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Aletheia Revista de Psicologia da ULBRA ISSN 1413-0394 Indexadores: Index-Psi Periódicos (CFP); LILACS (BIREME); IBSS; PsycINFO (APA) Arquivo em PDF disponível pelo site www.editoradaulbra.com.br Editor Cirilo Magagnin Editores Associados Mauro Magalhães Mary Sandra Carlotto Conselho Editorial Ana Maria Benevides Pereira (UEM, Maringá/BR) Carlos Amaral Dias (ISPA/Lisboa/PT) Carlos A. S. M. de Barros (ULBRA, Canoas/RS) Celso Gutfreind (ULBRA, Canoas/BR) Claudio Hutz (UFRGS, Porto Alegre/BR) Denise S. Issler (ULBRA, Canoas/BR) Dóris Vasconcelos Salençon (Sorbone, Paris/FR) Eduardo A. Remor (UAM, Madrid/ES) Francisco Martins (UnB, Brasília/BR) Isabel Carvalho (ULBRA, Canoas/BR) Jorge Béria (ULBRA, Canoas/BR) Jorge Castellá Sarriera (PUCRS, Porto Alegre/BR) Jussara Maria Körbes (ULBRA, Canoas/BR) Ligia Braun Schermann (ULBRA, Canoas/BR) Lilian Palazzo (ULBRA, Canoas/BR) Manfred Zeuch (ULBRA, Canoas/BR) Maria Lúcia Tiellet Nunes (PUCRS, Porto Alegre/BR) Mariela Golberg (Montevidéo/UR) Mário Cesar Ferreira (UnB, Brasília/BR) Ramón Arce (USC, Santiago de Compostela/ES) Ricardo Gorayeb (FMRP-USP , Ribeirão Preto/BR) Vicente Caballo (UG, Granada/ES) Diretora do Curso de Psicologia Antonieta Pepe Nakamura Editora da ULBRA Diretor: Valter Kuchenbecker Coord. de periódicos: Roger Kessler Gomes Capa: Juliano Dall’Agnol Projeto gráfico: Isabel Kubaski Editoração: Roseli Menzen Vendas/Assinatura Av. Farroupilha, 8001- Prédio 29, sala 202 CEP: 92425-900 - Canoas/RS - Brasil Fone: (51) 3477.9118 - Fax: (51) 3477.9115 E-mail: [email protected] Solicita-se permuta. We request exchange. On demande l’échange. Wir erbitten Austausch. Endereço para permuta/exchange Universidade Luterana do Brasil - ULBRA Biblioteca Martinho Lutero - Setor de Aquisição Av. Farroupilha, 8001 - Prédio 5 CEP: 92425-900 Canoas/RS Brasil Fone: (51) 3477.9276 [email protected] Endereço para envio de artigos Revista Aletheia Universidade Luterana do Brasil Curso de Psicologia Av. Farroupilha, 8001 - Prédio 06 CEP: 92425-900 Canoas/RS - Brasil Fone: (51) 3477.9215 [email protected] www.ulbra/psicologia/f_revist.htm Matérias assinadas são de responsabilidade dos autores. Direi- tos autorais reservados. Citação parcial permitida, com referência à fonte. Presidente Delmar Stahnke Vice-Presidente João Rosado Maldonado Reitor Ruben Eugen Becker Vice-Reitor Leandro Eugênio Becker Pró-Reitor de Administração Pedro Menegat Pró-Reitor de Graduação da Unidade Canoas Nestor Luiz João Beck Pró-Reitor de Graduação das Unidades Externas Osmar Rufatto Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação Edmundo Kanan Marques Capelão Geral Gerhard Grasel Ouvidor Geral Eurilda Dias Roman Dados Internacionais de Catalogação na Publicação – CIP Setor de Processamento Técnico da Biblioteca Martinho Lutero – ULBRA/Canoas A372 Aletheia / Universidade Luterana do Brasil. – N. 1 (jan./jun. 1995)- . – Canoas : Ed. ULBRA, 1995. v. ; 27 cm. Semestral. ISSN 1413-0394 1. Psicologia – periódicos. I. Universidade Luterana do Brasil. CDU 159.9(05)

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AletheiaRevista de Psicologia da ULBRAISSN 1413-0394

Indexadores: Index-Psi Periódicos (CFP); LILACS(BIREME); IBSS; PsycINFO (APA)

Arquivo em PDF disponível pelo site www.editoradaulbra.com.br

EditorCirilo Magagnin

Editores AssociadosMauro MagalhãesMary Sandra Carlotto

Conselho EditorialAna Maria Benevides Pereira (UEM, Maringá/BR)Carlos Amaral Dias (ISPA/Lisboa/PT)Carlos A. S. M. de Barros (ULBRA, Canoas/RS)Celso Gutfreind (ULBRA, Canoas/BR)Claudio Hutz (UFRGS, Porto Alegre/BR)Denise S. Issler (ULBRA, Canoas/BR)Dóris Vasconcelos Salençon (Sorbone, Paris/FR)Eduardo A. Remor (UAM, Madrid/ES)Francisco Martins (UnB, Brasília/BR)Isabel Carvalho (ULBRA, Canoas/BR)Jorge Béria (ULBRA, Canoas/BR)Jorge Castellá Sarriera (PUCRS, Porto Alegre/BR)Jussara Maria Körbes (ULBRA, Canoas/BR)Ligia Braun Schermann (ULBRA, Canoas/BR)Lilian Palazzo (ULBRA, Canoas/BR)Manfred Zeuch (ULBRA, Canoas/BR)Maria Lúcia Tiellet Nunes (PUCRS, Porto Alegre/BR)Mariela Golberg (Montevidéo/UR)Mário Cesar Ferreira (UnB, Brasília/BR)Ramón Arce (USC, Santiago de Compostela/ES)Ricardo Gorayeb (FMRP-USP, Ribeirão Preto/BR)Vicente Caballo (UG, Granada/ES)

Diretora do Curso de PsicologiaAntonieta Pepe Nakamura

Editora da ULBRADiretor: Valter KuchenbeckerCoord. de periódicos: Roger Kessler GomesCapa: Jul iano Dall’AgnolProjeto gráfico: Isabel KubaskiEditoração: Roseli Menzen

Vendas/AssinaturaAv. Farroupilha, 8001- Prédio 29, sala 202CEP: 92425-900 - Canoas/RS - BrasilFone: (51) 3477.9118 - Fax: (51) 3477.9115E-mail: [email protected]

Solicita-se permuta.We request exchange.On demande l’échange.Wir erbitten Austausch.

Endereço para permuta/exchangeUniversidade Luterana do Brasil - ULBRABiblioteca Martinho Lutero - Setor de AquisiçãoAv. Farroupilha, 8001 - Prédio 5CEP: 92425-900 Canoas/RS BrasilFone: (51) [email protected]

Endereço para envio de artigosRevista AletheiaUniversidade Luterana do BrasilCurso de PsicologiaAv. Farroupilha, 8001 - Prédio 06CEP: 92425-900 Canoas/RS - BrasilFone: (51) [email protected]/psicologia/f_revist.htm

Matérias assinadas são de responsabilidade dos autores. Direi-tos autorais reservados.Citação parcial permitida, com referência à fonte.

PresidenteDelmar StahnkeVice-PresidenteJoão Rosado Maldonado

ReitorRuben Eugen BeckerVice-ReitorLeandro Eugênio Becker

Pró-Reitor de AdministraçãoPedro MenegatPró-Reitor de Graduação da Unidade CanoasNestor Luiz João BeckPró-Reitor de Graduação das Unidades ExternasOsmar RufattoPró-Reitor de Pesquisa e Pós-GraduaçãoEdmundo Kanan Marques

Capelão GeralGerhard Grasel

Ouvidor GeralEurilda Dias Roman

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação – CIP

Setor de Processamento Técnico da Biblioteca Martinho Lutero –ULBRA/Canoas

A372 Aletheia / Universidade Luterana do Brasil. – N. 1 (jan./jun. 1995)- . – Canoas : Ed. ULBRA, 1995. v. ; 27 cm.

Semestral. ISSN 1413-0394

1. Psicologia – periódicos. I. Universidade Luterana do Brasil.

CDU 159.9(05)

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Dra. Adriana Marcondes MachadoUniversidade de São Paulo – USP

Dra. Adriana WagnerPontifícia Universidade Católica do Rio Grande doSul – PUCRS

Dra. Airle Miranda de SouzaUniversidade Federal do Pará – UFP

Dra. Ana Maria Benevides-PereiraUniversidade Estadual de Maringá – UEM

Dra. Ana Maria Jacó-VilelaUniversidade Estadual do Rio de Janeiro – UERJ

Dra. Anete Aparecida de Souza FarinaUniversidade de São Paulo – USP

Dra. Ângela Maria Resende VorcaroPontifícia Universidade Católica de Minas Gerais –PUCMG

Dra. Eliana HerzbergUniversidade de São Paulo – USP

Dra. Esther ArantesPontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro– PUCRJ

Ms. Fernando DiasUniversidade Luterana do Brasil – ULBRA – Canoas

Dr. Francisco de Assis MouraUniversidade Federal de Ouro Preto – MG

Ms. Gisele Zatt ElguesUniversidade Luterana do Brasil – ULBRA – Canoas

Ms. Gláucia GrohsUniversidade Luterana do Brasil – ULBRA – Canoas

Dra. Graziela Cucchiarelli WerbaUniversidade Luterana do Brasil – ULBRA – Canoas

Dra. Hilda Maria Rodrigues AlevatoInstituto Superior de Estudos Pedagógicos –IESP/RJ

Dra. Isabel de Moura CarvalhoUniversidade Luterana do Brasil – ULBRA – Canoas

Ms. Letícia Silveira NetoUniversidade Luterana do Brasil – ULBRA –Canoas

Relação de Consultores 2005

Dra. Liliana Andolpho Magalhães GuimarãesUniversidade Católica Dom BoscoUniversidade Estadual de Campinas – UNICAMP

Dra. Lílian dos Santos PalazzoUniversidade Luterana do Brasil – ULBRA – Canoas

Dr. Marco Antônio Pereira TeixeiraUniversidade Federal de Santa Maria – UFSM

Dra. Maria Aparecida CrepaldiUniversidade Federal de Santa Catarina – UFSC

Dra. Maria Aparecida Trevisan ZamberlanUniversidade Estadual de Londrina – UEL

Dra. Maria Lucia Tiellet NunesPontifícia Universidade Católica do Rio Grande doSul – PUCRS

Dra. Marilza Terezinha Soares de SouzaUniversidade de Taubaté – SP

Dra. Marisa Maria Brito da Justa NevesUniversidade de Brasília – UnB

Dr. Mauro Barbosa TerraFundação Faculdade Federal de Ciências Médicasde Porto Alegre

Dra. Neuza GuareschiPontifícia Universidade Católica do Rio Grande doSul – PUCRS

Dra. Rita PetrarcaUniversidade Luterana do Brasil – ULBRA – Gravataí

Dra. Sheila Gonçalves CâmaraUniversidade Luterana do Brasil – ULBRA – Canoas

Ms. Sylvia Mara Pires de FreitasUniversidade Estadual de Maringá – UEM

Dra. Tânia Maria de Freitas RossiUniversidade Católica de Brasília – UCB

Dra. Tânia RudnickUniversidade Luterana do Brasil – ULBRA –Canoas

Dra. Terezinha Camargo VianaUniversidade de Brasília – UnB

Dra. Wilze Laura BruscatoUniversidade Presbiteriana Mackenzie – UPM

AletheiaREVISTA DE PSICOLOGIA DA ULBRA

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AletheiaREVISTA DE PSICOLOGIA DA ULBRANúmero 22 - jul./dez. 2005ISSN 1413-0394

Aletheia, Revista semestral editada pelo Curso de Psicologia da Universidade Luterana do Brasil, publica artigos originais, relacio-nados à Psicologia, pertencentes às seguintes categorias: artigos de pesquisa, artigos de atualização e comunicações. Os artigos são deresponsabilidade exclusiva dos autores e as opiniões e julgamentos neles contidos não expressam necessariamente o pensamento dosEditores ou Conselho Editorial

Sumário

5. Editorial

Artigos de pesquisa

7. Dividiendo la atención entre dos objetivos: una revisión sobre el efecto de piscar atencionalDividing attention between two stimuli: a review on the attentional blink effect

Isabel Arend

23. Da adivinhação à dedução: os processos inferenciais em psicoterapia cognitivo-comportamentalFrom guessing to deduction: the inferential processes in cognitive behavioral psychotherapy

Ricardo Wainer, Jorge Castellá Sarriera, Neri Maurício Piccoloto, Luciane Benvegnu Piccoloto,Giovanni Kuckartz Pergher, Márcio Englert Barbosa e Vinícius Guimarães Dornelles

41. Inclusão: pontos cegos de um discurso pedagógicoInclusion: blind points of a pedagogical discourse

Sueli Souza dos Santos

51. Relações entre estilos parentais e valores humanos: um estudo exploratório com estudantes universitáriosRelationships between parenting styles and human values: an exploratory study with university students

Marco Antônio Pereira Teixeira e Franciella Maria de Melo Lopes

63. Condutas anti-sociais e delitivas e relações familiares em duas áreas urbanas na cidade de Palmas-TODelictive and anti-social conduct and family relations in two urban areas of the city of Palmas (Brazil)

Nilton S. Formiga

71. Situações e recursos de aprendizagem em famílias de crianças escolaresSituations and resources of learning in families of school’s children

Maria Aparecida Trevisan Zamberlan, Terezinha de Paula Machado Esteves Ottoni e RoselaineVieira Sônego

79. Exploração vocacional e informação profissional percebida em estudantes carentesVocational exploration and perceived career information in low-income students

Mônica Sparta, Marúcia P. Bardagi e Ana Maria Jung de Andrade

Artigos de atualização

89. O que fala o psicótico? A pesquisa interdisciplinar no estudo da psicoseWhat does the psychotic say? The interdisciplinary research in the study of psychosis

Margareth Shäaffer e Valdir do Nascimento Flores

101. Assédio moral: a dignidade violadaMoral harassment: the dignity violated

Roberto Heloani

109. Normas técnicas para publicação

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Aletheia 22, jul./dez. 2005 5

Editorial

A Aletheia é o resultado do trabalho colaborativo de pesquisadores, profissionais,editores, conselheiros editoriais e consultores ad hoc, que, com o apoio fundamental daUniversidade Luterana do Brasil, se articulam num processo de compromisso com aprodução e divulgação do conhecimento científico em psicologia. Os artigos encami-nhados a Aletheia passam por processos de revisão e avaliação realizados por consultorescom autoridade reconhecida na área de conhecimento enfocada por cada trabalho. Estesprocedimentos visam garantir a qualidade dos textos oferecidos à comunidade, bem comoestimular o aprimoramento da produção científica nacional. Os pareceres realizados pornossos consultores têm o objetivo de estabelecer uma cultura de diálogo e responsabili-dade perante o espaço coletivo da divulgação de idéias e compartilhamento de resulta-dos de pesquisa. Neste processo é essencial cultivar a tolerância e a humildade necessá-rias ao trabalho contínuo de aprendizagem que é oportunizado através das solicitaçõesde esclarecimentos e de alterações feitas pelos consultores e conselho editorial. A ciênciaé uma tarefa que requer a premissa de que o conhecimento pode ser alcançado se admi-timos as imperfeições, ou mesmo a ignorância, inerentes a nossa condição de seres hu-manos. Este é o grande desafio, não somente da empresa científica, mas de toda açãohumana, que só adquire sentido quando está conectada com as demandas da vida social.E a principal demanda da sociedade contemporânea é a tolerância, o respeito à diversi-dade, o compromisso com a melhora das relações entre culturas e nações. A ética cientí-fica pode exercer um papel importante neste sentido. O cientista por vocação é um indi-víduo que está aberto a sentir dúvidas, a questionar as suas verdades, a perguntar-seconstantemente se não estaria esquecendo de considerar alternativas de olhares e pers-pectivas sobre os fenômenos que investiga. Isto se torna mais imprescindível quandotratamos das ciências humanas, preocupadas com o entendimento da produção, manu-tenção, transformações e efeitos comportamentais das realidades construídas socialmente.

Por fim, aproveitamos a oportunidade para informar que a Aletheia obteve conceitoA como periódico de âmbito nacional na área da psicologia na última avaliação feita pelosistema QUALIS-CAPES. Agradecemos a todas as pessoas que, ao longo destas 22 edi-ções, agregaram esforços para que esta conquista fosse possível. Esperamos que a comu-nidade científica acolha com entusiasmo este resultado e que mais colegas venham par-ticipar da consolidação e do enriquecimento da Aletheia. Desejamos uma boa leitura!

Os editores

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Dividiendo la atención entre dos objetivos: una revisiónsobre el efecto de piscar atencional

Isabel Arend

Resumen. Nuestra vida cotidiana esta llena de ejemplos en los cuales nuestra habilidadpara procesar más de un estimulo al mismo tiempo se ve reducida. Las limitaciones denuestro sistema cognitivo para procesar estímulos visuales viene siendo uno de los temascentrales en el ámbito de la Psicología Cognitiva y de la Neurociencia Cognitiva. Hacemás de una década Shapiro, Raymond y Arnell (1992) encontraron que nuestra habilidadpara informar el segundo de los estímulos visuales se ve drásticamente reducida cuando elintervalo de tiempo entre ellos es de 100-400 milésimas de segundo. Este efecto recibió elnombre de parpadeo de atención (PA). La importancia de este efecto para conocer losmecanismos subyacentes a la selección de estímulos generó más de cien publicaciones enlos últimos anos. El objetivo de este articulo es el de hacer una breve revisión tanto de loshallazgos empíricos más relevantes en el área del PA como de los modelos teóricos desar-rollados para explicarlos.Palabras-clave: atención, parpadeo de atención, psicología cognitiva, neurociencia cog-nitiva.

Dividing attention between two stimuli: a review on the attentional blink effect

Abstract. We often observe that our ability to process more than one stimulus simultaneou-sly is reduced. The limitations of the cognitive system to process visual stimuli have beenan important research topic in both Cognitive Psychology and Cognitive Neuroscience.More than a decade ago Shapiro, Raymond and Arnell (1992) reported that our accuracyto report the second of two targets is drastically reduced when the temporal interval betweenthem is less than 500 milliseconds. This effect was called the attentional blink (AB). Theimportance of the AB for understanding the underlying mechanisms associated with thecost to select visual stimuli has generated more than 100 publications in recent years. Theaim of the present paper is to present a brief review on the most relevant empirical andtheoretical aspects of this effect.Key words: attention, attentional blink, cognitive psychology, cognitive neuroscience.

El estudio de la atención es uno de lostemas centrales de investigación endiferentes áreas de la Psicología. Porejemplo, en el ámbito de las Neurociencias,del aprendizaje animal, de la InteligenciaArtificial y de la Psicofisiología, el conceptode atención ha sido objeto de interés. Sinembargo, a pesar de su importancia, noexiste una definición clara de qué es laatención. Las primeras ideas psicológicasacerca de este concepto han servido de basepara algunas definiciones de la atención

encontradas actualmente en la literatura.En la primera parte de esta revisióntrataremos de presentar de forma brevealgunas ideas sobre el concepto de atención,a continuación intentaremos definir quéentendemos nosotros por este concepto. Porúltimo, presentaremos como la atención hasido estudiada en el dominio del tiempo através del efecto de parpadeo atencional(PA del ingles attentional blink) y tambiénalgunos modelos teóricos propuestos paradar cuenta de ese efecto. De forma mas

Aletheia, n.22, p. 7-22, jul./dez. 2005

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especifica podemos decir que la presenterevisión se centra en el curso temporal dela atención visual, mas específicamente enel estudio de los costes asociados a laselección de múltiples estímulospresentados de forma sucesiva en el tiempo.

Según Pashler (1998), el problemacentral para la definición de lo que es laatención tiene su origen en la utilización delpropio término. Tomando la palabra atenciónen su sentido más coloquial hay dos aspectosque se pueden considerar como susmanifestaciones más relevantes: selección ycapacidad. Tareas cotidianas, como conducirun coche reflejan, en términos conductualesuna pequeña parte de la estimulaciónsensorial que recibimos. Por ejemplo, atenderal flujo de una determinada calle hacereferencia a las propiedades selectivas de laatención, que se caracteriza por dar prioridadal procesamiento de ciertos estímulos y no aotros. Por otra parte, también es cierto quesomos capaces de realizar un numero limitadode tareas simultáneamente. Tareas sencillas,previamente automatizadas, puedenconvertirse en tareas difíciles cuando se exigeque las realicemos al mismo tiempo que otratarea. Esta cuestión hace referencia a laslimitaciones de nuestra capacidad pararealizar ciertos tipos de operaciones. Es decirpuede asumirse, que prestar atención a unacosa supone tener menos atención disponiblepara otra.

Esta descripción intuitiva de algunosfenómenos que podemos relacionar con laatención nos puede ayudar a buscarelementos conductuales, de la vida cotidiana,que pueden estar reflejando ciertosmecanismos de selección responsables deaciertos tipos de conducta. Esta idea estábastante cerca de la previamente enunciadapor William James (1890) de que todossabemos lo que es la atención. Sin embargo,el hecho de que algunas experienciascotidianas estuviesen reflejando lo quepodría ser una definición de atención, noimplica que se esté cerca de alcanzar unadefinición para la amplia gama de fenómenosque a ella se pueden atribuir.

Hatfield (1998) hace una revisión sobrelas características del concepto de atención

a lo largo del pensamiento griego, romanoy europeo. Su revisión incluye los orígenesdel termino atención en el vocabulariogriego y latino, y la descripciónfenomenológica proporcionada pormuchos autores hasta el inicio de lainvestigación empírica de la atención. Trasla clasificación de actos como voluntarios oinvoluntarios, las relaciones entre atencióny conciencia, se encontraba la utilizaciónde términos descriptivos para referirse a laatención. El autor argumenta en estarevisión que los primeros intentos de definirla atención estaban basados endescripciones fenomenológicas y no en laexistencia de una teoría específica o de unapropuesta de un mecanismo explicativoque diera razón de su ocurrencia. SegúnHatfield (1998) podemos comparar las leyesdesarrolladas por psicólogos en el siglo XIXo inicio del siglo XX para verificar laexistencia tanto de una continuidad, cuantode una divergencia a lo largo de los siglosen el estudio de la atención. La continuidadse refiere a las concepciones más generalesde la atención y a la descripción de efectos;la discontinuidad puede ser encontrada enel desarrollo de herramientas sofisticadaspara cuantificar tanto los datosconductuales (como los tiempos dereacción), como para medir característicastemporales y espaciales del procesamientoque pueden ser accedidos a través de datosconductuales.

Con el objetivo de analizar el conceptode atención y las diferentes metodologíasutilizadas en su estudio, Posner (1993) haceuna revisión sobre la investigación enatención a partir de los años cincuenta,cuando surgen los primeros modelos deprocesamiento (ver Broadbent, 1958), hastalos años noventa, cuando el campo deestudio esta marcado por la utilización de lasimulación computacional y de los modelosen red. Este autor propone que lainvestigación en atención se puede dividiren tres etapas: la primera se situaría entrelos años 50 y 60 en los que el interés principalfue el estudio del rendimiento humano. Lasegunda fase abarcaría los años 70 y el iniciode los años 80, periodo en el cual hay un

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creciente interés en el estudio de lasrepresentaciones mentales, procesosautomáticos/controlados y tareas de atencióndividida. A partir de la mitad de los años 80hasta la los años 90, el conocimiento de otrasáreas como la biología y la neurología,empiezan a tener impacto en los estudiosde atención, junto con las llamadas CienciasCognitivas. Posner propone que a partir delos años 90, la utilización de herramientasque permiten conocer la neuroanatomíaasociada a ciertos procesos y la utilizaciónde modelos computacionales aceleran lacomprensión de la atención como un sistemacompuesto por muchas redes neurales. Esteautor también resalta la importancia decombinar técnicas neurofisiológicas conestudios experimentales para tener acceso ala variedad de manifestaciones de laatención. Actualmente, las técnicas deneuroimagen nos permiten llegar más cercade las bases neurofisiológicas queanteriormente. De esta forma podemos decirque a diferencia de las preguntas queaparecían en la historia en el siglo XVIII yXIX acerca de la función de la atención enel ámbito mas elevado de la cognición,actualmente el estudio de la atención estaenmarcado en un campo complejo deinvestigación que puede o no ser unificadopor un único mecanismo subyacente o poruna categoría de procesos.

En esta línea de desarrollo conceptual,se enmarca la descripción de Shapiro yRaymond (1994) de lo que es la atención.Según estos autores la atención secaracteriza por un conjunto de procesosneurales (en cualquier etapa deprocesamiento) que permite que algunosestímulos, los relevantes para unadeterminada tarea, sean procesados demanera prioritaria frente a otros que sonirrelevantes. De esta forma, la ampliacantidad de datos complejos acerca delambiente que llegan a nuestros sistemassensoriales son utilizados por el cerebro paragenerar percepciones coherentes acerca delmundo, haciendo que puedan producirserespuestas conductuales adecuadas.Procesos atencionales de alto nivel,juntamente con mecanismos sensoriales de

bajo nivel, trabajan de consuno paracontrolar la información visual que llega ala corteza visual. Se puede decir que talesmecanismos reguladores enfatizan(excitación) o reducen (inhibición) elprocesamiento visual. El concepto deatención utilizado en este trabajo tiene comobase esta idea. La atención es un conjuntode procesos neuronales que cuando seen cuen t r an con m ! l t i p l os inputspeceptuales que compiten entre sí,permiten la selección (facilitación) deciertos estímulos y la inhibición de losdemás. La atención dividida puede serdefinida como la selección de múltiplesestímulos de forma simultanea (que puedeocurrir en un espacio breve de tiempo), encomparación con la situación en la cual unúnico estímulo es seleccionado en una seriede estímulos (Pashler, 1998).

Teniendo como base esta definición dela atención podemos decir que suslimitaciones han sido estudiadas en dosdominios específicos: Espacio y tiempo.Con relación a la atención en el espacio, losparadigmas de búsqueda visual han sidolos mas utilizados para explorar cómo seproduce la selección de estímulospresentados entre un conjunto dedistractores (Ericksen y Ericksen, 1974;Ericksen y Hoffman, 1973). Por ejemplo,en tareas de búsqueda visual el coste paraidentificar un objetivo cambia en funcióndel número de distractores. Cuanto mayores el número de distractores más largos sonlos tiempos de reacción para responder alobjetivo. Este aumento en los tiempos dereacción ha sido considerado como unaevidencia de las limitaciones para procesarla información visual. Por otro lado, en laúltima década ha habido un crecienteinterés en el estudio de cómo procesamosestímulos visuales en el dominio del tiempo,el cual fue definido por Shapiro (2001) entérminos de la disponibilidad de algunaspropiedades o mecanismos neuronales queson responsables de la selección deestímulos.

Como hemos mencionadoanteriormente en esta revisión noscentraremos en el estudio del

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funcionamiento de estos mecanismosreguladores (o de control) en el dominio deltiempo en situaciones en las cuales tieneque ser seleccionado más de un estímulo.Nos ocuparemos de la atención en eldominio del tiempo, es decir, en el estudiode los costes asociados a la selección de unsegundo estimulo cuando este aparece enun corto intervalo temporal después delprimero. Las preguntas generales que sehacen en este ámbito son: ¿Cómo sedistribuyen nuestros recursos atencionalesen el tiempo? ¿Cuáles las propiedadestemporales de la atención y cómo opera?

Desde un punto de vista delfuncionamiento del sistema cognitivo (puntode vista teórico), podemos decir que elestudio de los aspectos temporales de laatención son una puerta de entrada en eldebate clásico que se refiere a la localizacióndel cuello de botella, en el curso deprocesamiento, o de las limitaciones de losrecursos atencionales (Broadbent, 1958;Deutsch y Deutsch, 1963). La idea centralen este caso es que, todos los eventossensoriales que requieren una respuestatienen que pasar un cuello de botella decapacidad limitada. Sin embargo, y comobien ha sido planteado en la literatura (Chuny Potter, 2001) es posible que existanmúltiplos cuellos de botella en el curso delprocesamiento de la información. De estamanera, limitaciones en una etapa deprocesamiento del sistema pueden restringirel rendimiento independientemente de laslimitaciones en otras etapas del sistema. Porejemplo, estudios en los cuales se utilizoregistros electrofisiológicos han servido parademostrar que a pesar que los sujetos no seancapaces de informar la presencia delsegundo objetivo, sí lo procesan a nivelsemántico (Luck et al., 1997). Actualmente,una de las tareas de los investigadores enatención es conocer las características delcurso temporal del procesamiento de lainformación a través del análisis de las tareasque pueden interferir entre sí. Uno de losprimeros estudios en atención en el tiempoes el llevado al cabo por Reeves y Sperling(1986). Ellos desarrollaron un método para

medir el tiempo necesario para que laatención cambiase de una localización a otra.En su estudio, se les presentaba a losparticipantes una serie de letras de las cualesuna era definida como el objetivo. Una vezque este objetivo fuese detectado, su segundatarea consistía en informar de una serie dedígitos que aparecían en una segunda seriede estímulos también presentados demanera sucesiva. A través del estudio de losítems que eran informados de la segundaserie, Reeves y Sperling pudieron determinarla disponibilidad atencional a partir delmomento en el cual el cambio de localizaciónera solicitado hasta el término del cambiode localización.

En un estudio en el que se presentabandos objetivos de forma sucesiva Broadbenty Broadbent (1987) encontraron que lamayoría de los participantes no erancapaces de informar acerca de la presenciadel segundo objetivo cuando éste aparecía400 ms después del primero. Estos autoresinterpretaron estos resultados en términosdel largo curso temporal implicado en elproceso de identificación de undeterminado estimulo. Posteriormente,Raymond, Shapiro y Arnell (1992)estudiaron de forma más sistemática estedéficit y le dieron el nombre de attentionalblink (AB) (en español se podría traducircomo “parpadeo atencional”). Este efectoha sido replicado muchas veces y hagenerado mas 100 publicaciones en losúltimos anos. En la siguiente seccióndescribiremos el procedimiento paraestudiar la atención en el dominio deltiempo y presentaremos el efecto deparpadeo atencional.

La atención en el dominio del tiempo:El efecto parpadeo atencional

Una serie de ejemplos de nuestra vidacotidiana ilustran las limitaciones pararealizar más de una tarea al mismo tiempo.Por ejemplo, cuando conducimos por laauto pista muchas veces necesitamosfocalizar nuestra atención en una

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determinada señal de trafico que nos indicala distancia que estamos de nuestro destino.El periodo en que nuestra atención estadepositada en esta señal depende, entreotras cosas, de las demandas atencionalesque están implicadas en el procesamientode un determinado estimulo. De estaforma, podemos decir que el tiempo en quetardamos para procesar un estimulo hacecon que otros estímulos no puedan sercompletamente procesados a un nivelnecesario para que una respuesta pueda seremitida. Como hemos mencionadoanteriormente, procedimientos como el depiscar atencional en que se presentan dosestímulos de forma sucesiva, permitenmapear el tiempo necesario para quenuestra atención vuelva a estar disponibletras la selección de un estimulo.

El efecto de parpadeo atencional puedeser definido como el déficit para detectar elsegundo de dos objetivos cuando este sepresenta en un corto intervalo temporaldespués del primero. La similitud entre loque ocurre con nuestra atención después dela selección de un estimulo (cierre poralgunas milésimas de segundo) y lo queocurre cuando parpadeamos hizo con queShapiro y Raymond llamasen este efectoparpadeo atencional. Seria como si nuestraatención se cerrara durante un periodo detiempo haciendo que el segundo estímulono pudiese ser informado.

En un experimento típico de AB se lespresenta a los participantes dos tipos deensayos en bloques: ensayos en los cualesla tarea requiere la identificación de unúnico objetivo (tarea única) y ensayos enlos cuales se requiere la identificación deun primer objetivo y la detección de unsegundo (doble tarea). La variableindependiente es el intervalo temporal entreel objetivo 1 y el objetivo 2. Lasinvestigaciones acerca del curso temporalde la atención frecuentemente han utilizadoel método de presentación rápida de seriesvisuales (PRSV), que implica la presentaciónrápida y sucesiva de estímulos en la mismalocalización espacial. En el bloque deensayos en el cual los dos estímulos deben

ser detectados se observa un déficit parainformar el segundo estímulo cuandoaparece en un intervalo de 200-500 msdespués del primero. En el siguientecapítulo presentaremos con mayor detalleeste procedimiento y algunos resultadosempíricos obtenidos con su utilización.

La Figura 1 presenta un ejemplo deun ensayo utilizando el procedimiento dePRSV. En el caso del paradigma de tareaúnica se define un objetivo, por ejemplo,identificar la única letra que aparecerá enrojo. En un paradigma de doble tarea, sinembargo, se definirían dos objetivos. Eneste caso, el objetivo 1 (O1) a seridentificado es definido por su color, comopor ejemplo identificar la única letra en rojo;el objetivo 2 (O2) se podría definir comodetectar la letra “X”. De este modo, la letraen rojo es el O1, en tanto que la X es el O2.La variable independiente que se manipulaen el paradigma de doble tarea es elintervalo temporal en términos de SOA1

entre O1 y O2. Las posiciones de cadaelemento de la PRSV se establecerán enfunción del O1. Las posiciones positivashacen referencia a los elementos que aparecendespués del O1, en tanto que las negativas lahacen a aquellos que aparecen antes del O1.Siguiendo la nomenclatura anterior, en lafigura 1 el O2 aparece en la posición +2 (dosposiciones después del O1). Los elementosque siguen a los objetivos (O1 y O2) sonconsiderados como máscaras.

______1 SOA del inglés Stimulus onset asyncrony, se refiere alintervalo de tiempo entre el inicio de dos estímulos(Best, 1995).

F

X

R

W

Q

K-2

-1

O1

+1

O2

+3

TIEMPO

Figura 1: Ejemplo de una secuencia de presentación deestímulos en el procedimiento de Presentación Rápida deSeries Visuales (PRSV) y paradigma de doble tarea.

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Los primeros estudios que se hicieronutilizando este procedimiento de PRSVempleaban como tarea la búsqueda de unúnico estímulo objetivo (Lawrence, 1971;McLean, Broadbent y Broadbent, 1982).Como hemos mencionado anteriormenteel paradigma de doble tarea ha sidoutilizado por Broadbent y Broadbent(1987). En su estudio los participantestenían que identificar dos objetivos, quevenían definidos por el tipo de letra(mayúscula) o por la presencia de líneasque se localizaban a sus lados en una seriede palabras presentadas en letrasminúsculas. Se utilizó como variableindependiente el intervalo, en términos deSOA, entre el O1 y O2. El resultadoprincipal de este experimento fue que elrendimiento para informar la presencia delO2 se reducía cuando la distancia entreéste y el O1 era de un intervalo de 400ms.A medida que el intervalo entre los dosestímulos aumentaba la probabilidad deinformar correctamente los dos objetivostambién lo hacía.

Reeves y Sperling (1986) yWeichselgartner y Sperling (1987)utilizaron una variante del paradigma dedoble tarea, observando también déficitsen el procesamiento del segundo objetivo.En estos estudios la tarea consistía enidentificar un primer objetivo definido porsu color y nombrar los tres objetivos quevenían a continuación. En el estudio deReeves y Sperling, los ítems posteriores alobjetivo eran presentados en unalocalización espacial distinta a la delprimer objetivo. Weichselgartner ySperling, por el contrario, presentaban losítems en la misma localización espacial. Enlos dos estudios el patrón de respuesta delos sujetos fue muy similar. Los sujetoseran capaces de informar del primerobjetivo, el ítem +1 y los ítems que estabanen un intervalo temporal de 300 y 400 msdespués del primer objetivo. Sin embargo,los ítems localizados en un intervalo de 100hasta 300ms eran raramente informados.Otro dato importante se refiere a lainformación temporal. En este sentido, sibien la identidad de los ítems podía ser

informada, el orden temporal en que losestímulos habían sido presentados eraincorrecto.

El paradigma de doble tarea ha sidoutilizado para estudiar el deterioro, entérminos de rendimiento (coste), que siguea la identificación de un primero objetivo.La utilización del procedimiento de PRSVha permitido estudiar de formasistemática las limitaciones de nuestraatención para distribuir sus recursos en eldominio del tiempo. De esta forma. laprincipal aportación del paradigma dedoble tarea para el estudio de la atenciónes que permite observar cuánto tiempo serequiere para que la atención vuelva a estarcompletamente disponible tras laconsolidación de un objetivo.

El efecto de piscar atencional:primeros estudios

La dificultad para informar delsegundo de dos objetivos fuesistemáticamente estudiada por Raymondet al. (1992). Con el objetivo de entender lanaturaleza de este fenómeno estos autoresrealizaron una serie de experimentos en losque buscaban dar respuesta a variascuestiones: (1) si el déficit se debía a factoresperceptivos o atencionales; (2) si el déficitse daba en tareas de detección, además deen aquellas que implicaban la identificaciónde estímulos y, finalmente, (3) qué papeljugaban los demás ítems de la serie en laproducción de este déficit.

Para ello, en primer lugar, replicaron elestudio realizado por Weichselgartner ySperling (1987), encontrando de nuevo eldéficit para identificar el segundo objetivo.En un segundo experimento buscaronrespuesta para la pregunta de si el déficitpara informar los dos objetivos estabamediado por factores perceptivos o porfactores atencionales. Para ello los autoresutilizaron dos condiciones. En la condiciónexperimental se pedía a los sujetos queidentificasen la única letra en blanco (O1)entre una serie de letras en negro, y quedetectasen si después de ella estaba o no

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presente una letra “X” (O2), en color negro.En la condición control, se les pedía queignorase la presencia del O1 (no siendonecesaria su identificación) y quesimplemente detectasen la presencia del O2.La condición de control permitía estudiar siel déficit para detectar el O2 se debía a lasdemandas de procesamiento implicadas enla identificación del primer objetivo, o si lamera aparición de un objetivo en blanco eracapaz de provocarlo.

En el caso de que se observase undéficit en el rendimiento en la situación detarea única (solamente detectar la “X”) sepodría decir que el déficit se producesimplemente por la presentación de la letraen blanco. De este modo, se podríaconsiderar que el déficit está relacionadocon la simple presentación de los estímulos,no siendo debido al control atencionalrequerido en la identificación de unestímulo previo.

Los resultados de este experimentofueron: (1) en la condición experimentalse observó un déficit para detectar el O2cuando estaba en una posición temporalcercana al objetivo. La comparación delrendimiento para detectar el O2 en lacondición experimenta l y en lacondición control permitió observar queel déficit implicaba factores atencionalesy no meramente perceptivos, (2) eldéf ici t de detección de O2 no seproducía cuando había un espacio vacíoentre el O1 y el O2, cuando el O2 aparecíaen la posición +1. Todo ello pareceindicar que el déficit estaba relacionadocon el procesamiento de un patrón deinformación visual después del primerobjetivo. Como hemos mencionado enla introducción, Raymond et al. (1992)llamaron a este fenómeno attentional blink(“parpadeo atencional”).

La figura 2 muestra un ejemplo delrendimiento que se observa cuando la tareaa realizar consiste en identificar el O1 ydetectar el O2 (condición experimental), asícomo el observado cuando la tarea implicaignorar el O1 y solamente detectar el O2(condición control).

Este ejemplo ilustra el déficit en ladetección de O2 que se produce tras laidentificación correcta del O1.

Hay dos aspectos centrales en laproducción de este efecto que merecenuna atención especial: (1) las tareas delprimer y del segundo objetivo, quepueden ser de identificación y dedetección; (2) e l papel deenmascaramiento de los estímulos. Acontinuación presentaremos los modelosdesarrollados para explicar este efecto.

Algunos modelos teoricos para darconta do efeito de piscar atencional

El objetivo de este apartado es el depresentar las propuestas teóricasdesarrolladas hasta el momento para darcuenta del efecto de AB. Ha sidomencionado previamente en la literaturaque los modelos de AB se parecen bastanteentre sí (Shapiro y Luck, 1999), lo que hahecho que algunos autores resaltasen lanecesidad de un abordaje que integraseaspectos importantes que están planteadosseparadamente en cada uno de ellos(Shapiro, Arnell y Raymond, 1999;Kawahara et al., 2001). Para citar comoejemplo algunas ideas podemos hablar dela dificultad de procesamiento asociada alprimer objetivo como un aspecto que fue

0.1

0.3

0.5

0.7

0.9

100 200 300 400 500 600

IntervaloTemporal entre O1 y O2

Pro

po

rcio

n d

e ac

iert

os

Experimental

Control

Figura 2: Ejemplo de un resultado que ilustra el efecto deparpadeo atencional. El eje de ordenadas para la condiciónexperimental es la proporción media de aciertos en el O2condicionado a un acierto en el O1. Para la condicióncontrol es simplemente la detección correcta del O2 (Adap-

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abordado en algunos modelos pero no enotros. Sin embargo, como veremos acontinuación, algunas ideas básicas acerca delefecto que aparecen en todos los modelos,como por ejemplo: (a) todos los ítems de laPRSV son procesados en algún grado; (b)solamente algunos son seleccionados para unprocesamiento posterior.

El orden en el cual presentaremos losmodelos no está relacionado con surelevancia o con su potencia para explicar losdatos. Por un lado, hemos optado porpresentar los modelos en orden cronológico,en función del momento en el que aparecenen la literatura. Por otro lado, consideraremospara su exposición el orden de las preguntasque fueron surgiendo en el ámbito, paraexplicar el papel de enmascaramiento y delcambio de tarea.

El modelo de la interferencia

Esta propuesta para el AB se basa en lateoría de la similitud, propuesta por Duncany Humphreys (1989). El modelo de lainterferencia, desarrollado por Shapiro et al.(1994; Shapiro, 1994), Isaak, Shapiro yMartin (1999) y Shapiro y Luck (1999),asumen que cada ítem presentado a travésdel procedimiento de PRSV es procesado enalgún grado. Sin embargo, pocos acceden ala memoria visual a corto plazo (MVCP).

Este modelo tuvo su origen en unmodelo inicial llamado “modelo de lainhibición”, propuesto por Raymond et al.(1992). En este trabajo inicial los autoressugieren que el AB se producía porque la tareade identificación, al ser tan demandante,requiere la puesta en marcha de un procesoinhibitorio que facilitara la identificación delsegundo de los objetivos. Esta facilitaciónestaría seguida de un periodo de cierre delprocesamiento durante algunas milésimas desegundo, siendo éste el responsable del AB.El modelo de la inhibición ha sido puesto aprueba por Shapiro et al (1994). Anticipando,los resultados de su estudio apoyaban másun modelo basado en un mecanismo deinterferencia que en un mecanismo deinhibición. El problema para basar este efecto

en procesos inhibitorios vino reforzadopor datos que revisaremos a continuacióny que indicaban que los ítems queaparecían dentro del periodo en que elefecto ocurre son altamente procesados.Esto hace problemática una explicaciónbasada en mecanismos inhibitorios enetapas tempranas de procesamiento. Sinembargo, los mecanismos inhibitoriospodrían dar cuenta del AB, si seconceptúa la inhibición en términos dereducción en el procesamiento y no entérminos del bloqueo en el procesamiento.

La estrategia para poner a prueba elmodelo de la inhibición consistió en lamanipulación de la dificultad de O1,mientras que la dificultad de O2 semantenía constante. La lógica quesubyace a esa manipulación es la de que:si es la dificultad asociada al primer ítemla responsable de que un procesoinhibitorio se ponga en marcha paraconcluir el proceso de identificación, unavez que el ítem no tiene asociada altadificultad, la identificación podrá serconcluida de manera optima.

Estos resultados indicabanclaramente algunos aspectos del AB, quese pueden resumir de la siguiente manera:(a) el AB dependía de la presentación deun patrón de información, (b) este tipo detarea utilizado como objetivo 1 no teníaefecto en la magnitud del AB. El grado dedificultad de la tarea en este caso fueevaluado basándose en dos extremos dedificultad a través de una medida desensibilidad (d´). Los autorescorrelacionaron la magnitud del AB (laproporción de aciertos en O2considerando en función del intervaloentre O1 y O2), con la dificultad medidaen términos de d´2 . La correlaciónencontrada no fue significativa. Estosdatos fueron interpretados como evidencia

______2 Estas correlaciones estaban basadas en pocosdatos. En un estudio posterior realizado por Seifferty DiLollo (1997) con base en una amplia cantidadde resultados, demostraron la existencia de unarelación significativa entre la dificultad del objetivo1 y la magnitud del AB.

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en contra del modelo de la inhibiciónpropuesto por Raymond et al. (1992).

La idea de la inhibición fue puesta aprueba por Shapiro, Caldwell y Sorensen(1997) en un estudio en el que utilizaron unprocedimiento de PRSV con palabras. Losparticipantes tenían como tarea para el O2buscar sus propios nombres o los nombresde otras personas. La lógica de esteexperimento fue: si la tarea de O1 ponía enmarcha un proceso de inhibición, labúsqueda de un objetivo altamenteaprendido no supondría ninguna ventaja.Los resultados indicaron que cuando O2 erael nombre de la persona el AB era atenuado.Este dato fue interpretado por los autores afavor de la idea de que la detección de O2era sensible al umbral de reconocimiento deuna palabra altamente aprendida.

Shapiro et al. (1994) proponen que enel momento de las instrucciones seestablecen dos plantillas de respuesta. Laentrada de los ítems en la MVCP vienedeterminada tanto por su correspondenciao no con la plantilla especificada, como porsu situación temporal – intervalo entre O1y O2. En un procedimiento de PRSVtradicional se considera que cuatro ítemspueden entrar en la MVCP, donde recibenun determinado “peso”: el primer objetivo(O1), el ítem que inmediatamente sigue alobjetivo 1 (O1+1) el segundo objetivo (O2)y el ítem que inmediatamente sigue alobjetivo 2 (O2+1). El peso asignado seestablece en función de: (a) en qué medidalos ítems se corresponden a sus plantillasde respuesta (grado de similitud con laplantilla), (b) la cantidad de recursos quepermanecen libres en el sistema y (c) suorden de entrada en el sistema. Se asumeque el O1 y el ítem que le sigue en la PRSVusan la mayor parte de los recursosdisponibles. Si el O1 no ha sido consolidadoantes de que se presente el O2, este últimorecibirá un peso más bajo, y probablementese perderá, produciéndose el AB.

Otro estudio que ayudó a sustentar laidea de que había interferencia entre losítems de la PRSV fue realizado por Isaac etal. (1999). En este estudio los autorespropusieron que si el AB era el resultado

de una interferencia entre los ítems, deberíaser sensible al número de ítems quecompiten por ser informados y al grado desimilitud entre ellos. Los estímulosutilizados en este estudio fueron letras yfuentes similares a las letras que eranutilizadas como máscaras. El resultadoimportante de este estudio fue que el ABcambiaba en función del número decompetidores categóricamente similares.

La idea de que la similitud entre losítems que compiten en el MVCP es unfactor importante en el AB fue tambiénestudiada en una serie de experimentosrealizados por Raymond, Shapiro & Arnell(1995). Ellos encontraron una relación linealpositiva entre el número de ítems similaresy la magnitud del efecto de AB. Taylor yHamm (1997) utilizaron letras o dígitoscomo O2 para demostrar que la similitudcategorial entre los objetivos y losdistractores modula el AB.

Además de las evidencias con relaciónal papel de la similitud de los items para elAB, quedaba por poner a prueba uno delos supuestos de este modelo, según el cuallos ítems que no son informados sonaltamente procesados. En este sentido eranecesario demostrar que el segundoobjetivo, a pesar de no ser informado, síera procesado a un nivel semántico.

La mejor manera de verificar estacuestión es a través de la utilización detécnicas que no se basan en informaciónconductual. Los autores optaron por utilizarpotenciales evocados3 (ERPs). Para verificarsi la palabra que aparecía durante el periodoen que se observaba el AB era analizadahasta extraer su significado, Luck, Vogel yShapiro (1996) llevaron a cabo unexperimento en el que examinaron el picoN400. La supresión del N400 refleja ladisparidad entre una palabra y un contextosemántico presentado previamente.

La lógica es la siguiente: una palabra

______3 Del ingles Event Related Potentials. Esta técnica per-mite la observación de la actividad neuronal que reflejala suma de los potenciales post-sinápticos de un am-plio número de neuronas.

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(O2) necesita ser identificada antes de sercomparada con el contexto semántico, lareducción del N400 en el periodo en el queel AB ocurre estaría reflejando que el O2había sido identificado, aunque no pudieraser informado.

Antes del inicio de cada ensayo sepresentaba una palabra que establecía elcontexto semántico para dicho ensayo. El O1consistía en una cadena de dígitos queocupaba un espacio correspondiente a 7caracteres. El O2 consistía en una palabra de3 a 7 caracteres. Al final de cada ensayo sepedía a los participantes que indicasen si elO1 era un número par o impar y el O2 unapalabra semánticamente relacionada con lapalabra presentada al inicio del ensayo(palabra contexto). De esta forma, si el ABrefleja la supresión de la informaciónperceptual entonces el N400 también debieseser suprimido durante el AB. Por otro lado,la no-supresión del N400 durante el ABestaría indicando que el procesamientoperceptual no se ve perjudicado, aunque losparticipantes no puedan informar de cuálhabía sido la palabra presentada. El hallazgode este estudio fue el de que, a pesar de quelos participantes no informaban de la prueba,la falta del N400 en el intervalo del AB era unindicador de que estaba ocurriendo laextracción del significado del segundoobjetivo. Los autores interpretaron estos datoscomo una evidencia a favor de procesos postperceptivos como mediadores del AB.

Sin embargo, este modelo presentaalgunos problemas para dar cuenta de lavariedad de datos observados en el AB. Unade las críticas principales que ha sufridoha sido con relación a la idea de que ladificultad asociada al primer objetivo tienepoco o ningún efecto para el AB. Estudiosen los que se investigó el papel delenmascaramiento (Brehaut, Enns yDiLollo, 1999; Grandison, Ghirardelli yEgeth, 1997, Seiffer y DiLollo, 1997)vinieron a demostrar que la dificultadasociada al primer objetivo es un factorcrítico para la observación del efecto.También, como veremos más tarde, losdatos aportados por los estudios deJolicoeur (1998) de que las demandas

asociadas al primer objetivo cambian lamagnitud del AB, no pueden ser explicadaspor el modelo de la interferencia.

El hecho de que el primer objetivoreciba gran parte de los recursos delsistema, posibilitando que sea identificandocon éxito en un 90% de los ensayos, no sesustenta si estudiamos los errores de ordenpara informar de los dos objetivos. Es decir,cuando el rendimiento de los individuosimplica el correcto informe del ordentemporal, el rendimiento de O1 tambiénsufre un decremento en función de ladistancia del O2 (Chun y Potter, 1995).

Como veremos más tarde Shapiro etal. (1997) matizan el aspecto del modeloque hace referencia a las demandasasociadas al primero objetivo. Estos autoresplantean que la asignación de pesos puedecambiar en función de las demandas deprocesamiento asociadas al primer objetivo.En este caso, cuanto más demanda deprocesamiento esté asociada al primerobjetivo, menos recursos quedarán librespara el segundo. La asignación de pesosno se producirá de manera óptima, lo queproduce una mayor probabilidad deinterferencia entre los items. Sin embargo,ellos nos ofrecen una descripción de cuálesserían las características de los estímulos quehacen que esta asignación sea más o menoseficiente. Planteado de otro modo, ¿quépropiedades del estímulo o de la tarea hacenque el sistema disponga de más recursospara que la asignación de pesos se produzcade forma óptima entre los dos objetivos?

El modelo de las dos fases

Este modelo ha sido desarrollado porChun y Potter (1995) para dar cuenta delefecto de AB, y también ha servido de basepara las ideas acerca del efecto delenmascaramiento en el AB (Visser, Bischofy DiLollo, 1999).

Según este modelo, en un primermomento, todos los elementos de la PRSVson procesados pre-atencionalmente (fase1). En esta fase son extraídas las

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características del estímulo, tales comocolor, forma y significado. Cuando la tareaimplica la selección de uno de los objetivosentre distractores, hace falta que éste seaconsolidado en una segunda fase deprocesamiento (fase 2), caracterizada por serde capacidad limitada. Para que un objetivopueda ser informado con éxito necesitarecibir procesamiento adicional oconsolidación. Como hemos representadoen la Figura 4, hay una restricción en lacantidad de items que pueden serprocesados en la fase 2.

Se puede decir que la primera etapaplanteada por Chun y Potter (1995) secorresponde a la etapa preatencional presenteen muchas teorías previas en atenciónvisual (ver Duncan, 1980; Neisser, 1967;Treisman y Gelade, 1980). Según Chun yPotter (1995) las representaciones en estaprimera fase serían susceptibles de rápidoolvido, a menos que sean seleccionadas paraprocesamiento posterior. Para que estasrepresentaciones puedan ser informadastiene que pasar para una etapa a la que losautores llamaron memoria visual a cortoplazo (MVCP). Esta transferencia requiereun procesamiento adicional que hará queestas representaciones sean más duraderas.Esta etapa de consolidación de lasrepresentaciones es de capacidad limitada.Según los autores, se inicia cuando existeuna información positiva en la primeraetapa en el momento en el que el primerobjetivo es detectado.

Este modelo ha sido desarrolladoconsiderando los resultados del estudiorealizado por Chun y Potter (1995). La ideade que había una interferencia paraidentificar cualquier objetivo fue puesta aprueba a través de un experimento en elque se pedía a los participantes quedetectasen 3 letras insertadas en una PRSVde dígitos (Experimento 2). El resultado fueque el O1 producía interferencia en O2 yO2 producía interferencia en O3. Es decir,había una limitación en el procesamientode cualquier objetivo tras la identificaciónde un objetivo previo, lo que indicaba laexistencia de un cuello de botella en elprocesamiento en el cual pasaba cualquierobjetivo que tenia que ser informado. Através de la manipulación del tipo dedistractor (dígito o símbolo) que seguía cadauno de los objetivos (Experimento 4) losautores observaron que el AB cambiaba enfunción del tipo de distractor que seguía acada uno de los objetivos. Más importante,el AB se mostraba sensible a la dificultadproducida para identificar O1, indicandoel papel de la dificultad de O1 comomoduladora del efecto.

Una de las ideas fundamentales de estemodelo es la de que la dificultad asociada al

Figura 3: representación grafica del modelo propuestopor Chun y Potter (1995).

Fase 1

Extrae características de los estímulos

Fase 2

Consolidación de los estímulos

Esta restricción actuaría a modo decuello de botella haciendo que la atenciónfocal se dé solamente a un elemento cadavez. Cuando los items están muy próximosen el tiempo (100, 200, 300ms) el O2 llegaa la fase 2 cuando está todavía ocupada enel procesamiento del O1. De esta forma, elO2 debe “esperar” en la fase 1, donde estásujeto a pérdida o a enmascaramiento porlos demás items de la PRSV. Por lo tanto, elAB ocurre porque los objetivos visualesinterfieren entre sí cuando se les presentajunto con otros objetivos en un intervalode tiempo corto. Las características de lamodalidad visual en este modelo son dos:

1. La existencia de una alta capacidadpara la identificación de lainformación visual en una etapatemprana de procesamiento. Sin em-bargo, durante esta fase larepresentación de los estímulos es lábily, por lo tanto susceptible deinterferencia o sustitución.

2. Una etapa de capacidad limitada,que puede procesar un estímulo a lavez. Los objetivos que no entran en lafase 2 tiene que “esperar” en la fase 1hasta que el O1 sea procesado, dondees posible que se pierdan,produciéndose el AB.

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primer objetivo hace que éste necesite mástiempo para ser procesado. Es decir, cuantomás tiempo el O1 permanezca en la segundaetapa de procesamiento, más tiempo el O2tendrá que “esperar” para ser procesado y,por lo tanto, será más susceptible aldecaimiento o al enmascaramiento. Seiffert yDiLollo (1997), como veremos más tarde,evaluaron la relación entre rendimiento en elprimer objetivo y la magnitud del AButilizando sus propios datos, así como datosprocedentes de 26 experimentos de AB. Elresultado fue una correlación negativa ysignificativa entre el rendimiento en el primerobjetivo y la magnitud del efecto de AB4 .

El papel de las demandas de O1 parael AB permite derivar prediccionesespecíficas acerca del curso temporalasociado a tareas que implican más recursospara ser llevadas a cabo que otras. Comoveremos más tarde, los estudios en los quehan sido utilizadas tareas de identificacióny detección no permiten llegar a ningunaconclusión a este respecto. Sin embargo, semuestran útiles para el estudio delenganche atencional asociado a tipos detarea específicos. Podríamos pensar que elproceso de consolidación que demandacapacidad, debería verse beneficiado por lacantidad de información que debe serextraída de los objetivos (e.g. el número deobjetivos posibles produce mayor AB –Pashler, 1994). En este caso, tareas dedetección, que están basadas en unacantidad menor de información deberían,cuando están vinculadas con el primeroobjetivo, producir un menor AB quecuando la tarea a realizar en O1 es deidentificación.

Por ejemplo, podríamos establecer unparalelismo entre el modelo de lainterferencia y el modelo de las dos fases.Las similitudes entre los dos modelos son

las siguientes: (1) todos los ítems sonprocesados en algún grado, y (2) existe unmomento en el procesamiento en el que losdos objetivos compiten por recursos.

Sin embargo, el modelo de lainterferencia plantea que el primer objetivoes procesado con éxito en la mayor parte delos ensayos y que, por lo tanto, la dificultadde O1 no desempeña ningún papel en lamagnitud del efecto. Otra diferencia entrelos dos modelos es la de que mientras queen el modelo de las dos fases existecompetición entre los items en la memoriavisual a corto plazo, el modelo de lainterferencia no elabora etapas posterioresen el procesamiento que siguen al de laMVCP. No existe un componente serial eneste modelo, mientras que la segunda etapade procesamiento es central en el modelopropuesto por Chun y Potter (1995).

Otra diferencia entre estos modelos serefiere al papel de la similitud entreobjetivos y distractores para el efecto de AB.En el modelo de la interferencia, la similitudentre objetivo y distractores determina laasignación de pesos, y estos determinan asu vez la probabilidad de recuperación delos items de la MVCP. Sin embargo, Chuny Potter (1995) proponen que la similitudentre objetivos y distractores tiene 2 efectos:un efecto global de la facilidad en la cuallos objetivos pueden ser discriminados delos distractores, y un efecto local que seobtiene con la aparición de la máscara delítem que sigue al objetivo. Para el modelode la interferencia el O1 siempre, o en lamayor parte de los ensayos, consigue serconsolidado en la MVCP. Esto ocurre porel orden de entrada, ya que en estemomento la MVCP está vacía.

Shapiro, Arnell y Raymond (1997)proponen una teoría unificada para el AB,en la que reconocen el papel de la dificultadasociada al primer objetivo. Los autoresevalúan las colaboraciones realizadas porotros autores y proponen que todos losmodelos de AB convergen en algunas ideas:(1) el efecto de la máscara que sigue al O1es el de hacer que éste necesite más atenciónpara ser informado, (2) a medida que menosatención está disponible para O2, éste no

______4 Se debe considerar que no todas las manipulacionesde dificultad en el primer objetivo llevan a un mayorAB. Por ejemplo, Ward, Duncan y Shapiro (1996)observaron que cuando en la tarea del primer objeti-vo está implicado un juicio más complejo, elrendimiento en el primer objetivo cambiaba, pero nola magnitud del AB.

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puede ser consolidado, haciendo que seavulnerable al enmascaramiento; (3) el O2,a pesar de no poder ser informado, esprocesado semánticamente, (4) si la tarearequiere mayor dificultad, a través de, porejemplo, solicitar tiempos de respuesta,entonces otros factores tales como laselección de respuesta tendrán el efecto dehacer el rendimiento en O2 todavía peor.

Conclusiones

En una revisión realizada por Shapiro,Arnell y Raymond (1997) a cerca de losmodelos para dar cuenta del PA se hanmencionado tres afirmaciones que sepueden hacer con respeto a esos modelos.Estas afirmaciones también están presentesen la idea de Kawahara et al. (2003) de quelas características del PA hacen que puedaser definido como un fenómenomultidimensional en el cual aspectosdiferentes son abordados en modelosdistintos.

1) La presencia de la máscara despuésdel primer objetivo hace que suprocesamiento se vea dificultado, loque resultará en una mayor cantidadde recursos atencionales paraprocesarlo con éxito.

2) El procesamiento del primer obje-tivo implica la asignación de recursosatencionales reduciendo ladisponibilidad atencional para llevar alcabo el procesamiento del segundoobjetivo. En este caso, cuanto mayores el grado de dificultad asociado alprimer objetivo, mayor es el déficitproducido en la detección del segun-do objetivo.

3) Factores relacionados con laselección de respuesta y al cambio detarea (paradigmas que exigenrespuestas rápidas y cambios en lastareas de O1 y O2) tendrán un efectoadictivo en el ABComo hemos mencionado al inicio de

este articulo, el PA puede ser considerado

como un fenómeno robusto en la medidaen que ha sido replicado innumeras veces.Los modelos teóricos generados para darcuenta de ese efecto también hanestimulado una serie de manipulacionesexperimentales en las que nuevaspropiedades de ese efecto emergieron. Porejemplo, uno de los hallazgos ha sido deque el PA ocurre incluso cuando se lespresenta a los sujetos estímulos endiferentes modalidades sensoriales(auditiva y visual). Por lo tanto, ahora nospodemos preguntar: Cual es el rumbo queesta tomando este área de investigación?Frente a la variedad de datos conductualesexistentes acerca de las limitaciones denuestra atención en el dominio del tiempo,innúmeros investigadores están centrandoesfuerzos en estudios orientados aencontrar los correlatos neuronales de estaslimitaciones atencionales. Las estrategiaspara estudiar los correlatos neurológicosasociados a este efecto consisten en lautilización de registros electrofisiológicos(ERPs) y de técnicas de neuro imagen(fMRI). El énfasis de este área deinvestigación se sitúa en el estudio de lamodulación de la actividad neuronal enzonas especificas del cerebro relacionadasla atención en situaciones de doble tarea.Actualmente, una de las estrategias que seutilizan en los estudios electrofisiológicoses la de comparar la actividad neuronalasociada en situaciones en las que el PAocurre con situaciones en las que el PA noocurre (ver Kellie y Shapiro, 200; Oliver yNieuwenhuis, 2005). Otra estrategiautilizada para conocer las áreas del cerebroimplicadas en las limitaciones de la atenciónen el tiempo, es la de estudiar elrendimiento de pacientes con lesionescerebrales específicas en una tarea típica dePA (ver Hillstrom, Husain, Shapiro yRorden, 2001; Husain, Shapiro, Martin, yKennard, 1997).

El efecto de parpadeo atencionalpuede ser visto como una herramienta útilpara mapear el curso temporal de laatención. La integración de hallazgosconductuales, juntamente con las modernastécnicas de registros de la actividad

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neuronal, seguirá permitiendo avanzar enel estudio de las bases neurológicas quesubyacen a nuestra habilidad para procesarla información visual.

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Recebido em março de 2005Aceito em agosto de 2005

Autora: Isabel Arend – Psicóloga; Doutora emPsicologia (UAM-ES); Researcher of the Centrefor Cognitive Neuroscience-School of Psychology-University of Wales, Bangor.

Endereço para correspondência:E-mail: [email protected]

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Aletheia, n.22, p. 23-40, jul./dez. 2005

Da adivinhação à dedução: os processos inferenciaisem psicoterapia cognitivo-comportamental

Ricardo WainerJorge Castellá SarrieraNeri Maurício Piccoloto

Luciane Benvegnu PiccolotoGiovanni Kuckartz Pergher

Márcio Englert BarbosaVinícius Guimarães Dornelles

Resumo. Este artigo apresenta os principais resultados de uma pesquisa que objetivouverificar a validade e viabilidade de aplicar modelos lógico-pragmáticos da LingüísticaCognitiva ao entendimento dos processos inferenciais nos diálogos de díades paciente-psicoterapeuta em Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC). Também objetivou investi-gar a existência de padrões inferenciais e comunicacionais de indivíduos com depressão.O método utilizado consistiu na aplicação do cálculo do Modelo Ampliado das Implica-turas a 6 blocos de 5 sessões psicoterápicas sucessivas de 6 díades terapêuticas distintas.Todos os pacientes apresentavam diagnósticos de Transtorno Depressivo Maior, confirma-dos pelos critérios da Breve Entrevista Internacional de Neuropsiquiatria Modificada.Fizeram-se análises estatísticas e análises qualitativas (análise de situação) dos dados. Osprincipais resultados indicaram a viabilidade e significância da utilização das teorias prag-máticas para o entendimento dos conteúdos implícitos na comunicação e que só podemser acessados pela inferência das implicaturas conversacionais e convencionais. Tambémforam verificados padrões característicos da comunicação em amostra depressiva que seconstituem, prioritariamente, no uso significativo de implicaturas conversacionais parti-cularizadas pela quebra da máxima da quantidade por falta de informação.Palavras-chave: Terapia Cognitivo-Comportamental, processos inferenciais, pragmáticacognitva.

From guessing to deduction: the inferential processes in cognitive behavioralpsychotherapy

Abstract. This article presents the main results from an investigation that was aimed atverifying the validity and feasibility of applying Cognitive Linguistics’ logical-pragmaticmodels to understand the inferential processes in the pacient-psycotherapist dialogues inCognitive-Behavioral Psychotherapy (CBP). Furthermore, the present research investiga-ted the existence of inferential and communicational patterns in depressive individuals.The method employed consisted in the application of Grice’s Amplified Implicature Modelto six blocks of five consecutive psychotherapy sessions of 6 different therapeutic pairs. Allthe patients showed clinical pictures of Major Depression Disorder. Statistical and qualita-tive (analysis of the situation) analyses of the data were done. The main results indicatedthe viability and the significance of the employment of the pragmatic theories to unders-tand the implicit contents in communication which may only be accessed by the inferenceof the conversational implicatures. The characteristic patterns of depressive communicati-on were also verified which were primarily established in the frequent use of conversatio-nal implicatures characterized by the lack of information despite its quantity.Key words: Cognitive-Behavioral Psychotherapy, inferencial process, cognitive pragmatics.

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Introdução

Acessar o universo psicológico do ou-tro é a tarefa privilegiada e de singular res-ponsabilidade e complexidade dos profis-sionais da área saúde mental. Há anos osteóricos discutem como obter métodos etécnicas para empreender tal desafio demodo sistemático, claro e eficaz, não per-mitindo a redução da psicoterapia a umamera adivinhação. Na grande maioria dosestudos, o caminho para determinar taisinstrumentos clínicos é a pesquisa quantoà eficiência de práticas clínicas para os maisdiferenciados transtornos psíquicos (APA,1998). Estes estudos fornecem os valiososalgoritmos de tratamento. Entretanto, aproposta apresentada, neste artigo, foca-se numa outra possibilidade para alcan-çar um procedimento objetivo de interpre-tação dos discursos psicoterápicos. Esteprocedimento é a elaboração de uma me-todologia objetiva para explicar e predizeros processos inferenciais que ocorrem noconjunto cérebro-mente das díades tera-pêuticas (paciente e terapeuta) durante osprocessos de Terapia (Psicoterapia) Cog-nitivo-Comportamental (TCC).

Desde seu surgimento, a PsicologiaClínica tem evoluído, indo de meras sofis-ticações da técnica até mudanças radicaisconcernentes a inserção de novos paradig-mas explicativos das psicopatologias no ce-nário clínico. Dentre estes avanços nas últi-mas décadas, as Psicoterapias Cognitivo-Comportamentais (TCCs) ocupam lugarde destaque. Isto em decorrência de diver-sos fatores, dentre os quais se podem des-tacar a eficácia comprovada de suas técni-cas no tratamento de diversas psicopatolo-gias bem como a retomada do psiquismohumano em toda sua complexidade comoobjeto de estudo, e entendido como respon-sável pelo comportamento humano normale patológico (Spangler, Simons, Monroe &Thase, 1997).

Nas TCCs, o terapeuta busca identifi-car as estruturas de conhecimento do pa-ciente, sobretudo as estruturas organizado-ras como os esquemas mentais, os concei-tos, as crenças e as regras, assim como os

corolários destes, como os pensamentosautomáticos (Willner, 1984 e Wainer, Ma-deira & Piccoloto, 1999).

Embora não tenha sido uma tendên-cia no seu surgimento, a busca de basesde compatibilidade dos achados clínicoscom achados de pesquisas experimentais,inclusive no âmago de outras disciplinascomo a Ciência Neural Cognitiva, Psico-logia Experimental Cognitiva e/ou a Lin-güística Cognitiva, tem estado, na atuali-dade, como um dos mais profícuos cami-nhos de desenvolvimento desta modali-dade de psicoterapia (Van Gelder, 1998),ao gerar técnicas e procedimentos de in-tervenção mais robustos e eficientes. Taltendência explicita-se na construção mul-tidisciplinar de Modelos Psicopatológicos,bem como na avaliação da eficácia da apli-cação das técnicas decorrentes destas mo-delizações (Dodge, 1993; Coryell, Endi-cott, Winokur & Akiskal, 1995; Marcus,1998; Lichtenberg, 1999).

Nesta pesquisa, a metodologia teóricae procedural para a compreensão dos pro-cessos inferenciais inerentes ao processopsicoterápico foi trabalhada através da ve-rificação da viabilidade de uma análise ló-gica não-trivial dos diálogos psicoterapêu-ticos, através de algumas teorias do campoda Pragmática. Entre elas, a Teoria das Im-plicaturas de Grice (1975, 1978, 1981), oModelo Ampliado da Teoria das Implica-turas (Costa, 1984) e a Teoria da Relevân-cia de Sperber e Wilson (1986 e 1995).

Tais modelos indicam que, no proces-so de compreensão da linguagem, utilizam-se todos os tipos de raciocínio (dedutivo,indutivo e abdutiv0o), de modos diferenci-ados. Salienta-se que, de modo geral, o ra-ciocínio dedutivo tem certa prevalência so-bre os demais.

A questão investigada por esta pes-quisa foi como, com universos de esque-mas mentais (com todas as suas crenças eregras) distintos, a dupla terapêutica con-segue eficazmente se comunicar. Busca-ram-se, pois, as relações entre a semânti-ca do que é explicitamente dito e a prag-mática do que é comunicado explicita e/ou implicitamente. A possibilidade de

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determinar uma sistemática de obtençãodas intenções comunicativas (que vãomuito além do que é dito) se deu pelautilização do conceito de ImplicaturasConversacionais, desenvolvido por Grice(1975) e revisados por Costa (1984) eSperber e Wilson (1986, 1995).

A introdução da teoria cognitivista nouniverso da Psicologia Clínica representouuma importante evolução sobre os paradig-mas psicanalítico e comportamental, namedida em que ultrapassou os reducionis-mos via inconsciente positivo e via influên-cia do ambiente, respectivamente, na expli-cação da gênese e do desenvolvimento daspsicopatologias. Isto ocorreu porque asTCCs investigam os processos cognitivospsicopatológicos que gerenciam o compor-tamento. Portanto, seu objetivo é a mudançacomportamental, mas, prioritariamente, areestruturação cognitiva dos processos re-presentacionais que estão subjacentes a es-tes comportamentos.

Neste intuito, elas fazem uso de inú-meras estratégias terapêuticas com técni-cas específicas, tanto comportamentaisquanto cognitivas. Quanto às técnicas cog-nitivas, estas têm avançado consideravel-mente e um dos aspectos mais almejados éprocurar compreender como há a mudan-ça terapêutica na relação dialógica queocorre entre paciente e terapeuta.

É justamente neste ponto que estapesquisa teve sua justificativa principal,ou seja, na tentativa de entendimento dosprocessos inferenciais utilizados por pa-ciente e terapeuta na relação psicoterápi-ca e que permite que haja uma comuni-cação eficaz, no sentido de cada um de-les conseguir captar a intenção comuni-cativa do outro, sem, necessariamente,ambos terem o mesmo nível de conheci-mento e mesmo sem utilizar-se de umteoria específica que forneça uma expli-cação a priorística dos fenômenos. O en-tendimento dos conteúdos implícitos co-municados em diálogos psicoterápicos sedeu através da aplicação do Modelo Am-pliado da Teoria das Implicaturas (Cos-ta, 1984), que representa uma sofistica-ção sobre a Teoria das Implicaturas de

Grice (1975) ao incorporar o Princípio daRelevância advindo da Teoria da Relevân-cia de Sperber e Wilson (1986, 1995).

A proposta também se justifica pormostrar a necessidade de Teorias Prag-máticas da Comunicação para a aborda-gem da comunicação psicoterapêutica,bem como do papel crucial do raciocínionão-trivial e não-demonstrativo nos diá-logos psicoterápicos. São processos infe-renciais não-demonstrativos, por não po-derem ser demonstrados através de pas-sos lógicos e, não-triviais, pois não pro-duzem inferências mecânicas (como nasregras Aristotélicas), sem acréscimo deinformações novas.

Por fim, o presente trabalho se justi-fica pela sua proposta de gerar um maiorgrau de formalismo lógico-pragmático nocampo das TCCs, tornando a prática psi-coterápica mais científica e objetiva, mi-nimizando seu caráter adivinhatório. Deum lado, pela especificação de procedi-mentos lógicos advindo das teorias daPragmática utilizadas para a análise dosdiscursos psicoterápicos e, de outro lado,pela geração de novos axiomas sobre ascaracterísticas discursivas verificadas emindivíduos com Transtorno DepressivoMaior, amplificando, assim, o modelo axi-omatizado da depressão desenvolvido porWainer (1997).

No presente artigo, é proposto um pro-cedimento para o de acessamento objetivoao mundo das crenças de pacientes e deterapeutas. Propõe-se que, a partir do es-tudo da semântica dos enunciados (do queé explicitamente dito) da díade terapêuti-ca, pode-se chegar a um elevado nível deprecisão quanto à pragmática do que osindivíduos desejam realmente comunicare que o fazem através do que é chamado,em Pragmática, de implicaturas.

Grice (1975) diferencia o que é dito doque é implicado, chamando de “implicatu-ras” o conteúdo que é implicado (implici-tamente transmitido) pelos falantes, de for-ma não-demonstrativa, a partir do que éexplicitamente dito (Siqueira, 1999).

A noção de implicatura conversacio-nal é uma das idéias mais importantes na

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área da pragmática, colocando-se como umexemplo paradigmático da natureza e dopoder das explanações pragmáticas dos fe-nômenos lingüísticos. Tal conceito é fun-damental para o entendimento de comofalantes e ouvintes se comunicam em situ-ações em que aquilo que o falante quer co-municar difere do significado literal da sen-tença (Siqueira, 1999). De fato, as pergun-tas a respeito de como nossas falas podemtransmitir mais do que aquilo que dizemosexplicitamente e como nosso ouvinte en-tende o que estamos dizendo, mesmo quan-do seu significado não está estritamente noque foi dito, foram respondidas pela noçãode implicatura. Assim sendo, as implicatu-ras tem a propriedade de comunicar maisdo que aquilo que vem explicitamente ditono enunciado.

Fazendo-se uso dos cálculos propos-tos pelo Modelo Ampliado da Teoria dasImplicaturas (Modelo Clássico), de Costa(1984) e pelas considerações advindas daTeoria da Relevância, de Sperber e Wilson(1986, 1995), determinou-se os processosinferenciais associados à comunicação ver-bal entre pacientes depressivos e seus tera-peutas cognitivo-comportamentais.

Costa (1984) estudou, em detalhes, asconsiderações críticas feitas por outrosgrandes nomes da Lingüística à teoria deGrice. Entre os principais críticos pode-secitar, Levinson (1983), Gazdar (1979), Sa-dock (1978), Karttunen e Peters (1975) eSperber e Wilson (1981). A partir dos as-pectos pontuados como críticos na Teoriadas implicaturas, Costa desenvolveu uma

ampliação do modelo clássico de Grice.Costa propõe, em 1984 (pode-se di-

zer concomitantemente ao surgimento deRelevance, em sua primeira edição, em1985, de Sperber & Wilson), a reformula-ção do modelo de Grice. Segundo Freitas(2000), o modelo de Costa (1984) temcomo pontos principais a reformulaçãodas máximas de quantidade e de quali-dade, a redução da noção de pressuposi-ção à de implicatura e a elevação da má-xima de relevância à condição de super-máxima, ligada diretamente ao princípiode cooperação. A categoria de relação émantida com a máxima “seja adequado”substituindo “seja relevante”, que passaa supermáxima geral como “seja o maisrelevante possível” (p. 38).

Assim sendo, para Costa (1984), “arelevância é a propriedade pragmática porexcelência” (p. 129).

Uma das contribuições deste modeloé a robustez teórica associada a uma meto-dologia descritiva bastante poderosa, o quefavorece a geração de uma tensão ideal en-tre explicação e descrição, aspecto tão valo-rizado pela epistemologia contemporânea,nos moldes propostos por Karl Popper(1959,1975). Esta tensão é obtida na medi-da em que se faz necessária a explicitaçãodos contextos (muitas vezes gerados impli-citamente pelas implicaturas) que permi-tem as interpretações dos ditos.

O Modelo Ampliado pode, então, sersintetizado, conforme Costa (1984, p.132-133), como aparece no Quadro 1:

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Pela utilização deste modelo da prag-mática lingüística, crê-se que o processo decomunicação, dentro da psicoterapia, atin-giria um nível de explicação e descriçãomuito mais elevado, fazendo com que oprocesso de interpretação dos enunciadosseja mais fundamentado e passível de com-provação lógica. Passar-se-ia de uma pos-tura prioritariamente abdutiva de entendi-mento dos ditos, tanto dos pacientes quan-to dos terapeutas, para uma postura maisdedutivista e, portanto, muito mais com-patível com o próprio funcionamento infe-rencial da mente humana.

Método

Este artigo tem um caráter fundamen-talmente interdisciplinar, por apresentarum estudo em Ciências de Interface. Em-bora se creia valioso tal empreendimento,este não é atingido com baixo custo. Istoporque um dos aspectos cruciais para estetipo de pesquisa é que a metodologia uti-lizada pelo cientista seja, no mínimo, com-patível com os pressupostos epistemoló-gicos, teóricos e também metodológicos decada uma das áreas do saber que buscamsua coalizão. Assim sendo, a metodologia

Esquema Informal

Princípio da CooperaçãoRegras gerais da Conversação

Supermáxima Geral – “Seja o mais relevante possível”I Categoria da Quantidade1ª máxima: Faça com que sua contribuição seja tão informativa quanto o requerido (para o

propósito corrente da conversação).2ª máxima: não faça sua contribuição mais informativa do que o requerido.

II Categoria da QualidadeSupermáxima: Diga somente o que você saiba.1ª máxima: Não diga o que você sabe ser falso.2ª máxima: Não diga o que você não pode assumir como sabendo.

III Categoria de AdequaçãoMáxima: Só diga algo adequado ao assunto da conversação.

IV Categoria de ModoSupermáxima: Seja claro.1ª máxima: evite obscuridade.2ª máxima: evite ambigüidade.3ª máxima: seja breve (evite prolixidade)4ª máxima: seja ordenado.

Inferências Pragmáticas (Não Ditas)Tipos de Implicaturas

Quanto à natureza Pragmática1. Convencionais: Relação dito-léxico2. Conversacionais: Relação dito-contexto-princípio da cooperação

Quanto ao Tipo de CausaA. Standard: Respeito às máximasB. Quebra: Violação das máximas

Quanto ao Tipo de ContextoA. Generalizados: Contexto geral (regras lingüísticas)B. Particularizados: Contexto particular (regras comunicacionais)

Quadro 1- Modelo Ampliado das Implicaturas (Costa, 1984)

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adotada teve de interseccionar metodolo-gias qualitativas e quantitativas, típicas dasáreas da Lingüística e da Psicologia Expe-rimental Cognitiva (e das PsicoterapiasCognitivo-Comportamentais), respectiva-mente.

Abordagens metodológicasPara o alcance dos objetivos e metas

propostos, foram utilizadas três aborda-gens metodológicas principais, quais se-jam, aplicação de Modelo Lógico-Pragmá-tico à comunicação psicoterapêutica, es-tudo de caso e pesquisa comparativa. Cadauma é descrita em maiores detalhes a se-guir.

Aplicação de Modelo Lógico-Pragmático à co-municação psicoterapêutica

O cálculo das implicaturas proposto noModelo Ampliado de Costa (1984), quepossui um caráter fundamentalmentequalitativo, apresenta a seguinte estruturadescritiva simbólica:

(A) = componente da dupla dialógica(B) = componente da dupla dialógica(C) = o contexto, que se configura no

conjunto de proposições (crenças) poten-ciais conhecidas por (A) e por (B) ou que,pelo menos, podem ser aceitas de maneiranão-controvertida.

(E) = Enunciado (explicitamente dito)(I) = Implicaturas (inferências prag-

máticas)Num exemplo:(EA) João está com uma depressão se-

vera?(EB) Ele foi internado numa clínica,

mas não teve ideação suicida.As implicaturas geradas foram as se-

gintes:(I1) O estado de João é sério, pois que

teve que ser internado numa clínica. (Im-plicatura Conversacional particularizadapor quebra da máxima de adequação)

(I2) Em casos de Depressão severa ge-ralmente há ideação suicida. (implicaturaConvencional, pelo uso do conetivo “mas”)

Os contextos que serviram como basepara geração das implicaturas foram

(C1) Ambos estão falando de João, queé conhecido de ambos.

(C2) Depressão é um transtornomental.

(C3) Depressão pode ter níveis de gra-vidade.

(C4) Pessoas com transtornos mentaisgraves podem vir a ser internadas em clíni-cas.

O Cálculo que permite chegar a estasimplicaturas é:

(1) A perguntou a B pelo enunciado EA(2) B respondeu a A pelo enunciado EB(3) B não respondeu adequada e obje-

tivamente a pergunta de A(4) B ainda assim, deve estar coope-

rando(5) B provavelmente infere que A sai-

ba C1, C2, C3 e C4(6) B estará sendo relevante dizendo

EB se pretender que A pense I1 e I2(7) B disse EB e implicou I1 e I2Foi com base neste Modelo que parte

significativado Método desta pesquisa foiorganizada. Embora caracterize-se essenci-almente como uma metodologia qualitati-va, esta poderia ser considerada híbrida,também possui componentes quantitativos.Quanto aos componentes qualitativos, es-tes dizem respeito à interpretação das im-plicaturas por parte de quem gera os cál-culos lógicos a partir dos enunciados dasentrevistas. Mesmo respeitando uma orga-nização lógica prevista pelo cálculo, comoeste é não-trivial, não tendo uma demons-tração padronizada, pode haver algumasdiferenças nas interpretações das implica-turas geradas. Entretanto, como é um cál-culo lógico, a coerência geral dos significa-dos dos ditos (enunciados) da díade paci-ente-terapeuta acaba por se manter a mes-ma, na medida em que a seqüência deenunciados faz com que o implícito das fa-las acabe aparecendo.

Os elementos quantitativos, por suavez, referem-se a possibilidade de enqua-dramento das proposições em tipos de im-plicaturas. Em outras palavras, cada enun-ciado pode ser categorizado de acordocom o tipo de implicatura gerado, permi-tindo, assim, uma quantificação objetiva,cujos dados são passíveis de análises esta-tísticas.

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Esta metodologia, que permeia todasas demais utilizadas neste trabalho, foi es-sencial para que se pudesse atingir todosos objetivos propostos. É, portanto, com-plementar aos outros dois procedimentosmetodológicos utilizados, vistos a seguir.

Estudo de casoMais especificamente, uma Análise de

Situação (Yin, 1994/2001). Diz respeito aanálise de um dos 6 casos de psicoterapiacom pacientes com Transtorno DepressivoMaior. Cada um dos casos consistia em 5entrevistas sucessivas com o paciente, dasegunda à sexta sessão. O caso escolhidodiferenciou-se dos outros 5 casos, pois serealizou todo o cálculo, na forma lógica pro-posta por Costa (1984). A escolha deste blo-co, em detrimento dos outros, se deu porser do psicoterapeuta mais treinado entretodos os componentes do grupo normativoe pela riqueza de técnicas típicas das TCCspara casos de Depressão Maior, utilizadas poreste profissional. Salienta-se, entretanto, queseria perfeitamente possível respeitar umcritério probabilístico de aleatoriedade naseleção deste bloco ilustrativo, o que ficouevidente pelas análises estatísticas e qualita-tivas feitas nos materiais. Já nos demais 5casos, fez-se somente a determinação do tipode implicatura gerada, assim como uma in-terpretação mais livre, embora baseada nas3 teorias pragmáticas já apresentadas. O casoescolhido, para o cálculo completo, propor-cionou a apresentação de uma situação ilus-trativa da aplicação dos cálculos lógicos, pro-postos pelas teorias de Grice (1975), de Costa(1984) e de Sperber e Wilson (1986 e 1995)aos discursos psicoterapêuticos em TCC.

Pesquisa comparativaLançou-se mão desta abordagem me-

todológica no intuito de comparar os gru-pos normativo (psicoterapeutas) e compa-rativo (depressivos) quanto aos tipos deprocessos inferenciais associados à comu-nicação psicoterápica e obtidos a partir daaplicação dos Modelos Lógico-Pragmáticospropostos pelas teorias já mencionadas. Fi-zeram-se análises comparativas, tanto esta-tísticas (quantitativas), quanto qualitativas.

As análises estatísticas buscaram inves-tigar possíveis diferenças com relação aquantidade de implicaturas geradas, aopasso que as análises qualitativas foram lan-çadas no intuito de compreender os moti-vos pelos quais as implicaturas foram pro-duzidas.

ParticipantesA pesquisa foi realizada com partici-

pantes adultos, de ambos os sexos, com ida-des entre 19 e 45, e nível de escolaridadeentre nível médio incompleto e nível supe-rior completo. A amostra foi distribuída emduas categorias: o grupo normativo e o gru-po de comparação.

O grupo normativo foi composto por5 psicoterapeutas cognitivo-comportamen-tais com prática clínica de, no mínimo, doisanos e de uma estagiária de psicologia clí-nica que estava no nono semestre do cursode Psicologia de uma universidade parti-cular do Rio Grande do Sul, e que tinhapelo menos seis meses de prática supervi-sionada em atendimentos psicoterápicosindividuais dentro da abordagem cogniti-vo-comportamental.

O grupo de comparação foi constituí-do por 6 pacientes adultos em início deatendimento psicoterápico de orientaçãocognitivo-comportamental, que apresenta-vam diagnósticos de Transtorno Depressi-vo Maior, obtido tanto pelo diagnóstico clí-nico do terapeuta pelos critérios do DSM-IV (APA, 1994), quanto pelo preenchimen-to de critérios para o transtorno pela BreveEntrevista Internacional de Neuropsiquia-tria Modificada (M.I.N.I.).

A amostra utilizada foi de 30 entrevis-tas clínicas transcritas de gravações realiza-das nos atendimentos psicoterápicos de 6diferentes díades terapêuticas. Foram gra-vadas cinco sessões semanais sucessivas depsicoterapia de cada díade. A primeira ses-são considerada para o trabalho foi a se-gunda, pois que, na primeira sessão, o pro-fissional de saúde mental realizava a tria-gem dos pacientes do grupo comparativoque se enquadravam no perfil determina-do pela pesquisa, bem como realizava ascombinações iniciais e ainda verificava o

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consentimento do paciente em participarda pesquisa. A escolha da amostra se deupor cotas.

InstrumentosEm relação ao instrumento de pesqui-

sa, este se constituiu na transcrição dasentrevistas de sessões psicoterápicas de pa-cientes com quadro de Depressão Maior,realizadas nos consultórios dos psicotera-peutas cognitivo-comportamentais e na clí-nica universitária na qual a estagiária dePsicologia Clínica conduzia os atendimen-tos. O uso destas entrevistas mostrou-seválido para a investigação dos problemasde pesquisa estipulados, através do estudopiloto anteriormente realizado.

Para a gravação das entrevistas, utili-zou-se gravadores portáteis e fitas cassetes.

A M.I.N.I. (Breve Entrevista Interna-cional de Neuropsiquiatria Modificada),utilizada no sentido de corroborar o diag-nóstico clínico dos terapeutas, constitui-seem uma entrevista breve, estruturada deacordo com os principais quadros psicopa-tológicos. Este instrumento leva aproxima-damente 15 a 20 minutos para ser aplicadoe seus algoritmos diagnósticos são consis-tentes com os algoritmos do DSM-IV e CID-10 A M.I.N.I. já foi traduzida para mais de20 idiomas, sendo que, para esta pesquisa,foi utilizada a versão em português.

ProcedimentosA coleta dos dados foi realizada atra-

vés da gravação das sessões semanais depsicoterapia cognitiva.

O primeiro passo consistiu em um con-tato com os psicoterapeutas cognitivo-com-portamentais e com a instituição de treina-mento em Psicologia Clínica Cognitiva paraverificar a possibilidade de colaboração napesquisa através da permissão em gravarcinco sessões semanais consecutivas comum mesmo paciente com Depressão Maior.

Na primeira sessão, que era aquela detriagem dos pacientes com sintomatologiadepressiva, além do diagnóstico clínico re-alizado pela observação da sintomatologiaprevista para o Transtorno Depressivo Maiorpelo DSM-IV, o psicoterapeuta aplicava

também a Entrevista M.I.N.I. até obter, ounão, o diagnóstico de Depressão Maior, nãose atendo, necessariamente, a possíveis co-morbidades que pudessem existir, tanto emtermo de Eixo I, quanto dos Eixos II e III.

Tendo a aceitação dos psicoterapeu-tas / instituições, repassou-se o Termo deConsentimento Livre Informado que foiapresentado ao paciente, onde este últimoconsentiu por escrito que suas sessões fos-sem gravadas e que o material gravado desua sessão fosse utilizado para pesquisa epublicação. Frisou-se, neste termo, o cará-ter totalmente anônimo dos dados, tantopara a pesquisa quanto para publicaçõesfuturas.

De posse de cada fita, fizeram-se astranscrições das mesmas. Houve aproxima-damente 23 horas de diálogos psicoterápi-cos gravados e transcritos. Transcrições fei-tas, efetuaram-se os cálculos lógico-prag-máticos propostos pelas teorias lingüísticasutilizadas em cada uma das 5 entrevistasde cada um dos seis blocos de entrevistas.

O cálculo lógico completo, conformeo Modelo das Implicaturas Ampliado, deCosta (1984), foi realizado em um dos blo-cos. Este bloco de entrevistas é o que foiutilizado para ser o caso ilustrativo do po-der da aplicação deste Modelo lógico-prag-mático ao entendimento dos diálogos emTCC. Nos demais 5 blocos (totalizando 25entrevistas), utilizou-se uma forma reduzi-da do Modelo Ampliado, o qual mantinhaos princípios do Modelo de Costa (1984),determinando para cada enunciado dosterapeutas e dos pacientes o tipo da cate-goria da implicatura que pudesse estaracontecendo, bem como a interpretação doimplícito (implicado) pela implicatura ge-rada e os contextos presentes para geraçãode tais implicaturas.

A primeira entrevista, já analisada, decada uma das 6 díades terapêuticas foi sub-metida a avaliação de duas juizas doutorasem lingüística. Esta avaliação teve o intuitode verificar a coerência/precisão dos cálcu-los lógicos realizados nas entrevistas. Am-bos os pareceres das juízas indicaram a co-erência e precisão dos cálculos lógico-prag-máticos realizados.

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Resultados

A partir da transcrição de todas as fa-las presentes em cada uma das entrevistascom pacientes depressivos previstas no pro-jeto, o levantamento dos dados centrou-senos enunciados constantes de cada um dosseis blocos de cinco entrevistas, contendoas falas de pacientes e terapeutas. Estes blo-cos, após serem processados pela metodo-logia proposta pelo Modelo Ampliado deCosta (1984), geraram todo um sistema deinterpretação de cada enunciado de cadauma das entrevistas, a partir da categoriza-ção do tipo de implicatura conversacionale convencional possível de estar ocorren-do, categorização esta realizada com basenos contextos produzidos no decorrer dosdiálogos psicoterápicos.

Tratamento e análise dos dadosOs tratamentos e as análises dos da-

dos desta pesquisa são apresentados emconformidade com a seqüência das etapasconstituintes do Método, ou seja:

a) Aplicação de Modelo Lógico-For-mal à comunicação psicoterapêutica, veri-ficando a adequação da aplicação destemodelo ao entendimento dos processos in-ferenciais que ocorrem na comunicação empsicoterapia cognitivo-comportamental.

b) Estudo de Caso Qualitativo, maisespecificamente, uma Análise de Situação.Tal análise foi realizada no caso do primei-ro bloco de entrevistas, a qual possui todoo formalismo dos cálculos lógicos, propos-tos pelas teorias de Grice (1975), de Costa(1984) e de Sperber e Wilson (1986 e 1995).

c) Pesquisa Comparativa, onde com-parou-se os grupos normativo (psicotera-peutas) e comparativo (depressivos) quan-to aos tipos de processos inferenciais asso-ciados ao processo de comunicação psico-terápica e obtidos a partir da aplicação dosModelos Lógico-pragmáticos.

Aplicação de modelo lógico-formal / Estudo decaso qualitativo

Optou-se por agrupar os resultadosprovenientes das metodologias de estudode caso e aplicação de modelo lógico-for-mal na medida em que estas oferecem in-

formações complementares, que podem,portanto, serem sintetizadas.

Realizou-se, inicialmente, a análisequalitativa dos dados provenientes do blo-co de entrevistas do paciente Y. Concomi-tantemente, efetuou-se a busca de consis-tência e coerência interna do conjunto dascategorizações e definições de implicatu-ras conversacionais geradas nos diálogospsicoterápicos dos demais cinco outros blo-cos de entrevistas das demais díades tera-pêuticas. Com isto, teve-se o intento de seconcluir a viabilidade e validade da aplica-ção dos Modelos lingüísticos em questãoao universo psicoterápico.

Esta análise qualitativa também obje-tivou verificar a possibilidade de acessa-mento do mundo das crenças e a existên-cia de padrões característicos nos proces-sos inferenciais de cada um dos componen-tes da díade terapêutica.

Para favorecer o entendimento do pro-cesso de análise qualitativa dos dados, quepermitiram concluir-se que a aplicação dosmodelos lingüísticos aqui utilizados são viá-veis e válidos para o entendimento dos pro-cessos comunicacionais em TCC, é apresen-tado a seqüência inicial de enunciados daentrevista do caso com todo o cálculo lógicoa fim de viabilizar a compreensão do leitorda dinâmica pragmática da comunicaçãoem TCC, bem como da estrutura do cálcu-lo do Modelo de Costa (1984), na prática.

Legenda: T: Terapeuta; P: Paciente; E:Enunciado; C: Contexto; I: Implicatura

ET1: Y, você me falou na sessão an-terior que estava sentindo inútil e semprazer em praticamente todas as coisasque antes gostava de fazer. Me disse tam-bém que estava disposto a abandonar teuMestrado, tuas aulas na Faculdade e, in-clusive, tua noiva. Correto?

C1: T e P sabem que estão num pro-cesso psicoterápico.

C2: T e P sabem que em psicoterapiaT deve abordar, prioritariamente, as difi-culdades de P, de modo de este último pos-sa superá-las.

C3: T e P sabem que os assuntos con-versados em sessão anterior (1a sessão) se-

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rão retomados e/ou reconsiderados, já quesão as queixas de P.

TI1: Estou lembrado do que conver-samos na sessão anterior, e devemos reto-mar daquele ponto nossa conversa.

(1) T disse ET1(2) T fez toda uma retomada das quei-

xas de P na primeira sessão, sendo bastan-te meticuloso (Implicatura ConversacionalStandard)

(3) T, ainda assim está cooperando(4) T supõe que P contextualize: C1,

C2 e C3(5) T só estará sendo relevante se quer

que P pense TI1(6) T não faz nada para impedir que P

pense TI1(7) T disse E1 e implicou TI1EP1: Isto mesmo.C4 (gerado pela implicatura TI1): T e

P sabem que a conversa deve versar sobre aanedonia, e a possibilidade de P largar omestrado e a noiva.

PI1: Estou com pouca disposição parafalar ou não acho o assunto relevante.

(1) P disse EP1(2) P falou muito pouco sobre o assun-

to referido por T, (implicatura conversaci-onal particularizada por quebra da máxi-ma de quantidade por falta de informação)

(3) P, ainda assim deve estar cooperando(4) P sabe que T sabe: C1, C2, C3, C4(5) P só estará sendo relevante se quer

que T pense PI1(6) P nada faz para impedir que T pen-

se PI1(7) P disse EP1 e implicou PI1ET2: Falou também que queria vol-

tar para o interior onde teus pais moram.Como é que tu achas que esta decisão farátu te sentir melhor?

C5: T e P sabem que outro assunto aser conversado é a idéia de P de voltar parao interior.

C6 (gerado pela implicatura PI1): T eP sabem que P tem dificuldade de falar so-bre sua anedonia.

C7 (gerado pela implicatura PI1): T eP sabem que P tem dificuldade de falar so-bre sua vontade de largar o mestrado.

C8 (gerado pela implicatura PI1): T e

P sabem que P tem dificuldade de falar so-bre sua vontade de largar a noiva.

TI2 É realmente importante retomara conversa da sessão passada e retomar osassunto que você têm dificuldade.

(1) T disse ET2(2) T abordou mais uma vez o conteú-

do visto na 1a sessão, e que já havia sidofalado em ET1(implicatura conversacionalparticularizada por quebra da máxima daquantidade por excesso de informação)

(3) T ainda assim deve estar cooperando(4) T sabe que P conhece que: C1, C2,

C4, C5, C6, C7, C8(5) T só pode estar sendo relevante se

quer que P pense TI3(6) T nada fez para impedir que P pen-

se TI2(7) T disse ET2 e implicou TI2EP2: Sei eu. Sei é que do jeito que

está não estou mais agüentando. Agora,para piorar, nesta semana comecei a ar-rancar os cabelos. Pode? Devo estar fi-cando realmente louco.

C9: P supõe que arrancar os cabelosnão é comportamento usual.

C10: Ambos sabem que P está arran-cando os cabelos.

PI2a: Não consigo entender o meucomportamento de arrancar os cabelos, nãoacho outra explicação a não ser estar fican-do louco.

PI2b: Estou preocupado com a gravi-dade do meu caso e quero falar sobre o fatode eu estar arrancando meus cabelos e nãoretornar aos assuntos da 1a sessão.

(1) P disse EP2(2) P falou menos que o esperado já que

compreendeu a implicatura TI2, mudandoo rumo da conversa (implicatura conversa-cional particularizada por quebra da máxi-ma de quantidade por falta de informação epor quebra da máxima de adequação)

(3) P ainda assim deve estar cooperando(4) P sabe que T conhece que: C1, C2,

C6, C7, C8, C9, C10(5) P só pode estar sendo relevante se

quer que T pense PI2(6) P nada fez para impedir que T pen-

se PI2(8) P disse EP2 e implicou PI2

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ET3: Calma Y. Me fale melhor sobreisto de arrancar os cabelos.

C11 (gerado pela implicatura PI2b):T sabe que P associa o fato de estar arran-cando os cabelos com a loucura.

C12 (gerado pela implicatura P12a):T sabe que P tem dificuldade de falar sobresua vontade de voltar para o interior.

TI3: Entendi que você está preocupa-do com o fato de estar arrancando os seuscabelos. Vamos investigar melhor este as-sunto antes de se chegar a uma conclusãotão exagerada.

(1) T disse ET3(2) T solicitou mais informações sobre

o assunto que preocupava o paciente (im-plicatura conversacional standard)

(3) T ainda assim deve estar cooperando(4) T sabe que P conhece que: C1, C2,

C6, C7,C8, C9, C10, C11, C12(5) T só pode estar sendo relevante se

quer que P pense TI3(6) T nada fez para impedir que P pen-

se TI3(7) T disse ET3 e implicou TI3EP3: É. Quando vejo estou arrancan-

do os cabelos.PI3: Não sei exatamente o que falar a

respeito que possa ser de relevância.(1) P disse EP3(2) P falou menos do que o solicitado

em ET3 (implicatura conversacional parti-cularizada por quebra da máxima de quan-tidade por falta de informação)

(3) P ainda assim deve estar cooperando(4) P sabe que T conhece que: C1, C2,

C9, C10, C11(5) P só pode estar sendo relevante se

quer que T pense PI3(6) P nada fez para impedir que T pen-

se PI3(7) P disse EP3 e implicou PI3ET4: Em grande quantidade, sem

parar, ou só alguns fios? Quando te dásconta, consegue parar?

C13 (gerado pela implicatura PI3): Tsabe que P não sabe o que é relevante deser falado sobre arrancar cabelos.

TI4a: Existem várias formas de ocor-rência do comportamento de arrancar oscabelos e gostaria de saber qual é o seu caso.

TI4b: O diagnóstico apropriado é im-portante

(1) T disse ET4(2) T especifica o tipo de informações

que ele deseja e que não ficaram claras emEP3, implicando a possibilidade de váriasformas do comportamento de arrancar ca-belos, através da implicatura convencionalpelo uso do conetivo “ou”.

(3) T ainda assim deve estar cooperando(4) T sabe que P conhece que: C1, C2,

C9, C10, C11, C12(5) T só pode estar sendo relevante se

quer que P pense TI4(6) T nada fez para impedir que P pen-

se TI4(7) T disse ET4 e implicou TI4

Análise de fragmentos: Nos enuncia-dos ET1 a ET3, pode-se perceber como odesenvolvimento da conversação vai fazen-do com que o conhecimento da díade tera-pêutica aumente, na medida que, cogniti-vamente, vão compartilhando contextosnovos. Isto aparece no aumento sistemáti-co do conhecimento mútuo, representadono passo (4) do cálculo. Também se podeobservar que muito dos contextos utiliza-dos nos processos dedutivos conversacio-nais são completamente implícitos, ao se-rem captados através das implicaturas. Nes-tes fragmentos considerados, o terapeutamodifica o rumo da conversação ao perce-ber a preocupação do paciente com o fatode estar arrancando os cabelos.

Pela ilustração representada por estaseqüência da entrevista do paciente Y.,pode-se elencar os critérios que regular-mente foram identificados, tanto nesta ses-são, como em todas as outras de todos osblocos de sessões analisadas nesta pesqui-sa, e que permitiram inferir que a aplica-ção dos modelos lingüísticos, já citados, éviável e válida para o entendimento dosprocessos comunicacionais em nível deTCC. São eles:

Em primeiro lugar, é proporcionadauma sistemática da interpretação. Como oModelo Ampliado (Costa, 1984) ofereceuma seqüência de passos lógicos encadea-dos, a dedução dos conteúdos das inter-

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pretações desenvolvidas na cognição dadupla terapêutica, tornava-se muito maisacessíveis à inferência probabilística.

Um aumento do nível explicativo tam-bém é observado. O nível de explicação al-cançado durante as análises dos enuncia-dos das entrevistas psicoterápicas, no quediz respeito às crenças e regras, bem comoaos processamentos da informação efetu-ados na mente de paciente e terapeuta, foisignificativo, ou seja, as pressuposições deonde decorrem as inferências tornaram-se mais claras. Tanto, que, ao levar a caboas interpretações pragmáticas dos enun-ciados, o tempo de prática já fazia com quese conseguisse predizer muito da forma edo conteúdo do que a amostra depressivae a amostra normativa iria dizer e/ou esta-ria pensando.

Em terceiro lugar, a aplicação dos mo-delos propicia um aumento do nível des-critivo. O cálculo lógico proposto pelo Mo-delo Griceniano (Grice, 1975), com a evo-lutiva inserção do Princípio da Relevância(Sperber & Wilson, 1986, 1995) encontra-da no Modelo Ampliado de Costa (1984),impõe que a descrição dos contextos sejafeita sempre, para que se possa inferir asintenções comunicativas dos interlocutores.Sendo assim, o pesquisador que utiliza es-tes modelos para suas análises, vê-se obri-gado a protocolar todos as pressuposiçõesque poderiam ficar implícitas no ato de ra-ciocinar.

Por fim, há uma compreensão domodo como há o aumento do conhecimen-to entre a díade (formação dos contextos).Ao analisar a quantidade de contextos ge-rados ao longo de cada bloco de cinco en-trevistas das seis díades terapêuticas, obser-va-se que na medida em que o processopsicoterápico avança, há um aumento donúmero de contextos utilizados por amboscomponentes da dupla para uma captaçãodos conteúdos implícitos. Isto leva à com-preensão da forma como o conhecimentoavança nas relações dialógicas. Ela evoluina medida que, pelos processos inferenci-ais não-triviais e não-demonstrativos, osseres humanos vão acrescendo a seus ban-

cos de memória o conteúdo das deduçõesadvindas do que não é dito, mas sim, im-plicado na comunicação.

Estes critérios ilustram como a aplica-ção dos modelos lingüísticos da Pragmáti-ca à psicoterapia gera uma forma de com-preender as falas dos pacientes em TCCsem se recorrer a entendimentos teóricosfundamentalmente abdutivos.

Esta constatação vai ao encontro dasprincipais teorias cognitivas quanto aofuncionamento do raciocínio humano(Sternberg, 1996, 2000), que afirmam quesão os raciocínios do tipo dedutivo aque-les mais típicos em nossa espécie. Poroutro lado, os dados permitem a verifica-ção de que a questão de maior priorida-de no funcionamento mental é o Princí-pio da Relevância, onde se busca o maiorganho cognitivo com o menor custo. As-sim sendo, entende-se porque muitas dasverbalizações dos pacientes, se analisadassob um prisma meramente semântico,pouco ou nada comunicam. A compre-ensão passa, obrigatoriamente, por umprocesso de comunicação ostensivo-infe-rencial (Sperber & Wilson, 1995) onde aformação e a captação dos contextos psi-cológicos (cognitivos) mútuos é peça es-sencial.

Análises comparativasComplementando as análises qualita-

tivas, implementou-se uma série de trata-mentos estatísticos aos dados levantados. Oprimeiro passo para as análises estatísticasconsistiu no levantamento da freqüência decada uma das categorias e subcategorias deimplicaturas, tanto dos depressivos quantodos terapeutas, para cada uma das cincoentrevistas componentes de cada díade te-rapêutica. Posteriormente efetuou-se o le-vantamento das médias das tipologias deimplicaturas ocorridas por bloco de entre-vistas. Em seguida, realizou-se a compara-ção destas variáveis entre os dois grupos (pa-cientes e terapeutas). Para este tratamentoestatístico utilizou-se o teste não-paramétri-co de Wilcoxon para duas amostras relacio-nadas. Com isto, pode-se perceber em quais

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Aletheia 22, jul./dez. 2005 35

tipos de implicaturas os dois grupos se dife-renciavam significativamente.

As análises quantitativas foram com-preendidas em termos qualitativos, ou seja,buscou-se uma compreensão das razõespelas quais houve diferenças entre pacien-

tes e terapeutas, ou seja, objetivou enten-der os motivos que levaram um grupo agerar uma maior quantidade de determi-nadas implicaturas específicas.

As diferenças significativas entre osgrupos aparecem na tabela 1.

Depressivos Normativos ComparaçõesVariáveis Média D.P. Média D.P. Z p Int.

Total de Enunciados 102,17 15,21 102,50 15,53 0,324 0,746 N.S.

Total de Implicaturas 92,17 15,59 80,50 25,46 1,156 0,248 N.S.

Implicaturas Convencionais 10,33 3,61 10,83 9,04 0,210 0,833 N.S.

Implicaturas Conversacionais 81,83 13,80 69,67 20,01 1,577 0,115 N.S.

Implicaturas Conversacionais Generalizadas

00 00 00 00 00 1,000 N.S.

Implicaturas Conversacionais Particularizadas

81,83 13,80 69,67 20,01 1,577 0,115 N.S.

Implicaturas Particularizadas Standard

5,00 4,34 12,83 9,26 2,201 0,028 S.

Implicaturas Particularizadas por Quebra

76,83 11,79 56,83 19,87 1,782 0,075 N.S*.

Tabela 1- Médias, Desvios-padrões e Comparações entre Depressivos e Normativos Quanto aos Números de Enuncia-dos e as Categorias de Implicaturas

Na tabela 1, pode-se observar umaquantidade expressiva de implicaturas emrelação ao número de enunciados. Se tan-tas implicaturas são geradas, sua interpre-tação, ou seja, a interpretação do implícitoda comunicação, é essencial para se com-preender as intenções comunicativas dossujeitos dos diálogos psicoterapêuticos, so-lidificando a validade de se utilizar os mo-delos lingüísticos pragmáticos na compre-ensão da comunicação psicoterápica.

Pela análise da Tabela 1, observa-seuma significativa diferença no uso de im-

Legenda: S = Significativo (p<0,05); N.S*: Não Significativo, mas indicando tendência de resultados (p<0,10); N.S.= Não Significativo (p>0,05); M.S. = Muito Significativo (p<0,01)

plicaturas conversacionais (em muito mai-or escala) em comparação com o uso deimplicaturas convencionais, tanto pelospacientes quanto pelos terapeutas. Tam-bém fica evidente uma maior utilização deimplicaturas particularizadas standard pelogrupo normativo. Análises subsequentes decunho qualitativo indicaram que esta dife-rença deu-se em função de os terapeutascognitivos procurarem comunicar-se damaneira mais clara possível, não violando,desta forma, as máximas de conversação.

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Pela leitura da Tabela 2, vê-se o usomaciço, por parte dos depressivos, da im-plicatura conversacional particularizadapor quebra da máxima de quantidade porfalta de informação. A utilização em maiorgrau de tal tipologia de implicatura naamostra de participantes depressivos usu-almente mostrou-se associada com umadificuldade deste grupo para abordar suasproblemáticas. Assim, pela violação da má-xima de quantidade por falta de informa-ção, os pacientes transmitiam aos seus te-rapeutas suas idéias acerca de desmotiva-ção e/ou incapacidade para tratar efetiva-mente de suas dificuldades.

O grupo de depressivos igualmenteevidenciou uma maior produção de impli-caturas pela quebra da máxima de modopor obscuridade, as quais usualmente es-tavam relacionadas a uma dificuldade emabordar de forma clara e objetiva os assun-tos levantados pelos terapeutas.

Também foi percebida a maior utiliza-ção das implicaturas por violação da máxi-ma de qualidade por parte dos psicotera-peutas, o que parece ter ocorrido em fun-ção de algumas características das TCC´s.

Quando um terapeuta cognitivo trata decasos de depressão, evita oferecer respostasprontas aos seus pacientes, uma vez queisso pode não ajudar no esperado desen-volvimento das habilidades de resolução deproblemas. Os pacientes, por sua vez, soli-citam tais respostas, levando os terapeutasa violarem as máximas de qualidade paraimplicar que o processo de busca por estasrespostas deve se dar conjuntamente, e nãounilateralmente.

Conclusões

A principal questão respondida a par-tir dos dados foi que é possível fazer umaanálise descritivo-explanatória dos proces-sos inferenciais que ocorrem na comunica-ção em Psicoterapia Cognitivo-Comporta-mental. Tal afirmação se sustenta nas aná-lises qualitativas das falas dos pacientes epsicoterapeutas, após a aplicação do Cál-culo proposto pelo Modelo Ampliado deCosta (1984) aos 6 casos utilizados.

A aplicabilidade das teorias lingüísticasda pragmática explicita que a interpretação

Depressivos Normativos Comparações

Variáveis Média

D.P. Média D.P. Z P Int.

Quebra da Máxima de Quantidade por Excesso de Informação

Quebra da Máxima de Quantidade por Falta de Informação

10,00

37,00

4,86

11,61

10,83

7,00

3,31

1,90

0,734

2,201

0,463

0,028

N.S.

S.

Quebra da Máxima de Qualidade 1,50 1,05 19,17 8,16 2,201 0,028 S.

Quebra da Máxima de Adequação 13,67 6,38 13,00 4,60 0,632 0,527 N.S.

Quebra da Máxima de Modo por Obscuridade

11,00 1,79 4,00 4,47 1,992 0,046 S.

Quebra da Máxima de Modo por Ambigüidade

2,17 1,17 0,83 0,75 1,841 0,066 N.S*.

Quebra da Máxima de Modo por Prolixidade

1,33 1,37 2,00 4,43 0,137 0,891 N.S.

Quebra da Máxima de Modo por Ordem

00 00 00 00 000 1,000 N.S.

Tabela 2 – Médias, desvio-padrões e comparações entre depressivos e normativos quanto às tipologias de implicaturasconversacionais particularizadas pela violação de máximas

Legenda: S = Significativo (p<0,05); N.S*: Não Significativo, mas indicando tendência de resultados (p<0,10); N.S.= Não Significativo (p>0,05); M.S. = Muito Significativo (p<0,01)

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dos enunciados em TCC ocorre por proces-sos de insights abdutivos, uma espécie deadivinhação por dedução. Entretanto, taisinsights podem ser sistematizados e checa-dos pela utilização dos cálculos lógicos-prag-máticos. Portanto, as teorias pragmáticas, emespecial a concepção do Princípio da Rele-vância da Teoria da Relevância e o conceitode implicatura de Grice (1975), tem o pro-pósito de sistematizar as abduções (teoriza-ções) que terapeuta e paciente constroemdurante as sessões de psicoterapia.

Além disso, o número significativo deimplicaturas conversacionais em relação aonúmero de enunciados, solidificam a im-portância de se utilizar os modelos lingüís-ticos pragmáticos na compreensão da co-municação psicoterápica. Se tantas impli-caturas são geradas, sua interpretação, ouseja, a interpretação do implícito da comu-nicação, é essencial para se compreenderas intenções comunicativas dos sujeitos dosdiálogos psicoterapêuticos.

Outro objetivo desta pesquisa foi veri-ficar a possibilidade de se gerar novos axi-omas para ampliar, desta forma, o modeloaxiomatizado da depressão proposto peloprimeiro autor (Wainer, 1997). Obteve-sealguns dados sobre o funcionamento co-municacional de pacientes com Transtor-no Depressivo Maior quanto às caracterís-ticas e forma de seus processos comunica-cionais e de seus processos inferenciaisquando no processo de psicoterapia.

Os dados indicaram que os pacientescom Transtorno Depressivo Maior utilizamsistematicamente e, de maneira significati-vamente diferente dos indivíduos do gru-po normativo, implicaturas conversacionaispor quebra da máxima de quantidade porfalta de informação. Tendem a gerar estetipo de implicatura a fim de comunicar suasdificuldades e/ou aversões em abordar al-guns assuntos.

Os tratamentos estatísticos realizadosa fim de investigar se o formato comunica-cional de informar menos do que é reque-rido, modificava-se ao longo das cinco ses-sões, não geraram dados significativos.Acredita-se, contudo, que, com a remissão

do quadro psicopatológico pelo efeito dapsicoterapia, a forma comunicacional pos-sa vir a ser modificada, assemelhando-semais ao formato do grupo normativo.

Quanto ao padrão comunicacional dospsicoterapeutas cognitivos, constatou-seum número elevado de violações da máxi-ma de quantidade por excesso de informa-ção. Nas sessões iniciais de TCC, preconi-za-se que o terapeuta ensine o paciente arespeito do modelo cognitivo de psicotera-pia, do modelo cognitivo da psicopatolo-gia do paciente e da própria dinâmica me-todológica do tratamento e das sessões.Sendo assim, o terapeuta acaba atuandocomo professor no início do processo psi-coterapêutico, tendendo, portanto, a falarem demasia. Quanto ao uso dos terapeutasde implicaturas por violação da máxima dequalidade, esta segue estável ao longo dascinco sessões. Interpreta-se tal ocorrência,ao fato de muitas vezes o terapeuta utilizardesta forma pragmática de comunicaçãopara informar o paciente sobre as interpre-tações que ele faz do caso, com base no seubanco teórico (teoria cognitiva).

Através da aplicação de Teorias daPragmática, e em especial do Modelo Am-pliado (Costa, 1984) à interpretação dosenunciados de sessões psicoterápicas, com-provou-se a viabilidade e grande valor detal prática. O valor encontra-se nos maisdiversos níveis da Teoria do Conhecimen-to, conforme será discutido pormenoriza-damente a seguir.

No âmbito da Filosofia da Ciência, aintegração de diferentes saberes através deuma linguagem lógica, crê-se inviabilizar ou,pelo menos, dificultar, a imposição de ver-dades pelo uso da retórica ou mesmo dia-lética.

Epistemologicamente, a proposta as-sume uma posição Realista, dentro das con-cepções Bachelardianas. Assim sendo, aobuscar o “Real”, como uma construção de-pendente de uma tensão ideal entre a ima-ginação (heurística do cientista) e o empí-rico – para que este saber não se constituanum mero devaneio – o uso da lógica comoferramenta central é básico. A validação do

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Real se dá pela capacidade do Modelo Teo-rético criado de descrever, explicar e predi-zer os fenômenos da empiria. Foi justamen-te este o principal avanço representado pelaaplicação de Teorias Lingüísticas da Prag-mática ao campo da psicoterapia.

Teoricamente, as principais conclusõesalcançadas pela pesquisa foram da amplia-ção da área de validade dos axiomas dasTeoria das Implicaturas (Grice, 1975), doModelo Ampliado (Costa, 1984) e da Teo-ria da Relevância (Sperber & Wilson, 1986,1995), ao ser compatível com o universodas TCCs, bem como da necessidade de sepensar, tanto as teorias da Pragmática,quanto às TCCs, a partir de um enfoquemental-cerebral. Isto porque as teorias apli-cadas no presente trabalho, consideramtambém a exigência de compatibilidade dosprocessos inferenciais e comunicacionaiscom os substratos orgânico-psíquicos ine-rentes ao processamento de informação dosseres humanos. Além disso, há a geraçãode uma prática clínica mais fundamenta-da, seja pela busca incessante de validaçõesempíricas, seja pela coerência interna im-posta pela estrutura dos cálculos lógicosutilizados para a compreensão das inten-ções comunicativas do que paciente e tera-peuta querem informar.

Em termos metodológicos, os resulta-dos da pesquisa permitem afirmar que, aoestudar os processos inferenciais envolvi-dos no processo de comunicação psicote-rápica em TCC, pela Pragmática, tem-seganhos importantes. Estes ganhos dizemrespeito a geração de uma prática psicote-rápica mais robusta, no sentido de que opróprio processo de interpretação dosenunciados não pode derivar de um adivi-nhação ou da utilização de proposições ab-dutivas, típica de diversas teorias psicoló-gicas que, absolutamente, não se compro-metem com os pressupostos Popperianos.O modelo do cálculo é de lógica não-trivi-al, ou seja, é semelhante ao dedutivo, masnão está a serviço de uma demonstração,servindo, então, para corroborar (ou false-ar) as hipóteses sobre os implícitos (impli-caturas).

Em nível prático, várias são as conclu-sões e contribuições que se deslumbram apartir deste estudo. A primeira conclusão éque se pode fazer a geração do significadonão mais pelo semântico, mas sobretudo, pelopragmático, ou seja, na dependência da cap-tação mental dos contextos gerados na co-municação dialógica. Impõe-se ao terapeu-ta, portanto, o primado do lógico-dedutivoe não do abdutivo. A segunda conclusãoprática é relacionada a uma nova maneirade entender a neutralidade do psicoterapeu-ta. Esta neutralidade seria gerada pelo dis-tanciamento do profissional no momento darealização da metanálise do cálculo. Assim,a aplicação dos cálculos pragmáticos dasTeorias Lingüísticas a determinação do sig-nificado dos enunciados de sessões psicote-rápicas de TCCs, pode contribuir numanova metodologia, mais sistemática e menosintuitiva de supervisão clínica.

Quando o psicoterapeuta analisa omaterial das sessões, coloca-se numa posi-ção eqüidistante dele mesmo e do pacien-te. Quando ele infere algo sobre o paciente,ele (terapeuta) deve ter condições de des-crever e explicar seu raciocínio sobre o pa-ciente de maneira mais objetiva. Pode, tam-bém, descrever o raciocínio utilizado porseu paciente durante o processo psicoterá-pico, fornecendo valiosas contribuiçõespara a conceitualização do caso. É isso queos modelos pragmáticos oferecem ao cam-po da psicoterapia.

Concluiu-se, por fim, que a Psicotera-pia pode ser entendida como o mando dosignificado, gerado pragmaticamente.

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40 Aletheia 22, jul./dez. 2005

Recebido em junho de 2005Aceito em setembro de 2005

Autores: Ricardo Wainer – Doutor em Psicolo-gia pela PUCRS; Professor da Faculdade de Psi-cologia da PUCRS.; Jorge Castellá Sarriera –Doutor em Psicologia pela UAM (Espanha); Pro-fessor do Pós-Graduação em Psicologia da Facul-dade de Psicologia da PUCRS; Neri MaurícioPiccoloto – Médico Psiquiatra; Professor do Cur-so de Psicologia da ULBRA/Torres – RS; Profes-sor do Curso de Pós-Graduação em Psicoterapia

Cognitiva da UNISINOS; Luciane BenvegnuPiccoloto – Psicóloga; Especialista em Psicologiahospitalar pela ULBRA; Mestre em Psicologiaclínica pela PUCRS; Giovanni Kuckartz Pergher– Mestre em Psicologia Social e da Personalidadepela PUCRS; Márcio Englert Barbosa – Gradu-ando em Psicologia pela PUCRS; Vinícius Gui-marães Dornelles – Graduando em Psicologiapela PUCRS.

Endereço para correspondência:E-mail: [email protected]

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Aletheia 22, jul./dez. 2005 41

Aletheia, n.22, p. 41-50, jul./dez. 2005

Inclusão: pontos cegos de um discurso pedagógico

Sueli Souza dos Santos

Resumo. Esta pesquisa discute efeitos de sentidos produzidos em uma classe de criançascegas e deficientes visuais, e a educação inclusiva como formadora da subjetividade dessesalunos. Com base teórica em Freud (1976), Lacan (1964) e Nasio (1995), entre outrosautores, fundamenta-se o modo como vão se construindo as representações mentais decor-rentes de formações do inconsciente, tanto de crianças cegas como em videntes. Apontapara as questões da linguagem e do discurso, fundamentados na análise de discurso (AD),desenvolvida por Pêcheux (1997) e Authier-Revuz (1998), trabalhando os conceitos deheterogeneidade discursiva que compõe o complexo campo das questões de identidade,singularidade e subjetividade. A análise utiliza seqüências discursivas produzidas por alu-nos deficientes visuais. As conclusões revelam alguns pontos cegos no processo inclusivodessas crianças, o que nos leva a questionar o discurso pedagógico e sua contribuição paraa inclusão na constituição da subjetividade dessas crianças.Palavras-chave: discurso, inclusão, inconsciente.

Inclusion: blind points of a pedagogical discourse

Abstract. This research discusses sense effects produced in a classroom of blind and visu-ally deficient children, and the inclusive education forming the subjectivity of these stu-dents. Based on Freud (1976), Lacan (1964) and Nasio (1995), among other authors,evidences are given to explain how are built mental representations deriving from uncons-cious formations of blind as well as of not blind children. Points to language and discour-se questions based on the discourse analysis (DA), developed by Pêcheux (1997) andAuthier-Revuz (1998), working the concepts of discoursive heterogeneity that composesthe complex field of the identity, singularity and subjectivity. The analysis takes discoursi-ve sequences produced by students visually deficient. The conclusions show some blindpoints of the inclusive process of these children, making us question the pedagogicaldiscourse and its contribution to the inclusion in the constitution of the subjectivity ofthese children.Key words: discourse, inclusion, unconscious.

Introdução

O presente trabalho tem por objetivoevidenciar como ocorre a inclusão de cri-anças cegas e deficientes visuais na escolaregular, tendo em vista o atravessamento dodiscurso pedagógico de professores viden-tes, que por sua condição de professores,são um elemento referencial para a consti-tuição da subjetividade dessas crianças.

Inicialmente, é preciso considerar que,

do ponto de vista da psicanálise, a introdu-ção do sujeito, numa realidade qualquer, nãopode ser pensada a partir da experiênciadireta com qualquer objeto. Considera-secomo fundamental o fato de que existe o sig-nificante; assim a fala é essencial como me-diação para a compreensão da realidade.

Nesse sentido, segundo Freud (1920/76), entendemos que antes mesmo que aaprendizagem da linguagem seja elabora-da, tanto do ponto de vista motor como

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auditivo, ou seja, antes mesmo que com-preenda as palavras, já existe a simboliza-ção, que é estabelecida na díade mãe/bebê,como um objeto. A criança, em sua relaçãoprimordial, já está considerando a mãe en-quanto objeto, introduzida no processo desimbolização, porque este objeto maternoestá imerso no mundo do significante. Aprecocidade desse processo aponta para ofato que, ao começar a emitir dois fonemas,para a criança, estes fonemas já são vocá-bulos. Nessa interação mãe / bebê, o que éemitido pela mãe ao seu bebê, estabelecevirtualmente uma combinatória propícia àorganização significante.

Quando Lacan (1973) afirma que oinconsciente é estruturado como uma lingua-gem (p.23), aponta para essa experiência queinaugura as marcas pulsionais, arcaicas,determinantes constitutivas do que vai,enquanto significante, estar presente navida do sujeito. Antes de qualquer dedu-ção individual, antes de qualquer necessi-dade social, algo se inscreve como experi-ência coletiva, como marcando linhas deforça iniciais no psiquismo.

Essas linhas de forças iniciais, podemospensar, prendem-se à natureza que fornecesignificantes, os quais inauguram a relaçãohumana, lhe dando estrutura. Essas marcassão como cicatriz do inconsciente, ou seja,uma marca de que algo aí se inscreveu e quejamais será reencontrado, desvelado como,quando e quem o inscreveu.

Exatamente, essa cicatriz é que darácondição de instalação da linguagem, natentativa de buscar dar sentido, criar repre-sentações que dêem conta da inscrição dosujeito na cultura. É aí que se funda o in-consciente , nessa hiância, nesse espaço,nessa falha, no tropeço onde o que se reve-la é aquilo que triunfa enquanto recalcado,aquilo que não se pode dizer diretamente,que não encontra a palavra definitiva quedê um único sentido.

O que a teoria Freudiana vai nos ensi-nar, relativo ao inconsciente, é que os pen-samentos inconscientes, se revelam comoaquilo que se mostra em ausência, comonos sonhos. Para esse autor, o inconsciente

é esse lugar que ele chama do eu penso, ondeo sujeito do inconsciente se revela, ou seja,penso onde não sou, opondo-se definitiva-mente à certeza cartesiana.

A pulsão escópica

Para compreensão da estruturação dopsiquismo na psicanálise, torna-se neces-sário considerar que o conceito de pulsão éfundante do aparelho psíquico, aquilo quemarca esse eu penso onde não sou, isso quenão posso nomear, mas que insiste em apon-tar que algo busca sentido. A pulsão, pornão ter um objeto próprio de satisfação, umlugar topológico determinado, caracteriza-se por pura intensidade que pode estar li-gada ou desligada das representações. An-tes de haver qualquer representação, e apartir da primeira experiência de satisfa-ção da necessidade, está a pulsão. Para nos-so estudo, a pulsão escópica, ou seja, a pul-são do olhar, é de fundamental importân-cia para entendermos como as representa-ções de coisa e de palavras se instalam, tan-to em crianças cegas como videntes, semqualquer distinção das possibilidades deenxergar os objetos da realidade.

Ver não é olhar, nos afirma Nasio(1995), apontando para a diferença entre oato perceptivo de fitar que envolve o movi-mento ativo e o ato de olhar, carregado detensão, e implica em satisfação no próprioato. Uso aqui ato no sentido grego do ter-mo, ou seja, de ruptura, descontinuidade,onde o olhar se perde da visão consciente,onde o pulsional é o motor e mantém a ten-são do olhar. Este olhar está determinadopelo imaginário, pela fantasia, pois o quevemos são imagens, não a coisa em si. Oque vemos está marcado pelo pulsionalapreendido pela fascinação do objeto.

O que vemos está marcado, imaginaria-mente produzido pelo eu, e não pelo olhoenquanto órgão do sentido. Dizemos, então,que quem opera é o eu, ou seja, quem enxer-ga é o eu (moi) do imaginário que dá atribui-ções ao objeto. Ver é uma operação do euimaginário em relação à coisa que está fora.

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Pensando sobre o olhar, o processo é ocontrário, pois o olhar é despertado, sinali-zado fora de nós como uma intensa luz quese mostra e nos ofusca, apreende, captura,deslumbra, não podemos fugir do olhar. Háum estado de fascinação que nos liga e pro-vém do Outro; quando isso se dá, não esta-mos na dimensão do eu imaginário, masno plano da pulsão escópica, que prendedesde fora, de um quadro, de uma cena,de um som, de um Outro olhar.

Encontros e desencontros:as não-coincidências do dizer

Aqui podemos fazer algumas relaçõesdesse inconsciente da psicanálise, que se opõeàs certezas, posto que penso onde não sou,marcado pelo pulsional e os equívocos doolhar, com a Análise de Discurso (AD), no quediz respeito ao encontro e representação dasnão–coincidências do dizer, conceito desen-volvido por Authier-Revuz (1998).

Segundo essa autora, com relação aosujeito do dizer, pode-se estabelecer quatrocampos de ‘não coincidência’ ou de hete-rogeneidade, que o dizer se representa e queestão presentes no discurso, quais sejam:a) não-coincidência interlocutiva entre doisco-enunciadores; b) não-coincidência dodiscurso consigo mesmo, onde estão pre-sentes em si outros discursos; c) não-coin-cidência entre as palavras e as coisas; d) não-coincidência das palavras consigo mesmas,onde outros sentidos, outras palavras, nojogo polissêmico afetam a homofonia.

A não-coincidência interlocutiva deveser entendida como constitutiva da enun-ciação que nos remete à relação dual, emespelho. Nessa relação de espelhamento, ooutro, de acordo com a psicanálise, apare-ce como reflexo do mesmo, mas se mostrana distância estrutural irredutível, pelo in-consciente, marcando a singularidade querevela os dois sujeitos, não simétricos. Aassimetria entre os sujeitos demarca, queas diferenças jamais serão preenchidas.

Em sua diversidade, as formas de não-coincidência do dizer se apresentam de ma-

neira variada nas respostas, onde os interlo-cutores, partindo de um ponto imagináriode domínio comunicativo, promovem umtotal desencontro. Os fatos e a maneira dedizê-los são inteiramente diversos, sendoimpossível compartilhá-los em uma só voz.

Podemos pensar que as imagens da-das pelo enunciador não vão encontrar suaequivalência no jogo discursivo, pois estámarcado, aprioristicamente, pela impossi-bilidade de encontro, como um reflexo exatoacessível diretamente ao real da enuncia-ção. O dizer é sempre afetado pelos quatrocampos de não coincidências (a,b,c,d) .

Essas não-coincidências, para Authi-er-Revuz (1998), apontam para uma abor-dagem teórica que marca o caráter consti-tutivo do não-um, ou seja, a não existênciade um só sentido do discurso. As imagensmetaenunciativas do não-um e a AD, nosdão a possibilidade de análise, quer do pon-to de vista quantitativo, isto é, o número depontos onde esse não–um é representado,quanto no plano qualitativo, o tipo de figu-ras apresentadas.

Na possibilidade de articulação entreos dois saberes, Psicanálise e Análise do Dis-curso, buscamos fundamentos para análi-se das dificuldades estabelecidas no cam-po da educação, seja ela formal ou inclusi-va de pessoas portadoras de necessidadesespeciais, posto que as dificuldades não sedão pelas deficiências que possam apresen-tar, alunos ou professores. A própria cons-tituição dos sujeitos, sejam estes alunos ouprofessores, enquanto sujeitos psíquicos,estão assujeitados ao inconsciente.

Sobre o ‘corpus’: aspectos metodológicos

O ‘corpus’ aqui apresentado é parte dagravação extraída de uma hora de observa-ção de classe de um grupo de crianças depré escola, entre 6 e 12 anos. Estas criançasapresentavam deficiências visuais diversas.Algumas eram cegas de nascença, outrasdistinguiam alguma luz, sendo que umadelas ficou cega a partir dos dois anos. Den-tre elas, ainda havia aquelas em que a defi-

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ciência visual estava associada a problemaspsíquicos ou algum tipo de retardo mental.

Cabe aqui salientar que, segundo aOMS – Organização Mundial da Saúde(1972), os cegos são aqueles que apresen-tam acuidade visual de 0 a 20/200, ou seja,enxergam a 20 pés de distância aquilo quesujeitos de visão normal enxergam a 200 pés,no melhor olho, ou que tenham um ângulovisual restrito a 20 graus de amplitude.

A visão subnormal é aquela em que aacuidade visual é de 20/200 pés a 20/70 pésno melhor olho. Além disso, alguns sujei-tos cegos possuem deficiências visuais di-versas, com diferenças na utilização dos re-síduos visuais, o que aponta para a necessi-dade de uma concepção educacional decegueira que vai além da ênfase na eficiên-cia visual.

A observação em sala de aula foi feitacom o consentimento da direção da escola,do serviço de psicologia, da professora e dascrianças, assim como a gravação em fita deáudio, sendo que posteriormente à grava-ção, as crianças ouviram o que havia sidogravado em sala de aula.

A partir desse material gravado etranscrito, fizemos um recorte do diálogoestabelecido em sala de aula entre os alu-nos e a professora, seguindo alguns fun-damentos da AD. Esta permite trabalharo discurso de sala de aula, tomando a es-cola como uma instituição social, sendoque a educação tem aí o lugar privilegia-do, onde os conflitos se explicitam, des-construindo homogeneidades.

A AD é uma disciplina interpretativaque, segundo Pêcheux (1998), tem um realpróprio, constitutivamente estranho à uni-vocidade lógica; a AD é um saber que não setransmite, não se aprende, não se ensina, eque no entanto, existe produzindo efeitos.

Seguindo essa idéia, podemos pensarnos deslizamentos possíveis entre o discur-so do professor vidente, no que concerne aodiscurso pedagógico oficial, que nessa me-dida, não é tão livre como se pensa, mas quefala de acordo com uma determinação his-tórica, que constitui o sujeito professor, ouseja, implicado nos conflitos, reconhecimen-

tos, relações de poder, constituição de iden-tidades, tudo que implica o ato social. Osdesdobramentos do dizer, que compõem aconfiguração enunciativa, revelam a suspen-são do sentido evidente, natural, daquilo queparece óbvio em uma nomeação.

A linguagem, como ato de fala, é tam-bém manifestação de poder, assim como olugar do possível, da ambigüidade, do equí-voco, do polissêmico, o lugar de luta do su-jeito. A partir desta multiplicidade potenci-al de deslizamento de sentidos, tomemoscomo ponto de partida da análise algunsseguimentos discursivos, onde os enuncia-dos da professora estão apresentados emnegrito. A interlocução entre as crianças e aprofessora no corpus transcrito para análiseé antecedido por nomes fictícios.

(1) Leo: Professora, cego pode sermotorista?

(2) Professora: Não sei, o que tu achas?(3) Leo: Pode, eu sei. Quando crescer

vou ter uma Kombi.(4) Flora: Eu não sou cega.(5) Professora: Não és Flora ? Tu en-

xergas?(6) Flora: Eu enxergo.(7) Professora: O que tu enxergas?(8) Flora: Eu enxergo luz.(9) Professora: Ah! e a luz aqui da sala

está acesa ou apagada?(10) Flora: (pensa) Apagada. (Está

acesa)(11) Professora: Ah! E tu me enxer-

gas?(12) Flora: Enxergo Professora, sei

como estás vestida.(13) Professora: E como é?(14) Flora: De calça amarela e blusa

azul. (A professora está toda de vermelho)(15) Leo: Prof. eu quero falar. Cego

pode dirigir?(16) Professora: Então vamos falar so-

bre isso. Acho que não, porque como vaisaber quem está na frente, dos lados?

(17) Leo: Eu sei, vou bem devagarzinho.(Alguns dizem que pode, outros que

não, alguns só escutam)(18) Professora: O que precisa para

dirigir um carro?

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(19) Flora: Chave(20) Joana: Carteira(21) Aline: Botar as crianças no carro.

Análise do “corpus”: recorte de algunsefeitos de sentido que se produzem

Tomando como elemento de análiseesse corpus, pensemos que os enunciadostanto dos alunos como da professora apre-sentam, em seu próprio dizer, uma não-coincidência que constitutivamente afetaesse dizer, ou seja, a relação interlocutiva, arelação de não-coincidência das palavrascom as coisas revela o atravessamento dodiscurso outro, das palavras implicadas,jogadas em outras palavras, evidenciandoduas ordens heterogêneas que a nomeaçãosuperpõe.

A comunicação como produção do‘um’, aqui, não se sustenta, posto que oimaginário de uma co-enunciação, pelomal-entendido, aponta para uma impossi-bilidade de coincidência no dizer, entre aprofessora e os alunos. A questão, colocadapor Leo não encontra ressonância na escu-ta da professora.

(1) Leo: Professora, cego pode ser mo-t o r i s t a ?

(2) Professora: Não sei, o que tu achas?(3) Leo: Pode, eu sei. Quando crescer,

vou ter uma Kombi.Seguindo nossas referências teóricas,

a não coincidência interlocutiva se dá emfunção da não-simetria entre os sujeitos nasua possibilidade de comunicação e a im-possibilidade de se produzir o ‘um’ entreos enunciadores.

O que significa para Leo ser cego, o quelhe falta? Ser motorista implica enxergar.Parece que esta questão, posta por Leo, temum saber implícito de sua capacidade derealização, embora negue essa evidência.

Dizendo de outra forma, Leo deparacom as não coincidências que constitutiva-mente afetam esse dizer. Aqui falta algo adizer, a palavra justa. Seguindo Authier-Re-vuz (1998), o que se abre na nomeação, odesdobramento metaenunciativo não é ape-

nas o que falta no dizer; mas, também, oque retorna do dizer, que se volta sobre simesmo. Leo espera uma resposta que o au-torize a poder dirigir, apesar da limitação deenxergar. Como não tem esse retorno, tomapra si essa afirmação negada: (3) pode, eusei. Quando crescer, vou ter uma Kombi.

Tomando em princípio os enunciadosda professora, podemos apontar para al-guns efeitos de sentido que emergem des-se discurso. Um dos pontos de partida quepropomos dessa análise são as intervençõesda professora, marcadas por interrogaçõessobre a fala das crianças.

Se pensarmos psicanaliticamente, te-mos que nos situar a partir do ponto quehá em comum entre as crianças e a profes-sora, a relação inter-humana. Nessa pers-pectiva há duas dimensões diferentes, mes-mo que se enlacem, de um lado a dimen-são do imaginário, de outro a do simbólico.É preciso saber em que dimensão nos situ-amos em relação ao sujeito. Se acreditamosque o imaginário e o simbólico vão dar numacoisa só, como se elas se confundissem nofenômeno observável, ou descrito, estamosredondamente enganados. Há uma totalimpossibilidade de uma comunicação má-gica onde se possa construir uma analogiauniversal.

Assim, discursivamente, as interroga-ções que se apresentam apontam para dú-vidas, que podem ser tomadas como des-crédito sobre as afirmações das crianças,por parte da professora: (2) Não sei, o quetu achas? (5) Não és Flora? Tu enxergas?Outras vezes, como negativa velada, da afir-mação das crianças: (7) O que tu enxer-gas?(9) Ah! e a luz aqui da sala está acesaou apagada? (11) Ah! E tu me enxergas?

Uma terceira forma de questionamen-to é colocada, revelando dúvida, como for-ma de dar elementos para que as criançaspossam desenvolver uma argumentaçãoprópria sobre os temas que elas mesmaspropõem: (13) E como é? (16) Então va-mos falar sobre isso. Acho que não, porquecomo vai saber quem está na frente, dos la-dos? (18) O que precisa para dirigir umcarro?

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Do ponto de vista pedagógico, a posi-ção assumida pela professora aponta paraum modo de produção social, mantém umaposição de domínio e controle, reproduzin-do o lugar de um saber que lhe é outorgadopela função que ocupa. Essa reprodução sedá através da força e da ideologia. Ela fazcom que os sujeitos assumam para si, idéiase atitudes de outros, mas que lhes são im-postas de forma tão sutil que eles as defen-dem como suas, ou seja, faz a interpelaçãodo indivíduo em sujeito pela ideologia.

Segundo Althusser (1985), “o indiví-duo é interpelado como sujeito (livre) paralivremente submeter-se às ordens do Sujei-to, para aceitar, portanto (livremente) suasubmissão, para que ele realize por si mes-mo os gestos e atos de sua submissão. Ossujeitos se constituem pela sua sujeição Porisso é que caminham pro si mesmos”. (p.104)

Isso implica no fortalecimento das re-lações de produção. Um sujeito assujeitadoage como se fosse dono de suas ações, se-nhor absoluto de todos os seus atos”. A pro-fessora está no lugar de um saber, ou seja,ela sabe aquilo que os cegos podem ou nãopodem saber ou fazer. Ao interrogar o alunosobre a questão colocada por ele mesmo, ouseja, quando é interpelada se cego pode ounão dirigir: (1) Leo: Prof., cego pode sermotorista? a professora responde:

(2) Não sei, o que tu achas?(3) Leo: Pode, eu sei. Quando crescer,

vou ter uma Kombi.A resposta de Leo pode revelar que sua

questão serve apenas para que possa falarde sua fantasia de poder dirigir, ter umaKombi, ao mesmo tempo em que sabe des-sa impossibilidade, por isso posterga paraquando crescer. Aqui, a denegação da ce-gueira aponta para a heterogeneidade en-tre o que é dito e o que é revelado.

Podemos pensar que é nesta idéia deinterpelação do sujeito pela ideologia queemergem as formações imaginárias, ondecada um assume um lugar determinado,faz uma imagem de si mesmo. Em suas fan-tasias, Leo se vê com a possibilidade de di-rigir, quem sabe acredite que o crescimentolhe proporcionará outras condições, afinal

adultos podem fazer coisas que as criançasnão podem.

Além disso, Leo se sabe cego e isso lheimpõe limitações ou interdições, que o co-locam em posição de submissão frente auma formação social, sem compreender quetal sentido ‘vem de fora’, do mundo dosvidentes e por sua condição de cego. Algoque lhe aconteceu, mas seu eu imagináriolhe dá um olhar que aponta para uma rea-lidade interna, uma imagem de si que estáfora da condição de cego.

Aqui gostaríamos de voltar à questãoda não-coincidência do discurso consigomesmo. Outras palavras habitam a fala deLeo, revelando outros discursos, ou seja, serevela o interdiscurso, onde o ‘eu falo’ traz oconhecimento da fala de outro lugar, ou seja:cego não pode dirigir. No entanto, Leo não se‘vê’ cego. Antes de ser cego, Leo é uma pes-soa como outra qualquer, que sonha, dese-ja, fantasia, espera conseguir, conquistar coi-sas no futuro, entre elas, dirigir sua ‘Kombi’.Em suas palavras insiste na interdiscursivi-dade, uma fronteira interior/exterior. Sabe,desde um discurso outro, o que lhe é inter-ditado, ser motorista; no entanto, afirma seudesejo, desde uma imagem de si mesmo,como ser desejante, que sim, terá sua ‘Kom-bi’, denegando sua limitação.

Uma outra questão a ser levada emconsideração é que o sujeito social, mesmona sociedade capitalista, pode ser um ins-trumento dialético de transformação dasrelações de poder. A questão posta por Leoà professora impõe a ela a condição de nãosaber o que responder, de ficar à espreita,ou à deriva, como esperando que Leo for-mule, desde seu lugar de aluno, de cego,de ser desejante, qual a saída que ele tem,para seu próprio saber esquecido, cegos nãopodem dirigir carros; entre tantas outrasimpossibilidades, trata-se de uma verdadeque está no esquecimento do dizer, mas quese revela como interdiscurso.

A pergunta de Leo insiste, pois algoficou por dizer, encoberto pela opacidadedos silêncios dos colegas em relação a suaquestão, ou quem sabe, em relação à con-dição de ser cego de cada um. Há um pon-

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to cego no discurso pedagógico, algo nãose pode dizer diretamente pela professora.Assim, ele volta a questão: (15) Leo: Pro-fessora, eu quero falar. Cego pode dirigir?

Frente à insistência do discurso de Leo,ou do retorno do reprimido, para usar umtermo que está ligado ao inconsciente, postoque o tema dá voltas como que fazendo res-sonância, como buscando saída que nãopode ser dito de forma definitiva, sempredeixando um resto, a professora se rende.

Há uma mudança de posição, pois ainterpelação de Leo mostra que ao ter umaresposta definitiva: ‘Pode, eu sei. Quandocrescer, vou ter uma Kombi’, Leo, enquan-to manifestante da forma sujeito, põe emcheque a posição de autoridade e saber daprofessora. Então, ela fala como se a deci-são de levar adiante o tema fosse sua:

(16) Professora: Então vamos falar so-bre isso. Acho que não porque como vaisaber quem está na frente, dos lados?

Poderíamos dizer que sua afirmativa éduvidosa, ou seja: Acho que não. Ela apon-ta para o interdito, o ambíguo, o polissêmi-co, até porque o nexo é falso: porque comovai saber quem está na frente, dos lados?

A ambigüidade da resposta dá margempara que Leo continue defendendo seu di-reito de se apropriar de sua própria sorte.

(17) Leo: Eu sei, vou bem devagarzinho.Assim como Leo se locomove entre os

colegas em sala de aula, nos espaços com-partilhados nas dependências da escola, issolhe garante que pode, como uma extensãode seu próprio corpo, dirigir sua Kombi.

A mudança de posição da professo-ra não sustenta, no fio do discurso, umacondição de saber que lhe garanta o ar-gumento. Por submissão à condição depoder da professora, alguns dizem quecegos não podem dirigir, sem, no entan-to estarem no lugar de apropriação dodiscurso, mas por submissão ao interdis-curso. Outros aderem ao discurso de Leoe acreditam que sim, cegos podem diri-gir; outros se calam num silêncio espec-tante do ponto final da polêmica; e, en-tão, quem sabe possam saber de seus li-mites, incluídos na condição de cegos.

A professora propõe uma nova ques-tão que pode delimitar as dificuldades daempreitada: (18) Professora: O que precisapara dirigir um carro?

Ao que as crianças respondem a partirdas ‘falas’, do interdiscurso, dos discursosfamiliares, de tantas outras vozes que perpas-sam sua relação com sair ou não poder sairde carro; as crianças parecem apostar que essesaber que sabem, lhes dá uma saída do im-passe. Parece que dirigir um carro não é pro-blema de cegueira, mas de outras tantas ques-tões, que afinal, são dos videntes.

(19) Flora: Chave(20) Joana: Carteira(21) Aline: Botar as crianças no carro.Aqui podemos pensar na não-coinci-

dência entre as palavras e as coisas, que se-gundo Authier-Revuz (1998), está clara-mente colocada como constitutiva, na du-pla perspectiva onde o contínuo, as infini-tas singularidades do real a nomear, queinscreve um jogo inevitável na nomeação, ede outro lado, em termos lacanianos, do realcomo radicalmente heterogêneo à ordemsimbólica, isto é , da falta (constitutiva dosujeito como falho) de captura do objetopela falta da letra que habita essa separa-ção .” (p.23)

De qualquer forma, essas respostas nãoorientam a professora nas dificuldades queela apresenta em trabalhar os temas que ascrianças estão propondo. A professora tra-balha um pouco esta idéia, que a chave édiferente da chave da porta. Uma chave docarro passa por eles. A professora fala ain-da do crachá que é diferente da carteira demotorista. Fala sobre a direção do carro, queé redonda, que o carro tem pedais.

Todas essas novas informações, intro-duzidas sem qualquer fundamento, parecefazer sentido à professora, como se falandode carteira, chaves, pedais e direção, ficas-se explicado um repertório de todas as difi-culdades que envolvem dirigir um carro.Ou quem sabe, pretendia que esses novoselementos discursivos oportunizassem àscrianças criar uma representação do carro(ou seria da Kombi?), e tudo seria entendi-do. Ficaria evidente, aí, as dificuldades de

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um cego dirigir um carro. Assim, imagina-riamente, a professora dirigia-se a criançascegas, ou com graves deficiências visuais,sem saber de seus saberes sobre o significa-do de diferenças entre chaves de portas(qual porta?) e chave de carro (da ignição,do tanque de gasolina?), da carteira demotorista, do crachá.

Voltando ao que havíamos menciona-do anteriormente, não podemos esquecerque, do ponto de vista da psicanálise, a in-trodução do sujeito numa realidade qual-quer não pode ser pensada a partir da ex-periência direta com qualquer objeto.

Talvez possamos pensar que no fio dodiscurso da professora, nesse momento,revela-se uma total impossibilidade de per-ceber as diferenças entre seu discurso devidente, do discurso das crianças. Assimcomo, ao elencar todos esses novos obje-tos, talvez na tentativa de dar elementospara que as crianças entendessem a difi-culdade que implicava o dirigir carro, des-cuidasse do fato de que é impossível o en-contro das partes com o todo da questão.

Dizendo de outra forma, é impossívelo encontro com o real do carro, do dirigir ocarro, considerando que essas crianças po-dem ter uma representação de carro que se-guramente não é a de um vidente. Assim,falar de carteira, chave, pedal, direção, pare-ce totalmente sem sentido, não responden-do à questão, além de não oportunizar a queas crianças criem suas representações sobrecada um desses elementos por ela enume-rados, que parecem totalmente descontex-tualizados. A professora parece perdida, nãoconseguindo ouvir de outro lugar a não sero do vidente, o que não garantiria, não obs-tante, que sua argumentação com criançasvidentes teria maior êxito.

Outro ponto que parece interessanteanalisar, com relação a pouca clareza dosenunciados da professora vidente, que es-tamos chamando de pontos cegos do dis-curso pedagógico, está no seguimentoenunciado de Flora, ao tentar mostrar que,como a professora, é vidente, aderindo aoseu discurso dominante, quando afirmaque enxerga luz. Como a professora não

parece convencida, pergunta: (9) Professo-ra: Ah! e a luz aqui da sala está acesa ouapagada?

Mais uma vez, Flora adere ao discursodominante: (10) Flora: (pensa) Apagada(está acesa). Segue afirmando que enxerga,pois sabe como a professora está vestida.(14) Flora: De calça amarela e blusa azul (aprofessora está toda de vermelho).

Mais uma vez, a questão da cegueiraestá denegada, Flora diz que enxerga, vêluz. Em seu imaginário pode ver cores, oamarelo, o azul. O que são cores para ela?Como representá-las? Como será que ascores foram ensinadas a essas crianças e comque sentido?

De qualquer forma, Flora afirma quesabe, que enxerga, usa um referencial quesupõe ser o esperado, ou seja, sabe cores,as coisas do mundo dos videntes são colo-ridas. Tem que dar conta disso, demons-trando que faz parte do mundo vidente,para fazer parte desse mundo, é assim quedeve ser.

Aqui nos reportamos a Nasio (1995)quando afirma que “o eu-imaginário, queenuncia seqüências intradiscursivas, se de-fine como uma estratificação incessante deimagens continuamente inscritas em nos-so inconsciente” (p.166).

(4) Flora: Eu não sou cega.(6) Flora: Eu enxergo.(8) Flora: Eu enxergo luz.Esses seguimentos discursivos nos fa-

zem pensar que Flora, ao afirmar que nãoé cega, porque enxerga luz, parte do prin-cípio que a luz é o suficiente para não cor-responder a não sei que representação decego. Ao mesmo tempo o que significa luzpara ela? Embora não se saiba o que a cri-ança entende por luz, isso que ela nomeia,ou seja, a luz é interpretado pela professo-ra como lâmpada, já que testa a veracidadeda afirmação de Flora quando pergunta:

(9) Professora: Ah, e a luz aqui da salaestá acesa ou apagada?

Flora submetida ao discurso da pro-fessora, que assume o lugar do poder, edetermina que luz quer significar apagadaou acesa, responde submetida a esse saber

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do discurso pedagógico. (10) Flora: (pen-sa) Apagada (está acesa).

Na seqüência do discurso de poderinstituído pelo saber da professora, Floraafirma que ela está com calça amarela e blu-sa azul. O que faz com que Flora tenha quedar cor para a roupa que supõe enxergar?Por que tem de apontar cores? Usa assim,sem saber, um discurso apropriado de ou-tros dizeres, outras vozes instituídas pelodiscurso pedagógico, pensando ser donado seu dizer.

Pensando sobre o ensino do conheci-mento de cores: o que é a cor? É uma de-signação? Uma qualidade? É uma formade ensinar a reconhecer diferenças entre osobjetos ou elementos?

Como, no discurso pedagógico, sepode atingir um desenvolvimento de co-nhecimentos, habilidades, percepções, querespeitem as diferenças entre crianças vi-dentes e aquelas com necessidades especi-ais, sejam quais forem as especificidadesdessas dificuldades?

(12) Flora: Enxergo. Professora, seicomo estás vestida.

(13) Professora: E como é?(14) Flora: De calça amarela e blusa

azul. (A professora está toda de vermelho).A posição da professora é de colocar

em dúvida, o que leva a aluna a buscar, ima-ginariamente, argumentos que a conven-çam, submetida ao discurso pedagógico,mostrando que tem um saber, ou queaprendeu bem o que lhe foi ensinado.

Flora reitera seu saber suposto, descre-vendo o tipo de roupa e suas cores, tentan-do talvez convencer a professora e a si mes-ma, negando o lugar daquela que está emfalta, frente ao que a professora espera ouaceita ouvir, sem notar a diferença entre oque imagina e a realidade, mas tenta man-ter, numa relação de espelhamento com aprofessora o mesmo tipo de representaçãoda realidade que supõe ser o da professora.

Fica aqui claro a não-coincidência entreas palavras e as coisas, onde é “impossível acaptura do objeto pela letra”(p.23) , no dizerde Authier-Revuz (1998). Não há obviedadeentre as palavras e as coisas, as palavras são

incertas, posto que porosas, carregadas dediscursos que trazem outras ressonâncias,multifacetados, imprevisíveis. As palavras nãofalam por si, mas pelo Outro, introdutor daexterioridade interdiscursiva interna, intersub-jetiva, apontando para o sujeito dividido daenunciação. Quanto à professora, o que di-zer de seu pretenso discurso pedagógico?Nada parece mais distante do discurso peda-gógico do que a intervenção da professoranesse pequeno corpus.

Quando pensamos no tema da inclu-são de crianças portadoras de necessidadesespeciais, consideramos que a inclusão im-plica todas as formas de reapropriação dosentido de educação, e não numa normati-zação de afirmações dogmáticas sobre comointerpretar o saber e as coisas do mundo,posto que as coisas do mundo não são emsi, mas têm existência a partir de atribuiçõesque lhes damos, que são faladas desde umdiscurso; portando, submetidos à polisse-mia que a linguagem oferece.

A investigação de crianças cegas oucom deficiências visuais e como se dá suainclusão na escola, a partir do discurso pe-dagógico dos videntes, atravessando a cons-trução da subjetividade dessas crianças,aponta que as mesmas dificuldades apresen-tadas com essas crianças podem ser pensa-das com relação às videntes. Quando o es-paço de conhecimento está submetido a sa-beres dados como absolutos, sem conside-rar a necessidade de ouvir a compreensãode mundo que as crianças vão construindoem suas hipóteses sobre o que vêem, ouvem,pensam, sentem, rompe-se a possibilidadede deixá-las criar, fantasiar; enfim, buscarsuas próprias referências que possam sercomparadas com o saber instituído comoformal. A escola e a educação devem ser sem-pre inclusivas, posto que devem oportuni-zar que cada um, a seu modo, possa apren-der o instituído, a partir do seu potencial elimitações, impregnado dos saberes outros,interdiscursivo. Os meios social, cultural,familiar compõem o interdiscurso, o quepermite trabalhar o discurso de sala de aula,tomando a escola como mais uma institui-ção social, sendo que a educação tem aí o

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lugar privilegiado, onde os conflitos se ex-plicitam desconstruindo homogeneidades,como dizíamos inicialmente.

A educação deve hierarquizar os obje-tivos filosóficos, ideológicos e pedagógicosda educação especial, onde sujeitos porta-dores de necessidades especiais não sejamvistos como pessoas educativamente incom-pletas, mas como os videntes com potenci-ais distintos que precisam de espaço e opor-tunidade para expressar sua compreensãodo mundo.

Referências

Althusser, L. (1918/1985). Aparelhos Ideoló-gicos de Estado. Rio de Janeiro: EdiçõesGraal, 8a edição.Authier-Revuz, J. (1998). Palavras Incertas:As não Coincidências do Dizer. São Paulo:Editora da Unicamp Campinas.Bakhtin, M. (1981). Marxismo e Filosofia deLinguagem. São Paulo: Hucitec.Freud, S. (1920/1976). Psicologia de grupo e

a Análise do Ego. Rio de Janeiro: EditoraImago ESB, v.XVIII.Lacan, J. (1964/1973). Os quatro conceitosfundamentais da Psicanálise.Livro XI: JorgeZahar Editor.Nasio, J. D. (1995). O olhar em psicanálise.Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor.Pêcheux, M. (1998). Semântica e discursocrítica à afirmação do óbvio. São Paulo: Ed.Unicamp Campinas.

Recebido em maio de 2005Aceito em julho de 2005

Autora: Sueli Souza dos Santos – Psicóloga pelaPUCRS; Psicanalista; Membro Pleno do Centrode Estudos Psicanalíticos de Porto Alegre; Mes-tre em Psicologia Social e Institucional pelaUFRGS; Doutoranda em Educação pela UFRGS;Membro do Grupo de Pesquisa em Educação eAnalise de Discurso da UFRGS.

Endereço para correspondência:E-mail: [email protected]

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Aletheia, n.22, p. 51-62, jul./dez. 2005

Relações entre estilos parentais e valores humanos:um estudo exploratório com estudantes universitários

Marco Antônio Pereira TeixeiraFranciella Maria de Melo Lopes

Resumo. Este estudo teve por objetivo explorar relações entre o estilo parental percebidona adolescência (autoritativo, autoritário, indulgente e negligente) e valores pessoais dejovens adultos no tempo presente, utilizando uma avaliação retrospectiva para os estilos.Participaram do estudo 173 estudantes universitários (com idades entre 18 e 25 anos), queresponderam a um instrumento para classificar os estilos parentais e a outro para avaliardez grandes dimensões de valores. Análises de variância mostraram diferenças para 8 dos10 valores avaliados, o que sugere que os estilos parentais podem de fato estar relacionadosao desenvolvimento dos valores humanos. De um modo geral, os resultados indicaram queos estilos autoritativo e autoritário foram os que se associaram mais fortemente aos valores(apresentaram escores mais altos), enquanto o estilo negligente foi o que menos se associou(em geral apresentou escores mais baixos). Conclui-se que novos estudos são necessáriospara investigar com mais detalhes a as relações entre estilos parentais e valores.Palavras-chave: valores, estilos parentais, adultez jovem.

Relationships between parenting styles and human values: an exploratory studywith university students

Abstract. The aim of this study was to explore possible relationships between perceivedparental styles in adolescence (authoritative, authoritarian, indulgent and neglectful) andhuman values among young adults (using a retrospective evaluation of parental styles).Instruments used to assess parental styles and values were answered by 173 universitystudents (aged 18-25 years). Analysis of variance showed significant differences in 8 out of10 values assessed, suggesting that parenting styles may in fact be associated to the develo-pment of human values. Overall results indicated that authoritative and authoritarianstyles were the most strongly associated to values in general (higher scores), while theneglectful style showed the weakest associations (lower scores). It is concluded that moreresearch is needed to investigate in details the relationships between parenting styles andhuman values.Key words: values, parenting styles, young adulthood.

O impacto das variáveis familiares so-bre o desenvolvimento é um assunto que vemsendo cada vez mais investigado pela psico-logia. Entre os tópicos estudados encontram-se os estilos e práticas educativas parentais(por exemplo, Laible & Carlo, 2004; Lam-born, Mounts, Steinberg & Dornbusch,1991; Meesters & Muris, 2004; Oliveira e

cols., 2002; Steinberg, 2001; Teixeira, Bar-dagi & Gomes, 2004). De uma maneira ge-ral, as pesquisas mostram que os estilos pa-rentais estão relacionados a diversos aspec-tos do desenvolvimento psicossocial de cri-anças e adolescentes, tais como auto-estima,ajustamento social, psicopatologia e desem-penho escolar (Steinberg, 2001).

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Os estilos parentais podem ser defi-nidos como um conjunto de atitudes e prá-ticas relacionadas às questões de poder, hi-erarquia, apoio emocional e estímulo à au-tonomia que os pais têm para com seusfilhos, e que refletem em grande parte osvalores que os pais consideram importan-tes e que tentam transmitir aos filhos atra-vés de suas práticas educativas (Darling &Steinberg, 1993). Um dos modelos de es-tilos parentais mais utilizados nas pesqui-sas foi elaborado por Maccoby e Martin(1983). Este modelo propõe a existênciade duas dimensões fundamentais de prá-ticas educativas, denominadas exigência eresponsividade. A exigência refere-se aoquanto os pais estão disponíveis para agi-rem como agentes socializadores de seusfilhos, supervisionando e monitorando ocomportamento, estabelecendo expectati-vas de desempenho, e exercendo discipli-na de modo consistente. As característi-cas da responsividade incluem as atitudescompreensivas que os pais têm para comos filhos e que visam promover o desen-volvimento da auto-afirmação dos jovens,principalmente através do apoio emocio-nal, da comunicação recíproca e do estí-mulo à autonomia. Uma vez combinadasessas duas dimensões, resultam quatro ca-tegorias de estilo parental: autoritário (paisaltos em exigência e baixos em responsivi-dade), autoritativo (pais altos em ambasas dimensões), indulgente (pais altos emresponsividade e baixos em exigência) enegligente (pais baixos em ambas as di-mensões) (Maccoby & Martin, 1983).

Darling e Steinberg (1993) sugeremque o predomínio da exigência, caracte-rístico do estilo autoritário, favorece queos adolescentes tenham um melhor de-sempenho em determinados aspectos dodesenvolvimento, mas não garante que asmetas ou motivações pretendidas pelospais sejam internalizadas pelos adolescen-tes, uma vez que seu comportamento de-pende muito de um controle externo (nocaso, os pais). Para os autores, é a caracte-rística da comunicação recíproca, do apoioe do incentivo à autonomia presente na

responsividade o que possibilita aos indi-víduos desenvolverem um senso de eumais independente e autônomo, trazen-do o controle do comportamento paradentro de si mesmos através da internali-zação das metas e objetivos parentais.

É importante notar que os estilos re-ferem-se não apenas aos comportamentosespecíficos dos pais (comportamentos decontrole e exigência ou apoio e incentivo),mas principalmente às suas atitudes maisgerais em relação aos filhos, ou seja, aosseus objetivos com o processo de educar(Darling & Steinberg, 1993). Dito de outraforma, os estilos estão relacionados commetas ou valores que os pais consideramimportantes em suas próprias vidas e tam-bém na educação dos filhos. Em funçãodisso, é possível que os estilos parentaissob os quais os jovens são criados apre-sentem relação com os valores que maistarde serão considerados importantes pe-los indivíduos.

Os valores estão relacionados com asnecessidades humanas, sejam elas biológi-cas, de sobrevivência, de bem-estar ou derelações interpessoais. Embora transcen-dam situações específicas, os valores funci-onam como guias do comportamento, fa-zendo com que as pessoas priorizem certasmetas ou caminhos ao invés de outros (Ta-mayo & Schwartz, 1993). Um dos modelosteóricos sobre valores mais estudados atu-almente foi proposto por Schwartz e Bilsky(1987). Este modelo foi sendo modificadoem virtude do resultado de estudos empí-ricos, e atualmente sustenta que os valorespodem ser agrupados em dez grandes te-mas motivacionais, sendo que esta estrutu-ra de temas seria transcultural (Tamayo &Schwartz, 1993). Os dez tipos postuladossão os seguintes: hedonismo (associado àbusca de prazer e gratificação sensual),auto-realização (relacionado à procura porsucesso pessoal e exibição de competência),poder social (ligado a necessidades de sta-tus, prestígio e controle), auto-determina-ção (associado à procura por independên-cia de pensamento, escolhas e ações), con-formidade (ligado a necessidades de cor-

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responder às expectativas sociais, contro-lando o próprio comportamento), benevo-lência (cuja meta motivacional é o bem-es-tar de pessoas próximas), segurança (rela-cionado à valorização da estabilidade soci-al e de si mesmo, bem como da integridadeindividual e de grupos de identificação),tradição (associado ao respeito e valoriza-ção dos costumes e ideais da cultura), esti-mulação (no qual importância é atribuídaa busca de novidades, mudanças e excita-ção) e filantropia (ligado ao interesse pelobem-estar de todos). O tipo motivacionalchamado de filantropia por Tamayo eSchwartz (1993) foi denominado original-mente em inglês de universalism, e será cha-mado de universalismo neste trabalho, se-guindo a tendência de outros estudos (porexemplo, Gouveia, Martínez, Meira & Mil-font, 2001).

Cabe ressaltar que diversos estudostêm identificado a presença dessas dez gran-des dimensões em várias culturas, ainda queeventualmente alguns valores específicostenham sido associados a tipos motivacio-nais diferentes (Schwartz, 1992). No con-texto brasileiro, o modelo já foi testadoempiricamente e utilizado em algumas pes-quisas (Gouveia, Martínez, Meira & Milfont,2001; Tamayo, 1994; Tamayo, Faria Filho,Tavares, Carvalho & Bertolinni, 1998; Ta-mayo & Schwartz, 1993).

Apesar da importância que os estilosou práticas parentais podem ter para o de-senvolvimento dos valores humanos, foramlocalizados poucos estudos que tenhamexplorado especificamente essa questão navida adulta; em geral os estudos têm comofoco a adolescência. Por exemplo, Flouri(2004) observou uma relação negativa en-tre o envolvimento materno (um construtosemelhante ao de responsividade) e o de-senvolvimento de valores materialistas emadolescentes. Em outro estudo, jovens cri-ados em um contexto paterno autoritárioatribuíram maior importância ao valor po-der e menor importância ao valor univer-salismo do que filhos criados em um con-texto paterno não autoritário (Knafo, 2003).

Foi localizado apenas um estudo que

focalizou a relação entre práticas parentaise valores na vida adulta. Kasser, Koestner eLekes (2002) realizaram um estudo longi-tudinal para avaliar as relações entre expe-riências de criação no ambiente familiar evalores. O estilo parental (medidas de “ca-lorosidade” e “restritividade”) e o nível só-cio-econômico familiar foram avaliadosquando os participantes tinham cinco anosde idade através de relatos dos pais. Depois,com 31 anos, os participantes completaramuma escala de valores que foram agrupa-dos em sete grandes domínios motivacio-nais: autodireção, maturidade, interessespró-sociais, conformidade restritiva, segu-rança, desempenho e aproveitar a vida. Pos-teriormente, cada domínio foi correlacio-nado diretamente com as duas medidas depráticas parentais: a “calorosidade” e a “res-tritividade”.

A pesquisa mostrou que a calorosida-de e a restritividade medidas aos 5 anos ti-nham algumas correlações com os valoresexpressos aos 31 anos. Mais especificamen-te, a calorosidade correlacionou-se negati-vamente com o valor segurança. Por sua veza restritividade correlacionou-se positiva-mente com o valor conformidade restritivae negativamente com autodireção. Estascorrelações mantiveram-se mesmo quandoa variável nível sócio-econômico (aos 5 e aos31 anos) foi estatisticamente controlada.

Segundo os autores do estudo, quan-do os contextos de desenvolvimento pro-vêm amor, encorajamento e aceitação dasperspectivas únicas de cada pessoa e deseus desejos, as necessidades psicológicasdos indivíduos por autonomia e relaçõesinterpessoais são bem satisfeitas, o que fazcom que aumente a probabilidade delas seorientarem em direção a ambientes ondeelas possam se expressar, realizar os seusinteresses e trabalhar para a construção derelacionamentos interpessoais. Segundoessa argumentação, estilos parentais demo-cráticos e calorosos podem ajudar as crian-ças a se sentirem confiantes que suas ne-cessidades de autonomia e contato huma-no serão contempladas. Esta satisfação, porsua vez, fortalece mais os valores intrínse-

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cos, que estão ligados a crescer como pes-soa, estar próximo aos outros, ajudar a co-munidade (Kasser, Koestner & Lekes, 2002).

Em contraste, quando as pessoas ex-perimentam um ambiente de desenvolvi-mento frio, controlador e rejeitador, as opor-tunidades para auto-expressão e intimida-de são raras, e suas necessidades são satis-feitas de maneira muito pobre. Como re-sultado, é pouco provável que desenvolvamautonomia e relacionamento interpessoal,possivelmente diminuindo o valor atribuí-do a esses aspectos da vida. Pelo contrário,pessoas criadas sob um alto nível de exi-gência possivelmente buscariam recompen-sas externas, tais como aprovação dos ou-tros e sentimentos de segurança (Kasser,Koestner & Lekes, 2002).

Darling e Steinberg (1993) colocamque um controle excessivo exercido pelospais pode prejudicar a internalização por-que o indivíduo não cria uma referênciainterna, ficando dependente de uma au-toridade externa para estabelecer metas eatribuir valor a objetos e ações. Por exem-plo, um pai exigente em relação aos estu-dos, que cobra boas notas de um filho, pos-sivelmente faz isso porque acredita que talcomportamento é importante e desejável.Essa cobrança, contudo, pode ser boa ouruim dependendo do contexto em que elaé realizada, do clima emocional da relação.Se esse pai realmente só exige, não ofere-cendo nenhum apoio emocional, o filhopode não vir a tirar boas notas por vonta-de própria e, sim, devido ao controle ex-terno. Possivelmente, jovens e adolescen-tes criados sob tal clima emocional venhama buscar mais o sucesso financeiro e a po-pularidade, valorizando mais a opiniãoalheia sobre si.

Diferentemente, os pais calorosos,autoritativos, podem cobrar boas notas ebom desempenho, mas também atendemas necessidades emocionais do filho, co-laborando com suas dificuldades e ser-vindo de apoio. O clima de comunicaçãobidirecional, onde o jovem compreende

as intenções dos pais em suas práticasparentais, possivelmente facilite a inter-nalização dos valores familiares e leve aodesenvolvimento de um padrão motiva-cional mais intrínseco.

Alguns estudos empíricos apóiam es-sas idéias. Kasser, Ryan, Zax e Sameroff(1995) observaram que os adolescentes cu-jas mães eram controladoras e frias eramespecialmente mais propensos a dar impor-tância a valores externos como sucesso fi-nanceiro, enquanto os adolescentes commães democráticas e calorosas valorizavammais a auto-aceitação, a afiliação e o senti-mento de pertencer à comunidade. Demaneira similar, Williams, Cox, Hedberg eDeci (2000) mostraram que adolescentesque percebiam os pais como sendo afetivose dando incentivo para sua autonomia nãoeram voltados a objetivos relacionados àsopiniões dos outros, como sucesso finan-ceiro, imagem e popularidade. Pelo contrá-rio, eram mais propensos a se preocupa-rem consigo mesmos e com valores que re-fletissem suas necessidades intrínsecas taiscomo auto-aceitação, afiliação e sentimen-to comunitário.

Como se pode observar, as relaçõesentre estilos ou práticas parentais e valoresvêm sendo pouco exploradas. Contudo, háevidências de que estas variáveis encontram-se correlacionadas, o que justifica o presenteestudo. Assim, o objetivo desta pesquisa foiinvestigar a existência de diferenças nosvalores de jovens criados sob diferentes es-tilos parentais. Mais especificamente, explo-rou se o estilo parental percebido pelos su-jeitos quando eles tinham quinze anos deidade (avaliado retrospectivamente no tem-po presente) apresentava alguma relaçãocom as preferências pessoais pelos tiposmotivacionais de valores propostos em Ta-mayo e Schwartz (1993). A fim de limitar adistância temporal entre o tempo presentee o período selecionado para a avaliaçãoretrospectiva (15 anos), a faixa etária dosparticipantes foi restrita ao período dos 18aos 25 anos.

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Método

ParticipantesParticiparam deste estudo 173 estu-

dantes universitários de oito cursos (ciên-cias contábeis, psicologia, engenharia elé-trica, agronomia, veterinária, letras, mate-mática e fisioterapia), sendo que 61,3%eram mulheres. A média de idade dos par-ticipantes foi de 20,74 anos (desvio-padrãode 1,98), com uma amplitude que varioude 18 a 25.

InstrumentosFoi utilizado um questionário para co-

lher dados demográficos e avaliar os estilosparentais e os tipos motivacionais.

Estilos parentais. Os estilos parentaisforam avaliados através das escalas de res-ponsividade e exigência propostas por Tei-xeira, Bardagi e Gomes (2004), que apre-sentam evidências de validade fatorial comadolescentes. Estas escalas são compostaspor 12 itens cada, aos quais os sujeitos res-pondem através de uma escala tipo Likertde 5 pontos. São exemplos de itens: “Sabeaonde vou quando saio de casa”, “Me co-bra quando eu faço algo errado” (exigên-cia), “Se interessa em saber como eu andome sentindo” e “Mostra interesse pelas coi-sas que eu faço” (responsividade). Para esteestudo, as instruções foram adaptadaspara que os sujeitos respondessem levan-do em consideração como seus pais agi-am quando eles tinham aproximadamen-te quinze anos de idade. Optou-se por re-quisitar uma avaliação conjunta da duplaparental uma vez que, em geral, se traba-lha com escores que representam a médiade pais e mães, e também porque uma ava-liação temporalmente distante como a quefoi solicitada tende a não ser muito preci-sa. Os índices de consistência interna (al-pha de Cronbach) obtidos nesta amostraforam 0,83 para exigência e 0,91 para res-ponsividade. A classificação dos estilos foifeita conforme a sugestão de Teixeira, Bar-dagi e Gomes (2004), ou seja, utilizou amediana como ponto de corte para consi-derar um escore alto ou baixo em cada uma

das dimensões. Jovens que perceberamseus pais altos em exigência e baixos emresponsividade, foram classificados no gru-po de estilo autoritário; os de pais altosem ambas as dimensões foram classifica-dos no grupo autoritativo; os com pais al-tos em responsividade e baixos em exigên-cia foram categorizados no grupo indul-gente e aqueles com pais com baixos esco-res em ambas as dimensões foram classifi-cados no grupo negligente.

Valores. Os valores foram avaliadosatravés da escala sugerida em Tamayo eSchwartz (1993). Ela consta de 61 valores,sendo que a sua combinação permite a ava-liação de 10 tipos motivacionais compatí-veis com a teoria de Schwartz (1992). Osíndices de consistência interna (alpha deCronbach) obtidos para cada uma das es-calas de tipos motivacionais foram: 0,51(autodeterminação), 0,67 (estimulação),0,54 (hedonismo), 0,74 (realização), 0,74(poder social), 0,61 (segurança), 0,59 (con-formidade), 0,60 (tradição), 0,74 (benevo-lência) e 0,76 (universalismo). Ainda que,de um modo geral, os alphas obtidos sejambaixos, eles estão de acordo com o que érelatado na literatura utilizando esse ins-trumento (Schwartz, 1992).

ProcedimentosOs cursos nos quais optou-se por rea-

lizar a pesquisa foram selecionados por con-veniência, e o instrumento foi aplicado co-letivamente em salas de aula. Os participan-tes foram esclarecidos acerca da pesquisa edo caráter voluntário da sua participação,tendo sido obtidos termos de consentimen-to informado antes do preenchimento doquestionário.

Resultados

A fim de analisar diferenças nos deztipos motivacionais de interesse entre osquatro grupos de estilos parentais, optou-se inicialmente pela realização de umaanálise de variância de fator único (estiloparental) para cada tipo motivacional. No

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entanto, uma vez que nível sócio-econô-mico e gênero podem afetar os valores,algumas análises preliminares foram em-preendidas. Primeiro, a variável renda foitomada como indicador de nível sócio-econômico e dicotomizada em dois ní-veis: até 2000 reais e acima de 2000 reais.A seguir foram realizadas análises de va-riância 2 x 4 (renda x estilo) para cadaum dos tipos motivacionais a fim de veri-ficar se havia interação entre estes fato-res. Nenhuma interação significativa foidetectada (p>0,05), ou seja, eventuaisefeitos dos estilos sobre os tipos motiva-cionais podem ser considerados iguaispara ambos os níveis de renda. Da mes-ma forma, realizaram-se análises de vari-ância 2 x 4 considerando-se os fatoressexo e estilo. Estas análises mostraram in-teração significativa (p<0,05) para os ti-pos motivacionais realização e conformi-

dade, indicando que os efeitos dos esti-los são diferentes entre os sexos. Portan-to, ao descreverem-se os resultados paraestes dois tipos, o sexo será levado emconsideração.

Feitas estas análises preliminares, re-alizaram-se então as análises de variânciade fator único para cada tipo motivacio-nal, comparando os estilos. Uma vez quese trata de um estudo exploratório, op-tou-se por adotar um nível de significân-cia de 0,10 na interpretação dos resulta-dos, a fim de levar em consideração tam-bém tendências de efeitos. Quando a aná-lise inicial indicou a existência de dife-renças entre os grupos de estilo, análisesposteriores foram realizadas com o méto-do da menor diferença significativa. ATabela 1 mostra as médias, os desvios-padrão e os resultados das comparaçõesestatísticas.

Tipo motivacional Estilo parental

____________________________________

Comparações

A B C D

Autodeterminação 5,18

(0,82)

5,19

(0,93)

4,91

(0,76)

4,76

(0,90)

A, B > D

Estimulação 3,86(1,45)

3,32(1,59)

3,43(1,56)

3,73(1,27)

sem diferença

Hedonismo 4,71(1,93)

4,58(1,55)

4,61(1,52)

4,74(1,29)

sem diferença

Realização 4,93(1,08)

4,40(1,07)

4,24(1,25)

4,52(1,16)

interaçãosexo

Poder social 3,61(1,45)

2,84(1,52)

3,00(1,17)

2,98(1,38)

A > B, D

Segurança 4,46(1,12)

4,71(0,99)

4,51(0,80)

3,93(0,88)

A, B, C> D

Conformidade 4,15(1,39)

4,82(0,94)

4,40(1,13)

3,89(1,07)

interaçãosexo

Tradição 3,29(1,44)

3,90(1,15)

3,26(1,15)

2,99(1,42)

B > A,C, D

Benevolência 5,06(0,95)

5,25(0,80)

5,08(0,73)

4,62(0,84)

A, B, C >D

Universalismo 4,34

(1,15)

4,59

(1,05)

4,62

(0,71)

4,11

(0,91)

B, C> D

Tabela 1 - Médias (desvios-padrão) e comparações de médias

Nota: A - Autoritário; B - Autoritativo; C - Indulgente; D - Negligente.

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Os resultados para cada tipo motiva-cional apresentados na Tabela 1 são comen-tados a seguir.

Autodeterminação. Os grupos autori-tário e autoritativo obtiveram escores signi-ficativamente mais altos do que o grupo ne-gligente.

Estimulação e hedonismo. Não foramdetectadas diferenças estatisticamente sig-nificativas.

Realização. Apresentou interação sexox estilo. Análises posteriores mostraram que,entre os homens, o estilo autoritário(M=4,78) e o indulgente (M=5,05) obtive-ram escores significativamente mais altosdo que o autoritativo (M=4,17). Entre asmulheres, o estilo autoritário (M=4,78) tevemédia mais elevada do que o indulgente(M=3,73) e o negligente (M=3,87). Alémdisso, homens e mulheres diferiram nosgrupos indulgente e negligente, com oshomens obtendo escores mais elevados doque as mulheres.

Poder social. O grupo autoritário apre-sentou escores mais altos do que os gruposautoritativo e negligente.

Segurança. Os grupos autoritário, au-toritativo e indulgente apresentaram esco-res significativamente mais elevados do queo grupo negligente.

Conformidade. Apresentou interaçãosexo x estilo. Análises posteriores mostra-ram que, entre os homens, o estilo indul-gente (M=5,13) obteve escore significati-vamente mais alto do que os estilos autori-tário (M=3,93) e negligente (M=4,11). Jáentre as mulheres, o estilo autoritativo(M=4,86) teve média mais elevada do queos estilos autoritário (M=4,25), indulgente(M=3,94) e negligente (M=3,48). Emacréscimo, homens e mulheres diferiramnos grupos indulgente e negligente, comos homens obtendo escores mais elevadosdo que as mulheres.

Tradição. O grupo autoritativo apre-sentou níveis significativamente mais altosdo que os demais.

Benevolência. Os grupos autoritário,autoritativo e indulgente apresentaram es-cores significativamente mais elevados doque o grupo negligente.

Universalismo. Os grupos indulgente eautoritativo obtiveram escores significativa-mente mais altos do que o grupo negligente.

Discussão

Observou-se que os grupos autoritá-rio e autoritativo valorizaram mais a auto-determinação do que o grupo negligente.Este tipo motivacional está relacionado àsidéias de ação e pensamento independen-te (Schwartz, 1992), ou seja, de autonomia.O fato de que o grupo autoritativo tenhaobtido um escore elevado é compreensível,pois uma das metas implícitas na educaçãoautoritativa é o desenvolvimento da auto-nomia, na medida em que combina cobran-ça com estímulo à independência (Darling& Steinberg, 1993). Os pais autoritativosinteragem com os filhos e os apóiam, valo-rizando suas idéias. Em vista disso, os fi-lhos tendem a tornar-se mais persistentes,confiantes e positivamente orientados paraescolher, agir e pensar futuramente. Já oescore igualmente alto para autoritários éum tanto inesperado, pois a tendência ima-ginada para este grupo seria de apresentarmenos autonomia. Nesse sentido, vale lem-brar que Kasser, Koestner e Lekes (2002)observaram uma correlação negativa entrerestritividade parental e autodireção. Pode-mos pensar, contudo, que os aspectos decobrança de responsabilidade presentes naexigência possam contribuir para a valori-zação da autonomia, pois assumir respon-sabilidade implica, de certo modo, ser umtanto independente na realização das tare-fas. Contudo, talvez o motivo pelo qual osfilhos de pais autoritários valorizem a au-todeterminação seja para conseguir coisasextrínsecas, tais como bons salários, status,ou outras coisas materiais. O resultado maisbaixo observado entre os de estilo negligen-te está de acordo com a literatura, que mos-tra este grupo menos comprometido queos demais com diversos aspectos da vida(Reppold, Pacheco, Bardagi & Hutz, 2002).

Para os tipos motivacionais estimula-ção e hedonismo não houve diferenças en-tre os grupos de estilos. A estimulação está

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relacionada à procura de novidades e ex-citação; já o hedonismo trata da busca dereconhecimento social através do prazer eda gratificação sensual (Tamayo &Schwartz, 1993). Poderíamos pensar quejovens criados sob estilo indulgente talvezvalorizassem mais o prazer e a excitaçãocom a vida, mas isso não foi observado.Uma explicação possível poderia ser a pe-culiaridade da amostra, pois são jovens quetêm em média 20 anos de idade e estão nauniversidade. Para eles, este é um períodode exploração e busca de prazer, ainda maisem um ambiente universitário que muitasvezes que estimula o aproveitar a vida e asatisfação de desejos. Assim, a igual valo-rização do hedonismo e da estimulaçãopode ter sido mais influenciada pelo con-texto atual e faixa etária dos sujeitos doque pelos estilos parentais sob os quais fo-ram criados. Não podemos esquecer queos jovens pesquisados estão saindo da ado-lescência e ingressando na fase adulta, umperíodo em que a busca do prazer (espe-cialmente o sexual) costuma adquirir sali-ência. Um outro aspecto que pode ser con-siderado dentro dessa amostra é que pro-vavelmente muitos desses universitáriossaíram da casa dos pais para estudar emoutra cidade, passando a viver coisas no-vas e estimulantes, o que põe experiênciasdesse tipo em evidência para os jovens.

Quanto ao valor realização, a valori-zação foi diferente entre os sexos. Os ho-mens criados sob os estilos autoritário eindulgente valorizaram mais a realizaçãodo que os criados sob o estilo autoritati-vo. O escore mais alto do tipo autoritárioé coerente com a idéia de que os filhos depais autoritários voltam-se à obtenção deresultados socialmente valorizados, taiscomo o desempenho acadêmico (Lambo-rn & cols., 1991). Já o escore alto no gru-po indulgente é difícil de interpretar, poiso estilo indulgente não se caracteriza porexigir coisas dos jovens que os façam que-rer demonstrar competência de acordocom os padrões sociais. O padrão obser-vado entre as mulheres, por outro lado,está de acordo com o que se esperaria, ou

seja, o estilo autoritário com escores maisaltos do que o indulgente e o negligente.Em ambos os sexos, no entanto, devemosobservar que se destaca o estilo autoritá-rio, o que vai ao encontro da idéia de quepadrões sociais de realização (como am-bição, sucesso e competência) são objeti-vos pessoais cujo desenvolvimento podeestar ligado a uma alta exigência e umabaixa responsividade durante a educaçãona família.

Um padrão semelhante foi observa-do para o tipo motivacional poder social,que está relacionado a valores externoscomo ter riquezas, ter prestígio, ser in-fluente, ou ter autoridade. O estilo auto-ritário obteve um escore mais alto do queo autoritativo e o negligente. De fato, aliteratura sugere que filhos de pais auto-ritários tendem a desenvolver um siste-ma de autovalorização baseado em crité-rios externos (Darling & Steinberg, 1993).Ou seja, os filhos de pais autoritários ten-dem a não construir um sistema de refe-rências interno exatamente porque elessão cobrados em relação ao seu desempe-nho “visível”, geralmente não sendo da-das oportunidades para que desenvolvamum sistema interno, que depende da au-tonomia. Eles vivem em um ambiente quenão oferece o apoio emocional que preci-sam, e no qual não lhes é dado muitasvezes o direito de errar, de fazer por con-ta própria, e assim desenvolver a autono-mia (Reppold, Pacheco, Bardagi & Hutz,2002). Ao contrário, os pais autoritativosfazem cobranças, mas dão oportunidadese o apoio emocional necessário, sendoessas as condições favoráveis para a ob-tenção da autonomia. Sendo assim, os fi-lhos de pais autoritativos possivelmentedão menos importância a indicadores “ex-ternos” de sucesso do que os filhos de paisautoritários.

O tipo motivacional segurança estárelacionado a valores como senso de per-tencer, ordem social, retribuição de favo-res, ser saudável e limpo. Os filhos de paisnegligentes tiveram escore mais baixonesse tipo do que todos os demais gru-

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pos. O estilo negligente caracteriza-se porpais fracos tanto em controlar o compor-tamento dos filhos quanto em atender àssuas necessidades e demonstrar afeto (Re-ppold, Pacheco, Bardagi & Hutz, 2000).Dentro desse contexto, possivelmente fal-tem referências para o jovem desenvol-ver preocupações como, por exemplo, re-tribuição de favores, pois em seu ambi-ente familiar isso possivelmente não vemà tona; como conseqüência, isso acabanão sendo valorizado também. Além dis-so, pode-se pensar que adolescentes cri-ados sob o estilo negligente tenham ummenor número de referências internaspara guiar o seu comportamento, mos-trando-se pouco comprometidos comsuas vidas em geral. Isso, por sua vez,pode levá-los a não valorizar aspectos re-lacionados à segurança, e até mesmo pre-dispô-los a comportamentos de risco. Poroutro lado, no contexto dos outros esti-los, onde os pais passam um maior nú-mero de referências para seus filhos, es-tes se enquadram melhor dentro de nor-mas sociais e valorizam mais a segurançapara si e seus familiares. Assim, pode-sepensar que a valorização da segurançaestá mais ligada a responsividade do queà exigência, o que poderia explicar porque o estilo autoritário não teve um esco-re significativamente mais alto como sepoderia esperar. Cabe ressaltar que na pes-quisa de Kasser, Koestner e Lekes (2002),o valor segurança mostrou-se negativa-mente correlacionado com a calorosida-de parental (e não com a restritividade).Ora, calorosidade é exatamente o que fal-ta no estilo negligente, junto com restri-tividade (o estilo autoritário, embora tam-bém seja baixo em responsividade/calo-rosidade, tende a ser mais responsivo doque o negligente, até mesmo porque a exi-gência é, ao menos em parte, uma de-monstração do interesse dos pais paracom seus filhos).

Para o tipo motivacional conformi-dade observou-se diferenças entre os se-xos. Este tipo está ligado a valores comoser respeitoso, ter boas maneiras e cum-

prir deveres. Entre os homens, o estilo in-dulgente exibiu escore mais alto do que oautoritário e o negligente; já entre asmulheres foi o estilo autoritativo que apre-sentou escore mais alto que o autoritário,o negligente e o indulgente. Esperava-seque o grupo de estilo autoritário tivesseescores mais altos para esse tipo motiva-cional (devido à presença de exigência semestímulo à autonomia), mas foram estilosonde há responsividade que mostraram-se associados à conformidade (indulgen-te no caso dos homens e autoritativo nocaso das mulheres). Um exame mais deti-do da definição do tipo “conformidade”nos ajuda a pensar em possíveis explica-ções para esse resultado. SegundoSchwartz (1992), conformidade não sig-nifica simplesmente aceitar tudo ou con-cordar sem questionar. Refere-se muitomais a um certo autocontrole, uma res-trição que o indivíduo impõe a si mesmoe a seus impulsos, a fim de que as intera-ções sociais e a vida em grupo funcionembem. Trata-se de interiorizar determina-das condutas sociais tidas como impor-tantes. Dessa forma, pais autoritativos,que ao mesmo tempo cobram e dão oapoio emocional necessário, contribuempara que seus filhos entendam o por quêde serem educados e obedientes, fazen-do com que os valores associados a essescomportamentos sejam interiorizados. Omesmo possivelmente ocorre com os fi-lhos de pais indulgentes, ainda que, teo-ricamente, devessem valorizar um poucomenos a conformidade do que os filhosde pais autoritativos (mais uma vez o re-sultado entre os homens é difícil de serexplicado, embora deva-se notar que nãohouve diferenças entre indulgentes e au-toritativos). Já os filhos criados sob estiloautoritário possivelmente ajam de modoobediente e respeitoso devido às cobran-ças externas, como algo compulsório, eassim não cheguem a ver obediência e au-todisciplina como valores pessoais, o queexplicaria os escores mais baixos.

A tradição, tipo motivacional que éidentificado pelo respeito à tradição, hu-

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mildade, fé religiosa, moderação e ciênciados limites pessoais, mostrou um resultadosemelhante ao do tipo anterior, com o gru-po autoritativo tendo um escore mais altodo que os demais (embora se pudesse ima-ginar que o estilo autoritário fosse apresen-tar o escore mais elevado). Uma possívelexplicação para isso é similar à anterior:pais autoritativos fazem com que os filhoscompreendam melhor os objetivos dos paise seus valores, facilitando assim sua inter-nalização e o reconhecimento da importân-cia dos mesmos.

Em relação à benevolência, observou-se que o grupo negligente teve um escoresignificativamente mais baixo que todos.Esse resultado sugere que a ausência deintervenções parentais (sejam de exigên-cia ou de responsividade) pode levar osjovens a não valorizarem (ou pelo menosvalorizarem menos) aspectos como a ho-nestidade, a humildade, a prestatividadee a lealdade.

O tipo motivacional universalismo estáligado a valores como igualdade, harmoniainterior, sabedoria, justiça social, entre ou-tros, que são valores que tendem a ser in-trínsecos. Os escores mais altos de autori-tativos e indulgentes indicam que esses va-lores estão mais estreitamente relacionadosaos aspectos de responsividade envolvidosno estilo parental do que os de exigência (oestilo autoritário ficou numa posição inter-mediária).

De um modo geral, portanto, estapesquisa mostrou que os estilos parentaispossuem relação com os valores humanosexpressos pelos indivíduos. Em especial,os resultados sugerem que os estilos au-toritativo e autoritário são os que se asso-ciam mais fortemente aos valores, enquan-to estilo negligente é o que menos se as-socia (em geral teve os escores mais bai-xos). Assim, parece que uma combinação,ainda que em graus variados, de exigên-cia e responsividade, são necessárias parao desenvolvimento dos valores. Em con-traste, o distanciamento parental típicodo estilo negligente parece não favorecer

o desenvolvimento dos valores. Esse re-sultado confere com o já descrito em ou-tros estudos, onde o estilo negligente apre-senta os piores resultados em termos deindicadores de desenvolvimento psicos-social (Lamborn e cols., 1991; Reppold,Pacheco, Bardagi & Hutz, 2002; Stein-berg, 2001).

Por fim, deve-se reconhecer as limi-tações desta pesquisa. Em primeiro lugar,ela foi realizada com um grupo restritode sujeitos que são os estudantes univer-sitários. Portanto, não é possível genera-lizar os resultados para outras popula-ções. Além disso, optou-se por recortesteóricos específicos no que diz respeitoaos estilos parentais e valores; sendo as-sim, esta pesquisa, cujo caráter foi explo-ratório, de modo algum teve a pretensãode abarcar toda a complexidade destesdois temas, muito menos de chegar a con-clusões definitivas.

Questões metodológicas também pre-cisam ser consideradas. O instrumento devalores, por exemplo, apresentou algunsíndices de consistência interna baixos.Embora isso seja comum na literatura so-bre valores, compromete um pouco a pre-cisão dos resultados obtidos e sua inter-pretação. Outro aspecto a considerar é ofato de as avaliações referentes aos estilosterem sido feitas de modo retrospectivo.Não há garantias de que as respostas dossujeitos referentes à sua adolescência te-nham sido fidedignas, pois não apenas amemória é falha como ainda a percepçãosobre as experiências passadas pode semodificar com o tempo. Ainda, é precisolembrar que este foi um estudo compara-tivo entre grupos, e por isso não se podeinferir causalidade entre as variáveis. Ouseja, ainda que faça sentido pensarmos quesão os estilos que “causam” ou “promo-vem” o desenvolvimento de certos valo-res, isso não foi testado especificamentenesta pesquisa. Com certeza muitos ou-tros fatores influenciam os valores, alémdos estilos parentais. Apesar dessas limi-tações, este estudo atingiu o seu objetivo,

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que foi o de explorar as relações entre es-sas duas variáveis, e espera-se que novaspesquisas sobre o tema sejam realizadas nofuturo.

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Recebido em maio de 2005Aceito em julho de 2005

Autores: Marco Antônio Pereira Teixeira;Franciella Maria de Melo Lopes – UniversidadeFederal de Santa Maria.

Endereço para correspondência:E-mail: [email protected]

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Aletheia, n.22, p. 63-70, jul./dez. 2005

Condutas anti-sociais e delitivas e relações familiaresem duas áreas urbanas na cidade de Palmas-TO

Nilton S. Formiga

Resumo. Este trabalho investigou a relação entre as condutas anti-sociais e delitivas e osindicadores da relação familiar em duas áreas urbanas na cidade de Palmas-TO. Participa-ram do estudo 921 sujeitos de ambos os sexos e idades entre 10 e 21 anos. Os resultadosrevelaram que não houve diferença na relação entre as variáveis nas duas áreas urbanas.Desta forma, a dinâmica interna da família pode inibir condutas relacionadas à delin-qüência entre os jovens, independentemente da condição sócio-econômica destes.Palavras-chaves: delinqüência, relação familiar, jovens.

Delictive and anti-social conduct and family relations in two urban areasof the city of Palmas (Brazil)

Abstract. This study investigated the relation between antisocial and criminal behaviorsand the descriptors of family relationships in two urban areas in the city of Palmas-TO.The subjects were 921 citizens from both sexes and ages ranging from 10 to 21 years. Theresults showed no differences related to urban areas between the considered variables.Thus the internal dynamics of the family can inhibit delinquent behaviors of the youngs-ters independent of their social-economic condition.Key words: delinquency, familiar relation, teenagers.

Introdução

Os estudos sobre a função e estruturada família têm trazido reflexões sobre a suainfluência nos comportamentos dos jovens.Tal fato se deve por ser ela o primeiro lugarsocializador vivido por eles. Porém, inde-pendentemente do processo psicossocialque a família esteja passando, seja em rela-ção a sua manutenção original ou a recons-tituição familiar, ela ainda é um reflexo dasnormas e tradições culturais para o desen-volvimento das novas gerações.

As mudanças nas configurações famili-ares, segundo Wagner, Falcke e Meza (1997),vêm promover uma visão menos dogmáticadesta instituição e trazem expectativas quan-to ao seu funcionamento a partir das novasorganizações assumidas. Sugere-se que a re-lação familiar, mesmo com todas as suas fis-

suras, ainda pode ser enfatizada como elotanto na construção da realidade social e de-senvolvimento psicológico quanto um siste-ma intermediário entre a sociedade e os com-portamentos individuais.

Dessa maneira, essas transformações,tanto no conjunto família quanto nos mem-bros que a congregam, têm fomentado emestudiosos e leigos, questionamentos no quediz respeito às formas educativas adequadaspara a formação de condutas socialmentedesejáveis entre os jovens (Bolsoni-Silva &Marturano, 2002; Brenner & Fox, 1998; Cos-ta, Teixeira & Gomes, 2000; Outeiral, 1994).Essa condição, a partir da interação no seiodesta, permite refletir na produção tanto paraos pais quanto os filhos de um bem-estar so-cial, físico e mental (Papalia & Olds, 2000;Wagner, Ferreira & Rodrigues, 1998).

Pesquisas sobre as relações entre práti-

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cas parentais e variáveis sociais, psicológicase educacionais (por exemplo, condutas des-viantes, traços de personalidade, rendimen-to acadêmico e valores) encontraram relaçõesimportantes entre estas variáveis. Os estudosdesenvolvidos por Formiga e cols. (2003a;Formiga & cols., 2003b; Formiga & cols.,2003c; Formiga & cols., 2003d) tem reveladoque o estilo parental adequado é capaz defomentar valores normativos de interação so-cial no jovem, desenvolver traços de sociabi-lidade e conscienciosidade, bem como inibiras condutas anti-sociais e delitivas.

Gouveia, Coelho Junior, Gontiès, An-drade e Andrade (2003) encontraram quequanto maior for a identificação com os gru-pos primários (pais, mãe, irmãos, parentes)menor será o risco ao uso de drogas; damesma maneira, os grupos secundários (es-pecialmente os professores e amigos) tam-bém parecem capazes de inibir tais condu-tas de risco. Formiga e Fachini (2003) revela-ram a relação entre apoio social (pais, irmãos,professores, etc.) e condutas desviantes emjovens. Os autores compararam jovens resi-dentes em diferentes zonas urbanas, umamelhor estruturada no plano sócio-educa-cional, e a outra com dificuldades neste sen-tido. Em ambos os contextos, quanto maiora identificação dos jovens com pais, irmãose professores, menor a probabilidade de apre-sentarem esse tipo de conduta. Estes resul-tados foram semelhantes aos de Formiga(2004) e Gouveia e cols. (2003).

Mesmo considerando as pesquisas ci-tadas acima, poucos estudos brasileiros têminvestigado quais os indicadores relevantespara a manutenção de uma boa convivênciafamiliar, isto é, identificar fatores de prote-ção de comportamentos desviantes. Peçanhae Pérez-Ramos (1999) enfocaram esta ques-tão numa perspectiva da funcionalidade ati-tudinal e comunicativa, importando-se ape-nas como diagnóstico psicológico.

Os problemas de conduta dos adoles-centes têm sido objeto de interesse de pes-quisadores e leigos. Os pais têm manifestadopreocupação intensa com as companhias deseus filhos e a influência destas sobre seuscomportamentos. Estas preocupações visama estabilidade de regras familiares, preserva-ção da saúde física, psíquica e social e os fato-

res de risco associados (Alsinet, Pérez &Agulló, 2000), especialmente, no que diz res-peito aos eventos disciplinares, seja da que-bra de regra social ou do cumprimento dela.

A compreensão dessas condutas requerconsiderar que os jovens e a sociedade sem-pre viveram conflitos associados a condu-tas desviantes. Nestes episódios, freqüen-temente curtos e passageiros, que tem lu-gar o despertar de uma consciência sociale moral, ainda pouco organizada. Consi-derar que um jovem apresenta condutasanti-sociais e delitivas é fazer referência aoseu comportamento transgressor comouma tendência generalizada desta fase evo-lutiva à quebra de normas.

Desta forma, uma conduta anti-socialse refere a não conscientização das normasque devem ser respeitadas. Sabe-se da nor-ma de limpeza das ruas ou do respeito comos colegas no que se refere a certas brinca-deiras, porém estas condutas não são pra-ticadas por alguns jovens. Neste sentido,uma das características das condutas anti-sociais é o fato de incomodarem, mas semque causem necessariamente danos físicosa outras pessoas; elas dizem respeito ape-nas às travessuras dos jovens ou simples-mente à busca de romper com algumas leissociais. Em relação às condutas delitivas,estas podem ser concebidas como merece-doras de punição, capazes de causar danosgraves, morais e/ou físicos (Espinosa, 2000;Molina & Gómez, 1997). Portanto, tais con-dutas podem ser consideradas mais seve-ras que as anteriores, representando umaameaça eminente à ordem social vigente.

O que a conduta anti-social e delitivatêm em comum é que ambas interferem nosdireitos e deveres das pessoas, ameaçandoo seu bem-estar. Não obstante, tambémpodem ser diferenciadas em função da gra-vidade das conseqüências oriundas. Possi-velmente todo jovem pratica ou já praticoualgum tipo de conduta anti-social. Prova-velmente faz parte do repertório do jovemo desafio dos padrões tradicionais da soci-edade, pondo em evidência as normas dageração dos seus pais. No caso da condutadelitiva, estas podem implicar algo mais queum desafio às normas vigentes, refletindodistúrbios psicológicos mais graves (Formi-

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ga, 2002; Gattaz 1998; Vermeiren, De Cli-ppele & Deboutte, 2000). Porém, pouco sesabe sobre a relação entre estas condutas evariáveis extra e intra-familiares (Formiga& Fachini, 2003; Formiga & cols., 2003a).

Assim, o objetivo desse trabalho trata-sede avaliar a relação entre os indicadores darelação familiar e condutas anti-sociais e deli-tivas em jovens. Para tanto, foram considera-das duas áreas urbanas na cidade de Palmas-TO. Uma área caracteriza-se por bom aten-dimento sócio-educacional (por exemplo,saneamento, segurança policial, construçõesmodernas de moradia, transporte públicoconstante), ser próxima ao centro comerciale bancário da cidade. A outra área mostra di-ficuldades nestes mesmos aspectos (por exem-plo, difícil acesso a transporte urbano, estru-tura de moradia e ambiental precária). To-mando a família como uma categoria univer-sal, independentemente da condição sócio-econômica dos sujeitos, e pressupondo queela é um fator de proteção para as condutastransgressoras entre os jovens, o presente es-tudo examinou relações entre variáveis sócio-demográficas, indicadores das relações fami-liares e critérios de comportamento anti-so-cial e delitivo. Desta maneira, espera-se queos indicadores da relação familiar – compre-ensão, disposição ao perdão, confiança, afetoe carinho, coesão e satisfação conjugal – serelacionem inversamente com as condutasanti-sociais e delitivas. Por outro lado, espe-ra-se que os indicadores liberdade e condi-ção econômica não apresentem correlaçãocom as condutas anti-sociais e delitivas.

Método

AmostraO presente estudo foi composto por

uma amostra total de 921 sujeitos; desta aprimeira (N1) com 417 jovens, com idadesentre 11 a 21 anos (M = 13,5, DP = 0,50),de ambos os sexos, sendo 62% predominan-temente do sexo feminino, e com uma ren-da econômica de R$ 384,00. Essa amostra –N1 – foi coletada na área residencial norte(ARNO), a qual apresentava um desenvolvi-mento sócio-demográfico precário; nesta

área, a segurança policial era intensa, o sis-tema escolar tanto em sua estrutura físicaquanto humana, a organização e transporteurbano eram bem desestruturados. Consta-tou-se baixo êxito e freqüência escolar dosjovens, história de criminalidade e de con-dição sócio-humana com grande dificulda-de, bem como, a arquitetura ambiental econstrução das casas ainda não finalizadas.

Na segunda amostra (N2) 504 jovens,também, de ambos os sexos, predominan-do, ligeiramente, a participação das mulhe-res (52%), com idades entre 14 a 21 anos (M= 14,9, DP = 1,58), tendo uma renda eco-nômica de, aproximadamente, R$ 635,00.A presente amostra foi coletada na área resi-dencial sudeste (ARSE) a qual tinha, emcomparação com a anterior, uma perspecti-va sócio-econômica e humana bem melhor.Tanto sua estrutura urbana (residências, ilu-minação, etc.) quanto educacional (com es-colas públicas e privadas) bem organizado edesenvolvido. Nesta área foi observado umcotidiano humano e social bem harmônicoe com boas relações entre as pessoas. Apesarde se encontrar segurança policial na região,foram constatadas poucas histórias de vio-lência grave (assassinato, formação de gan-gues, etc.). Ambas estão inseridas na regiãourbana da cidade.

Tanto a amostra N1 quanto a N2, foramdistribuídos igualmente nos níveis escolaresfundamental e médios, da rede privada epública de educação de Palmas-TO. A amos-tragem foi intencional, a fim de garantir avalidade interna dos resultados da pesquisa. 

InstrumentoOs participantes responderam um ques-

tionário composto das seguintes medidas:Escala de Condutas Anti-sociais e Deli-

tiva – Este instrumento, proposto por Seis-dedos (1988) e validado por Formiga (2002)para o contexto brasileiro, compreende umamedida comportamental em relação às Con-dutas Anti-Sociais e Delitivas. Tal medida écomposta por quarenta elementos, distribuí-dos em dois fatores, como segue: o primeiroenvolve as condutas anti-sociais, em que seuselementos não expressam delitos, mas com-portamentos que desafiam a ordem social e

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infringem normas sociais (por exemplo, jo-gar lixo no chão mesmo quando há perto umcesto de lixo; tocar a campainha na casa dealguém e sair correndo). O segundo fator re-laciona-se às condutas delitivas. Estas incor-poram comportamentos delitivos que estãofora da lei, caracterizando uma infração ouuma conduta faltosa e prejudicial a alguémou mesmo à sociedade como um todo (porexemplo, roubar objetos dos carros; conse-guir dinheiro ameaçando pessoas mais fra-cas). Para cada elemento, os participantes de-veriam indicar o quanto apresentava o com-portamento assinalado no seu dia-a-dia. Paraisso, utilizavam uma escala de resposta comdez pontos, tendo os seguintes extremos: 0= Nunca e 9 = Sempre. A escala revelou qua-lidades psicométricas satisfatórias, a saber:para a Conduta Anti-social foi encontrado umalpha de Crombach de 0,86 e para a Condu-ta Delitiva ou Delinqüente, 0,92. Consideran-do a análise fatorial confirmatória, realizadacom o Lisrel 8.0, comprovou-se essas dimen-sões previamente encontradas (c²/gl = 1,35;AGFI = 0,89; PHI (f) = 0,79, p > .05) naanálise dos principais componentes (Formi-ga & Gouveia, 2003).

Indicadores da relação familiar – Esteinstrumento, construído e validado porFormiga, Fachini, Curado e Teixeira (2005),é composto de oito itens. Para cada indica-dor, os participantes deveriam informar oquanto ele era importante para a sua boarelação em família (relação com pais, ir-mãos, etc.). Para isso utilizou-se uma esca-la de resposta com seis pontos tendo os se-guintes extremos: 0 = Nada e 5 = Total-mente. A análise fatorial confirmatóriamostrou saturações dos itens estatistica-mente diferentes de zero (t > 1,96, p <0,05). A solução unifatorial, obtida atravésdo estimador ML (Máxima Verossimilhan-ça), revelou-se adequada: c² (739) =3328,89; p < 0,001; c² / Graus de Liberda-de = 1,78; GFI = 0,96, AGFI = 0,92; eRMR padronizado = 0,04. Considerandoo conjunto do 08 itens para o único fator,foram calculados os índices de consistên-cia interna, tendo sido obtido um alpha deCrombach de 0,82 (Formiga, Coelho, Pra-tes, Albuquerque & Pahim, 2005).

ProcedimentosProcurou-se definir um mesmo proce-

dimento padrão que consistia em aplicar osinstrumentos coletivamente em sala de aula,em escolas de ambas as áreas urbanas da ci-dade de Palmas-TO. Desta forma, colabora-dores com experiência metodológica e éti-ca, ficaram responsáveis pela coleta dos da-dos. Após conseguir a autorização tanto dadiretoria da escola quanto de professores res-ponsáveis pela disciplina, os aplicadores seapresentavam em sala de aula como interes-sado em conhecer as opiniões e os compor-tamentos das pessoas no dia-a-dia, solicitan-do a colaboração voluntária dos estudantesno sentido de responderem um questioná-rio breve. Para isso, foi-lhes dito que não haviarespostas certas ou erradas, e que respon-dessem individualmente, bem como, quan-to a sua não obrigação para respondê-los, eque mesmo ao pegar o instrumento e ao ini-ciar sua leitura e resposta, se quisesse devol-vê-lo não teria nenhum problema. A todosera assegurado o anonimato das suas res-postas, que seriam tratadas em seu conjun-to, apesar de o questionário ser auto-aplicá-vel, contando com as instruções necessáriaspara que possam ser respondidos, os cola-boradores estiveram presentes durante todaa aplicação para retirar eventuais dúvidas ourealizar esclarecimentos que se fizessem in-dispensáveis. Um tempo médio de 40 mi-nutos foi suficiente para concluir essa ativi-dade. Foram realizadas análises de estatísti-cas descritivas e verificados os coeficientesde correlação r de Pearson.

Resultados e discussão

Partindo dos dados coletados, procu-rou-se atender o objetivo principal: com-parar as relações entre condutas anti-soci-ais e delitivas e indicadores da relação fa-miliar em diferentes contextos sócio-demo-gráficos.

Sendo assim, a partir de uma correlaçãode Pearson (Tabela 1) foram obtidos os se-guintes resultados em relação a amostra N1(área residencial norte – ARNO): a maioriados indicadores da relação familiar relacionou

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inversamente com as condutas anti-sociais,delitivas e os comportamentos desviantes(CAD). Assim, os indicadores da relação fa-miliar – compreensão, disposição ao perdão,confiança, afeto e carinho, união entre toda a

família e boa relação conjugal dos pais – cor-relacionaram negativamente com comporta-mentos de delinqüência, revelando que estesindicadores são capazes de contribuir parainibição desses comportamentos.

Nota: * p < 0,001 (teste unilateral; eliminação pairwise de casos em branco); CAD = Pontuação total das condutas anti-sociais e delitivas. N1 = 417 sujeitos da ARNO.

Tabela 1. Correlação entre os indicadores da relação familiar e as condutas anti-sociais e delitivas na área urbana N1(ARNO) da cidade Palmas-TO.

Tipo de conduta

Indicadores de relação familiar

Anti-sociais Delitivas CAD

Compreensão -0,15* -0,22* -0,18*

Disposição ao perdão -0,25* -0,32* -0,28*

Confiança -0,24* -0,33* -0,28*

Afeto e carinho -0,19* -0,22* -0,22*

União entre toda a família -0,15* -0,10* -0,14*

Boa relação conjugal dos pais -0,24* -0,31* -0,27*

Liberdade 0,10* 0,04 0,07

Ter uma estrutura econômica boa -0,07 -0,05 -0,08

Indicador da relação familiar# -0,22* -0,28* -0,27*

Em relação à amostra N2 (área resi-dencial norte – ARSE), os resultados fo-ram bem semelhantes para as condutasanti-sociais, delitivas e os comportamen-tos desviantes comparados aos da amos-tra N1. Os coeficientes da correlação dePearson se apresentaram inversamente re-lacionados com os indicadores da relaçãofamiliar. Porém, é válido destacar a ob-servação de um resultado novo para am-bas as amostras: o indicador liberdade re-lacionou-se diretamente com as condu-

tas anti-sociais, o que não ocorreu no es-tudo anterior realizado por Formiga, Co-elho, Prates, Albuquerque e Pahim (2005),levando-nos a direcionar esse item a umaavaliação semântica em estudos posteri-ores. Mas todos os outros indicadores po-dem ser comparados ao estudo dessesautores, considerando assim sua consis-tência correlacional entre as variáveis tra-tadas em ambas as amostras (N1 e N2)independentemente da condição sócio-demográfica.

Notas: * p < 0,001 (teste unilateral; eliminação pairwise de casos em branco); CAD = Pontuação total das condutas anti-sociais e delitivas. # Pontuação total da relação familiar. N2 = 504 sujeitos da ARSE.

Tabela 2. Correlação entre os indicadores da relação familiar e as condutas anti-sociais e delitivas na área urbana N2(ARSE) da cidade Palmas-TO.

Tipo de conduta

Indicadores de relação familiar

Anti-sociais Delitivas CAD

Compreensão -0,33* -0,44* -0,40*

Disposição ao perdão -0,32* -0,46 * -0,42*

Confiança -0,23* -0,33* -0,30*

Afeto e carinho -0,22* -0,26* -0,25*

União entre toda a família -0,35* -0,49* -0,45*

Boa relação conjugal dos pais -0,29* -0,42* -0,39*

Liberdade 0,16* 0,08 0,02

Ter uma estrutura econômica boa -0,07 -0,06 -0,07

Indicador da relação familiar# -0,20* -0,26* -0,24*

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A partir desses resultados, ao conside-rar a dinâmica interna da família, parece queas condutas permeadoras da quebra da nor-ma social entre os jovens sejam capazes deinibi-las, a partir da manipulação desses in-dicadores. Para isso, é possível pensar na se-guinte direção: considerando o estudo an-terior de Formiga e cols. (2005), relacionan-do as mesmas variáveis, no estudo vigente,além de convergir para os resultados da pri-meira pesquisa destacados no princípio doparágrafo, observo-se uma consistência en-tre os resultados em ambos os trabalhos.Assim não somente pode ser enfatizada ainfluência entre as variáveis, bem como, aprecisão das mesmas na busca de um fatorde proteção para esses jovens.

Esses resultados confirmam a hipóteseproposta, tornando assim consistente a pers-pectiva abordada pelo autor. Desta maneira,é possível destacar uma explicação dos com-portamentos que antecedem a violência apartir da defasagem sócio-afetiva e dialógicana dinâmica familiar. Considerar uma açãode engajamento vem contribuir para umaformação e manutenção do comportamentosocialmente desejável do cotidiano juvenil.

Enfatizar a demanda ante as exigên-cias do grupo familiar entre os jovens quan-to ao favorecimento das oportunidades paraautodeterminação e participação na toma-da de decisões, vem ajudar na compreensãoe interiorização das regras sociais, principal-mente as conseqüentes da interação grupalda família. O desenvolvimento social e indi-vidual do jovem poderá ser mais efetivo emrelação às oportunidades de crescimentoocorridas no ambiente psicossocial dessegrupo, os quais trazem garantias de supor-tes emocionais e interpessoais para a relaçãofamiliar (Bee, 1997), porém, se e somentese, considerar, com bases nesses resultados,sua configuração intrínseca (Osório, 1996).

Assim, a instituição família cumpre opapel de função integrativa, embasando comisso a solidariedade social; ela contribui parauma ajuda mútua e suporte material e emo-cional capaz de nutrir e criar as gerações fu-turas (Domingues, 2002). A importância quese tem ao estudar a relação familiar, seja nasua dinâmica interna ou psicossocial, é des-tacá-la enquanto espaço de produção da iden-

tidade social (Arpini & Quintana, 2003; Ou-teiral, 1994), saúde psíquica (Oliveira, Marin,Ravanello & Rossato, 2002), bem como ame-nizar as dificuldades sócio-afetivas que ve-nham ocorrer internamente nela, já que amesma é composta de uma interdependên-cia entre os membros que a compõem, capazde promover o estresse familiar e conjugal ouinibi-lo a partir da administração da intera-ção do grupo (Brigas & Paquette, 2000).

Diante dessa perspectiva, o processoda socialização e seus agentes (por exemplo,pais, amigos, professores, etc.) (Jacinto & Or-tiz,1997; Mussen, Conger, Kagan & Huston1995) não se preocupam apenas com o sersocializado, mas também com a formação einternalização dos valores, crenças e atitudesfamiliares e sociais (Molpeceres, Llinares &Musitu, 2001). Desta maneira, segundo Do-mingues (2002), a família, mesmo com a suafragmentação na sociedade atual, ainda temum poder nuclear organizador no acompa-nhamento das condutas dos jovens. Segun-do Kreppner (2000), apesar da diversidadedas habilidades sociais e individuais que asfamílias venham apresentar neste processo demudança, o exame de indicadores da relaçãofamiliar vem contribuir na compreensão desistemas comunicativos necessários ao desen-volvimento e bem-estar de todos.

Neste estudo, observou-se que umadinâmica familiar que vise uma relação maisexpressiva do que instrumental tem maiorprobabilidade de inibir as condutas desvi-antes (anti-social e delitivas).

Neste contexto, parece evidente que oscomportamentos de delinqüência apontampara uma debilidade das convenções inter-nalizadas no contexto familiar, revelando oconfronto entre prioridades de pais e filhosna manutenção de uma ordem intrafamili-ar, consecutivamente, ordem social. Os jo-vens que se sentem engajados na sua famí-lia não somente teriam apoio emocional,mas também social, sendo assim, capazesde internalizar valores e comportamentossocialmente desejáveis.

Por fim, explicar os comportamentosdesviantes a partir de indicadores da dinâ-mica familiar permite refletir os seguinteselementos na compreensão do fenômenoda delinqüência: (a) a importância da fa-

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mília para a formação de estratégias com-portamentais dos jovens, (b) a interaçãosocial na família tem conseqüências na ca-pacidade do jovem para atender normassociais, e (c) reconhecer limites e possibili-dades de negociação frente às demandasda convivência social.

Algumas limitações deste estudo po-dem ser destacadas visando pesquisas pos-teriores. Sugere-se a sua replicação em ou-tros estados, considerando fatores sócio-demográficos e culturais, principalmentesubculturais (por exemplo, comparar áreasurbanas e rurais). Outro ponto merecedorde destaque é quanto ao exame comparati-vo das relações estudas em famílias comhistória de agressão e delinqüência e ou-tras sem registro destes comportamentos.

Outras informações sociais e demográ-ficas também podem ser contempladas. Porexemplo, o gerenciamento do capital sócio-cultural familiar e sua influência nos com-portamentos juvenis (Omar, Uribe & Formi-ga, 2003). Esta seria uma análise mais com-pleta, considerando fatores micro, meso emacrosistêmicos (Bronfenbrenner, 1994).

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Recebido em junho de 2004Aceito em maio de 2005

Autor: Nilton Formiga – Mestre em PsicologiaSocial (Universidade Federal da Paraíba).

Endereço para correspondência.E-mail: [email protected]

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Aletheia 22, jul./dez. 2005 71

Situações e recursos de aprendizagem em famíliasde crianças escolares

Maria Aparecida Trevisan ZamberlanTerezinha de Paula Machado Esteves Ottoni

Roselaine Vieira Sônego

Resumo. As interações familiares e os recursos disponíveis no ambiente domésticotêm mostrado grande relevância nas pesquisas sobre o desenvolvimento infantil apoi-adas na abordagem ecológica de Bronfenbrenner. O presente estudo descreve aspectosde ambientes familiares e recursos disponíveis para o desenvolvimento da criança em19 famílias de crianças matriculadas nas séries iniciais do Ensino Fundamental deuma escola privada localizada em Ivatuva-Paraná. As famílias responderam a questõesabertas e fechadas. Os dados revelaram condições ambientais favoráveis para o desen-volvimento infantil.Palavras-chave: família, práticas educativas, crianças.

Situations and resources of learning in families of school’s children

Abstract. The family’s interactions and the available resources in the domestic environ-ment have showed great relevance in research about child development supported by theecological approach of Bronfenbrener. The present study describes aspects of family envi-ronments and the available resources for child development in 19 families of childrenenrolled the initial series of basic education of a private school located in Ivatuva-Paraná.The families answered open and closed questions. The data revealed favorable environ-mental conditions for child development.Key words: family, rearing practices, children.

Aletheia, n.22, p. 71-78, jul./dez. 2005

Introdução

A necessidade de estudos criteriososque traduzam informações sobre os even-tos promotores do desenvolvimento infan-til tem focalizado o ambiente em que a cri-ança está inserida, especialmente o famili-ar, como tópico relevante à pesquisa.

Partindo do referencial teórico deBronfenbrenner (1996) que privilegia aanálise do indivíduo em suas relações nosdiferentes sistemas sociais, a atenção vol-ta-se ao grupo pontuado como primordi-al ao seu processo de desenvolvimento: afamília.

Definida como grupo primário, a fa-

mília mostra-se como um contexto quepode contribuir para o desempenho es-colar de crianças, em diversas idades, di-ante de fatores como a proximidade daspessoas nas relações de convívio, o esta-belecimento de vínculos afetivos que pro-porcionam segurança e autoconfiança àprole e as práticas de cuidados a ela for-necida.

Parte-se do pressuposto que é por meioda disponibilidade de recursos ambientaise experiências mediadas pelos pais que cri-anças de diferentes idades podem encon-trar o suporte cognitivo e emocional capazde auxiliá-las na inserção efetiva de sua es-colarização.

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Abordagem ecológica dos contextos dedesenvolvimento

Uma das grandes contribuições daPsicologia do Desenvolvimento, nos últimostrinta anos, tem sido a mudança de para-digma quanto à concepção de criança. Naabordagem teórico-metodológica da ecolo-gia do desenvolvimento do indivíduo, a cri-ança passa a ser concebida no interior desuas relações, enfatizando a compreensãodas interações entre natureza e ambiente.

Bronfenbrenner (1979, em Biasoli –Alves & Zamberlan , 1996), seu principalrepresentante, definiu como um dos pres-supostos que fundamenta seus estudos, oentendimento do homem e suas relaçõescom o contexto em que vive, alicerçado emquatro níveis dinâmicos e inter-relaciona-dos conforme representado na figura 1.

pais, a rede de amigos. Por último, Bron-fenbrenner classificou de macrossistema oambiente mais amplo, que abrange o me-sossistema e o exo-sistema, exemplifican-do, como componentes deste último, a de-mografia (condição sócio-econômica da fa-mília), a identidade étnica, dentre outros.

O desenvolvimento é conceituado peloautor como o conjunto de processos atra-vés dos quais as particularidades da pessoae do ambiente interagem para produzirconstância e mudança nas característicasindividuais no curso de sua vida. Assim, odesenvolvimento da criança é o produto detodas as interações com o sistema, poden-do ser afetado pelos efeitos relacionais di-retos e indiretos (Bronfenbrenner, 1989, emAlves, 1997, p. 1-4).

Carvalho (1998) reitera esta proposi-ção ao apontar quatro aspectos conceituais(Pessoa, Processo, Contexto e Tempo) quecolaboraram para o enriquecimento daspesquisas nesta área.

As considerações decorrentes deste en-foque sistêmico de desenvolvimento huma-no postulam “a inserção da pessoa na família(microssistema), como grupo primário, comcaracterísticas peculiares quanto à dinâmicainterna, as relações de parentesco e interpes-soais, marcadas pela “afeição e apoio, pelapartilha de tarefas, cuidados à prole e coope-ração mútua em várias atividades de seu in-teresse” (Zamberlan, 1995, p. 16)

Para uma melhor compreensão desteprocesso, Zamberlan (1997, p.116) classifi-ca os ambientes contextuais inseridos na fa-mília em dois tipos: ambiente socialmenteintermediado, referente às inter-relações pro-priamente ditas e o número de agentes cui-dadores da criança; e ambiente inanimado,relacionado à fonte de estimulação presenteno meio ambiente, tais como materiais lúdi-cos apropriados à idade da criança e liber-dade de acesso à leitura, manipulação, or-ganização da rotina diária, e dos espaços dis-poníveis. Em síntese, apresenta como recur-sos de aprendizagem “brinquedos atrativos,ambientes previsíveis e pessoas contingen-temente responsivas como promotoras deexploração e estimulação à criança”.

Figura 1: Modelo de relações inspirado em bronfenbrenner.

Fonte: Szapcznik e Kurtines (1993, apud Zamberlan, 1995).

Diversidade Cultural

Instituições que afetam a família

Família

Criança

O primeiro nível, mais central, deno-minado de microssistema, refere-se à famí-lia, à escola, à creche e outros elementoscom os quais a criança entra em experiên-cia direta, mantendo relações próximas,constantes e expressivas. À camada seguin-te, a que o autor identifica como exo-siste-ma, englobam-se elementos com os quais acriança não tem experiência direta, mas quea influenciam pela interferência no micros-sistema, como, por exemplo, o trabalho dos

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Aletheia 22, jul./dez. 2005 73

Dentre os diversos enfoques analisa-dos no ambiente familiar, a organizaçãono ambiente doméstico, o envolvimentoe estilos parentais têm sido apontados nosestudos, sugerindo seus efeitos positivoscomo recursos promotores do desenvol-vimento (Bradley & cols, 1988; Luster &McAdoo, 1994, em Biasoli-Alves & Zam-berlan, 1996).

Marturano (1999, p. 5) apontou querecursos disponíveis no ambiente familiar,combinados às experiências ativas de apren-dizagem, têm sido relacionados à “promo-ção de competência cognitiva e social, en-quanto proporcionam às crianças autocon-fiança e interesse independente da instru-ção formalizada”.

Referendando Biasoli-Alves e Zamber-lan (1996, p. 200) sobre a “necessidade dese conhecer como mães, pais e crianças in-teragem em situações diárias” nas práticaseducativas efetivadas, o presente trabalhoteve como objetivo descrever os contextosfamiliares pesquisados e os recursos dispo-níveis nos lares, com crianças na faixa etá-ria de 7 a 10 anos de idade, matriculadasnas primeiras séries do ensino fundamen-tal de uma instituição particular com ca-racterísticas específicas.

Metodologia

Participaram da pesquisa 19 famílias decrianças matriculadas nas séries iniciais doEnsino Fundamental de um instituto edu-cacional particular de Ivatuba, localidadepróxima ao município de Maringá-Pr.

Dados sobre a estrutura física da mo-radia, dinâmica familiar e recursos dispo-níveis para o estímulo à aprendizagem es-colar foram obtidos mediante entrevistassemi-estruturadas conduzidas junto às fa-mílias participantes.

Desenvolvidas nos ambientes familia-res das crianças, as entrevistas foram gra-vadas para a transcrição dos dados e análi-se através dos escores obtidos, convertidosem percentuais para cada questão.

O primeiro módulo referia-se a infor-

mações sobre identificação da criança, como,idade, série em que estuda e do responden-te, como: sexo, idade, grau de parentescocom a criança, grau de escolaridade e, ain-da, dados referentes aos pais ou responsá-veis como jornada de trabalho diário, pro-fissão, níveis profissionais, renda familiar esua condição de contribuintes mensais.

Características ambientais foram regis-tradas no segundo módulo, tendo em vistaa descrição do ambiente físico, localização,divisões internas da casa, recursos materiaise de estimulação, espaços disponíveis e pes-soas que brincam com a criança, estímulospresentes no cotidiano e questões abertasreferentes às formas de organização familiarpara a disponibilização de brinquedos à cri-ança, materiais e outros recursos, avaliaçãoda interação dos pais com a criança, preo-cupação com a aprendizagem da criança.

No terceiro módulo, as questões volta-vam-se à dinâmica do ambiente familiar, su-pervisão das atividades realizadas pela cri-ança, rotina diária da criança, realização depasseios e atividades compartilhadas com ospais no lar, local específico para as tarefasescolares e solicitação de auxílio. Duas ques-tões abertas foram incluídas neste módulo,como forma de oportunizar um espaço paraoutros comentários dos entrevistados, sobreas suas habilidades e preferências e percep-ção do ambiente da criança.

A organização do tempo foi dispostano quarto módulo: tempos dispensadospara as tarefas escolares, tarefas domésticase outras atividades extras.

Os dados coletados foram organizadossegundo os itens de cada módulo, sendoevidenciados os percentuais mais significa-tivos obtidos para cada questão.

Quanto à caracterização da amostrapela variável sexo, o maior índice foi demeninos – 66,66%. Com relação à idade esérie, 33,33% tinham 7 anos completos,sendo que 42,85% freqüentavam a 1ª sériedo Ensino Fundamental.

Quanto ao grau de parentesco, o gru-po de entrevistados envolveu 10,5% de paise 89,5% de mães. Dessas mães, 73,78% es-tão distribuídas na faixa etária de 21 a 30

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anos, sendo o maior grau de escolaridade(36,84%) com ensino superior completo.

Sobre a jornada de trabalho diário (aci-ma de 8 horas), os dados demonstraram índi-ces de 72,22% para os pais e 31,58% para asmães. Quanto às profissões, os dados apresen-tam 33,34% dos pais em funções administra-tivas e 36,84% das mães como professoras daEducação Infantil ao Ensino Superior.

Com relação à categoria profissional,44,45% dos pais e 73,69% das mães encon-tram-se na categoria assalariada, resultando52,64% das famílias com renda familiar men-sal acima de 7 salários mínimos. As contri-buições à renda familiar totalizam 52,94% dospais (4 a 6 salários mínimos) e 50% das mãesde (1 a 3 salários mínimos) mensalmente.

VARIÁVEIS TOTAL TOTAL %Casa térrea 18 90,53

Alvenaria 19 100

Tipos de moradia

Sobrado 1 9,47

Vila dos Professores – IAP 8 42,10Vila Funcionários – IAP 1 5,27Jardim Refúgio 6 31,58

Localização

Floresta 4 21,05

Quantidade de Cômodos1 % 2 % 3 %

Quarto 4 21,05 15 78,94Sala de Estar 14 73,68 3 15,78Sala de Jantar 12 63,15Cozinha 19 100Banheiro 6 31,58 9 47,37 4 21,05Área de Serviço 16 84,21Dep. de Empregadas 5 26,31Escritório 7 36,84

Divisões internas

Outros 13 68,42Quantidade

1 % 2 % 3 %

Geladeira 17 89,47 2 10,52

Televisão 13 68,42 5 26,32 1 5,26

Rádio 7 36,84 5 26,31 3 15,78Videocassete 10 52,63 3 15,78

Videogame 6 31,58

Recursos materiais

Computador 10 52,63 1 5,26

Sucatas IndustrializadosBrinquedos Próprios 2 9,53 19 90,47

Sim Não

Utensílios Domésticos 8 38,1 13 61,90Ferramentas 16 76,2 5 23,80

Recursos de estimulação

Objetos Pessoais de Outros 8 38,1 13 61,90

Rua 10 47,61 11 52,39Quintal 15 71,42 6 28,58

Local de brincar

Dentro de Casa 17 80,95 4 19,05Sozinha 3 14,29 18 85,71

Irmãos 8 38,1 13 61,90

Pai 11 52,39 10 47,61Mãe 8 38,1 13 61,90

Vizinhos 20 95,24 1 4,76

Com quem brinca

Parentes 4 19,05 17 80,95

Livros e Revistas em Geral 16 76,2 5 23,80Livros de Histórias p/ Cças 16 76,2 5 23,80Jogos Educativos 7 33,34 14 66,66Jogos Educ. Informatizados 9 42,85 12 57,15

Estímulos do cotidiano

Outros 7 33,34 14 66,66

Resultados

Ambiente físico e recursos disponíveis

Tabela 1 – Ambientes de vivência e recursos de aprendizagem.

Os resultados relacionados à descri-ção do ambiente assinalam que 100% das

casas são construídas em alvenaria, sendo90,53% térreas e 42,10% localizadas na Vila

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dos Professores nas imediações do Insti-tuto Adventista Paranaense. A maioria dascasas apresenta como divisões internas:quarto tendo 78,94% destas com 2 cômo-dos; 47,37% com 2 banheiros, 63,15% comsala de jantar, 100% com cozinha, 84,21%com área de serviço. As demais divisõesforam especificadas no item Outros, per-fazendo um total de 68,42% , sendo cita-das: escritório, garagem e despensa.

Os recursos materiais disponíveis noambiente doméstico das 19 famílias pesqui-sadas indicam a presença de geladeira com89,47%, televisão com 68,42%, videocasse-te e computador com 52,63% cada um.

Quanto aos recursos de estimulação,90,47% das crianças possuem brinquedospróprios e industrializados e 76,2% fazem usode ferramentas, sendo que 80,95% brincamno quintal de suas casas. A presença de vizi-nhos como parceiros de brincadeiras é apon-tada em 95,24% pelas famílias, e o pai com52,39% de participação nestes momentos.

Os estímulos existentes no cotidianoassinalam índices semelhantes de 76,2%para livros e revistas em geral e livros dehistórias para crianças. Os jogos educati-vos informatizados demonstram um per-centual de 42,85% entre famílias que ofer-tam este recurso às crianças.

Dinâmica familiar e estimulação

Tabela 2 – Caracterização da dinâmica familiar quanto à estimulação para a aprendizagem

VARIÁVEIS TOTAL TOTAL%

Mãe 18 94,73

Pai 4 21,05

Irmãos 4 21,05

Supervisão das atividades

Não há 1 5,26

Rígida 1 5,26

Flexível 17 89,48

Rotina diária

Não há 1 5,26

FreqüênciaSempre 4 21,05Raramente 15 78,95Nunca

Onde?

Cidades Vizinhas (Maringá, Marialva) 18 94,73Casa de Parentes 2 10,52

Passeios com os pais

Outros 6 31,58Pai 5 26,31Mãe 4 21,05

Ambos 10 52,63Auxílio nas Atividades Domésticas 16 84,21Auxílio na organização de ordem pessoal 7 36,84

Culto Familiar 5 26,31Brincadeiras e ou jogos 2 10,52

Higiene Pessoal 1 5,26

Local

Escritório 4 21,05

Próprio Quarto 4 21,05

Mesa da Sala 7 36,84

Mesa da Cozinha 5 26,31

Outros 2 10,52

Atividades compartilhadas com os pais no lar

Não há 1 5,26

Livros Didáticos 14 73,68

Enciclopédias 2 10,52

Materiais para consultas e pesquisa escolares

Internet 7 36,84

SÉRIES

Auxílio 1 % 2 % 3 % 4 %Sim 5 55,55 1 50 1 12,5NãoRaramente 4 44,45 1 50 7 87,5 2 100Pai 3 33,33 2 25 1 50Mãe 8 88,88 2 100 7 87,5 1 50Irmão(ã) 2 25

Realização das tarefas escolares

Outros 1 11,11

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Para a supervisão das atividades reali-zadas pela criança, a figura da mãe é sinali-zada em 94,73% das famílias, sendo que89,48% oferecem às crianças uma rotinadiária flexível. Sobre os passeios familiares,são classificados como raros por 78,95% dosentrevistados, com 94,73% destes deslocan-do-se para cidades vizinhas, como: Marin-gá e Marialva.

Nas atividades compartilhadas no lar,52,63% das crianças realizam trabalhos comos pais (pai e mãe), com 84,21% no auxílioa atividades domésticas.

Organização do ambienteO local para a realização das tarefas

escolares é a mesa da sala, apontado em36,84% das famílias. Como materiais paraconsulta e pesquisa escolares, os livros di-dáticos são ofertados às crianças por73,68% dos pais. Quanto ao auxílio às tare-fas escolares, os índices evidenciam que:55,55% das crianças da 1ª série solicitam oapoio da mãe em 88,88% das famílias; 50%das crianças da 2ª série raramente solici-tam e quando o fazem recorrem em 100% àmãe; na 3ª série, 87,5% das crianças rara-mente recorrem, tendo o mesmo índice paraa solicitação à mãe, as crianças da 4ª sériedemonstram que raramente solicitam apoioem suas tarefas, com um índice de 100%,tendo em apenas 50% a indicação da mãepara este auxílio, quando dele necessitem.

Com relação ao tempo diário para arealização das suas tarefas escolares, as cri-anças que dispensam, em média 2 horassão, para cada série: 44,45% que freqüen-tam a 1ª, 100% da 2ª, 50% da 3ª e da 4ª. Àstarefas domésticas, são destinados até 30minutos diários por 68,75% das crianças.Dentre as atividades extra-escolares fre-qüentadas, são mencionados, com 2 horassemanais, o Clube de Escoteiros com33,33% das crianças e 19,04% para o apren-dizado de um instrumento musical.

Discussão e conclusões

Os resultados obtidos das entrevistascom as 19 famílias de crianças matriculadas

na 1ª fase do Ensino Fundamental do Insti-tuto Adventista Paranaense demonstramcaracterísticas singulares a esse grupo, pelascondições de vida asseguradas ao mesmo.

Situadas nas proximidades do Institutoe concentrando-se, fundamentalmente, emtrês regiões, as famílias se distribuem na Vilados Professores, Jardim Refúgio e Vila dosFuncionários. A localidade de Floresta tam-bém é apontada, porém, encontra-se foradas benfeitorias do Instituto.

As residências dessas famílias mos-tram-se similares entre si. As casas em alve-naria e térreas (apenas uma é sobrado) têmpequenas diferenças nas divisões internasou recursos materiais existentes. Entretan-to, poucas foram as famílias que indicaraminfra-estrutura inferior à maioria dos gru-pos pesquisados.

Os pais entrevistados são jovens quedesempenham suas funções profissionais,sendo mães como professoras e pais ocu-pantes de cargos administrativos no Insti-tuto, razão, pela qual, há um bom númerocom Curso de Graduação completo.

Tendo os pais uma jornada de traba-lho diário superior a 8 horas, as mães mos-tram-se com uma participação mais efetivana supervisão das tarefas dos filhos e auxilioquando solicitada. Essa explicação pode es-tar associada à jornada de trabalho da mãeque, somados os índices das donas de casa eaquelas com 4 horas diárias de trabalho, re-velam percentual de 47,37%, podendo ser,ainda, para este último grupo de mães, omotivo de contribuição menor para a rendafamiliar. Pais e irmãos são mencionados,porém com índices bem inferiores.

Percebemos, ainda, que à medida quea criança avança nas séries escolares, de-cresce a solicitação para a ajuda às tarefasacadêmicas. Concluindo:

- Os estímulos presentes no cotidianodas famílias apontam para índices seme-lhantes quanto a livros e revistas em geral elivros de histórias para crianças, com 76,2%para cada, representando condições favo-ráveis à estimulação.

- Para as pesquisas e consultas às tare-fas escolares, há um bom percentual de li-vros didáticos (73,68) e uso de internet

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(36,84) como fonte de informações. Algu-mas casas possuem locais específicos paraa realização das tarefas, como por exemploo escritório, mas a maioria das crianças ocu-pa a mesa da sala, geralmente um local derotatividade pela família, dispensando umtempo de até duas horas.

- As atividades compartilhadas com ospais restringem-se a passeios externos es-porádicos, mais especificamente a casa deparentes (avós) em cidades próximas, lo-cais públicos (praças e parques) e comérci-os (shoppings, sorveterias). A renda famili-ar e a jornada de trabalho acima de oitohoras dos pais podem ser possíveis indica-tivos para a baixa freqüência de atividadesexternas que, quando realizadas, ocorrem,na maioria das vezes, nos finais de semana.

- A maior freqüência de atividades com-partilhadas pela família está no desempenhode algumas tarefas domésticas, sendo cita-dos os auxílios à limpeza dos utensílios decozinha, organização da casa, lavagem docarro, banho de pequenos animais domésti-cos (como cachorro). Tarefas para a organi-zação de ordem pessoal também foram rela-cionadas, tais como a arrumação da cama edo quarto, ordenação das roupas.

- Nas brincadeiras com as crianças, osentrevistados colocaram que pai e mãe par-ticipam juntos de momentos, como: passei-os nos arredores do Instituto, jogo com bola,piscina, indicação seguinte aos vizinhos. Emalgumas famílias, a mãe referenciou a figurapaterna nas brincadeiras com os filhos, afir-mando que este tem uma participação mai-or. Provavelmente, esses resultados podemsinalizar situações de divisão de tarefas en-tre o casal, onde o pai fica responsável peloentretenimento dos filhos, enquanto a mãerealiza as tarefas domésticas.

- Os brinquedos mais explorados pe-las crianças são os industrializados, combaixa utilização de sucatas. Materiais, como:ferramentas, também são apontados, ape-sar dos riscos com acidentes pelo uso.

- Os locais mais utilizados para as brin-cadeiras, tais como o quintal (71,42%) e ointerior das próprias casas (80,95%), po-dem sugerir relações com a própria estru-

tura das casas não muradas e muita arbori-zação. Outra evidência pode estar na tran-qüilidade do local, confirmada pela maio-ria das mães, o que não exclui, porém, apossibilidade de uma supervisão mais pró-xima dos familiares sobre as crianças e asbrincadeiras à noite como provavelmenteaquelas realizadas no interior das residên-cias. Mesmo diante dos aspectos positivos,as famílias que moram dentro da institui-ção revelam situação de conflito pela pou-ca privacidade, o que pode levar à restriçãoe limites de espaços para as brincadeiras,apesar do ambiente livre.

- Notamos, também, que as criançasresidentes na cidade têm espaço restrito àsbrincadeiras, sendo menor a percepção daimportância do ambiente familiar como re-quisito para a estimulação da aprendizagemem comparação àquelas que moram no in-terior e nos arredores da instituição.

- Mesmo diante de tarefas escolares eauxílio às atividades domésticas, a maiorparte das crianças possui rotina diária fle-xível, sendo exigido apenas o cumprimen-to dessas tarefas, independente do horário.Isso significa que, às crianças compete aorganização do próprio tempo, de tal modoque garanta a execução das tarefas estabe-lecidas. Vale ressaltar que, em nenhuma dasfamílias, há crianças com encargos diretosà dinâmica diária da casa, uma vez que otempo dispensado semanalmente nessastarefas pelas crianças não ultrapassa 30minutos. Assumindo características de au-xílio, este trabalho pode significar uma for-ma para o desenvolvimento da disciplina eresponsabilidade.

- Sobre as atividades extra-escolares,evidenciamos um alto índice de freqüênciaà aulas, relacionadas à Música, como oaprendizado de instrumento musical, au-las de musicalização e participação em co-ral infantil da instituição, revelando um re-sultado total de 38,08% de crianças envol-vidas nessas atividades. O Clube dos esco-teiros também pontua uma boa freqüênciapelas crianças. Realizado nos finais de se-mana, visa, fundamentalmente, atividadesem grupo para o desenvolvimento de valo-

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res e o aprendizado de regras de sobrevi-vência. Estas atividades extra-escolares sãodesenvolvidas em aproximadas 2 horas se-manais, não comprometendo as demais.

- Podemos hipotetizar uma possívelinfluência da proposta do instituto na es-colha dessas modalidades extra-escolarespelas famílias, na medida que, além de pro-porcionar vários eventos musicais, possuicorais infantis e o Clube dos Escoteiros.

Conclui-se, portanto, que nos ambien-tes pesquisados, há condições favoráveis parao estímulo à aprendizagem, pelas estrutu-ras das moradias, dos recursos materiais ede estimulação apresentados. As famíliasentrevistadas preocupam-se com o supri-mento de recursos materiais e de estimula-ção no ambiente doméstico, como forma deauxiliar o desenvolvimento das crianças. Nãoforam encontradas diferenças significativasentre os ambientes onde moram professo-res, funcionários ou Vila Refúgio.

Estudos dos ambientes domésticoscomo propiciadores de estímulos à aprendi-zagem nos contextos inanimado e/ou inte-racional revelam-se fundamentais para asinvestigações sobre o desenvolvimento infan-til, como também, à elaboração de possíveispropostas de intervenções necessárias paraa melhoria da qualidade desse ambiente.

Referências

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Zamberlan, M. A. T. (1995). Ambientesde desenvolvimento de crianças pré-escolares:proposta de intervenção preventiva familiar paracrianças em situação de risco. Relatório dePesquisa de Pós-Doutorado (CNPq). Uni-versidade de São Paulo. Ribeirão Preto, SP.

Zamberlan, M. A. T.(1997). Interaçõesfamiliares: teoria, pesquisa e subsídios à in-tervenção. Londrina: Eduel.

Recebido em abril de 2005Aceito em setembro de 2005

Autoras: Maria Aparecida Trevisan Zamberlan éPós-Doutora em Psicologia do DesenvolvimentoHumano – Fac. de Filosofia – USP de RibeirãoPreto – SP e profa. do Programa de Pós-Gradua-ção em Educação da Universidade Estadual deLondrina; Terezinha de Paula Machado EstevesOttoni é Mestre em Educação pela UniversidadeEstadual de Londrina; Roselaine Vieira Sonego éMestre em Educação pela Universidade Estadualde Londrina, IAP – Instituto AdventistaParanaense.

Endereço para correspondência:E-mail: [email protected]

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Aletheia, n.22, p. 79-88, jul./dez. 2005

Exploração vocacional e informação profissionalpercebida em estudantes carentes

Mônica SpartaMarúcia P. Bardagi

Ana Maria Jung de Andrade

Resumo. Este trabalho investigou características sócio-demográficas e vocacionais em 59alunos de baixa renda, de ambos os sexos, com idades entre 16 e 48 anos. A maioria jáprestou vestibular e tem escolha profissional definida. Os alunos relatam possuir poucainformação sobre profissões, processo de escolha, ensino superior, vida universitária emercado de trabalho. O grupo se mostrou heterogêneo em relação ao nível de exploraçãovocacional. Observou-se neste estudo a importância da exploração vocacional para a esco-lha de carreira, bem como a carência de trabalhos de orientação e informação profissionalcom esse público, que busca a universidade mas não possui uma rede de apoio à constru-ção de um projeto profissional consistente.Palavras-chave: escolha profissional, exploração vocacional, orientação profissional.

Vocational exploration and perceived career information in low-income students

Abstract. This study investigated demographic data and vocational aspects in 59 low-income students, of both sexes, with ages between 16 and 48 years. Most participants hadtaken the university entry exams before and have a defined career choice. Most of themhave insufficient perceived information about careers, career choice process, higher edu-cation, college student’s life, and labor market. Heterogeneity was observed in the vocati-onal exploration levels. The results show the importance of vocational exploration incareer choice process, as well as the lack of vocational guidance and information interven-tions with this population, people who want to go to the university but have no support forconstructing a consistent career project.Key words: career choice, vocational exploration, vocational guidance.

Introdução

O presente trabalho teve origem a par-tir de uma demanda de Orientação profis-sional surgida do Projeto Educacional Al-ternativa Cidadã (curso pré-vestibular cri-ado para pessoas carentes por estudantesde graduação e pós-graduação da Univer-sidade Federal do Rio Grande do Sul). Seusobjetivos foram investigar característicassócio-econômicas e vocacionais dessa po-pulação específica, a fim de fornecer subsí-dios para a construção de um programa deOrientação profissional a esses estudantes.

Para esse fim, optou-se por avaliar dois as-pectos fundamentais do comportamentovocacional: a exploração de carreira e aquantidade de informação profissional per-cebida.

A escolha profissional não é um fato queocorre em um determinado momento davida (a adolescência, na percepção do sensocomum), mas um processo que percorretodo o ciclo vital e que envolve a realizaçãode uma série de tarefas evolutivas (Super,1957; Super, Savickas & Super, 1996). A ex-ploração vocacional é uma dessas tarefas,definida como um comportamento propo-

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sital e voluntário que visa ao autoconheci-mento e ao conhecimento sobre o mundodo trabalho (Jordaan, 1963). Apesar de es-pecialmente característico da adolescência,é considerado fundamental em todas as fa-ses do desenvolvimento vocacional (Flum &Blustein, 2000; Jordaan, 1963).

Em função da importância da explo-ração vocacional para a realização de esco-lhas profissionais maduras e realistas, in-vestigações nessa área têm sido realizadasde forma constante no ambiente internaci-onal. De maneira geral, os resultados apon-tam um maior nível de exploração por par-te das mulheres e um crescimento da ex-ploração com a idade (Bartley & Robits-chek, 2000; Taveira, Silva, Rodrigues &Maia, 1998). Também são consistentes osachados que correlacionam positivamentea exploração com a decisão profissional e odesenvolvimento de expectativas realistas;correlações negativas, por sua vez, costu-mam ser encontradas com precipitação naescolha (Amundson & Penner, 1998; Bar-tley & Robitschek, 2000; Blustein, Pauling,DeMania & Faye, 1994; Kracke, 2002; Ro-bitschek & Cook, 1999; Werbel, 2000).

No Brasil, entretanto, a preocupaçãocom a exploração vocacional ainda é inci-piente, havendo poucos estudos sobre otema (Frischenbruder, 1999; Frischenbru-der, Teixeira, Sparta & Sarriera, 2002; Spar-ta, 2003a). Os estudos nacionais têm con-firmado as relações entre exploração e de-cisão de carreira e têm mostrado, de formageral, um padrão de exploração pobre en-tre os participantes, com busca pouco sis-temática de informações sobre si mesmos eo mundo do trabalho. Os resultados dessesestudos também apontam uma tendênciadas mulheres apresentarem maior explora-ção vocacional do que os homens, dadoconsistente com os achados internacionais.

Medidas de exploração vocacionalidentificam o quanto cada indivíduo reali-za comportamentos capazes de fornecerinformações sobre si mesmo e sobre o mun-do do trabalho. Por outro lado, outro fatorimportante de investigação na esfera daOrientação profissional é o quanto cadaindivíduo acredita possuir informações so-

bre essas questões. Essa crença pode influ-enciar de forma determinante o nível decomportamento exploratório realizado. In-formações realistas sobre o mundo profis-sional costumam estar relacionadas a esco-lhas mais consistentes e seguras. A defici-ência de informação profissional pode servista como uma das principais causas dedificuldade no momento de realizar esco-lhas profissionais (Lima, 1999). Entre osfatores que podem contribuir para que onível e o conteúdo das informações adqui-ridas sejam parciais ou incompletos estãoas características e valores de cada indiví-duo, os meios familiar e social e os estereó-tipos e preconceitos, denominados porBohoslavsky (1977), respectivamente, defatores intra, inter e transpessoais.

A assimilação de informações equivoca-das e insuficientes sobre o mundo profissio-nal é um problema social generalizado noâmbito ocupacional, que leva à construçãode projetos profissionais estereotipados e in-consistentes. Um dos principais objetivos doorientador profissional, então, além de trans-mitir informações, é também corrigir as ima-gens distorcidas que o indivíduo já possuisobre as profissões, favorecendo a análise deestereótipos e representações sociais (Bohos-lavsky, 1977; Ferretti, 1997; Lima, 1999).

O presente estudo teve como objeti-vos avaliar características sócio-demográfi-cas e vocacionais dos alunos do ProjetoEducacional Alternativa Cidadã, particular-mente seu nível de comportamento explo-ratório e a quantidade de informação pro-fissional percebida. Outras três variáveisforam escolhidas para investigação por se-rem de grande valor para a construção doprocesso de intervenção pretendido: os cri-térios utilizados para a realização de esco-lhas profissionais; as dificuldades percebi-das para a realização dessas escolhas; e aspercepções acerca da Orientação profissio-nal como um possível veículo de auxílio naescolha de uma profissão. Como os partici-pantes eram alunos de um curso pré-vesti-bular, as escolhas profissionais estão liga-das a cursos universitários. Sendo assim,questões relativas ao vestibular e ao ensinosuperior foram o foco deste trabalho.

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Método

ParticipantesParticiparam do estudo 59 alunos

(sendo 69,5% mulheres), com idades entre16 e 48 anos (M= 23 anos; DP= 7 anos).Aproximadamente metade (49,2%) dos alu-nos possui atividade profissional no mo-mento; a maioria (94,8%) estuda ou estu-dou em escolas públicas, já prestou vesti-bular anteriormente (59,3%) e possui esco-lha profissional definida (76,3%).

InstrumentosOs participantes responderam a dois

instrumentos. O primeiro, um questionárioelaborado para o estudo, investigou aspec-tos como sexo, idade, tipo de escola em queestuda ou estudou (pública ou privada), sepossui alguma atividade profissional nomomento, se já prestou vestibular algumavez, se já fez a escolha do curso para o qualvai prestar o vestibular. Ainda, investigouaspectos vocacionais como a quantidade deinformação profissional percebida, os crité-rios utilizados na escolha do curso, as difi-culdades percebidas para a escolha e as per-cepções sobre o papel da Orientação profis-sional. No que se refere à quantidade de in-formação percebida, os alunos poderiamescolher entre as categorias ‘nenhuma’, ‘pou-ca’, ‘suficiente’ e ‘muita’ informação.

O segundo instrumento, A Escala deExploração Vocacional (Teixeira, 2001), é uminstrumento que mede o nível global de ex-ploração vocacional. Desenvolvida, inicial-mente, para alunos da terceira série do ensi-no médio, possui 30 itens, do tipo Likert de 5pontos, com amplitude de 30 a 150 pontos,na qual os participantes indicam a freqüên-cia em que realizam o comportamento des-crito. O instrumento avalia as dimensões deautoconhecimento e conhecimento do mun-do do trabalho e foi criado tendo como basealguns itens do Career Exploration Survey(CES; Stumpf, Colarelli & Hartman, 1983)acrescido de outros itens derivados da litera-tura na área de exploração vocacional. Nesteestudo, a escala demonstrou qualidades psi-cométricas, com índice de consistência inter-na (Alpha de Cronbach) de 0,92.

ProcedimentosA aplicação dos instrumentos foi feita

de forma coletiva no mesmo local da Uni-versidade onde as aulas eram ministradase durante um período de aula previamentecedido pelos professores do curso pré-ves-tibular. Antes da aplicação, os participan-tes receberam explicações sobre os objeti-vos e considerações éticas do estudo. Deforma geral, o presente estudo caracterizou-se como de risco mínimo aos participan-tes. Após a conclusão do estudo, o projetoeducacional foi informado de seus resulta-dos e um processo de Orientação profissio-nal foi iniciado com os alunos.

Resultados

Os dados coletados através das ques-tões fechadas do Questionário e da Escalade Exploração Vocacional (Teixeira, 2001)foram analisados através de técnicas estatís-ticas não-paramétricas. Os dados coletadosatravés das questões abertas do Questioná-rio foram submetidos à análise de conteúdo(Bardin, 1977), através da qual foram extra-ídas categorias emergentes a partir das res-postas, sendo que o estabelecimento das ca-tegorias foi feito a partir de um critério deconsenso entre quatro juízes.

Em relação aos resultados obtidos atra-vés da Escala de Exploração Vocacional, ogrupo mostrou-se heterogêneo com relaçãoa essa medida, havendo uma grande vari-ância entre os escores (M=87,4;DP=20,76). Houve correlação positiva en-tre idade e exploração vocacional (r=0,25).Testes Mann-Whitney de comparação demédias apontaram que os participantescom escolha profissional definida apresen-taram nível significativamente maior deexploração (p<0,01). Não houve diferen-ças entre os sexos e o nível de exploração.Quanto à informação percebida, analisan-do-se o grupo como um todo, a maioriarelatou possuir ‘pouca’ quantidade de in-formações sobre ‘Processo de Escolha’(46,7%), ‘Profissões’ (46,7%), ‘Vida Univer-sitária’ (51,7%), ‘Ensino Superior’ (51,7%)

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e ‘Mercado de Trabalho’ (43,3%). Em rela-ção ao ‘Vestibular’, o maior percentual foide ‘suficiente’ quantidade de informação(41,7%) e houve o maior percentual de‘muita’ informação percebida (18,3%) en-tre os aspectos avaliados. A maior freqüên-cia de ‘nenhuma’ informação foi quanto aoEnsino Superior (5%).

A Tabela 1 mostra a quantidade de in-formação percebida entre alunos que pos-suem e não possuem uma escolha defini-da. Enquanto os últimos indicaram commaior freqüência possuir pouca informa-ção profissional sobre os cinco pontos ava-liados (Processo de Escolha, Profissões,Mercado de Trabalho, Vestibular e Vida

Universitária), os participantes com esco-lhas definidas indicaram com maior fre-qüência ter pouca informação sobre ape-nas dois desses pontos (Processo de Esco-lha e Vida Universitária) e ter informaçãosuficiente sobre três deles (Profissões, Mer-cado de Trabalho e Vestibular). No entan-to, essas diferenças são estatisticamente sig-nificativas apenas em relação aos aspectosVida Universitária (÷²= 9,98; gl=3; p<0,05)e Profissões (÷²= 9,32; gl=3; p<0,05). Tes-tes Qui-quadrado não mostraram diferen-ças entre os sexos em relação à quantidadede informação percebida em nenhuma dasáreas investigadas.

Tabela 1 - Quantidade de informação profissional percebida (em %)

Muita Suficiente Pouca Nenhuma

Decididos 11,1 28,9 44,4 15,6Sobre o Processo de Escolha

Indecisos 7,7 7,7 61,5 23,1

Decididos 11,1 44,4 37,8 6,7Sobre Profissões

Indecisos 7,7 7,7 84,6 -

Decididos 11,1 46,7 37,8 4,4Sobre o Mercado de Trabalho

Indecisos 14,3 14,3 64,3 7,1

Decididos 22,7 40,9 29,5 4,5Sobre o Vestibular

Indecisos 7,1 27,3 43,2 18,2

Decididos 11,7 27,3 43,2 18,2Sobre a Vida Universitária

Indecisos - 7,7 92,3 -

Em relação aos critérios de escolha,a análise de conteúdo indicou seis cate-gorias distintas (Figura 1). Mais da meta-de dos participantes relatou ter baseadosuas escolhas em experiências profissio-nais prévias. Quanto às dificuldades naescolha, os resultados indicaram sete ca-tegorias (Figura 2). Mais da metade dosparticipantes não conseguiu identificardificuldades específicas, tendo dito ape-nas, de forma vaga, ter dúvidas quanto àescolha a ser feita. As respostas sobre Ori-entação profissional geraram seis catego-

rias (Figura 3). Os resultados apontaramque mais de 30% dos participantes espe-ra da Orientação profissional a confirma-ção de escolhas já feitas, enquanto 25%não conseguiram definir especificamen-te no que a Orientação profissional po-deria ajudá-los, tendo mencionado, deforma vaga, que a ajuda seria ‘no proces-so’ de escolha. Testes de associação Qui-quadrado não mostraram diferenças desexo com relação a nenhuma destas cate-gorias.

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33,3

2523,3

15

8,3

5

0

5

10

15

20

25

30

35

Confirmar a Escolha Auxiliar em todo oProcesso de Escolha

Fornecer Informações PromoverAutoconhecimento

Adequar as pessoas àsprofissões

Não Auxilia

Figura 3. Percepções sobre o papel da Orientação Profissional (em %)

65

20

6,7 51,7 1,7 1,7

0

10

20

30

40

50

60

70

Dúvidas naEscolha

Medo deArrependimento

BarreirasInstitucionais

Duvida sobre aPrópria

Capacidade

Condições doMercado de

Trabalho

Falta deInformação

Pressão Familiar

Figura 2. Dificuldades relatadas no momento da escolha profissional (em %)

56,7

16,7

8,3 6,73,3 3,3

0

10

20

30

40

50

60

70

Experiência na Área Interesse Pessoal Informações sobre aÁrea

Bom Mercado deTrabalho

Pouca Concorrênciano Vestibular

Outros

Figura 1. Critérios relatados para a escolha profissional (em %)

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Discussão

Os resultados indicaram grande hete-rogeneidade no nível de exploração vocaci-onal entre os participantes do estudo. Esteresultado pode estar ligado à heterogenei-dade geral entre os alunos, principalmentecom relação à idade. Esta interpretação écorroborada pela literatura internacional(Taveira & cols., 2000) e pelo resultado desteestudo que indica a idade como uma variá-vel de influência sobre a exploração vocaci-onal, ao demonstrar que os alunos maisvelhos apresentaram níveis significativa-mente mais elevados de exploração. Os es-tudos nacionais não costumam indicar aidade como fator de influência sobre a ex-ploração (Frischenbruder, 1999; Sparta,2003a); no entanto, estes estudos têm comoamostra estudantes da terceira série do en-sino médio regular brasileiro, em que a va-riação da idade entre os participantes émínima.

A definição da escolha por um cursosuperior foi um fator de influência sobre onível de exploração vocacional. Este dadocorrobora o pressuposto teórico de que aexploração é um comportamento indispen-sável para a realização de escolhas no âm-bito do trabalho; quanto mais conhecimen-to o indivíduo tem de si e do mundo que ocerca, mais capaz ele se torna de tomar de-cisões realistas e maduras (Flum & Blus-tein, 2000; Jordaan, 1963; Super, 1957;Super, Savickas & Super, 1996). No entan-to, não se pode descartar a hipótese de queo estabelecimento de uma meta profissio-nal leve a maior comportamento explora-tório posterior, voltado para a busca de in-formações que auxiliem na execução e im-plementação da escolha realizada.

O sexo não apareceu como uma variá-vel de influência sobre a exploração vocaci-onal. Neste sentido, os resultados encon-trados na literatura também não são con-sistentes e a relação entre sexo e exploraçãocostuma variar conforme a idade média daamostra e o contexto sócio-cultural da qualesta faz parte (Frischenbruder, 1999; Spar-ta, 2003a; Stumpf & cols., 1983; Taveira &

cols., 1998). Ainda, nesta amostra tambémnão se observou diferença de sexo entre osníveis de informação percebida, tipos decritérios de escolha, dificuldades de deci-são ou avaliação da pertinência de proces-sos de orientação. Este dado aponta umacerta homogeneidade com relação tanto aocomportamento vocacional quanto às difi-culdades enfrentadas para a escolha, dadoque corrobora outros estudos nacionais edemonstra que as diferenças relacionadasao sexo tendem a ser mais relacionadas àsáreas de interesse profissional e a fatorescomo presença de ansiedade (Bardagi,2002; Nachtigall, Bardagi & Sparta, 2003).

Não foi detectada influência de estartrabalhando ou já ter prestado vestibularanteriormente sobre o nível de exploraçãovocacional. Esses resultados causam certasurpresa, já que a experiência profissionale a escolha anterior por um curso superiorsão situações que costumam dar ensejo aocomportamento exploratório (Brooks, Cor-nelius, Greenfield & Joseph, 1995; Göks &Lassance, 1997). Os alunos que trabalhamcostumam estabelecer uma visão mais rea-lista (embora também mais pessimista) domercado de trabalho e das possibilidadesprofissionais em relação aos alunos que sóestudam. Os achados deste estudo podemestar indicando que os participantes enga-jados em uma atividade profissional podemnão estar sendo capazes de tirar dela infor-mações relevantes para a realização de es-colhas profissionais, dissociando o contex-to de trabalho do contexto da escolha. Poroutro lado, os participantes que já realiza-ram um concurso vestibular parecem nãoter feito a escolha por um curso superiorpautada no comportamento exploratório,nem tomado consciência da necessidade debusca de informações como forma de rees-truturar e melhor subsidiar um novo pro-cesso decisório.

Ainda, pode-se pensar que a necessi-dade de trabalho faz com que estes alunosexecutem atividades distantes daquelas quealmejam, não utilizando o trabalho comofonte de exploração. Nesse sentido, a lite-ratura salienta que as atividades de traba-

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lho favoráveis são aquelas de certa formarelacionadas ao curso ou à profissão e quenão interferem nas rotinas acadêmicas dosalunos (Bardagi & cols., 2003; Fior & Mer-curi, 2004). O trabalho integral ou parcialque não está associado à formação tende ater um impacto negativo sobre o aluno, ocomprometimento com a escolha e a satis-fação. Como o percentual de alunos que,em função de necessidades financeiras,exerce outras atividades remuneradas semligação com o curso costuma ser elevado(Bardagi & cols., 2003), é preciso atençãoespecial à trajetória vocacional e escolha decarreira destes estudantes.

Quando analisamos a quantidade deinformação percebida, os resultados indicamque a maior parte dos participantes do estu-do acredita ter pouca informação sobre oprocesso de escolha, as profissões, a vidauniversitária, o ensino superior e o mercadode trabalho e quantidade de informação su-ficiente sobre o vestibular. Estes resultadossão preocupantes e sugerem que a escolhade ingressar no ensino superior dos partici-pantes da pesquisa pode não estar pautadaem um projeto profissional consistente. Es-tes resultados parecem servir como ilustra-ção para um fato que vem sendo observadoe discutido pela literatura nacional, qual seja,de que, no Brasil, o ingresso no ensino su-perior tem sido visto como uma continuida-de natural dos estudos e forma privilegiadade ingresso no mundo do trabalho e de as-censão social (Bardagi, Lassance & Paradi-so, 2003; Filmus, Kaplan, Miranda & Mora-gues, 1996,2002; Hotza & Lucchiari, 1998;Lassance & Grocks, 1998; Ramos & Lima,1996; Sarriera, Chies, Falck, Giacomolli &Silva, 1994; Schiesse & Sarriera, 2000; Spar-ta, 2003a). Essa crença tem feito com que apreparação para o vestibular torne-se maisimportante do que a construção do projetoprofissional, o que, muitas vezes, gera esco-lhas pouco consistentes, realizadas sem umprocesso adequado de exploração vocacio-nal e baseadas fundamentalmente em infor-mações estereotipadas e de senso comum.

A maior parte dos alunos não foi ca-paz de identificar de forma clara suas difi-

culdades frente à escolha profissional. Esseresultado pode ser interpretado como umreflexo do próprio comportamento explo-ratório insuficiente e da pouca informaçãoprofissional percebida, já que para se terclareza sobre as próprias dificuldades deescolha é necessário níveis adequados deautoconhecimento e conhecimento sobreo mundo do trabalho. Essa interpretação éamparada por outros resultados encontra-dos neste estudo, que mostram influênciapositiva de ter uma escolha sobre o nível deexploração vocacional e sobre alguns aspec-tos da informação profissional percebida.

Com relação ao possível benefício deum processo de orientação profissional, osresultados indicam que um terço dos par-ticipantes relatou que um processo de Ori-entação profissional seria útil para a con-firmação de suas escolhas, enquanto outroterço relatou acreditar nos benefícios daOrientação profissional, mas sem conseguiridentificar aspectos específicos em que umprocesso de intervenção poderia auxiliá-los.Esses resultados estão diretamente de acor-do com a crença tradicional de que a orien-tação profissional é um processo de inter-venção diretiva, capaz de oferecer ao orien-tando uma resposta exata sobre a validadeda escolha já feita ou de uma escolha a fa-zer. Essa idéia vem sendo substituída des-de a década de 1950 com o surgimento doaconselhamento psicológico não-diretivo edas teorias evolutivas e psicodinâmicas daescolha profissional, que deram à Orienta-ção profissional o caráter de intervençãomais compreensiva, de auxílio na aprendi-zagem da escolha e na construção de umprojeto profissional (Bohoslavsky, 1977;Brown & Brooks, 1996; Sparta, 2003b; Su-per, 1957; Super, Savickas & Super, 1996).No entanto, o desconhecimento sobre aspróprias possibilidades de atendimento fazcom que estes alunos permaneçam afasta-dos de serviços de apoio à escolha. Nestesentido, é tarefa também dos orientadoresprofissionais buscar uma maior aproxima-ção com públicos diferenciados e mostrara evolução dos processos de orientação natentativa de ampliar o alcance da área.

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Em síntese, o presente estudo objeti-vou investigar características sócio-demo-gráficas e vocacionais dos alunos de umcurso pré-vestibular para pessoas carentescom a intenção de angariar informaçõespara a construção de um processo de Ori-entação profissional para os mesmos. Osresultados forneceram dados de grandevalor para o desenvolvimento do projeto deintervenção e indicaram a real necessidadede sua realização. A falta de informaçõessócio-demográficas e vocacionais sobre apopulação brasileira é um problema realpara a área da psicologia vocacional, prin-cipalmente quando são levadas em contaas diferenças atribuídas às fases de desen-volvimento e à diversidade sócio-culturaldos clientes da orientação profissional. Essacarência leva a um problema ainda maisdelicado: a falta de informação adequadapara a construção de processos de inter-venção dirigidos à população brasileira, es-pecialmente quando o público-alvo não éconstituído por estudantes de escolas par-ticulares e oriundos da classe média quetenham como objetivo ingressar no ensinosuperior.

Além de obter informações para aconstrução de um processo de intervençãoespecífico, foi intenção deste estudo explo-ratório sensibilizar a comunidade acadêmi-ca e os profissionais da orientação profissi-onal para a necessidade de se construir umcorpo de conhecimento específico sobre apopulação brasileira na área da psicologiavocacional, que inclua sua diversidade eavalie os construtos teóricos utilizados pe-los profissionais para embasar a prática daorientação profissional no Brasil. Como re-sultado, confirmou-se a importância docomportamento exploratório para a cons-trução do projeto profissional, e a necessi-dade de intervenções que contemplem ofornecimento e a discussão de informaçõesprofissionais, especialmente com alunos debaixa renda.

Por estar associado a uma demandaespecifica de atendimento e ter contado coma participação de um número restrito de alu-nos, os resultados aqui obtidos não podem

ser generalizados para a totalidade dos es-tudantes de baixa renda. No entanto, mes-mo sendo um estudo de pequena dimen-são, acredita-se que estes resultados forne-cem boas indicações sobre as dificuldadesencontradas por esses alunos para a realiza-ção de suas escolhas profissionais. Ainda,sinalizam, sobretudo, a importância de no-vos estudos que possam confirmar e especi-ficar as relações aqui encontradas entre ex-ploração vocacional e outras variáveis.

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Recebido em abril de 2005Aceito em julho de 2005

Autores. Mônica Sparta - Psicóloga, Mestre e Dou-toranda em Psicologia do Desenvolvimento pelaUniversidade Federal do Rio Grande do Sul; Pro-fessora de Psicologia na Universidade Estácio deSá (RJ); Marúcia Patta Bardagi - Psicóloga, Mestree Doutoranda em Psicologia do Desenvolvimentopela Universidade Federal do Rio Grande do Sul;Docente dos cursos de Especialização em Orien-tação Profissional e Avaliação Psicológica daUFRGS; Ana Maria Jung de Andrade - Graduandaem Psicologia na UFRGS. Bolsista CNPq.

*Pesquisa realizada na UFRGS.

Endereço para correspondência:E-mail: [email protected].

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O que fala o psicótico? A pesquisa interdisciplinarno estudo da psicose

Margareth ShäafferValdir do Nascimento Flores

Resumo. Este texto, de um ponto de vista interdisciplinar, aborda questões relativas aofuncionamento da linguagem em sujeitos com estruturação psicótica, articulando o refe-rencial teórico oriundo da escola psicanalítica freudo-lacaniana ao da lingüística estrutu-ral. O tema da linguagem na psicose é estudado tendo em vista a construção de formasteórico-metodológicas de análise da linguagem que permitam falar da divisão do sujeito edas alterações da função simbólica na psicose.Palavras-chave: lingüística, psicanálise, psicose.

What does the psychotic say? The interdisciplinary research in the studyof psychosis

Abstract. This article discusses from an interdisciplinary point of view issues related to thefunctioning of language in individuals with psychotic structure, relating the theoreticalreference derived from the Freudian and Lacanian psychoanalytic school to that of struc-tural linguistics. The subject of language in psychosis is studied based on the constructionof theoretical-methodological forms of language analysis that allow us to speak about thesplit subject and the alteration of the symbolic function in psychosis.Key words: linguistics, psychoanalysis, psychosis.

Introdução: do ponto de vista teórico

Este texto, de um ponto de vista inter-disciplinar, objetiva debater questões rela-cionadas ao funcionamento da linguagemem sujeitos com estruturação psicótica, ar-ticulando o referencial teórico oriundo daescola psicanalítica freudo-lacaniana ao dalingüística estrutural. Aborda-se a proble-mática da linguagem na psicose, a partirda descrição da especificidade de marcaslingüísticas nesse tipo de discurso, tendoem vista a construção de formas teórico-metodológicas de análise da linguagem quepermitam estudar a divisão do sujeito e asalterações da função simbólica na psicose.

Para tanto, parte-se das seguintes hi-póteses: a) o sujeito psicótico apresenta es-

truturação diferenciada da linguagem quediz respeito à alteração da função simbóli-ca; b) a abordagem interdisciplinar entre oscampos psicanalítico e lingüístico permiteconstruir formas de estudo da especifici-dade do discurso do psicótico de maneiraa contribuir com aspectos referentes à clí-nica na psicose.

Quanto à articulação teórica pretendi-da, vale dizer que a psicanálise interessa-sepelo fenômeno da linguagem desde o seuestabelecimento como uma área do saber.Já nos primeiros textos de Freud é possívelencontrar reflexões de cunho lingüístico,através de questões como o chiste, o lapso,os neologismos, entre outras. Logo, é na-tural que a psicanálise tenha algum inte-resse na lingüística. É bem verdade que isso

Aletheia, n.22, p. 89-100, jul./dez. 2005

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se deve, em grande parte, à leitura lacania-na do texto freudiano, ou seja, é a partir deLacan que as referências à lingüística, emespecial na vertente estruturalista, ganhamdestaque no escopo da psicanálise. Provadisso é que Lacan recorre ao jargão da lin-güística em diversos momentos de sua ela-boração teórica. São comuns na bibliogra-fia lacaniana termos já consagrados na lin-güística, tais como, significante, metalingua-gem, metáfora, metonímia, símbolo, etc.

Evidentemente, essas homonímiasdevem ser vistas como algo a ser investiga-do com prudência, porque elas represen-tam o ponto para onde retornam teóricosde uma e de outra área – não sem equívo-cos – e, depois de Lacan parece não haveravanço significativo que justifique o diálo-go entre os dois campos. A pergunta que secoloca quanto a essa relação é: quais os ris-cos que a implicação psicanálise /lingüísti-ca acarreta, tanto no que tange à especifici-dade da clínica, como à análise stricto sensuda linguagem? Soma-se a isso o fato de sera lingüística uma ciência ancorada na idéiade completude de seu objeto.

Em outras palavras, submeter a lin-güística a uma leitura pelo viés da psicaná-lise é, necessariamente, problematizar o es-tatuto da linguagem desde a sua incomple-tude constitutiva. Assim, passa-se da sepa-ração entre os dois campos à perspectivade apresentar a análise da linguagem comouma reflexão necessariamente implicada naclínica psicanalítica.

Entende-se que a lingüística e a psica-nálise têm muito a ganhar quando confron-tadas e/ou articuladas. Então, pode se infe-rir que ambas, desde que consideradas doprisma aqui pretendido, são reconfigura-das em seus métodos. Desta forma, inte-ressa estudar, do ponto de vista que articu-la a psicanálise à lingüística, o funcionamen-to da linguagem na psicose e a sua relaçãocom o processo de simbolização e de cons-tituição da subjetividade. Uma possível li-nha de investigação na fronteira entre a lin-güística e a psicanálise seria a de procurar,dentro das patologias que envolvem daperspectiva teórica da psicanálise a cliva-

gem do eu, elementos lingüísticos, marcasdiscursivas, que possam dar conta, de for-ma independente, dessa divisão. Ou seja,tentar pensar a clivagem dentro da própriaenunciação.

Como forma de ilustrar isso, este tex-to faz uma análise do discurso do psicóti-co, e busca colocar em relevo uma questãolingüística: o funcionamento da negação/denegação na psicose. O corpus que servede base à análise da (de)negação é consti-tuído por cinco entrevistas coletadas pelopsicanalista Francisco Settineri junto aospacientes do Instituto Mário Martins dePorto Alegre, tendo sido, posteriormente,transcritas. Os sujeitos envolvidos apresen-tam estrutura esquizofrênica e são notadospor uma letra maiúscula, acompanhada daidade e do sexo (por exemplo, S. 34 anos,feminino). Finalmente, vale lembrar, a me-todologia, tal como é aqui entendida, nãopode ser separada da base teórica que lhedá origem, e a sua construção integra osobjetivos da pesquisa interdisciplinar.

Fundamentos no estudo da psicose

Na psicanálise, a psicose é normal-mente abordada em contraposição à neu-rose, apesar de ser corrente na literatura queuma não é o avesso da outra. Em funçãodisso, parece ser importante, para se pro-ceder a uma abordagem da psicose, apre-sentar o que vem a ser o sujeito na psicaná-lise, já que se trata, aqui, de estudar a cons-tituição da subjetividade na especificidadeda patologia.

O sujeito da ciência, do ponto de vistada psicanálise, é o sujeito sobre o qual elaopera. O ato inaugural desse sujeito é ocogito de Descartes. A esse respeito valelembrar a indagação de Porge (1996):“Como pode o cogito ao mesmo tempo es-tar na origem do sujeito suposto saber, deque devemos prescindir, e ser o sujeito so-bre o qual opera a psicanálise?” (p.508). Éo próprio Porge (1996) quem responde: “Ocogito é o ponto lógico da explicação doreal pelo impossível, ele liga o fundamento

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de uma ciência à certeza do sujeito. É nissoque o sujeito do cogito, correlato da ciên-cia, é também o sujeito sobre o qual ope-ram os psicanalistas”. (p.509)

Para Porge (1996), a ciência progrideinstituindo um saber que não precisa sepreocupar com seus fundamentos de ver-dade: “A partir de Descartes, é saber aquiloque pode servir para aumentar o saber, e averdade é outra questão, bem diferente”(p.509). É a essa divisão entre saber e ver-dade, que redobra a divisão do sujeito, queLacan chama de o sujeito da ciência. A ten-tativa de suturar essa divisão do sujeito fazdele um impossível, um real. Assim “é comisso que se defronta a psicanálise, por umavia diferente daquela do enfrentamento como saber acumulado: pela via do sintoma,do engano, do lapso, em que a verdade re-torna” (p.509).

Para os objetivos deste texto, interessaperceber como esse sujeito se constitui naspsicoses e, neste sentido, parece importantelembrar que a fratura na constituição do su-jeito psicótico remete a um fenômeno sui ge-neris que é a negação (verneinung) na contra-posição das afirmações primordiais (be-jahung). Soma-se a isso o fato de qualquertentativa de síntese concernente à psicopato-logia freudiana envolver a questão defensiva.

Em Freud, a idéia de defesa surgecomo sendo uma modalidade de rejeiçãoda realidade, expressa de diferentes manei-ras. Do ponto de vista da observação clíni-ca, pode-se dizer que algo fica fora, esque-cido ou afastado, da consciência. Esse mo-vimento permite a Freud concluir que algofoi afastado em função de constituir amea-ça à integridade psíquica, ou de ser ele in-suportável. Esse conteúdo, entretanto, deuma maneira ou de outra, continua a pro-duzir efeitos, a retornar à cena, provocan-do uma divisão subjetiva.

A noção de Ichspaltung é tardia na teo-rização freudiana e diz respeito à existênciade duas atitudes contrárias relativas à au-sência de pênis na mulher: “as duas atitu-des subsistem uma junto à outra, sem in-fluenciar-se reciprocamente” (Freud, 1940/1980, p. 205). Freud considera que a cliva-

gem e a Verleugnung (recusa da realidade),ao se constituírem em conjunto, é um exem-plo do processo defensivo, que questionaos fundamentos da própria noção de eu.De fato, que eu é esse que, ao se defender,se divide em dois? Como ver aí a sua fun-ção de síntese?

No fetichismo isso é facilmente obser-vável. Por um lado, o fetichista, ao escolherum substituto simbólico para o pênis damulher, opera sob a recusa da realidade e,por outro lado, ao aceitar que a mulher sejadesprovida de pênis, necessitando de umsubstituto para ele, está de acordo com estamesma realidade. Assim, há duas posiçõesacerca da diferença dos sexos. O fetichista– diante da ameaça de castração, represen-tada pela ausência de pênis na mulher –retém uma das últimas impressões recebi-das no ato de despir-se, fazendo de um ele-mento possivelmente próximo de onde opênis deveria estar, um símbolo deste. Aexcitação sexual fica então condicionada àpresença do fetiche, assegurador da hipó-tese universal do falo e proteção contra aameaça de castração.

Também a criança fóbica ao prosseguirna masturbação edípica, como se não fossepossível a ameaça da castração atribuída aopai, se enche de angústia e desenvolve sin-tomas de fobia, devido à crença na possibi-lidade da castração.

Haveria, pois, a existência de dois juí-zos contraditórios em relação à realidadeexterior, ou, como infere Freud, esse meca-nismo daria conta de comportamentoscontraditórios no menino pequeno, queintroduziriam uma divisão em seu eu.

Da mesma forma, na neurose obses-siva há exemplos dessa duplicidade de ju-ízos, que se manifestam de maneira in-dependente. Ao procurar explicar o com-portamento oscilante e contraditório doHomem dos Ratos, Freud (1909/1974)formula sua hipótese sobre o pensar ob-sessivo: “não vacilei em supor que, sobreestas coisas, ele tinha duas convicçõesdiversas e contrapostas, e não, por exem-plo, uma opinião indecisa. Entre essasduas opiniões oscilava, então, em uma

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bem visível dependência de toda a suapostura restante em relação ao seu pade-cimento obsessivo” (p.179).

Porém, como se manifesta essa divisãodo eu, na fala dos pacientes em análise? Háum trecho da fala do pequeno Hans quepode ser esclarecedor a este respeito. Tra-ta-se de sua exclamação, diante da confron-tação com os genitais de sua irmã, duranteo banho: “Mas...seu faz-pipi é ainda muitopequeno. Quando crescer, ele se tornarámaior” (Freud, 1909/1974, p.179). O masinicial faz pensar em um contexto anterior,onde se verifica que Hans supõe que todosos seres animados possuem pênis. O juízoatributivo de ser (ainda) pequeno contémo momento da recusa da realidade. De fato,ele não está se dirigindo a um interlocutorque possivelmente faria a crítica da univer-salidade do pênis. Para Hans, seu interlo-cutor compartilha dessa hipótese, e ele tentaconvencê-lo não da existência, mas de quea dimensão pequena não é eterna, porémmodificável pelo crescimento. A inexistên-cia do pênis é recusada, enquanto sua con-dição de pequeno é negada pela idéia decrescimento.

Pode-se, então, pensar em clivagem doeu em Hans, tendo em conta os dois fato-res: a não-admissão da ausência de pênisna mulher e, ao mesmo tempo, a angústiade castração, manifestada pela escolha docavalo como animal fobígeno, substitutosimbólico do pai, presumivelmente o cas-trador.

A clivagem do eu é encontrada de for-ma diversa, segundo Freud, na neurose ena psicose. Freud (1940/1980) afirma:“Que com respeito a uma determinada con-duta subsistam, na vida psíquica da pes-soa, duas posturas diversas, contrapostas eindependentes entre si, eis um traço uni-versal da neurose; só que, neste caso, umapertence ao eu, e a contraposta, como re-calcada, ao isso” (p.205). Na psicose, en-tretanto, haveria, após um momento em quea realidade objetiva teria se tornado insu-portavelmente dolorosa, um desligamentodo vínculo com a realidade. Esse desliga-mento não se dá sem deixar rastros. Os pró-

prios pacientes, depois do restabelecimen-to, relatam que, em algum lugar, “em al-gum rincão de sua alma se escondia, na-quele tempo, uma pessoa normal, a qual,como um observador não participante, dei-xava passear diante de si o espectro da do-ença” (p.203).

Vale ressaltar que a clivagem do eu, emFreud, deve ser distinguida da divisão dosujeito, em Lacan, para quem o sujeito ficareduzido a um corte, levando consigo sem-pre a idéia de divisão. A teorização de Freud,contudo, também não deixa de apresentardificuldades para uma formalização. Defato, apesar de a teorização freudiana tersido feita pela escuta dos pacientes, poucoresta de literal daquilo que foi dito. Freudutilizava, ao mesmo tempo, análises da fala(por exemplo, a frase do pequeno Hans),interpretações sobre o sintoma (é por meiode um ato de interpretação que Freud afir-ma que o cavalo é um símbolo do pai) e areflexão teórica, como é o caso da discus-são sobre o édipo e a castração a partir daqual Freud vai pensar em um eu clivado,como no caso do pequeno Hans.

Elemento importante, porém, do pon-to de vista psicanalítico, é o fato de, paraFreud, a “realidade” estar quase sempreequiparada à realidade da diferença dossexos. Há poucos exemplos, na obra freu-diana, de Verleugnung, em que o recusadoé a morte do pai. É a recusa dessa realida-de, junto com sua aceitação, que convivem,em doses maiores ou menores e de diferen-tes modos, na fobia, nas perversões e napsicose, e talvez na dita normalidade.

Uma caracterização psicanalítica da psicose

Apesar de não haver uma definiçãopropriamente psicanalítica da psicose, foia psicanálise que se ocupou de esclareceros mecanismos psíquicos que levam a ela,reformulando, assim, o campo da teoria.

Freud começou estudando o mecanis-mo de projeção na paranóia, propondo,inicialmente, englobar, junto ao delírio deperseguição, a erotomania, o ciúme e a

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megalomania. Isso graças a um estudo lin-güístico realizado por Freud, identificando,na formação do delírio, transformações gra-maticais e baseando-se no fundamento se-xual de toda psicopatologia. Segundo Ni-cole Anquetil (1995), no verbete psicose doDicionário de Psicanálise de Roland Che-mama, “o gênio de Freud foi o de enfatizarque, nos diferentes delírios que se consti-tuem, tudo iria contradizer uma única pro-posição: ‘eu, um homem, amo ele, um ho-mem’, esgotando as diferentes formas clí-nicas dos delírios, todas as maneiras possí-veis de formular essa contradição” (p.174).

Conforme a contradição incida sobreo verbo, o objeto, ou o sujeito, tem-se, se-gundo Freud, que “Os delírios de ciúmecontradizem o sujeito, os delírios de perse-guição contradizem o predicado, e a eroto-mania contradiz o objeto. Na realidade,porém, é possível uma quarta contradição– a saber, aquele que rejeita a proposiçãocomo um todo” (1995: p.60). De modo sin-tético, tem-se a seguinte elaboração:

a) Eu não o amo, eu o odeio, passando aele me odeia, na paranóia.

b) Não é ele, mas ela que amo, passandoa ela me ama, na erotomania.

c) Não sou eu que o amo, é ela que o ama,passando a ele a ama, nos ciúmes.

d) Finalmente, na megalomania, eunão amo ninguém, mas apenas a mim mesmo.

Deste modo, ao ser reprimida uma per-cepção interna, que retorna do exterior, con-figura-se um mecanismo psíquico diferentedo mecanismo da neurose: enquanto no re-calque é rejeitado o acesso do representanteda pulsão proibida ao consciente, comple-tando-se o processo com a incidência do re-calque sobre os derivados psíquicos do re-presentante recalcado ou cadeias de idéiasassociadas; na psicose, aquilo que foi aboli-do do dentro retorna a partir de fora, ou seja,é sentido como percepção externa.

Com a elaboração da segunda tópica,Freud (1926/1974) estabelece como hipó-tese que, na neurose, há um conflito entreas instâncias do eu e o isso e, na psicose,haveria um conflito entre o eu e o munoexterior.

Lacan, a partir de releitura da questãodo narcisismo, considera que o eu se cons-titui na fase do espelho por meio de umaidentificação com sua própria imagem. Issopossibilita uma diferenciação em relação aooutro materno, mas, ainda sem a mediaçãodo simbólico, as únicas relações possíveissão as de agressividade e erotismo, sem in-termediários. A entrada de um terceiro emcena, com a aceitação do simbolismo pelacriança, vai viabilizar seu acesso ao desejo:desejo ligado à linguagem, sempre relativo,em Lacan, a um objeto diferente da mãe.Isso significa que a mãe, ao desejar outrascoisas, está submetida a uma outra ordemque não à da relação especular. Deste modo,ela poderá faltar e ser representada. A sim-bolização teorizada por Freud (1923/1974)no fort-da vai representar, ao mesmo tem-po, a presença/ausência da mãe, assim comoa própria separação: algo que cai, algo quevai embora, podendo também ser identifi-cado ao próprio sujeito emergente.

Enfim, da perspectiva lacaniana, o queconstitui o mecanismo da psicose é o fra-casso do recalque originário, isto é, “a subs-tituição dos significantes ligados ao desejode ser o falo materno pelos significantes dalei e da ordem simbólica” (Anquetil, 1995,p.175). O que não entra no jogo da simbo-lização, retorna, para Lacan, a partir do real.Eis a leitura lacaniana da Verwerfung freu-diana e que pode ser traduzida teoricamen-te por foraclusão.

A denegaçãoO acesso da criança ao simbólico de-

pende dos mecanismos de introjeção e ex-pulsão, identificadas por Freud com a afir-mação (Bejahung) e a negação (Verneinung).A criação do símbolo da negação possibili-ta a realização da função do juízo, e é ape-nas pela fórmula negativa que o eu reco-nhece o inconsciente (Perin, 1995, p.41).O estudo da negação, por enfocar a origemdo acesso à simbolização, constitui um do-mínio de extrema importância para um es-tudo interdisciplinar envolvendo a lingüís-tica e a psicanálise.

Na neurose, o sujeito, apesar de não

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saber (não querer saber), pode ir a buscado saber; pode descobrir um impossível desaber. Assim, há a possibilidade, por exem-plo, da (de)negação ser posta, ou seja, oinconsciente (o recalcado) pode vir à tonaatravés da operação de (de)negação. Já napsicose, o sujeito estrutura-se de uma for-ma completamente diferente da neurose.Isso porque, apesar de o inconsciente estarpresente na psicose, ele não funciona, exis-tindo numa espécie de inércia. Em Lacan,há um deslocamento na relação do sujeitocom a palavra falada. Diferentemente daneurose, onde o neurótico habita a lingua-gem e utiliza-se da negação como defesa, opsicótico é habitado, possuído pela lingua-gem e, conseqüentemente, a negação porele utilizada não tem o sentido de defesado neurótico, mas sim de uma erotomania.

Lacan observa que há uma exteriori-dade do psicótico em relação ao conjuntoda linguagem – ele está foracluído da di-mensão simbólica. Para Lacan, deriva daí aquestão de saber se o psicótico entrou ver-dadeiramente na linguagem. Mesmo quesua linguagem seja articulada, nem por issoimplica que ela seja reconhecida, ou seja,as frases usadas pelos psicóticos têm umacerta articulação lógica, mas o efeito de sen-tido que propiciam é de um estranhamen-to, ou seja, é como se falasse uma línguaque é ignorada pelo interlocutor. Em ou-tros termos, pode-se dizer que nas psicosesnão há a simbolização do real – o sujeitonão simboliza e, conseqüentemente, ele nãoconsegue usar o não no sentido da(de)negação, como faz o neurótico. Dife-rente é o campo da neurose, no qual nãohá perda da relação simbólica: “Todo sin-toma é uma palavra que se articula; a rela-ção com a realidade não é obturada por umaforaclusão, mas por uma denegação (ver-neinung)” (Chemama, 1995, p.175).

Observa-se, pois, que o emprego donão assume sentido específico, caso se tra-te da neurose, ou da psicose. No discursodo psicótico, a posição defensiva não é pos-sível de ser assumida. Assim, nesse discur-so, encontramos o peso da palavra não dita,porque percluída pelo sujeito:

No caso da perclusão, não pode haver ‘não’,aparecendo o elemento expurgado no real.Por isso o que foi percluído não pode serrelembrado, falado ou denegado (posiçãodefensiva), pois é o inexistente, que só podesurgir na manifestação de um real irreal oude um imaginário realizado, que é a aluci-nação. A palavra do psicótico não está sus-tentada pelo sujeito, pois a distância nãofoi instituída e, portanto, não visa ao reco-nhecimento. O psicótico situa-se numa po-sição não dialética. (Castro, 1990, p.54)

Esse uso diferenciado do não pode serexplicado em termos psicanalíticos. Obser-ve-se, primeiramente, que é possível pos-tular certa dificuldade do sujeito psicóticoem simbolizar, havendo o que Lacan deno-mina de um buraco no simbólico. QuandoLacan utiliza esse termo, está querendo di-zer que alguma coisa não funcionou, nãose completou no édipo. Diferentemente daneurose, já que não é possível falar nela semfazer referência ao édipo.

Assim, na psicose, é o registro do paique está em falta, ou seja, o sujeito está im-possibilitado de assumir a realização do sig-nificante pai ao nível simbólico (Lacan,1985, p.233). Há um aniquilamento do sig-nificante. Entretanto, muitos psicóticos,durante algum tempo, vivem compensa-dos, tendo aparentemente comportamen-tos comuns considerados como viris. Só que,a um certo momento, se descompensam esuas muletas imaginárias, que os permiti-am compensar a ausência do significanteprimordial, tornam-se insuficientes. É o quefaz a entrada na psicose. Essas muletas ima-ginárias nada mais são do que identifica-ções puramente conformistas a persona-gens que dão o sentido do que é precisofazer para ser homem. São, na verdade,identificações com o desejo da mãe, em umarelação imaginária.

Nos quadros clínicos de psicose, en-contram-se, nas mais variadas formas, ele-mentos (ou estruturas) comuns, principal-mente no que diz respeito à particularida-de/peculiaridade do discurso desses sujei-tos. Essas estruturas ou elementos comunsnão se apresentam exatamente como sen-

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do de uso normal na linguagem. Com baseem Czermak (1991) é possível observar nodiscurso dos psicóticos: a)uso excessivo dasnegações (ser e não ser); b) aliado a isso,encontra-se um querer saber (eu não sei quemsou); um querer recuperar a palavra e reco-brar o poder do juízo; um poder controlar-se; c) encontra-se, ainda, indicado nessesdiscursos a questão de não ter um lugar –o querer demarcar um lugar e não poderfazê-lo. (“...porque eu não tenho mais lu-gar; o meu não me agrada; eu quero umlugar muito grande.”) d) e, por fim, a dua-lidade (associada ao uso reiterado das ne-gações) entre ser e não ser parece apresen-tar-se como uma síntese dessas patologiasque surgem no discurso do psicótico.

Em síntese, há indicação de um nú-cleo estrutural que desencadeia a psicose,no qual falta o estabelecimento do terceirotermo, da lei. Há um buraco no simbólico,que não permite ao sujeito ter um lugar,ele está foracluído. O sujeito psicótico, naprocura de aceder ao simbólico, busca umlugar e um saber quem é. A ocupação deum lugar dentro do quadro familiar e a fal-ta de poder falar seu lugar na história fa-miliar, apontam para a foraclusão do signi-ficante primordial, para a não instituiçãocompleta, nem do édipo, nem da institui-ção de um terceiro (o simbólico) que per-mitiria ao psicótico constituir o desejo desaber. O psicótico parece estar aprisionadoa um real impossível de ser simbolizado.

Garcia-Roza (1990), analisando o con-ceito de real na teoria psicanalítica, consi-dera que “o real é aquilo que se encontrapara além do simbólico e do imaginário,para além da palavra e da linguagem”(p.95). Para Chemama (1995), é “aquiloque, para um sujeito, é expulso da realida-de pela intervenção do simbólico” (p.182).Citando Lacan, o autor diz que o real sópode ser definido em relação ao simbólicoe ao imaginário.

Ele não é essa realidade ordenada pelo sim-bólico, que a filosofia chama de ‘represen-tação do mundo exterior’. Mas, ele volta narealidade para um lugar no qual o sujeitonão o encontra, a não ser sob forma de um

encontro que desperta o sujeito de seu esta-do ordinário. Definido como o impossível,o real é aquilo que não pode ser simboliza-do totalmente na palavra ou na escrita e,por conseqüência, não cessa de se escrever.(Chemana, 1995, p.182).

Devido à falta de simbolização, o psi-cótico parece sofrer de um esvaziamento dassignificações, no qual toda organização dis-cursiva torna-se caduca. Na literatura exis-tente, há referência à síndrome de Cotard(delírio das negações) que alguns psicóti-cos apresentam, a partir da qual é possíveldelimitar o que poderia significar essa ca-ducidade do discurso: a) verifica-se umapossibilidade mínima de conectar os signi-ficantes (faculdade de aprender), pois odiscurso é mínimo, e os significantes sãoantidiscursivos. Os exemplos são de Czer-mak (1991, p.154): “... não consigo maisaprender coisa alguma”; “... pois foi minhainteligência que sumiu...”; “... as palavrasnão significam mais nada, surpreendo-meaté de conseguir falar...”; “... não consigodar uma seqüência às coisas; há uma idéiaque sai e não continua”. Para Czermak(1991), essa situação aponta para a “rela-ção entre a gênese da inteligência com anegação, pois esta indica que sua impres-são de ficar idiota instala-se à medida quenão pode mais ser, precisamente, através dadenegação. Quer dizer que para ela (a pa-ciente acima) não mais existe a simboliza-ção” (p.154); b) não existindo a capacida-de de simbolização, o sujeito da enuncia-ção está morto: o ser manifesta-se sob a for-ma de não-ser. O sujeito morto na enuncia-ção busca por meio da negação o acesso àordem simbólica. Para Lacan, o desapare-cimento de sua enunciação é decorrente dodesaparecimento de seu desejo – o desejo,o afeto, a dor, estão perdidos. Essa falta defalta faz com que o psicótico deseje fazerum com o outro; c) o sujeito parece nãopoder se organizar discursivamente – eleperde seu discurso e, portanto, alega dis-túrbios de fisiologia, insônia, etc: “seus ór-gãos não estão mais ligados em função deum discurso, discordam” (Czermak, 1991,p.159). A palavra se reveste de um caráter

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especialmente intolerável. Lacan (1985), aofalar sobre essa perda do discurso, na sín-drome de Cotard, considera que o sujeitonão advindo à luz do simbólico aparece noreal sob a forma mais pura, de puro sujeito.O sujeito cotardizado diz: eu não existo. Essenão existir, para Czermak (1991), indica cla-ramente a foraclusão do Nome do Pai. As-sim, aquele que diz eu não existo, eu estoumorto, nada funciona em mim encontra-seexpulso, expelido, foracluído do mundo;não está em uma (de)negação. “Ele estácomo elemento suprimido, rejeitado noReal” (Czermak, 1991, p.162). Dizer eu es-tou morto, estando vivo, significa que o euda enunciação desapareceu. Mas, paraCzermak (1991), é também uma maneirade se afirmar mediante o uso da negação,que aí procura ser instituinte. No entanto,essa tentativa é praticamente nula e, porisso, o paciente se sente um idiota. Aliás, foiJean Hyppolyte que demonstrou como agênese da inteligência depende da(de)negação, cuja função verdadeira é en-gendrá-la.

No psicótico, a tentativa de se afirmar,mediante o uso das negações, falha. Isso podeser percebido no uso que esse faz da língua,pela sua competência lingüística, ou seja,pelo sentido diferenciado que a negação as-sume no seu discurso. Ao fazer uma com-paração entre a negação, no sentido freudi-ano, e a negação no sentido lingüístico, Cas-tro (1990) afirma que a psicanálise e a lin-güística emprestam o mesmo sentido à ne-gação. A autora refere que, segundo Benve-niste, a negação lingüística exige ser enun-ciada para ser anulada. Assim, a “negaçãoimplica uma admissão: a afirmação é condi-ção de possibilidade para a negação”(p.27).Pela linguagem, institui-se uma distância doreal, o qual “pode então sersimbolizado”(p.27). Ou seja: a linguagemtorna presente algo que está ausente, en-quanto a (de)negação procura transformara presença numa ausência, numa presençanegada. “Mas, pela fala, essa ausência se fazpresença novamente. Se a linguagem exigeuma negação da coisa como presença, a(de)negação implica uma admissão”. (p.27)

d) no delírio das negações, o sujeitoencontra-se excluído da morte simbólica e,portanto, encontra-se propelido para de-sordem extrema – adiscursividade. O queesse sujeito sente é a dor maior de todas asdores: aquela de não faltar nada, senão umafalta. “Antes de morrer, porque já se estámorto” (Czermak, 1991, p.196). Para o au-tor, a síndrome de Cotard poderia ser umdos aspectos que a psicose oferece de maisclaro, ou seja, o que a foraclusão do Nome-do-Pai oferece de modo mais puro. Eis umdos motivos para se estudar mais detida-mente os modos como o psicótico utilizaas negações no seu discurso.

Finalmente, Czermak (1991) salientaque o psicótico cotardizado não se abre auma polivocidade de significações, “masconduz sempre à mesma, unívoca. Ele reú-ne em uma só o conjunto das significações.Não há buraco – é um caso que faz Um como outro” (p.162). Em suma, o que se podeobservar é a ausência de uma história deligamentos e de articulações: não havendodesejo de reconhecimento, é a sua vida in-teira que se revela desarticulada simbolica-mente, sem ligações simbólicas, sem outrasignificação, que senão o um e, sendo as-sim, é todo o movimento que desaparece –é um discurso indialectizável.

A psicanálise, principalmente a laca-niana, refere-se/utiliza-se, constantemente,da lingüística para analisar o discurso doneurótico e do psicótico. Dedica-se ao es-tudo dos fenômenos de linguagem, já queesses parecem se constituir em uma via deacesso ao mundo interno do doente. Aliás,é isso que Lacan prenuncia quando fala dosfenômenos de linguagem como o mais pro-fundo dos ensinamentos e, parece ser issoque aparece, constantemente, nas coloca-ções anteriores: há toda uma referência aquestões de linguagem, nas suas mais di-versas acepções.

Reunidos os pontos de vista psicanalí-tico e lingüístico, o discurso do psicóticopode, em suma, ter as seguintes caracterís-ticas:

- ser adiscursivo, habitado pela lingua-gem (não habita a linguagem como o neu-

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rótico) e esvaziado de significações. O psi-cótico, encontrando-se foracluído da di-mensão simbólica, parece não ter entradoverdadeiramente na linguagem e o sujeitoda enunciação encontra-se morto;

- não é constituído pela (de)negação,deixando-se habitar pelas negações;

- reflete ausência do significante pri-mordial, o que é evidenciado pelos proble-mas que apresenta em relação às concate-nações significantes (com sentido);

- parece ser uma língua diferente, ape-sar de ter uma certa organização lógica (sin-tática);

- não se abre a uma polivocidade designificações (é um);

- enfim, observa-se uma significativadesorganização simbólica.

A negação na constituição da subjetividadedo sujeito psicótico

Além das especificidades do discursopsicótico elencadas acima, proceder-se-á, aseguir, à discussão de um ponto de vistalingüístico stricto sensu de alguns enuncia-dos, tendo em vista uma questão em espe-cial: as diferenças enunciativas do funcio-namento da negação na psicose. Tem-se emquestão, aqui, não apenas as marcas formaisde ocorrência da linguagem psicótica, masos efeitos de sentido que o uso da negaçãotem na situação enunciativa em que o psi-cótico vê-se frente ao interlocutor.

Para abordar o fenômeno da negaçãona cena enunciativa em que estão frente-a-frente o psicótico e o clínico, toma-se porbase a teoria polifônica de Oswald Ducrotampliada para os propósitos deste trabalho.

A intenção, aqui, é indicar uma possi-bilidade de estudo do sentido, tomando porbase algumas considerações advindas dateoria enunciativa de Ducrot. Vale, no en-tanto, lembrar que não objetivamos apre-sentar um modelo “ideal” de análise da lín-gua o qual possibilitaria o estudo da(de)negação, de um ponto de vista lingüís-tico, na psicose. Nosso propósito é apenasbuscar na lingüística – e neste caso trata-se

da lingüística que enfoca os fenômenos deenunciação-elementos que possibilitem aformulação de uma concepção de sentidona linguagem que seja articulável à proble-mática da psicose.

Para Ducrot (1987), a toda a negaçãosubjaz um ponto de vista afirmativo quepode ser atribuído a um enunciador dife-rente daquele a quem se pode atribuir anegação. Em outras palavras, um locutor(L), quando enuncia uma negação, via deregra, coloca em cena dois enunciadores:E-1, responsável pelo conteúdo afirmadosubjacente, e E-2, responsável pelo conteú-do negado. Esquematicamente, tem-se: Lque coloca em cena, simultaneamente, E-1(afirmação) e E-2 (negação).

Neste texto, parte-se da ampliação des-se quadro a fim de propor a denegaçãocomo sendo um processo em que o pontode vista subjacente afirmado é atribuído aooutro por um processo de antecipação. As-sim, em termos de formalização, o esque-ma acima é reconfigurado da seguinte for-ma: L coloca em cena, simultaneamente,E-1’ (afirmação) e E-1’’ (afirmação anteci-pada ao outro) e E2 (negação). Ou ainda:

E1’- afirmaçãoE1’’ - afirmação antecipada ao outro

LE2 - negação

Nas entrevistas que constituem o cor-pus deste trabalho, foram encontradas duassituações:

a) Casos em que há ausência de dene-gação, portanto, sem tentativa de anteci-pação:

Exemplo A (29 anos, Masculino): Sim.Vim pra ver se me aliviava, mas não me adi-antou nada. Eles vieram também. Eu não fa-lei nada pra ninguém, não. Minha mãe achaque, que isso não é, não está acontecendo, né.Logo que anda muita polícia lá e ela acha queeles estejam atrás de outra pessoa...

Exemplo B (27 anos, Masculino): É sóem vidro. E em parede também, quandoeu fico nervoso. Quebro panela, quebroprato, não quero comer, quando eu não con-

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sigo comer eu quebro o prato. Quando eunão consigo. É que eu não consigo por cau-sa dos nervos, né? E não desce, né? Pareceque o corpo não ajudou a comer, né? [...}Daí vou nos bailão, tenho amiga, tenhoamigo, tomo uma cervejinha, e não posso,né? Não posso mais beber. Metade do meucorpo é epiléptico. Daí se eu tomo álcool,né? Daí se torna aquela doença, né? É sóisso que eu tenho pra falar. [...] Alguma vozeu ouvo. É que eu tinha uma namorada,né? Daí [...} eu ouço aquela voz, né?

São negações literais, em que se estabe-lece uma relação direta entre o locutor e onão. Percebe-se, em A e B, a ausência de an-tecipação, provocando um efeito de mono-fonia, ou seja, nessa situação o locutor (L)recusa instaurar o interlocutor como consti-tutivo do processo de enunciação. Nessecaso, reconfigura-se o esquema anterior, jáque há uma espécie de relação direta do lo-cutor com a negação. Pode-se propor umainterpretação em que L coloca em cena di-retamente a negação (~), ou seja, L (~).

Em todas as falas destacadas acima,percebe-se a estrutura sintagmática canôni-ca da negação. Na instância enunciativa des-ses casos, percebe-se a ausência de anteci-pação da perspectiva do outro. É isso quecausa um efeito monofônico, ou seja, numasituação X o locutor L, ao enunciar a nega-ção, recusa o diálogo interno comum à as-serção negativa. A negação, no contexto detodas essas enunciações, embora tenha umaestrutura aparente normal, produz um efei-to de estranhamento decorrente de recusade acesso ao simbólico. Essa interpretação,do ponto de vista da lingüística, coincidecom a psicanálise, quando esta considera queo psicótico foracluiu o não, já que faltou ooperador de recalque, responsável pelo apa-recimento do não da denegação.

Afirmar que o não foi foracluído podeprovocar um certo estranhamento já que,em termos sintáticos, o não é empregadocorretamente nos casos acima. Na verdade,o que se constituiu foi a forma da negação,ou seja: o não está presente – enquanto for-ma lingüística –, mas seu funcionamentoparece não estar.

b) Casos em que há tentativa de esta-belecimento de denegação, portanto, comtentativa de antecipação:

Exemplo C (43 anos, Masculino): Nãoquer dizer que a pessoa que tá em benefícionão sabe que...Aí o que é. Então por que eunão ia levar uma garota pra baixo do meulençol, num frio daqueles. Não que eu te-nha o hábito de tomar cachaça. Daí eu te-nho que arranjar mil e uma desculpa queninguém viu que tava tonto e arranjou umagarota pra ir lá pra baixo do lençol, né? Viu,eu sou criativo pra essas coisas da cachaçaporque não tinha hábito de tomar cachaça...

Exemplo D (40 anos, Masculino): Ti-nha dez paranga de cinco. De cinco. Nãosou muito, nada de beber. Não vou tar men-tido pra vocês se eu to um, um doutor, né?Eu não vou ta mentindo. Eu fumei. Maseu fumei mas eu sou assim: eu sou de fu-mar e, e não incomodar, me dá reação dequerer assaltar, pegar coisa da mãe, o di-nheiro da bolsa, pega dinheiro, me atuca-nar. Não. [...] Não. Mas a mãe sabe que eufumo, ele sabe que eu fumo, ele sabe queeu fumo. Ele sabe que eu sou viciado. Eudisse pra ele: eu to fumando, mas é o se-guinte, eu não sou de ta roubando de vocês.Eu disse pra ele: eu não sou da ta indo nabolsa, nos bolsos de vocês, de se atucanarpor causa que não tem...

São casos em que a situação de enun-ciação permite inferir que o locutor tentainstaurar um processo de antecipação, mes-mo que este não se concretize na íntegra, jáque não tem continuidade no discurso.

No que diz respeito ao que estamosdenominando de tentativa de denegação,percebe-se que o locutor tenta colocar emcena o outro em antecipação. Verifique-se,por exemplo, em C, 43 anos, que o enunci-ado não que eu tenha o hábito de tomar cacha-ça não está de acordo com a temática que oprecede e, conseqüentemente, sua ocorrên-cia espaço-temporal é inadequada, produ-zindo uma falha na antecipação da voz atri-buída ao outro.

Em linhas gerais, pode-se dizer que deacordo com os dados acima há uma tenta-tiva de estabelecimento de sujeito na psi-

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cose e isso pode ser atestado na frustraçãodo processo antecipatório da denegação. Anegação no discurso do psicótico pareceestar destituída de sua função ordenadorade significantes – há aí uma falha estrutu-ral, o que permite uma diferenciação nofuncionamento da negação na psicose.Importa, porém ressaltar que se um signi-ficante foi foracluído, o ordenador, isso nãosignifica que o sujeito está fora da lingua-gem. O psicótico está na linguagem, masde uma forma estruturalmente diferente.

Conclusão

Para além das contribuições pontua-das durante o texto, tanto em termos declínica com a patologia, como em termosde análise do discurso do psicótico, é ne-cessário enfatizar, de forma mais incisiva, aexistência de um sujeito nas psicoses. Osresultados das investigações aqui expostasapontam para a possibilidade de um sujei-to psicótico poder se nomear e poder sernomeado.

Falar em sujeito nas psicoses significa,em primeiro lugar, abalar a dualidade ra-zão/desrazão. Em segundo lugar, significamarcar uma ruptura com determinadosestudos lingüísticos existentes na psiquia-tria, que tratam de forma casual os distúrbi-os de linguagem específicos como sendo indí-cios claros da loucura, da desrazão. No queconcerne ao psicótico, trata-se de abalar osestudos que tratam o delírio como se estefosse o sinal inequívoco, a marca crucial dadesventura subjetiva, quando o mais pro-vável fosse tratá-lo como uma tentativa dearticulação discursiva de uma determina-da posição subjetiva, uma determinada for-ma de entrar na linguagem, uma possibili-dade de existência.

Demarcar a existência de um sujeitoque tenta se articular através de sua desra-zão, de seu delírio, remete necessariamenteà discussão acerca da possibilidade, ou não,de esse sujeito circular no espaço social. Natradição, o louco, na sua desrazão, tem suasverdades desautorizadas e seu dizer confi-

nado a campos discursivos periféricos. Nacontemporaneidade, em que pesem os pro-gressos acerca de uma nova visão da loucu-ra, tem-se, ainda um sujeito destituído deautoria, de existência.

Enfatiza-se, aqui, que, com as consi-derações acima feitas, é determinado umcampo de subjetivação para o psicótico, oqual funda-se, eminentemente, em umaética/estética da existência.

Está-se falando, assim, de uma afirma-ção do saber, do discurso e da existência dopsicótico, desatrelando-o de uma concep-ção idealizada de sujeito. Tal posição im-plica o deslocamento da discussão do su-jeito para o estudo dos processos de subje-tivação, acentuando-se a positividade de ospsicóticos fazerem laço social.

Finalmente, cabe acentuar que se de-fende uma outra posição para o psicótico:a de poder ocupar um lugar no campo daexistência, da linguagem e do saber, por-tanto, um lugar afirmativo.

Referências

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Recebido em junho de 2005Aceito em setembro de 2005

Autores: Margareth Shäaffer – Professora Titularde psicologia da Faculdade de Educação e doPrograma de pós-graduação em Educação daUFRGS; Valdir do Nascimento Flores – Profes-sor Adjunto do Departamento de Letras Clássi-cas e Vernáculas do Instituto de Letras e do Pro-grama de Pós-Graduação em Letras da UFRGS.

Endereço para correspondência:E-mail: [email protected]; [email protected]

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Assédio moral: a dignidade violada

Roberto Heloani

Resumo. O assédio moral deve ser considerado principalmente como um fenômeno de-corrente do processo disciplinar, por sua vez proveniente das modernas formas de gestãono mundo atual; mundo este que passa por rápidas mudanças, desencadeadas pelo vorazprocesso de globalização, que faz com que as organizações substituam o homem pela má-quina. Novas tecnologias são implementadas nas empresas, o que obriga seus colaborado-res a uma adaptação desumana, em busca de um novo perfil, ultracompetitivo, por vezesem um binômio inversamente proporcional à equação ética/solidariedade.Palavras-chave: assédio moral, trabalho, dignidade.

Moral harassment: the dignity violated

Abstract. The moral harassment must be mainly considered as a phenomenon that resultsfrom a disciplinar process that itself derives from the modern forms of gestion. These waysof administration appear in the modern world; which suffers quicky changes, that arebroken out by the voracious process of globalization. This process makes a cruel statement:the organizations must substitute men by machines. New technologies are being insertedin the companies, forcing its “collaborators” (or employees) to a inhuman adaptation, inan endless search for a new profile, very competitive, sometimes in a binomial inverselyproportional to the equation ethics/solidarity.Key words: moral harassment, work, dignity.

Alguns autores costumam colocar aquestão do assédio moral como essencial-mente individual, como uma “perversão doego” no âmbito estritamente psicopatoló-gico, em que se dá um silencioso assassina-to psíquico. Entre os mais conhecidos, po-demos citar aquela que popularizou o con-ceito, Marie France Hirigoyen (2002a), emsua primeira obra Assédio moral: a violênciaperversa no cotidiano, embora em sua segun-da obra, Mal estar no trabalho: redefinindo oassédio moral (2002b), essa autora relativizea variável idiossincrática.

A par disso, existe uma outra concep-ção à qual nos filiamos que, não obstantemais complexa, também considera cadaindivíduo como produto de uma constru-ção sócio-histórica. Sujeito e produtor deinter-relações que ocorrem dentro do meio-ambiente social, com suas leis e regras. Di-

retrizes estas que funcionam dentro de umadeterminada lógica macroeconômica, a qualsubentende e incorpora relações de poder.

Costumamos dizer que a discussão so-bre assédio moral é nova. O fenômeno é velho.Tão velho quanto o trabalho, isto é, quantoo homem, infelizmente...

No Brasil colônia, índios e negros fo-ram sistematicamente assediados, ou me-lhor, humilhados por colonizadores que, decerta forma, julgavam-se superiores e apro-veitavam-se dessa suposta superioridademilitar, cultural e econômica para impin-gir-lhes sua visão de mundo, sua religião,seus costumes. Não raro esse procedimen-to, constrangedor sob vários aspectos, vi-nha acompanhado de um outro que hojedenominamos assédio sexual, ou seja, cons-tranger-se uma pessoa do sexo oposto oudo mesmo sexo a manter qualquer tipo de

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prática sexual sem que essa verdadeiramen-te o deseje.

De fato, relembrando as idéias de Gil-berto Freyre (1995), em sua obra clássica Casa-Grande & Senzala: formação da família brasilei-ra sob o regime da economia patriarcal, as rela-ções entre brancos e “raças de cor” foram, noBrasil, condicionadas bilateralmente – de umlado pela monocultura latifundiária (o culti-vo de cana-de-açúcar) no que diz respeito aosistema de produção econômica; e de outro,pelo sistema sócio-familiar de cunho patriar-cal, que se caracterizava pela escassez demulheres brancas na colônia. Essa monocul-tura açucareira acabou impossibilitando aexistência de uma policultura e de uma pe-cuária que pudessem se instalar ao redor dosengenhos, suprindo-lhes, inclusive, as carên-cias alimentares. A criação de gado deslocou-se para o sertão, e a casa-grande adquiriu ca-racterísticas essencialmente feudais – senho-res de engenho, em sua maior parte patriar-cais e devassos, que dominavam, do alto desuas moradias, escravos, lavradores e agrega-dos, com mão-de-ferro.

Sem querermos radicalizar ou extrapo-lar, considerando a atual sociedade brasileiranos moldes da escravocrata, pensamos que ahumilhação no trabalho, ou o assédio moral,sempre existiu, historicamente falando, nasmais diferentes formas. Humilhação estaembasada no próprio sistema macroeconô-mico, que, em seu processo disciplinar, favo-rece o aparecimento dessa forma de violên-cia, em que o superior hierárquico detém umcerto poder sobre seu subordinado.

Em um mundo que passa por gran-des e rápidas mudanças, as organizaçõesnacionais, pressionadas pelo processo deglobalização, substituem cada vez mais ohomem pela máquina. Assim, novas tecno-logias são implementadas nas empresas,obrigando o trabalhador a adaptar-se rapi-damente a elas e impondo um novo perfilprofissional tecnicizado.

Fruto de um processo cada vez maisintenso de globalização, de automação fa-bril, de informatização nos serviços e deagilização nos processos, a hipercompetiti-vidade é um fenômeno recente, que vem

chegando ao Brasil e, efetivamente, estimulaa instrumentalização do outro.

Nessa nova lógica pós-moderna oupós-fordista, como queiram, que legitimauma ampla reestruturação produtiva, ondeos salários sofrem cada vez mais reduções ea educação emerge como “salvadora” e prin-cipal ferramenta da atualização, o trabalhotorna-se cada vez mais precário e seletivo. OEstado vem, mediante uma ideologia neoli-beral, retirar e diminuir benefícios e direitosdo trabalhador, modificando a relação capi-tal-trabalho; surgem, então, novas relações,como o contrato de trabalho por tempo de-terminado e várias formas de terceirização,que geram, desse modo, o subemprego e otrabalho informal, novas ameaças ao traba-lhador, que antes tinha a garantia de algunsdireitos historicamente consolidados.

Busca-se desse modo um paradoxo: aconciliação de dois sujeitos historicamentedesiguais, capital e trabalho. Por meio dediscursos de cooperação e de trabalho emequipe, consultores organizacionais acabampor perpetuar elementos antagônicos: anecessidade da cooperação em equipe e acompetição pela aquisição e manutençãode um posto de trabalho.

Essa hipercompetitividade não seriaem si mesma uma forma de violência? Umaguerra, como bem coloca Christophe De-jours (2001) em A banalização da injustiçasocial, onde o fundamental não é o equipa-mento militar, mas o desenvolvimento dacompetitividade; em que o fim pode justi-ficar os meios, mediante um atropelamen-to da ética, da própria dignidade humana.

É certo que a violência faz parte daprópria condição humana, como o amor, oódio, o poder, a submissão, o orgulho, ainveja e tantas outras facetas da personali-dade. Mas, como Roberto Da Matta (1982)em A violência brasileira lucidamente posi-ciona, não se pode deixar de investigar oconjunto de valores que estão associados acertas formas de violência em sociedadesespecíficas. Em um sistema em que a “raci-onalidade instrumental” se sobrepõe à “ra-cionalidade comunicativa”, (para usarmosa expressão de Habermas (1988) em Teoria

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de la acción comunicativa: crítica de la razónfuncionalista),o que gera uma distorção co-municacional, a violência torna-se uma res-posta a um sistema desumano e não podeser considerada um mero mecanismo indi-vidual. Em outras palavras, nesse processoa violência passa a ser uma perversão daperversão, ou seja, uma armadilha motiva-da pela crueldade do sistema.

Em nossa opinião, a violência reflete, talcomo uma imagem no espelho, as formas depoder constituídas socialmente. Se for certoque o furor expansionista do capital conquis-tou-nos financeiramente, é também exato quenesse processo de expansão comprometeu-se o nosso discernimento, ou melhor, a nossasaúde moral. Alguns fragmentos de discursocomo “enxugar as gorduras”, “exterminar osdinossauros” e mesmo “fazer uma faxina” sãoexpressões recorrentes na “mídia especializa-da”, que costumamos chamar de sublitera-tura organizacional.

Situando o assédio moral

O assédio moral foi apontado comoobjeto de pesquisa, na Suécia, pelo psicó-logo do trabalho Heyns Leymann (1996),que, por meio de um levantamento junto avários grupos de profissionais chegou a umprocesso que qualificou de psicoterror, cu-nhando o termo mobbing (um derivado demob, que significa horda, bando ou plebe),devido à similaridade dessa conduta comum ataque rústico, grosseiro.

Dois anos após, Marie-France Hiri-goyen, psiquiatra e psicanalista com gran-de experiência como psicoterapeuta fami-liar, popularizou o termo por meio do lan-çamento de seu livro Le harcèlement moral :la violence perverse au quotidien, um best-sel-ler que ocasionou a abertura de inúmerosdebates sobre o tema, tanto na organizaçãodo trabalho como na estrutura familiar.

Com formação em “victimologia” naFrança e nos Estados Unidos, a postura deHirigoyen é empática em relação à vítima ediscordante de algumas teorias psicanalíti-cas que debitam boa parte da culpa ao

agredido, como se de certa forma este esti-vesse conivente com o agressor ou desejas-se inconscientemente a própria situação deagressão, por masoquismo ou mesmo porexpiação de culpa.

Provavelmente foi essa faceta inovado-ra e humana de sua abordagem o que mo-tivou o enorme sucesso de seu livro e fezcom que, em sua esteira, uma revista fran-cesa, Rebondir, especializada em informa-ções sobre o emprego, realizasse uma vastapesquisa, em empresas francesas, referenteao assédio moral.

Explicitando o fenômeno

Para esboçarmos, em linhas gerais, emque consiste o assédio moral, utilizaremos,inicialmente, algumas definições sobre essaconduta, apresentadas por Leymann, Hi-rigoyen, Barreto e Freitas para depois nosposicionarmos.

De acordo com Heyns Leymann (1996)em Mobbing: la persécution au travail, o autorque primeiro detectou esse fenômeno, tra-ta-se de um conceito que se desenvolve emuma situação comunicativa hostil, em queum ou mais indivíduos coagem uma pessoade tal forma que esta é levada a uma posiçãode fraqueza psicológica.

Segundo Marie-France Hirigoyen(2002a), que em Assédio moral: a violênciaperversa no

cotidiano, disseminou amplamente aproblemática desse sofrimento invisível,oassédio em local de trabalho está ligado aqualquer conduta abusiva em relação a umapessoa (seja por comportamentos, palavras,atos, gestos ou escritas) que possa acarretarum dano à sua personalidade à sua digni-dade ou mesmo à sua integridade física oupsíquica, podendo acarretar inclusive perdade emprego ou degradação do ambiente detrabalho em que a vítima está inserida.

No Brasil, Margarida Barreto (2000)notabilizou-se por uma ampla pesquisa juntoa 2072 trabalhadores de 97 empresas dossetores químico, farmacêutico, de plásticose similares, de portes variados, dentro da re-

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gião da grande São Paulo. Em seu entender,assédio moral ou violência moral no traba-lho é a exposição de trabalhadores a situa-ções vexatórias, constrangedoras e humi-lhantes durante o exercício de sua função,de forma repetitiva, caracterizando uma ati-tude desumana, violenta e antiética nas re-lações de trabalho, assédio este realizado porum ou mais chefes contra seu subordinado.

Outra pesquisadora brasileira, MariaEster de Freitas (2001), em seu artigo Assé-dio moral e assédio sexual: faces do poder per-verso nas organizações, posiciona, com jus-teza, que esse fenômeno se conecta ao es-forço repetitivo de desqualificação de umapessoa, que, dependendo das circunstân-cias, pode levar ou não ao assédio sexual.

Em nosso entender, o assédio moralcaracteriza-se pela intencionalidade; con-siste na constante e deliberada desqualifi-cação da vítima, seguida de sua conseqüen-te fragilização, com o intuito de neutralizá-la em termos de poder. Esse enfraqueci-mento psíquico pode levar o indivíduo vi-timizado a uma paulatina despersonaliza-ção. Sem dúvida, trata-se de um processodisciplinador em que se procura anular avontade daquele que, para o agressor, seapresenta como ameaça.

Essa dose de perversão moral – algumaspessoas sentem-se mais poderosas, seguras eaté mesmo mais autoconfiantes à medida quemenosprezam e dominam outras – pode le-var com facilidade, a nosso ver, ao assédiomoral, quando aliada à questão da hipercom-petitividade. Ou seja, a perversidade (por ve-zes ligada a traços como frieza, calculismo einteligência) e encorajada por práticas orga-nizacionais danosas (corrosão de valores éti-cos essenciais) acaba por desconsiderar ooutro, em um verdadeiro extermínio psíqui-co, calculado e covarde, em relação à pessoa aquem, no íntimo, o agressor inveja.

Bons em fazer política na organizaçãoe hábeis em decisões difíceis e polêmicas,esses agressores não raro são admirados porsua relativa eficiência e eficácia em sua per-formance em curto prazo, apesar da arro-gância e do menosprezo com que tratamseus subordinados.

Na verdade, esses agressores possuemtraços narcisistas e destrutivos, estão freqüen-temente inseguros quanto à sua competên-cia profissional e podem exibir, às vezes, for-tes características de personalidade paranói-ca, pela qual projetam em seus semelhantessua “sombra”, ou melhor, aquilo que nãoconseguem aceitar em si mesmos.

Apresentando extrema dificuldadepara verdadeiramente admitir críticas, es-sas pessoas podem agir com desconfiançae excessiva suspeita em relação às atitudesalheias, a quem atribuem intenções maldo-sas; e, aparentando hipersensibilidade, po-dem exagerar o risco e a incerteza presen-tes em diversas situações; atitudes essas queajudam a supervalorização de seu trabalhoe o fortalecimento de sua auto-estima.

Ambiciosos e invejosos, esses indivídu-os procuram aproveitar-se do trabalhoalheio, sugando energias e realizações deoutros para montarem uma pseudo-imagemde si próprios: verdadeiros “salvadores dapátria”, os “guardiões das organizações”.

Diz Lubit (2002), no artigo Impacto dosgestores narcisistas nas organizações, que, por nãotolerarem o sucesso de subordinados quepossam distinguir-se mais do que eles, essesgestores normalmente afastam seus melho-res funcionários, mormente se forem pessoasmais jovens com ou mais qualificações (for-mais ou informais) do que eles próprios.Mesmo que venham a aparentemente incen-tivar essas pessoas, temporariamente adotan-do uma postura “simpática” a elas, não tar-dam a “puxar-lhes o tapete”, ou seja, a enfra-quecê-las ou a eliminá-las da organização,sobretudo se manifestarem suas próprias opi-niões, mostrando-se independentes Nossaexperiência demonstra que seu “tipo preferi-do” é o indivíduo que trabalha muito (“o pé-de-boi”), não questiona nada (“o cordeiro”)e, freqüentemente, enaltece o ego de seu su-perior em posição reverente (“o puxa-saco”).

Geralmente o assédio moral nasce compouca intensidade, como algo inofensivo,pois as pessoas tendem a relevar os ataques,levando-os na brincadeira; depois, propaga-se com força e a vítima passa a ser alvo deum maior número de humilhações e de brin-

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cadeiras de mau-gosto. Isso provavelmenteacontece justamente por que as vítimas te-mem fazer denúncias formais, com medodo “revide” que poderia ser a demissão ou orebaixamento de cargo, por exemplo; alémde que essas denúncias iriam tornar públicaa humilhação pela qual passaram, o que asdeixaria ainda mais constrangidas e enver-gonhadas. Assim, o medo (de caráter maisobjetivo) e a vergonha (mais subjetiva, mascom conseqüências devastadoras) se unem,acobertando a covardia dos ataques.

Embora seus agressores tentem desqua-lificá-las, normalmente as vítimas não sãopessoas doentes ou frágeis. São pessoas compersonalidade transparente e sinceras que seposicionam, algumas vezes questionandoprivilégios, e não têm grande talento para ofingimento, para a dramaturgia. Tornam-seos alvos das agressões justamente por não sedeixarem dominar, por não se curvarem àautoridade de um superior sem nenhumquestionamento a respeito do acerto de suasdeterminações. É o próprio assédio que podevir a patologizar as vítimas, desencadeandoum processo mimético em relação a que oagressor, individualmente ou em grupo, afir-ma sobre elas: que são desatentas, inseguras(daí serem hipersensíveis às críticas), quaseparanóicas. Referimo-nos ao agressor agindo

sozinho ou em grupos, porque, de fato,no caso de um agressor que atue dentro deuma empresa, este pode aliciar colegas que,por receio ou interesse, aliem-se a ele em sua“perseguição” a um determinado funcioná-rio, considerando que, agindo dessa forma,demonstram uma certa cumplicidade, naesperança da recompensa de uma não agres-são futura em relação a si próprios. É o “es-prit d´équipe” que, particularmente nessa si-tuação, traduz a falsa idéia de que a “solida-riedade” ao chefe pode conduzir à seguran-ça e mesmo à ascensão dentro da empresa.

Um exemplo elucidativo desse proces-so mimético em que a vítima acaba por re-produzir aquilo que lhe é atribuído seriaaquele em que se atribui ao sujeito agredi-do a pecha de ser desatento, não envolvidocom seu trabalho, imperito. Em longo pra-zo, depois de alguns meses, às vezes até anos

de sofrimento atroz, desencadeado por essaconstante e desmerecedora “adjetivação”direta ou indireta, o indivíduo torna-se exa-tamente o que lhe foi atribuído. A vítimapode entrar em depressão e sofrer, porexemplo, um longo período de insônia, oque é comum nesse quadro depressivo.Dessa forma, ela pode acabar por se tornarrealmente negligente no trabalho, não porseu desejo e sim pela pauperização, pelafragilização de sua saúde física e mental.

É interessante observarmos que emépocas passadas, no Brasil, o assédio moralse dava basicamente com o “peão”, o servi-çal sem maiores qualificações. Hoje, abran-ge todas as classes, infelizmente “democra-tizou-se” no mau sentido; juízes, desem-bargadores, professores universitários, mé-dicos e funcionários de funções diversas,muitas vezes bastante qualificados, tambémsão atingidos por esse fenômeno.

Apesar de a maioria das pesquisas apon-tarem que as mulheres são, estatisticamentefalando, as maiores vítimas do assédio moral,também são elas as que mais procuram ajudamédica ou psicológica e, não raro, no seu pró-prio grupo de trabalho, verbalizando suasqueixas, pedindo ajuda. Em relação ao ho-mem, sob alguns aspectos, essa situação é maisdelicada, pois fere sua identidade masculina.Em um tipo de agressão que, como já vimos,é paulatina e quase-invisível, não raro quan-do a vítima se apercebe da situação o fenô-meno destrutivo já se estabeleceu, o que aleva a um processo depressivo em que nãoencontra mais forças e em relação a que nemmesmo possui ânimo para reagir. Essa atitu-de de aparente passividade, ou melhor, deausência de ação, dentro de nossa culturamachista e preconceituosa é vista mais comoum atributo feminino do que masculino, oque piora o quadro depressivo da vítima, poisrebaixa ainda mais sua auto-estima, ferindosua identidade masculina. Assim, no casomasculino, tornar pública a sua humilhaçãoassocia-se a admitir sua impotência diante dosfatos, o que se lhe configura como o “fundodo poço”, o auge de sua forçada degradação.Daí ocorrerem somatizações como úlcera, dis-funções sexuais, eternas cefaléias, etc.

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Tentativas de coibir o assédio moral

Embora muitas das grandes empresaspossuam código de ética – a maioria das100 melhores empresas que estão no rankingda revista Exame o possuem – só essa con-quista não é suficiente. O simples fato determos um código penal que condene fur-tos, roubos, homicídios, latrocínios, seqües-tros etc. não impedem a sua ampla ocor-rência. O que pode ser atestado e confir-mado empiricamente pela simples leituradiária das manchetes de jornal.

Além dos códigos de ética, podem-secriar mecanismos, por meio do departa-mento de Recursos Humanos da empresa,para dar ao trabalhador agredido o direitode denunciar a agressão de que tenha sidovítima, por escrito e sigilosamente; com essefim, o indivíduo agredido pode utilizar cai-xas postais e mesmo “urnas” em dependên-cias isoladas dentro da organização, paraque, em tese, possa ter seu anonimato ga-rantido. São passos para amenizar o pro-blema, mas não bastam.

A nosso ver, as condições e a filosofia quedeterminam a hipercompetição é que devemmudar. Somente um efetivo processo de hu-manização do trabalho poderá fazer com queos “sintomas” dessa verdadeira doença retro-cedam. Poderíamos começar pela criaçãodaquilo que Christophe Dejours (2001), emvárias de suas obras, chama de espaço públi-co, ou espaço de discussão, ou seja, um localque, no caso, poderia existir dentro das pró-prias empresas, onde os membros da organi-zação pudessem expor seus problemas, an-gústias e expectativas, facilitando o entendi-mento. Seria o caso, como diria Habermas(1988), da “racionalidade instrumental”, ouseja, da lógica do sistema, vir a ceder espaçoà “ação comunicativa”, que tenha por baseargumentos justos e transparentes. Em ou-tros termos, tal discussão, que no atual mo-mento nos parece utópica, pode levar as pes-soas a perceberem que seu problema não éindividual, que não lhes falta competência.Trata-se de um fenômeno que envolve inte-rações sociais complexas e, portanto, as víti-mas da violência não devem se culpar.

Observações finais

É dessa forma, parece-nos, por meio daorganização do coletivo e de sua aberturadialógica que conduziria a uma sociedademais democrática e, portanto, menos sujei-ta à violência, que o problema do assédiomoral poderia vir a ser gradativamente mi-nimizado. De fato, a saída está na organiza-ção do coletivo para que possamos transfor-mar súditos em cidadãos. Relembrando umpensamento de Norberto Bobbio (1991), umdos mais respeitados cientistas políticos daatualidade, em sua obra Liberalismo e demo-cracia, para tornar-se cidadão, é necessáriohaver direitos iguais para todos, constituci-onalmente garantidos, sem discriminação dequalquer tipo – sejam provenientes de sexo,religião, raça, classe social ou quaisquer ou-tras. E como o momento histórico e o povoinfluem sobre esse elenco de direitos, pode-se afirmar que fundamentais são os direitosatribuídos a todos os cidadãos indistintamen-te e de forma absolutamente equânime.

Esses direitos fundamentais, é bom quese diga, indiretamente já fazem parte do acer-vo jurídico nacional, tal como o artigo 5º daConstituição Federal, parágrafos II e III, queabrangem respectivamente o assédio sexual eo moral, o artigo 483 da CLT e mesmo osartigos 138,139 e 140 do Código Penal, rela-tivos a crimes contra a honra, ou seja, calú-nia, difamação e injúria; sem mencionar oartigo 146 – constrangimento ilegal – do re-ferido código, que também pode ser aplica-do ao assédio sexual. Colocamos “indireta-mente” porque a maior dificuldade no queconcerne à penalização do assédio moral éjustamente a sua “invisibilidade” e, portanto,o alto grau de subjetividade envolvido naquestão. O nexo causal, ou seja, a comprova-ção da relação entre a conseqüência (no caso,o sofrimento da vítima) e sua causa (no caso,a agressão), indispensável na esfera criminal,nem sempre é aparente, na medida em quetais humilhações são mormente perpetradas“com luvas”, ou seja, sem deixar as digitaisdo agressor. No entanto, apesar dessa dificul-dade de penalização, como já observamos,devida ao fator subjetivo que envolve esse tipo

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de delito, vários países já têm uma legislaçãoespecífica para criminalizar o assédio moralno trabalho. É o caso da Alemanha, da Itália,da França, da Austrália, dos Estados Unidose da Suíça. No Brasil, vereadores e deputa-dos têm tentado criar uma legislação maisdirecionada a esse fenômeno, no intuito dechamar atenção para sua gravidade. É o casode Arselino Tatto, vereador do PT, que teveseu projeto de lei aprovado em janeiro de 2002,de Marcos de Jesus, deputado pelo PL, quealtera o Código Penal introduzindo o inciso146 A e do projeto de lei de Antonio Mentor,deputado estadual pelo PT.

Como encerramento, fica uma suges-tão para reflexão: se não nos solidarizarmoscom as vítimas de assédio moral por sensode justiça e bondade, deveríamos fazê-lo porinteligência. Amanhã qualquer um de nóspoderá vir a ser uma delas... Sobretudo emuma estrutura social em que, como vimos,impera o egoísmo e a hipercompetitividade.

De fato, em uma sociedade cuja basecultural fosse a fraternidade, o assédio mo-ral simplesmente não existiria, ou se restrin-giria às patologias individuais. Mas, enquan-to vivermos em uma sociedade que valorizamuito mais a capacidade de competir e ven-cer do que o altruísmo e a generosidade, comcerteza esse tipo de coação moral continua-rá acontecendo. Nesse sentido é que pode-mos afirmar que a punição a esses agresso-res, que agem de maneira torpe – egoísta ecovarde – é bem-vinda. Impõe limites e criabarreiras a procedimentos antiéticos.

Continuemos, pois, em nossa luta so-lidária por uma sociedade mais justa e me-nos prepotente, em que possamos ter di-reito a expressar nossas opiniões sem so-frermos qualquer tipo de retaliação. Oxalávenhamos algum dia a viver em uma socie-dade plenamente democrática.

Referências

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Pontifícia Universidade Católica de SãoPaulo).Bobbio, Norberto & cols. (1991). Dicioná-rio de política. Brasília: UNB/ Linha GráficaEditora.Custódio, Antonio Joaquim Ferreira (2002).Constituição federal interpretada pelo STF. SãoPaulo: Editora Juarez de Oliveira.Da Matta, Roberto & cols. (1982). A violên-cia brasileira. São Paulo: Brasiliense.Dejours, Christophe (2001). A banalizaçãoda injustiça social. Rio de Janeiro: FGV.Freitas, Maria Ester de (2001). Assédiomoral e assédio sexual: faces do poder per-verso nas organizações. Revista de Adminis-tração de Empresas, 41 (2), 8-19.Freyre, Gilberto (1995). Casa – grande & sen-zala: formação da família brasileira sob oregime da economia patriarcal. Rio de Ja-neiro: Record.Habermas, Jürgen (1988). Teoría de la accióncomunicativa: crítica de la razónfuncionalista. Madrid: Taurus.Hirigoyen, Marie-France (2002a). Assédiomoral: a violência perversa no cotidiano. Riode Janeiro: Bertrand Brasil.Hirigoyen, Marie-France (2002b). Mal-es-tar no trabalho: redefinindo o assédio mo-ral. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil.Leymann, Heins (1996). Mobbing: lapersécution au travail. Paris: Le Seuil.Lubit, Roy. O impacto dos gestores narci-sistas nas organizações. Revista de Adminis-tração de Empresas, 42 (3), 66-77.

Recebido em outubro de 2005Aceito em novembro de 2005

Autor: Roberto Heloani; – Psicólogo; Mestre emAdminstração de Empresas, Doutor em Psicolo-gia Social – PUC SP, Pós-doutorado em Comuni-cação – USP, Professor e pesquisador na Funda-ção Getúlio Vargas – SP, UNICAMP e professorconveniado da Universidade de Nanterre –Sorbonne IV- França.

Endereço para correspondência:E-mail: [email protected]

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NORMAS TÉCNICAS PARA PUBLICAÇÕES

A Aletheia é uma revista semestral editada pelo Curso de Psicologia da Universi-dade Luterana do Brasil, destinada a publicação de trabalhos de professores, alunose demais profissionais envolvidos em estudos produzidos na área da Psicologia ouafim. Serão aceitos trabalhos originais que se enquadrem nas categorias de relato depesquisa, experiência profissional, atualizações e comunicações. A partir de sua 16ªedição, a Revista passa a adotar as normas do Manual de Publicação da AmericanPsychological Association – APA (4ª edição, 2001).

NORMAS EDITORIAIS

1. Serão aceitos somente trabalhos inéditos.2. O artigo passa pela apreciação dos Editores.3. Os Editores encaminharão para apreciação do Conselho Editorial, que poderá

fazer uso de consultores ad hoc, a seu critério, para análise, recomendando ou rejei-tando a publicação.

4. Os pareceres comportam três possibilidades: a) aceitação integral; b) aceitaçãocom reformulações; c) recusa integral. Em qualquer destas situações o autor serádevidamente comunicado. Os originais, mesmo quando não aproveitados, não serãodevolvidos.

5. Os autores do artigo receberão cópia dos pareceres dos consultores. Serãoinformados sobre as modificações a serem realizadas.

6. Os Editores e o Conselho Editorial reservam-se o direito de fazer pequenasalterações no texto dos artigos. Modificações substanciais serão solicitadas aos auto-res com prazo definido.

7. Os artigos serão aceitos em outra língua além do português.8. Independentemente do número de autores, serão oferecidos dois exemplares

por trabalho. Arquivo em PDF disponível pelo site www.editoradaulbra.com.br.9. As opiniões emitidas nos artigos são de inteira responsabilidade do(s) autor(es),

não constituindo sua aceitação motivo para se entender que a Aletheia ou o Curso dePsicologia da ULBRA compartilham das opiniões ou juízos emitidos pelos autores.

10. A matéria editada pela Aletheia poderá ser impressa total ou parcialmente,desde que obtida a permissão dos editores. Os direitos autorais obtidos pela publica-ção do artigo não serão repassados para o autor do artigo.

FORMA DE APRESENTAÇÃO DOS MANUSCRITOS

Os artigos originais deverão ser encaminhados em disquete e em três vias im-pressas, digitadas em espaço duplo, fonte Times New Roman, tamanho 12. O artigodeverá ter no máximo 25 laudas. A folha deverá ser A4, com formatação de margenssuperior e inferior (no mínimo 2,5 cm), esquerda e direita (no mínimo 3 cm).

Todo manuscrito encaminhado à Revista deverá estar acompanhado de umacarta assinada pelo autor principal, onde esteja explícita a intenção de submissão do

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trabalho à publicação, contendo autorização para reformulação da linguagem, quan-do necessário. Em caso de trabalho de autoria múltipla, a versão final deverá terassinatura de todos os autores.

A apresentação dos trabalhos deverá ter as seguintes orientações: a) Folha derosto identificada: título do artigo em língua portuguesa; nome dos autores; resumoem português, de 10 a 12 linhas, 3 palavras-chave, título do artigo em língua inglesa,resumo (Abstract) em inglês, compatível com o texto do Resumo; key words; nomecompleto do(s) autor(es), titulação essencial, afiliação institucional, endereço com-pleto, telefone, e-mail; b) Folha de rosto não identificada. Sugere-se que os artigosreferentes a relatos de pesquisa apresentem a seguinte seqüência: dados de identifica-ção, introdução, metodologia, resultados, discussão, referências bibliográficas. As fi-guras e tabelas devem ser apresentadas ao final, uma por página; e o local sugeridopara inserção deverá ser indicado no texto. Anexar carta de encaminhamento aosEditores, autorizando o processo editorial e anexando documentos relativos ao cum-primento das normas éticas da pesquisa em seres humanos.

NORMAS PARA CITAÇÕES

As citações deverão ser feitas de acordo com as Normas da APA (American Psycho-logical Association – 4ª edição - 2001).

- No caso da citação literal de um texto: deve ser delimitada por aspas e a citaçãodo autor seguida do ano e do número da página citada. Uma citação literal com 40 oumais palavras deve ser apresentada em bloco próprio em itálico e sem aspas, come-çando em nova linha, com recuo de 5 espaços da margem, na mesma posição de umnovo parágrafo.

Citação de um autor: sobrenome seguido pelo ano da publicação. Exemplo:Silva (2000).

Citações de dois autores: cite os dois autores sempre que forem referidos notexto. Exemplo:

(Silva & Santos, 2000) - quando os sobrenomes forem citados entre parênteses:devem estar ligados por “&”. Quando forem citados fora do parêntese deve ser ligadopela letra “e”.

Citação de três a cinco autores: citar todos os autores na primeira referência. Apartir da segunda referência, utilize o sobrenome do primeiro autor, seguido de “ecols.” Exemplo: Silva, Foguel, Martins & Pires (2000), a partir da segunda referência,Silva e cols. (2000). Artigo de seis ou mais autores: cite apenas o sobrenome doprimeiro autor, seguido de e cols., data. Nas referências todos os autores deverão sercitados. Citação de obras antigas, clássicas e reeditadas: citar a data da publicaçãooriginal, seguida da data da edição consultada. Exemplo: (Kant 1871/1980). Auto-res com a mesma idéia: seguir a ordem alfabética de seus sobrenomes. Exemplo:(Foguel, 2000; Martins, 2000; Santos, 2000; Silva, 2000). Publicações com datas di-ferentes de um mesmo autor: citar o sobrenome do autor e o ano de publicação emordem cronológica. Exemplo: Silva (1999, 2001, 2002). Publicações diferentes coma mesma data. Acrescentar letras minúsculas, após o ano de publicação. Exemplo:(Silva, 2000a, 2000b). Citação cuja idéia é extraída de outra. Ex. Martins (citadopor Pontes, 2000). Transcrição literal de um texto ou citação direta: sobrenome doautor, data, página. Exemplo: (Silva, 2000, p.45) ou Silva (2000, p.45).

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NORMAS PARA REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

As referências bibliográficas deverão ser apresentadas em ordem alfabética. Casoo autor tenha mais do que uma obra, as referências devem ser colocadas em ordemcronológica.

Livro de autoria única. Exemplo:Mendes, A. P. (1998). A família com filhos adultos. Porto Alegre: Artes Médicas.Livros com um ou mais autores: sobrenome do autor (s), seguido da data de

publicação, título sublinhado, local e editora. Exemplos: Silva, P. (2000). Autocon-ceito do adolescente, relacionamento familiar e limites. Porto Alegre: Artes Médicas.

Silva, P. L., Martins, A., & Foguel, T. (2000). Adolescente e relacionamento familiar.Porto Alegre: Artes Médicas.

Capítulo de livro. Exemplo:Chaves, G. (2000). Família e avós. Em: M. T. Dias (Org.) Ciclo vital familiar (pp.

145-158). Porto Alegre: Sulina.Capítulo ou artigo traduzido para o português de uma série de múltiplos

volumes. Exemplo: Freud, S. (1937). Análise terminável e interminável (M. A. Rego.Trad). Em: Salomão (Org.). Edição standard brasileira de obras completas de SigmundFreud. Rio de Janeiro: Imago. (Original publicado em 1937). (Vol. 23, pp. 225-270).

Livro traduzido para o português. Exemplo: Bardin, L. (1979). Análise de con-teúdo. (L. A. Reto &. A. Pinheiros, Trad.). São Paulo: Edições 70/Livraria. MartinsFontes. (Original publicado em 1977).

Artigos:Exemplo: Martins, M. & Silva, J. (2000). Família com filhos pequenos. Aletheia,

11, 226-35.Documento eletrônico. Exemplo: Paim, J. S. & Almeida Filho, N. (1998). Saúde

coletiva: uma “nova saúde pública” ou campo aberto a novos paradigmas? Revista deSaúde Pública, 32 (4) Disponível: http://www.scielo.com.br (Acessado em 11/02/2000).

Artigo de revista científica no prelo.Exemplo: Silva, P. (no prelo). A criança e o brinquedo. Aletheia.Trabalho completo e apresentado em congresso, publicado nos anais.Exemplo: Silva, O. & Dias, M. (1999). Desemprego e suas repercussões na famí-

lia. Em: Anais do XX Encontro de Psicologia Social, pp. 128-137, Gramado, RS.Trabalho apresentado em congresso, com resumo publicado em anais.Exemplo: Todorov, J., Souza G. & Bori, C. (1998). Escolha e decisão: A teoria da

maximização momentânea. Em: Anais do XX Encontro de Psicologia Social, p.137, Gra-mado, RS.

Tese ou dissertação publicada. Exemplo: Silva, A. (2000). Conhecimento genitale constância sexual em crianças pré-escolares. Dissertação de Mestrado ou tese de Douto-rado. Programa de Estudos de Pós-Graduação em Psicologia do Desenvolvimento,Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, RS

Tese ou dissertação não-publicada. Exemplo: Silva, A. (2000). Conhecimentogenital e constância sexual em crianças pré-escolares. Dissertação de Mestrado não-publi-cada ou tese de Doutorado (não-publicada). Programa de Estudos de Pós-Graduação emPsicologia do Desenvolvimento, Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Ale-gre, RS.

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Obra antiga e reeditada em data muito posterior. Exemplo: Segal, A. (2001).Alguns aspectos da análise de um esquizofrênico. Porto Alegre: Universal. (Original publi-cado em 1950)

Endereço para contato: Revista Aletheia, ULBRA - Curso de Psicologia.Av Farroupilha, 8001 - Bairro São José - CEP: 92425-900 - Canoas/RS.E-mail: [email protected]