ales sandra harumi bonito fukumoto

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www.sehel2009.com.br Anais do I Seminário de História do Ensino das Línguas ______________________________________________________________ 03 a 06 de Novembro de 2009 Universidade Federal de Sergipe ISSN 2175-988X 1 O ENSINO DE LÍNGUA ESTRANGEIRA PARA A TERCEIRA IDADE: ENFOQUE EM ITALIANO LE Alessandra Harumi Bonito Fukumoto - USP RESUMO Cada vez mais os cursos de língua estrangeira têm sido procurados por um público que se encaixa na chamada terceira idade. Com a expectativa de vida em aumento, temos uma porcentagem de nossa população que, após a aposentadoria, se depara com tempo livre para fazer cursos e procurar atividades com as quais se identificam. É possível identificar que, para este público em especial, os cursos de língua têm servido como um meio de lazer, de manutenção da atividade intelectual, de volta aos estudos e principalmente, como uma forma de reinserção social e um modo de “manter o contato com o mundo” após a aposentadoria. O q ue leva esses idosos a procurar um curso de língua estrangeira? Qual a importância desses cursos para eles e qual o impacto em suas vidas? Como isso muda a dinâmica das aulas de língua? São essas algumas das perguntas sobre as quais pretendemos refletir. Palavras-chave: Ensino de Língua Estrangeira; Língua Italiana; Terceira Idade Introdução O que leva alguém a fazer um curso de língua estrangeira? Trabalho, viagem, melhorar o currículo, prazer? Atualmente falar uma língua estrangeira é muito exigido pelo mercado de trabalho, sendo que algumas línguas são mais comerciais do que outras. É o caso, por exemplo, do inglês e do espanhol, as duas línguas mais valorizadas pelas vagas de emprego. A língua italiana não é uma língua comercial e muitos de seus alunos a estudam por um fator afetivo: são descendentes de italianos. Uma pesquisa feita só com alunos principiantes no curso de Extensão da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo revelou que dentre os alunos que freqüentam o curso de língua italiana, 40,3% o faziam por serem descendentes de italiano. Se, quando nos aposentamos e nos deparamos com o tempo livre, escolhermos freqüentar um curso, a tendência será a de escolher aqueles que deixamos de fazer

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______________________________________________________________ 03 a 06 de Novembro de 2009

Universidade Federal de Sergipe

ISSN 2175-988X

1 O ENSINO DE LÍNGUA ESTRANGEIRA PARA A TERCEIRA IDADE:

ENFOQUE EM ITALIANO LE

Alessandra Harumi Bonito Fukumoto - USP

RESUMO

Cada vez mais os cursos de língua estrangeira têm sido procurados por um público que se encaixa na chamada terceira idade. Com a expectativa de vida em aumento, temos

uma porcentagem de nossa população que, após a aposentadoria, se depara com tempo livre para fazer cursos e procurar atividades com as quais se identificam. É possível identificar que, para este público em especial, os cursos de língua têm servido como um

meio de lazer, de manutenção da atividade intelectual, de volta aos estudos e principalmente, como uma forma de reinserção social e um modo de “manter o contato

com o mundo” após a aposentadoria. O que leva esses idosos a procurar um curso de língua estrangeira? Qual a importância desses cursos para eles e qual o impacto em suas vidas? Como isso muda a dinâmica das aulas de língua? São essas algumas das perguntas

sobre as quais pretendemos refletir.

Palavras-chave: Ensino de Língua Estrangeira; Língua Italiana; Terceira Idade

Introdução

O que leva alguém a fazer um curso de língua estrangeira? Trabalho, viagem,

melhorar o currículo, prazer? Atualmente falar uma língua estrangeira é muito exigido

pelo mercado de trabalho, sendo que algumas línguas são mais comerciais do que outras.

É o caso, por exemplo, do inglês e do espanhol, as duas línguas mais valorizadas pelas

vagas de emprego. A língua italiana não é uma língua comercial e muitos de seus alunos

a estudam por um fator afetivo: são descendentes de italianos. Uma pesquisa feita só

com alunos principiantes no curso de Extensão da Faculdade de Filosofia, Letras e

Ciências Humanas da Universidade de São Paulo revelou que dentre os alunos que

freqüentam o curso de língua italiana, 40,3% o faziam por serem descendentes de

italiano.

Se, quando nos aposentamos e nos deparamos com o tempo livre, escolhermos

freqüentar um curso, a tendência será a de escolher aqueles que deixamos de fazer

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2 quando mais jovens – por falta de tempo, de dinheiro etc. – e dentre as opções estão

aqueles cursos que possuem uma ligação afetiva, cursos que tenham algum tipo de

relação com nossa identidade. Mas, antes de começarmos a falar da relação da língua

estrangeira com a terceira idade, vamos falar um pouco sobre esse público em particular

e suas relações com o mundo hoje.

A população idosa hoje

O mundo passa por um “envelhecimento populacional”. As estimativas apontam

que o Brasil será, em 2025, o sexto país com a maior população idosa do mundo.

Atualmente os idosos brasileiros já representam 10% da população.

É a partir da década de 1960 que os idosos começam a ganhar visibilidade, devido

a mudanças demográficas nas quais o número de idosos aumentou de forma tão

acelerada, que ficou impossível ignorá-los. E, atualmente, eles ganham cada vez mais

visibilidade por serem vistos como um mercado de consumo emergente.

Com todo esse crescimento e a visibilidade que o público idoso começa a ter, não é

raro vermos nos anúncios publicitários que buscam atingir esse público e até mesmo na

nossa própria linguagem, o uso de eufemismos para nos referirmos a essa época da vida.

Alguns exemplos são: “melhor idade”, “maior idade” e até mesmo o termo “terceira

idade” passa a ser usado para tirar a carga negativa que o termo “velho” carrega. Mas por

que precisamos de eufemismos para falar sobre a velhice?

Eufemis mos como 'terceira idade', 'melhor idade', 'maior idade', 'idade legal'

são subterfúgios semânticos, termos aparentemente bem soantes que no fundo

servem para mascarar a rejeição da velhice. Se não, qual o sentido em

denominá-la de outra forma? Por que precisamos buscar cognomes se o

léxico dispõe de palavras consagradas pelo uso para designar certos objetos?

(NERI, 2007a, p. 41).

Ao contrário do que ocorre com o termo “velho”, não procuramos eufemismos

quando o adjetivo utilizado é “jovem”. Ao se pensar em uma característica positiva para

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3 definir uma pessoa idosa, geralmente se usa o adjetivo “jovem”: “Minha avó tem um

espírito jovem”. Isso acontece porque vivemos em uma sociedade que supervaloriza o

que é novo, produtivo e a curto prazo. Ao mesmo tempo em que se fala em “velhice

saudável”, o que se prega como modelo de saúde é uma juventude que a idade não pode

mais alcançar. É o corpo jovem que é considerado belo, são as características jovens que

são tidas como saudáveis. Para que possamos entender a singularidade do s idosos,

precisamos parar de contrapô-la a do jovem. Vivemos em “busca da fonte da juventude”,

e, a cada dia, mais e mais fórmulas surgem para mascarar o envelhecimento físico. Anita

Liberalesso Neri levanta a pergunta: isso seria o desejo de uma velhice saudável ou a

negação da velhice?

Nossa sociedade é movida pelo capital, onde o passado e a tradição foram deixados

de lado. Só servimos para ela enquanto pudermos ser produtivos, e o deixamos de ser

quando nos aposentamos. É a figura do velho que justamente representa o passado, a

tradição. Antes, a velhice era vista como época de sabedoria. A partir do século XX,

abandonou-se a idéia de que o saber era algo cumulativo, passando a ser visto como algo

que, com o tempo, torna-se desqualificado e ultrapassado. A imagem do velho como

detentor de cultura e tradições e disseminador delas, desaparece.

A aposentadoria é um momento de mudança drástica na vida do trabalhador, pois

nossa identidade é construída dentro dos “campos sociais” que freqüentamos,

estabelecendo papéis representativos do “eu” (GONÇALVES, PASSOS e CAMARGO,

2007), e passamos grande parte de nossa vida trabalhando, ou seja, boa parte de nossa

identidade é construída nesse trabalho. Quando deixamos de trabalhar é como se

perdêssemos parte de nossa identidade. Um dia você está lá, desempenhando as mesmas

funções, conhecido como “Fulano de Tal, professor” ou “Sicrano, bancário” e, no dia

seguinte, tem todo o tempo livre e não sabe o que fazer com ele. Pouquíssimas pessoas

contam com uma preparação para a aposentadoria, como sugerida no Estatuto do Idoso.

Art. 28. O Poder Público criará e estimulará programas de:

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4 II – preparação dos trabalhadores para a aposentadoria, com antecedência

mínima de 1 (um) ano, por meio de estímulo a novos projetos sociais,

conforme seus interesses, e de esclarecimento sobre os direitos sociais e de

cidadania1

Essa interrupção brusca da rotina, essa “perda” de parte da identidade e o fato de se

deparar com o tempo livre sem saber o que fazer com ele, muitas vezes levam os

aposentados a entrar em depressão. Gonçalves, Passos e Camargo (2007) falam do “Mito

da tríade”: envelhecimento, aposentadoria e morte. A aposentadoria é temida, pois é um

dos indicadores de nosso envelhecimento e do fato de estarmos mais próximos da morte.

A velhice, além da aposentadoria, carrega outros fatores que podem levar os idosos ao

sentimento de exclusão social: a morte de amigos e familiares, o afastamento da família,

a perda do vigor físico, a sensação de ser “estrangeiro em seu próprio mundo”, em

decorrência, por exemplo, dos rápidos avanços tecnológicos e do preconceito sofrido por

serem idosos.

Boa parte da visibilidade atual dos idosos se deve ao fato de eles passarem a ser

vistos como um mercado de consumo emergente. Em uma pesquisa realizada pela

Fundação Perseu Abramo, em parceria com o SESC2, sobre os idosos no Brasil, os dados

levantados mostram que 85% dos idosos têm controle sobre o gasto do dinheiro que

recebem, sendo que somente 7% deles dispõem da aposentadoria para gastos com o

lazer. Mesmo esse percentual podendo ser considerado baixo, constatou-se que o público

idoso em cruzeiros marítimos hoje, por exemplo, chega a representar 60% do público

total nesse tipo de turismo3.

1 BRASIL. Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003. Dispõe sobre o Estatuto do idoso. Presidência da

República Federativa do Brasil. ,Casa Civ il, Legislação. Disponível em

<https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2003/L10.741.htm>. Acesso em 04/2006. 2 NERI, Anita Liberalesso (org.). (2007). Idosos no Brasil : vivências, desafios e expectativas na terceira

idade. São Paulo: Ed. Fundação Perseu Abramo; Edições SESC-SP. 3 SANTELLANO, Maria Terezinha. (2009).

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5 A procura por opções de lazer: os grupos para a Terceira Idade

Cada vez mais cresce a procura por modos de ocupar o tempo após a

aposentadoria, e a educação têm sido muito procurada. Um grande exemplo disso são os

cursos voltados para a terceira idade oferecidos pelas universidades brasileiras através do

programa de Universidades Abertas para a Terceira Idade (UATIs). Na Universidade de

São Paulo (USP), o projeto começa em 1993. Em 1994, eram 847 matriculados e, em

2008, o número de matrículas chegou a 9.065, o que representa um crescimento de

1070,24% em 14 anos.

Os cursos de língua são cada vez mais procurados pelo público idoso, tanto na

graduação4 quanto nos cursos de extensão oferecidos pela Faculdade de Filosofia, Letras

e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo.

Precisamos ter em mente que o lazer não traz a mesma sensação que o trabalho

traz: a de sentir-se útil para a sociedade. Como nos diz Johannes Doll (2007), para que a

atividade seja significativa, ela precisa ter algum tipo de vínculo com a identidade da

pessoa. O mesmo autor comenta as “barreiras do lazer”: 1. a sociedade, quando não

oferece as possibilidades de lazer aos idosos; 2. os impedimentos físicos decorrentes de

doenças ou idade avançada, impedindo-os de realizar certas atividades e; 3. as

resistências internas, advindas, muitas vezes, do próprio imaginário do idoso. No texto

de Andréa Alves (2007), vemos que muitos idosos não participam de grupos de Terceira

Idade pelo fato de não se sentirem velhos e/ou não quererem associar sua imagem à

velhice.

Dentre os idosos que procuram os cursos para a terceira idade, as mulheres são

maioria. Um estudo realizado por Mascarelo, Miorando e Portella (2007), revelou que,

nos grupos pesquisados, somente 20% dos estudantes eram homens. Isso se deve tanto à

4 A UATI da USP se diferencia de outros programas de UATIs por permit ir ao aluno da terceira idade

freqüentar algumas discip linas da própria graduação.

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6 feminização da velhice5 quanto ao fato de que os homens idosos da geração atual vêem a

aposentadoria como uma perda dos atributos que definem sua masculinidade, e muitos

encaram com preconceito os grupos de terceira idade.

A terceira idade e suas relações com a aula de língua estrangeira

Não mais sendo necessário freqüentar um curso devido ao trabalho ou por

obrigação, o idoso procura não só um curso que lhe traga prazer – e que provavelmente

já pensara em freqüentar anteriormente, mas por alguma razão não pôde –, mas que

também tenha alguma ligação com a sua identidade, o que provavelmente nos fornecerá

o fator afetivo. Devemos pensar que teremos, nas salas de aula, alunos que ou carregam

resistências internas decorrentes dos estereótipos sobre a velhice que a sociedade possui,

ou sofrem com o preconceito e os estereótipos do outro, sendo que este “outro” pode ser,

muitas vezes, o próprio professor.

Conseguimos nos reconhecer através do outro, e é a fala do próximo que nos faz

notar o nosso envelhecimento6, do contrário, continuaríamos a adiá- lo. É, muitas vezes,

na contraposição com o jovem que nos deparamos com nossa velhice. A pesquisa da

Fundação Perseu Abramo/ SESC mostra que as pessoas tendem a ver a chegada da

velhice cada vez mais tarde, de acordo com a idade que possuem: as pessoas de 16 a 24

anos em média. indicaram sua chegada aos 66 anos, enquanto que, as de 60 anos ou

mais, indicaram a chegada da velhice aos 70 anos.

Ruth Lopes (2007), analisando os resultados da pesquisa da Fundação Perseu

Abramo/SESC, revela que a imagem da velhice ainda é ligada a adjetivos negativos por

entrevistados idosos e não-idosos. Alguns dos adjetivos citados foram: “declinante, feio,

impotente, improdutivo, ranzinza, gagá”. Comentando resultados da mesma pesquisa,

Bokany e Venturi (2007) mostram que 88% dos idosos e 90% dos não- idosos associam a

5 Para saber mais sobre o assunto: NERI, Anita Liberalesso (2007b).

6 Beauvoir (1976a) e Neri (2007).

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7 chegada da velhice a aspectos negativos e que, quando perguntados sobre qual o pior

ponto em ser idoso, o mais citado foi a discriminação social.

O preconceito contra o idoso em algumas sociedades é tão forte quanto a racial. E a

discriminação é uma conseqüência do preconceito. Podemos quebrar estereótipos e

preconceitos, não nascemos com eles. Eles são “passados” para nós pela sociedade em

que vivemos, pelas pessoas com as quais convivemos, mas nada nos impede de não

interiorizá- los. Carvalho e Horiguela (2007) relatam como as crianças, por exemplo, não

possuem preconceitos em relação aos idosos, enxergando-os como outras pessoas

quaisquer, sem diferenciações.

Na pesquisa da Fundação Perseu Abramo/SESC, a percepção da velhice mais

apontada pelos jovens é a incapacidade. Marcos Emanuel Pereira, no livro A psicologia

social dos estereótipos7, fala de pesquisas que revelaram que sujeitos estereotipados

podem acabar assumindo o estereótipo, internalizando-o, e passam a agir de acordo com

eles. As pesquisas relatadas envolviam “grupos confiantes” que, quando crentes em seu

bom desempenho, em sua performance superior em determinada área, tinham resultados

coerentes com tal; enquanto que, quando colocados na situação de “ameaça” de serem

sujeitos estereotipados, seus desempenhos declinavam notavelmente. Podemos

exemplificar, utilizando um caso relatado por Beauvoir (1976a): os idosos, quando

colocados em teste sozinhos, tinham um resultado igual ou mesmo superior ao de adultos

mais jovens enquanto que, quando a eles era dito que estariam “competindo” com

alguém mais jovem, seus desempenhos decaíam, provavelmente por assumirem o

estereótipo de que a idade traz decadência cognitiva e de que jovens têm melhor

desempenho intelectual.

Os estereótipos acabam sendo barreiras tanto para a relação dos idosos com o

mundo quanto para a relação dos idosos com eles mesmos, sua auto-estima, seu

bemestar.

7 PEREIRA, Marcos Emanuel. (2002).

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8 Nas aulas de língua é comum ouvir idosos dizendo que “não têm mais idade para

fazer tantos exercícios”, por não se considerarem mais rápidos como os jovens. Ou

mesmo frases do tipo: “na minha idade vai ser difícil aprender uma língua estrangeira”,

colocando a idade como uma barreira no processo de aquisição/aprendizagem da língua

estrangeira. O maior dos estereótipos a ser superado é o de que envelhecer significa,

necessariamente, declinar.

Estudos mostram que podemos frear o deterioramento das funções intelectuais

causadas pelo envelhecimento se o ambiente social oferecer os incentivos adequados. E

também mostram que a memória pode ser mantida, se exercitada, e se a pessoa se

mantiver intelectualmente ativa. Quando não é possível preservar as características

iniciais, idosos que se mantêm intelectualmente ativos acabam encontrando

“mecanismos de compensação”. Paiva e Del Maso (2007) e Sé (2007) falam da

“plasticidade do cérebro”, mostrando que com exercícios pode-se manter sua estrutura e

melhorar seu aproveitamento. É importante aqui ressaltar que, como dito no texto de

Sé,o desempenho da memória e outras funções cognitivas são influenciados pela saúde

física, escolaridade, relações sociais, situação sócio-econômica, personalidade, nível de

bem-estar emocional e auto-estima. Mais um indicativo de que os estereótipos negativos

em relação à velhice, a discriminação social sofrida pelos idosos podem afetar os níveis

de auto-estima e bemestar emocional, a ponto de interferir nas suas funções cognitivas.

A Pesquisa da Fundação Perseu Abramo/SESC mostra que 44% dos idosos

gostariam de freqüentar algum curso, mas somente 2% deles o fazem. A maior barreira

para a educação para a terceira idade está no preconceito, muitas vezes partido de

crenças indevidas em relação à velhice. E essas crenças podem tanto vir dos outros

quanto dos próprios idosos.

Aluns dos estereótipos sobre idosos constatados nos estudos de Casucci (1991)

São:

− “a velhice é por si só uma doença”

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9 − “o idoso é uma criança” − “o idoso perde completamente a memória, repete sempre as mesmas coisas e

é, por isso, chato” − “o idoso sempre 'decai' mentalmente

Juntamos a estes, os estereótipos levantados informalmente nos grupos de língua italiana: − “os idosos são lentos”

− “os idosos gostam de traduzir tudo” − “os idosos gostam de 'contar histórias' e fogem do tema da aula”

− “os idosos pedem sempre que se repitam assuntos já tratados”

Pensemos, então, nos grupos de língua italiana. Dissemos acima que, para que seja

algo atraente para os idosos, que freqüentam cursos não mais por obrigação, deve existir

alguma ligação com a sua identidade. A pesquisa da Fundação Perseu Abramo/SESC

mostra que a segunda maior ascendência citada pelos idosos entrevistados é a italiana. A

demanda pelos cursos comprovam isso, como dissemos no início do texto, pois 40% da

procura pelo estudo de italiano se deve à ascendência italiana. Nos alunos da terceira

idade, os 3 motivos mais citados para a procura do curso são: por serem descendentes de

italiano, por acharem a língua bonita e porque pretendem viajar para a Itália.

Como os estereótipos acima mencionado podem interferir na aula de língua?

Dissemos, há pouco, que os grupos estereotipados tendem a internalizar os

estereótipos e agir de acordo com eles. Esses grupos acabam assumindo a imagem que a

sociedade faz deles e passam a ter baixas expectativas em relação ao próprio

desempenho, por serem considerados pela sociedade, de alguma forma, inferiores. Isso

também acontece com os idosos, estereotipados como pessoas lentas, em decadência

física e cognitiva, e, algumas vezes, se conformam com essas definições e as colocam

como uma forma de “desculpa” para as falhas no processo de aquisição/aprend izagem,

mesmo que essas falhas aconteçam com todos os outros alunos de idades diferentes.

Parte, também, de alguns professores, a crença no estereótipo. Acreditando na

imagem da sociedade de que os idosos são mais lentos e mais limitados cognitivamente,

alguns professores acabam tratando alunos da terceira idade de forma diferenciada,

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10 levando exercícios mais fáceis e atividades mais simples, não explorando o potencial de

alunos e até mesmo retardando o processo de aquisição/aprendizagem por acharem que o

ritmo precisa ser mais lento.

Beauvoir (1976a) fala que quando não pressionados pelo tempo, em atividades

cronometradas, o desempenho dos alunos idosos é igual ou superior ao dos alunos mais

jovens. Outro fator importante é o fato de muitos professores incorporarem a idéia de

que a velhice é uma segunda infância e acabar por tratar alunos de forma infantilizada,

com atividades que não condizem com suas expectativas e interesses. Os próprios idoso

assumem essa postura, mesmo que se cobrem uma que seja “mais adequada a sua

idade”, como nos mostra Pizzolatto (2008), tendo a aula um certo ar de indisciplina, que,

como frisa Pizzolatto, é aparente. Na verdade, a maioria dos alunos estão ali para se

socializare trocarem experiências.

Uma das questões levantadas no ensino em grupos de idosos é o fato deles

gostarem de contar experiências de vida na sala de aula. Dino Preti (1991), em um

estudo sobre a linguagem dos idosos, fala de como a fala dos idosos é marcada por

rememorações. Um modo de se aproveitar isso na aula de língua seria oferecendo

situações em que os alunos possam contar suas experiências de vida e suas opiniões

sobre o mundo atual utilizando o que sabem da língua estrangeira e fazendo daquele

momento uma oportunidade de conversação na língua estrangeira. A motivação está lá:

compartilhar experiências, mas a tendência inicial dos alunos idosos é fazer isso

utilizando a língua materna. Cabe ao professor conduzir aquele momento de forma a

fazê-lo incorporar a aula de língua estrangeira.

Da mesma forma como há estereótipos negativos em relação aos idosos em aulas

de língua, não podemos deixar de falar dos aspectos positivos constatados informalmente

em conversas com professores de língua italiana. Um deles é o de que os alunos idosos

são geralmente mais empenhados do que alunos mais jovens, sendo muito raro que eles

deixem de fazer algum exercício e a freqüência deles nos cursos é de quase sempre

100%. São também muito abertos às mais diversas atividades, sem medo de se exporem.

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11 E até mesmo o fato de estarem ali, muitas vezes, para se socializar, leva-os a promover

uma interação intensa entre o grupo e muito proveitosa para a aula de língua.

Considerações finais

Muitos estudos têm mostrado como as grupos para a terceira idade trazem

benefícios para essa faixa etária. Ferrigno (2003) traz em seu livro relatos de alguns

idosos que dizem ter deixado até mesmo de tomar anti-depressivos depois de começar a

participar de grupos para a terceira idade. O fato de poder “manter o contato com o

mundo”, conhecer pessoas novas, fazer novas amizades, trocar experiência e ainda

manter-se ativo intelectualmente trazem benefícios à auto-estima e ao bem-estar

emocional desses idosos.

Inevitavelmente convivemos com os estereótipos que nossa sociedade tem em

elação aos idosos, mas podemos escolher se os levaremos adiante ou não. O primeiro

passo é superar os estereótipos e estar pronto a lidar com um público que tem muito

interesse e vontade em aprender e para quem aquele curso representa muito mais do que

um conhecimento novo. Representa um modo de se sentir novamente parte da sociedade,

manter-se ativo e mostrar que a velhice é uma etapa da vida como qualquer outra.

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