alcydes maya - 1898, o rio grande independente

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Alcydes Maya - 1898, O Rio Grande Independente

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  • O Rio Grande Independente

    ALCIDES MAYA

    Publicado originalmente no ano de

    -- 1898 --

  • www.PampaLivre.info

  • Porto Alegre

    ____

    TIP. DA AGNCIA LITERRIA

    261, Rua dos Andradas, 261

    ____

    1898

  • ... Uma nao no somente um agregado de indivduos; algo mais que isso- umgrande corpo pela distribuio de funes e pelos limites geogrficos; um verdadeiroesprito pelas idias, pelas tradies, pelas leis. um indivduo superior, animado, comas mesmas faculdades do homem, mas desenvolvidas certo, com vida prpria,submetida a leis to reais como as leis da natureza.

    EMILIO CASTELAR.

    ... As sociedades tm, como o oceano, as suas correntes. E a! Das que pretenderemcontrariar ou vencer essas correntes: sero fatalmente submergidas por elas.

    MAGALHES LIMA.

    Aos jovens patriotas do Rio Grandededica o Autor

  • PREFCIO

    ________

    Pede-me o ilustre autor do RIO GRANDE INDEPENDENTE uma prefao ao seulivro.

    Nisto segue o uso, o que eu considero uma inutilidade.

    Se a obra boa de per si, que importa o prefcio? De que serve ele? apenasuma excrescncia.

    Se m, no altera-lhe nem o fundo, nem a forma; por melhor que ele seja noa salvar do naufrgio.

    Alcides Maya no h mister de apresentaes alheias. Quem escreveu aosdezenove anos o livro: - PELO FUTURO -, onde a par de estudos e conhecimentos quecontrastam com to verdes anos, denota seguro critrio filosfico e esttico, no precisa,de certo, quem apadrinhe um novo filho de suas lucubraes.

    O meu jovem patrcio realmente uma precocidade! Se tomar por veredasliterrias, onde a imaginao o elemento preponderante, no me causaria pasmo.

    Mas com a extemporaneidade dos frutos de seu talento, ele ultrapassou oslimites da ordem natural; comeou por onde outros acabam.

    Ser uma felicidade?

    No sei. Parece-me que encanece, quando os outros principiam apenas a viver.

    Galgou de um salto larga poca da existncia humana, isto , o perodo dossonhos acatasolados, das aspiraes ridentes e das paixes ardorosas. Por isso mesmosua estria nas letras deu ao Rio Grande do Sul uma glria que no refulgiu nos camposde batalha, ao relampejo das lanas e ao ribombo do canho, mas na serenidade doscertames das letras e cincias.

    Foi desmentido cabal assero de que o clima do sul s pode produzirmanifestaes marciais, assero subscrita por Adolfo Caminha e refutada por AlcidesMaya, de fato e na teoria.

    A ignorncia de nossa histria arrastou o autor da NORMALISTA asemelhante proposio.

  • Sempre em armas, tendo pouco mais de um sculo de existncia, o Rio Grandeno fruiu dos lazeres que trazem em larga escala a espontnea produo literria,cientfica e artstica.

    No obstante, em todos os ramos da atividade humana apareceram semprevocaes decididas, talentos privilegiados.

    Se no tiveram desenvolvimento definitivo e luxuriosa maturidade, a causadeve-se procur-la no meio social agitado e revolto pelas conflagraes belicosas, queem compensao, imprimiram-nos ao carter este cunho de vitilidade e fora que emvo procurar-se-ia em outra parte do pas.

    E para prov-lo basta lembrar que em organizaes femininas, consagradas cultura da arte, temos tido maior soma que, qualquer dos outros estados.

    Como representantes do perodo clssico, entre outras nomearemos: EurydiceBarandas e Delphina, a Cega, que publicaram livros; do perodo romntico: Rita Barm,

    Amlia Figuera, Julieta de Melo, Cndida Fortes, e nos ltimos tempos AnaAurora do Amaral Lisboa, que ocupa lugar proeminente no magistrio, na poesia e naarte dramtica.

    No devo olvidar nesta enumerao o nome de Luciana de Abreu, que, almde ser uma das mais distintas professoras da capital, na tribuna das conferncias colheucopiosa messe de amarantos para a coroa de sua imortalidade. Cristiano Ottoni,ouvindo-a num sarau do Partenon Literrio, ponderou-me maravilhado:

    caso nico no Brasil, uma senhora que assim pense e assim se exprima.

    Quando ela estudava matemtica com Antonio Carlos Ennes Bandeira, esteelogiando-a um dia por sua aptido para as cincias exatas, terminou, dizendo-me:

    um crebro de homem.

    para mim a craveira feminil a que serve para aferir a capacidade natural dohomem em nossa terra. Se a mulher de tal ordem, ela que influi poderosamente sobre anossa ndole, sobre a nossa educao, sobre os nossos costumes, sobre cada um denossos dias, como poderamos ser-lhe inferiores?

    Seria um contra-senso supor-se o contrrio.

    Se a teoria climaterica no fosse contraproducente em relao a ns, porque so calor e o frio extremos entorpecem, aniquilam e destroem a atividade e, a vida como,provam a solido e aridez dos plos e do Saara, este argumento de per si a derrocaria.

    E depois qual a suma de superioridade que nos apresentam?

    A imitao grosseira e inconsciente da arte francesa? O verso parnasiano e onaturalismo de Zola?

  • O primeiro denncia um perodo de decadncia, em que se rebusca a forma,desprezando o fundo, de onde as vezes um acervo de palavras buriladas em requinte defiligranas, mas cujo sentido nulo.

    O segundo uma estlida pretenso e a explorao do escndalo.

    Naturalismo e documento humano existiram, desde que se esboaram asprimeiras literaturas no seio da humanidade; e quando mais se volve para as origensprimitivas, tanto mais prximas e mais manifestas so as relaes do homem e danatureza. Seno lede os Vedas, a Ramayana, a Bblia, Homero, a Kalevala, etc.

    Que cenas simples, cheias de verdade decorrem de suas pginas! At a religio absolutamente naturalstica, porque nela imperam os fenmenos fsicospersonalizados.

    O pretenso romance experimental mera parvoce em todas as lnguashumanas, porquanto todas elas possuem um vocbulo para o que significa experincia.

    Quem jamais experimentou um romance?

    Retif de la Bretonne no fim do sculo passado, melhor que Zola, genialmente,ps em prtica os processos literrios que ele usa e impinge como novidades.

    O mesmo amor as aberraes; ao escndalo. linguagem depravada, pinturados costumes libertinos, aos casos patolgicos de erotismo, aos aleijes morais, tudoisto ele o fez brilhantemente numa poca de degradao das letras.

    Por que, pois, havamos de imitar a Frana que ruiu em Sedam, podre pelacorrupo napolenica?

    No tinha ela reatores, embora em pequeno nmero, que exibiam os novosmoldes no domnio da arte?

    Na Inglaterra, na Alemanha, na Rssia, sobretudo, no encontrvamosmodelos no estudo psquico dos personagens, do romance em vez dos estudos dosanfiteatros de anatomia e das deformidades humanas?

    Realmente no valia a pena que o Rio Grande entrasse no concurso da poesiaalambicada e do romance eivado desse naturalismo que, como um verme, se apascentanos monturos da sordidez.

    A mocidade do Rio Grande dotada de talento educado em conhecimentossrios, contra isso protestou, e entre seus rgos de reao distinguiu-se Alcides Maya,que em literatura e filosofia, colima elevado objectivo em ideais supremos.

    _____________

  • A revoluo de 93, se no tivesse outro resultado imediato, teria o de ter feito madrugaro pensamento no crebro dos adolescentes daquela poca calamitosa.

    Era ento criana Alcides Maya.

    Observou quadros negros, medonhas cenas de sangue, tragdias e hecatombescruentas.

    Ouviu de longe o eco dos gemidos das vtimas que, na campanha, caam aosgolpes de magarefes como folhas flcidas, as brisas do outono.

    Confrange-se-lhe o corao aos soluos, aos ais doridos das mes, das esposas,das irms e dos filhos, em cujos braos eram assassinados os entes mais caros a seusafetos.

    A imaginao nbil retraava-lhe em dores vivas e indelveis o incndio dasestncias, a carnificina feroz, o sangue, os atentados contra o pudor, a matana demulheres e os mil suplcios que inventavam os algozes.

    Assistiu ao desdobramento dos crimes a tirania, ao passo que estudavahistria. Mentalmente via desfilar o prstito horripilante de Tibrio, Calgula, Nero,Vitlio, Domiciano, Caracala, Heliogbalo e outros celerados do passado romano, e tevede compar-los forosamente com os da atualidade de sua ptria.

    Na lio latina de Suetnio e Tcito aprendeu a odiar o despotismo, o que eracorroborado pela voz persuasiva de seus mestres e pelas tradies eloqentes da suaterra natal.

    Dos bancos escolsticos saiu homem feito pela pureza dos princpios e pelopensamento desabrochado.

    A mocidade, em geral, generosa, e acalenta e ama e acarinha, desvelada, osideais de liberdade e justia.

    Houve, certo, exemplos contrrios entre ns; mas uma exceo revoltantecontra a lgica dos sentimentos juvenis e contra a verdade da histria.

    Alcides Maya destaca-se na pliade que no cantou loas, nem fez genuflexesa Jlio de Castilhos e a Floriano Peixoto.

    Representante da gerao que vai suceder-nos, ele simboliza o futuro da ptriabrasileira.

    Assim que num assomo de verdadeiro patriotismo, quando os exploradoresdas desgraas pblicas preparavam-se para nova subverso da sociedade rio-grandense,ele tomou da pena e escreveu o Rio Grande Independente.

  • _______________

    O Rio Grande Independente no um grosso volume que os tempos hodiernosno comportam. Hoje o assunto deve ser condensado e o estilo cerrado; em poucaslaudas compactas pode dizer-se muito.

    A profuso, exceto em obras eruditas, um desacerto.

    Breve e profundo, eis a regra. O autor respeitou-a.

    De acordo com a matria capital, divirjo apenas em alguns pontos acessrios,verdadeiras nugas de que nem convm tratar.

    Amo tambm a ptria grande; s assim ser uma grande ptria.

    Antoja-se-me que em largos horizontes minha retina espelha reflexos doinfinito, como sobre o plaino dos mares e a amplido dos cus.

    O crculo estreito dum burgo afogar-me-ia.

    No esta uma aspirao?

    Por que a Prssia unificou quase todas as raas germnicas?

    Por que o Piemonte integrou a Itlia, reunindo em um s corpo todos ospequenos estados que a subdividiam?

    Qual o objetivo do panslavismo? Da unio ibrica?

    Que pretende a Grcia, combatendo os turcos, seno congregar debaixo domesmo pavilho os elementos helnicos, desde muito dispersos?

    Quando uma nacionalidade segue a lei contrria, um cadver, est no perodode esfacelamento, e ser conseqentemente assimilada por outra mais forte. o casodos ingleses de nacionalidade?

    No sero o domnio territorial, a mesma raa, a mesma histria e tradies, amesma lngua, idnticos costumes, legislao e culto?

    No as temos com insignificantes discrepncias originadas antes da topografiae das profisses a ela adequadas?

    A objeo de que o tipo definitivo do brasileiro no se fixou, por continuarainda o cruzamento de varias raas, no procede.

  • Na Europa os estudos antropolgicos tm provado que em todas as raas queali disputam-se o domnio do continente, h mistura evidente de outras, no s peloscrneos, mas por outros muitos caracteres osteolgicos.

    A ao milenria do meio, portanto, l ainda no conseguiu apagar os ltimosvestgios dum passado pr-histrico e remotssimo.

    Que importa, pois, um tipo definitivo, quando o fator mesolgico social temao mais direta e imediata?

    Que vejam os estados Unidos, onde milhes de alemes, milhes de negroschins e ndios, milhes de espanhis, franceses, italianos, portugueses, etc., noperturbam a marcha do progresso, alis so teis e fecundos colaboradores.

    Os tempos coloniais lanaram as bases da nova nacionalidade, o impriobragantino estreitou mais os vnculos, o perodo anrquico que sucedeu a monarquia em15 de novembro de 1889 afrouxou as relaes e afinidades, entibiando os impulsospatriticos.

    Temos hoje vinte naes, vinte ptrias constitudas dentro duma ptria, que uma fico. Qual a causa?

    Examinemo-la.

    A vida federativa dum povo com os estados e communas comparo com osistema solar.

    O sol est no centro, em torno os planetas, e em torno dos ltimos os satlites.

    Cada planeta no tem luz, calor, peso especfico, movimentos que lhe soprprios?

    No sucede o mesmo a cada satlite?

    Esta autonomia, que uma fora separativa, obedece contudo a uma outrafora centrpeta que os domina em cada um de seus tomos. O duplo poder de atrao erepulso estabelece entre todos a mais completa harmonia.

    Transportemos os fenmenos do cosmos para a esfera social.

    Imitamos os Estados Unidos, uma constituio proveniente de circunstnciasespeciais.

    O partido republicano aspirava tal soma de garantias e direitos estaduais, queseria a desintegrao da nascente nacionalidade; o partido federalista, guiado porWashington, Hamilton e Jay, reclamava ao contrrio, para salv-la, mais centralizao.

    Do conflito, que foi duro, nasceu a lei fundamental; mas para conseguir avitria o federalismo fez amplas concesses aos estados.

  • No estvamos em anlogas condies, no havia imprescindvel exignciapoltica; mas parece que no brasileiro, por mais talento que ele possua, existe sempre oantropide, o papagaio e o botocudo das florestas natais, uma desmarcada tendncia dereproduzir o que de alheias terras, embora no se adapte dutilmente ao nosso meio.Dali milhares de erros e nenhuma originalidade.

    Basta recordar que a constituio americana era feita para treze estadoscircunscritos entre o litoral atlntico e os montes Aleganys.

    Era incomparvel o imenso territrio nacional, possuindo vastas zonas quasedesertas e a populao disseminada?

    Por que o poder judicirio, que devia ser uno, indivisvel, foi fragmentado eentregue s orgias da poltica de campanrio estadual, aos dios, vinganas e tacanhosinteresses das faces?

    Por que extorquiram a Unio a maior cpia dos recursos financeiros,deixando-a incapaz de solver os compromissos da dvida pblica, e ficando os estadossem a mnima parcela de responsabilidade?

    Era o modelo impecvel?

    A constituio americana est a prova do tempo? A existncia de um sculogarante-a contra um cataclismo, mormente hoje que o pas ampliou as fronteiras entre osdois oceanos?

    No existe latente entre o sul e o norte, entre o leste e o oeste o fermento dadissoluo?

    Se o pacto fundamental no foi at o presente abalado radicalmente, aludo emsua base, a causa deve ser esmerilhada fora da lei, e lobrig-la-emos no admirvel sensoprtico do anglo-saxnico; pois a constituio encerra em si a oportunidade de inmerosconflitos de jurisdio, o tubrculo de grave morbo.

    Aparea a causa ocasional e o mal surgir terrvel, como o vimos na Guerra deSecesso, que durou quatro anos e teve a catstrofe trgica do assassinato de Lincoln.

    Os brasileiros tentando aclimar produto extico, descuraram as prpriasprecaues que lhe concedem no torro nativo. Assim que vemos destacar ao lado daconstituio federal, a abstrusa heterognea, autocracia constituio do Rio Grande doSul, cujos princpios basilares so antagnicos ao esprito daquela. Em 1831 fizemosuma revoluo para argumentar os direitos e prerrogativas das provncias, foi ummovimento descentralizador; hoje mister uma outra para salvar a integridade da nao.

    Urge um novo ato adicional.

    Urge que os estados, como os planetas tenham vida independente; porm comeles em torno do sol, obedeam inflexvel inalteradamente lei da gravitao.

  • O centro deve ser uma condensao de poderes, um foco de fora superior totalidade das energias vitais de todos os estados, sem o que falecer o equilbrionecessrio a manuteno da integridade nacional.

    No caso oposto a ptria ser desintegrada, como quase o hodiernamente.

    Os patriotas, salvemo-la.

    _________

  • Qual foi o arauto do secessionismo no Rio Grande do Sul, a ave agoureira quecruzou sinistramente sobre nossos tetos adormidos em doce placidez?

    Quem, apostatando das tradies de bem, postergando o passado brilhante deseu bero, quis interromper a filiao histrica?

    Quem convocou um concilibulo, em casa de Luiz Leseigneur, na Azenha, nosdois tempos da propaganda, para que o partido republicano rio-grandense se declarasseseparatista?

    Quem, deparando na capital opugnao ao nefasto plano, maxim de minhaparte e de Luiz Leseigneur, no convicto ainda de que o bom senso e a lealdadeproverbial de seus compatrcios no equiesceriam a semelhante ato, apelou para ocongresso de Santa Maria, onde esbarrou com a oposio de Assis Brasil?

    O entusistico paraninfo da peregrina idia foi Julio de Castilhos (1)

    V tentativa apririca, porquanto nunca foi demonstrada em princpio suaurgncia ou utilidade!

    Porm nada de receios. Ele no conseguir jamais a realizao do desastrosoprojeto, porque falta-lhe tudo, principalmente a sano de um milho de rio-grandensesdomiciliados aqui e no estrangeiro.

    Todavia h um meio de independncia para o Rio Grande e os outros estadosda federao.

    Cada um pode agir livre e autonmicamente quanto economia poltica,solvendo intrincados problemas que afetam sua vida ntima.

    Sofreram, porventura, o Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paran commanumisso do escravo? Resolvendo o problema da pequena propriedade e importandoo colono, aquele tornara-se apenas um fator domstico, e este radicando-se ao solo pelaposse, constitua-se membro da nova comunidade.

    So Paulo, Rio de Janeiro e Minas lutam e ho de lutar ainda muito para aconsecuo deste desideratum. um avano que temos, uma vantagem adquirida.

    Na simultaneidade da cultura agrcola os trs estados do Sul mais sobem deponto, levando lampas a zona cafeeira do Brasil; porque bastaria que uma epidemiaferisse de morte a planta a qual consagram por fatal crise financeira, com todo o cortejode misrias concomitantes.

    O mesmo em cincia e literatura.

    Por que as academias, por exemplo, da Bahia e do Rio ho de pensaruniformemente? Pautar os processos de estudos por uma norma invarivel?

    (1) O histrico destes fatos explanei minuciosamente n A Reforma, n de 27 de Junho de 1890 e 5 deAgosto de 1892.

  • At para o progresso impe-se a diferenciao; dos atritos chispam centelhas.As universidades da Alemanha tm nomeada, as h famosas, mas cada lente em suacadeira o tradutor fiel de suas opinies pessoais, o que garantido alis pelaconstituio germnica. Virchow, em Berlim, fulmina a teoria da evoluo; Haeckel, emIena, faz-lhe a apoteose.

    Infelizmente o comtismo ainda no permitiu entre ns academias ou quaisquerncleos cientficos.

    Assim a literatura.

    Do Par ao Rio Grande do Sul a latitude vai paulatinamente variando; ohomem veste de modo diverso. A fauna e a flora em tal distncia, em circunscriesopostas, se conservam um carter geral de parentesco, tem no entanto diferenasincisivas, criaes locais. Os ventos, os fenmenos meteorolgicos so outros; ocrepsculo s margens do Amazonas rpido, a treva sucede a luz, sem matrizes; noUruguai tem gradaes prolongadas, h nele uma escala de irisaes. O grmenmrbido que l prospera, aqui fenece.

    Na extrema norte a indstria extrativa constitu a principal ocupao; oseringueiro e o regato so tipos peculiares; no extremo sul a vida pastoril, a estncia, opeo, o gacho, tm uma fisionomia que lhes pertence exclusivamente.

    A proporo que se vai descendo do equador para os trpicos, de estado, paraestado, lento e lento vo-se acentuando cambiantes de dissimilaridade.

    A literatura, pois, deve ser um espelho, uma fotografia destas variantes danatureza. S no permitido fazer periclitar o carter humano, a lgica dos sentimentos;as manifestaes psquicas em fundo so idnticas.

    Conseqentemente a literatura deve diversificar; como a histria e as tradiesde cada estado.

    Esta independncia, sim, eu a compreendo no sistema federativo.

    Em Montevido e Buenos Aires, onde o cosmopolitismo invasor vai aospoucos obumbrando os traos caractersticos da nacionalidade, talentos patriticosderam o brado de reao.

    Nasceram deste movimento a poesia, o drama e o romance crioulos.

    Assignalam o recente e brilhante ciclo literrio os numerosos romances deEduardo Gutierrez, Eduardo Acevedo Diaz, Juan Mora e outros; os versos do payador(1) argentino de Gabino Eseiza e Faustino Diaz, em Buenos Aires, e os do gachooriental de Elias Regules, Felix Saens, Victor Perez Petit, Arosman Moratorio, etc.

    (1) Trovador.

  • No Rio Grande do Sul, onde a irrupo de elementos estranhos contnua,nossos costumes e usanas vo perdendo terreno, diluindo o colorido vivaz, obliterandoa expresso primitiva e americana.

    Contra isto levantemos uma cruzada.

    Esta emancipao patritica, legtima, legal.

    Eis a independncia que almejo para o Rio Grande.

    _______

  • Li acuradamente o Rio Grande Independente de Alcides Maya e fiz asconsideraes que sua leitura sugeriu-me. Fi-lo calma e friamente e, com ele, fora darbita partidria.

    No h nisto glria, fui brasileiro.

    Se no aceito alguns dos conceitos, algo de pessimismo exagerado, admiro-lheo intuito cvico, a elevao de seus sentimentos, a seriedade, talento e estudo com queescreveu o seu opsculo.

    Agradeo-lhe o ter-me escolhido para prefaciador de seu trabalho, porque oassunto de minha predileo e o jovem merece-me toda a sorte de estima eurbanidade.

    Porm no concluirei, sem satisfazer uns pruridos de contest-lo em algumponto.

    Vou escolher propositalmente um simples trecho, a seguinte frase:

    Da juventude h tudo a esperar fora, dela nada.

    Melanclico e desolador o quadro!

    Sim, da juventude h tudo a esperar. De acordo.

    Mas, fora dela, nada?

    No.

    Sim, a mocidade pertence o futuro, isto , o tempo que est alm, por enquantovelado em nuvens do vago e indeciso, em nossas crticas condies atuais.

    Pertence-lhe o presente, a poca calamitosa que atravessamos, onde aps atempestade que rugiu, novos bulces se formaram, o furaco turbilhona e o raio estala,traando mltiplas sendas de runa e o solo juncado de cadveres? No. Por maiscincia que tenha o moo, no passa de um conjunto de teorias, sem aplicao a vidareal, sem a prvia aprendizagem da prtica.

    Seu brao tem msculo, forte, mas pode ser ferido, por um espadachimdecrpito, se no tiver aprendido esgrima.

    Isto em relao a espada e no com referncia a nau do governo, cujo timoreclama dextra calejada em longos anos de tirocnio, afeita a arrostar com a sanha demares procelosos, em manobras difceis. O pulso bisonho do grumete ser imbele efraco para abrir caminho no labirinto de vagas iracundas.

  • As lies do livro valem muito, porm as lies da experincia valem mais;pois que os versados, como diz Cames, sabem o como, o quando, e onde as cousascabem.

    Sim, da juventude h tudo a esperar.

    Como cada estao do ano, cada idade tem seus domnios. A primavera produzflores e no frutos.

    A ela, no h duvidar, pertence-lhe, sua a posteridade.

    Mas, a quem, est o presente sombrio, cheio de abismos, semeado de perigos.

    Como garantir o porvir?

    Como deixar-lhe a feliz tranqilidade a nossos herdeiros?

    Que o patriotismo fale, labore, labute fora do crculo estreito das faces e doesprito mesquinho de seita.

    No apelarei em vo para o autor do Rio Grande independente, que representabrilhantemente a nova gerao.

    Urge, eis a verdade, urge chamar a postos os competentes e expelir osincapazes que desde 15 de novembro de 1889 invadiram, inundando, as cumiadas dopoder.

    Por que deixar em seu retraimento estril o ilustre mineiro, visconde de OuroPreto?

    monarquia, diro, como argumento indefectvel, os proslitos de um partidoinfenso ordem, liberdade, justia e ao errio pblico.

    Objeo meramente inane, seno cavilosa.

    Que importa o sentimento individual, que prova irrefragvel do seu carter sena alma do ltimo ministro do imprio, se em seu corao, h alguma cousa que maispese do que a famlia de Bragana, do que os princpios dinsticos, que a ptria?

    Deixou ele de ser brasileiro?

    Ningum em conscincia o afirmar.

    um estadista completo?

    s o que nos falta.

    Chamem-no, pois, chamem Andrade Figueira, Gaspar Martins, Afonso Pena,Rui Barbosa, enfim, todos os homens que serviram gloriosamente o imprio, e a

  • repblica ser salva gloriosamente, e a mocidade, representada em Alcides Maya, termestres de que precisa.

    Casa Branca, 6 de maro de 1898.

    Apolinrio Porto Alegre.

  • No seio da sociedade brasileira, to conturbada nos ltimos tempos porsucessos lamentveis, peripcias sangrentas, erros administrativos e abusos de toda aordem filhos uns de nossa ndole de povo desabituado ao exerccio de instituiesadiantadas e a responsabilidade dispersiva que, acentuando-se, poder causar malesimensos e grandes desgraas ao nosso pas.

    Queremos falar da tendncia separatista.

    Ela existe, ningum ignora! Confrangendo o corao dos patriotas, queobservam, angustiados, indcios seguros de temporal nas bandas carregadas do porvir.

    Ela existe, e deve ser combatida desde j, por meio de uma propaganda tenaz econstante, que leve a todos os espritos a convico justificada da completaimprocedncia dos argumentos, at hoje empregados na defesa da dissoluo nacional.

    certo que, no caso corrente, a nossa ptria no apresentou por enquanto ofenmeno da polarizao, de que nos fala o eminente G. Tarde em sua belssima obraLopposition universelle, recentemente publicada; fenmeno que ocorre na vida detodas as sociedades absorvidas pelo desejo da vitria ou da runa de princpios opostos,como sucedeu na Holanda por ocasio da clebre polmica dos gomaristas e arministas.

    O foco da retina brasileira ainda no se fixou demorada e exclusivamente naquesto separatista.

    A no ser So Paulo, onde muitos soldados dessa causa tm procurado, sob achefia de Martim Francisco, organizar partido as claras, desassombradamente, podemosdizer que em todo o Brasil os entusiastas do desmembramento temem afrontar aopinio, arvorando estandarte e plantando tenda de combate.

    Mas isso no significa a inexistncia de uma certa corrente de idias nessesentido.

    No Rio Grande do Sul, especialmente, urge que os homens de critrio e depatriotismo aliem-se para conjurar o perigo; porque entre ns, mais que em qualqueroutra parte, h desejo de independncia anrquica e circunstncias que lhes podem serpropicias em dado momento...

    Quando a tempestade ruge ao longe soergue a primeira vaga, o marujoexperimentado prepara-se para enfrent-la.

    Isto nas solides imensas do oceano, isto nos momentos difceis da existnciados povos.

    Confiar ao acaso a estabilidade das leis; esperar do acaso a vitria do justo;transformar o acaso em agente nico e supremo dos fatos sociais, viver em plenaanarquia, render-se ao arbtrio das faces, apodrecer na decadncia, extinguir-se nomarasmo.

    Uma sociedade nunca deve descurar de sua organizao sob o pretexto de queas leis da dinmica social so inconscientes.

  • Uma sociedade, escreve De Greef, pode por seus rgos de deliberao e derepresentao transformar em uma direo vantajosa a sua constituio, favorecendo oatuar da lei natural.

    Os pases que cruzam os braos e no gostam de prevenir-se, estocontinuamente expostos a todas as espcies de males.

    H certos movimentos que precisam ser opugnados; certas propagandas quedevem ser anuladas; certos projetos que merecem anlise destruidora.

    Ai das naes cuja massa popular vive adormecida no letargo da indiferena!

    Nelas a audcia de qualquer grupo sem ideal pode, muitas vezes, apoderar-sedas culminncias do poder, abrindo o caminho abrolhoso dos erros e decepes quesempre afetam a coletividade desprevenida.

    A histria a est para provar o que afirmamos.

    Por outro lado, os povos fortes, que tm fibra e tmpera, que sabem querer,que lutam contra a ambio dos tiranos, contra o delrio freqentemente sanguinrio dosdemagogos e contra a liga dos interesseiros vulgares; os povos que aprenderam asubordinar, no curso de uma existncia mais ou menos agitada, o modo de pensar e deagir jurdico, como base da liberdade e da grandeza; esses nunca vacilam na repressodos tumultos irrazoveis e no combate sem trguas s causas extemporneas. Sirvameles de exemplo para ns, nao enfraquecida nas delicias do laissez-faire, naoincapaz de grandes estos, nao que apenas solta o brado de alarme e sente a angstiado sobressalto nos momentos em que o perigo extraordinrio e a desgraa quaseirreparvel!

    Ento, sim, o despeito e a raiva, muito mais que o entusiasmo e o civismo,fazem exploso, ameaadoramente.

    E comeam a surgir os desmandos da multido cega, febril, delirante, dosapaixonados da ltima hora, dos patriotas apavorados, pelo desfecho imprevisto, dosheris retardatrios...

    Chovem acusaes gravssimas contra tudo e contra todos; o povo procuralivrar-se de qualquer participao na origem do mal, e tenta responsabilizar pelos erroscoletivos, pelos abusos comuns, pelas faltas de todos, pelo otimismo embrutecedor damaioria, certas e determinadas pessoas, esta ou aquela classe, tal ou qual partido.

    Abri os anais, ou antes, as crnicas do Brasil-colnia, do Brasil-imprio e doBrasil-repblica, e vereis que a incria antes, e a impacincia depois de qualqueracontecimento grave, so as feies de nossa conduta administrativa, as notas de nossapsicologia popular.

    Alm disso, em algumas rodas, em conhecidos agrupamentos, h odilettantismo do boato, o gozo doentio e intenso das novas de sensao, o prazerdissolvente e histrico de observar de longe, livre de perigo, resguardado de qualquergolpe, comodamente, o desdobrar dos acontecimentos importantes para a ptria e para a

  • repblica, do mesmo modo que outrora, nos tempos da Roma sanguinria e libertina, aplebe observava os embates das legies que, donas do governo, senhoras da poltica,pelejavam pela vitria dos csares prediletos, ou ento, protegida por altas trincheiras,contemplava no circo os combates ferozes dos gladiadores e das feras...

    No exageramos as cores do quadro; este, existe, desconsolador e sombrio, svistas de todos.

    Sem a fora do querer, sem a faculdade de ao, quase sem energia coletiva,sem a disposio de nimo para sacrificar tudo nas aras da justia, no culto da verdadeintransigente, no respeito e na obedincia aos princpios cardeais de sua estruturapoltica, o Brasil, esta nossa terra querida, to merecedora de piedade, to pobre deamor, est e estar ainda por muito tempo exposto ao charlatanismo dos politiqueirosaudazes, a precipitao dos idelogos e radicais, a explorao dos estrangeiros e aganncia vil, ignbil e ptrida dos que dedicam a vida pblica, pensando unicamente nafortuna.

    Essas palavras recordam os ltimos anos da Monarquia e os primeiros daRepblica.

    Ora, o povo que se deixava embair por qualquer sindicato organizado pelospolticos da monarquia justamente com o fim de o explorar; o povo que, depois demuitos anos de chicana parlamentar, ainda confiava em promessas, sempre falazes, deprogramas espetaculosos; o povo que assistiu impassvel e bestificado aosestabelecimento de um regime cujos doutrinadores e propagandistas nada mais fizeramalm de discursos, passeatas, msica e foguetrios; o povo que no soube, no pde eno quis reagir contra os erros, os atentados e as violncias dos primeiros anos daRepblica; o povo que cede a praa pblica aos arruaceiros, e prefere frases bonitas echaves gastos, de uma retrica pedantesca e frvola, a estudos sociais, longos emeditados; o povo que s tem o critrio da vitria e s aplaude e festeja os triunfadores;o povo que s tem isso procede de modo to pouco decoroso, to fraco e desanimador;seria muito capaz de vacilar, de ficar inerte, se amanh ou depois, ou mais tarde, astendncias separatistas, ainda latentes e dissimuladas, ainda opugnveis e reductveis,passassem a ser aspiraes que desejam objectivar-se a toda fora.

    Por isso, a nova gerao, aos moos de nossa idade, que dedicamos estepanfleto patritico.

    Da juventude h tudo a esperar; fora dela, nada.

    Se aqueles que surgem agora para as lutas da vida e da ptria, no quiseremcombater o veneno que vem do passado, dos tempos coloniais, da escravido negra, daspodrides monrquicas, veneno auxiliado em sua ao corrosiva por um milho deesbulhos na fase republicana; ento o Brasil tornar-se- seguramente a China daAmrica, marchando a passos largos pela estrada da apatia, do retrocesso e dadissoluo!

    Tenhamos a nobre coragem da expresso livre da verdade!

  • Para a cura dos pases verminados, s o ferro em brasa da stira, do antema eda crtica...

    A soluo de nosso problema social depende da transformao de muitosmilhes de sujeitos, sem moral cvica, em cidados, cnscios de seus deveres e direitos.

    Volvamos, porm, ao nosso ponto inicial.

    Estudando a questo do Rio Grande independente, procuramos ser toimparcial quanto possvel, desprezando os dictames especiais de qualquer credopoltico.

    Os assuntos que se relacionam com a vida dos povos no so da alada dofanatismo, e no podem ser torcidos pela paixo partidria, acidente mais ou menosnocivo e transitrio no jogo das foras sociais.

    E tambm nenhuma importncia ligaremos aos juzos suspeitos e bastardosque a crtica ferina de adversrios desleais queira externar sobre este trabalho, cujonico mrito o sentimento altamente patritico que o inspira.

    Quando a convico abroquela o defensor de uma idia, pouco se lhe d dereceber afrontas e calnias: forte, impoluto e ardente, ele segue avante, marcha deviseira erguida, e ao tombar vencido ou ao hastear da vitria, sempre o mesmohomem.

    A derrota s apavora os fracos; os valentes aproveitam-na para estmulo defuturos triunfos.

    Quanto a ns, sempre desejamos, ainda nos dias de sacrifcio, que as pginasque escrevemos guardassem, imaculadas, as vibraes de nossa alma.

    Hoje procedemos como ontem.

    Tratando da separao do Rio Grande, procuramos responder a duasperguntas: isso dar-se- por evoluo? Por meio de revoluo?

    O Rio Grande ter em sua histria e em seu meio motivos justos para separar-se, com o tempo, da Unio Brasileira? Ser obra digna e patritica lan-lo atualmenteem um movimento que o torne independente?

    A resposta a primeira destas perguntas o fim do folheto que oferecemos hojeaos jovens patriotas sulinos; ela responde tambm a segunda questo.

    Se o Rio Grande no tem motivos justos, filhos da histria, do meio e danecessidade, para abandonar os seus irmos do Norte, segue-se que fundamentalmentecondenvel qualquer tentativa armada para desagreg-lo.

    Os homens s devem bater-se na arena da honra, movidos pelo ideal; o sangues deve correr para fecundar no solo da ptria a semente dos grandes princpios.

  • Sem intuitos dignos e proveitosos, a luta armada a maior das atrocidades.

    O nico campo de batalha compatvel com a civilizao atual aquele em queos paladinos levam na lmina da espada a centelha da justia!

    necessrio interrogar nos momentos de grande vitria para um partido ou umpovo, se a razo triunfou com a fora, por que, no caso contrrio, a vitria da fora umdesastre moral.

    Lede estas pginas, moos do meu Rio Grande; lede-as, para as acolher oucondenar.

    Quem condena ainda tem vida, ainda tem energia, ainda pensa, sente e age;quem condena no de todo um morto moral...

    O que desespera, o que consterna, o que desanima ver uma gerao que nochora, que no se entusiasma, que no sofre e que no cr; o que desespera, o queconsterna e o que desanima observar uma juventude indiferente, que folga enquanto aptria sangra, que ri quando a ptria verte lgrimas, que s pensa no prazer quando aptria v-se ameaada de trs mortes: a morte da anarquia, a morte da misria e a morteda dissoluo!

    O que desespera, o que consterna, o que desanima no se poder, - nosinstantes supremos, na solenidade da angstia, no pavor do futuro, bradar-se amocidade, como o poeta:

    Por terra, a tnica em pedaos,

    Agonizando a Ptria est.

    O mocidade, ouo os teus passos!...

    Beija-a na fronte, ergue-a nos braos,

    No morrer!

    ..............................................................................

    Rasga o teu peito sem cautela,

    D-lhe o teu sangue todo, v!

    Omocidade herica e bela,

    Morre a cantar, morre, porque ela

    Reviver!

  • II

    Afirmamos no captulo precedente que o Rio Grande o Estado brasileiroonde o separatismo conta com mais adeptos.

    Longe de ser um exagero, uma desconfiana sem fundamento, essa opiniotraduz fielmente a realidade.

    Para desmenti-la no bastam as palavras suspeitas dos separatistas por clculo,por desejos inconfessveis, por objetivos ocultos; no bastam os juzos hipcritas dospartidrios pusilnimes que negam exatamente o que almejam, e s costumammanifestar-se na hora do triunfo; no basta o argumento da massa, inconsciente e nula,fora cega que hoje move-se em uma direo e amanh poder agitar-se noutra.

    Bem sabemos que o sentimento representa, entre ns, a minoria dos votospopulares, o que no significa precisamente, dadas certas circunstncias de meio e demomento, minoria de combatentes.

    Os jacobinos franceses no passavam de trezentos mil fanticos no seiorevolto de uma sociedade de vinte e seis milhes de habitantes; mas, no obstante ainsignificncia relativa do nmero, conseguiram elevar-se ao fastgio do poder,envolvendo toda a Frana em nuvem vermelha de dio e de sangue.

    que a fora, diz Taine, no se mede pelo nmero: os jacobinos eram umbando entre a multido, e na multido desorganizada e inerte o bando disposto a tudo,tudo consegue.

    Contra a usurpao no interior, como no exterior contra a conquista, s osgovernos defendem as naes.

    Quando o governo desaparece ou desfalece, a maioria, sempre desprevenida,indecisa e fraca, deixa de ser um organismo, tornando-se poeira.

    A Frana, desamparada por um governo impotente para refrear os arruaceiros,tornou-se vtima do furor dos jacobinos.

    Eles no possuam idias orgnicas, mas derramaram muito sangue; notinham orientao poltica, mas souberam lutar e vencer; no dispunham de nmerogrande, mas conseguiram impor-se.

    Que lio para ns, que lio para os poderes federais!

    No dia em que o chefe supremo de um partido forte, senhor do governo riograndense, lanasse o cartel da separao, o povo, desarticulado como est, custariamuito a reagir, e se o centro no fosse enrgico e hbil, o princpio federativo poderiavacilar...

  • Alm disso, por motivos especiais, que nascem de nosso meio e de nossacapacidade belicosa, o perigo ser muito maior que alhures se no futuro qualquer fasca,preparada por mo dextra e sorrateira, chegar a mina que j existe, apesar de pequena.

    Depois, o povo rio-grandense (devemos diz-lo em que pese ao nossobairrismo proverbial), sem ser a parte mais atrasada da federao brasileira, todaviaaquela que se deixa avassalar mais facilmente pela paixo absorvente da politicagempessoal.

    A histria dos partidos polticos do Brasil em geral, e a dos principais Estadosem particular, no apresentam casos to significativos de uma tendncia personalistacomo a que existe aqui.

    So Paulo, Pernambuco, Bahia, Minas, Par... terras de onde surgiram tantosvultos eminentes, alguns estadistas de vistas largas, outros agitadores ardentes, nooferecem o triste fenmeno do fanatismo por um homem atingir o ponto mximo,transformando-se em raiva bestialmente mortfera nos campos de batalha.

    Ora, podemos compreender sem dificuldade o que no conseguiria de seuscorreligionrios idlatras o poltico que desejasse, por estas ou aquelas razes, libertar-se dos elos, embora tnues, que subordinam a poltica estadual aos princpios daorganizao federal...

    E convm notar que uma das armas prediletas dos mandes do Rio Grande,desde os tempos monrquicos at hoje, consiste justamente em ameaar o centro...

    Os fatos esto a, ao alcance de todos, e s os mopes do sectarismo nogostam de v-los.

    No futuro... quem poder responder pelo futuro?

    O futuro ser o Brasil unido e poderoso, se o Brasil souber prevenir-se; ser oBrasil fracionado e miservel, se o Brasil quiser entregar-se de mos atadas, sem armas,aos faccionrios e teoristas.

    Mudemos, porm, de ponto de vista; e, deixando a parte possveis exploraesa propsito do assunto que nos preocupa, estudemos a opinio dos apstolos convictosda Republica rio-grandense.

    Em todas as pocas, no seio de todas as sociedades, a ao fecunda emoderada dos homens de critrio, dos legisladores que seguem o metido calmo daobservao e s aplicam medidas e formulam leis de acordo com as necessidadesnaturais do organismo social e com os corolrios bem definidos da evoluo, mais oumenos contrariada pelos planos tumulturios dos motineiros de temperamento ou deprofisso, e pelo iluminismo desastrado dos videntes, dos profetas manqus, dossonhadores incorrigveis e dos dogmticos emperrados.

    Quantos pases, quantos! No tm sofrido as conseqncias infelizes daprecipitao e do imprevisto, do absoluto e da utopia, saltando da estrada larga e floridado progresso pacfico para a vida dolorosa da degradao e do servilismo!

  • Durante a oposio sistemtica a tudo o que j existe chancelado pelastradies ou exigido pelo presente, os agitadores gritam, gemem, deliram, blasfemam...

    Se a atualidade parece-lhes negra e miservel, ai est o futuro, visto peloprisma da iluso, para encoraj-los.

    A quimera que proclamam reveste-se de cores iniadas; e eles, no auge doentusiasmo, cheios de confiana, animados pela f, cegos e surdos ao que indicanaufrgio certo, apelam para o tempo e desenham o ureo castelo de suas seismas, oedifcio ideal de seus devaneios, alem, nas fimbrias esbatidas do porvir.

    Ingnuos! esperai os anos e, chegados os dias de motim, vinda a fase daanarquia, substitudas as nuvens rseas da esperana por horizonte de tormenta, o credode luz transformar-se- em doutrina de fogo, as promessas de grandezas dissipar-se-ono fumo dos combates, as harmonias sucedero troves, a perfeio ser pequenez etodo o otimismo que doirava as frontes e animava os braos, desaparecer diante dodespeito, da ira ou do arrependimento.

    Tristssima situao, em verdade!

    nesses instantes tremendos, que marcam os minutos da agonia no quadranteda histria, que os homens e os povos compreendem nitidamente o risco extraordinriodas mutaes repentinas e sentem, apavorados, a ansiedade do destino.

    Ento, a imprecao irrompe dos prprios lbios habituados ao hino e aoditirambo; e se a sociedade no reage contra os diretores incapazes que a conduziram aocairel do abismo, e contra as instituies que lhe so inadaptveis, imerge por muitotempo ou para sempre, no lodo da corrupo, afoga-se em sangue, estiola-se na tirania ena baixeza.

    Fantasiar uma nova ptria, grande e bela, completa e livre, ou uma ptriareformada por certos moldes, sobre algumas idias simples, de acordo com um critriopueril, fcil e deslumbra as imaginaes desregradas e mrbidas; mas traduzir emfatos todas essas vises difcil, amortece os transportes dos mais excitados e lana odesespero na alma dos mais confiantes.

    Os visionrios olvidam que uma sociedade, especialmente uma sociedademoderna, , como disse um dos prncipes do publicismo neste sculo, uma cousa vasta ecomplicada; pensam que para constituir ou dissolver uma nao o homem precisaapenas de vontade; entendem que a poltica o reino azul da fantasia.

    Mas, iludem-se: os problemas essenciais a economia e a durao de um pasjamais sero resolvidos pelas regrinhas de um catecismo absolutista, ou pelos anelosanrquicos de um agrupamento de fanticos.

    Eles, esses problemas to desprezados pelos empricos e pedantes, pelosingnuos e arbitrrios, no cessemos de diz-lo, exigem muita ateno, muito cuidado,muito estudo.

  • Os espritos slidos e moderados, os analistas imparciais e serenos, os crticosdesapaixonados e sinceros, os polticos patriotas e puros, os cidados conspcuos ecalmos devem submet-los a exame acurado e profundo, agindo com prudncia ecritrio.

    O Rio Grande independente est nesse caso.

    Se so perigosas as propagandas intempestivas feitas em prol de qualqueralterao poltica, imagine-se o que no ser uma propaganda que vise um alvo maisimportante, como a desagregao de uma nacionalidade!

    O Rio Grande independente miragem de mil ancenubios, de vriascambiantes, de aspectos fulgentes; mas que s deve ser contemplada a distncia, nasorlas cerleas da poesia...

    Se algum dia a caravana desviada e iludida aproximar-se, adeus beleza, adeusmagnificncias, adeus placidez, adeus cores brilhantes, adeus palcios fantsticos emajestosos!

    Seramos, em vez de um Estado prspero, poderoso e livre, uma republiquetainsignificante, sem importncia no concerto das outras naes, sem grande elevaomoral, corroda interiormente pelo cancro da anarquia, e exposta exteriormente aodesprezo dos fortes, a ambio dos poderosos, a vingana dos maus e a dependncia detodos.

    Aps muitos anos de lutas, aps intraduzveis sacrifcios, aps derramamentode sangue, desperdcio de dinheiro e desaproveitamento de bons elementos, apsfraudes e violncias, talvez fossemos obrigados a procurar o que abandonramos,voltando como o filho prdigo, ao seio de nossa famlia: o Brasil federado e irmo.

    * ancenbio termo proposto por Castro Lopes para substituir o francs nuance, matiz, nuana.

  • III

    Nenhuma questo tem sido mais discutida no vasto campo do publicismohodierno que a do progresso; nenhuma tornou-se alvo de tantas concepes, recebendoanlises to rigorosas e provocando debates to longos e porfiados.

    Pois bem; em nome de uma pretensa lei da histria, ou antes, de uma leihistrica torcida e falsificada, que alguns tericos do separatismo tentam justificar odesmembramento da ptria brasileira e a futura organizao das ptrias americanas.

    interessante deveras a ascendncia exercida pelo sectarismo intransigentesobre a ingenuidade dos simples, entes sugestionveis e crdulos, escravos eternos dasfrmulas vs e das razes capciosas. O Brasil, dizem. Tem na vastido de seu territrioe na complexidade de seus elementos um motivo de morte inevitvel.

    Como os imprios de Alexandre, Carlos Magno e Bonaparte, como a Romasenhora do mundo, como todas as grandes potncias coloniais e todas as monarquiasmuito extensas, a terra de Santa Cruz uma condenada do progresso, fator dediferenciao, que h de dividi-la fatalmente em vrios Estados independentes.

    A primeira vista o argumento parece prevalecer; mas, sujeito a exame, v-selogo que no passa de puro sofisma.

    Qual a tendncia da civilizao? Qual o ritmo do movimento social?

    A resposta a estas perguntas um desmentido cabal, brilhante, irrespondvel,que a histria do progresso lana aos juzos levianos e as asseres incompletas dospregoeiros separatistas.

    As raas humanas, em sua passagem milenria pela face da terra, atravs detodos os acidentes e apesar de todos os obstculos, preconceitos e lutas, procuramsempre fundir-se como impelidas por ignota fora de atrao.

    Verdade indiscutvel, verdade universal!

    O instinto de associao, oriundo em parte da necessidade imperiosa de defesa,e desenvolvimento no decorrer dos sculos pela hereditariedade, desde as pocasobscuras da pr-historia vem sentinelando a marcha do homem, em constante campanhacontra a natureza e a ferocidade animal.

    Foi ele, esse instinto protetor, que formou o gregrio, depois a horda, depois atribo, depois a nao.

    Chegando a este ltimo resultado, continuou a exercer poderosa influnciasobre povos diferentes, aproximando-os mais e mais, no obstante desvios fictcios.

  • Bem sabemos o que afirma a crtica superficial de certos historigrafos, quevem antagonismos, v apenas a conseqncia prxima, imediata, e no sabegeneralizar.

    Habituada a descrever detalhes, circunstncias isoladas, aspectos solitrios,fatos parciais, ela nunca se levanta a viso do conjunto, as perspectivas superiores.

    Para nada serva: um traste sem valor na vasta galeria dos conhecimentoshumanos.

    O certo que a nota dominante na histria antiga uma aproximao cada vezmaior dos pases, tornado-lhes as relaes cada vez mais claras.

    Ao fim de cada guerra, dizem, o dio aumenta e irrompem desejos de vinganano seio do povo vencido, desejos de conquista no seio do vencedor. Nestas condies, impossvel qualquer aliana ou fuso.

    Raiva, despeito, represlias, separam, nunca vinculam.

    Mas no assim no curso de uma poca inteira.

    As batalhas tremendas que ensombram o quadro da humanidade naquelestempos remotos e brbaros no prejudicam os nossos avanos; porque as prprias armaseram instrumentos inconscientes de adianto.

    Foi por meio delas que Alexandre realizou a unio, mais espiritual quepoltica, do oriente e do ocidente; foi por meio delas que Roma unificou o mundo,impondo-lhe as suas instituies e progressos, e recebendo em troca, para aperfeio-losno imenso laboratrio de sua grandeza, crenas e costumes.

    Por isso, j disse um historiador:

    Roma deu ao universo o esprito que a animava, e assimilou o esprito douniverso.

    Ora, a raiva, o despeito e as represlias dos vencidos de Alexandre noimpediram o servio inestimvel que ele prestou a causa da civilizao entrelaando osgnios oriental e ocidental; a raiva, o despeito e as represlias dos inimigos de Romano impediram que a rainha do Tibre desenrolasse por toda a terra conhecida a redeimensa de sua administrao.

    No queremos fazer a apoteose da guerra; no somos entusiasta de Marte.

    O nosso fim dar o trao da marcha ascendente do homem e das sociedades.

    Na idade-mdia, a intensidade do desmembramento feudal parece desmentir aevoluo; mas, como muito bem notou Ed. Scherer, aquela dissoluo era a gnese deum mundo novo, a complicada e obscura incubao das nacionalidades modernas.

  • Ali, no fundo daqueles destroos e no adito sombrio daquela ruinria gigntea,palpitava, em germe, a alma do futuro.

    Os ltimos sculos apresentam o mesmo fenmeno, mais ou menos encobertopor graves conflitos internacionais.

    Quem ousar negar hoje esse vago anelo de cosmopolitismo, que protestacontra as extores revoltantes que o direito sofre todos os dias?

    Quem ousar negar a aspirao elevada de agrupamento, que contrasta com asviolncias, as contendas e as misrias do egosmo?

    O mundo sofre, verdade; mas o ideal rebrilha, longe.

    A esto, para prov-lo, o belo sonho da federao ibrica, o grande sonho dafederao latina, o sonho luminoso e puro da federao humana.

    Tarde, um dos prncipes do publicismo contemporneo, provou brilhantementeque este equilbrio mvel das espcies vivas em uma dada regio, a que damos o nomede flora ou de fauna, estabeleceu-se aps longas peripcias sangrentas, combatescruentos, alternativas de derrotas e vitrias; e que em todos os tempos e continentes oresultado das guerras e alianas entre os povos, tem sido um equilbrio mvel deprovncias ou de naes, sob a forma de um imprio e de uma federao pacfica:imprio egpcio, imprio romano, imprio chins, imprio peruano, Estados-Unidos.

    E poderia argumentar tambm com a repblica brasileira.

    A nossa educao cvica, cheia de lacunas, e os nossos defeitos de raaprecipitada ou inerte, segundo as circunstncias, produzem o alheamento deplorvel emque vivemos esquecidos do mundo culto, e s merecem dos escritores estrangeiros oriso zombeiro do sarcasmo, manifestao afrontosa de desprezo.

    Por isso, Tarde citou os imprios chins e peruano, olvidando o nome do povoaltamente republicano e civilizado que julga representar o primeiro papel na partemeridional da Amrica...

    Seria obra de verdadeiro patriotismo e de profunda piedade, seria trabalhomeritrio e de intraduzvel alcance, uma propaganda feita no sentido de levantar ocarter nacional, seriamente ameaado de necrose, sem firmeza e sem prestgio.

    Continuemos, porm, a examinar a lei histrica que autoriza o separatismo.

    Sempre a fora biolgica na histria, isto , a ao tnica representada pelosangue e pela lngua, foi-se tornando o centro de atrao dos grandes focos nacionais.Assim foi por toda parte.

    * adito - compartimento reservado.

  • Os antigos reinos e estados ibricos se transformaram na Espanha; os antigoscondados e reinos que ocupavam o velho solo da Glia produziram a Frana; a antigaheptarquia anglo-saxnica produziu a Inglaterra; as provncias unidas produziram aHolanda.

    Onde est em tudo isso a razo do desmembramento brasileiro?

    Comparar-se o Brasil aos imprios de Alexandre, de Carlos Magno e deNapoleo denota falta de critrio.

    Os conquistadores renem povos diferentes, separados por qualidades tnicase tradies opostas; no fundam ptrias.

    Mortos ou afastados do trono pelas eventualidades da poltica, os pases queeles haviam domado voltam a ser naturalmente o que eram anteriormente a dominao,se um pulso forte no aparece.

    Quem diz ptria, no diz criao arbitrria de um guerreiro; a noo de ptria muito mais ampla, a origem da ptria muito mais complicada, a vida da ptria muitomais duradoura.

    O Brasil, como veremos no prximo captulo, j tem uma certa unidade tnica,uma espcie de alma coletiva, pairando sobre tradies prprias, amassadas emlgrimas, sangue e herosmo.

    A dissoluo dele no ser, conseguintemente, igual a dissoluo dos impriosformados pela espada, e livres depois que a espada tomba.

  • IV

    O rosrio de causas supositcias de que dispe o separatismo muito longo evai alm da lei histrica que analisamos no capitulo anterior.

    Desfiemos algumas das contas que o constituem.

    E-las: a nossa histria original, o nosso meio a parte a modificao gradualdos ncleos de populao pela influncia de novas correntes imigratrias.

    A nossa histria original...

    Detenhamo-nos aqui; o ponto interessante e confina com a parte maisengraada da psicologia separatista: aquela em que o bairrismo, como ponto de vistasocial, e a ingenuidade, como ponto de vista histrico, combinam-se melhor,embelezando a paisagem, doirada j pelos raios da utopia e pela centelha doentusiasmo...

    No h fenmeno mais perigoso, tanto na existncia individual como na vidados povos, que a iluso da fora.

    a iluso da fora que perde as naes orgulhosas e sugestionveis pelostriunfos felizes; ela que derrota muitas vezes os pases que tm um belo passado,semeado de monumentos de glria, e fazem desses monumentos a nica muralha contrao inimigo.

    No Rio Grande h uma verso histrica que devemos destruir para nosso bemfuturo.

    A grandeza de um Estado no consiste em adulterar fatos pretritos; overdadeiro patriotismo no aquele que inventa lendas.

    Muita gente pensa que o Rio Grande de nada ou pouco deve ao Brasil; que aterra dos gachos obra exclusiva dos gachos; que a ptria sulina sempre existiuabandonada do centro, entregue unicamente ao valor de seus filhos e at perseguida pelainveja e pelo dio dos habitantes do norte.

    No h neg-lo: essa opinio existe.

    Foram as legies gachas, dizem, que varreram dos pampas o pendoespanhol; foram elas que suportaram 70 anos de luta em prol da integridade nacional;elas que mais tarde, sob o comando dos heris farrapos, protestaram contra ascorrupes do imprio e sacrificaram-se pela repblica; so e sero sempre elas aguarda avanada do Brasil, a coluna forte da Ptria, que sabe, alis, olvid-las,abandon-las, desprez-las, nos momentos de paz, quando o horizonte apresenta-secalmo.

  • Por outro lado, o Rio Grande desenvolveu-se por si, sem auxlios, semproteo; o governo imperial procurou por todos os modos conserv-lo na triste e baixasituao de burgo-podre, e ainda, hoje certos estadistas republicanos desejam omesmo...

    O fato deplorvel de soldados nortistas empunharem armas contra asaspiraes que nos eram mais caras, cavou perigosssimo abismo entre sul e norte.

    As lanas do gacho encontram sempre a baioneta dos baianos, e esseconstante antagonismo, to fatal outrora, poder s-lo ainda mais no futuro.

    Por essas e outras razes, viva o Rio Grande independente!

    Mas, senhores, raciocinemos com seriedade.

    O prisma, da preveno o mais falso errneo de todos; os preconceitos decampanrio so os mais ridculos que podem existir em um meio culto e em um sculocomo o atual...

    Devemos trabalhar, sim, pela grandeza de nosso Rio Grande; devemosestimular-lhe a atividade; devemos encoraj-lo e estud-lo.

    Empregar mil esforos na tarefa nobilitante de erguer tanto quanto possvel onvel moral e intelectual do Estado, louvvel, grande, santo; mas cultivar odiosidadese discrdias por cime ou despeito, obra imensamente censurvel.

    Ser patriota no significa ser amante de tempestades, porm, combat-las emproveito da unidade, da fora e do poder ptrios.

    Estudemos o Brasil no condicionalismo de sua histria; observemos o quesucedeu na origem de sua organizao social; recorramos aos acontecimentos que sedesdobraram nos ltimos tempos; e esse agastamento irrazovel que lavra em algumasconscincias desaparecer de vez.

    A histria brasileira, bem analisada, revela na administrao e defesa de outrosEstados erros e defeitos quase idnticos aos que afligiram o Rio Grande nas pocascoloniais e nos tempos do imprio.

    Desde as capitanias nota-se a irregularidade extrema da poltica dos governosno vasto corpo do pas.

    Nem unidade de vistas, nem unidade de ao.

    O Brasil-colnia foi um mrtir da desorientao lusitana.

    Mais tarde, o imprio procedeu quase da mesma forma.

    No houve, pois, um plano especial de guerra ao Rio Grande.

  • Os pernambucanos, por exemplo, no foram obrigados a combater sozinhos oholands invasor?

    Muitas sedies no foram tambm sufocadas em vrios pontos do norte e docentro?

    O Rio Grande tem sofrido mais em virtude de sua ndole belicosa e de suaposio de fronteira; no por causa do dio sistemtico que lhe votem...

    A presena de nortistas em nossos campos de batalha, como a presena de rio-grandenses nas lutas que abalaram o norte, como a presena de brasileiros de todos osEstados na represso de levantes de qualquer Estado, no argumento apresentvel paraprovar-se que h um abismo entre o sul e o norte.

    Apontai uma nao cujos filhos nunca arvoraram estandarte sedicioso,morrendo e matando por ele!

    Nenhuma, e nenhuma tambm desmembrou-se em conseqncia de umasimples luta entre cidados, membros da mesma famlia nacional.

    Nos Estados-Unidos o separatismo agitou a opinio e quis realizar-secirurgicamente, por meio das armas; mas esse desideratum dos escravocratas do Sulesbarrou na vontade impassvel e na orientao elevada dos verdadeiros patriotas.

    Aps cruentssima campanha, triunfou brilhante e definitivamente o princpioda Unio, e hoje, apesar do sangue derramado, todos marcham aliados pela estrada largado progresso, a sombra da lei.

    Tambm l existem rivalidades entre certas zonas; mas essa emulao redundaem benefcios para a coletividade.

    Demais, prosseguindo em nossa anlise local, podemos declarar comdesassombro e satisfao, que o exrcito brasileiro possui tradies honrosssimas, quealicerceiam a solidariedade do norte e do sul.

    Quantas vezes o rio-grandense e o nortista caram de joelhos diante da mesmabandeira, em dias de entusiasmo, nos tempos de paz? Quantas vezes o mesmo hino,imortal e vibrante, j venceu a metralha inimiga, nos campos da glria, com a coragemde nossos soldados?

    Respondam todas as nossas guerras externas.

    E porque esse desejo de desmembramento, se verdade que nascemos juntos,falamos a mesma lngua, temos vivido sob as mesmas leis, estamos ligados porinteresses recprocos, sentimos o alento do mesmo entusiasmo, tombamos ao peso domesmo desnimo, na conquista da liberdade, no combate do direito, na marcha doprogresso?

    No teremos acaso uma psicologia comum?

  • O Sete de Setembro no faz palpitar o corao popular de norte a sul, de leste aoeste? o Treze de Maio no foi uma vitria de todos? o Quinze de Novembro no pcomemorado aqui e alm, na vastido do pampa, como nos planaltos mineiros, como asmargens do Amazonas, como na Capital Federal?

    No certo que a nossa evoluo poltica tem sido una? que na fase doliberalismo monrquico, avanamos sempre unidos, de conquista em conquista? que asreformas triunfantes por iniciativa de representantes de outras provncias refletiam-sesobre ns, e vice-versa?

    Sabemos perfeitamente que a administrao republicana reduziu esta Ptria acondio tristssima de um povo de parias: exausto, descrente de qualquer esforopblico, afastado das nobres funes da vida jurdica, ctico em relao a tudo o que nacional, resignado ao servilhismo e a anarquia.

    Mas a fase que atravessamos de transio; os males presentes serovencidos; e o sentimento nacionalista h de ressurgir, invalescido, forte, fecundo.

    necessrio, entretanto, opugnar desde j essa aspirao anrquica dodesmembramento nacional.

    E passemos agora a examinar as afirmaes daqueles que tentam justific-lajogando com a influncia do meio fsico, do habitat.

    O Rio Grande, dizem, dotado de uma natureza diferente da que alimenta eimpressiona o nortista.

    Natureza a parte, gnero de vida a parte, organizao a parte: o Rio Grandeno pode escapar a regra.

    Ora vejamos que fundo de verdade h em tudo isso.

    A teoria da influncia climatolgica, isolada, levada ao absoluto, inteiramente estril: nada prova e nada aclara.

    Os excessos de seus entusiastas no Brasil, esse prurido de tudo explicar pelaao do clima, essa mania de tudo reduzir aos aspectos objectivos, so documentosirrecusveis da superficialidade nacional quando algum problema importante e difcilimpe-se ao estudo e a meditao de nossos publicistas.

    As leis que regem a marcha das sociedades no podem ser sintetizadas em umanica teoria.

    Existem muitos fatores histricos; agentes sociais diversos e considerveis.

    Alm de tudo, a ao do habitat tem sido imensamente exagerada nadeterminao do carter popular de vrios pases, especialmente modernos.

    * invalescido - forte, valoroso

  • O meio exerce influncia, ningum ousar neg-lo; mas, sendo ele um agenteprimordial para formao primitiva das raas e para a explicao das civilizaesautctones, nas civilizaes transplantadas, sobre povos que imigraram j de posse desuas qualidades histricas, o meio fsico, sendo um fator ainda muito importante, no ,como tudo, o principal.

    Temos disto provas por toda a parte. Que que mantm a diversidade entre ospovos que na Europa ocupam a mesma zona e o mesmo clima h muitos sculos? Sero meio idntico entre muitos deles? Evidentemente so as suas qualidades tnicas e assuas tradies histricas.

    Que que estabelece a distncia na Amrica entre as naes queexperimentam quase o mesmo clima?

    So ainda as diversidades de raa e de tendncias morais e intelectuais.

    Os meios eram tudo para a humanidade primitiva e pr-histrica.

    Uma vez estabelecidas as raas histricas, uma vez entrados, como estamos,nos tempos atuais, os povos no so mais um joguete dos climas.

    H uma muralha que representa muitos milnios de luta em que a humanidadeadquiriu todas as qualidades que hoje a distinguem. Os climas passaram para o segundoplano e os agentes tnicos, fisiolgicos e morais tomaram-lhe a dianteira.

    Durante muitos milnios ele, o clima, pode formar as raas pr-histricas.

    Mas a sua ao to lenta, que no se deixa notar nitidamente nas civilizaesmodernas.

    Duvido que haja um antropologista capaz de determinar com segurana quaisas transformaes experimentadas nos ltimos dois mil anos pelas populaes daEuropa, transformaes produzidas pelo clima.

    Muito bem; o problema fundamental das ptrias modernas um problemaetnolgico.

    O meio do Estado Oriental mais semelhante ao nosso que este ao meionortists (falemos a linguagem separatista...)

    Entretanto, qual a razo da atitude hostil que assumimos de velha data emface do Prata?

    Meios semelhantes...

    E qual a razo da ira que se apodera de todos ns quando o telgrafo anunciaque o Amap foi invadido, ou uma de nossas ilhas perdidas nas costas do norte, sofre ahumilhao da bandeira inglesa?

    Meios diversos...

  • Os Estados-Unidos, pas de cuja histria e organizao poltica os brasileirostanto gostam de citar exemplos, oferecem tambm grande variedade de climas e deaspectos naturais.

    Entretanto, ningum cuida de dividi-los em dezenas de republiquetas, sporque em alguns pontos o frio mais intenso que em outros, e os espetculos que sedesenrolam na zona oriental no so completamente iguais aos da zona ocidental oucentral.

    So argumentos demasiado simples, esses.

    Quem aceitar a influncia decisiva e irredutvel do habitat, ser obrigado nosomente a defender o desmembramento do Brasil, mas tambm o desmembramento doRio Grande.

    E desse modo, teramos a Ptria serrana, compreendendo as cidades e camposde Cima da Serra, a Ptria ocenica constituda pelas populaes das margens doAtlntico e dos grandes lagos que possumos...

    Nada mais justo...

    J estamos vendo o esquadro separatista levantar acampamento, para plantartenda em outro terreno.

    Experimentemos se a a resistncia maior.

    Os partidrios da Repblica Rio-grandense podero, em desespero de causa,apelar justamente para a questo etnolgica, exclamando que essa vai ser o principalmotivo da dissoluo brasileira.

    O Brasil no tem um povo constitudo, uma nacionalidade em gnese,amalgamada de vrias raas que ainda no se fundiram de todo, psicologicamente.

    Em alguns estados do sul, existem grandes ncleos coloniais a parte, sem amenor afinidade com o resto do pas.

    So populaes sbrias, trabalhadoras, fortes, falando idiomas diversos,atradas sempre pela civilizao da Ptria distante, cujas qualidades conservam, cujosadiantos procuram assimilar, cujas tradies e costumes nunca olvidam.

    Italianos, alemes e outros estrangeiros modificaro fatalmente a massa doshabitantes do Sul, imprimindo-lhes no carter certos predicados opostos aos que omestiamento luso-afro-tupi produziu ao norte.

    verdade em parte no nas concluses exageradas a que desejam chegar.

    Ainda aqui, neste ltimo entricheiramento terico, os separatistas no poderomanter posio durante muito tempo.

  • As novas correntes imigratrias, canalizadas no sul da Repblica, em SoPaulo, Paran, Santa Catarina e Rio-Grande, vo exercer poderosa influncia no futurode nossa Ptria, mas essa influncia jamais determinar o desmembramento nacional.

    As raas postas em contato dentro das fronteiras de uma nao e submetidasao mesmo regime constitucional, a mesma regulamentao jurdica, as mesmasnecessidades de defesa, aos mesmos reclamos de ordem, as mesmas exigncias doprogresso, tendem a fuso, nunca ao divrcio e separao.

    Se as primeiras geraes nutrem desconfianas mtuas, possuem variedadestnicas e ostentam nuanas prprias, as geraes que se sucedem vo pouco a poucoaproximando-se, entrelaando interesses, aliando-se para a luta, fundindo-se pelocruzamento e pela vida em comum na mesma sociedade, sob as mesmas leis.

    um fenmeno muito conhecido, um resultado naturalssimo no evolver detodas as naes, uma espcie de osmose tnica e psquica facilmente observvel nocurso da histria.

    A existncia de raas puras fabula, facelar-se unicamente por causa de seuproblema social consistir na mestiagem.

    O Brasil no est condenado a esfacelar-se unicamente por causa de seuproblema social consistir na mestiagem.

    Apesar de ainda estar agremiando elementos de origens diversas, o Brasil jtem como que um modo geral de sentir, de pensar e de agir, que no engana aosinvestigadores de psicologia popular.

    Mais alguns passos, e a nossa Ptria, utilizando todos oscilantes e esparsos,afirmar brilhantemente uma alma coletiva, capaz do belo e do grande, uma conscinciavoltada para as nobres interrogaes do sculo, uma civilizao prometedora e prenhede conquistas.

    Os imigrantes que povoam os nossos campos iro se agregando pouco a poucoao sentir nacional.

    Solo comum, proteo judiciria comum, convenincias comuns, comunsaspiraes de adianto e fora, de riqueza e bem-estar, tudo isso concorrer para apertaros laos de unio entre brasileiros e estrangeiros.

    H pouco, um escritor alemo que percorreu a nossa zona colonial germnicaafirmou em pginas de memrias haver notado j certa mudana nos hbitos dosdescendentes da loura nao Reno.

    E, a propsito, descreveu o tipo de um rapazinho de origem alem, que lheapareceu envolto em comprido poncho decidido de um filho dos pampas.

    No ignoramos que esse fato isolado no presente: as colnias alemsconservam ainda muitas usanas e costumes da me-ptria.

  • Mas o referido escritor, citando o que observara, quis apenas provar areductibilidade da raa para aqui imigrada.

    Demais, o Rio-Grande j resolveu o grave, o importante, o transcendenteproblema da pequena propriedade, que to de perto afeta a questo econmica, essencialna vida de um povo.

    Onde massas enormes de proletrios estrangeiros, alterosas vagas humanas,movem-se ao acaso, oscilam a merc de circunstncias do momento, sem estabilidade esem confiana, o despeito, o dio e as contendas nacionalistas abalam sempre aatmosfera social.

    De um paria, errando continuamente em busca de um pouco de trabalho, a ummuncipe, interessado pela soluo feliz dos assuntos locais, vai extraordinriadistncia.

    Qualquer excesso de populao adventcia pode produzir, no fim de algumtempos, a absoro do elemento indgena.

    Quando, porm, e este o nosso caso, o colono arraiga em solo que lhe prprio, e que ele cultiva dia-a-dia, a sua alma, as suas esperanas, os seus projetos e oseu futuro; quando ele, pesaroso e desanimado, abandona as terras natais, onde morreriaa mngua se permanecesse, e encontra na nova ptria asilo tranqilo e feliz; ospreconceitos de campanrio dissipam-se gradualmente, lentamente, substitudos a poucoe pouco pelo sentimento geral da coletividade a que pertence.

    Ao cabo de algumas geraes, a identificao com os naturais quasecompleta; aps um ou dois sculos de coexistncia, as modalidades tnicas diluem-se noorganismos social, avigorado por elas.

    Por isso, ao passo que espritos eminentes, como o dr. Silvio Romero,escrevem com mo trmula acerca deste assunto, enegrecendo o futuro com mildesconfianas, ns meditamos com serenidade sobre a elaborao da nacionalidadebrasileira.

    Nenhuma nao extreme de populaes variadas.

    A antropologia, escreve E. Hennequin, demonstrou que desde as pocas maisremotas tem havido uma grande mistura de raas, uma reunio de tipos diversos.

    Egpcios, Assrios, Hebereus, Fencios, Helenos, Latinos, Arias da ndia,Tramianos, os prprios Chineses e as populaes pr-histricas do norte da Europaassimilaram no curso do tempo, por meio de conquistas e de contnuas migraes,numerosos elementos tnicos, sofrendo a influncia at de tribos autctones queconseguiram submeter.

    O exame de crneos, de mmias, de ossaturas; de monumentos iconogrficosantiqssimos, mostra que em cada grupo social, desde a mais alta antiguidade, existemtipos somatolgicos bem distintos que se perpetuam e se cruzam de modo a perdurarem,multiplicando-se.

  • At a Inglaterra, cuja posio insular deveria ser uma barreira s invases,apresenta um nmero considervel de raas diferentes.

    Spencer enumerou-as sumariamente no captulo da Descriptive sociologyconsagrado a esse pas.

    Citou os bretes constituindo dois tipos etnolgicos diferenciados pelacabeleira e pela forma craneana; colonos romanos em nmero desconhecido; multidode anglos, habitantes da Jutlandia, Saxes, Kimris, Dinamarqueses e mais alguns, entreos quais convm nomear os Normandos que, segundo Thierry, compunham-se por suavez de elementos tnicos dominantes no oeste da Frana.

    No necessrio ir mais longe.

    Os exemplos que a ficam, bastam para desfazer quaisquer dvidas sobre oseparatismo, na parte da etnologia.

  • VA concluso inevitvel dos captulos precedentes a completa vacuidade dosargumentos separatistas: - o Brasil no se dissolver em virtude de uma lei histrica, porcausa do progresso, em conseqncia de mal originrio.

    Pouco importa que o fanatismo esbraveje: essa a verdade iniludvel ecomprovada por fatos de toda ordem.

    O separatismo no pode ser includo na classe dos fenmenos sociais quesurgem naturalmente, produzidos pelo trabalho incosciente da histria, que abrolhamespontneos do evolver humano; fenmenos incoercveis e certos, que segundo aobservao profunda de Guillaume de Greef, independem da vontade individual oucoletiva, como o movimento dos corpos no mundo fsico, como as expanses da vida nomundo orgnico, como a gnese do pensar no mundo psquico.

    O separatismo, como vimos, no pertence a esse nmero, e s poder realizar-se por meios violentos, apoiado no tumulto e na revolta.

    Existem por a politiqueiros ambiciosos e convulsionrios que proclamam asurdina, sorrateiramente, a necessidade urgente de se libertar o Rio Grande daescravido do centro, que, segundo afirmam, procura haurir os nossos recursos,anulando a nossa influncia.

    No fantasia: em viagens feitas atravs da campanha rio-grandense, entreguehoje aos desmandos da politicagem, e em acontecimentos ocorridos na prpria Capital,notamos com pesar, com tristeza patritica, a propaganda dissimulada que tenta ferir nocorao este msero pas, digno de melhor sorte...

    Sabemos que a nossa franqueza vai levantar irracundo protesto, e qui a vozda injustia.

    Quid prodest?

    Escrevendo este panfleto, procuramos fazer um trabalho brasileiro, e nopartidrio.

    Nas linhas que o compem no h o menor trao de poltica, epidemia, quedevasta de velha data este canto da Amrica.

    O sentimento de Ptria, sim, palpita em todas as pginas dele.

    Por isso especialmente a paixo facciosa nada poder contra ele.

    As negaes do patriotismo no devem ser discutidas a luz serena da razo:merecem o castigo do desprezo e o estigma da vergonha.

  • Pouco diremos, pois, da tentativa criminosa de desmembrar o Brasilunicamente por intuitos mal velados de estreita ambio poltica.

    O regime federativo, a mais necessria e esplndida conquista que o nossopovo fez nos ltimos tempos, garante a todos os Estados amplssima autonomia, eindiscutvel poder de ao em qualquer esfera de desenvolvimento prprio.

    Torna-se impossvel, conseguintemente, na rbita legal, a tirania do centro.

    Tudo o que disserem em contrrio ser explorao.

    Se o temem uma interveno ilegal do governo da Repblica, j deveriam terseparado o Rio Grande na poca de nossa histria marcada mais fundamente pelodesrespeito ao princpio federativo...

    A durao da vida das sociedades, diz a Sociologia, est na razo direta daorganizao delas.

    A organizao federal h de garantir vida longa a Ptria Brasileira.

  • VI

    Um dos problemas que devem merecer profundas cogitaes, na rbitapoltica, incontestavelmente o da defesa nacional contra possveis ataquesestrangeiros.

    O direito internacional acha-se ainda em nebulosa, e como disse o grandejurista Tobias Barreto, o canho tem sido at hoje o tribunal supremo, a que os povosrecorrem sempre que h entre eles choque de ambies.

    H, ningum ousar neg-lo, uma pobre aspirao de paz e de justia nomundo moderno; mas ela no impediu o brbaro assassino da Polnia e outros fatos queferiram no corao a paises fracos, desprotegidos e imbeles.

    Na atualidade, observamos com tristeza o seviciar de Cuba pela decadente ecruel Espanha, que s pode viver por meio de um vergonhoso parasitismo...

    A Grcia, convertendo a tradio das velhas Termpilas, em novas Termpilasda civilizao crist, procurou reagir contra o turco, reconquistando para o regime daliberdade populaes inteiras, brutalmente escravizadas e exploradas.

    Que aconteceu?

    A fora das tradies falhou; a nobreza indiscutvel da causa no venceu obaixo utilitarismo dos governos europeus; e a velha ptria gloriosa das artes, em cujosolo o gnio de um povo admirvel levantou ao esprito do progresso o mais belotemplo da antiguidade; e a Ptria imortal de Pricles; abandonada de todos, sofreu amaior das derrotas.

    O celebrrimo equilbrio da Europa mantido hipocritamente para dissimular aambio insacivel de algumas potncias, prova de modo indiscutvel que neste sculo oarbitramento s possvel quando os litigantes contam com poderosos exrcitos enumerosas esquadras.

    Ento, sim o receio de um choque, o temor de uma guerra fatal a ambas aspartes e a prudncia oriunda do egosmo concorrem para esses apelos feitos a autoridadede outro pas.

    Mas, quando uma Inglaterra, faminta de ouro e coberta de ferro, procuradevorar um Portugal moribundo, sem dinheiro e sem baionetas, sem crdito no mundofinanceiro e sem amparo no mundo poltico, nenhuma arbitragem serve, nenhumtribunal de paz resolve.

    A infmia do mais forte prevalece sobre os direitos do mais fraco.

    H academias que doutrinam; h coraes que sentem; h crebros quepensam; mas na fria insensibilidade que domina universalmente, atingindo a maioriados coraes, e na represso sistemtica dos pensamentos adiantados que aplicada por

  • todos os potentados, esterilizando a maioria dos crebros, somente os exploradoresarmados triunfam e somente os triunfadores injustos tm razo...

    O ministrio da guerra: eis o metro da civilizao nos dias que correm.

    triste, negro, vergonhosos; ofende os sonhos mais doirados do idealismo;desmente as firmaes mais belas da razo; desmoraliza completamente o princpio dehumanidade!

    real, entretanto.

    Uma nao que confia nos seus direitos, em vez de confiar nos seusmarinheiros e soldados, diz Spencer Wilkinson, engana-se a si mesma, e prepara a suaprpria queda.

    Que triste no ser a condio de um pequeno povo que vegeta pobremente nomeio de estados poderoso! Exclama Latino Coelho. Restar-lhe- por escudo a razo e ajustia. Ter a defend-lo o direito internacional.

    Frouxssima defesa na verdade.

    A justia no nada, sem um tribunal e juzes, que austera e imparcial aadministrem; sem a fora, que torne executrias as decises judiciais.

    Onde est, porm, o cdigo de leis, que obrigue as naes poderosas arespeitar as mais fracas e decadentes? Onde o supremo tribunal, que o aplique? Onde obrao, que force os potentados ambiciosos e violentos a submeter-se a lei e a justia?

    Apesar de todas as maravilhosas invenes, com que a cincia tem contribudoa apertar os vnculos da fraternidade humana, a despeito de todas as instituiesinternacionais que tornaram menos vivas as cores sinistras, com que se debuxam nomapa as fronteiras dos Estados, ainda a guerra latente, encoberta nesta ruinosahipocrisia, que se chama a paz armada a condio habitual nas relaes das potnciaseuropias.

    Cada povo para viver seguro da independncia e precatado contra a insolnciade um poderoso, tem de consumir esterilmente em armamentos colossais o que h demelhor na sua riqueza, de mais fecundo no seu labor industrial.

    esse o estado do mundo hodierno, cheio de vacilaes e incertezas, marcadopor uma aspirao indigna e desumana de vitria incondicional.

    Ai dos vencidos, ai dos fracos, ai dos pequenos!

    A Amrica oferece o mesmo espetculo que se observa na Europa.

    Quem ignora a ambio desenfreada dos Estados-Unidos do Norte, essaambio que j golpeou o Mxico, que ameaa a Amrica Central, que odeia o Brasil,que protege Cuba para mais tarde explor-la a vontade, e que, disfara sob a alvaroupagem do monrosmo, constituiu-se o maior perigo do Novo Continente?

  • Quem ignora as tendncias absorventes da soberba e pretensiosa RepblicaArgentina, cujo desideratum, provado por inmeros fatos, a unificao do Prata e asua preponderncia sobre os povos neo-hispnicos, com exceo do Chile?

    No queremos passar pelo publicismo rio-grandense como um profeta deguerra e desastres; mas indiscutvel o contentamento dos Argentinos quandodescobrem em nossa vida poltica sintomas de separatismo.

    Ainda h pouco, a imprensa de Buenos Aires transmitiu parabns ao Brasilpelo fracasso de planos de independncia, urgidos aqui.

    Esse fato, em definitiva, significou uma apresentao de psames ao futuro doPrata...

    Rui Barbosa, essa glria americana, esse eminentssimo propugnador dajustia e da civilizao em nossa ptria, disse muito bem: H quem afirme que asoluo do problema da Amrica depende da dissoluo do Brasil...

    E no data de hoje a simpatia que os nossos caros e amveis vizinhoscostumam manifestar cerca deste assunto: ela bem velha e tem acompanhado semprea nossa histria.

    A grandeza da Terra de Santa Cruz um pesadelo que lhes povoa de temores edesconfianas a mente sonhadora...

    Se o separatismo conseguisse quebrar a unidade da organizao federal, avitria s a eles seria til.

    Fracionado o pas vasto e rico que possui melhores elementos para representarcondignamente o esprito americano as vistas do mundo, a Repblica Argentina, cujadiplomacia trabalha com astcia em complicada obra de absoro continental, poderiaatingir o seu objetivo sem grande dificuldade.

    J sabemos que vamos passar por visionrio; mas isso no destrura as nossasafirmaes.

    A Argentina procura aproximar-se do Paraguai e da Bolvia; no Brasil existempessoas que desejam desmembrar a ptria: o paralelo est feito...

    Demais, aqueles que argumentam com as tradies gachas em favor doseparatismo, porque essas tradies pertencem exclusivamente ao Rio Grande, quesoube conquist-lo sozinho, na solido dos pampas, devem concordar que elas nasceramem parte das lutas com espanhis, durante anos e anos, e que por conseguinte, serosempre um motivo de lutas com os descendentes dos espanhis, desde que surjaqualquer conflito com eles.

    Os antagonismos da histria no se dissipam com amabilidades fingidas...

    As vezes julgam-nos desvanecidos e um simples fato vem provar que elesainda existem.

  • A guerra a maior das torpezas, a mais ningum, que deseje servireficazmente o seu pas, poder desprezar os problemas que lhe so relativos.

    E uma guerra com o Prata , em que pese aos otimistas da paz americana, umacousa muito possvel.

    A oliveira, diz um publicista, s floresce em costas bem guarnecidas.

    Ora, poder o Rio Grande manter-se soberano entre tantos ambiciosos,conservar-se autnomo entre tantos pretendentes, viver com independncia real entretantos adversrios?

    Ter ele em suas rendas o necessrio para arcar com todas as despesas deorganizao interna, e com as provveis despesas extraordinrias de uma polticaexterna que no queira sujeitar-se a humilhaes e ameaas?

    Ser, finalmente, capaz de manter-se com brilho e dignidade na esfera superiorocupada pelas principais naes americanas?

    No!

    O Rio Grande seria uma republiqueta de terceira ou quarta ordem.

    No costumamos encobrir o nosso modo de penar; a hipocrisia e a perfdianunca assignalaram os nossos escritos.

    O Rio Grande tem rendimentos suficientes para a vida livre; no o negamos;mas o Rio Grande no poderia resistir, em circunstncias anormais, aos resultados desua imprevidncia, separando-se do Brasil.

    Se a questo de possuir meia dzia de vintns, para ocorrer as necessidadesessenciais da vida autnoma, ento citemos a republica da Libria na frica, como umsmile...

    H muita diferena entre a riqueza de um Estado no seio de uma federao, e ariqueza desse Estado constitudo independentemente.

    Em uma federao, como a brasileira, os Estados so solidrios nas crisessupremas que afetam a vida de cada um; a mesma bandeira protege a todos; o mesmosentimento de honra estimula a todos; a mesma necessidade de garantia a todoscongrega.

    A prosperidade de cada ponto, onde h plena liberdade de desenvolvimento,onde a vida local no tem peias, encontra, todavia, nos momentos de perigo, nas horasagitadas, a proteo salvadora do centro, representante da ptria, em seus interessesmximos.

    O argumento daqueles que dizem: - Temos um bonito saldo, separemo-nos-nada vale, porquanto as rendas e o saldo de um estado que se separa no compensam a

  • perda dos recursos extraordinrios, com que ele contaria nos instantes crticos eanormais, se continuasse unido e federado.

    Mas... os separatistas raciocinam mal...

    Para eles no existe profilaxia poltica: a grandeza e a salvao de um povodependem de algumas frases alinhavadas com pedantismo e jeito...

    Sirvam para exemplo os srs. Martim Francisco, em So Paulo, e AlfredoVarella, entre ns.

    O primeiro ainda no apresentou uma idia aproveitvel em prol da separaopaulista; o segundo acaba de publicar uma obra sobre o Rio Grande, com intuitosvisivelmente separatistas, mas escrita com a tinta vermelha do fanatismo poltico.

    Ora, que argumentos emprega o sr. Varella para provar que o Rio Grandeseparado, atingiria a plenitude da felicidade e da fora?

    O nosso valor tradicional e possveis receitas (sic) magnficas...

    Entretanto, se no existirem outros motivos para o desmembramento do Brasilem geral, e para a separao do Rio Grande em particular, no sero certamente aopulncia desta ou daquela regio, a feracidade desta ou daquela zona e o adiantamentode tal ou qual Estado as nicas causas desse resultados que todos devem temer.

    Tudo isso adiantamento, feracidade e opulncia longe de acarretar a runa ea morte desta ptria, como querem alguns obcecados, concorrer para a grandeza dela.

    Deixemo-nos de exclusivismos ridculos e de teorias atoleimadas, que s nospodem desacreditar.

    O Rio Grande est atrasado intelectualmente, possui uma indstria incipiente,uma lavoura ainda pequena e um comrcio pouco extenso.

    Em compensao, tudo tende a desenvolver-se e aumentar no seio de umanatureza rica e frtil.

    Pois bem; trabalhemos com pertinncia, estudemos com ardor, lutemos comdenodo, para que o nosso querido Estado seja to poderoso e prspero na FederaoBrasileira, como nobre e herico nas pginas da histria!

    S desse modo procederemos como patriotas.

  • VII

    Falamos nos antagonismos que existem entre ns e o Prata, antagonismos deraa, agravados por longos decnios de pelejar insano, antagonismos de interesses,antagonismos de aspiraes.

    Entretanto, h alguns separatistas que desejam a unio do Rio Grande e doEstado Oriental!!

    S a necessidade inaufervel de estudar e refutar todos os pontos deste assunto,poderia impelir-nos a discusso de uma aliana to incoerente quanto criminosa!

    Separa-se o Rio Grande do Brasil para agreg-lo ao Uruguai!

    Mas por qu?

    Haver um fato que justifique, um princpio que autorize, uma vantagem quedesculpe semelhante desejo de realizar um crime de lesa ptria?

    No; e para a demonstrao em contrrio ser completa e irrespondvel, bastarum pouco de lgica.

    Os partidrios de nossa fuso com os orientais devem provar, antes de tudo, ocarter necessrio e fatal do desmembramento brasileiro.

    Sem isso, nada conseguiro.

    Se o Rio Grande no tem motivos para separar-se do Brasil, claro que s porum requinte de fantasia desregrada, poderemos ide-lo formando uma nova ptria com oEstado Oriental.

    As naes so castelos de cartas, que um sopro desmancha...

    A gnese de uma nacionalidade, gnese complicada e obscura, no pode serresolvida e determinada pela vontade deste ou daquele homem, de tal ou qual partido.

    Assim, pois no caso corrente, os partidrios da idia que combatemos devemjustificar:

    a- O desmembramento do Brasil;

    b- Desmembrado o Brasil, a convenincia de nossa juno ao Uruguai, emvez de constituirmos um Estado independente.

    Para longe os devaneios; para longe o dogmatismo.

    Precisamos de provas, de raciocnios, de argumentos.

  • Se os separatistas fugirem a discusso de princpios, no passaro de simplesmotineiros.

    Ora, quem quiser demonstrar a fatalidade e a necessidade da dissoluonacional, ser obrigado, forosamente, iniludivelmente, a apoiar as suas opinies emalgum dos argumentos que j discutimos e refutamos nos captulos precedentes: uma leihistrica, impedindo a formao das grandes ptrias, a teoria do meio fsico e social,histria original e heterogeneidade de habitantes.

    Dando de barato que tudo isso concorra para desagregar o Brasil e individuar oRio Grande, chegamos as seguintes concluses: a terra de Bento Gonalves jamaispoder apropinquar-se do Estado Oriental, por causa de uma lei histrico, de um meiosocial diverso, de oposies histricas acentuadas e de notveis variantes tnicas.

    Sim; a arma bilaminada e de golpe certeiro...

    O Rio Grande, separado da Federao Brasileira por uma lei da histria quedivide as grandes ptrias em muitas ptrias pequenas, integrar-se- a parte, sem acolaborao do Estado Oriental.

    O Rio Grande separado em virtude de seu maio social, diverso do meionortista, tender sempre a afastar-se do Uruguai, cujo meio social ainda mais diverso.

    O Rio Grande separado em conseqncia de tradies prprias, diferentes emparte e em parte opostas as tradies do norte, nunca poder aproximar-se dos orientais,cujo lendrio versa sobre lutas, glrias e desastres que no nos pertencem.

    O Rio Grande separado do Brasil em conseqncia de seus elementos tnicos,no poder identificar-se de chofre com os elementos tnicos da vizinha Republica.

    isto.

    O separatismo, fora do terreno da violncia revolucionria, obrigado a jogarcom essa argumentao, e, fazendo-o, esmaga tambm qualquer tentativa de alianacom o Prata...

    Recordemos o belo e profundo pensamento de Castelar que honra a primeirapgina deste opsculo: uma nao no s um agrupamento de indivduos; um grandecorpo e um verdadeiro esprito.

    Desenvolve-se, pensa, sente e age sob a ao de leis naturais, que no devemser contrariadas.

    A histria apresenta inmeros fatos de anexaes irreflectidas que tiveramefeitos desastrosos.