alexander, j. o novo movimento teórico

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O NOVO MOVIMENTO TEORICO Jeffrey C. Alexander A teoria sociológica vive um momento crucial. Os outrora jovens opositores da teoria funcionalista chegam à meia idade. Suas lições polêmicas foram apreendidas; como tradições consagradas, porém, suas limitações teóricas tornaram-se cada vez mais visíveis. A desesperança em face da crise da sociologia marcou o nascimento da era pós-funcionalista. Agora,. quando a própria fase pós- funcionalista está chegando ao fim, percebe-se não uma crise, mas uma encruzilhada, um momento decisivo ansiosamente esperado. Contra a dominação do funcionalismo no pós-guerra empreenderam-se duas revoluções. Por um lado, surgiram escolas radicais e estimulantes de microteorização, acentuando o caráter contingente da ordem social e a centralidade da negociação individual. Por outro lado, desenvolveram-se vigorosas escolas de macroteorização, enfatizando o papel de estruturas coercitivas na determinação do comportamento individual e coletivo. Esses movimentos transformaram o debate geral e permearam os trabalhos empíricos de alcance médio. Ao mesmo tempo em que triunfavam, contudo, a autoconfiança e o impulso desses enfoques teóricos começavam a declinar. Esse enfraquecimento decorria de sua unilateralidade, que tornava impossível sua sustentação. Essa, pelo menos, será a tese central deste ensaio. Demonstrarei que a unilateralidade gerou contradições tanto na tradição micro como na macro. Foi, aliás, com vistas a escapar a essas dificuldades que uma geração mais jovem de sociólogos formulou um programa de trabalho de natureza inteiramente diversa. Persistem entre eles desacordos fundamentais, mas há um princípio fundante em relação ao qual todos estão de acordo: a micro e a macroteoria são igualmente insatisfatórias; ação e estrutura precisam ser agora, articuladas. Onde, até dez anos atrás, havia um clima inteiramente favorável a programas teóricos radicais e unilaterais, ouve-se contemporaneamente a exortação a uma teorização de tipo completamente diferente. Nos centros da sociologia ocidental - na Inglaterra, na França, na Alemanha e nos Estados Unidos - o que está na ordem do dia é mais propriamente uma teoria que busque a síntese do que uma que insista na polêmica. Minha pretensão neste ensaio é a de reconstruir analiticamente essa nova e surpreendente mudança no progresso da teoria geral. Devo começar, porém, por justificar o próprio projeto de uma teoria geral. Parece-me indiscutível que a teorização num nível geral - isto é, sem referência a problemas empíricos particulares ou a domínios específicos - constitui um esforço significativo, na verdade, crucial. Foi a teoria geral, por exemplo, que articulou e sustentou os desenvolvimentos que acabo de descrever. Cristalizados por amplos debates teóricos, além disso, esses desenvolvimentos não permaneceram segregados em qualquer domínio teórico abstrato. Ao contrário, permearam

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  • O NOVO MOVIMENTO TEORICO

    Jeffrey C. Alexander

    A teoria sociolgica vive um momento crucial. Os outrora jovens opositores da teoria funcionalista

    chegam meia idade. Suas lies polmicas foram apreendidas; como tradies consagradas,

    porm, suas limitaes tericas tornaram-se cada vez mais visveis. A desesperana em face da crise

    da sociologia marcou o nascimento da era ps-funcionalista. Agora,. quando a prpria fase ps-

    funcionalista est chegando ao fim, percebe-se no uma crise, mas uma encruzilhada, um momento

    decisivo ansiosamente esperado.

    Contra a dominao do funcionalismo no ps-guerra empreenderam-se duas revolues. Por um

    lado, surgiram escolas radicais e estimulantes de microteorizao, acentuando o carter contingente

    da ordem social e a centralidade da negociao individual. Por outro lado, desenvolveram-se

    vigorosas escolas de macroteorizao, enfatizando o papel de estruturas coercitivas na determinao

    do comportamento individual e coletivo. Esses movimentos transformaram o debate geral e

    permearam os trabalhos empricos de alcance mdio. Ao mesmo tempo em que triunfavam,

    contudo, a autoconfiana e o impulso desses enfoques tericos comeavam a declinar.

    Esse enfraquecimento decorria de sua unilateralidade, que tornava impossvel sua sustentao. Essa,

    pelo menos, ser a tese central deste ensaio. Demonstrarei que a unilateralidade gerou contradies

    tanto na tradio micro como na macro. Foi, alis, com vistas a escapar a essas dificuldades que

    uma gerao mais jovem de socilogos formulou um programa de trabalho de natureza inteiramente

    diversa. Persistem entre eles desacordos fundamentais, mas h um princpio fundante em relao ao

    qual todos esto de acordo: a micro e a macroteoria so igualmente insatisfatrias; ao e estrutura

    precisam ser agora, articuladas. Onde, at dez anos atrs, havia um clima inteiramente favorvel a

    programas tericos radicais e unilaterais, ouve-se contemporaneamente a exortao a uma

    teorizao de tipo completamente diferente. Nos centros da sociologia ocidental - na Inglaterra, na

    Frana, na Alemanha e nos Estados Unidos - o que est na ordem do dia mais propriamente uma

    teoria que busque a sntese do que uma que insista na polmica.

    Minha pretenso neste ensaio a de reconstruir analiticamente essa nova e surpreendente mudana

    no progresso da teoria geral. Devo comear, porm, por justificar o prprio projeto de uma teoria

    geral. Parece-me indiscutvel que a teorizao num nvel geral - isto , sem referncia a problemas

    empricos particulares ou a domnios especficos - constitui um esforo significativo, na verdade,

    crucial. Foi a teoria geral, por exemplo, que articulou e sustentou os desenvolvimentos que acabo de

    descrever. Cristalizados por amplos debates tericos, alm disso, esses desenvolvimentos no

    permaneceram segregados em qualquer domnio terico abstrato. Ao contrrio, permearam

  • sucessivamente todos os subcampos empricos da sociologia. Na sociologia norte-americana,

    contudo, a significao e mesmo a validade da teoria geral est submetida a constante controvrsia.

    Reflexo de um vis empiricista profundamente arraigado, esse questionamento torna mais difcil

    perceber desenvolvimentos mais amplos e discutir sobre a direo do desenvolvimento da

    sociologia de uma maneira racional e disciplinada. Parece claro que, como preldio a qualquer

    exerccio terico substantivo, o projeto de uma teoria geral deve ser defendido, assim como devem

    ser explicadas as razes de sua relevncia exclusiva.

    Farei essa defesa no contexto da elucidao da natureza especfica de uma cincia social.

    Argumentarei que a predio e a explicao no so os nicos objetivos da cincia social, sendo

    igualmente significativas as modalidades mais gerais de discurso que caracterizam os debates

    tericos. Insistirei, ademais, que esto presentes nesses discursos critrios avaliativos diferentes dos

    empiricistas. Depois de discutir esse ponto tentarei articular esses critrios de verdade ao nvel "dos

    pressupostos" do discurso. S ento retornarei questo substantiva que constitui o centro deste

    ensaio. Reconstruirei o desenvolvimento das respostas micro e macro tradio funcionalista e

    avaliarei esses discursos em termos dos critrios de validez que formulei. Depois de identificar os

    projetos tericos que emergem como resposta aos insucessos dessas tradies micro e macro,

    esboarei em grandes traos o que poder vir a ser um modelo sinttico da inter-relao entre ao e

    estrutura.

    A Sociologia como Discurso e como Explicao

    A fim de defender o projeto de uma teoria geral, preciso convencionar que os argumentos

    sociolgicos no dependem de um resultado explicativo imediato para serem considerados

    cientficos. A aceitao disso pelos cientistas sociais depende, em primeiro lugar, de eles

    encararem, ou no, sua disciplina como uma forma nascente de cincia natural e, em segundo, de

    sua concepo de cincia natural. Aqueles que se opem teoria geral no apenas identificam a

    sociologia com a cincia natural como concebem esta ltima como uma atividade antifilosfica,

    observacional, proposicional e puramente explicativa. Aqueles que querem legitimar a teoria geral

    em sociologia, por outro lado, podem tambm identificar-se com a cincia natural; ao faz-lo,

    apontam para as implicaes de revoluo no sentido de Kuhn e argumentam que empreendimentos

    no empricos, filosficos, informam e, com freqncia, influenciam decisivamente a prtica das

    cincias naturais. Essa foi a abordagem que adotei em defesa da teoria geral em meu primeiro livro,

    Positivism, Pressupositions, and Current Controversies (Alexander, 1982).

    Essa defesa contra um positivismo estritamente explicativo provou-se limitada. No h dvida de

    que, em resposta quele argumento, surgiu gradualmente entre os cientistas sociais uma concepo

  • mais sofisticada de cincia. Isso, por sua vez, levou a uma tolerncia maior em relao teoria geral

    entre alguns membros do campo empiricista (1). Ao enfatizar os aspectos pessoais e subjetivos da

    cincia natural, porm a posio ps-positivista deixou de dar conta de sua objetividade relativa

    assim como se seu impressionante sucesso explicativo. Essa limitao lanou dvidas sobre a

    defesa da teoria geral na cincia social. fora de dvida que a cincia natural tem sua prpria

    hermenutica. Se, no entanto, essa subjetividade no impediu a construo de poderosas leis gerais

    nem a acumulao de conhecimentos factuais, esses mesmos critrios estritamente empiricistas

    podem servir de fundamento a uma cincia social ps-positivista. Mas essa concluso no se segue.

    Outros critrios alm do sucesso explicativo esto profundamente implicados no debate das cincias

    sociais. Por comparao cincia natural, argumentos sem referncia imediata a questes factuais e

    explicativas so onipresentes nas cincias sociais. Somos obrigados a concluir que a estratgia de

    identificar a cincia social com uma cincia natural interpretativa est fadada ao fracasso. A defesa

    da teoria geral na cincia social no pode, portanto, basear-se inteiramente na redefinio da cincia

    natural operada por Kuhn (2). Ela deve diferenciar a cincia social da natural de um modo decisivo.

    Que ambas compartilham uma epistemologia interpretativa o comeo e no o fim do argumento.

    preciso, pois, reconhecer que a hermenutica cientfica pode influir em tipos de atividade

    cientfica muito diferentes. Caso contrrio, o papel fundamental da teoria geral nas cincias sociais,

    por contraste com as naturais, no pode ser verdadeiramente compreendido, e muito menos aceito

    como uma atividade legtima. Apenas na medida em que se reconhece sua significao que os

    critrios de verdade implcitos em tal teoria geral podem ser formalizados e submetidos ao debate

    racional explcito.

    Que a cincia possa ser concebida como uma atividade hermenutica no determina os tpicos

    particulares aos quais a atividade cientfica se volta em cada disciplina cientfica. No entanto,

    precisamente a alocao de tal atividade que responsvel pelo "clima" relativamente emprico ou

    terico de uma disciplina. Ps-positivistas declarados reconheceram que a cincia natural moderna

    pode ser distinguida de outros tipos de estudos por sua capacidade de excluir de seu objeto a

    ancoragem subjetiva em que se funda. Por exemplo, embora Holton tenha demonstrado

    exaustivamente que temas arbitrrios e supra-empricos afetam profundamente a fsica moderna, ele

    no deixa de insistir (1973, p. 330-331) em que nunca defendeu a introduo de discusses

    temticas "na prtica da prpria cincia." Ele at mesmo sugere que "a cincia apenas comeou a

    crescer rapidamente quando tais questes foram excludas dos laboratrios." Mesmo Collingwood,

    filsofo claramente idealista, que insistia em que a prtica cientfica se baseia em supostos

    metafsicos, admitia (1940, p. 33) que "a tarefa do cientista no propor essas questes, mas apenas

    pressup-las."

  • Por que, a despeito dos aspectos subjetivos de seu conhecimento, podem os cientistas naturais

    operar tal excluso? A resposta a essa pergunta importante, pois ela nos dir porque o cientista

    social no pode. A alocao da atividade cientfica depende do que os seus praticantes consideram

    intelectualmente problemtico. E porque os cientistas naturais freqentemente concordam sobre

    os princpios gerais que informam seu ofcio que questes empricas mais delimitadas podem

    receber sua ateno. Isso precisamente o que autoriza a cincia normal no sentido de Kuhn (1970)

    a prosseguir como uma atividade de soluo de problemas empricos especficos. Habermas

    tambm particularmente sensvel relao entre essa especificidade emprica e o acordo

    generalizado. Caracterizando a cincia natural enquanto tal como a cincia normal,.ele escreve que

    (1971, p. 91) "o resultado genuno da cincia moderna no consiste na produo da verdade (mas

    em) um mtodo de chegar a um consenso voluntrio e permanente."

    Questes supra-empricas s so abordadas explicitamente se h desacordo sobre os supostos de

    fundo que informam uma cincia. o que Kuhn chama de crise de paradigma. E nessas crises,

    segundo ele, que ocorre "uma volta filosofia e ao debate sobre os fundamentos." Nos perodos

    normais da cincia, essas dimenses no-empricas so camufladas; por essa razo, hipteses

    especulativas parecem poder ser decididas por referncia ou a dados dos sentidos, que so

    relativamente acessveis, ou a teorias cuja especificidade torna sua relevncia para tais dados

    imediatamente visvel. Isso no acontece na cincia social, porque em sua aplicao social a cincia

    produz um desacordo muito maior. E porque esse desacordo amplo e persistente existe, os supostos

    fundamentais, implcitos e relativamente invisveis na cincia natural, irrompem vividamente na

    cincia social. As condies definidoras da crise do paradigma nas cincias naturais so a rotina nas

    sociais (3).

    A nfase na importncia do dissenso na cincia social no precisa levar ao relativismo radical. Pois

    a possibilidade de conhecimento racional nas cincias sociais permanece, mesmo se se abandona o

    ideal da objetividade empiricista. E essa perspectiva no nega necessariamente nem a possibilidade

    de construo de leis gerais de processos sociais, nem a busca de predies relativamente acertadas

    (4). possvel acumular conhecimento sobre o mundo a partir de pontos de vista diferentes e em

    competio (cf. Wagner, 1984). tambm possvel sustentar leis gerais relativamente preditivas a

    partir de orientaes gerais substancialmente diferentes.

    Minha sugesto, no entanto, de que, nas condies das cincias sociais, o acordo consistente sobre

    a natureza precisa do conhecimento emprico, e mais ainda o acordo sobre as leis gerais

    explicativas, so altamente improvveis. Porque a competio entre perspectivas fundamentais

    rotineira, os supostos fundamentais da cincia social so rotineiramente visveis. A discusso

    generalizada uma discusso sobre as origens e conseqncias do dissenso fundamental. Uma vez

  • que os supostos fundamentais so to visveis, a discusso geral se torna parte integrante do debate

    nas cincias sociais, tanto como a prpria atividade explicativa. Na cincia social, portanto,

    argumentos sobre validez no podem referir-se apenas a questes empricas. Eles cortam a gama

    completa de compromissos no-empricos que sustentam pontos de vista diferentes.

    Positivistas respondero a este argumento sugerindo que o desacordo generalizado, longe de ser a

    fonte da diferena entre a cincia natural e a social, antes seu resultado. Concluem (por exemplo,

    Wallace, 1971) que se os socilogos fossem mais fiis ao rigor e disciplina da cincia natural, a

    natureza geral e especulativa da discusso nas cincias sociais diminuiria e o desacordo poderia

    eventualmente desaparecer. Essa posio fundamentalmente equivocada. O dissenso amplo

    inerente cincia social, por razes cognitivas e valorativas.

    Na medida em que os objetos de uma cincia se localizam no mundo fsico exterior mente, seus

    referentes empricos podem, em princpio, ser mais facilmente verificados pela comunicao

    interpessoal. Na cincia social, os objetos de estudo so estados mentais ou condies que

    envolvem estados mentais. Por essa razo, a possibilidade de confuso entre os estados mentais do

    observador e os do observado endmica. Essa a verso das cincias sociais do Princpio de

    Incerteza de Heisenberg.

    A resistncia ao simples acordo sobre referentes empricos tambm emana do carter

    distintivamente valorativo da cincia social. Em contraste com a cincia natural, h na cincia social

    uma relao simbitica entre descrio e avaliao. As prprias descries dos objetos de estudo

    tm implicaes ideolgicas. A sociedade deve ser chamada de "capitalista" ou de "industrial"?

    Ocorreu "proletarizao", "individualizao" ou "atomizao"? Cada caracterizao d incio ao que

    Giddens (1970) chamou de dupla hermenuti, uma interpretao da realidade com o potencial de

    entrar na vida social e retornar, afetando por sua vez as definies do intrprete. Se j difcil, por

    razes cognitivas e valorativas, chegar a um consenso sobre os simples referentes empricos da

    cincia social, isso ainda mais difcil nas abstraes a partir daqueles referentes que formam a

    substncia da teoria social.

    Finalmente, por causa desse desacordo emprico e terico endmico que a cincia social se divide

    em tradies e escolas. Esses grupos solidrios no so simplesmente manifestaes de desacordo

    cientfico, mas bases sobre as quais tais desacordos so promovidos e mantidos. Ao invs de

    considerar o desacordo e a comunicao distorcida que o acompanha como um mal necessrio,

    muitos tericos da cincia social (p. ex., Ritzer, 1975) tomam o conflito entre escolas como

    indicador do carter saudvel de uma disciplina.

  • Por todas essas razes, o discurso - e no apenas a explicao - se torna um trao importante no

    campo da cincia social. Por discurso, refiro-me a modos de argumentao que so mais

    consistentemente generalizados e especulativos que as discusses cientficas normais. Estas ltimas

    se ocupam, de modo disciplinado, de peas especficas de evidncia emprica, de lgicas indutivas e

    dedutivas, de explicao atravs de leis gerais, e dos mtodos atravs dos quais essas leis podem ser

    verificadas ou falsificadas. O discurso, ao contrrio, se volta para o raciocnio. Ele se dirige ao

    processo de raciocinar mais que os resultados da experincia imediata, e se torna significativo onde

    no existe verdade clara e evidente. O discurso visa persuaso pelo argumento mais que

    predio. Sua capacidade de persuadir se baseia em qualidades como coerncia lgica, grau de

    abrangncia, riqueza interpretativa, relevncia valorativa, fora retrica, beleza, e textura do

    argumento.

    Foucault (1970) identifica as prticas intelectuais, cientficas e polticas com "discursos" a fim de

    negar-lhe o status meramente indutivo e emprico. Por essa via, ele insiste em que as atividades

    prticas so constitudas e conformadas historicamente por compreenses metafsicas que podem

    definir uma poca inteira. Tambm a sociologia um campo discursivo. Nela, encontra-se pouco da

    homogeneidade que Foucault atribui a tais campos; na cincia social h discursos, no um discurso.

    Esses discursos, ademais, no so diretamente ligados legitimao do poder, como Foucault passa

    a afirmar insistentemente em sua obra posterior. Os discursos na cincia social tm como alvo a

    verdade, e so constantemente submetidos a estipulaes racionais sobre como se pode chegar

    verdade e sobre qual pode ser essa verdade.

    Baseio-me aqui na compreenso de Habermas (p. ex, 1984) do discurso como parte de um esforo

    que os interlocutores fazem para atingir a comunicao no distorcida. Se Habermas subestima as

    qualidades irracionais da comunicao - e da ao - ele certamente descobriu um modo de

    conceitualizar suas aspiraes racionais. Suas tentativas sistemticas de identificar modos de

    argumento e critrios para chegar justificao persuasiva mostram como se pode combinar

    compromissos racionais com o reconhecimento de argumentos supra-empricos. O campo real do

    discurso da cincia social oscila entre o discurso racionalizante de Habermas e o discurso arbitrrio

    de Foucault.

    E por causa da centralidade do discurso que a teoria das cincias sociais to multivalente e que

    os esforos (p. ex., Wallace, 1971) no sentido de seguir compulsivamente a lgica da cincia natural

    so fadados ao fracasso (5). Seguidores da orientao positivista sentem a tenso entre essa

    concepo multivalente e seu ponto de vista empiricista, e para resolv-lo privilegiam a "teoria"

    relativamente ao que pejorativamente chamam de meta-teoria (Turner, 1986) e chegam at mesmo a

    excluir a teoria em favor de uma concepo estrita de "explicao" (Stintchcombe, 1968). Essas

  • distines, porm, se parecem mais com tentativas utpicas de fugir cincia social, do que com

    esforos para compreend-la. O discurso geral central, e a teoria inerentemente multivalente. Se

    a cincia social pudesse, de fato, adotar uma estratgia exclusivamente explicativa, por que um

    empiricista confesso como Stintchcombe se sentiria obrigado tarefa de defender o empiricismo

    discursivamente? Pois a substncia dos argumentos de Stintchcombe (1968, 1978) raciocnio; seu

    objetivo persuadir pela fora demonstrativa da lgica geral.

    Sobredeterminao pela Teoria e Subdeterminao pelo Fato

    A onipresena do discurso, e as condies que a criam, geram a sobredeterminao da cincia social

    pela teoria e sua subdeterminao pelo que tomado como fato. No h referncia clara e

    indiscutvel para os elementos que compem a cincia social - definies, conceitos, modelos ou

    "fatos". Por isso, no h regras de correspondncia entre diferentes nveis de generalidade.

    Formulaes a um nvel no so claramente traduzveis para outros nveis. Por exemplo, embora

    estimativas empricas precisas de correlaes entre duas variveis possam ser estabelecidas algumas

    vezes, essas correlaes raramente servem para provar ou desprovar uma proposio sobre essa

    inter-relao estabelecida em termos mais gerais. Isso porque a existncia de dissenso emprico e

    ideolgica permite que os cientistas sociais operacionalizem as proposies de modos diferentes.

    Consideremos, por exemplo, dois dos mais cuidadosos esforos recentes de relacionar dados

    teoria mais geral. Em uma tentativa de testar sua recente teoria estrutural, Blau comea com uma

    proposio a que chama de teorema do tamanho - a noo de que uma varivel puramente ecologia,

    tamanho do grupo, determine as relaes para fora do grupo (Blau, Blum, Schwartz, 1982, p. 46).

    Baseado em dados que incluem no s o tamanho do grupo mas tambm sua taxa de casamentos,

    ele afirma (p. 47) que a relao encontrada entre taxa de casamentos e tamanho do grupo verifica o

    teorema do tamanho. Por qu? Porque os dados demonstram que "o tamanho do grupo e a

    proporo de casamentos exgamos se relacionam inversamente." Mas a exogamia um dado que,

    de fato, no operacionaliza "relaes extragrupo." um tipo de relao extragrupo entre outras, e,

    como o prprio Blau reconhece, um tipo no qual entram outros fatores alm do tamanho do grupo.

    Relao extragrupo, em outras palavras, no tem um referente claro. Por isso, a correlao entre o

    que tomado como seu indicador e tamanho do grupo no pode verificar a proposio geral sobre a

    relao entre tamanho do .grupo e relaes extragrupo Os dados empricos de Blau, portanto, esto

    desarticulados de sua teoria, a despeito de sua inteno de relacion-los de um modo teoricamente

    decisivo.

    No ambicioso estudo de Lieberson (1980) sobre imigrantes negros e brancos nos Estados Unidos

    desde 1880 aparecem problemas similares. Lieberson comea com a proposio no muito

  • formalizada de que "a herana da escravido" responsvel pelos diferentes nveis de desempenho

    entre os imigrantes negros e europeus. A operacionalizao dessa proposio feita em duas etapas.

    Primeiro, a herana definida em termos de "falta de oportunidade" para os antigos escravos, e no

    em termos culturais. Segundo, ele define oportunidade em termos dos dados que elaborou sobre as

    taxas variveis de educao e segregao residencial. Ambas operacionalizaes, porm, so

    altamente contestveis. No apenas outros cientistas sociais definiriam a herana da escravido em

    termos diferentes - por exemplo, em termos culturais - mas tambm oportunidades poderiam ser

    concebidas de outros modos que no educao e residncia. Porque no h, portanto, relao

    necessria entre as taxas que Lieberson identificou e diferenas de oportunidade, no pode haver

    certeza de que seus dados demonstrem a proposio mais geral que relaciona desempenho e

    herana. A correlao medida, claro, se sustenta por si mesma como uma contribuio emprica.

    A contribuio terica mais ampla, no entanto, no se d, pois a correlao no pode testar a teoria

    a que se destina.

    bem mais fcil encontrar exemplos do problema oposto, a sobredeterminao dos "fatos"

    empricos pela teoria, uma vez que em virtualmente todo estudo terico amplo a amostragem dos

    dados empricos aberta a discusso. Em The Protestant Ethic and the Spirit of Capitalism, por

    exemplo, a equao de Weber (1958 [ 1904-1905]) do esprito do capitalismo com os empresrios

    ingleses dos sculos XVII e XVIII tem sido amplamente contestada. Se os capitalistas italianos das

    primeiras cidades-estado modernas so vistos como manifestaes do esprito capitalista (p. ex.,

    Trevor-Roper, 1965), ento a correlao de Weber entre capitalistas e puritanos se baseia numa

    amostra restrita e no serve para substanciar sua teoria. Na medida em que isso for verdade, os

    dados empricos de Weber foram sobre-selecionados por sua referncia terica tica protestante.

    Distncia similar entre a teoria geral e indicadores empricos pode ser encontrada no famoso estudo

    de Smelser, Social Change in the Industrial Revolution (1959). Em sua teoria, Smelser prope que

    as mudanas nos papis na famlia, e no os levantes industriais em si mesmos, foram responsveis

    pelas atividades radicais de protesto dos trabalhadores ingleses nos anos 1820. Em sua narrativa

    histrica, ele descreve as mudanas fundamentais na estrutura da famlia e as localiza na seqncia

    que sugere. Os dados de arquivos que apresenta em seco mais tcnica (Smelser, 1959, p. 188-

    199), no entanto, parecem indicar que essas mudanas na famlia no comearam seno uma ou

    duas dcadas depois do comeo de importantes disputas industriais. Sua preocupao terica com a

    famlia sobredeterminou a apresentao dos dados em sua narrativa histrica, da mesma forma que

    seus dados mais tcnicos, de arquivos, subdeterminaram sua teoria geral (6).

    O mesmo tipo de sobredeterminao, produzido por uma teoria muito diferente, pode ser

    exemplificado no trabalho mais recente de Skocpol (1979), em que ela procura documentar uma

  • teoria histrica e comparativa. Ela se prope (p. 18) a assumir um "ponto de vista impessoal e no

    subjetivo" sobre as revolues, dando significao causal apenas a "situaes e relaes de grupos

    institucionalmente determinadas." Ela est procura de dados empricos da revoluo e o nico a

    priori que admite seu compromisso com o mtodo comparativo (p. 33-40). Reconhece em vrias

    passagens, porm, o papel desempenhado pela cultura poltica local e pelos direitos tradicionais (p.

    ex., p. 62, 138), bem como a necessidade de dar ateno (embora breve) aos temas da liderana e da

    ideologia (p. 161-173). Ao faz-lo, a sobredeterminao terica de seus dados torna-se visvel. Suas

    preocupaes com a estrutura a levaram a deixar de fora dos dados que analisa o contexto cultural e

    intelectual da revoluo (7). Sua interpretao decididamente estruturalista dos fatores subjetivos

    que menciona s possvel por causa da inexistncia desses dados contrrios.

    A subdeterminao emprica da teoria e a sobredeterminao terica dos dados ocorrem

    simultaneamente, em toda parte. Como resultado, a cincia social essencialmente contestvel,

    tanto em suas declaraes factuais mais especficas, como em suas generalizaes mais abstratas.

    Cada concluso emprica aberta discusso que parta de consideraes supra-empricas, e cada

    proposio geral pode ser contestada por referncia a "fatos empricos" inexplicados.

    Desse modo, cada proposio na cincia social est sujeita demanda de justificar-se por referncia

    a princpios gerais (8 ). Argumentos contra o trabalho de Blau no precisam limitar-se

    demonstrao emprica de que consideraes estruturais so apenas um dos diversos determinantes

    da exagomia; pode-se, em vez disso, demonstrar que a prpria formulao de uma causao

    puramente ecolgica se funda em pressupostos da ao de natureza excessivamente instrumental.

    Ao considerar o trabalho de Lieberson posssvel contornar a questo emprica da relao entre

    educao e oportunidades objetivas de modo semelhante. possvel construir o argumento

    discursivo segundo o qual o foco exclusivo na herana da escravido, e sua operacionalizao em

    termos estritamente estruturais, refletem no apenas um programa ideolgico a priori mas tambm

    uma adeso a modelos estritamento conflitivos da sociedade. O trabalho de Smelser pode ser

    criticado discursivamente pelo questionamento de sua adequao lgica ou pela crtica nfase dos

    primeiros modelos funcionalistas na internalizao dos valores da famlia. O argumento de Skocpol

    tambm pode ser avaliado sem referncia aos dados empricos da revoluo. Poderia ser

    demonstrado, por exemplo, que ela compreende mal as "teorias voluntaristas da revoluo" - seu

    alvo polmico - na medida em que as considera teorias individualistas que presumem conhecimento

    racional das conseqncias da ao.

    Formular tais argumentos participar do discurso e no da explicao. Como Seidman (1983, a

    sair) esclareceu, o discurso no implica no abandono da busca da verdade. A verdade no precisa

    limitar-se ao critrio da validade emprica testvel. Cada tipo de discurso implica em distintos

  • critrios de verdade. Esses critrios ultrapassam a adequao emprica ao fazer afirmaes sobre a

    natureza e conseqncias de pressupostos, sobre a formulao e adequao de modelos, as

    conseqncias das ideologias, as meta-implicaes dos mtodos, e as conotaes das definies. Na

    medida em que essas proposies se explicitam, elas podem ser consideradas como esforos no

    sentido de racionalizar e sistematizar a complexidade da anlise social e da vida social, geralmente

    apenas intudas. Controvrsias entre metodologias interpretativas e causais, entre concepes

    utilitrias e normativas da ao, entre modelos de equilbrio e de conflito da sociedade, entre teorias

    radicais e conservadoras da mudana, todas essas controvrsias so discursivas e no explicativas.

    Elas so o reflexo dos esforos dos socilogos para formular critrios de "verdade" para diferentes

    domnios no-empricos.

    Por essa razo, no surpreendente que a resposta da disciplina a estudos importantes apresente to

    pouca semelhana com as respostas claras e circunscritas sugeridas pelos defensores da "lgica da

    cincia:" States and Social Revolutions, de Skocpol, por exemplo, foi analisado em todos os nveis.

    Seus pressupostos, ideologia, modelo, mtodo, definies, conceitos e at mesmo seus fatos foram

    sucessivamente clarificados, discutidos e elogiados. O que estava em jogo eram os critrios de

    verdade por ela empregados para justificar suas posies em cada um desses nveis. S uma

    pequena parte da resposta da disciplina a seu trabalho envolveu o teste sistemtico de suas hipteses

    ou a reanlise de seus dados. No certamente nesses termos que se chegar a uma deciso sobre a

    validez de sua abordagem estrutural (9).

    Na discusso que segue, pretendo sugerir que uma boa parte da histria recente da sociologia pode

    ser interpretada em termos da perspectiva que acabo de esboar. Tentarei demonstrar que o valor de

    verdade desses desenvolvimentos recentes deve ser considerado em termos discursivos.

    Formaes Discursivas no Ps-Guerra

    Por ser discursiva, a sociologia pode progredir num sentido estritamente emprico sem que isso

    implique em qualquer progresso em termos tericos mais gerais. Argumentos discursivos, e os

    critrios racionais por eles implicados, so apenas subjetivamente cogentes. Eles so aceitos por

    razes que independem de testes empricos convencionais. O que equivale a dizer que a cincia

    social se desenvolve dentro de escolas e tradies. E seu fluxo lembra mais o movimento de uma

    conversa que os passos de uma demonstrao racional. Move-se num sentido e noutro entre pontos

    de vista limitados e profundamente enraizados. Assemelha-se mais a um pndulo que a uma reta.

    Se refletirmos sobre a teoria sociolgica a partir da Segunda Guerra, veremos precisamente esse

    movimento pendular. A diviso entre teorias da ao e teorias estruturais, que marcou (muito

  • esquematicamente) os ltimos vinte e cinco anos, no aconteceu num vcuo histrico. Cada ponto

    no movimento de um pndulo responde ao movimento precedente.

    O discurso sobre ao versus estrutura surgiu como reao ao estrutural-funcionalismo de Parsons.

    Parsons tentou acabar de uma vez por todas com as "escolas em conflito." Tentou compatibilizar

    idealismo e materialismo em sua teoria sistmica, fazendo o mesmo com a ao voluntria e a

    determinao estrutural em sua teoria sobre o indivduo. Embora em certos aspectos fundamentais

    sua teoria seja a mais refinada e de maiores implicaes, seu esforo integrador no teve sucesso.

    Em parte, o problema era intelectual, pois ele no realizou sua sntese de modo imparcial

    (Alexander; 1983). Apesar de reconhecer o carter contingente da ao, ele estava mais interessado

    na socializao dos indivduos; apesar de formalmente incorporar as estruturas materiais, ele se

    dedicou muito mais teorizao do controle normativo. Mas tambm h razes sociolgicas para o

    insucesso de Parsons. Como as idias a que Weber chamou de guarda-freios da histria, as vertentes

    intelectuais do trabalho de Parsons serviram de trilhos para os interesses das escolas e tradies

    tericas idealistas e materialistas. As tradies idealistas e estruturalista esto profundamente

    enraizadas no desenvolvimento histrico das cincias sociais; seria preciso mais que uma

    formulao terica sofisticada - mesmo uma que pudesse realizar uma sntese de modo mais

    consistente - para desaloj-las.

    Assim, embora a teoria funcionalista de Parsons tenha aberto caminhos para a teoria e para a

    pesquisa no ps-guerra, o pndulo teria que voltar. Surgiram poderosas teorias que abriram a caixa

    preta da ordem contingente: eram brilhantes reformulaes do pensamento pragmtico e

    fenomenolgico. A outra nova tendncia se opunha idealizao da ao em Parsons Retornando a

    Marx e vertente instrumental do pensamento de Weber, a teoria "estrutural" desenvolveu novas e

    poderosas verses da macrossociologia.

    No se pode negar que essa reao ps-funcionalista freqentemente tomou uma forma

    decididamente emprica em que os estudiosos frequentemente se deixaram persuadir por causa dos

    novos fatos e melhores explicaes que oferecia. O interacionismo simblico e a etnometodologia

    realizaram estudos inovadores do desvio, do comportamento coletivo e dos papis sociais. Alm

    disso, as polmicas metodolgicas associadas a esses estudos convenceram muitos socilogos de

    que abordagens mais individualistas e naturalistas podiam permitir melhor acesso realidade. O

    movimento estrutural tambm produziu avanos empricos convincentes em campos como

    estratificao, modernizao e mudana social, e em metodologias de inclinao mais concreta,

    histrica e comparativa.

  • Convm ressaltar, no entanto, que o sucesso disciplinar desses movimentos ps-funcionalistas no

    se baseou nesses avanos empricos. Em primeiro lugar, eles nunca foram exclusivamente

    empricos Eles faziam parte, e eram expresso, de compromissos mais gerais de tipo supra-

    emprico. Tais compromissos tericos eram manifestos e no latentes; como tais, eles prprios se

    tornaram focos principais no movimento ps-funcionalista. Em outras palavras, os opositores ps

    funcionalistas no se envolveram em estudos empricos, mas em uma mirade de disputas tericas

    altamente generalizadas. Essas disputas eram onipresentes; chegavam mesmo ao trabalho emprico

    mais ostensivo. Em suma, o movimento ps-funcionalista se originava tanto no discurso como na

    explicao; em relao a Parsons, e cada uma das vertentes em relao outra, ele se justificava

    pela argumentao e no s pelos procedimentos empricos de verificao ou falsificao.

    No passo seguinte, considerarei os pressupostos dessas perspectivas sobre a natureza da ao

    individual e da ordem coletiva. Tentarei mostrar o que os contemporneos acharam particularmente

    atraente nesses pressupostos, apesar de que cada tradio concebesse ao e ordem de modo

    claramente unilateral e limitado. No estarei, portanto, apenas examinando argumentos discursivos,

    mas participando deles. Tentarei ainda demonstrar quais so essas limitaes e sugerirei que, num

    modelo mais sinttico, elas podem, em princpio, ser superadas.

    Pressupostos e Dilemas Tericos

    Por pressupostos (Alexander, 1982a, 1987b), entendo as suposies mais gerais que os socilogos

    fazem quando se defrontam com a realidade. Cada teoria social e cada trabalho emprico tomam

    posies a priori que permitem que os observadores organizem nas categorias mais simples os

    dados dos sentidos que entram em suas mentes. E s nessa base que so possveis as manipulaes

    mais conscientes que constituem o pensamento racional ou cientfico. Os pressupostos so objetos

    do discurso, e so at mesmo discursivamente justificados. Em sua maioria, contudo, se originam

    em processos que precedem ao prprio exerccio da razo.

    Talvez a coisa mais bvia que, em seus encontros com a realidade, os estudiosos da vida social

    devem pressupor seja a natureza da ao. Na era moderna, quando se pensa sobre a ao, discute-se

    se ela racional ou no. Isso, obviamente, no implica na equao de senso comum ou racional com

    o bom e atilado e do irracional com o mau e estpido. Na cincia social moderna, essa dicotomia se

    aplica s pessoas como egostas (racionais) ou idealistas (no-racionais), como normativas e morais

    (no-racionais) ou instrumentais e estratgicas (racionais), como agindo em termos de maximizar a

    eficincia (racionalmente) ou como governadas pelas emoes e desejos inconscientes (no-

    racionalmente). Em termos de orientaes empricas, essas descries da ao racional e da ao

    irracional certamente diferem em aspectos relevantes especficos. Em termos da prtica terica,

  • porm, essas orientaes formam dois tipos-ideais. Na histria da teoria social esses tipos-ideais do

    racional e do irracional tm marcado tradies tericas distintas, determinando argumentos

    discursivos de tipo mais polmico (10 ).

    Como definir essas tradies em termos que superem, mas no violem, as diferenas mais finas em

    que se baseiam, de tal modo que, por exemplo, as teorias moralistas e emocionalistas possam ser

    vistas como parte da tradio "no-racionalista"? A resposta extremamente simples: ela consiste

    em formular a dicotomia em termos da referncia interna ou externa da ao (Alexander, 1982a, p.

    71-79). As abordagens racionalistas ou instrumentais retratam os atores como movidos por foras

    fora deles, enquanto que as abordagens no-racionalistas sugerem que a ao motivada de dentro

    dos atores. possvel em princpio, supor que a ao pode tanto ser racional quanto irracional, mas

    surpreendente quo raramente, na histria da teoria social, essa interpretao tem sido

    efetivamente proposta.

    Responder questo central sobre a ao no o bastante, porm. necessrio pressupor tambm

    uma segunda questo maior. Refiro-me ao famoso "problema da ordem", embora o defina de

    maneira ligeiramente diferente do que tem sido tipicamente o caso. Os socilogos so socilogos

    porque acreditam que a sociedade tm padres, estruturas de alguma maneira diferentes dos atores

    que a compem. Concordando embora com a existncia de tais padres, os socilogos esto

    freqentemente em desacordo sobre como na realidade a ordem produzida. Uma vez mais

    formularei esses desacordos em termos de tipos ideais dicotmicos, porque exatamente esse

    desacordo cumulativo que caracteriza a histria emprica e discursiva do pensamento social (Ekeh,

    1974 e Lewis e Smith, 1980). Essa dicotomia ope as posies individualista e coletivista.

    Quando os pensadores assumem uma posio coletivista, consideram os padres sociais como

    preexistindo a qualquer ato individual especfico, em certo sentido como produtos da histria. A

    ordem social se impe a indivduos recm-nascidos como um fato estabelecido fora deles. Se

    quisermos evitar a confuso derivada das primeiras formulaes dessa posio por Durkheim (1937

    [1895]), evitando por outro lado a necessidade de "corrigir" os erros de Durkheim com justificativas

    discursivas igualmente unilaterais (11), certas observaes devem ser feitas imediatamente sobre

    essa definio de coletivismo. Ao escrever sobre adultos, os coletivistas geralmente reconhecem

    que a ordem social existe tanto dentro do indivduo como fora dele; essa uma qualificao

    importante, qual retornaremos. Seja conceitualizada como dentro ou fora do ator, entretanto, a

    posio coletivista no concebe a ordem como produto de consideraes puramente instantneas ou

    momentneas. De acordo com a teoria coletivista, cada ator individual empurrado na direo da

    estrutura preexistente; se essa direo apenas uma probabilidade ou um destino determinado

    depende de refinamentos da posio coletivista que sero considerados adiante.

  • Teorias individualistas freqentemente reconhecem que tais estruturas extra-individuais parecem

    existir na sociedade, assim como reconhecem que existem padres intelegveis. Insistem, contudo,

    em que esses padres so o resultado da negociao individual. Acreditam que as estruturas so no

    s "portadas" pelos indivduos, mas na realidade produzidas pelos portadores no curso de suas

    interaes individuais. O suposto que os indivduos podem alterar os fundamentos da ordem a

    cada momento sucessivo no tempo histrico. Os indivduos, desse ponto de vista, no carregam a

    ordem dentro de si. Eles antes obedecem ou se rebelam contra a ordem social - mesmo em relao a

    valores que guardam dentro de si mesmos - de acordo com seus desejos individuais.

    Uma vez mais, a possibilidade de combinar alguns elementos desta posio com uma nfase mais

    coletivista ser tratada adiante. O que importa enfatizar neste ponto que problemas de ao e de

    ordem no so operacionais. Cada teoria deve tomar uma posio sobre ambos. As permutaes

    lgicas entre pressupostos formam as tradies fundamentais da sociologia. Como tais, formam os

    eixos mais importantes em torno dos quais se desenvolve o discurso da cincia social.

    por isso que os pressupostos so to centrais ao discurso. O estudo da sociedade se desenvolve em

    torno das questes da liberdade e da ordem, e cada teoria se aproxima mais ou menos de cada um

    desses plos. Os homens e mulheres modernos acreditam que os indivduos so dotados de livre-

    arbtrio e que, por causa dessa capacidade, agem confiavelmente de modo responsvel. At certo

    ponto, essa crena tem sido institucionalizada nas sociedades ocidentais. Os indivduos tm sido

    escolhidos como as unidades polticas e culturais privilegiadas. Esforos legais tm sido feitos para

    proteg-los do grupo, do estado, e de outros rgos coercitivos, como a igreja.

    Os tericos da sociologia, sejam eles individualistas ou coletivistas, esto provavelmente to

    comprometidos como qualquer cidado com a autonomia do indivduo. Na verdade; a sociologia

    surgiu como disciplina como resultado dessa diferenciao do indivduo na sociedade, pois foi a

    independncia do indivduo e o crescimento de sua capacidade de pensar livremente a sociedade

    que permitiu que a prpria sociedade fosse concebida como um objeto de estudo independente. a

    independncia do indivduo que torna a ordem problemtica, e essa problematizao da ordem

    que torna a sociologia possvel. Ao mesmo tempo, os sociolgos reconhecem que a atividade

    quotidiana do indivduo tem um carter padronizado. essa tenso entre liberdade e ordem que

    fornece a base intelectual e moral da sociologia. Os socilogos exploram a natureza da ordem

    social, e justificam discursivamente as posies que adotam em relao a essa questo, porque esto

    profundamente interessados em implicaes da ordem para a liberdade individual.

    As teorias individualistas so atraentes porque preservam a liberdade individual de modo aberto,

    explcito e persistente. Seus postulados a priori supem a integridade do indivduo racional ou

  • moral, e a capacidade que o ator tem de agir livremente contra sua situao, definida em termos

    materiais ou culturais. Essa convergncia natural entre o discurso ideolgico e o explicativo faz do

    individualismo uma corrente poderosa no pensamento moderno.

    A teoria social emergiu de um longo processo de secularizao e rebelio contra as instituies

    hierrquicas da sociedade tradicional. No Renascimento, Maquiavel sublinhou a autonomia do

    prncipe racional para refazer o mundo. Os tericos ingleses do contrato, como Hobbes e Locke, se

    libertaram das restries tradicionais produzindo um discurso que tornava a ordem social

    dependente da negociao individual e, assim, do contrato social. O mesmo caminho foi seguido

    por alguns dos principais pensadores do Iluminismo francs. Cada uma dessas tradies

    individualistas era fortemente racionalista. Embora enfatizassem diferentes tipos de necessidades

    individuais - poder, felicidade, prazer, segurana - cada uma delas retratava a sociedade como uma

    emanao das escolhas de atores racionais. A ponte conceitual crucial entre essas tradies e a

    teoria contempornea nas cincias sociais foi o Utilitarismo, particularmente a economia clssica,

    cuja teoria da regulao invisvel dos mercados oferecia uma explicao emprica elegante de como

    agregar decises individuais para formar sociedades (12). As justificaes fundamentais das verses

    nacionalistas da teoria individualista derivam hoje desse discurso quase-econmico.

    As teorias individualistas tambm assumem, claro, forma no-racional. Em sua inverso do

    Iluminismo e de sua revolta contra o Utilitarismo, o Romantismo inspira teorias sobre o ator

    passional (p. ex., Abrams, 1971), de Wundt a Freud. Em sua verso hermenutica, que abarca de

    Hegel (Taylor, 1975) a Husserl e o existencialismo (Spiegelberg, 1971), essa tradio anti-

    racionalista toma forma moral e freqentemente cognitiva.

    As vantagens que uma posio individualista oferece so, ento, muito grandes. No entanto, sua

    conquista tm um alto custo terico. Esse custo decorre da perspectiva completamente irrealista

    dessas teorias sobre o voluntarismo na sociedade. Ao negar radicalmente o poder da estrutura

    social, feitas as contas, a teoria individualista no presta um servio a liberdade. Ela encoraja a

    iluso de que os indivduos no tm necessidade de outros ou da sociedade como um todo. Tambm

    ignora que as estruturas sociais podem ser indispensveis liberdade. Esses custos constituem o

    alvo do discurso contra a teoria individualista.

    Por reconhecer a existncia do controle social, a teoria coletivista pode submet-lo anlise

    explcita. Nesse sentido, o pensamento coletivista representa um avano real sobre a posio

    individualista, tanto em termos tericos quanto morais. A questo saber se esse ganho, por sua

    vez, no foi obtido a preo inaceitvel. O que perde a teoria coletivista? Como se relaciona aquela

    fora coletiva vontade individual, e possibilidade de preservar o voluntarismo e o autocontrole?

  • Para responder a essa questo decisiva, necessrio explicitar um ponto que ficou implcito at

    aqui. Supostos sobre a ordem no implicam em qualquer suposto sobre a ao. Por causa dessa

    indeterminao, h tipos muito diferentes de teoria coletivista.

    Se a teoria coletivista ou no digna de seu custo vai depender de seus supostos sobre a

    possibilidade da ao moral ou expressiva, logo no-racional. Muitas teorias coletivistas supem

    que as aes so motivadas por formas estritas de racionalidade tcnico-eficiente. Feita essa

    suposio, segue-se que as estruturas coletivas devem ser retratadas como externas aos indivduos e

    inteiramente impermeveis sua vontade. As instituies polticas e econmicas, por exemplo,

    supostamente controlam os atores de fora, quer eles queiram ou no. Elas o fazem formulando

    sanes negativas ou positivas para atores que so reduzidos - qualquer que seja a natureza de seus

    objetivos pessoais - a calculadores de prazer e de dor. Porque tais atores supostamente respondem

    racionalmente a essa situao externa, os motivos so eliminados da teoria. Essa teoria supe que a

    resposta do ator pode ser predita exclusivamente a partir da anlise do ambiente externo. Teorias

    racional-coletivistas, portanto, explicam a ordem sacrificando o sujeito. Com efeito, dispensam a

    prpria noo de um eu autnomo. Na sociologia clssica, o marxismo ortodoxo representa o

    exemplo mais formidvel desse desenvolvimento, e as implicaes coercitivas que envolvem seu

    discurso - reveladas, por exemplo, em referncias recorrentes "ditadura do proletariado" a s "leis

    da histria" - geram grande controvrsia. A mesma tendncia a justificar um discurso sem sujeito,

    contudo, tambm permeia a teoria neoclssica com ambies coletivas, assim como a sociologia de

    Weber, como demonstra a controvrsia sobre o status da "dominao".

    A teoria coletivista que, ao contrrio, admite a ao no-racional, percebe os atores como guiados

    por ideais e pela emoo Esse mundo interno da subjetividade inicialmente estruturado, na

    verdade, por seus encontros com objetos externos - os pais, professores, companheiros e livros. No

    processo de socializao, contudo, tais estruturas extra-individuais se tornam internas ao eu. A

    subjetividade s se torna um tpico da teoria coletivista se esse fenmeno da internalizao aceito.

    Desse ponto de vista, a interao individual se torna uma negociao entre "eus sociais". Os perigos

    que desafiam a uma tal teoria so exatamente os opostos aos que defrontam as teorias coletivistas de

    tipo racionalista. Elas tendem a envolver-se em retrica moralista e em justificaes idealistas.

    Como tais, elas freqentemente subestimam a sempre presente tenso entre o indivduo socializado

    e seu ambiente. Essa tenso certamente mais bvia quando o socilogo tem que considerar um

    ambiente que material na forma, possibilidade que no pode ser conceitualizada quando a teoria

    coletivista formulada de modo unilateralmente normativo.

    Na discusso sobre o discurso terico recente a seguir, abordarei a questo de como os

    compromissos relativos aos pressupostos tem conformado o debate sociolgico nos ltimos vinte e

  • cinco anos. Eles tm exercido influncia, mesmo que no exista nenhuma tentativa para justific-los

    discursivamente. As figuras centrais nesses debates, no entanto, buscaram tal justificao

    discursiva. Isso, em verdade, o que fez deles tericos influentes. Atravs de seu discurso, esses

    tericos desenvolveram proposies sobre a amplitude e implicaes de suas teorias, proposies

    essas que estipulavam "critrios de verdade" a um nvel supra-emprico. Nesta seco apresentei

    minha concepo de quais devem ser tais critrios. Quando os aplico ao debate terico recente,

    estarei freqentemente me contrapondo aos critrios de verdade dos principais participantes nesses

    mesmos debates. Essa a verdadeira matria de que o discurso das cincias sociais feito.

    Reconsiderando as Teorias Micro e Macro

    talvez por causa do foco metodolgico e emprico da disciplina que a renovao massiva da teoria

    individualista tem sido considerada como um renascimento da "microssociologia" (13). Pois, em

    termos estritos, micro e macro so expresses relativas, referidas a relaes parte/todo a cada nvel

    da organizao social. Na linguagem da cincia social mais recente, porm, esses termos tm sido

    identificados com a distino entre tomar como foco emprico, de um lado, a interao individual e,

    de outro, um sistema social inteiro.

    Quando Homans (1958, 1961) apresentou a teoria das trocas, ele renovou a prpria posio

    utilitarista que constitua base mais antiga e mais vigorosa da crtica de Parsons (1937). Homans

    rejeitava tanto a tradio coletivista na sociologia clssica e contempornea quanto a tendncia

    interpretativa na teoria individualista. Ele insistia em que as formas elementares da vida social no

    so constitudas por elementos extra-individuais, como sistemas simblicos, mas por atores

    individuais de inclinao exclusivamente racional. Ele se detinha no que determinava

    comportamento subinstitucional, o comportamento de "indivduos reais" que ele concebia como

    inteiramente independentes de normas socialmente definidas. Sua ateno era ocupada pelos

    procedimentos atravs dos quais os indivduos fazem seus clculos, assim como pelo equilbrio

    entre oferta e demanda no ambiente externo do indivduo. Na perspectiva racionalista de Homans,

    as foras sociais que agem sobre os indivduos s podiam ser consideradas de modo objetificado e

    externo.

    A teoria das trocas adquiriu enorme influncia ao fazer renascer a microssociologia. Seu modelo

    simples e elegante facilitava a predio; seu foco no indivduo a tornava empiricamente

    operacional. Ela tambm acolhia uma viso fundamental que Parsons e, na verdade, tericos

    coletivistas de todo tipo, tinha ignorado: atravs da tomada de decises sobre os custos da troca

    pelos atores individuais que as "condies sociais objetivas" se articulam com a vida cotidiana dos

    indivduos, instituies e grupos (14). O preo dessa conquista era, no entanto, alto, mesmo para

  • tericos dentro do prprio paradigma. Por exemplo, Homans (1961, p. 40, 54-55) nunca foi capaz

    de definir o "valor" de uma mercadoria seno de maneira circular; ele era levado a afirmar que o

    valor derivava do reforo de uma orientao preexistente. Sua concepo (1961, cap. 12) da justia

    distributiva mostra problemas anlogos; ele forado a referir-se a uma solidariedade irracional

    para definir o que poderia ser uma troca equitativa.

    As outras vertentes da microteoria optavam pelo lado interpretativo. Blumer (1969) foi o

    responsvel pelo renascimento da teoria de Mead, embora a tradio que Blumer (1937) denominou

    "interacionismo simblico" adotasse o pragmatismo apenas de forma radicalmente contingente (15).

    Blumer insistia em que o significado determinado pela negociao individual, na verdade pela

    reao dos outros ao ato do indivduo. O ator no percebido como portador de uma ordem coletiva

    previamente definida. O que define as atitudes no a internalizao, mas a relevncia situacional

    imediata. Atravs da "auto-indicao" at mesmo o prprio eu dos atores se torna objeto. o "eu"

    (I) temporalmente enraizado do ator, e no o "eu" (me) mais socialmente focalizado, que determina

    o padro da ordem social descrito na obra de Blumer.

    Os escritos mais influentes de Blumer so de forma quase inteiramente discursiva; mesmo quando

    programtico, dedica-se mais a promover a metodologia da observao direta que elaborao de

    conceitos tericos. Goffman que deve ser considerado o mais importante terico emprico do

    movimento interacionista-simblico. Para a maioria dos contemporneos, a obra de Goffman

    parecia apenas impelir a teoria interacionista numa direo mais especfica e dramatrgica.

    Certamente seus primeiros trabalhos autorizam essa leitura. Em contraste com a clara linha

    coletivista de sua teorizao posterior, Goffman (p. ex., 1959) enfatizava os desejos individuais de

    manipular a apresentao do eu em relao aos papis socialmente estruturados, e procurava (1963)

    explicar o comportamento institucional como originado na interao face a face.

    A etnometodologia, e o trabalho fenomenolgico em geral, apresenta uma histria mais complexa.

    Garfinkel foi um aluno de Schutz, mas tambm de Parsons, e seus primeiros trabalhos (p. ex., 1963)

    acolhem a centralidade da internalizao. O que Garfinkel explorava em seus primeiros trabalhos

    era como os atores fazem suas prprias normas, isto , sua "etno"-metodologia. Sublinhando o

    carter construdo da ao, ele descrevia como, atravs de tcnicas cognitivas (Garfinkel, 1967), os

    indivduos concebiam eventos contingentes e nicos como representaes, ou "ndices", de regras

    socialmente estruturadas. Nesse processo, ele mostrou, essas regras so, na realidade, no s

    especificadas mas modificadas e mudadas.

    medida em que a etnometodologia se torna um movimento terico importante, ela forada a

    justificar-se de modo mais geral e discursivo. No processo, seus conceitos se tornam mais

  • unilaterais. Apresentando-se como comprometida com uma sociologia alternativa, passa a afirmar

    as "prticas dos prprios membros" acima da, e contra a, estrutura. Segundo o novo argumento, o

    fato de que tcnicas constitutivas como a indexicalidade sejam onipresentes serve de evidncia de

    que a ordem completamente contingente e a prtica infindvel da atividade ordenada passa a ser

    identificada (Garfinkel et at, 1981) com a prpria ordem social. Que esse tipo de reduo

    individualista seja mais ou menos inerente abordagem fenomenolgica , porm, contestado por

    outras tendncias derivadas da escola etnometodolgica. A anlise conversacional (Sacks et at,

    1974), por exemplo, considera a fala como sujeita a fortes limitaes estruturais, ainda que no

    conceitualize esses limites de modo sistemtico.

    certamente uma demonstrao irnica da falta de acumulao linear em sociologia o fato de que,

    simultaneamente a esse ressurgimento da microteorizao, surja um movimento igualmente forte na

    direo de trabalhos de tipo macro, coletivista, igualmente unilaterais. Esse movimento comea

    quando os "tericos do conflito" se autojustificam, definindo a obra de Parsons como uma "teoria

    da ordem". Como os novos microssocilogos, eles tambm negavam a centralidade da

    internalizao e o elo entre ao e cultura que esse conceito envolve. Ao invs de enfatizar a

    conscincia individual como base da ordem coletiva, porm, os tericos do conflito preferiam cortar

    completamente a ligao entre conscincia e processos estruturais. Dahrendorf (1959) atribua o

    papel ordenador central a posies de poder administrativo. Rex (1961) enfatizava os processos de

    alocao econmica como base do poder da classe dirigente.

    Se as teorias do conflito eram as principais justificativas da posio estrutural em sua fase inicial,

    foi o marxismo de Althusser e seus discpulos (Althusser e Balibar, 1968; Godelier, 1967) que

    formulou o discurso mais refinado e influente em sua fase posterior. Partindo de Spinoza e da

    moderna teoria lingustica e antropolgica, esse marxismo estruturalista analisava os movimentos

    histricos como variaes, transformaes e incarnaes particulares de princpios estruturais

    fundamentais. Ao invs de partir da diversidade emprica e fenomnica, da ao social, como

    sugeria a microteoria contempornea, esses marxistas-estruturalistas deram a primazia ontolgica e

    metodolgica "totalidade". Embora as aes individuais possam desviar-se dos imperativos

    estruturais, as conseqncias objetivas dessas aes so determinadas por estruturas que esto alm

    do controle dos atores.

    Embora to determinista como outras variantes, este marxismo estrutural menos diretamente

    econmico que elas. Ele enfatiza a mediao poltica das foras produtivas mais que seu controle

    direto (p. ex., Poulantzas). Esse discurso sobre a mediao e a "sobredeterminao" prepara o

    advento de uma teoria marxista de clara influncia weberiana. Economistas-polticos crticos como

  • Offe (1984 [1972]) e O'Connor (1973) analisam a funo do estado na acumulao capitalista e

    tentam derivar os problemas e crises sociais da interveno estatal "inevitvel".

    Ainda que as justificaes discursivas mais importantes da nova teoria estrutural viessem da

    Europa, sua influncia nos Estados Unidos dependeu de uma srie de argumentos de alcance mdio.

    A principal obra de Moore (1966) sobre as origens de classe das formaes estatais foi a que deu

    maior mpeto a essa vertente ainda que fosse muito mais classicamente marxista que o

    estruturalismo neoweberiano a que deu origem. A obra individual mais importante que segue a de

    Moore a de Skocpol (1979). Skocpol no apenas desenvolve o que parecia uma poderosa nova lei

    geral de explicao das revolues, mas ainda abre uma polmica contra as teorias subjetivas e

    voluntaristas da revoluo, em nome de sua teoria estrutural descrita acima. A anlise de classes de

    Wright (1978) retoma o mesmo tema antimicro, ao atribuir as ambigidades na conscincia de

    classe de um grupo s "locaes contraditrias de classe". Paralelamente, Treiman (1977) produz o

    que chama de "teoria estrutural do prestgio", que converte o controle cultural em organizacional e

    nega qualquer papel causal independente compreenso subjetiva da estratificao. Em outro

    trabalho importante ao qual j me referi, Lieberson (1980) coloca sua explicao da desigualdade

    racial em termos do mesmo discurso altamente persuasivo. Ele identifica as "estruturas de

    oportunidade" com o ambiente material e justifica essa operao descartando a anlise da volio

    subjetiva como conservadora e idealista.

    O Novo Movimento Terico

    Os esforos para reformular a sociologia como uma disciplina orientada exclusivamente ou pela

    ao ou pela estrutura surgiram como resposta frustrao com as promessas no cumpridas do

    funcionalismo e tambm do desacordo fundamental sobre essas promessas. Nos anos 60 esse

    desafio ao funcionalismo criou um clima de crise na disciplina. No fim dos setenta, os opositores

    tinham triunfado, e a sociologia pareceu acalmar-se uma vez mais, numa meia-idade segura, embora

    um tanto fragmentada. O discurso marxista permeava os escritos sociolgicos na Inglaterra e no

    continente. Nos Estados Unidos, uma nova seco marxista formou-se na associao nacional, e

    rapidamente ganhou mais membros do que a maioria das seces j estabelecidas. Seguiram-se

    novos grupos de sociologia poltica, histrica e comparada, e suas abordagens estruturalistas

    fizeram com que obtivessem resposta semelhante. A microteoria tambm granjeou enorme

    autoridade. Quando de seu surgimento, a etnometodologia foi confrontada por um discurso que

    questionava sua legitimidade fundamental e a descartava como bizarra ou corrompida (p. ex.,

    Goldthorpe, 1973, Coleman, 1968 e Coser, 1975). Ao fim dos anos setenta, suas justificaes

    discursivas eram aceitas por muitos dos principais tericos (p. ex., Collins, 1981 e Giddens, 1976),

  • e levadas a srio pela maioria dos outros. A obra de Goffman passou ainda mais rapidamente de um

    status controverso ao de clssico.

    Contudo, no momento mesmo em que os outrora impetuosos opositores se tornavam o grupo

    dominante, quando o carter "multiparadigmtico" da sociologia deixava de ser uma arriscada

    profecia (p. ex., Friedrichs, 1970) para tornar-se saber convencional (p. ex., Ritzer, 1975), a fase

    vital e criativa desses movimentos tericos chegava a seu fim. Na dcada presente, comea a tomar

    forma um modo surpreendentemente diferente de discurso terico. Estimulada pelo fechamento

    prematuro das tradies micro e macro, essa fase marcada por um esforo de juntar novamente a

    teoria sobre a ao e a estrutura. Essa tentativa vem sendo feita dentro de cada uma das tradies

    hoje dominantes, de ambos os lados da diviso micro/macro.

    H razes sociais e institucionais, tanto como intelectuais, para esse desenvolvimento do trabalho

    terico. Um de seus fatores o novo clima poltico nos Estados Unidos e na Europa. A maioria dos

    movimentos sociais radicais se dissolveu, e aos olhos de muitos intelectuais crticos o prprio

    marxismo perdeu a legitimidade moral. O impulso ideolgico que, nos Estados Unidos, alimentou o

    discurso ps-parsoniano em sua forma micro e macro, e que justificou o estruturalismo marxista na

    Europa, est extinto. Nos Estados Unidos, estruturalistas outrora entusisticos buscam meios de

    utilizar a anlise cultural, e antigos sectrios da etnometodologia tentam integrar teorias macro

    construtivas e tradicionais. Na Alemanha, Inglaterra e Frana; a nova gerao, ps-marxista tem

    sido influenciada pela fenomenologia e pela microteoria norte-americana. A migrao das idias

    parsonianas para a Alemanha (Alexander; 1984) no renovou o que hoje visto como um debate

    obsoleto, mas inspirou novas tentativas de reintegrao terica.

    O tempo intelectual tambm passou, e sua passagem foi regulada pelas exigncias de uma lgica

    antes terica que social. Teorias parciais so estimulantes, e em certos momentos podem ser

    altamente produtivas. Uma vez assentada a poeira da batalha terica, porm, no fcil manter o

    contedo cognitivo da teoria. O revisionismo o sinal mais seguro de dissenso terico (16). Os que

    tentam defender uma tradio estabelecida so particularmente sensveis a suas fraquezas, pois so

    eles que devem enfrentar as demandas por justificaes discursivas que gradualmente se acumulam.

    Em resposta a essas questes imanentes, estudiosos e seguidores talentosos introduzem revises ad

    hoc na teoria original e desenvolvem novos modos de discursos frequentemente inconsistentes. O

    problema que, a menos que a tradio inteira seja derrubada, tais revises acabam transformadas

    em categorias residuais. Os argumentos discursivos que so gerados por crtica e resposta tm,

    porm, uma consequncia no intencional. Eles iluminam as fraquezas na tradio original. Ao

    faz-lo, facilitam aberturas, ou cruzamentos, entre tradies que um dia foram claramente distintas

  • (17). O novo movimento terico na sociologia pode ser revelado pelo estudo do revisionismo dentro

    das tradies micro e macro.

    Desenvolvimentos surpreendentes tiveram lugar, por exemplo, no interacionismo simblico.

    Embora Goffman tivesse comeado sua carreira mais ou menos dentro da tradio radicalmente

    contingente de Blumer, aparece em seus escritos posteriores uma mudana dramtica em direo a

    questes estruturais e culturais. As estratgias criativas dos atores ainda so o objeto da predileo

    de Goffman, mas ele agora (p. ex., Goffman, 1974) se refere a elas como instncias de estruturas

    culturais e de estratificao na vida quotidiana. De modo semelhante, ainda que o impacto original

    de Becker (1963) sobre a teoria do desvio se deva sua nfase na contingncia e no comportamento

    de grupo, seu trabalho mais recente (Becker, 1984) adota uma perspectiva decididamente sistmica

    da criatividade e de seus efeitos. Na verdade, uma srie de esforos de interacionistas simblicos no

    sentido de sistematizar as relaes entre atores e sistemas sociais apareceu recentemente. Lewis e

    Smith (1980), por exemplo, confrontam as justificaes discursivas fundamentais dessa tradio ao

    sugerir que Mead, o suposto fundador da escola, era na realidade um antinominalista que tomava

    uma posio coletivista e no individualista. Stryker (1980, p. 52-54, 57-76) chega ao ponto de

    apresentar o interacionismo como basicamente uma modificao da prpria teoria dos sistemas

    sociais (ver tambm Handel, 1979; Maines, 1977; Strauss, 1978; e Alexander e Colomy, 1985).

    Desenvolvimentos do mesmo tipo podem ser encontrados no modelo da ao racional recolocado

    pela teoria das trocas de Homans. Seus estudiosos sentiram a necessidade de demonstrar que essa

    abordagem polemicamente micro era capaz de enfrentar os critrios de verdade gerados pela

    macrossociologia. Como resultado, gradualmente deslocaram o foco de sua anlise das aes

    individuais para a transformao das aes individuais em efeitos coletivos e, por extenso, da ao

    intencional para a no-intencional. Assim, Wippler e Lindenberg (1987) e Coleman (1987) hoje

    rejeitam a idia de que a conexo entre aes individuais e fenmenos estruturais possa ser

    considerada uma relao causal entre eventos empricos discretos. Por causa da simultaneidade

    emprica, a ligao entre micro e macro deve ser vista como uma relao analtica fundada em

    processos indivisveis no sistema mais amplo. Essa ligao analtica operada pela aplicao de

    "regras de transformao", como procedimento de votao, a aes individuais.

    Esse foco na transformao tem levado os tcnicos a no mais considerarem as aes individuais,

    como objetos de anlise em si mesmos mas como condies iniciais para a operao de mecanismos

    estruturais. Desse modo, explicaes estruturais - sobre as regras de constituies (Coleman, a sair),

    sobre a dinmica de organizaes e relaes entre grupos (Blau, 1977); sobre o sistema de

    distribuio de prestgio (Goode, 1979) - comeam a substituir argumentos utilitrios dentro da

    tradio micro racionalista. Teoriza-se tambm extensamente sobre efeitos no intencionais de

  • aes intencionais (Boudon, 1982 e 1987) e mesmo sobre a gnese da moralidade coletiva (Ekeh,

    1974; Kadushin, 1978; Lindenberg; 1983).

    Ainda que Garfinkel, o fundador da etnometodologia, continue a defender um programa micro

    radical (Garfinkel et al, 1981), e ainda que o movimento revisionista para alm da teorizao

    unilateral seja menos desenvolvido nesta que em outras tradies micro, imposssvel negar que

    um movimento similar permeia a sociologia fenomenolgica. Cicourel, por exemplo, certamente

    uma das figuras-chave na primeira fase, props recentemente uma abordagem mais interdependente

    e sinttica (Knorr-Cetina e Cicourel, 1981). Um movimento de "estudos sociais sobre a cincia"

    fundado na fenomenologia, ainda que advogando uma nova abordagem muito mais situacional da

    cincia, se refere rotineiramente aos efeitos de enquadramento da estrutura social (Pinch e Collins,

    1984; Knorr-Cetina e Mulkay, 1983). Embora tanto Smith (1984) como Molotch (Molotch e Boden,

    1985) insistam na indispensvel autonomia das prticas constitutivas, eles recentemente produziram

    estudos significativos que demonstram como essas prticas so estruturadas pelo contexto

    organizacional e pela distribuio do poder. preciso insistir em que esses esforos

    fenomenolgicos no envolvem apenas esquemas explicativos revisados. Esto, ao contrrio;

    profundamente envolvidos com novos modos de justificao discursiva, tentativas de incorporar os

    critrios de verdade de trabalhos mais estruturalistas (ver, p. ex., Schegloff, 1987).

    Esforos igualmente revisionistas marcam um novo movimento para alm da posio racional-

    coletivista, ou estrutural. Houve sempre uma abundncia de contradies internas em tais teorias,

    contradies essas mais pronunciadas no trabalho de seus principais expoentes. Rex (1961, p. 113-

    128), por exemplo, admitia uma trgua eventual entre classes dirigentes e dirigidas, trgua que

    abriria um perodo de tranquilidade e a possibilidade de formas mais integrativas de socializao. O

    porque da superao dessa situao diante de novos e "inevitveis" conflitos de classe foi algo que

    Rex sempre afirmou mas nunca explicou de modo convincente.

    Sempre que Althusser tenta persuadir seus leitores de que, correspondente autonomia relativa dos

    sistemas polticos e ideolgicos, haveria uma determinao econmica "em ltima instncia"

    (Althusser, 1970), sua teoria geralmente precisa se perde numa densa bruma metafsica A

    insistncia de Skocpol (1979: 3-15) em que as explicaes no estruturalistas so individualistas

    nunca foi justificada discursivamente, e a subordinao da ideologia revolucionria estratgia

    conjuntural mais que a causas sociolgicas (Skocpol, 1979, p. 164-173) revela as fraquezas de seu

    argumento, embora permita manter uma coerncia aparente.

  • Apenas recentemente, porm, esses movimentos na lgica terica tm se manifestado atravs da

    reviso aberta e por esforos de incorporar modos discursivos manifestamente diferentes. Do lado

    norte-americano da escola estruturalista, Moore comea a escrever sobre as fontes subjetivas, mais

    que sobre as objetivas, da fraqueza da classe trabalhadora (Moore, 1978) e sobre o sentimento de

    injustia dos proletrios, mais que sobre a prpria injustia objetiva. Uma vez que a mudana nos

    argumentos de Skocpol foi mais rpida e teoricamente autoconsciente, ela ilustra de maneira mais

    sugestiva o novo movimento terico. Foi numa tentativa de explicar a revoluo iraniana que

    Skocpol (1982) levantou pela primeira vez a possibilidade de que as causas religiosas fossem

    comparveis s econmicas e polticas. Num esforo recente de justificar sua posio diante dos

    argumentos de um crtico culturalista (Sewell, 1985), ela cede terreno discursivo, apesar de insistir

    (Skocpol, 1985) em que as explicaes culturais devem ter uma marca realista e proto-estrutural.

    Nos ltimos cinco anos, na verdade, observa-se um extraordinrio impacto cultural no que at

    recentemente era um domnio estruturalista da histria social. Sewell e Hunt, outrora dedicados

    verso da sociologia do conflito de Tilly, so hoje adversrios da sociologia histrica de tipo

    estrutural. Seus escritos se converteram em fontes para um discurso alternativo mais cultural

    (Sewell, 1985; Hunt, 1987) e suas explicaes das mudanas revolucionrias na sociedade francesa

    se contrapem diretamente aos modelos estruturais e propostas causais (Sewell, 1980; Hunt, 1984)

    (18). Darnton (1984), outrora o expoente norte-americano da "cultura material" dos Anales, hoje

    oferece critrios interpretativos para a verdade histrica e para reconstrues culturais do mito

    popular como histria. A "nova histria social" se desvincula da outrora nova sociologia estrutural.

    Para muitos historiadores mais jovens, essa histria parece velha e sua definio como "social"

    excessivamente restrita.

    Cada vez mais os historiadores se baseiam na antropologia e no na sociologia (19). Nesse campo

    limtrofe, cultura e significado assumem um lugar cada vez mais central, como atesta a enorme

    influncia de Geertz (1973), Turner (1969) e Douglas (1966). Por trs desse desenvolvimento na

    antropologia est o renascimento dos estudos culturais em geral (ver, p. ex., Alexander e Seidman,

    1988). Esse desenvolvimento sustentou-se pelo interesse renovado na filosofia hermenutica, pelo

    florescimento da semitica e do estruturalismo, e pela introduo de uma nova verso da Sociologia

    de Durkheim, com maior nfase no simblico (ver, p. ex., Wuthnow et al., 1984; Zelizer, 1985;

    Alexander, 1987d). A sociologia apenas comea a ser significativamente afetada por essa mudana

    em seu ambiente intelectual. Os novos rumos no trabalho de Skocpol so uma importante indicao

    de que a mudana comea a ser sentida. O recente aparecimento de trabalhos polemicamente

    antiestruturais em sociologia histrica (Calhoun, 1982, e Prager, 1986) promete aprofundar esse

    desenvolvimento. No momento em que escrevo est sendo formada uma nova seo cultural na

  • American Sociological Association, e novos trabalhos de sociologia macro cultural progridem (p.

    ex., Wuthnow, 1987, e Archer, a sair). Ainda que essa tendncia cultural na macrossociologia norte-

    americana no se ligue diretamente ao movimento antimaterialista nos ltimos trabalhos de

    Gouldner, eles o complementam de forma clara e reveladora. No ataque persistente ao "marxismo

    objetivo" que Gouldner (1982) disparou pouco antes de sua morte, ele clamava por uma apreciao

    renovada da tradio voluntarista na sociologia norte-americana. Somente essa tradio

    antiestrutural, ele acreditava, capaz de teorizar sobre uma sociedade civil autnoma, contra o

    estado e a economia.

    Esse desafio desigual mas persistente teoria e explicaes estruturalistas nos Estados Unidos tem

    seu paralelo no discurso crtico contra o marxismo estrutural na Europa. Em The Poverty of Theory

    (1978), Thompson abriu uma polmica contra o althusserianismo em nome de uma teoria crtica

    voluntarista e culturalmente centrada. Responsabilidade moral por um comportamento poltico

    radical s poderia ser sustentada, ele acreditava, sobre essa base terica revista. Esse ensaio serviu

    de estopim para o que veio a tornar-se uma inverso radical na sensibilidade terica. Por exemplo,

    em seu ainda mais citado artigo, Michael Mann (1970) atacava as verses liberal e marxista da

    teoria do consenso como superestimadoras da ideologia, e clamava por uma abordagem mais

    puramente estrutural ao problema do consentimento da classe trabalhadora. No trabalho seguinte,

    ele continuava a dedicar-se a questes organizacionais como mercados de trabalho (Mann &

    Blackburn, 1979) e financiamento estatal (Mann, 1979). Seu trabalho atual - uma reconsiderao

    abrangente das origens do poder social - assinala um afastamento decisivo dessa perspectiva. No

    s o poder redefinido de modo pluralista, mas ligaes ideolgicas desempenham um papel

    fundamental. Discutindo o papel histrico da cristandade, Mann (1986, p. 507) reconhece que

    "identifiquei uma (rede) como necessria para tudo o que se seguiu." Para Perry Anderson (1986),

    resenhista de Mann no Times Literary Supplement e ele prprio um lder do movimento estrutural

    na Inglaterra, esse movimento na direo do cultural no foi suficiente. Para a perspectiva atual de

    Anderson, Mann ainda "se aproxima demais da caracterstica confuso moderna que simplesmente

    iguala poder e cultura" e ele recomenda que a cultura seja considerada de modo ainda mais

    independente.

    Fora da Inglaterra ocorrem turbulncias semelhantes no edifcio estruturalista. Na Europa Oriental

    (comparar, por exemplo, Sztompka, 1974, e Sztompka, 1984, 1986, a sair), Escandinvia (Eyerman,

    1982, 1984), Frana (Touraine, 1977) e Itlia (Alberoni, 1984), tericos outrora simpticos aos

    argumentos marxistas afastam-se das contradies que limitam a ao em direo dos movimentos

    sociais que respondem a elas. O marxismo de escolha racional de Elster (1985) pode ser

    considerado como um esforo similar de evitar o determinismo, mas sua compreenso estritamente

  • racionalista da ao tem sido asperamente criticada (por exemplo, Lash e Urry, 1985; Walzer, 1985)

    por sua incapacidade de incorporar a luta moral de movimentos sociais crticos.

    Essa revoluo contra o marxismo nasce do movimento ps-estruturalista originado na Frana.

    Embora em princpio to crtico do estruturalismo simblico como da reduo marxista, o principal

    impacto da teoria ps-estruturalista nas cincias sociais tem sido a reduo da influncia da direo

    marxista na teoria crtica. Na teoria de Foucault (p. ex., 1970), formaes discursivas substituem

    modos de produo. Na de Bourdieu (p. ex., 1986), o capital cultural substitui o capital de tipo

    tradicionalmente econmico. Na de Lyotard (1984) o papel de narrativas culturais sobre a

    racionalidade e rebelio de atores histricos substitui explicaes que supem a racionalidade e

    relacionam a rebelio somente dominao (20).

    H um movimento igualmente importante contra o marxismo na Alemanha, e esse tem tido maiores

    efeitos sobre a prtica da sociologia. A referncia mudana drstica na teoria de Habermas, que

    se afasta do marxismo em direo ao que denomina "teoria comunicativa". Discutirei as idias de

    Habermas no contexto mais amplo das mudanas na teoria geral, e com essa discusso concluo

    minha apresentao do novo movimento terico na sociologia.

    De uma macroperspectiva, a teoria geral tem ocupado sempre uma posio especial na cincia

    social. esse modo relativamente abstrato e basicamente especulativo que atinge os recessos da

    disciplina. Ela ajuda a orientar a sociologia dando-lhe, se no um reflexo de si mesma, pelo menos

    um reflexo de suas aspiraes. Em anos recentes, o trabalho dos tericos gerais mais discutidos

    evidenciou uma mudana decisiva no sentido da rejeio do estruturalismo unilateral. Os primeiros

    trabalhos de Giddens (1971) eram uma continuao da tendncia estruturalista da teoria do conflito

    e do neomarxismo, mas no final dos anos setenta sua obra sofre uma mudana de curso

    fundamental. Ele se convenceu da necessidade de uma teoria complementar da ao. Construindo a

    partir da insistncia fenomenolgica sobre a natureza reflexiva da atividade humana, ele desenvolve

    uma teoria da "estruturao" (1985), cujo objetivo entretecer a contingncia, a estrutura material e

    regras normativas. O desenvolvimento de Collins mostra trajetria semelhante. Embora mais

    interessado que Giddens na etnometodologia, Collins apresenta em seus primeiros trabalhos (1975)

    uma defesa da sociologia estruturalista do conflito. Em anos recentes, por contraste, abraa a

    microssociologia radical, tanto fenomenolgica, como "goffmaniana".* Collins agora acredita que

    cadeias de rituais de interao fazem a mediao entre a estrutura social e a ao contingente.

    Tambm Habermas comeou sua carreira com um modelo tipicamente macroestrutural da dinmica

    social (Habermas, 1973). Embora existam nesse primeiro trabalho claras referncias a elementos

    morais e a diferentes tipos de ao, esses elementos so residuais em relao a seu modelo

  • pesadamente poltico-econmico da vida institucional. Em sua obra mais recente, porm, Habermas

    (1984) desenvolve explcita e sistematicamente teorias sobre os processos micro e normativos

    subjacentes, e muitas vezes opostos, s macroestruturas dos sistemas sociais. Ele utiliza o

    desenvolvimento moral e cognitivo individual para ancorar sua descrio das fases histricas do

    "aprendizado social", descries de atos de linguagem para desenvolver argumentos sobre a

    legitimidade poltica, e a concepo de um mundo-vivido gerado interpessoalmente para justificar

    sua explicao emprica da resistncia e da tenso social.

    O que falta a esses argumentos macrotericos uma concepo robusta de cultura. Habermas se

    afasta dos sistemas culturais porque a noo introduz um elemento de arbitrariedade e

    irracionalidade a cada estgio concebvel da vida histrica. Giddens e Collins no podem abra-la

    porque, influenciados pela microssociologia, concebem o ator de modo discreto e excessivamente

    reflexivo (21). Contrariamente a essas tentativas, meu prprio trabalho comeou por um

    compromisso com a instncia cultural. Argumentei (Alexander, 1982b) que, porque faltava a Marx

    a percepo de Durkheim sobre a estrutura dos sistemas simblicos, sua teoria radical era de molde

    inerentemente coercitivo. Sugeri que a sociologia poltica de Weber seguia a trilha marxista

    (Alexander, 1983a), porque sua concepo da sociedade moderna rejeitava a possibilidade de

    totalidades culturais integrativas. Defender desse modo a significao da cultura equivale a

    reconhecer a importncia central das contribuies tericas de Parsons, particularmente a diferena

    que estabelece entre cultura, personalidade e sociedade. No trabalho referido, porm, tambm segui

    Parsons em sua negligncia em relao ordem num sentido individual. De ento para c, voltei-me

    mais diretamente teorizao nas tradies micro (Alexander, 1985b, 1987b, Alexander e Giesen,

    1987 e Alexander, a sair). Esbocei um modelo que concebo a ao como o elemento contingente do

    comportamento, que pode ser analiticamente diferenciado da mera reproduo. Essa ao pode ser

    concebida como fluindo em ambientes simblicos, sociais e psicolgicos. Esses ambientes, por sua

    vez, se interpenetram com o ator emprico concreto, que no mais identificado com a ao

    puramente contingente, como acontece tipicamente nas tradies da microteoria.

    O novo movimento terico na sociologia avana em diversas frentes e sob vrios nomes.

    Continuar a faz-lo enquanto no se extinguir a energia de seu movimento pendular. Do meu ponto

    de vista, a chave para seu avano continuado um reconhecimento mais direto da centralidade do

    significado coletivamente estruturado, ou cultura. H um abismo crescente entre a maioria das

    novas tendncias sintticas em teoria geral, de um lado, e a ateno teoria da cultura que tem

    caracterizado a nova teorizao macro em suas formas mais substantivas, de outro. Apenas se os

    tericos gerais estiverem preparados para entrar no campo dos "estudos culturais" - equipados,

    claro, com seu instrumental sociolgico - que a ponte pode ser gradualmente construda sobre o

  • abismo. Desta vez, porm, a teorizao sobre a cultura no pode degenerar em camuflagem para o

    idealismo. Nem deve ser cercada por uma aura de objetividade que esvazia a criatividade e a

    rebelio contra as normas (22). Se esses erros forem evitados, o novo movimento em sociologia ter

    uma chance de desenvolver uma teoria verdadeiramente multidimensional. Essa ser uma

    contribuio permanente ao pensamento social, mesmo que no possa impedir a volta do pndulo.

    NOTAS:

    1 - Pode-se observar esse efeito, por exemplo, no trabalho recente de Kreps (p. ex. 1985, 1987). Dedicado ao

    objetivo prtico de desenvolver explicaes na pesquisa de desastres, sente-se compelido a envolver-se num

    ambicioso programa de teorizao geral e a tornar explcito seu envolvimento ao nvel dos pressupostos, isto

    , ao nvel menos emprico.

    2 - Certamente o prprio Kuhn (1970) teria sido o primeiro a insistir em que sua redefinio da cincia

    natural no lhe negasse um carter relativamente objetivo e cumulativo, e em que a cincia, social nem

    remotamente se aproximou dessa condio.

    3 - Essa a razo porque tantas das primeiras aplicaes das idias de Kuhn sociologia (por exemplo,

    Friedrichs, 1970) parecem hoje to exageradas. Elas proclamavam revolues numa disciplina em estado

    contnuo de profundo desacordo e de revoluo terica.

    4 - A esse respeito, Wagner e Berger (1984) e Wagner (1984) esto certos ao enfatizar as semelhanas entre

    as cincias duras e as outras em termos de progresso cientfico. Por outro lado, quando separam

    drasticamente programas de pesquisa explicativa do que chamam de "estratgias orientadoras", perderia de

    vista a qualidade discursiva e generalizada do argumento na cincia social e, portanto, a base inerentemente

    relativista em que todo progresso nas cincias sociais necessariamente se funda.

    5 - O problema no simplesmente que Wallace que fornece a mais clara ilustrao recente desse ponto de vista - esteja errado em forar a teoria social no molde da cincia natural. que ele toma a reconstruo

    lgica de como a cincia natural deveria proceder por um mapa de como a boa cincia se faz efetivamente.

    Essa estratgia de reconstruo comeou com os positivistas lgicos de Viena, cuja ambio filosfica

    consistia em excluir do pensamento filosfico idias especulativas e no-empricas. Quaisquer que sejam

    seus mritos filosficos - e eles so reais, embora limitados - essa lgica no deve ser considerada como

    fundante da prpria prtica cientfica. Praticantes da cincia nunca foram capazes de conceber seu prprio

    trabalho nesses termos - ou mesmo nos termos poperianos - e essa incapacidade tem dado uma das mais

    fortes motivaes ao crescimento de concepes ps-positivistas da natureza da cincia natural. Este ensaio

    partilha desse esprito; ele constitui uma tentativa de compreender o que a teoria da cincia social realmente

    , e no o que alguns de seus crticos desejariam que ela fosse. Qualquer programa crtico para a teoria

    sociolgica deveria ser formulado dentro de uma compreenso de seu carter distintivo. Nos termos do

    debate recente em filosofia moral e poltica (p ex., Williams, 1986; Walzer, 1987), essa uma posio

    internalista, por oposio posio externalista, mais abstrata, assumida pelos crticos empiricistas da

    sociologia, fundados na "lgica da cincia".

    6. - uma demonstrao da seriedade de Smelser como pesquisador o fato de que ele mesmo apresenta os

    dados que, por assim dizer, ultrapassam sua prpria teoria. (Ver Walby, 1986.) Isso so comum, pois a

    sobredeterminao dos dados pela teoria freqentemente torna a evidncia contrria invisvel, tanto para os

    prprios cientistas sociais como para seus crticos.

    7 - Sewell (1985) demonstrou cabalmente para o caso francs essa lacuna nos dados de Skocpol.

    8 - Como a verso especfica das cincias sociais da tematizao que, segundo Habermas (1984), fica alm

    se todo esforo de argumentao racional.

    9 - Algumas das implicaes de maior alcance desta concepo discursiva das cincias sociais no cabem

    neste ensaio. Uma das mais importantes de que ela explica por que os clssicos continuam a ser to centrais