural deveria proceder por um mapa de como a boa cincia se faz efetivamente.
Essa estratgia de reconstruo comeou com os positivistas lgicos de Viena, cuja ambio filosfica
consistia em excluir do pensamento filosfico idias especulativas e no-empricas. Quaisquer que sejam
seus mritos filosficos - e eles so reais, embora limitados - essa lgica no deve ser considerada como
fundante da prpria prtica cientfica. Praticantes da cincia nunca foram capazes de conceber seu prprio
trabalho nesses termos - ou mesmo nos termos poperianos - e essa incapacidade tem dado uma das mais
fortes motivaes ao crescimento de concepes ps-positivistas da natureza da cincia natural. Este ensaio
partilha desse esprito; ele constitui uma tentativa de compreender o que a teoria da cincia social realmente
, e no o que alguns de seus crticos desejariam que ela fosse. Qualquer programa crtico para a teoria
sociolgica deveria ser formulado dentro de uma compreenso de seu carter distintivo. Nos termos do
debate recente em filosofia moral e poltica (p ex., Williams, 1986; Walzer, 1987), essa uma posio
internalista, por oposio posio externalista, mais abstrata, assumida pelos crticos empiricistas da
sociologia, fundados na "lgica da cincia".
6. - uma demonstrao da seriedade de Smelser como pesquisador o fato de que ele mesmo apresenta os
dados que, por assim dizer, ultrapassam sua prpria teoria. (Ver Walby, 1986.) Isso so comum, pois a
sobredeterminao dos dados pela teoria freqentemente torna a evidncia contrria invisvel, tanto para os
prprios cientistas sociais como para seus crticos.
7 - Sewell (1985) demonstrou cabalmente para o caso francs essa lacuna nos dados de Skocpol.
8 - Como a verso especfica das cincias sociais da tematizao que, segundo Habermas (1984), fica alm
se todo esforo de argumentao racional.
9 - Algumas das implicaes de maior alcance desta concepo discursiva das cincias sociais no cabem
neste ensaio. Uma das mais importantes de que ela explica por que os clssicos continuam a ser to centrais