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Tecidos Especializados, Células-tronco e Renovação de Tecidos 23 Neste capítulo A EPIDERME E SUA 1417 RENOVAÇÃO POR MEIO DE CÉLULASTRONCO EPITÉLIO SENSORIAL 1429 AS VIAS AÉREAS E 1434 O INTESTINO VASOS SANGUÍNEOS, 1450 LINFÁTICOS E CÉLULAS ENDOTELIAIS RENOVAÇÃO POR 1450 CÉLULASTRONCO MULTIPOTENTES: FORMAÇÃO DE CÉLULAS DO SANGUE ORIGEM, MODULAÇÃO 1463 E REGENERAÇÃO DO MÚSCULO ESQUELÉTICO FIBROBLASTOS E SUAS 1467 TRANSFORMAÇÕES: A FAMÍLIA DE CÉLULAS DO TECIDO CONECTIVO MODIFICAÇÃO DAS 1476 CÉLULASTRONCO As células originalmente evoluíram como indivíduos de vida livre, mas as células que têm importância principal para nós, como seres humanos, são membros especializados de uma comunidade multicelular. Elas perderam características necessárias à sobrevivência inde- pendente e adquiriram peculiaridades que servem às necessidades do organismo como um todo. Embora partilhem o mesmo genoma, elas são formidavelmente diferentes: há mais de 200 tipos celulares diferentes reconhecidos no corpo humano. Elas colaboram umas com as outras para formar muitos tecidos diferentes, arranjados em órgãos executando funções extremamente variadas. Para entendê-las, não basta analisá-las em uma placa de cultivo: também precisamos conhecer como elas vivem, funcionam e morrem em seu habitat natu- ral, o corpo intacto. Nos Capítulos 7 e 21, vimos como os vários tipos de células tornam-se diferentes no embrião e como a memória celular e os sinais celulares de suas vizinhas lhes permitem per- manecer diferenciadas daí em diante. No Capítulo 19, discutimos a tecnologia de constru- ção de tecidos multicelulares – os dispositivos que mantêm as células unidas e os materiais extracelulares que dão suporte a elas. Neste capítulo, consideramos as funções e o ciclo de vida de células especializadas no organismo adulto de um vertebrado. Descrevemos como as células trabalham juntas para realizar suas funções, como novas células especializadas são originadas, como vivem e morrem e como a arquitetura dos tecidos é preservada, apesar da constante substituição de células velhas por novas. Examinamos em particular o papel desempenhado em muitos tecidos pelas células-tronco – células que são especializadas para fornecer um suprimento indefinido de células diferenciadas frescas quando estas são perdi- das, descartadas ou necessárias em grande número. Discutiremos esses tópicos por meio de uma série de exemplos – alguns escolhidos porque ilustram princípios gerais importantes, outros porque salientam objetos de estudo preferidos e outros ainda porque colocam problemas intrigantes que a biologia celular ain- da tem que solucionar. Por fim, confrontaremos a questão prática que sustenta a turbulên- cia atual de interesses em células-tronco: como podemos utilizar nosso conhecimento dos processos de diferenciação celular e renovação de tecidos para que funcionem acima do normal e melhorar aquelas lesões e falhas do organismo humano que até agora parecem sem recuperação? A EPIDERME E SUA RENOVAÇÃO POR MEIO DE CÉLULASTRONCO Começaremos com um tecido muito familiar: a pele. Como quase todos os tecidos, a pele é um complexo de vários tipos celulares diferentes. Para desempenhar sua função básica como uma barreira, a camada que cobre a parte mais externa da pele depende de uma va- riedade de células e estruturas de sustentação, muitas das quais também são necessárias na maior parte dos outros tecidos. Ela necessita de suporte mecânico, em grande parte propor- cionado pela estrutura de matriz extracelular, secretada principalmente por fibroblastos. Ne- cessita de um suprimento de sangue para trazer nutrientes e oxigênio e remover produtos de excreção e dióxido de carbono, e isso requer uma rede de vasos sanguíneos revestidos com células endoteliais. Estes vasos também fornecem vias de acesso para as células do sistema imune se defenderem contra infecções: os macrófagos e as células dendríticas fagocitam os patógenos invasores e ajudam a ativar os linfócitos, e os próprios linfócitos servem como intermediários para respostas mais sofisticadas do sistema imune adaptativo (discutido no Capítulo 24). As fibras nervosas também são necessárias para transmitir a informação sen- Alberts_23.indd 1417 Alberts_23.indd 1417 29.07.09 15:53:26 29.07.09 15:53:26

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Tecidos Especializados, Células-tronco e Renovação de Tecidos 23

Neste capítuloA EPIDERME E SUA 1417RENOVAÇÃO POR MEIODE CÉLULASTRONCO

EPITÉLIO SENSORIAL 1429

AS VIAS AÉREAS E 1434O INTESTINO

VASOS SANGUÍNEOS, 1450LINFÁTICOS E CÉLULAS ENDOTELIAIS

RENOVAÇÃO POR 1450CÉLULASTRONCO MULTIPOTENTES:FORMAÇÃO DE CÉLULASDO SANGUE

ORIGEM, MODULAÇÃO 1463E REGENERAÇÃO DO MÚSCULO ESQUELÉTICO

FIBROBLASTOS E SUAS 1467TRANSFORMAÇÕES:A FAMÍLIA DE CÉLULASDO TECIDO CONECTIVO

MODIFICAÇÃO DAS 1476CÉLULASTRONCO

As células originalmente evoluíram como indivíduos de vida livre, mas as células que têm importância principal para nós, como seres humanos, são membros especializados de uma comunidade multicelular. Elas perderam características necessárias à sobrevivência inde-pendente e adquiriram peculiaridades que servem às necessidades do organismo como um todo. Embora partilhem o mesmo genoma, elas são formidavelmente diferentes: há mais de 200 tipos celulares diferentes reconhecidos no corpo humano. Elas colaboram umas com as outras para formar muitos tecidos diferentes, arranjados em órgãos executando funções extremamente variadas. Para entendê-las, não basta analisá-las em uma placa de cultivo: também precisamos conhecer como elas vivem, funcionam e morrem em seu habitat natu-ral, o corpo intacto.

Nos Capítulos 7 e 21, vimos como os vários tipos de células tornam-se diferentes no embrião e como a memória celular e os sinais celulares de suas vizinhas lhes permitem per-manecer diferenciadas daí em diante. No Capítulo 19, discutimos a tecnologia de constru-ção de tecidos multicelulares – os dispositivos que mantêm as células unidas e os materiais extracelulares que dão suporte a elas. Neste capítulo, consideramos as funções e o ciclo de vida de células especializadas no organismo adulto de um vertebrado. Descrevemos como as células trabalham juntas para realizar suas funções, como novas células especializadas são originadas, como vivem e morrem e como a arquitetura dos tecidos é preservada, apesar da constante substituição de células velhas por novas. Examinamos em particular o papel desempenhado em muitos tecidos pelas células-tronco – células que são especializadas para fornecer um suprimento indefinido de células diferenciadas frescas quando estas são perdi-das, descartadas ou necessárias em grande número.

Discutiremos esses tópicos por meio de uma série de exemplos – alguns escolhidos porque ilustram princípios gerais importantes, outros porque salientam objetos de estudo preferidos e outros ainda porque colocam problemas intrigantes que a biologia celular ain-da tem que solucionar. Por fim, confrontaremos a questão prática que sustenta a turbulên-cia atual de interesses em células-tronco: como podemos utilizar nosso conhecimento dos processos de diferenciação celular e renovação de tecidos para que funcionem acima do normal e melhorar aquelas lesões e falhas do organismo humano que até agora parecem sem recuperação?

A EPIDERME E SUA RENOVAÇÃO POR MEIODE CÉLULASTRONCOComeçaremos com um tecido muito familiar: a pele. Como quase todos os tecidos, a pele é um complexo de vários tipos celulares diferentes. Para desempenhar sua função básica como uma barreira, a camada que cobre a parte mais externa da pele depende de uma va-riedade de células e estruturas de sustentação, muitas das quais também são necessárias na maior parte dos outros tecidos. Ela necessita de suporte mecânico, em grande parte propor-cionado pela estrutura de matriz extracelular, secretada principalmente por fibroblastos. Ne-cessita de um suprimento de sangue para trazer nutrientes e oxigênio e remover produtos de excreção e dióxido de carbono, e isso requer uma rede de vasos sanguíneos revestidos com células endoteliais. Estes vasos também fornecem vias de acesso para as células do sistema imune se defenderem contra infecções: os macrófagos e as células dendríticas fagocitam os patógenos invasores e ajudam a ativar os linfócitos, e os próprios linfócitos servem como intermediários para respostas mais sofisticadas do sistema imune adaptativo (discutido no Capítulo 24). As fibras nervosas também são necessárias para transmitir a informação sen-

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sorial desde o tecido até o sistema nervoso central e para liberar sinais na direção oposta para a secreção glandular e a contração do músculo liso.

A Figura 23-1 ilustra a arquitetura da pele e mos-tra como ela satisfaz todas estas necessidades. Um epitélio, a epiderme, forma a cobertura mais externa, criando uma barreira impermeável que é autorreparada e renovada continua-mente. Abaixo desta, encontra-se uma camada relativamente grossa de tecido conectivo, a qual inclui a derme resistente e rica em colágeno (da qual é feito o couro) e a camada adi-posa subjacente do tecido conectivo subcutâneo, ou hipoderme. Na pele, como em qualquer outro órgão, o tecido conectivo, com os vasos e os nervos que passam através dele, supre a maioria das funções gerais de sustentação listadas anteriormente. Entretanto, a epiderme é o componente fundamental, essencial da pele – o tecido que é característico para este ór-gão, mesmo ainda que não seja a maior parte de seu volume. Anexos como pelos, unhas, glândulas sebáceas e sudoríparas desenvolvem-se como especializações da epiderme (Fi-gura 23-2). Mecanismos complexos regulam a distribuição destas estruturas e seus padrões distintos de crescimento e renovação. As regiões de epitélio menos especializado, mais ou menos liso, que cobre a superfície do corpo entre os folículos pilosos e outros anexos, são chamadas de epiderme interfolicular. Esta tem uma organização simples e proporciona uma boa introdução para a maneira pela qual os tecidos de um organismo adulto são renovados continuamente.

EPIDERME

Epiderme

Célula pigmentar (melanócito)

Queratinócitos

Fibroblasto Linfócito

Macrófago

Fibroblasto Fibra de colágeno

Fibra elástica

Nervos sensoriais

Vaso sanguíneo

(A) (B)

Tecido conectivofrouxo da DERME

Tecido conectivo frouxoda derme

Tecido conectivodenso da DERME

Tecido conectivo densoda derme

Tecido conectivo adiposoda HIPODERME

Fibra decolágeno

Mastó-cito

Célula dendrítica(célula de Langerhans) Célula endotelial

formando capilar

100 �m

Derme

Epiderme

Figura 23-1 Pele de mamífero. (A) Es-tes esquemas mostram a arquitetura ce-lular da pele grossa. (B) Fotomicrografia de um corte transversal da sola de um pé humano, corado com hematoxilina e eosina. A pele pode ser vista como um grande órgão composto de dois tecidos principais: a epiderme e o tecido conec-tivo subjacente, que consiste na derme e na hipoderme. Cada tecido é compos-to de vários tipos celulares diferentes. A derme e a hipoderme são ricamente su-pridas com vasos sanguíneos e nervos. Algumas fibras nervosas se estendem para a epiderme.

Figura 23-2 Um folículo piloso e sua glândula sebácea associada. Estas estruturas formam-se como especializações da epiderme. O pelo cresce para cima a partir da papila na sua base. A glândula sebácea contém células carregadas de lipídeo, que é secretado para manter o pelo adequadamente lubrificado. A estrutura inteira sofre ciclos de crescimento, regressão (quando o pelo cai) e restabelecimento. Como o restante da epiderme, ele depende de células-tronco para seu crescimento e restabelecimento em cada ciclo. Um grupo importante de células-tronco (vermelho), capaz de dar origem tanto ao folículo piloso quanto à epiderme interfolicular, ocorre em uma região chamada de dilatação bulbosa (ou bulbar), logo abaixo da glândula sebácea.

Pelo

Papila dérmica(tecido conectivo)

Epiderme

GlândulasebáceaHaste

do pelo

tecidoconectivo

Camadabasal

Células-troncona regiãobulbar

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Biologia Molecular da Célula 1419

As células da epiderme formam uma barreira impermeável estratificadaA epiderme interfolicular é um epitélio de múltiplas camadas (estratificado) composto em grande parte de queratinócitos (assim chamados porque sua atividade diferenciada carac-terística é a síntese de proteínas de filamentos intermediários chamadas de queratinas, que dão à epiderme a sua resistência) (Figura 23-3). Estas células modificam seu aspecto de uma camada para a outra. Aquelas na camada mais interna, presas à uma lâmina basal subjacen-te, são denominadas células basais e, normalmente, são somente elas que se dividem. Acima das células da camada basal, estão várias camadas de células espinhosas grandes (Figura 23-4), cujos numerosos desmossomos – cada um deles sendo um local de ancoragem para grossos feixes de filamentos de queratina – são visíveis ao microscópio de luz exatamente como minúsculos espinhos ao redor da superfície da célula (por isso o nome célula espi-nhosa). Acima das células espinhosas encontra-se o estrato granuloso, fino e com células de coloração escura intensa (ver Figura 23-3). É neste nível que as células estão unidas firme-mente para formar uma barreira impermeável. Os camundongos que deixam de formar esta barreira em virtude de um defeito genético morrem por perda rápida de fluido logo após o nascimento, mesmo apesar de sua pele parecer normal em outros aspectos.

O estrato granuloso, com sua barreira ao movimento de água e de solutos, marca o limite entre a camada mais interna, metabolicamente ativa, e a camada mais externa da epiderme, que consiste em células mortas cujas organelas intracelulares desapareceram. Essas células mais externas estão reduzidas a escamas achatadas, ou células escamosas, densamente envol-tas por queratina. As membranas plasmáticas tanto das células escamosas como das células mais externas do estrato granuloso estão reforçadas na sua superfície citoplasmática por uma camada fina (12 nm) e resistente de proteínas ligadas por intercruzamento, que incluem uma proteína citoplasmática chamada de involucrina. As próprias células escamosas normalmen-te estão tão comprimidas e finas que é difícil distinguir seus limites ao microscópio de luz, mas, se mergulhadas em solução de hidróxido de sódio (ou um banho morno de imersão), aumentam um pouco de volume e, assim, seus contornos podem ser vistos (ver Figura 23-3).

DER

ME

EPID

ERM

E

30 �mCélula basal passando paraa camada de células espinhosas

Célula basal em divisão

Tecido conectivoda derme

Lâminabasal

Camada decélulas basais

Camada decélulasespinhosas

Camada de célulasgranulosas

Célulapavimentosaqueratinizada

Célula escamosaprestes adescamarda superfície

Filamentos de queratina

Desmossomos conectandoduas células

5 �m

Figura 23-3 A estrutura estratificada da epiderme vista em um camundon-go. Os contornos das células escamo-sas queratinizadas são revelados em-bebendo-as em uma solução contendo hidróxido de sódio. O arranjo hexagonal altamente ordenado de colunas de células se entrelaçando mostrado aqui ocorre somente em alguns locais nos quais a epiderme é fina. Na pele huma-na, as fileiras de células escamosas nor-malmente são muitas vezes mais altas e menos regulares, e onde a pele é muito grossa as células em mitose são vistas não somente na camada basal, mas também nas primeiras poucas camadas de células acima dele. Além das células destinadas à queratinização, as cama-das profundas da epiderme incluem um pequeno número de tipos de células di-ferentes, como indicado na Figura 23-1, incluindo células dendríticas chamadas de células de Langerhans, derivadas da medula óssea; melanócitos (células pig-mentares) derivados da crista neural; e células de Merkel, que estão associadas a terminações nervosas na epiderme.

Figura 23-4 Uma célula espinhosa. Este desenho, feito a partir de uma eletromicrografia de um corte da epiderme, mostra os feixes de filamentos de queratina que atravessam o citoplasma e estão inseridos nas junções do tipo desmossomo que unem a célula espinhosa (vermelho) às suas vizinhas. Os nutrientes e a água difundem-se livremente através dos espaços intercelulares nas camadas metabolicamente ativas da epi-derme ocupadas pelas células espinhosas. Mais para fora, ao nível das células do estrato granuloso, há uma barreira impermeável que se considera ser criada por um material selante secretado pelas células do estrato granuloso. (De R. V. Krstić, Ultrastructure of the Mammalian Cell: an Atlas. Berlin: Springer-Verlag, 1979.)

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As células epidérmicas em diferenciação expressam uma sequência de genes diferentes à medida que amadurecemTendo descrito a imagem estática, vamos agora colocá-la em movimento e ver como a epi-derme é continuamente renovada. Enquanto algumas células basais estão se dividindo, somando-se à população na camada basal, outras (suas irmãs ou primas) estão movendo-se para fora do estrato basal em direção ao estrato espinhoso, realizando a primeira etapa de sua jornada para o exterior. Quando atingem o estrato granuloso, as células começam a per-der seu núcleo e suas organelas citoplasmáticas, por meio de um mecanismo de degradação que envolve ativação parcial da maquinaria de apoptose; desse modo, as células são trans-formadas em células escamosas queratinizadas no estrato córneo. Por fim, elas descamam da superfície da pele (e tornam-se um dos principais constituintes da poeira doméstica). O tempo decorrido desde a produção de uma célula no estrato basal da pele humana até o momento de sua perda por descamação na superfície é de cerca de um mês, dependendo da região do corpo.

Como o novo queratinócito no estrato basal é transformado na célula escamosa nas ca-madas mais externas (ver Figura 23-4), ele passa através de uma sucessão de estados dife-rentes de expressão gênica, sintetizando uma sucessão de membros diferentes das proteínas da família queratina. Entretanto, outras proteínas características, como a involucrina, tam-bém começam a ser sintetizadas como parte de um programa coordenado de diferenciação celular definitiva – o processo no qual uma célula precursora adquire suas características especializadas finais e, em geral, para permanentemente de se dividir. O programa inteiro é iniciado na camada basal. É aqui que os destinos das células são decididos.

Células-tronco na camada basal asseguram a renovação da epidermeOs humanos renovam as camadas mais externas da sua epiderme milhares de vezes durante toda a vida. Na camada basal deve haver células que podem permanecer indiferenciadas e continuar dividindo-se durante toda vida, lançando continuamente descendentes que se comprometem com a diferenciação, deixam a camada basal e, por fim, são descamadas. O processo só pode ser mantido se a população de células basais está se autorrenovando. Por-tanto, ele deve conter algumas células que produzam uma progênie mista, incluindo célu-las-filhas que permanecem indiferenciadas como suas mães, e células-filhas que se diferen-ciam. As células com esta propriedade são chamadas de células-tronco. Elas têm um papel tão importante em uma grande variedade de tecidos que é útil fazer uma definição formal.

As propriedades que definem uma célula-tronco são as seguintes:

1. Ela própria não está diferenciada definitivamente (isto é, ela não está no final de uma via de diferenciação).

2. Ela pode se dividir sem limite (ou ao menos durante o tempo de vida de um animal). 3. Quando se divide, cada célula-filha tem uma alternativa: pode permanecer como

uma célula-tronco, ou pode começar um caminho que a compromete com a dife-renciação definitiva (Figura 23-5).

Células-tronco são necessárias onde quer que haja uma necessidade frequente de repor células diferenciadas que não possam se dividir por si próprias. Parte da definição diz que a própria célula-tronco deve ser capaz de se dividir. Porém deve-se observar que não necessa-riamente ela deva ser capaz de se dividir rapidamente; de fato, as células-tronco se dividem normalmente em uma taxa relativamente lenta.

A necessidade por células-tronco surge em muitos tecidos diferentes. Dessa maneira, as células-tronco são de muitos tipos, especializadas para gerar diferentes classes de células diferenciadas definitivamente – células-tronco epidérmicas para a epiderme, células-tronco intestinais para o epitélio do intestino, células-tronco hemopoiéticas para o sangue, e assim por diante. Contudo, cada sistema de célula-tronco levanta questões fundamentais seme-lhantes. Quais são as características que distinguem a célula-tronco em níveis moleculares?

Célula-tronco

Céluladiferenciadadefinitivamente

AU

TORR

ENO

VAÇ

ÃO

Figura 23-5 A definição de uma célula-tronco. Cada célula-filha produzida quando uma célula-tronco se divide pode permanecer como uma célula-tronco, ou pode vir a tornar-se diferenciada definitivamente. Em muitos casos, a célula-filha que opta pela diferenciação definitiva é submetida a divisões celulares adicionais antes de a diferenciação definitiva estar com-pletada.

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Que fatores determinam se ela se divide ou permanece latente? O que define se uma deter-minada célula-filha se compromete com a diferenciação ou permanece como uma célula--tronco? E quando a célula-tronco pode dar origem a mais de um tipo de célula diferenciada – como muitas vezes é o caso – o que determina qual a via de diferenciação que é seguida?

As duas células-filhas de uma célula-tronco não têm sempreque se tornar diferentesEm uma condição estável, para manter uma população estável de células-tronco, precisa-mente 50% das células-filhas de células-tronco em cada geração celular devem permanecer como células-tronco. Em princípio, isto pode ser realizado de duas maneiras – por meio de assimetria do ambiente ou por meio de assimetria da divisão (Figura 23-6). Na primeira es-tratégia, a divisão de uma célula-tronco poderia produzir duas células-filhas inicialmente semelhantes, cujos destinos seriam dirigidos, subsequentemente, por seu ambiente ou por algum processo aleatório com uma probabilidade adequadamente controlada pelo ambien-te; 50% da população de células-filhas permaneceria como células-tronco, mas as duas filhas de uma determinada célula-tronco na população poderiam frequentemente ter o mesmo destino. No extremo oposto, a divisão da célula-tronco poderia ser sempre rigorosamente assimétrica, produzindo uma célula-filha que herda a qualidade de célula-tronco e outra que herda os fatores que a forçam a entrar em diferenciação. Os neuroblastos do sistema nervoso central da Drosophila, discutidos no Capítulo 22, são um exemplo de células que apresentam este tipo de assimetria da divisão. No entanto, esta estratégia na sua forma estri-ta tem uma desvantagem: significa que as células-tronco existentes podem jamais aumentar seu número, e qualquer perda de células-tronco é irreparável, a menos por recrutamento de algum outro tipo de célula para tornar-se uma célula-tronco. A estratégia de controle por assimetria do ambiente é mais flexível.

Na verdade, se um pedaço de epiderme é destruído, a lesão é reparada pelas células epi-dérmicas vizinhas que migram e proliferam para cobrir a área descoberta. Neste processo, um novo pedaço de epiderme que se autorrenova é formado, implicando que células-tronco adicionais têm que ser produzidas para suprir as que foram perdidas. Estas devem ter sido produzidas por divisões simétricas nas quais uma célula-tronco dá origem a duas. Dessa ma-neira, a população de células-tronco regula seu número para ajustar-se ao nicho disponível.

Observações como essas sugerem que a manutenção do caráter de célula-tronco na epiderme pode ser controlado por contato com a lâmina basal, com uma perda de contato desencadeando o início da diferenciação definitiva, e a manutenção do contato servindo para preservar o potencial de célula-tronco. Esta ideia contém uma certa verdade, mas não é inteiramente verdadeira. Como explicaremos a seguir, nem todas as células na camada basal têm a capacidade para servir como células-tronco.

Figura 23-6 Duas maneiras para uma célula-tronco produzir células-filhas com destinos diferentes. Na estratégia com base em assimetria do ambiente, as células-filhas da célula-tronco são inicialmente semelhantes e são dire-cionadas em vias diferentes, de acordo com as influências do ambiente que atuam sobre elas, após terem sido ge-radas. O ambiente é mostrado como sombreamento colorido em torno da célula. Com esta estratégia, o número de células-tronco pode ser aumentado ou reduzido para ajustar-se ao nicho disponível para elas. Na estratégia com base na assimetria da divisão, a célula--tronco tem uma assimetria interna e se divide de tal maneira que suas duas filhas já estão dotadas de determinan-tes diferentes no momento em que são produzidas. Em alguns casos, a escolha entre destinos alternativos pode ser feita ao acaso para cada célula-filha, mas com uma probabilidade definida, como um “cara ou coroa”, refletindo a aleatoriedade intrínseca ou “ruído” em todos os sistemas de controle genético (discutido no Capítulo 7).

Assimetria da divisão

Céluladiferenciadadefinitivamente

Assimetria do ambiente

Céluladiferenciadadefinitivamente

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A camada basal contém tanto células-tronco como células amplificadoras transitóriasOs queratinócitos basais podem ser dissociados da epiderme intacta e proliferar em placas de cultivo, dando origem a novas células basais e a células diferenciadas definitivas. Mes-mo dentro de uma população de queratinócitos basais em cultivo na qual todos parecem indiferenciados, há grande variação na habilidade de proliferar. Quando queratinócitos hu-manos são tomados um a um e testados quanto a sua habilidade em formar novas colônias, alguns parecem ser totalmente incapazes de se dividir, outros passam somente por alguns poucos ciclos de divisão celular e depois param, e outros ainda se dividem por um número de vezes suficiente para formar grandes colônias. Este potencial proliferativo correlaciona-se diretamente com a expressão da subunidade �1 da integrina, a qual ajuda a mediar a adesão à lâmina basal. Grupos de células com altos níveis dessa molécula são encontrados também na camada basal da epiderme humana intacta e considera-se que sejam formados por células-tronco (Figura 23-7). Ainda não temos marcadores definitivos para as próprias células-tronco, e falaremos mais sobre eles nas próximas seções do capítulo.

Paradoxalmente, muitas senão todas as células da epiderme que dão origem a grandes colônias em cultivo parecem ser células que, elas próprias, em geral raramente dividem-se. Uma linha de evidências surgiu de experimentos em que um pulso de bromodesoxiuridina (BrdU), um análogo da timidina, é dado a animais jovens, nos quais a epiderme está cres-cendo rapidamente, ou a animais maduros após uma lesão que provoca reparo rápido. En-tão, espera-se por muitos dias ou semanas antes da fixação do tecido e a coloração com um anticorpo que reconheça o DNA no qual a BrdU tenha sido incorporada. A BrdU é captada por qualquer célula que esteja em fase S do ciclo de divisão no momento inicial do pul-so. Como é esperado que a BrdU seja diluída à metade a cada divisão celular subsequente, quaisquer células que permaneçam marcadas fortemente no momento da fixação são con-sideradas como tendo sofrido poucas ou nenhuma divisões desde a replicação de seu DNA no momento do pulso. Tais células que conservam marcação podem ser vistas entre células não-marcadas ou levemente marcadas na cama da basal da epiderme mesmo após um pe-ríodo de vários meses, e são vistas em grande número em folículos pilosos, em uma região chamada de dilatação bulbosa ou bulbar (ver Figura 23-2). Procedimentos de marcação en-genhosos indicam que as células que conservam marcação, ao menos no folículo piloso, são na verdade células-tronco: quando um novo ciclo de crescimento do pelo inicia após um pelo velho ter sido perdido, as células que conservam marcação na dilatação bulbar final-mente se dividem e contribuem com as células que vão formar o folículo piloso regenerado.

Diferenciaçãodefinitiva

Diferenciaçãodefinitiva

Células amplificadorastransitórias

Célula em diferenciação

Células-tronco

Tecido conectivo da derme

EPID

ERM

ED

ERM

E

Figura 23-7 A distribuição de células--tronco na epiderme humana e o padrão de produção de células epi-dérmicas. O esquema tem como base amostras nas quais a localização das células-tronco foi identificada por colo-ração para �1 integrina, e a das células diferenciadas, por coloração para quera-tina-10, um marcador de diferenciação de queratinócitos; as células em divisão foram identificadas por marcação com BrdU, um análogo da timidina que é in-corporado em células na fase S do ciclo de divisão celular. As células-tronco pa-recem estar agrupadas perto das pontas das papilas dérmicas. Elas raramente dividem-se, dando origem (por um mo-vimento lateral) a células amplificadoras transitórias, que ocupam as regiões en-tre elas. As células amplificadoras transi-tórias dividem-se frequentemente, mas por um número limitado de ciclos de divisão, ao fim do qual elas começam a se diferenciar e deixam a camada basal. A distribuição precisa das células-tronco e das células amplificadoras transitórias varia de uma região da epiderme para outra. (Adaptada de S. Lowell et al., Curr. Biol. 10:491-500, 2000. Com permissão de Elsevier.)

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Embora não esteja certo que todas as células do folículo piloso tenham este caráter de con-servar marcação, algumas claramente o têm, e o mesmo parece ser verdade para as células--tronco na epiderme interfolicular. Além disso, as células basais que expressam integrina �1 em níveis altos – as células que podem dar origem a grandes colônias em cultivo – raramente são vistas se dividindo.

Misturadas a estas células há outras que se dividem mais frequentemente – mas apenas por um número limitado de ciclos de divisão, depois dos quais elas deixam a camada basal e se diferenciam. Estas últimas células são chamadas de células amplificadoras transitórias – “transitórias” porque estão em trânsito entre o caráter célula-tronco e o caráter diferenciado; “amplificadoras” porque os ciclos de divisão pelos quais elas passam têm o efeito de ampli-ficar o número da progênie diferenciada que resulta de uma única divisão de célula-tronco (Figura 23-8). Desta forma, uma população pequena de células-tronco que se divide apenas raramente pode produzir um suprimento abundante de células diferenciadas novas.

Divisões amplificadoras transitórias são parte da estratégiade controle do crescimentoCélulas amplificadoras transitórias são uma característica comum nos sistemas de células--tronco. Isso significa que na maioria destes sistemas há poucas células-tronco verdadeiras e elas estão misturadas com um número muito maior de células da progênie que têm apenas uma capacidade limitada para se dividir. Como discutido no Capítulo 20, o mesmo parece ser verdadeiro não apenas para a autorrenovação normal de tecidos, mas também para muitos cânceres, onde apenas poucas células na população celular do tumor são capazes de servir como células-tronco tumorais. Por que aconteceria isto? Há várias respostas possíveis, mas uma parte da explicação provavelmente encontra-se na estratégia pela qual animais multice-lulares grandes (como os mamíferos) controlam os tamanhos de suas populações celulares.

As proporções das partes do corpo geralmente são determinadas precocemente, du-rante o desenvolvimento, por meio de sinais que agem sobre distâncias do diâmetro de no máximo poucas centenas de células: para cada órgão ou tecido, um rudimento pequeno ou uma população de células colonizadoras é delimitado desta maneira. As populações de cé-lulas colonizadoras então devem crescer, mas – ao menos em mamíferos – apenas até certo limite definido, no ponto em que elas devem parar.

Uma maneira de deter o crescimento em um certo tamanho é por sinais de feedback (retroalimentação) que agem sobre distâncias muito longas no organismo maduro; veremos que tais sinais, na verdade, desempenham um papel importante no controle do crescimento de pelo menos alguns tecidos. Outra estratégia, no entanto, é dotar cada célula colonizadora

Figura 23-8 Células amplificadoras transitórias. As células-tronco em muitos tecidos se dividem apenas rara-mente, mas dão origem a células am-plificadoras transitórias – células-filhas comprometidas com a diferenciação, que passam por uma série limitada de divisões mais rápidas antes que comple-tem o processo. No exemplo mostrado aqui, cada divisão de célula-tronco dá origem à progênie de oito células dife-renciadas definitivamente.

Célula-tronco

Célulasdiferenciadas

definitivamente

Célulaamplificadora

transitóriacomprometida

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com um programa interno que ordena que ela deva dividir-se um número limitado de vezes e, então, parar. Desta maneira, sinais de alcance curto durante o desenvolvimento podem definir o tamanho de estruturas que ao final são grandes (Figura 23-9). Contudo, se esta é a estratégia, como o tecido adulto pode ser renovado continuamente? Uma solução é espe-cificar as células colonizadoras como células-tronco, capazes de continuar dividindo-se in-definidamente, mas produzindo a cada divisão uma célula-filha que permanece como uma célula-tronco e uma que é programada para passar por um número limitado de divisões amplificadoras transitórias e, então, parar.

Este certamente é um relato muito simples e incompleto do controle do crescimento e da renovação de tecido, mas ajuda a explicar por que células que estão programadas para sofrer sequências longas de divisões celulares e, então, parar são uma característica tão co-mum de desenvolvimento animal e por que a renovação de tecido por meio de células-tron-co envolve tão frequentemente divisões amplificadoras transitórias.

As células-tronco de alguns tecidos conservam seletivamenteas fitas originais do DNAAs células-tronco em muitos tecidos parecem ser células que conservam marcação. Como ex-plicado anteriormente, isto em geral tem sido pressuposto porque, tendo incorporado um mar-cador como a BrdU em seu DNA durante um período de exposição a ela, as células-tronco ra-ramente se dividem, de maneira que a marcação é diluída lentamente apenas por nova síntese de DNA. Entretanto, há outra interpretação possível: independentemente de elas dividirem-se rápida ou lentamente, as células-tronco podem segregar suas fitas de DNA assimetricamente, de tal maneira que em cada divisão, e para cada cromossomo, a fita de DNA específica que foi mar-cada originalmente é conservada na célula-filha que permanece como uma célula-tronco. Essa fita original provavelmente deveria ter adquirido algum tipo de marca especial, designando-a como uma fita célula-tronco e assegurando que ela segregasse assimetricamente, na célula--filha que permanece uma célula-tronco (ver Figura 23-6), juntamente com todas as fitas de DNA marcadas de forma semelhante dos outros cromossomos; dessa forma, as fitas mais ve-lhas marcadas seriam conservadas nas células-tronco de geração celular para geração celular. A marca poderia, por exemplo, ganhar a forma de alguma proteína especial do cinetocoro que permanece associada à fita de DNA mais velha no centrômero de cada cromossomo durante a replicação do DNA e, então, compromete-se com alguma assimetria no fuso mitótico a fim de que a célula-tronco filha receba todos os cromossomos-filhos que carregam a marca. Em cada geração de células-tronco, as mesmas fitas de DNA marcadas originais serviriam, então, como modelos para a produção dos conjuntos novos de fitas de DNA a serem despachados para as células amplificadoras transitórias na geração seguinte (Figura 23-10).

Esta hipótese da “fita imortal” pode parecer difícil de se acreditar, dado que nenhum mecanismo foi identificado ainda para tal marcação e segregação de fitas de DNA individuais. Contudo, há evidências crescentes sugerindo que a hipótese da fita imortal está correta. O músculo (descrito mais adiante neste capítulo) proporciona um exemplo. Quando a BrdU é

Sinais de alcance curtodeterminam populações

de células-troncocolonizadoras durante

o desenvolvimento

Populações de células-tronco colonizadoras permanecempequenas; divisões amplificadoras transitórias as levam

a gerar e renovar uma estrutura adulta grande

Figura 23-9 Uma maneira para definir o tamanho de um órgão grande. No embrião, sinais de alcance curto de-terminam grupos pequenos de células como colonizadoras de populações celulares diferentes. Cada colonizado-ra pode, então, ser programada para dividir-se um certo número de vezes, dando origem a um grande conjunto de células no adulto. Se o órgão adulto está sendo renovado enquanto mantém seu tamanho adequado, as colonizadoras podem ser programadas para dividi-rem-se como células-tronco, dando ori-gem em cada divisão, em média, a uma célula-filha que permanece como uma célula-tronco e outra que é programada para passar por um número fixo de divi-sões amplificadoras transitórias.

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fornecida durante um período de produção de células-tronco musculares e o destino subse-quente das células é seguido à medida que elas dividem-se e proliferam, é possível detectar pequenos clones de células, ou pares de células-filhas, dentro dos quais toda a marcação com BrdU está concentrada em uma única célula, embora todas as células compartilhem a mesma origem comum de uma célula ancestral única que absorveu inicialmente a marcação. Obser-vações semelhantes têm sido apresentadas em estudos de outros tipos de células-tronco e, significativamente, este comportamento não tem sido observado em populações celulares que não contêm células-tronco. A hipótese da fita imortal não explicaria apenas por que as células-tronco conservam indefinidamente o DNA marcado, mas implicaria também que a divisão assimétrica é uma propriedade fundamental de célula-tronco, com a consequência de que qualquer aumento no número de células-tronco deve necessitar de condições espe-ciais para conferir a marca de imortalidade às fitas de DNA adicionais sintetizadas novamen-te. A hipótese da fita imortal foi proposta originalmente nos anos de 1970 como um mecanis-mo para as células-tronco evitarem o acúmulo de mutações promotoras de câncer durante a replicação do DNA. A redução do risco de câncer poderia ser um de seus benefícios.

A taxa de divisão de células-tronco pode aumentar dramaticamente quando células novas são necessárias com urgênciaQualquer que possa ser o mecanismo de manutenção das células-tronco, a utilização de di-visões amplificadoras transitórias traz vários benefícios. Primeiro, significa que o número de células-tronco pode ser pequeno e sua taxa de divisão pode ser baixa, mesmo quando células diferenciadas definitivas têm de ser produzidas rapidamente em grande número. Isso reduz a carga cumulativa de dano genético, uma vez que a maioria das mutações ocorre no decorrer da replicação de DNA e da mitose, e mutações que ocorrem em células que não são células--tronco são eliminadas no processo de renovação do tecido. Assim, a probabilidade de câncer é reduzida. Se a hipótese da fita imortal estiver correta, de maneira que células-tronco sem-pre conservam as fitas de DNA modelo “imortais” originais, o risco é ainda mais reduzido, uma vez que a maioria dos erros de sequências introduzidos durante a replicação do DNA ocorrerá nas fitas novas sintetizadas, as quais as células-tronco finalmente descartam.

Segundo, e talvez mais importante, uma taxa de divisão baixa de células-tronco em circunstâncias normais permite um aumento dramático quando há uma necessidade urgente – por exemplo, a reparação de uma ferida. Então, as células-tronco podem ser

Coloração para DNA

Marcação BrdU10 �m

(A) (B) (C)

Fitas de DNA“imortais” marcadas

Fitas de DNA“imortais” marcadas

REPLICAÇÃO DO DNA

DIVISÃOASSIMÉTRICA

Todas as cromátides queherdam fitas marcadasse juntam através de seuscinetocoros ao mesmopolo do fuso.

Células (comprometidas)amplificadoras transitórias

Célula--tronco

Célula-tronco

Célula--tronco

Figura 23-10 A hipótese da fita imor-tal. (A) Evidência experimental. Aqui, células-tronco de músculo esquelético (membros da população de célula saté-lite de músculo, discutido mais adiante neste capítulo) foram colocadas em cultivo e mantidas durante quatro dias para que se dividissem, em presença de BrdU para marcar as novas fitas de DNA sintetizadas. Então, as células foram mantidas em cultivo por um dia para se dividirem na ausência de BrdU. As foto-grafias mostram um par de células-filhas no final deste processo: uma herdou BrdU, a outra não. Isto implica em que os cromossomos-filhos carregando fitas de DNA sintetizadas durante as divisões celulares que ocorreram na presença de BrdU foram todos herdados por uma célula, enquanto aqueles carregando apenas fitas de DNA preexistentes ou sintetizadas subsequentemente foram herdados pela outra. Este fenômeno, no qual fitas de DNA velhas e novas são distribuídas assimetricamente para cé-lulas-filhas diferentes, é visto apenas em populações celulares que incluem célu-las-tronco. (B) O padrão de herança de fi-tas de DNA em células-tronco de acordo com a hipótese da fita imortal. Uma fita em cada cromossomo na célula-tronco é marcada de alguma forma como a fita imortal, sendo conservada pela célula-tronco filha. (C) Esta fita de DNA original permanece disponível durante todas as gerações de células-tronco subsequen-tes como um modelo para a produção de cromossomos de células amplifi-cadoras transitórias. (A, de V. Shinin, B. Gayraud-Morel, D. Gomès e S. Tajbakhsh, Nat. Cell Biol. 8:677-687, 2006. Com per-missão de Macmillan Publishers Ltd.)

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estimuladas a dividir rapidamente, e os ciclos de divisão adicionais podem tanto ampliar o estoque de células-tronco quanto aumentar abruptamente a produção de células com-prometidas com a diferenciação definitiva. Dessa forma, por exemplo, quando um peda-ço de pele com pelos é cortado, as células-tronco que se dividem lentamente na região bulbosa dos folículos pilosos que sobreviveram próximo à ferida são submetidas a uma proliferação rápida, e algumas células de sua progênie saem como células-tronco novas para formar uma epiderme inter-folicular sadia para cobrir o pedaço ferido da superfície do corpo.

A interação de muitos sinais dirige a renovação da epidermeA renovação celular na epiderme parece um caso simples à primeira vista, mas a simplici-dade é ilusória. Há muitos pontos no processo que têm que ser controlados de acordo com as circunstâncias: a taxa de divisão das células-tronco; a probabilidade de que uma célula--tronco filha permanecerá como célula-tronco; o número de divisões celulares das células amplificadoras transitórias; o momento de saída da camada basal e o tempo que a célula leva para completar seu programa de diferenciação e ser descamada da superfície. A regula-ção dessas etapas deve possibilitar que a epiderme responda à abrasão, tornando-se grossa e calosa, e que repare a si própria, quando ferida. Em regiões especializadas da epiderme, como aquelas que formam os folículos pilosos, com seus próprios subtipos especializados de células-tronco, mais controles ainda são necessários para organizar o padrão local.

Cada um dos pontos de controle tem sua própria importância, e uma grande quantida-de de sinais moleculares é necessária para regular a todos, de modo a manter a superfície do corpo sempre adequadamente coberta. Como sugerimos anteriormente, uma influência importante é o contato com a lâmina basal, sinalizado através de integrinas na membrana plasmática das células. Se os queratinócitos basais cultivados são mantidos em suspensão, em vez de permitir-se que se apoiem e se prendam ao fundo da placa de cultivo, todos pa-ram de se dividir e se diferenciam. Para permanecer como uma célula-tronco epidérmica, aparentemente é necessário (embora não seja o suficiente) que ela esteja ligada à lâmina basal ou à outra matriz extracelular. Esta necessidade ajuda a assegurar que o tamanho da população de células-tronco não aumente sem limites. Caso se aglomerem fora de seu nicho normal sobre a lâmina basal, as células perdem sua qualidade de célula-tronco. Quando esta regra é quebrada, como em alguns cânceres, o resultado pode ser um tumor de crescimento constante.

A maioria dos outros mecanismos de comunicação celular descritos no Capítulo 15 também está envolvida no controle da renovação da epiderme, na sinalização entre as célu-las dentro da epiderme ou na sinalização entre a epiderme e a derme. As vias de sinalização EGF, FGF, Wnt, Hedgehog, Notch, BMP/TGF� e integrina estão envolvidas (e veremos que o mesmo é verdade em muitos outros tecidos). A superativação da via Hedgehog, por exem-plo, pode fazer com que as células da epiderme entrem em divisão após terem deixado a ca-mada basal, e mutações em componentes desta via são responsáveis por muitos cânceres de epiderme. Ao mesmo tempo, a sinalização Hedgehog ajuda a orientar a escolha do caminho de diferenciação: uma falta de sinalização Hedgehog leva à perda de glândulas sebáceas, enquanto um excesso pode fazer com que glândulas sebáceas se desenvolvam em regiões onde elas nunca se formariam normalmente. De maneira semelhante, a perda da sinaliza-ção Wnt leva à falha no desenvolvimento do folículo piloso, enquanto a ativação excessiva desta via faz com que folículos pilosos extras se formem e cresçam excessivamente até que deem origem a tumores.

A sinalização Notch, ao contrário, parece limitar o tamanho da população de células--tronco, inibindo células-tronco próximas a permanecerem como células-tronco e fazendo com que elas se tornem células amplificadoras transitórias. A TGF� tem uma função-chave em sinalização para a derme durante o reparo de ferimentos na pele, promovendo a forma-ção de tecido cicatricial rico em colágeno. As funções individuais precisas de todos os vários mecanismos de sinalização na epiderme estão apenas começando a ser desvendadas.

A glândula mamária sofre ciclos de desenvolvimento e de regressãoEm regiões especializadas da superfície do corpo, vários outros tipos de células desenvol-vem-se a partir da epiderme embrionária. Particularmente, secreções como suor, lágrimas,

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saliva e leite são produzidas por células segregadas em glândulas situadas mais profunda-mente que se originam como invaginações da epiderme. Essas estruturas epiteliais têm fun-ções e padrões de regeneração bastante diferentes daqueles das regiões queratinizadas.

As glândulas mamárias são os maiores e mais notáveis desses órgãos secretores. Elas são a característica que define os mamíferos e são um assunto importante por muitos mo-tivos: não servem apenas para o sustento de bebês e atração do sexo oposto, mas também como a base para uma grande indústria – a indústria leiteira – e como o local de algumas das formas mais comuns de câncer. O tecido mamário ilustra de forma dramática que os proces-sos de desenvolvimento continuam no organismo adulto, mostrando também como a morte celular por apoptose permite ciclos de crescimento e regressão.

A produção de leite deve ser ativada quando um bebê nasce e desligada quando o bebê é desmamado. Durante a gestação, as células produtoras da fábrica de leite são produzidas; no desmame, elas são destruídas. Uma glândula mamária adulta “em repouso” consiste em sistemas de ductos ramificados imersos em tecido conectivo adiposo; esta é a futura rede de tubos que conduzirá o leite até o mamilo. Os ductos são revestidos com um epitélio que inclui células-tronco mamárias. Estas células-tronco podem ser identificadas por um teste funcional, no qual as células do tecido mamário são dissociadas, selecionadas de acordo com os marcadores de superfície celular que elas expressam e transplantadas de volta para um tecido hospedeiro adequado (um bloco de gordura mamária). Este ensaio revela que um subgrupo pequeno do total de células epiteliais tem o potencial de célula-tronco. Uma úni-ca destas células, estimada em cerca de uma em 5.000 da população epitelial mamária to-tal, mas mais concentrada dentro de uma população que expressa certos marcadores, pode proliferar indefinidamente e dar origem a uma glândula mamária completa com todos os seus tipos celulares epiteliais. Esta glândula reconstituída é capaz de prosseguir pelo pro-grama de diferenciação completo necessário à produção de leite. Na primeira etapa que leva à produção do leite, os hormônios esteroides que circulam durante a gestação (estrógeno e progesterona) promovem a proliferação das células do ducto, aumentando seu número em várias centenas de vezes. Em um processo que depende da ativação local da via Wnt, as re-giões terminais dos ductos crescem e se ramificam, formando pequenas bolsas dilatadas, ou

Glândula virgemou em repouso

Gestação

Lactação

Ducto

(A)

Alvéolos dilatadoscom leite

Célulaalveolar

(B)

Célulamioepitelial

Aparelhode Golgi

Lâmina basal

Processos dascélulas mioepiteliais 10 �m

(C)

Leite liberado dentrodo ducto

Grânulo secretor deproteína do leite

Gotícula degordurado leite

Figura 23-11 A glândula mamária. (A) O crescimento dos alvéolos a partir dos ductos da glândula mamária durante a gestação e a lactação. Somente uma parte pequena da glândula é mostrada. A glândula “em repouso” contém uma quantidade pequena de tecido glandu-lar inativo imerso em uma grande quan-tidade de tecido conectivo adiposo. Durante a gestação ocorre uma enorme proliferação do tecido glandular às custas do tecido conectivo adiposo, com as porções secretoras da glândula se desenvolvendo preferencialmente para criar alvéolos. (B) Um dos alvéolos secretores de leite com a rede de células mioepiteliais contráteis (verde) envol-vendo-o (ver também Figura 23-47E). (C) Um único tipo de célula alveolar secretora produz tanto as proteínas como a gordura do leite. As proteínas são secretadas da maneira normal por exocitose, enquanto a gordura é liberada como gotículas envolvidas por membrana plasmática que se destacam da célula. (B, após R. Krstić, Die Gewebe des Menschen und der Säugetiere. Ber-lin: Springer-Verlag, 1978; C, de D.W. Fa-wcett, A Textbook of Histology, 12th ed. New York: Chapman and Hall, 1994.)

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alvéolos, contendo células secretoras (Figura 23-11). A secreção do leite começa somente quando estas células são estimuladas pela combinação de diferentes hormônios circulan-tes no sangue da mãe após o nascimento do bebê, especialmente a prolactina da glândula hipófise (ou pituitária). A prolactina liga-se a receptores sobre a superfície das células epi-teliais mamárias e, por isso, ativa uma via que ativa a expressão de genes de proteínas do leite. Como na epiderme, sinais da matriz extracelular, mediados por integrinas, também são essenciais: as células produtoras de leite só podem responder à prolactina se elas também estiverem em contato com a lâmina basal. Um outro nível de controle hormonal comanda a real ejeção do leite da mama: o estímulo de sucção faz com que as células do hipotálamo (no cérebro) liberem o hormônio ocitocina, que percorre a corrente sanguínea para agir sobre células mioepiteliais. Estas células musculares se originam da mesma população precursora epitelial das células secretoras da mama e têm uma teia de processos longos que envolvem os alvéolos. Em resposta à ocitocina, elas contraem, esguichando o leite dos alvéolos para dentro dos ductos.

Por fim, quando o bebê é desmamado e a amamentação cessa, as células secretoras morrem por apoptose, e a maior parte dos alvéolos desaparece. Rapidamente, os macrófa-gos fagocitam as células mortas, metaloproteinases da matriz degradam a matriz extrace-lular excedente e a glândula reverte ao seu estado de repouso. Esta finalização da lactação parece ser induzida pelo acúmulo de leite, ao invés de por um mecanismo hormonal. Se um grupo de ductos mamários é obstruído de modo que nenhum leite possa ser expelido, as células secretoras que o abastecem cometem suicídio em massa por apoptose, enquanto outras regiões da glândula sobrevivem e continuam a funcionar. A apoptose é desencadeada por uma combinação complexa de fatores que se acumulam onde a secreção de leite está bloqueada.

A divisão celular na glândula mamária em crescimento é regulada não somente por hormônios, mas também por sinais locais que passam entre as células dentro do epitélio e entre as células epiteliais e o tecido conectivo, ou estroma, no qual as células epiteliais estão infiltradas. Todos os sinais listados anteriormente como importantes no controle da renovação celular na epiderme também estão implicados em eventos que os controlam na glândula mamária. Novamente, os sinais liberados via integrinas desempenham um papel crucial: privadas das adesões de lâmina basal que ativam a sinalização por integrinas, as células epiteliais deixam de responder normalmente aos sinais hormonais. As falhas nesses sistemas de controle interativos são a base de algumas das formas mais comuns de câncer, e precisamos entendê-las melhor.

ResumoA pele consiste em um tecido conectivo resistente, a derme, revestido por um epitélio estratificado impermeável, a epiderme. A epiderme é continuamente renovada a partir de células-tronco, com um tempo de renovação, em humanos, de cerca de um mês. Por definição, as células-tronco não estão diferenciadas definitivamente e têm a capacidade de se dividir ao longo do tempo de vida do organismo, produzindo algumas células-filhas que se diferenciam e outras que permanecem como células-tronco. As células-tronco da epiderme encontram-se na camada basal, presas à lâmina ba-sal; sob condições normais, sua taxa de divisão é baixa. A progênie que se torna comprometida com a diferenciação passa por várias divisões amplificadoras transitórias rápidas na camada basal e, então, para de se dividir e desloca-se em direção à superfície da pele. Essas células diferenciam-se progressivamente, trocando da expressão de um grupo de queratinas para a expressão de outras até que, finalmente, seus núcleos degeneram, produzindo uma camada externa de células queratiniza-das mortas que são continuamente descamadas da superfície.

O destino das filhas de uma célula-tronco é controlado por interações com a lâmina basal, me-diadas por integrinas e por sinais das células vizinhas. Alguns tipos de células-tronco também po-dem ser programados internamente para se dividir assimetricamente de maneira a criar uma filha com característica de célula-tronco e uma filha comprometida com a diferenciação final; isso pode envolver segregação seletiva de fitas de DNA modelo “imortais” originais dentro da célula-tronco fi-lha. Entretanto, os controles ambientais permitem que duas células-tronco sejam produzidas a partir de uma durante processos de reparo de ferimentos e podem desencadear etapas de aumentos na taxa de divisão de células-tronco. Fatores como as proteínas-sinal Wnt e Hedgehog regulam não somente a taxa de proliferação celular de acordo com o necessário, mas também podem dirigir a especializa-

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ção de células epidérmicas para formar estruturas como folículos pilosos e glândulas sebáceas. Estes e outros órgãos ligados à epiderme, como as glândulas mamárias, têm suas próprias células-tronco e seu próprio padrão distinto de renovação celular. Nas mamas, por exemplo, os hormônios circu-lantes estimulam as células a proliferar, diferenciar-se e produzir leite; o término da amamentação desencadeia a morte por apoptose das células secretoras de leite, em resposta a uma combinação de fatores que se formam quando o leite deixa de ser drenado.

EPITÉLIO SENSORIALNós sentimos os odores, os sons e as imagens do mundo externo por meio de uma outra clas-se de especializações do epitélio que cobre a superfície de nosso corpo. Os tecidos sensoriais do nariz, dos ouvidos e dos olhos – e, na realidade, se observarmos a origem dos tecidos no embrião, os do sistema nervoso central inteiro – todos surgem do mesmo folheto de células, o ectoderma, que dá origem à epiderme. Essas estruturas têm várias características em co-mum, e seu desenvolvimento é comandado por sistemas de genes afins (discutido no Capí-tulo 22). Todas conservam uma organização epitelial, mas que é muito diferente daquela da epiderme ou das glândulas derivadas dela.

O nariz, o ouvido e o olho são órgãos complexos, com dispositivos elaborados para cole-tar sinais do meio externo e distribuí-los, filtrados e concentrados, para o epitélio sensorial, onde podem atuar sobre o sistema nervoso. O epitélio sensorial em cada órgão é o compo-nente-chave, embora seja pequeno em relação a todo o aparelho auxiliar. Ele é a parte que tem sido mais altamente conservada durante a evolução, não apenas de um vertebrado para outro, mas também entre vertebrados e invertebrados.

Dentro de cada epitélio sensorial encontram-se células sensoriais que atuam como transdutores, convertendo sinais do meio externo em um potencial elétrico que o sistema nervoso pode interpretar. No nariz, os transdutores sensoriais são neurônios sensoriais ol-fatórios; no ouvido, células pilosas auditivas; e no olho, fotorreceptores. Todos esses tipos celulares são neurônios ou células semelhantes a neurônios (células neuroepiteliais). Cada um possui em sua extremidade apical uma estrutura especializada que detecta o estímulo externo e o converte em uma modificação no potencial de membrana. Em sua extremidade basal, cada um faz sinapses com neurônios que retransmitem a informação sensorial para locais específicos no cérebro.

Os neurônios sensoriais olfatórios são continuamente substituídosNo epitélio olfatório do nariz (Figura 23-12A), um subgrupo de células epiteliais se diferen-cia como neurônios sensoriais olfatórios. Essas células têm cílios imóveis, modificados na sua superfície livre (ver Figura 15-46), contendo proteínas receptoras de odor, e um único axônio que se estende de sua extremidade basal em direção ao cérebro (Figura 23-12B). Cé-lulas de sustentação que se estendem pelo epitélio engrossado e têm propriedades seme-lhantes àquelas das células da glia no sistema nervoso central mantêm os neurônios no lugar

Figura 23-12 Epitélio olfatório e neurônios olfatórios. (A) O epitélio olfatório consiste em células de susten-tação, em células basais e em neurônios sensoriais olfatórios. As células basais são as células-tronco para a produção de neurônios olfatórios. Seis a oito cílios modificados se projetam do ápice do neurônio olfatório e contêm os recep-tores de odor. (B) Esta fotomicrografia mostra neurônios olfatórios no nariz de um camundongo geneticamente modi-ficado no qual o gene LacZ foi inserido no lócus de um receptor de odor; assim, todas as células que normalmente expressariam este receptor específico agora também produzem a enzima �-galactosidase. A �-galactosidase é detectada pelo produto azul da reação enzimática que ela catalisa. Os corpos celulares (azul-escuro) dos neurônios olfatórios marcados, que se encontram dispersos no epitélio olfatório, enviam seus axônios (azul-claro) em direção ao cérebro (fora do desenho à direita). (C) Um corte transversal dos bulbos olfa-tórios esquerdo e direito, corados para �-galactosidase. Os axônios de todos os neurônios olfatórios que expressam o mesmo receptor de odor convergem para os mesmos glomérulos (setas vermelhas) localizados simetricamente dentro dos bulbos nos lados direito e esquerdo do cérebro. Outros gloméru-los (não-corados) recebem seus impul-sos de neurônios olfatórios que expres-sam outros receptores de odor. (B e C, de P. Mombaerts et al., Cell 87:675-686, 1996. Com permissão de Elsevier.)

Cílios modificados

Neurônio olfatório

Célula de sustentação

Axônio (para o cérebro)

(A)

(B) (C)

Célula basal(célula-tronco)

200 �m 500 �m

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e separados uns dos outros. As superfícies sensoriais são mantidas úmidas e protegidas por uma camada de fluido secretado por células sequestradas em glândulas que se comunicam com a superfície exposta. Entretanto, mesmo com esta proteção, cada neurônio olfatório sobrevive apenas por um mês ou dois e, assim, uma terceira classe de células – as células basais – está presente no epitélio para produzir substitutos para os neurônios olfatórios que são perdidos. A população de células basais, situadas em contato com a lâmina basal, inclui células-tronco para a produção dos neurônios.

Como foi discutido no Capítulo 15, o genoma contém um número extraordinariamente grande de genes de receptores de odor – cerca de 1.000 em um camundongo ou um cão, e cerca de 350 (mais muitos outros que estão degenerados e não-funcionais) em um humano. Cada neurônio olfatório expressa, muito provavelmente, apenas um desses genes, habilitan-do a célula a responder a uma classe específica de odores (geralmente moléculas orgânicas pequenas) que compartilham alguma característica estrutural que a proteína receptora de odor reconheça. Contudo, não importa qual seja o odor, cada neurônio olfatório responde da mesma forma – ele envia uma série de potenciais de ação ao longo do seu axônio para o cérebro. Essa sensibilidade discriminadora de um neurônio olfatório individual, portan-to, só é útil se o seu axônio envia sua mensagem ao centro específico de retransmissão no cérebro que é dedicado à gama específica de odores que o neurônio sente. Esses centros de retransmissão são chamados de glomérulos. Estão localizados em estruturas chamadas de bulbos olfatórios (um de cada lado do cérebro), com cerca de 1.800 glomérulos em cada bulbo (no camundongo). Os neurônios olfatórios que expressam o mesmo receptor de odor estão dispersos por todo o epitélio olfatório, mas todos os seus axônios convergem para o mesmo glomérulo (Figura 23-12C). À medida que novos neurônios olfatórios são produzi-dos, substituindo aqueles que morrem, eles devem por sua vez enviar seus axônios para o glomérulo certo. Assim, as proteínas receptoras de odor têm uma segunda função: direcio-nam as extremidades em crescimento dos novos axônios ao longo do caminho específico para os glomérulos-alvo apropriados nos bulbos olfatórios. Se não fosse pelo funcionamento contínuo deste sistema de orientação, em um mês uma rosa poderia cheirar como um limão e, no próximo, como um peixe podre.

As células pilosas auditivas têm de durar a vida todaO epitélio sensorial responsável pela audição está organizado da forma mais precisa e mi-nuciosa entre todos os tecidos no corpo (Figura 23-13). Suas células sensoriais, as células pilosas auditivas, estão retidas em uma estrutura rígida de células de sustentação e cobertas por uma massa de matriz extracelular (a membrana tectória), em uma estrutura chamada de órgão de Corti. As células pilosas convertem estímulos mecânicos em sinais elétricos. Cada uma tem um arranjo característico em forma de órgão de tubos de microvilosidades gigan-tes (chamadas de estereocílios) que se sobressaem de sua superfície como bastões rígidos, preenchidos com uma trama de filamentos de actina, e dispostos em fileiras por ordem de altura. As dimensões de cada uma destas fileiras são especificadas com uma exatidão extra-ordinária, de acordo com a localização da célula pilosa no ouvido e a frequência de som à qual ela tem que responder. As vibrações sonoras balançam o órgão de Corti, fazendo o feixe de estereocílios inclinar (Figura 23-14) e, mecanicamente, abrir ou fechar canais de íons na

Membrana basilar Fibras do nervo

Células de sustentação Membrana tectória

(A)

Estereocílios

(B)

Célulaspilosas externas

Célula pilosainterna

5 �m

Figura 23-13 Células pilosas auditi-vas. (A) Um corte transversal esquemá-tico do aparelho auditivo (o órgão de Corti) no ouvido interno de um mamí-fero mostra as células pilosas auditivas sustentadas em uma elaborada estru-tura epitelial de células de sustentação e cobertas por uma massa de matriz extracelular (a membrana tectória). O epitélio que contém as células pilosas assenta-se sobre a membrana basilar – um folheto de tecido fino e elástico que forma um tabique longo e estreito de separação entre dois canais preenchi-dos de fluido. O som provoca ondas de pressão nestes canais e faz a membrana basilar vibrar para cima e para baixo. (B) Esta eletromicrografia de varredura mostra a superfície apical de uma célula pilosa auditiva externa, com o arranjo característico em forma de órgão de tubos de microvilosidades gigantes (estereocílios). As células pilosas inter-nas, das quais há somente 3.500 em cada ouvido humano, são os principais receptores auditivos. Acredita-se que as células pilosas externas, aproxima-damente quatro vezes mais numerosas, formem parte de um mecanismo de retroalimentação que regula o estímulo mecânico liberado para as células pi-losas internas. (B, de J. D. Pickles, Prog. Neurobiol. 24:1-42, 1985. Com permis-são de Elsevier.)

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membrana dos estereocílios (Figura 23-15). O fluxo de cargas elétricas transportado para dentro da célula pelos íons altera o potencial de membrana e, desse modo, controla a libe-ração de neurotransmissores na porção basal da célula, onde a célula faz sinapse com uma terminação nervosa.

Figura 23-14 Como um movimento relativo da matriz extracelular que recobre os estereocílios (a membrana tectória) inclina os estereocílios das células pilosas auditivas no órgão de Corti, no ouvido interno de um mamí-fero. Os estereocílios comportam-se como bastões rígidos, dobráveis na base e formando um feixe nas pontas.

SOM CAUSAVIBRAÇÃO DAMEMBRANABASILAR

Membrana tectória

Membrana basilar

Estereocílios

(B)(A)

Canalfechado

Canalaberto

FEIXE NÃO--INCLINADO

FEIXEINCLINADO

100 nm

Figura 23-15 Como funciona uma célula pilosa sensorial. (A) A célula funciona como um transdutor, gerando um sinal elétrico em resposta às vibrações sonoras que balançam o órgão de Corti e, assim, fazem os estereocílios inclinarem-se. Um filamento fino passa mais ou menos verticalmente por cima da ponta de cada estereocílio menor para ligá-lo a um ponto mais elevado em seu vizinho adjacente mais alto. A inclinação do feixe faz tensão sobre os filamentos, que distendem mecanicamente o “portão” dos canais de íons na membrana dos estereocílios. A abertura desses canais permite um influxo de carga positiva, despolari-zando a célula pilosa. (B) Uma eletromicrografia dos filamentos que se estendem do alto de dois estereocílios. Cada filamento consiste, ao menos em parte, em membros de moléculas de adesão célula-célula da superfamília das caderinas. Indivíduos mu-tantes que carecem destas caderinas específicas não têm os filamentos e são surdos.

Por medidas automáticas extraordinariamente delicadas, correlacionadas a registros elétricos de uma única célula pilosa quan-do o feixe de estereocílios é desviado pelo toque com uma sonda de vidro flexível, é possível detectar um “ceder” extra do feixe, produzido mecanicamente pela força aplicada, e os canais puxados são abertos. Dessa maneira, pode ser mostrado que a força ne-cessária para abrir um único desses canais hipotéticos é de cerca de 2 × 10–13 newtons e que seu “portão” se move a uma distância de cerca de 4 nm quando ele se abre. O mecanismo é espantosamente sensível: calcula-se que os sons mais fracos que podemos ouvir estendem os filamentos por uma média de 0,04 nm, o que está quase abaixo da metade do diâmetro de um átomo de hidro-gênio. (B, de B. Kachar et al., Proc. Natl. Acad. Sci. U.S.A. 97:13336-13341, 2000. Com permissão da National Academy of Sciences.)

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Nos humanos e em outros mamíferos, as células pilosas auditivas, ao contrário dos neu-rônios olfatórios, têm que durar a vida toda. Caso sejam destruídas por doenças, toxinas ou ruído excessivamente alto, elas não são regeneradas, e a perda de audição resultante é per-manente. Porém, em outros vertebrados, quando células pilosas auditivas são destruídas, as células de sustentação são acionadas para que se dividam e comportem-se como células--tronco, gerando uma progênie de células que podem se diferenciar como substitutas das células pilosas que foram perdidas. Com melhor compreensão de como este processo de regeneração é regulado, um dia poderemos ser capazes de induzir o epitélio auditivo a se recuperar por si próprio também em humanos.

Até aqui, é conhecido um tratamento que pode produzir a regeneração parcial das cé-lulas pilosas auditivas em um mamífero adulto. A técnica utiliza um vírus (um adenovírus) construído para conter uma cópia do gene Atoh1, que codifica para uma proteína reguladora de gene conhecida por guiar a diferenciação de células pilosas durante o desenvolvimento. Porquinhos da Índia que foram ensurdecidos por exposição a uma toxina que destrói células pilosas podem ser tratados por injeções com esta construção viral dentro do ouvido lesio-nado. Então, muitas das células de sustentação sobreviventes tornam-se infectadas com a construção viral e expressam Atoh1. Isto as converte em células pilosas funcionais, e o ani-mal recupera parcialmente sua audição no ouvido tratado.

A maioria das células permanentes renova suas partes:as células fotorreceptoras da retinaA retina neural é o mais complexo dos epitélios sensoriais. Ela consiste em várias camadas de células organizadas de uma maneira que parece insensata. Os neurônios que transmitem si-nais do olho para o cérebro (chamados de células ganglionares da retina) encontram-se mais próximos do mundo externo, de modo que a luz, focada pela lente, deve passar através deles para atingir as células fotorreceptoras. Os fotorreceptores, que são classificados como cones ou bastonetes, de acordo com sua forma, ficam com suas extremidades fotorreceptoras, ou segmentos externos, parcialmente embutidas no epitélio pigmentar (Figura 23-16). Os basto-netes e os cones contêm diferentes pigmentos visuais – complexos fotossensíveis da proteína opsina com molécula retinal, uma molécula pequena que absorve luz. Os bastonetes, nos

Figura 23-16 A estrutura da reti-na. Quando a luz estimula os fotorre-ceptores, o sinal elétrico resultante é retransmitido via interneurônios para as células ganglionares, que, então, transportam o sinal para o cérebro. Uma população de células de sustentação especializadas (não-mostradas aqui) ocupa os espaços entre os neurônios e os fotorreceptores na retina nervosa. (Modificada de J. E. Dowling e B. B. Boycott, Proc. R. Soc. Lond. B Biol. Sci. 166:80-111, 1966. Com permissão da Royal Society.)

Axôniosprojetando-separa o cérebro

Célula ganglionar(neurônio)

Interneurônios

Cam

ada

nerv

osa

da re

tina

Bastonetefotorreceptor

Conefotorreceptor

Células doepitéliopigmentar

Luz incidente

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quais o pigmento visual é chamado de rodopsina, são especialmente sensíveis a níveis baixos de luz, enquanto os cones (dos quais há três tipos em humanos, cada um com uma opsina di-ferente, originando uma resposta de espectro diferente) detectam cores e detalhes precisos.

O segmento externo de um fotorreceptor parece ser um cílio modificado com um arran-jo de microtúbulos característico de cílio na região conectando o segmento externo ao resto da célula (Figura 23-17). O restante do segmento externo está quase inteiramente preen-chido com uma pilha densa de membranas (discos membranosos) na qual os complexos fotossensíveis estão embebidos; a luz absorvida aqui produz uma resposta elétrica, como discutido no Capítulo 15. Em suas extremidades opostas, os fotorreceptores formam sinap-ses em interneurônios, os quais retransmitem o sinal para as células ganglionares da retina (ver Figura 23-16).

Nos humanos, os fotorreceptores, como as células pilosas auditivas humanas, são cé-lulas permanentes que não se dividem e não são substituídas se destruídas por doenças ou por raio laser mal-direcionado. Entretanto, as moléculas fotossensíveis de pigmento visual não são permanentes, mas são continuamente degradadas e substituídas. Nos bastonetes (embora, curiosamente, não nos cones), esta renovação está organizada em uma linha de produção ordenada, que pode ser analisada seguindo a passagem de moléculas de proteína marcadas radiativamente através da célula, após um pulso breve de aminoácido radiativo (Figura 23-18). As proteínas marcadas radiativamente podem ser seguidas desde o aparelho de Golgi, no segmento interno da célula, até a base da pilha de discos membranosos no seg-mento externo. Daí elas são gradualmente deslocadas em direção à extremidade apical, na forma de material novo que é incorporado na base da pilha de discos. Por fim (após cerca de dez dias, no rato), quando alcançam a extremidade apical do segmento externo, as proteínas marcadas e as camadas de membrana nas quais elas estão embebidas são fagocitadas (cap-tadas e digeridas) pelas células do epitélio pigmentar.

Este exemplo ilustra um ponto geral: mesmo que células individuais de certos tipos ce-lulares persistam, pouco do organismo adulto consiste nas mesmas moléculas que foram estabelecidas no embrião.

ResumoA maioria das células receptoras sensoriais, como as células da epiderme e as células nervosas, de-riva do epitélio que forma a superfície externa do embrião. Elas convertem estímulos externos em sinais elétricos, que elas retransmitem para neurônios por meio de sinapses químicas. As células receptoras olfatórias no nariz são neurônios treinados, que enviam seus axônios para o cérebro. Elas têm um tempo de vida de apenas um ou dois meses, e são continuamente substituídas por

Segmentoexterno

Segmentointerno

Discos demembranafotorreceptora

Membranaplasmática

Cílio deconexão

Núcleo

Região sináptica

Figura 23-17 Um bastonete fotorre-ceptor.

Figura 23-18 Renovação de proteína de membrana em um bastonete. Após um pulso de H3-leucina, a passagem de proteínas marcadas radiativamente através da célula é acompanhada por autorradiografia. Os pontos vermelhos indicam locais de radiatividade. O mé-todo revela somente a H3-leucina que tenha sido incorporada em proteínas; o restante é retirado por lavagem durante a preparação do tecido. (1) A leucina in-corporada é vista primeiro, concentrada nas vizinhanças do aparelho de Golgi. (2) Daí ela passa para a base do segmen-to externo em um disco de membrana fotorreceptora recém-sintetizado. (3-5) Novos discos são formados em uma taxa de três ou quatro por hora (em um ma-mífero), deslocando os discos mais ve-lhos em direção ao epitélio pigmentar.1 2 3 4 5

Célula do epitélio pigmentar

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novas células derivadas de células-tronco no epitélio olfatório. Cada neurônio olfatório expressa apenas uma das centenas de diferentes proteínas olfatórias receptoras para as quais existem genes no genoma, e os axônios de todos os neurônios olfatórios que expressam a mesma proteína recepto-ra navegam para os mesmos glomérulos nos bulbos olfatórios do cérebro.

As células pilosas auditivas – as células receptoras do som – ao contrário das células receptoras olfatórias, têm que durar por toda a vida, pelo menos em mamíferos, embora a expressão artifi-cial de um gene de diferenciação de células pilosas, Atoh1, possa converter células de sustentação funcionais em células pilosas no local onde estas células tenham sido destruídas. As células pilosas não têm axônios, mas fazem contato sináptico com terminações de nervos no epitélio auditivo. Elas têm esse nome em função do feixe de estereocílios (microvilosidades gigantes) semelhantes a pelos sobre a sua superfície externa. As vibrações sonoras inclinam o feixe, distendendo mecanicamente os “portões” de canais de íon sobre os estereocílios em uma configuração aberta para excitar eletri-camente a célula.

As células fotorreceptoras na retina do olho absorvem fótons em moléculas de pigmento visual (proteína opsina mais retinal) mantidas em pilhas de discos membranosos nos segmentos externos dos fotorreceptores, disparando uma excitação elétrica pela via mais indireta de sinalização in-tracelular. Embora as células fotorreceptoras sejam elas próprias permanentes e insubstituíveis, os discos membranosos ricos em opsina que elas contêm sofrem renovação contínua.

AS VIAS AÉREAS E O INTESTINOOs exemplos que discutimos até agora representam uma pequena seleção de tipos de teci-dos e de células que derivam do folheto externo do embrião – o ectoderma. Entretanto, eles são suficientes para ilustrar o quão diferentes estas células podem ser com relação à forma, à função, ao modo de vida e ao padrão de substituição. O folheto mais interno do embrião – o endoderma, que forma o tubo digestivo primitivo – dá origem a outra população inteira de tipos celulares que revestem o sistema digestivo e seus órgãos acessórios. Começamos com os pulmões.

Os tipos celulares adjacentes colaboram nos alvéolos dos pulmõesAs vias aéreas dos pulmões são formadas por ramificações repetidas de um sistema de tubos que se originam no embrião de uma evaginação em forma de bolsa (divertículo) do revesti-mento do intestino, como discutido no Capítulo 22 (ver Figura 22-92). As repetidas fileiras de ramificações terminam em várias centenas de milhares de sacos cheios de ar – os alvéolos. Os alvéolos têm paredes finas, intimamente justapostas às paredes dos capilares sanguíneos, de modo a permitir a troca de O2 e de CO2 com a corrente sanguínea (Figura 23-19).

Para sobreviver, as células que revestem os alvéolos devem permanecer úmidas. Ao mesmo tempo, elas devem servir como um balão de gás que pode expandir e contrair a cada inspirar e expirar. Isso cria um problema. Quando duas superfícies molhadas se tocam, elas tornam-se aderidas uma à outra pela tensão na superfície da camada de água entre elas – um efeito que exerce influência mais forte quanto menor a proporção da estrutura. Portanto, há um risco de que os alvéolos possam colapsar e ser impossível reexpandirem. Para solucionar o problema, dois tipos de células estão presentes no revestimento dos alvéolos. As células alveolares tipo I (ou pneumócitos tipo I) recobrem a maior parte da parede: elas são delgadas e planas (pavimentosas) para permitir a troca gasosa. As células alveolares tipo II (ou pneu-mócitos tipo II) estão distribuídas entre elas; estas são cúbicas e secretam surfactante, um material rico em fosfolipídeo, que forma um filme de interface sobre as superfícies de água livre e reduz a tensão superficial, tornando fácil a reexpansão dos alvéolos, mesmo que eles colapsem. A produção de quantidades adequadas de surfactante no feto, que inicia em torno dos cinco meses de gestação nos humanos, marca o início da possibilidade de vida indepen-dente. Os bebês prematuros que nascem antes desse estágio são incapazes de encher seus pulmões de ar e respirar; aqueles que nascem depois disso podem fazê-lo e, com cuidados intensivos, podem sobreviver.

Células caliciformes, células ciliadas e macrófagos colaborampara manter as vias aéreas limpasNas vias aéreas superiores encontramos diferentes combinações de tipos celulares, que ser-vem a diferentes propósitos. O ar que respiramos está cheio de poeira, sujeira e micro-orga-

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nismos em suspensão. Para manter os pulmões limpos e saudáveis, esses materiais devem ser removidos constantemente. Para desempenhar essa tarefa, um epitélio respiratório rela-tivamente espesso reveste as vias aéreas mais amplas (Figura 23-20). Este epitélio consiste em três tipos celulares diferenciados: células caliciformes (assim chamadas por causa de sua forma), que secretam muco; células ciliadas, com cílios móveis; e um pequeno número de células endócrinas, que secretam serotonina e peptídeos que atuam como mediadores lo-cais. Estas moléculas-sinal afetam terminações nervosas e outras células vizinhas no trato respiratório, de modo a ajudar na regulação da taxa de secreção de muco e batimento ciliar, na contração das células musculares circundantes que podem fazer a constrição das vias aé-reas, e em outras funções. As células basais também estão presentes e servem como células--tronco para a renovação do epitélio.

O muco secretado pelas células caliciformes forma uma cobertura visco-elástica de cerca de 5 �m de espessura sobre a porção superior dos cílios. Os cílios, todos batendo na mesma direção, a uma taxa de cerca de 12 batimentos por segundo, removem o muco dos pulmões, levando consigo os detritos que tenham ficado aderidos a ele. Esta esteira rolante para a remoção de lixo dos pulmões é chamada de escada rolante mucociliar. Com certe-za, algumas partículas inaladas podem atingir os alvéolos, onde não há esta escada rolante. Aqui, o material indesejado é removido por uma outra classe de células especializadas, os macrófagos, que percorrem os pulmões, fagocitando materiais estranhos e matando e dige-rindo bactérias. Muitos milhões de macrófagos, carregados com detritos, são removidos dos pulmões a cada hora na escada rolante mucociliar.

Na extremidade superior do sistema respiratório, o epitélio respiratório úmido coberto de muco passa abruptamente a epitélio pavimentoso estratificado. Este folheto celular está estruturado para resistência mecânica e proteção e, como a epiderme, ele consiste em mui-tas camadas de células achatadas, densamente envoltas por queratina. Difere da epiderme porque é mantido úmido, e suas células retêm os núcleos, mesmo nas camadas mais exter-nas. Limites abruptos de especializações celulares epiteliais, como aqueles entre a mucosa e o epitélio pavimentoso estratificado do trato respiratório, também são encontrados em ou-tras partes do corpo, mas pouco se sabe sobre como eles são criados e mantidos.

Figura 22-19 Alvéolos no pulmão. (A) Eletromicrografia de varredura em baixa magnitude, mostrando a textura es-ponjosa criada pelos inúmeros alvéolos cheios de ar. Um bronquíolo (via aérea tubular pequena) é visto na parte supe-rior, comunicando-se com os alvéolos. (B) Eletromicrografia de transmissão de um corte transversal da região que corresponde ao quadro amarelo em (A), mostrando as paredes alveolares, onde ocorre a troca gasosa. (C) Esquema da arquitetura celular de uma parte da parede alveolar, que corresponde ao quadro amarelo em (B). (A, de P. Gehr et al., Respir. Physiol. 44:61-86, 1981. Com permissão de Elsevier; B, cortesia de Pe-ter Gehr, de D. W. Fawcett, A Textbook of Histology, 12th ed. New York: Chapman and Hall, 1994.)

Surfactante

Célulaalveolar tipo I

AR

AR

Célula vermelhado sangue

Célula endotelial revestindoo capilar sanguíneo

Lâmina basal

Célula alveolar tipo IIque secreta surfactanteALVÉOLO

ALVÉOLO

(C)

Alvéolos

Células vermelhasdo sangue

AR

1 mm(B)

100 �m(A)

Batimento coordenadode cílios impulsionandomuco para forados pulmões

Camada de mucoque carregadetritos

Célulaciliada

Cílios

Lâminabasal

Célula basal(célula-tronco)

Célula caliciforme(secreta muco)

Figura 23-20 Epitélio respiratório. As células caliciformes secretam o muco, que forma uma cobertura sobre as extremidades das células ciliadas. O batimento regular e coordenado dos cílios impulsiona o muco para cima e para fora das vias aéreas, levando qual-quer detrito que esteja aderido a ele. O mecanismo que coordena o batimento ciliar é um mistério, mas ele parece refletir uma polaridade intrínseca no epitélio. Se um segmento da traqueia de coelho é invertido cirurgicamente, ele continua removendo muco, mas na direção errada, recuando em direção ao pulmão, em oposição às porções adja-centes não-invertidas da traqueia.

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O revestimento do intestino delgado renova a si mesmomais rápido que qualquer outro tecidoSomente os vertebrados que respiram o ar têm pulmões, mas todos os vertebrados, e quase todos os animais invertebrados, têm um intestino – isto é, um tubo digestivo revestido com células especializadas para a digestão do alimento e a absorção das moléculas nutrientes li-beradas pela digestão. Essas duas atividades são difíceis de gerenciar ao mesmo tempo, pois os processos que digerem alimento no lúmen do intestino são suscetíveis de digerir também o revestimento do próprio intestino, incluindo as células que absorvem os nutrientes. O in-testino utiliza várias estratégias para resolver o problema.

Os processos digestivos mais intensos, que envolvem hidrólise ácida, assim como ação enzimática, são realizados em um compartimento de reação separado, o estômago. Os pro-dutos então são passados para o intestino delgado, onde os nutrientes são absorvidos e a di-gestão enzimática continua, mas em um pH neutro. As regiões diferentes do revestimento do intestino consistem em diferentes misturas de tipos celulares. O epitélio do estômago inclui células que secretam ácido e outras células que secretam enzimas digestivas que funcionam em pH ácido. Inversamente, as glândulas (em particular o pâncreas) que desembocam den-tro do segmento inicial do intestino delgado contêm células que secretam bicarbonato, para neutralizar a acidez, e outras células que secretam enzimas digestivas que atuam em pH neutro. O revestimento do intestino, abaixo do estômago, contém tanto células absortivas como células especializadas na secreção de muco, que recobre o epitélio com uma camada protetora. Também no estômago, as superfícies mais expostas são revestidas com células mucosas. E, no caso dessas medidas não serem suficientes, o revestimento inteiro do es-tômago e do intestino é renovado e substituído continuamente por células recentemente produzidas, com uma taxa de renovação de uma semana ou menos.

O processo de renovação tem sido melhor estudado no intestino delgado (Figura 23-21). O revestimento do intestino delgado (e da maioria das outras regiões do intestino) é um epitélio de uma única camada. Este epitélio recobre as superfícies das vilosidades que se projetam em direção ao lúmen e reveste as criptas que descem em direção ao tecido co-nectivo subjacente. As células-tronco em divisão localizam-se em uma posição protegida

Figura 23-21 Renovação do revesti-mento do intestino. (A) O padrão de renovação celular e de proliferação de células-tronco no epitélio que forma o revestimento do intestino delgado. A seta colorida mostra a direção ascen-dente geral do movimento celular na vilosidade, mas algumas células, incluin-do uma proporção de células calicifor-mes e enteroendócrinas, ficam para trás e diferenciam-se ainda enquanto estão nas criptas. As células diferenciadas que não se dividem (células de Paneth) nas profundezas das criptas também têm um tempo de vida finito e são substitu-ídas continuamente pela progênie das células-tronco. (B) Fotografia de um cor-te de parte do revestimento do intesti-no delgado, mostrando as vilosidades e as criptas. Notar como as células cali-ciformes secretoras de muco (coradas de vermelho) estão intercaladas entre outros tipos celulares. As células ente-roendócrinas são menos numerosas e menos fáceis de identificar sem colora-ções especiais. Ver Figura 23-22 para a estrutura destas células.

(B)

Vilosidade

(A)

Migração celular epitelialdesde o “nascimento” nofundo da cripta até a perdana extremidade da vilosidade(o tempo de trânsitoé de 3 a 5 dias)

LÚMEN DO INTESTINO

Vilosidade (nenhuma divisão celular)

Corte transversalda vilosidade

Célulasepiteliais

Cripta

Tecidoconectivofrouxo

Cortetransversalda cripta

Direção domovimento

Células-tronco que sedividem lentamente(o tempo do cicloé de > 24 horas)

Células que se dividemrapidamente (o tempodo ciclo é de 12 horas)

Células diferenciadasque não se dividem

Células absortivascom bordaem escova

Células caliciformesque secretam

muco

Cripta

100 �mCélulas de Paneth diferenciadas

que não se dividem

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nas profundezas das criptas. Estas produzem quatro tipos de células-filhas diferenciadas (Figura 23-22):

1. Células absortivas (também chamadas de células com borda em escova ou enteró-citos) têm microvilosidades densamente colocadas sobre sua superfície exposta para aumentar sua área de superfície ativa para a captação de nutrientes. Elas tanto absorvem nutrientes quanto secretam (ou carregam em suas superfícies externas) enzimas hidrolíticas que realizam algumas das etapas finais da digestão extracelu-lar, quebrando moléculas de alimento na preparação para o transporte através da membrana plasmática.

2. Células caliciformes (como no epitélio respiratório) secretam muco. 3. Células de Paneth fazem parte do sistema imune de defesa inato (discutido no Ca-

pítulo 24) e secretam (juntamente com alguns fatores de crescimento) criptidinas – proteínas da família das defensinas que matam bactérias (ver Figura 24-46).

4. Células enteroendócrinas, de mais de 15 subtipos diferentes, secretam serotonina e hormônios peptídeos, como colecistoquinina (CCK), que atuam sobre neurônios e outros tipos de células na parede do intestino e regulam o crescimento, a proli-feração e as atividades digestivas de células do intestino e de outros tecidos. Por exemplo, a colecistoquinina é liberada pelas células enteroendócrinas em respos-ta à presença de nutrientes no intestino e liga-se a receptores nas terminações de nervos sensoriais próximos, que transmitem um sinal ao cérebro para parar a sua sensação de fome após você ter comido o suficiente.

As células absortivas, caliciformes e enteroendócrinas migram principalmente para cima, a partir da região de células-tronco, através de um movimento de deslizamento no pla-no da camada epitelial, para cobrir as superfícies das vilosidades. Em analogia com a epi-derme, acredita-se que as células precursoras que proliferam mais rapidamente na cripta estão em um estágio de amplificação transitório, já comprometidas com a diferenciação, mas passam por várias divisões durante seu percurso para fora da cripta, antes de pararem de se dividir e diferenciarem-se de forma definitiva. Dentro de dois a cinco dias (no camundongo) após emergirem das criptas, as células atingem as extremidades das vilosidades, onde elas

Figura 23-22 Os quatro principais tipos de células diferenciadas encontrados no revestimento epitelial do intestino delgado. Todos são gerados a partir de células-tronco indiferenciadas pluripotentes que vivem próximas ao fundo das criptas (ver Figura 23-21). As mi-crovilosidades sobre a superfície apical (borda em escova) das células absortivas proporcionam um aumento de área de superfície de 30 vezes, não somente para a absorção de nutrientes, mas também para a fixação das enzimas que realizam os estágios finais da digestão ex-tracelular, degradando peptídeos pequenos e dissacarídeos em monômeros que podem ser transportados através da membrana celular. As setas amarelas grossas indicam a direção da secreção ou da captação de materiais por cada tipo de célula. (Com base em T. L. Lentz, Cell Fine Structure. Philadelphia: Saunders, 1971; R. Krstić, Illustrated Encyclopedia of Human Histology. Berlin: Springer-Verlag, 1984.)

5 �m

Célula enteroendócrinaCélula caliciforme Célula de PanethCélula absortiva

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sofrem os estágios iniciais de apoptose e, finalmente, são descartadas no lúmen intestinal. As células de Paneth são produzidas em número muito menor e têm um padrão de migração diferente. Elas permanecem no fundo das criptas, onde também são continuamente subs-tituídas, embora não tão rapidamente, persistindo por cerca de 20 dias (no camundongo) antes de sofrerem apoptose e serem fagocitadas por suas vizinhas. As células-tronco também permanecem no fundo ou próximo ao fundo das criptas. O que as mantém neste local e o que restringe a divisão celular às criptas? Como as migrações são controladas para que algumas células movam-se para cima enquanto outras permanecem embaixo? Quais são os sinais mo-leculares que organizam o sistema inteiro de células-tronco e como eles funcionam?

A sinalização Wnt mantém o compartimento de células-troncodo intestinoO início de uma resposta para estas questões surgiu de estudos de câncer de colo e reto (a por-ção final do intestino). Como discutido no Capítulo 20, algumas pessoas têm uma predisposição hereditária para esta doença e, com o avançar do câncer, desenvolvem um número grande de tumores pré-cancerosos pequenos (adenomas) no revestimento de seu intestino grosso (Figura 23-23). A aparência destes tumores sugere que eles tenham surgido de células da cripta intesti-nal que tenham falhado em parar sua proliferação pela maneira normal e, dessa forma, tenham dado lugar a estruturas semelhantes a criptas excessivamente grandes. A causa pode estar re-lacionada a mutações do gene Apc (polipose adenomatosa do colo, de adenomatous polypo-sis coli): os tumores surgem de células que tenham perdido ambas as cópias do gene. O Apc codifica para uma proteína que previne a ativação inapropriada da via de sinalização Wnt, de modo que se suspeita que a perda da APC imita o efeito da exposição continua a um sinal Wnt. Portanto, a sugestão é que a sinalização Wnt normalmente mantém as células da cripta em um

COLO NORMAL

200 �mADENOMA

Figura 23-23 Um adenoma no colo humano, comparado com o tecido normal de uma região adjacente do colo da mesma pessoa. A amostra é de um paciente com uma mutação hereditária em uma de suas duas cópias do gene Apc. Uma mutação na outra cópia do gene Apc, que ocorreu em uma célula epitelial do colo durante a vida adulta, deu origem a um clone de células que comportam-se como se a via de sinalização Wnt estivesse ativada permanentemente. Como resultado, as células deste clone formam um adeno-ma – uma massa de estruturas gigantes semelhantes a criptas, enorme, firme e que se expande.

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estado proliferativo, e a interrupção da exposição à sinalização Wnt normalmente as faz parar de se dividir enquanto elas deixam a cripta. Na verdade, camundongos que são homozigotos para uma mutação knockout no gene Tcf4, que codifica para uma proteína reguladora de gene que é necessária como realizadora da sinalização Wnt no intestino, não produzem criptas, apresen-tam falhas na renovação de seu epitélio intestinal e morrem logo após o nascimento.

Experimentos com camundongos transgênicos confirmam a importância da sinalização Wnt e revelam outros reguladores que atuam junto com Wnt para organizar a linha de produ-ção de células intestinais e mantê-la seguindo corretamente. Por exemplo, utilizando a técnica Cre/lox com um promotor induzido por Cre (como descrito no Capítulo 8, p. 567), é possível por fora de ação (nocautear) bruscamente o gene Apc nas células epiteliais do intestino, em qualquer momento escolhido na vida do camundongo. Dentro de poucos dias, a estrutura do intestino está transformada: as regiões de células proliferativas semelhantes a criptas estão bastante aumentadas, as vilosidades são reduzidas e o número de células diferenciadas defini-tivas está drasticamente reduzido. Ao contrário, pode-se produzir um camundongo transgêni-co no qual todas as células epiteliais do intestino secretem um inibidor da sinalização Wnt ca-paz de difundir-se. Estes animais, nos quais a sinalização Wnt está bloqueada, formam apenas algumas criptas e têm apenas algumas células em proliferação em seu epitélio intestinal. Por outro lado, quase todas as células do revestimento do intestino estão completamente diferen-ciadas como células absortivas que não se dividem; porém, células caliciformes, células ente-roendócrinas e células de Paneth estão ausentes. Dessa forma, a sinalização Wnt não apenas mantém as células em um estado proliferativo, mas também é necessária para torná-las com-petentes para dar origem à série completa de tipos celulares diferenciados definitivamente.

A sinalização Notch controla a diversificação celular do intestinoEntão, o que faz as células diversificarem à medida que elas diferenciam? A sinalização No-tch tem esta função em muitos outros sistemas, onde ela medeia a inibição lateral – uma competição interativa que guia células vizinhas em direção a destinos diferentes (ver Ca-pítulos 15 e 22, Figuras 15-75 e 22-60). Todos os componentes essenciais da via Notch são expressos nas criptas; parece que a sinalização Wnt ativa sua expressão. Quando a sinaliza-ção Notch é bloqueada bruscamente por knockout de um destes componentes essenciais, dentro de poucos dias todas as células nas criptas se diferenciam como células caliciformes e cessam a divisão; ao contrário, quando a sinalização Notch é ativada artificialmente em todas as células, não são produzidas células caliciformes e as regiões de proliferação celular semelhantes a criptas são ampliadas.

Dos efeitos de todas estas manipulações da sinalização Wnt e Notch, chegamos a um quadro simples de como as duas vias se combinam para dirigir a produção de células dife-renciadas a partir de células-tronco (Figura 23-24). Contudo, a sinalização Wnt promove

Via Wnt inativa:nenhumaproliferaçãocelular

Via Wnt ativa:proliferaçãocelular

Célula secretora

Célula absortiva

Movimentocelular

Cripta

Inibiçãolateral

Progenitorade célulasecretora

Notchinativa

Notchativada

Divisões de célula-tronco

Célula-tronco

Células absortivas Células secretoras

(A) (B)

Figura 23-24 Como as vias de sinali-zação Wnt e Notch combinam-se para controlar a produção de células dife-renciadas a partir de células-tronco no intestino. (A) A sinalização Wnt mantém a proliferação na cripta, onde as células-tronco se localizam e sua pro-gênie torna-se comprometida com des-tinos diferentes. (B) A sinalização Wnt na cripta guia a expressão de componen-tes da via de sinalização Notch nesta região; assim, a sinalização Notch é ativa na cripta e, por inibição lateral, força as células deste local a se diversificarem. Ambas as vias devem estar ativadas na mesma célula para mantê-la como célula-tronco. As células da progênie da célula-tronco continuam dividindo-se sob influência de Wnt mesmo após elas tornarem-se comprometidas com um destino diferenciado específico, mas a escolha do momento destas divisões de amplificação transitória em relação ao comprometimento não é compreen-dida em detalhes.

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proliferação celular e confere competência para a série completa de formas de diferenciação, embora evite que a diferenciação ocorra imediatamente; dessa maneira, ela define a cripta e mantém as células-tronco. Contudo, a sinalização Wnt ao mesmo tempo também ativa a ex-pressão dos componentes da via Notch, e a sinalização Notch dentro da população da crip-ta medeia a inibição lateral, que força as células a diversificar, de tal maneira que algumas tornam-se escolhidas para distribuir a inibição lateral, enquanto outras a recebem. Células do grupo precedente expressam ligantes Notch e ativam Notch em suas vizinhas, mas esca-pam da ativação de Notch nelas próprias; como resultado, elas tornam-se comprometidas a diferenciar em células secretoras. Células do segundo grupo – a maioria – são mantidas em um estado oposto, com Notch ativado e a expressão de ligante inibida; como resultado, elas conservam a competência para se diferenciar em qualquer uma, por uma variedade de maneiras, e entram em competição de inibição lateral com suas vizinhas. Ambos os grupos de células (com exceção de alguns subtipos secretores) continuam dividindo-se enquanto elas estão na cripta, sob a influência de Wnt. Contudo, quando as células deixam a cripta e perdem a exposição à sinalização Wnt, a competição para, as divisões cessam e as células se diferenciam de acordo com seu estado individual de ativação Notch neste momento – como células absortivas se Notch ainda está ativado, como células secretoras se Notch não está.

Certamente, esta não é toda a história de eventos na cripta. Ela não explica, por exem-plo, como os vários subgrupos de células secretoras (caliciformes, enteroendócrinas e de Paneth) tornam-se diferentes uns dos outros. Nem ela diz coisa alguma sobre a distinção que muitos especialistas acreditam existir entre as células-tronco verdadeiras e as células ampli-ficadoras transitórias que se dividem mais rapidamente dentro da cripta. Diversos membros diferentes de cada uma das famílias de componentes das vias Wnt e Notch são expressos no epitélio da cripta e no tecido conectivo em torno da base da cripta e, provavelmente, têm efeitos diferentes. Além disso, outras vias de sinalização também têm funções cruciais na organização do sistema.

A sinalização efrina-Eph controla a migração de células epiteliais do intestinoUma das características mais notáveis do sistema de células-tronco do intestino é a migra-ção estável, ordenada e seletiva de células da cripta para a vilosidade. Células absortivas, caliciformes e enteroendócrinas em diferenciação deixam as criptas e sobem a vilosidade (Figura 23-25); células-tronco permanecem nas profundezas das criptas; e células de Pane-th migram bem para baixo em direção ao fundo da cripta. Este padrão de movimentos, que segrega os diferentes grupos de células, depende ainda de outra via de sinalização célula--célula. A sinalização Wnt estimula a expressão de receptores de superfície celular da família EphB (discutido no Capítulo 15) nas células da cripta; entretanto, conforme as células se diferenciam, elas interrompem a expressão destes receptores e, ao invés disso, ativam a ex-pressão dos ligantes, proteínas de superfície celular da família efrinaB (Figura 23-26A). Há uma exceção: as células de Paneth conservam a expressão das proteínas EphB (receptores).

1 mm 50 �m

(A) (B)

Vilosidade

Criptas

Figura 23-25 Migração de células da cripta em direção à vilosidade. Neste intestino de camundongo, um subgru-po de células epiteliais ao acaso foi in-duzido a sofrer uma mutação durante a vida fetal tardia, fazendo as células mu-tantes expressarem um transgene LacZ, que codifica uma enzima que pode ser detectada pelo produto azul da reação que ela catalisa. Durante seis semanas após o nascimento, cada cripta tornou-se povoada pela progênie de uma única célula-tronco e, dessa forma, aparece ou totalmente azul ou totalmente branca, conforme a célula-tronco tenha sido ou não marcada geneticamente desta forma. Várias criptas contribuem para uma única vilosidade, cada uma envian-do um fluxo de células diferenciadas para fora em sua direção. (A) Vista, em pequeno aumento, da superfície de parte do revestimento do intestino, mostrando muitas vilosidades, cada uma recebendo fluxos de células de di-versas criptas. (B) Detalhe de uma única vilosidade e criptas adjacentes em corte transversal. No exemplo mostrado, o fluxo de células de diferentes criptas permaneceu separado sem se misturar, de forma que a vilosidade aparece azul de um lado e branca do outro; o mais comum é haver alguma mistura, sendo observado um resultado menos orde-nado. (De M. H. Wong, J. R. Saam, T. S. Stappenbeck, C. H. Rexer e J. L. Gordon, Proc. Natl. Acad. Sci. U.S.A. 97:12601-12606, 2000. Com permissão da Natio-nal Academy of Sciences.)

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Portanto, a expressão de EphB é característica de células que permanecem nas criptas, en-quanto a expressão de efrinaB é característica de células que se movem para fora em direção à vilosidade. Em vários outros tecidos, células que expressam proteínas EphB são repelidas por contato com células que expressam efrinas (ver Capítulo 22, Figura 22-106). Parece que o mesmo é verdade no revestimento do intestino, e que este mecanismo serve para manter as células nos seus locais adequados. Em mutantes por knockout de EphB, a população celular torna-se misturada de tal maneira que, por exemplo, células de Paneth desviam para fora em direção à vilosidade (Figura 23-26C). A perda de genes EphB em cânceres intestinais está correlacionada ao início do comportamento invasivo pelas células tumorais.

As vias de sinalização Wnt, Hedgehog, PDGF e BMP combinam-se para delimitar o nicho de células-troncoClaramente, as células-tronco do intestino não podem existir sem o ambiente especial que a cripta proporciona a elas. Este nicho de células-tronco é tão essencial quanto as próprias células-tronco. Como ele é criado e mantido? O mecanismo parece depender de uma inte-ração complexa de sinais entre o epitélio e o tecido conectivo subjacente. A troca de sinais Wnt, Hedgehog e PDGF entre os dois tecidos, e entre regiões diferentes do eixo cripta-vi-losidade, levam a uma restrição da sinalização Wnt às vizinhanças das criptas. As células epiteliais nas criptas produzem tanto proteínas Wnt quanto os receptores que respondem a elas, criando uma alça de retroalimentação positiva que, provavelmente, ajuda a fazer a ativação da via Wnt nesta região de autossustentação. Ao mesmo tempo, a troca de sinais com o tecido conectivo leva à expressão de proteínas BMP nas células do tecido conectivo que forma o centro das vilosidades (Figura 23-27). Estas células sinalizam para o epitélio da vilosidade adjacente para inibir o desenvolvimento de criptas em local errado: o bloqueio da sinalização BMP interrompe toda a organização e produz criptas no lugar errado, formando invaginações de proliferação do epitélio ao longo da parte lateral das vilosidades.

Figura 23-26 A sinalização efrina-Eph controla a segregação celular entre criptas e vilosidades. (A) As células proliferativas (incluindo as células-tron-co) e as células de Paneth expressam proteínas EphB, enquanto as células diferenciadas, células que já não se di-videm e que revestem a vilosidade, ex-pressam proteínas efrinaB. A interação repulsiva célula-célula mediada pelo encontro entre estes dois tipos de mo-léculas de superfície celular mantém as duas classes de células segregadas. (B) Em um intestino normal, o resultado é que as células de Paneth (coloração cas-tanha) e as células em divisão permane-cem confinadas à base das criptas. (C) Em um mutante onde proteínas EphB são defeituosas, células que deveriam permanecer nas criptas desviam para fora em direção à vilosidade. (Adaptada de E. Batlle et al., Cell 111:251-263, 2002. Com permissão de Elsevier.)

Células diferenciadasna vilosidade expressam

proteínas efrina (azul)mantendo-se fora da cripta

Células em diferenciaçãonão se dividindo

migram para cimae para fora da cripta

(A) (C) Mutante EphB

(B)

Células proliferativase células de Panethexpressam proteínas EphB (vermelho),mantendo-sena cripta

Células de Paneth

200 �m

Tipo selvagem

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As funções do fígado como uma interface entre o tubo digestivo e o sangueComo acabamos de ver, as funções do intestino estão divididas entre uma variedade de ti-pos celulares. Algumas células são especializadas para a secreção de ácido hidroclorídrico, outras para a secreção de enzimas, outras para a absorção de nutrientes, e assim por diante. Alguns desses tipos celulares estão intimamente associados na parede do intestino, enquan-to outros são segregados em grandes glândulas que se comunicam com o intestino e se ori-ginam no embrião como proliferações externas do epitélio intestinal.

O fígado é a maior dessas glândulas. Ele se desenvolve em um local onde corre a prin-cipal veia, próximo à parede do tubo digestivo primitivo, e o órgão adulto conserva uma re-lação especial com o sangue. As células no fígado que derivam do epitélio do intestino pri-mitivo – os hepatócitos – estão organizadas em placas e em cordões celulares interligados, com espaços preenchidos de sangue chamados de sinusoides correndo entre eles (Figura 23-28). O sangue está separado da superfície dos hepatócitos por uma camada única de cé-lulas endoteliais achatadas que recobrem as faces expostas das células hepáticas. Essa estru-tura facilita as principais funções do fígado, que dependem da troca de metabólitos entre os hepatócitos e o sangue.

O fígado é o principal local no qual os nutrientes que estão sendo absorvidos no intes-tino e transferidos para o sangue são processados para a utilização por outras células do corpo. Ele recebe a maior parte de seu suprimento sanguíneo diretamente a partir do tubo intestinal (por meio da veia porta). Os hepatócitos sintetizam, degradam e armazenam um imenso número de substâncias. Eles desempenham um papel central no metabolismo de carboidratos e de lipídeos do corpo como um todo e secretam a maioria das proteínas en-contradas no plasma sanguíneo. Ao mesmo tempo, os hepatócitos permanecem relaciona-dos ao lúmen do intestino através de um sistema de canais diminutos (ou canalículos) e de grandes ductos (ver Figura 23-28B,C) e secretam no intestino, por essa via, tanto os resí-duos dos produtos de seu metabolismo como um agente emulsificante, a bile, que auxilia

ProteínasBMP 4

As célulasda cripta

proliferam

Os sinais Hedgehog e Wntda cripta causam

a expressão de BMP4no centro da vilosidade

As células da vilosidadenão proliferam

As proteínas BMPdo centro davilosidade inibema expressão deHedgehog e Wntno epitélioda vilosidade

Epitélio davilosidade

Centro davilosidade

(A)

100 �m(B) (C)Células em proliferação

nas criptas Criptas ectópicas

Normal Sinal BMP bloqueado

Figura 23-27 Sinais definem o nicho intestinal de células-tronco. (A) Esquema do sistema de sinalização. Proteínas-sinal das famílias Hedgehog e Wnt são expressas pelas células epiteliais na base de cada cripta, as quais também expressam receptores Wnt e se deparam com níveis altos de ativação da via Wnt. As células do tecido conectivo subja-cente ao epitélio expressam tanto receptores Hedgehog quanto receptores Wnt. O efeito combinado dos sinais da base da cripta, talvez em conjunto com outros sinais, vai induzir as células do tecido conectivo situado no centro de cada vilosidade a expressar proteínas BMP. As proteínas BMP atuam sobre o epitélio da vilosidade, impedindo suas células de formar criptas. (B) Corte transversal de uma região de epitélio intestinal normal. A colo-ração castanha marca células proliferativas, as quais estão confinadas à cripta. (C) Corte de intestino de um camundongo transgênico que expressa um inibidor de sinalização BMP, corado de maneira semelhante. As criptas contendo células em divisão se desenvol-veram de forma ectópica, ao longo das partes laterais da vilosidade mal-formada. (B e C, cortesia de A. Haramis et al., Science 303:1684-1686, 2004. Com permissão de AAAS.)

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na absorção de gorduras. Os hepatócitos são células grandes e cerca de 50% deles (em um humano adulto) são poliploides, com duas, quatro, oito ou mesmo mais vezes a quantidade diploide normal de DNA por célula.

Em contraste com o resto do sistema digestivo, parece haver uma divisão de trabalho notavelmente pequena dentro da população de hepatócitos. Cada hepatócito parece ser ca-paz de realizar a mesma gama ampla de tarefas metabólicas e secretoras. Essas células com-pletamente diferenciadas também podem se dividir repetidamente, quando há necessidade, como explicaremos a seguir.

A perda celular do fígado estimula a sua proliferação celularO fígado ilustra de maneira impressionante um dos grandes problemas não-solucionados da biologia do desenvolvimento e tecidual: o que determina o tamanho de um órgão do corpo ou a quantidade de um tipo de tecido em relação a outro? Para órgãos diferentes, quase com certeza as respostas são diferentes, mas há apenas alguns casos nos quais o mecanismo é bem-conhecido.

Os hepatócitos vivem, normalmente, por um ano ou mais e são renovados em uma taxa lenta. Entretanto, mesmo em um tecido que se renova lentamente, um pequeno, porém per-sistente, desequilíbrio entre a taxa de produção celular e a taxa de morte celular poderia levar ao desastre. Se 2% dos hepatócitos em um humano se dividissem a cada semana, mas somente 1% morresse, o fígado cresceria a ponto de exceder o peso do resto do corpo dentro de oito anos. Os mecanismos homeostáticos devem funcionar para ajustar a taxa de pro-liferação celular ou a taxa de morte celular, ou ambas, de modo a manter o órgão em seu tamanho normal. Além disso, este tamanho precisa ser condizente com o tamanho do resto do corpo. De fato, quando o fígado de um cão pequeno é transplantado em um cão grande, ele cresce rapidamente para o tamanho quase apropriado para o hospedeiro; inversamente, quando o fígado é transplantado de um cão grande para um pequeno, ele encolhe.

Uma evidência direta do controle homeostático da proliferação celular do fígado veio de experimentos nos quais hepatócitos em grande número foram removidos cirurgicamente, ou foram intencionalmente mortos por envenenamento com tetracloreto de carbono. Den-tro de um dia, ou logo após uma das formas de lesão, uma onda de divisão celular ocorre entre os hepatócitos que sobreviveram, e o tecido perdido é substituído rapidamente. (Se os próprios hepatócitos são totalmente eliminados, uma outra classe de células, localizadas nos ductos biliares, pode servir como células-tronco para a origem de novos hepatócitos, mas em geral não há necessidade disso.) Por exemplo, se dois terços do fígado de um rato são removidos, um fígado de tamanho aproximadamente normal pode ser regenerado a par-tir do que restou por meio de proliferação de hepatócitos, em cerca de duas semanas. Em-bora muitas moléculas tenham sido relacionadas ao desencadeamento dessa reação, uma das mais importantes é uma proteína chamada de fator de crescimento de hepatócito. Ela estimula os hepatócitos a se dividirem em cultivo, e sua produção aumenta abruptamente (por um mecanismo pouco conhecido) em resposta à lesão do fígado.

(C)Hepatócito

(A) (B)

HepatócitoSinusoide desembocandona veia central

Célula vermelha dosangue no sinusoide

Placas dehepatócitos Sinusoide sanguíneo

100 �mCanalículobiliar

Célula endotelialfenestrada

10 �m

Canalículo biliarconduzindo aoducto biliar

Célula endotelialfenestrada

Célula deKupffer

Célula vermelha dosangue no sinusoide

Figura 23-28 A estrutura do fíga-do. (A) Uma eletromicrografia de varredura de uma porção do fígado, mostrando as placas e os cordões ir-regulares de hepatócitos e de muitos canais pequenos, ou sinusoides, para o fluxo de sangue. Os canais grandes são vasos que distribuem e coletam o sangue que corre pelos sinusoides. (B) Detalhe de um sinusoide (ampliação de uma região semelhante àquela marcada pelo retângulo amarelo embaixo, à di-reita, em [A]). (C) Desenho esquemático da fina estrutura do fígado. Uma única e delgada camada de células endoteliais intercaladas com macrófagos chama-dos de células de Kupffer separa os hepatócitos da corrente sanguínea. Pe-quenos buracos na camada endotelial, chamados de fenestras (“janelas”, em latim), permitem a troca de moléculas e de partículas pequenas entre os he-patócitos e a corrente sanguínea. Além da troca de materiais com o sangue, os hepatócitos formam um sistema de minúsculos canalículos biliares dentro dos quais eles secretam bile, que é des-carregada finalmente no intestino por meio de ductos biliares. A estrutura real é menos uniforme do que este esquema sugere. (A e B, cortesia de Pietro M. Mot-ta, University of Rome “La Sapienza”.)

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O equilíbrio entre a geração e a morte das células no fígado adulto (e em outros órgãos também) não depende exclusivamente da regulação da proliferação celular: os controles de sobrevivência celular também desempenham uma função. Por exemplo, se um rato adulto é tratado com fenobarbital, os hepatócitos são estimulados a se dividir, fazendo o fígado au-mentar. Quando o tratamento com fenobarbital é interrompido, a morte celular de hepató-citos aumenta muito, até o fígado retornar ao seu tamanho original, normalmente dentro de mais ou menos uma semana. O mecanismo desse tipo de controle de sobrevivência celular é desconhecido, mas tem sido sugerido que os hepatócitos, como a maioria das células de ver-tebrados, dependem de sinais de outras células para sua sobrevivência e que o nível normal desses sinais pode sustentar apenas um certo número-padrão de hepatócitos. Se o número de hepatócitos eleva-se acima disso (p. ex., como resultado de tratamento com fenobarbi-tal), a morte de hepatócitos aumentará automaticamente, para baixar o seu número. Não se sabe como os níveis apropriados de fatores de sobrevivência são mantidos.

A renovação de tecido não depende obrigatoriamentede células-tronco: as células secretoras de insulina no pâncreasA maior parte dos órgãos do sistema respiratório e digestivo, incluindo os pulmões, o estô-mago e o pâncreas, contém uma subpopulação de células endócrinas semelhantes às célu-las enteroendócrinas no intestino e, como elas, produzidas no epitélio sob o controle da via de sinalização Notch. As células secretoras de insulina (células �) do pâncreas pertencem a esta categoria. Seu modo de renovação tem uma importância especial, porque a perda destas células (através de lesão autoimune) é responsável pelo diabete tipo I (forma juvenil da doença) e também um fator significativo no diabete tipo II (forma adulta da doença). Em um pâncreas normal, elas estão sequestradas em grupos celulares, chamados de ilhotas de Langerhans (Figura 23-29), onde estão reunidas com células enteroendócrinas afins, que secretam outros hormônios. As ilhotas não contêm subgrupos evidentes de células espe-cializadas para atuar como células-tronco, ainda que células � novas sejam continuamente produzidas dentro delas. De onde vêm estas novas células?

A questão tem sido respondida pelo estudo de camundongos transgênicos no qual uma variante engenhosa da técnica de Cre-Lox (descrita no Capítulo 8) foi usada para produ-zir um marcador de mutação justamente naquelas células que estivessem expressando o gene insulina no momento em que uma substância foi administrada para ativar Cre. Dessa forma, as únicas células que tornaram-se marcadas e transmitiram a marca para sua progê-nie foram aquelas que já haviam se diferenciado em células � no momento do tratamento. Quando os camundongos foram analisados cerca de um ano mais tarde, todas as células � novas carregavam a marca, implicando em que elas eram descendentes de células � já diferenciadas, e não de alguma célula-tronco indiferenciada. Como no fígado, parece que a população de células diferenciadas aqui é renovada e ampliada por duplicação simples de células diferenciadas existentes, e não por meio de células-tronco.

50 �m

Figura 23-29 Uma ilhota de Lan-gerhans no pâncreas. As células secre-toras de insulina (células �) são coradas de verde por imunofluorescência. Os núcleos celulares são corados de púrpu-ra com um corante de DNA. As células pancreáticas exócrinas circundantes (que secretam enzimas digestivas e bicarbonato no intestino através de ductos) não são coradas, exceto seus núcleos. Dentro da ilhota, próximo a sua superfície, também há um pequeno número de células (não-coradas) que secretam hormônios como o glucagon. As células secretoras de insulina substi-tuem a elas mesmas através de duplica-ção simples, sem a necessidade de célu-las-tronco especializadas. (Adaptada de uma fotografia, cortesia de Yuval Dor. © 2004 Yuval Dor, The Hebrew University, Jerusalém.)

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ResumoO pulmão desempenha uma função simples – troca gasosa –, mas seus sistemas de controle são complexos. As células secretoras de surfactante ajudam a impedir o colapso dos alvéolos. Os macró-fagos limpam constantemente os alvéolos de resíduos e de micro-organismos. Uma escada rolante mucociliar formada por células caliciformes secretoras de muco e de células com cílios móveis varre os resíduos para fora das vias aéreas.

No intestino, onde ocorrem os processos químicos potencialmente mais prejudiciais, a renova-ção celular constante e rápida mantém o epitélio absortivo em bom estado. No intestino delgado, as células-tronco nas criptas originam novas células absortivas, caliciformes, enteroendócrinas e de Paneth, substituindo a maior parte do revestimento epitelial do intestino a cada semana. A sinali-zação Wnt nas criptas mantém a população de células-tronco, enquanto a sinalização Notch induz a diversificação da progênie de células-tronco e limita o número que vai destinar à função secretora. Interações célula-célula dentro do epitélio, mediadas por sinalização Efrina-Eph, controlam a mi-gração seletiva de células das criptas para cima, em direção às vilosidades. Interações entre o epité-lio e o estroma, envolvendo as vias Wnt, Hedgehog, PDGF e BMP, organizam o padrão de criptas e vilosidades, criando, desta forma, os nichos onde habitam as células-tronco.

O fígado é um órgão mais protegido, mas também pode ajustar rapidamente seu tamanho para mais ou para menos pela proliferação celular ou pela morte celular, quando surge a necessida-de. Os hepatócitos diferenciados permanecem capazes de se dividir por toda vida, mostrando que uma classe especializada de células-tronco não é sempre necessária para a renovação do tecido. De forma semelhante, a população de células produtoras de insulina no pâncreas é ampliada e reno-vada por duplicação simples de células produtoras de insulina já existentes.

VASOS SANGUÍNEOS, LINFÁTICOS E CÉLULAS ENDOTELIAISDos tecidos que derivam do ectoderma e do endoderma embrionário, agora começaremos a trabalhar aqueles derivados do mesoderma. Este folheto intermediário de células, encaixado entre o ectoderma e o endoderma, cresce e se diversifica para proporcionar uma extensa variedade de funções de suporte. Ele dá origem aos tecidos conectivos do corpo, às células do sangue e aos vasos sanguíneos e linfáticos, assim como músculo, rim e muitas outras estruturas e tipos celulares. Começaremos com os vasos sanguíneos.

Quase todos os tecidos dependem de um suprimento de sangue, e o suprimento de san-gue depende de células endoteliais, que formam o revestimento dos vasos sanguíneos. As células endoteliais têm uma capacidade notável para adaptar seu número e seu arranjo para servir às necessidades locais. Elas criam um sistema adaptável de suporte da vida, esten-dendo-se por migração celular para quase toda região do corpo. Se não fossem as células endoteliais que estendem e remodelam a rede de vasos sanguíneos, o crescimento e o reparo dos tecidos seriam impossíveis. O tecido canceroso é tão dependente de um suprimento de sangue quanto o tecido normal, e isto tem levado a uma onda de interesse na biologia celular endotelial. Pelo bloqueio da formação de novos vasos sanguíneos com o uso de fármacos que atuam sobre células endoteliais, pode ser possível bloquear o crescimento de tumores (discutido no Capítulo 20).

As células endoteliais revestem todos os vasos sanguíneose linfáticosOs vasos sanguíneos maiores são artérias e veias, que têm uma parede espessa resistente de tecido conectivo e muitas camadas de células musculares lisas (Figura 23-30). A parede é revestida por uma única camada extremamente fina de células endoteliais, o endotélio, separada das camadas externas vizinhas por uma lâmina basal. As quantidades de tecido conectivo e músculo liso na parede do vaso variam de acordo com o diâmetro e a função do vaso, porém o revestimento endotelial está sempre presente. Nos ramos mais finos da árvore vascular – os capilares e os sinusoides – as paredes consistem apenas em células endoteliais e em uma lâmina basal (Figura 23-31), juntamente com uns poucos e dispersos – porém funcionalmente importantes – pericitos. Estes são células da família do tecido conectivo, re-lacionadas às células vasculares musculares lisas, que se envolvem ao redor dos pequenos vasos (Figura 23-32).

100 �mLâmina basal

Revestimento endotelial

Lâmina elástica(fibras de elastina)

Músculoliso

Tecido conectivofrouxo

Lúmen daartéria

Figura 23-30 Esquema de uma artéria pequena em corte transversal. As célu-las endoteliais, embora imperceptíveis, são o componente fundamental. Com-parar com o capilar na Figura 23-31.

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Menos evidentes que os vasos sanguíneos são os vasos linfáticos. Estes não transpor-tam sangue e têm paredes muito mais delgadas e mais permeáveis que os vasos sanguíneos. Eles proporcionam um sistema de drenagem para o fluido (linfa) que filtra para fora dos vasos sanguíneos, bem como uma via de saída para células brancas do sangue que tenham migrado dos vasos sanguíneos para dentro dos tecidos. Infelizmente, muitas vezes eles tam-bém fornecem a via pela qual células de câncer escapam de um tumor primário para invadir outros tecidos. Os linfáticos formam um sistema ramificado de afluentes, todos drenando, finalmente, para dentro de um único grande vaso linfático, o ducto torácico, que se abre em uma grande veia, próxima ao coração. Da mesma forma que os vasos sanguíneos, os linfáti-cos são revestidos com células endoteliais.

Dessa forma, as células endoteliais revestem o sistema vascular sanguíneo e linfático in-teiro, desde o coração até os menores capilares, e controlam a passagem de materiais – e o trânsito de células brancas do sangue – para dentro e para fora da corrente sanguínea. Artérias, veias e linfáticos desenvolvem-se todos a partir de vasos pequenos constituídos unicamente de células endoteliais e de lâmina basal: o tecido conectivo e o músculo liso são adicionados mais tarde, quando necessário, sob influência de sinais provenientes das células endoteliais.

Extremidades de células endoteliais abrem caminhopara a angiogênesePara compreender como o sistema vascular se forma dentro do indivíduo e como ele se adapta às alterações de necessidades de tecidos, temos que entender as células endoteliais. Como elas tornam-se tão amplamente distribuídas, e como elas formam canais que se asso-ciam exatamente na forma adequada para o sangue circular através dos tecidos e para a linfa drenar de volta para a corrente sanguínea?

Células endoteliais são originadas em locais específicos no embrião precoce a partir de precursoras que também dão origem a células do sangue. A partir destes locais, as cé-lulas endoteliais embrionárias precoces migram, proliferam e se diferenciam para formar os primeiros rudimentos de vasos sanguíneos – um processo chamado de vasculogênese. O crescimento e a ramificação subsequentes dos vasos por todo o corpo ocorrem, principal-mente, por proliferação e movimento das células endoteliais destes primeiros vasos, em um processo chamado de angiogênese.

A angiogênese ocorre de uma maneira muito semelhante no organismo jovem enquan-to ele cresce e no adulto durante o reparo e a remodelação de tecido. Podemos observar o comportamento das células em estruturas naturalmente transparentes, como a córnea do

10 �m

Figura 23-32 Pericitos. A eletromi-crografia de varredura mostra pericitos envolvendo seus processos em torno de um vaso sanguíneo pequeno (uma vê-nula pós-capilar) na glândula mamária de uma gata. Pericitos estão presentes também em torno de capilares, porém distribuídos de forma muito mais es-parsa. (De T. Fujiwara e Y. Uehara, Am. J. Anat. 170:39-54, 1984. Com permissão de Wiley-Liss.)

Figura 23-31 Capilares. (A) Eletromicrografia de um corte transversal de um capilar pequeno no pâncreas. A parede é formada por uma única célula endotelial circundada por uma lâmina basal. (B) Eletromicrografia de varredura do interior de um capilar em um glomérulo do rim, onde ocorre filtração do sangue para produzir urina. Aqui, como no fígado (ver Figura 23-28), as células endoteliais são especializadas para formar uma estrutura em forma de peneira, com fenestras, organizadas de forma bastante parecida com os poros no envelope nuclear das células eucarióticas, permitindo que a água e a maioria das moléculas passem livremente para fora da corrente sanguínea. (A, de R. P. Bolender, J. Cell Biol. 61:269-287, 1974. Com permissão de The Rockefeller University Press; B, cortesia de Steve Gschmeissner e David Shima.)

Lâmina basal Núcleo da célula endotelial

Lúmen docapilar 2 �m

(B)

1 �m

(A)

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olho ou a barbatana de um girino, ou em tecido em cultivo, ou no embrião. A retina em-brionária, a qual os vasos sanguíneos invadem de acordo com um horário previsto, é um exemplo conveniente para estudo experimental. Cada vaso novo origina-se como um broto capilar do lado de um capilar existente ou pequena vênula (Figura 23-33A). Na extremidade do broto, abrindo caminho, está uma célula endotelial com um caráter distinto. Esta célula da extremidade tem um padrão de expressão gênica um tanto diferente daquele das células endoteliais da haste que seguem atrás dela, e enquanto elas se dividem, ela não o faz; mas a característica mais surpreendente da célula da extremidade é que ela estende muitos proces-sos longos chamados de filopódios, que parecem com aqueles de um cone de crescimento neuronal (Figura 23-33B). As células da haste, entretanto, tornam-se encavadas e ocas para formar um lúmen (ver Figura 23-33A). Pode-se observar este processo no embrião transpa-rente de peixe-zebra: as células individuais desenvolvem vacúolos internos que associam-se àqueles de suas vizinhas para criar um tubo multicelular contínuo.

As células endoteliais da extremidade que abrem caminho para o crescimento de capilares normais não apenas parecem com cones de crescimento neuronal, mas também respondem de forma semelhante aos sinais no ambiente. De fato, muitas das mesmas moléculas de controle estão envolvidas, incluindo semaforinas, netrinas, slits e efrinas, juntamente com os receptores correspondentes, que são expressos nas células da extremidade e guiam o broto vascular ao longo de vias específicas no embrião, frequentemente em paralelo com nervos. Porém, talvez a molécula de controle mais importante para as células endoteliais seja uma que está dedicada especificamente ao controle do desenvolvimento vascular: o fator de crescimento endotelial vas-cular (VEGF, vascular endothelial growth factor). Teremos mais a falar sobre isso a seguir.

Tipos diferentes de células endoteliais formam tipos diferentes de vasosPara criar um circuito novo para fluxo de sangue, um broto vascular deve continuar a cres-cer até encontrar outro broto ou vaso com o qual ele possa conectar-se. Provavelmente, as regras de conexão têm de ser seletivas, para evitar a formação de circuitos curtos indesejá-veis e para manter os sistemas sanguíneo e linfático adequadamente separados. Na verdade, células endoteliais de vasos arteriais, venosos e linfáticos em desenvolvimento expressam genes diferentes e têm propriedades de superfície diferentes. Evidentemente, essas dife-renças ajudam a orientar os vários tipos de vasos ao longo de diferentes vias, controlam a

Figura 23-33 Angiogênese. (A) Um novo capilar sanguíneo se forma pelo brotamento de uma célula endotelial a partir da parede de um pequeno vaso existente. Uma célula endotelial da ex-tremidade, com muitos filopódios, guia o avanço de cada broto capilar. As célu-las endoteliais da haste seguem atrás da célula da extremidade e tornam-se ocas para formar um tubo com lúmen inter-no. (B) Capilares sanguíneos brotando na retina de um camundongo embrio-nário. (C) Uma amostra semelhante, mas com um corante vermelho injetado na corrente sanguínea para revelar o lú-men do capilar se abrindo atrás da célu-la da extremidade. (B e C, de H. Gerhardt et al., J. Cell Biol. 161:1163-1177, 2003. Com permissão de The Rockefeller Uni-versity Press.)

Células vermelhas do sangue Célula endotelial Lúmen do capilar

Broto capilar emforma de fundo de sacopara formar tubo

Esta célula endotelialdará origem a uma nova ramificação capilar

Processos dos pseudópodesguiam o desenvolvimentode um broto capilar enquantoele cresce no tecidoconectivo circundante

(A)

(B) (C)

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formação seletiva de conexões e dirigem o desenvolvimento de diferentes tipos de paredes à medida que o vaso aumenta. Por exemplo, as células endoteliais arteriais, ao menos no embrião, expressam a proteína transmembrana efrinaB2, enquanto as células endoteliais venosas expressam a proteína receptora correspondente, EphB4 (discutido no Capítulo 15). Estas moléculas medeiam a sinalização em locais de contato célula-célula e são essenciais ao desenvolvimento de uma rede de vasos corretamente organizada.

A expressão da proteína reguladora de gene Prox1 distingue as células endoteliais de va-sos linfáticos das células endoteliais arteriais e venosas. Este gene ativa um subgrupo de cé-lulas endoteliais na parede de uma grande veia no embrião (a veia cardinal), convertendo-as em progenitoras linfáticas. A partir destas, toda a vascularização linfática deriva-se por brota-mento, como descrito anteriormente. A Prox1 faz as células endoteliais linfáticas expressarem receptores para um membro diferente da família VEGF de moléculas de controle, bem como proteínas que evitam que as células linfáticas formem conexões com vasos sanguíneos.

Tecidos que necessitam de um suprimento de sangue liberam VEGF; a sinalização Notch entre células endoteliais regula a respostaQuase todas as células, em quase todos os tecidos de um vertebrado, estão localizadas a 50 a 100 �m de um capilar sanguíneo. Que mecanismo assegura que o sistema de vasos sanguíneos ramifique para todas as direções? Como está ajustado de forma tão perfeita às necessidades locais dos tecidos, não apenas durante o desenvolvimento normal, mas tam-bém em todos os tipos de circunstâncias patológicas? Um ferimento, por exemplo, induz um grande e repentino crescimento de capilares nas vizinhanças da lesão para satisfazer as altas exigências metabólicas do processo de reparo (Figura 23-34). Os irritantes e as infecções locais também causam uma proliferação de novos capilares, a maioria dos quais regride e desaparece quando a inflamação diminui. De forma menos benigna, uma amostra pequena do tecido de um tumor implantado na córnea, que normalmente não apresenta vasos san-guíneos, faz com que os vasos sanguíneos cresçam rapidamente na direção do implante a partir da margem vascular da córnea; a taxa de crescimento do tumor aumenta bruscamen-te, assim que os vasos chegam a ele.

Em todos esses casos, as células endoteliais invasoras respondem a sinais produzidos pelo tecido que elas invadem. Os sinais são complexos, mas um papel-chave é desempenhado pelo fator de crescimento endotelial vascular (VEGF), um parente distante do fator de cres-cimento derivado de plaqueta (PDGF, platelet-derived growth factor). A regulação de cresci-mento do vaso sanguíneo, para corresponder às necessidades do tecido, depende do controle de produção de VEGF, por meio de mudanças na estabilidade de seu mRNA e em sua taxa de transcrição. O último controle é relativamente bem-compreendido. Uma falta de oxigênio, em praticamente qualquer tipo de célula, causa um aumento na concentração intracelular de uma proteína reguladora de gene chamada de fator 1� induzido por hipoxia (HIF1�, hypo-xia-inducible factor 1�). O HIF1� estimula a transcrição do gene Vegf (e de outros genes cujos produtos são necessários quando o suprimento de oxigênio está baixo). A proteína VEGF é secretada, difunde-se através do tecido (com isoformas diferentes de VEGF difundindo-se a extensões diferentes) e atua sobre as células endoteliais próximas, estimulando-as a proliferar, a produzirem proteases para ajudá-las a digerir seu caminho através da lâmina basal do capi-lar, ou da vênula de origem, e a formar brotos. As células da extremidade dos brotos detectam

Controle

100 �m 100 �m

60 horas após o ferimento

Figura 23-34 Formação de novo capi-lar em resposta a ferimento. A eletro-micrografia de varredura dos moldes do sistema de vasos sanguíneos que circundam a margem da córnea mostra a reação ao ferimento. Os moldes são feitos injetando uma resina dentro dos vasos e deixando-a solidificar; isto re-vela a forma do lúmen como oposta à forma das células. Sessenta horas após o ferimento, muitos capilares novos tinham começado a brotar em direção ao lado da lesão, que está exatamente acima da parte superior da imagem. Seu supercrescimento orientado reflete uma resposta quimiotática das células endo-teliais a um fator angiogênico liberado na ferida. (Cortesia de Peter C. Burger.)

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o gradiente de VEGF e movem-se na direção da fonte deste. (Outros fatores de crescimento, incluindo alguns membros da família do fator de crescimento de fibroblasto, também podem estimular a angiogênese, mediando reações para outras condições, como a inflamação.)

Quando os novos vasos se formam, trazendo sangue para o tecido, a concentração de oxigênio se eleva, a atividade de HIF1� diminui, a produção de VEGF é encerrada, e a angio-gênese chega ao fim (Figura 23-35). Como em todos os sistemas de sinalização, é tão impor-tante ligar o sinal corretamente, como desligá-lo. No tecido normal bem-oxigenado, a de-gradação contínua da proteína HIF1� mantém a concentração de HIF1� baixa: na presença de oxigênio, uma enzima que necessita de oxigênio modifica HIF1� de modo que ela seja alvo para degradação. A degradação, por sua vez, requer o produto de outro gene, que codi-fica para uma subunidade ligase ubiquitina E3, que está defeituoso em uma disfunção rara, chamada de síndrome de von Hippel-Lindau (VHL). As pessoas com esta doença nascem com apenas uma cópia funcional do gene Vhl; as mutações que ocorrem ao acaso depois no organismo dão origem a células com as duas cópias defeituosas do gene. Estas células con-têm grandes quantidades de HIF1, apesar da disponibilidade de oxigênio, desencadeando a superprodução contínua de VEGF. O resultado é o desenvolvimento de hemangioblastomas, tumores que contêm massas densas de vasos sanguíneos. As próprias células mutantes que produzem o VEGF são, aparentemente, encorajadas a proliferar pela nutrição demasiada-mente rica proporcionada pelo excesso de vasos sanguíneos, criando um ciclo vicioso que promove o crescimento do tumor. A perda do produto do gene Vhl (a proteína VHL) também dá origem a outros tumores, assim como hemangioblastomas, por mecanismos que podem ser independentes dos efeitos sobre a angiogênese.

Contudo, esta não é toda a história de como a angiogênese é controlada. O VEGF e outros fatores relacionados do tecido-alvo são essenciais para estimular e dirigir a angiogênese, mas interações entre uma célula endotelial e outra, mediadas pela via de sinalização Notch, também têm uma função crítica. Estas interações controlam quais células serão escolhidas para com-portarem-se como células da extremidade, estendendo filopódios e arrastando-se à frente para criar novos brotos vasculares, e elas são necessárias para conduzir este comportamento móvel a uma parada no momento em que ele deve cessar. Dessa forma, quando brotos endoteliais se en-contram e se juntam para formar um circuito vascular, eles normalmente se inibem para reduzir suas atividades de brotamento. O efeito depende de um ligante de Notch específico, chamado de Delta4, que é expresso na célula da extremidade e ativa Notch em suas vizinhas; a ativação de Notch leva à expressão reduzida de receptores VEGF, fazendo com que as células vizinhas da célula da extremidade não respondam ao VEGF. Em mutantes nos quais a sinalização Notch é defeituosa, o comportamento de brotamento continua de forma inapropriada e deixa de ser restrito às células da extremidade. O resultado é uma rede excessivamente densa de vasos mal-organizados, não-funcionais, que transportam pouco ou nenhum sangue.

O2 ALTO

HIF BAIXO

O2 BAIXO

HIF ALTO

Brotocapilar

VEGFsecretado

Vaso sanguíneo pequeno

Células do tecido

(A) (B)

Figura 23-35 O mecanismo regulador que controla o crescimento do vaso sanguíneo conforme a necessidade do tecido por oxigênio. A falta de oxi-gênio desencadeia a secreção de VEGF, que estimula a angiogênese.

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Sinais das células endoteliais controlam o recrutamento de pericitos e células musculares lisas para formar a parede do vasoA rede vascular é remodelada continuamente enquanto ela cresce e se adapta. Um vaso re-cém-formado pode engrossar; ou pode brotar ramos laterais; ou pode regredir. As próprias células musculares lisas ou de outros tecidos conectivos que formam uma camada em torno do endotélio (ver Figura 23-32) ajudam a estabilizar os vasos enquanto eles aumentam. Este processo de formação da parede do vaso inicia com o recrutamento de pericitos. Um núme-ro pequeno destas células migra em companhia das células da haste, pela parte externa de cada broto endotelial. O recrutamento e a proliferação de pericitos e células musculares lisas para formar uma parede de vaso depende da PDGF-B secretada pelas células endoteliais e dos receptores de PDGF nos pericitos e nas células musculares lisas. Em mutantes nos quais falta essa proteína-sinal ou seu receptor, estas células da parede do vaso estão ausentes em muitas regiões. Como resultado, os vasos sanguíneos embrionários desenvolvem microa-neurismas – dilatações patológicas microscópicas – que eventualmente se rompem, assim como outras anormalidades, que refletem a importância da troca de sinais em ambas as di-reções entre as células externas da parede do vaso e as células endoteliais.

Uma vez que um vaso tenha amadurecido, os sinais das células endoteliais para o tecido conectivo e o músculo liso circundante continuam a regular a função e a estrutura do vaso. Por exemplo, as células endoteliais têm mecanorreceptores que lhes permitem perceber a tensão próxima devido ao fluxo de sangue sobre sua superfície. As células reagem pela pro-dução e liberação do gás óxido nítrico (NO, nitric oxide), sinalizando, dessa forma, para as células vizinhas e induzindo alterações no diâmetro do vaso e na espessura da parede para acomodar o fluxo de sangue. As células endoteliais também medeiam respostas rápidas aos sinais nervosos para a dilatação dos vasos sanguíneos, por liberação de NO para fazer o mús-culo liso relaxar na parede do vaso, como discutido no Capítulo 15.

ResumoAs células endoteliais são os elementos fundamentais do sistema vascular. Elas formam uma cama-da celular única que reveste todos os vasos sanguíneos e linfáticos e regula as trocas entre a corrente sanguínea e os tecidos vizinhos. Os vasos novos se originam como brotos endoteliais a partir das paredes de pequenos vasos existentes. Uma célula endotelial móvel e especializada da extremidade direciona a margem de cada broto, estendendo filopódios que respondem a gradientes de moléculas de controle no ambiente, levando ao crescimento do broto de forma semelhante ao crescimento do cone de um neurônio. As células endoteliais da haste, seguindo atrás, tornam-se encavadas e ocas para formar um tubo capilar. As células endoteliais de artérias, veias e linfáticos em desenvolvimen-to expressam proteínas de superfície celular diferentes, que podem controlar a maneira pela qual elas se juntam para criar uma rede vascular. Os sinais das células endoteliais organizam o cresci-mento e o desenvolvimento das células do tecido conectivo que formam as camadas circundantes da parede do vaso.

Um mecanismo homeostático assegura que os vasos sanguíneos penetrem cada região do cor-po. As células que são pobres em oxigênio aumentam sua concentração do fator 1� induzido por hipoxia (HIF1�), que estimula a produção do fator de crescimento endotelial vascular (VEGF). O VEGF atua sobre as células endoteliais, fazendo-as proliferar e invadir o tecido pouco oxigenado para supri-lo com vasos sanguíneos novos. As células endoteliais também interagem umas com as outras pela via Notch. Esta troca de sinais Notch é necessária para limitar o número de células que se comporta como célula da extremidade e parar o comportamento angiogênico quando células da extremidade se encontram.

RENOVAÇÃO POR CÉLULASTRONCO MULTIPOTENTES: FORMAÇÃO DE CÉLULAS DO SANGUEO sangue contém muitos tipos de células com funções que variam desde o transporte de oxigênio à produção de anticorpos. Algumas dessas células permanecem dentro do sistema vascular, enquanto outras usam o sistema vascular apenas como um meio de transporte e desempenham sua função em outro local. Entretanto, todas as células sanguíneas têm certas semelhanças em sua história de vida. Todas elas têm um tempo de vida limitado e são pro-duzidas por toda a vida do animal. Notavelmente, todas são produzidas, em última análise, a

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partir de uma célula-tronco comum, na medula óssea. Assim, esta célula-tronco hemopoiéti-ca (que forma sangue, também chamada de hematopoiética) é multipotente, dando origem a todos os tipos de células sanguíneas diferenciadas definitivas, assim como a alguns outros tipos de células, como os osteoclastos no osso, que discutiremos mais tarde.

As células sanguíneas podem ser classificadas como vermelhas ou brancas (Figura 23-36). As células vermelhas do sangue, ou eritrócitos (hemácias), permanecem dentro dos vasos sanguíneos e transportam O2 e CO2 ligados à hemoglobina. As células brancas do sangue, ou leucócitos, combatem infecções e, em alguns casos, realizam a fagocitose e a digestão de detritos. Os leucócitos, ao contrário dos eritrócitos, devem abrir seu caminho atravessando as paredes de pequenos vasos sanguíneos e migrar para os tecidos para de-sempenhar suas tarefas. Além disso, o sangue contém grande número de plaquetas, que não são células inteiras, mas pequenos fragmentos celulares soltos, ou “minicélulas”, derivados do citoplasma de células grandes chamadas de megacariócitos. As plaquetas se aderem es-pecificamente ao revestimento celular endotelial de vasos sanguíneos lesados, onde ajudam no reparo de rupturas e auxiliam no processo de coagulação sanguínea.

As três principais categorias de células brancas do sanguesão granulócitos, monócitos e linfócitosTodas as células vermelhas do sangue permanecem em uma única classe, seguindo a mes-ma trajetória de desenvolvimento enquanto amadurecem, e o mesmo é verdade para as pla-quetas; contudo há muitos tipos distintos de células brancas do sangue. As células brancas do sangue tradicionalmente estão agrupadas em três categorias principais – granulócitos, monócitos e linfócitos – com base na sua aparência à microscopia óptica.

Os granulócitos contêm numerosos lisossomos e vesículas secretoras (ou grânulos) e estão subdivididos em três classes, de acordo com a morfologia e as propriedades de colora-ção dessas organelas (Figura 23-37). As diferenças na coloração refletem as principais dife-renças químicas e de função. Os neutrófilos (também chamados de leucócitos polimorfonu-cleares por causa de seus núcleos multilobulados) são o tipo mais comum de granulócitos; eles fagocitam e destroem os micro-organismos, especialmente as bactérias, e dessa forma têm um papel-chave na imunidade inata à infecção bacteriana, como discutido no Capítulo 25. Os basófilos secretam histamina (e, em algumas espécies, serotonina), que auxilia a me-diar a reação inflamatória; eles estão intimamente relacionados aos mastócitos, que se loca-lizam no tecido conectivo, mas também são gerados pelas células-tronco hemopoiéticas. Os eosinófilos auxiliam a destruir os parasitas e modulam as respostas inflamatórias alérgicas.

Uma vez que eles tenham deixado a corrente sanguínea, os monócitos (ver Figura 23-37D) amadurecem, tornando-se macrófagos, que, juntamente com os neutrófilos, são as prin-cipais “células fagocitárias profissionais” no organismo. Como discutido no Capítulo 13,

5 �m

Figura 23-36 Eletromicrografia de varredura de células do sangue de ma-mífero presas em um coágulo sanguí-neo. As células maiores, mais esféricas, com uma superfície áspera, são células sanguíneas brancas; as células mais lisas e achatadas são células vermelhas do sangue. (Cortesia de Ray Moss.)

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ambos os tipos de células fagocitárias contêm lisossomos especializados que se fundem a vesículas fagocitárias recém-formadas (fagossomos), expondo os micro-organismos fago-citados a uma enxurrada, produzida enzimaticamente, de moléculas altamente reativas de superóxido (O2

–) e de hipoclorito (HOCl, o ingrediente ativo da água sanitária), assim como ao ataque de uma mistura concentrada de hidrolases lisossomais que se tornam ativas no fagossomo. Entretanto, os macrófagos são muito grandes e vivem mais tempo que os neutró-filos. Eles reconhecem e removem células velhas, mortas e lesadas em muitos tecidos, sendo os únicos aptos a ingerir micro-organismos grandes, tais como protozoários.

Os monócitos também dão origem a células dendríticas, como as células de Langerhans espalhadas na epiderme. Como os macrófagos, as células dendríticas são células migratórias que podem ingerir substâncias e organismos estranhos; porém, quando ativas elas não têm um apetite por fagocitose e, em vez disso, são especializadas como apresentadoras de antí-genos estranhos aos linfócitos, para desencadear uma resposta imune. As células de Lan-gerhans, por exemplo, ingerem antígenos estranhos na epiderme e os transportam de volta para apresentá-los aos linfócitos, nos linfonodos.

Há duas classes principais de linfócitos, ambas envolvidas em respostas imunes: os linfócitos B produzem anticorpos, enquanto os linfócitos T matam as células infectadas por

Figura 23-37 Leucócitos (A-D) Estas eletro-micrografias mostram (A) um neutrófilo, (B) um basófilo, (C) um eosinófilo e (D) um mo-nócito. As eletromicrografias de linfócitos são mostradas na Figura 25-7. Cada um dos tipos celulares mostrados aqui tem uma função di-ferente, que é refletida pelos tipos distintos de grânulos secretores e de lisossomos que esses tipos contêm. Há apenas um núcleo por célula, porém ele tem uma forma lobulada irregular e, em (A), (B) e (C), as conexões entre os lóbulos estão fora do plano de corte. (E) Uma fotomi-crografia de luz de um esfregaço de sangue co-rado com o corante de Romanowsky, que cora intensamente as células brancas do sangue. (A-D, de B. A. Nichols et al., J. Cell Biol. 50:498--515, 1971. Com permissão de The Rockefeller University Press; E, cortesia de David Mason.)

(A) (B)

(D)(C)

Plaqueta

Linfócito

Eosinófilo

(E)

2 �m

20 �m

Eritrócito (célula vermelha do sangue)

Monócito

Neutrófilo

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vírus e regulam as atividades de outras células brancas do sangue. Além disso, há células semelhantes a linfócitos, chamadas de células matadoras naturais (NK, natural killer), que matam alguns tipos de células tumorais e células infectadas por vírus. A produção de linfó-citos é um tópico especializado discutido em detalhes no Capítulo 25. Aqui nos concentra-remos principalmente no desenvolvimento de outras células sanguíneas, com frequência classificadas coletivamente como células mieloides.

Os vários tipos de células do sangue e suas funções estão resumidos na Tabela 23-1.

A produção de cada tipo de célula do sangue na medula ósseaé controlada individualmenteA maioria das células sanguíneas brancas funciona em tecidos que não o sangue; o sangue simplesmente as transporta para onde elas são necessárias. Uma infecção ou uma lesão local em qualquer tecido atrai rapidamente as células brancas do sangue para a região afe-tada como parte da resposta inflamatória, que ajuda a combater a infecção ou a cicatrizar a ferida.

A resposta inflamatória é complexa e é controlada por muitas moléculas-sinal diferentes produzidas no local por mastócitos, terminações nervosas, plaquetas e células brancas do sangue, assim como pela ativação do complemento (discutido nos Capítulos 24 e 25). Algu-mas dessas moléculas-sinal atuam sobre os capilares vizinhos, fazendo com que as células endoteliais fiquem aderidas de forma menos firme umas às outras, preparando suas super-fícies adesivas para a passagem das células brancas do sangue. Assim, as células brancas do sangue prendem-se como insetos sobre um papel mata-moscas podendo então escapar do vaso comprimindo-se entre as células endoteliais e utilizando enzimas de digestão para des-lizar através da membrana basal. Como discutido no Capítulo 19, receptores locais chama-dos de selectinas medeiam a ligação inicial às células endoteliais, enquanto a ligação mais forte necessária para que as células brancas do sangue deslizem para fora do vaso sanguíneo

Tabela 23-1 Células do sangue

TIPO DE CÉLULA FUNÇÕES PRINCIPAISCONCENTRAÇÃO TÍPICA NO SANGUE HUMANO (CÉLULAS/LITRO)

Células vermelhas do sangue (eritrócitos)

Transportam O2 e CO2 5 x 1012

Células brancas do sangue (leucócitos)

Granulócitos Neutrófilos (leucócitos

polimorfonucleares)Fagocitam e destroem bactérias invasoras 5 x 109

Eosinófilos Destroem parasitas grandes e modulam respostas inflamatórias alérgicas

2 x 108

Basófilos Liberam histamina (e, em algumas espécies, serotonina) em certas reações imunes

4 x 107

Monócitos Nos tecidos, tornam-se macrófagos, que fagocitam e digerem micro-organismos e corpos estranhos invasores, assim como células velhas danificadas

4 x 108

LinfócitosCélulas B Produzem anticorpos 2 x 109

Células T Matam células infectadas por vírus e regulam atividades de outros leucócitos

1 x 109

Células matadoras naturais (células NK)

Matam células infectadas por vírus e algumas células tumorais

1 x 108

Plaquetas(fragmentos celulares que

resultam de megacariócitos na medula óssea)

Iniciam a coagulação sanguínea3 x 1011

Seres humanos contêm cerca de 5 litros de sangue, que são responsáveis por 7% do peso corporal. Células vermelhas do sangue (eritrócitos) constituem cerca de 45% deste volume e células brancas cerca de 1%, sendo o restante o plasma sanguíneo líquido.

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é mediada por integrinas (ver Figura 19-19). Tecidos inflamados ou lesados e células endote-liais locais secretam outras moléculas chamadas de quimiocinas, que atuam como agentes quimiotáticos para tipos específicos de células brancas do sangue, fazendo-as tornarem-se polarizadas e deslizarem em direção à fonte do agente quimiotático. Como resultado, gran-de número de células brancas do sangue penetra o tecido afetado (Figura 23-38).

Outras moléculas-sinal produzidas durante uma resposta inflamatória migram pelo sangue e estimulam a medula óssea a produzir mais leucócitos e a liberá-los na corrente sanguínea. A medula óssea é o alvo-chave para tal regulação porque, com exceção dos lin-fócitos e de alguns macrófagos, a maioria dos tipos de células sanguíneas dos mamíferos adultos é produzida apenas na medula óssea. A regulação tende a ser específica para cada tipo celular: por exemplo, algumas infecções bacterianas causam um aumento seletivo dos neutrófilos, enquanto as infecções com alguns protozoários e com outros parasitas causam um aumento seletivo dos eosinófilos. (Por este motivo, os médicos rotineiramente utilizam a contagem diferencial de células brancas do sangue para auxiliar no diagnóstico de infecções e de outras doenças inflamatórias.)

Em outras circunstâncias, a produção de eritrócitos é aumentada seletivamente – por exemplo, nos processos de aclimatação, quando alguém vai viver em altas altitudes, onde o oxigênio é escasso. Dessa forma, a formação de células sanguíneas, ou hemopoiese (também chamada de hematopoiese), envolve necessariamente controles complexos, os quais regu-lam a produção de cada tipo de célula sanguínea individualmente para satisfazer as mu-danças necessárias. Entender como funcionam esses controles é um problema de grande importância médica.

No organismo animal, é mais difícil de analisar a hemopoiese do que a renovação celu-lar em um tecido, como a epiderme ou o revestimento do intestino, onde uma organização espacial simples e regular torna fácil seguir o processo de renovação e localizar as células--tronco. Os tecidos hemopoiéticos não aparecem de forma tão ordenada. Contudo, as cé-lulas hemopoiéticas têm uma característica de vida nômade que as torna mais acessíveis ao estudo experimental de outras maneiras. É fácil obter células hemopoiéticas dispersas e transferi-las, sem danos, de um animal para outro. Além disso, a proliferação e a diferen-ciação de células individuais e sua progênie podem ser observadas e analisadas em culti-vo, e numerosos marcadores moleculares distinguem os vários estágios de diferenciação. Por isso, sabe-se mais sobre as moléculas que controlam a produção de células sanguíneas do que sobre aquelas que controlam a produção celular em outros tecidos de mamíferos. Estudos de hemopoiese têm influenciado fortemente os conceitos atuais sobre sistemas de células-tronco em geral.

A medula óssea contém células-tronco hemopoiéticasMétodos rotineiros de coloração nos permitem reconhecer os diferentes tipos de células sanguíneas e suas precursoras imediatas na medula óssea (Figura 23-39). Aqui, estas células estão misturadas umas com as outras, assim como com células adiposas e outras células do estroma (células do tecido conectivo), que produzem uma malha de sustentação delicada de fibras de colágeno e outros componentes da matriz extracelular. Além disso, o tecido inteiro é ricamente abastecido com vasos sanguíneos de paredes finas, chamados de seios sanguí-neos, dentro dos quais as novas células sanguíneas são descarregadas. Os megacariócitos também estão presentes; estes, ao contrário das outras células sanguíneas, permanecem na medula óssea quando maduros e são uma de suas características mais impressionantes, sen-do extraordinariamente grandes (diâmetro acima de 60 �m), com um núcleo altamente po-

10 �m

Célula endotelial Leucócito no capilar

EXPOSIÇÃO A MEDIADORES DE INFLAMAÇÃO LIBERADOSA PARTIR DO TECIDO LESADO

QUIMIOTAXIA NA DIREÇÃODOS QUIMIOTÁTICOS LIBERADOSA PARTIR DO TECIDO LESADO

Lâmina basal

Leucócito no tecido conectivo

Figura 23-38 A migração de leucócitos para fora da corrente sanguínea, durante uma resposta inflamatória. A resposta é iniciada por moléculas-sinal produzidas por células do local (principalmente no tecido conectivo) ou por ativação do complemento. Alguns destes mediadores atuam sobre as células endoteliais do capilar, fazendo-as afrouxar suas ligações com as células vizinhas, até que os capilares tornem-se mais permeáveis. As células endoteliais também são estimuladas a expressar selectinas, moléculas de superfície celular que reconhecem carboidratos específicos que estão pre-sentes na superfície de leucócitos no sangue e os fazem aderir ao endotélio. Os tecidos inflamados e as células endoteliais locais secretam outros media-dores, chamados de quimiocinas, que atuam como agentes quimiotáticos, fazendo os leucócitos ligados deslizarem entre as células endoteliais para dentro do tecido.

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liploide. Normalmente, eles se encontram junto aos seios sanguíneos e estendem processos celulares através de aberturas no revestimento endotelial desses vasos; as plaquetas brotam desses processos e são levadas pelo sangue (Figura 23-40).

Em função do arranjo complexo das células na medula óssea, em cortes de tecido nor-mal é difícil identificar quase todas as células, exceto as precursoras imediatas das células sanguíneas maduras. As células que correspondem aos estágios de desenvolvimento ain-da precoces, antes que qualquer diferenciação clara tenha iniciado, são muito semelhantes em sua aparência e, embora a distribuição espacial de tipos celulares tenha alguma carac-terística ordenada, não há características óbvias visíveis pelas quais se possa reconhecer as células-tronco principais. Para identificar e caracterizar as células-tronco, é necessário um ensaio funcional, que envolve o rastreamento da progênie de células individuais. Como ve-remos, isso pode ser feito in vitro simplesmente examinando-se as colônias produzidas por células isoladas em cultivo. Contudo, o sistema hemopoiético também pode ser manipulado de forma que tais clones de células possam ser reconhecidos in vivo no organismo animal.

Quando um animal é exposto a uma dose grande de raios X, a maior parte das células hemopoiéticas é destruída, e o animal morre dentro de poucos dias como resultado de sua incapacidade de produzir novas células sanguíneas. Entretanto, o animal pode ser salvo por uma transfusão de células coletadas da medula óssea de um doador saudável, imunologi-

Figura 23-39 Medula óssea. (A) Fotomicrografia óptica de um corte corado. Os grandes espaços vazios correspondem a células adiposas, das quais o conteúdo adiposo dissolveu-se durante a preparação da amostra. A célula gigante com um núcleo lobulado é um megacariócito. (B) Eletromicrografia de baixa magnitude. A medula óssea é a principal fonte de novas células sanguíneas (exceto dos linfócitos T, que são produzidos no timo). Notar que as células sanguíneas imaturas de um tipo particular tendem a agrupar-se em “grupos familiares”. (A, cortesia de David Mason; B, de J. A. G. Rhodin, Histology: A Text and Atlas. New York: Oxford University Press, 1974.)

(B)(A)50 �m

Eosinófiloimaturo

Monócitoimaturo

Eritrócito Linfócitoimaturo 10 �m

Megacariócitoimaturo

Precursores deeritrócitos

Neutrófilosimaturos

20 �mMegacariócitoCélulas sanguíneasem desenvolvimento

Processo do megacariócitobrotando plaquetas

Lúmen do seio sanguíneo

Célula endotelial da parede do seio

Eritrócito

Figura 23-40 Um megacariócito entre outras células na medula óssea. Seu tamanho enorme resulta do fato de ele possuir um núcleo altamente poliploi-de. Um megacariócito produz cerca de 10 mil plaquetas, que partem dos longos processos celulares que se es-tendem pelas aberturas nas paredes de um seio sanguíneo adjacente.

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camente compatível. Dentre estas células há algumas que podem colonizar o hospedeiro submetido à irradiação e reabastecê-lo permanentemente com tecido hemopoiético (Figu-ra 23-41). Experimentos deste tipo demonstram que a medula óssea contém células-tronco hemopoiéticas. Eles também mostram como podemos analisar a presença de células-tronco hemopoiéticas e, a partir daí, descobrir as características moleculares que as distinguem de outras células.

Para esse propósito, as células coletadas da medula óssea são separadas em grupos (utilizando-se um equipamento que separa células ativadas por fluorescência) de acordo com os antígenos de superfície que elas apresentam, e as frações diferentes são transfundi-das para os camundongos submetidos à irradiação. Se uma fração salva um camundongo hospedeiro submetido à irradiação, ela deve conter células-tronco hemopoiéticas. Dessa maneira, tem sido possível mostrar que as células-tronco hemopoiéticas são caracterizadas por uma combinação específica de proteínas de superfície celular e, com a separação apro-priada, podemos obter preparações praticamente puras de células-tronco. As células-tronco retiradas são uma minúscula fração da população da medula óssea – cerca de 1 célula em 10.000; mas isto é o suficiente. Uma quantidade tão pequena quanto cinco destas células injetadas em um camundongo hospedeiro com hemopoiese defeituosa é suficiente para re-constituir seu sistema hemopoiético inteiro, originando um conjunto completo de tipos de células sanguíneas, assim como novas células-tronco.

Uma célula-tronco multipotente origina todas as categorias de células sanguíneasPara acompanhar que variedade de tipos celulares uma única célula-tronco hemopoiética pode originar, é necessária uma forma de marcar o destino de sua progênie. Isto pode ser feito por meio da marcação genética individual das células-tronco, de modo que sua progê-nie pode ser identificada mesmo após as células terem sido liberadas na corrente sanguínea. Embora vários métodos tenham sido utilizados para isso, um retrovírus especialmente mo-dificado (um vetor retrovírus carregando um gene marcado) serve particularmente bem a esse propósito. O vírus marcador, como outros retrovírus, pode inserir seu próprio genoma nos cromossomos das células que ele infecta, mas os genes que permitiriam a ele originar novas partículas de vírus infecciosas foram removidos. Portanto, o marcador está confina-do à progênie das células que foram infectadas originalmente, e a progênie de cada uma dessas células pode ser distinguida da progênie de outra, porque os locais de inserção do vírus nos cromossomos são diferentes. Para analisar linhagens de células hemopoiéticas, as células da medula óssea são primeiramente infectadas com o vetor retrovírus in vitro e, então, são transferidas para um receptor mortalmente submetido à irradiação; as sondas de DNA podem então ser usadas para encontrar e marcar a progênie de células individuais infectadas nos vários tecidos hemopoiéticos e linfoides do hospedeiro. Estes experimentos mostram que a célula-tronco hemopoiética individual é multipotente e pode originar a va-riedade completa de tipos celulares sanguíneos, tanto mieloides como linfoides, assim como as próprias células-tronco novas (Figura 23-42).

Mais adiante neste capítulo, explicaremos como os mesmos métodos que foram desen-volvidos para experimentação em camundongos podem ser agora utilizados para o trata-mento de doenças em humanos.

O comprometimento é um processo de etapas sucessivasAs células-tronco hemopoiéticas não saltam diretamente de um estado multipotente para um comprometimento com só uma via de diferenciação; em vez disso, elas passam por uma série de restrições progressivas. A primeira etapa, normalmente, é o comprometimento com um destino mieloide ou um linfoide. Acredita-se que isto dá origem a dois grupos de células progenitoras, uma capaz de gerar um grande número de todos os tipos diferentes de células mieloides, ou talvez de células mieloides mais linfocitos B, e outro capaz de gerar um grande número de todos os tipos diferentes de células linfoides, ou pelo menos os linfocitos T. As eta-pas seguintes dão origem a progenitoras comprometidas com a produção de apenas um tipo celular. As etapas de comprometimento estão correlacionadas com mudanças na expressão de genes de proteínas reguladoras específicas, necessárias à produção de subgrupos diferen-tes de células sanguíneas. Estas proteínas parecem atuar de uma maneira combinada compli-cada: por exemplo, a proteína GATA1 é necessária para a maturação de células vermelhas do sangue, mas também está ativa em etapas muito precoces da via hemopoiética.

Irradiação com raios X faz parara produção de células sanguíneas;o camundongo morreria se nenhumtratamento adicional fosse dado

INJEÇÃO DE CÉLULAS DE MEDULAÓSSEA DE UM DOADOR SAUDÁVEL

O camundongo sobrevive;as células-tronco injetadas colonizam seus tecidoshemopoiéticos e originam umsuprimento estável decélulas sanguíneas novas

Figura 23-41 Salvamento de um ca-mundongo submetido à irradiação por transfusão de células da medula ós-sea. Um procedimento essencialmente semelhante é utilizado no tratamento de leucemia em pacientes humanos por transplante de medula óssea.

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A divisão de células progenitoras comprometidas amplificao número de células sanguíneas especializadasAs células progenitoras hemopoiéticas geralmente tornam-se comprometidas com uma via especial de diferenciação longa antes de cessarem a proliferação e tornarem-se definitiva-mente diferenciadas. As progenitoras comprometidas passam por muitas rodadas de divisão celular para amplificar o número definitivo de células de determinado tipo especializado. Dessa maneira, uma única divisão de célula-tronco pode levar à produção de milhares de células-filhas diferenciadas, o que explica por que o número de células-tronco é apenas uma

Célula-troncohemopoiéticamultipotente

Progenitorahemopoiéticamultipotente

Progenitoralinfoidecomum

Progenitoramieloidecomum

Célula T

Célula NK

Célula B

Célula dendrítica

Célula dendrítica

Eosinófilo

Basófilo

Mastócito

Neutrófilo

Monócito

Macrófago

Plaquetas

Megacariócito

Eritrócito

TIMO

Osteoclasto

CÉLULA-TRONCO PROGENITORAS COMPROMETIDAS CÉLULAS DIFERENCIADAS

Figura 23-42 Tentativa de um esquema de hemopoiese. A célula-tronco multipotente normalmente se divide com pouca frequência para gerar mais células-tronco multipotentes, que estão se autorrenovando, ou células progenitoras comprometidas, que são limitadas no número de vezes que podem se dividir, antes da diferenciação, para formar células sanguíneas maduras. Enquanto passam por suas divisões, as progenitoras tornam-se progressivamente mais especializadas na variedade de tipos ce-lulares a que podem dar origem, como indicado pela ramificação do diagrama de linhagem celular na região restrita ao quadro cinza. No entanto, muitos dos detalhes desta parte do diagrama de linhagem ainda são controversos. Nos mamíferos adultos, to-das as células mostradas desenvolvem-se principalmente na medula óssea – exceto os linfócitos T, que se desenvolvem no timo, e os macrófagos e os osteoclastos, que se desenvolvem a partir de monócitos do sangue. Algumas células dendríticas também podem derivar-se de monócitos.

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pequena fração da população total de células hemopoiéticas. Pela mesma razão, uma taxa alta de produção de células sanguíneas pode ser mantida, mesmo que a taxa de divisão de células-tronco seja baixa. Como observado anteriormente, a divisão pouco frequente ou ina-tiva é uma característica comum de células-tronco em vários tecidos. Pela redução do nú-mero de ciclos de divisão que as próprias células-tronco têm que sofrer ao longo de sua vida, diminui-se o risco de ocorrência de mutações em células-tronco, que originariam clones de células mutantes persistentes no corpo. Isto também tem outro efeito: reduz a taxa de se-nescência replicativa (discutido no Capítulo 17). Na verdade, células-tronco hemopoiéticas que são forçadas a manter-se dividindo rapidamente (por knockout de um gene chamado de Gfi1 que restringe sua taxa de proliferação, ou por outra maneira) não conseguem manter a hemopoiese por todo o ciclo normal de vida.

A natureza da etapa de comprometimento indica que o sistema hemopoiético pode ser considerado como uma árvore genealógica hierárquica de células. As células-tronco multi-potentes dão origem a células progenitoras comprometidas, que são especificadas para dar origem a apenas um ou a alguns poucos tipos de células sanguíneas. As progenitoras com-prometidas dividem-se com rapidez, mas apenas um número limitado de vezes antes de diferenciarem-se definitivamente em células que não se dividem mais e morrem após vários dias ou semanas. De modo geral, muitas células morrem também nas etapas iniciais da via. Os estudos em cultivo proporcionam uma maneira de descobrir como são reguladas a proli-feração, a diferenciação e a morte das células hemopoiéticas.

As células-tronco dependem dos sinais de contato de células do estromaAs células hemopoiéticas podem sobreviver, proliferar e diferenciar em cultivo se, e somente se, elas estiverem providas com proteínas-sinal específicas ou acompanhadas por células que produzem estas proteínas. Se privadas de tais proteínas, as células morrem. Para a ma-nutenção a longo prazo, também parece ser necessário o contato com as células de suporte apropriadas: a hemopoiese pode continuar funcionando in vitro por meses ou mesmo por anos por cultivo de células hemopoiéticas de medula óssea distribuídas sobre a superfície de uma camada de células do estroma da medula óssea, que imitam o ambiente da medula óssea intacta. Tais cultivos podem originar todos os tipos de células mieloides, e sua conti-nuação por longo prazo implica que as células-tronco, assim como sua progênie diferencia-da, estejam sendo produzidas continuamente.

Na medula óssea, onde elas normalmente vivem, as células-tronco hemopoiéticas estão localizadas principalmente em contato íntimo com os osteoblastos que revestem as super-fícies ósseas da cavidade medular – as células que produzem a matriz óssea. Tratamentos e mutações que aumentam ou diminuem o número de osteoblastos causam alterações cor-respondentes no número de células-tronco hemopoiéticas. Isto sugere que os osteoblastos fornecem os sinais que as células-tronco hemopoiéticas necessitam para mantê-las em seu estado de célula-tronco não-comprometida com a diferenciação, exatamente como a cripta intestinal fornece os sinais necessários para manter as células-tronco do epitélio do intes-tino. Em ambos os sistemas, normalmente as células-tronco estão confinadas a um nicho especial, e quando deixam este nicho, elas tendem a perder seu potencial de célula-tronco (Figura 23-43). As células-tronco hemopoiéticas na medula óssea e em qualquer outro local também estão frequentemente associadas a uma classe especial de células endoteliais, que podem fornecer-lhes um nicho alternativo.

Uma característica-chave do nicho de célula-tronco na medula óssea, como no intes-tino, é que ele fornece estímulo da via de sinalização Wnt. A ativação artificial desta via em células-tronco hemopoiéticas cultivadas as ajuda a sobreviver, proliferar e manter sua ca-racterística de célula-tronco, enquanto o bloqueio da sinalização Wnt faz o oposto. Outra interação importante para a manutenção da hemopoiese surgiu da análise de camundongos mutantes com uma combinação curiosa de defeitos: uma escassez de células vermelhas do sangue (anemia), de células germinativas (esterilidade) e de células pigmentares (manchas brancas da pele; ver Figura 22-86). Como discutido no Capítulo 22, esta síndrome resulta de mutações em um dos dois seguintes genes: um, chamado de Kit, codifica um receptor tirosina-cinase; o outro codifica o seu ligante. Os tipos celulares afetados pelas mutações derivam todos de precursores migratórios, e parece que, em cada caso, esses precursores devem expressar o receptor e serem supridos com o ligante pelo seu ambiente, para que sobrevivam e produzam progênie em número normal. Os estudos em camundongos mu-

Célula-tronco

Célula-tronco

Kit

Ligantede Kit

Célula doestroma

Célula doestroma

CÉLULA-TRONCO DIVIDE-SE

Célulaamplificadora

transitória

COMPROMETE-SE COM DIFERENCIAÇÃO

OU MORRE

CÉLULA-TRONCOMANTIDA

Figura 23-43 Dependência de células--tronco hemopoiéticas em contato com células do estroma. A interação dependente de contato entre Kit e seu ligante é um dos vários mecanismos de sinalização que acredita-se estarem envolvidos na manutenção de células-tronco hemopoiéticas. O sistema real certamente é mais complexo; a de-pendência das células hemopoiéticas em contato com as células do estroma pode não ser absoluta, visto que um pequeno número de células-tronco funcionais pode ser encontrado livre na circulação.

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tantes sugerem que o ligante de Kit deve estar ligado à membrana para ser completamente eficiente, indicando que a hemopoiese normal requer contato direto célula-célula entre as células hemopoiéticas que expressam a proteína receptora Kit e as células do estroma (entre elas osteoblastos) que expressam o ligante de Kit.

Os fatores que regulam a hemopoiese podem ser analisadosem cultivoEnquanto as células-tronco dependem do contato com as células do estroma para manu-tenção a longo prazo, sua progênie comprometida não apresenta essa dependência, ou ao menos não no mesmo grau. Assim, as células hemopoiéticas destacadas da medula óssea podem ser cultivadas em uma matriz semissólida de ágar ou metilcelulose diluída, e fatores retirados de outras células podem ser adicionados artificialmente ao meio. Como as células não podem migrar na matriz semissólida, a progênie de cada célula precursora isolada per-manece junta, como uma colônia facilmente distinguível. Um único progenitor de neutrófilo comprometido, por exemplo, pode dar origem a um clone de milhares de neutrófilos. Tais sistemas de cultivo têm permitido a análise dos fatores que sustentam a hemopoiese e, por conseguinte, sua purificação e a exploração de suas ações. Estas substâncias são glicoproteí-nas e normalmente são chamadas de fatores estimuladores de colônia (CSFs, colony-sti-mulating factors). Do número crescente de CSFs que têm sido descritos e purificados, alguns circulam no sangue e atuam como hormônios, enquanto outros atuam na medula óssea como mediadores locais secretados ou, da mesma forma que o ligante de Kit, como sinais ligados à membrana que funcionam por contato célula-célula. O mais bem-compreendido dos CSFs que atuam como hormônios é a glicoproteína eritropoietina, que é produzida nos rins e regula a eritropoiese, a formação das células vermelhas do sangue.

A eritropoiese depende do hormônio eritropoietinaO eritrócito é de longe o tipo mais comum de célula no sangue (ver Tabela 23-1). Quando maduro, ele está repleto de hemoglobina e não contém praticamente nenhuma das organe-las celulares habituais. Em um eritrócito de um mamífero adulto, mesmo o núcleo, o retículo endoplasmático, as mitocôndrias e os ribossomos estão ausentes, tendo sido expelidos da célula durante seu desenvolvimento (Figura 23-44). Portanto, o eritrócito não pode crescer ou dividir-se; a única maneira possível de produzir mais eritrócitos é por meio de células--tronco. Além disso, os eritrócitos têm um período de vida limitado – cerca de 120 dias em humanos ou 55 dias em camundongos. Os eritrócitos esgotados são fagocitados e digeridos por macrófagos no fígado e no baço, que removem mais de 1011 eritrócitos senis em cada um de nós, a cada dia. Os eritrócitos jovens protegem a si próprios deste destino ativamente: eles têm uma proteína em sua superfície que se liga a um receptor inibidor em macrófagos e, assim, evita sua fagocitose.

Uma falta de oxigênio ou escassez de eritrócitos estimula células especializadas no rim a sintetizarem e a secretarem quantidades aumentadas de eritropoietina na corrente san-guínea. A eritropoietina, por sua vez, estimula a produção de mais eritrócitos. Visto que é observada uma mudança na taxa de liberação de novos eritrócitos na corrente sanguínea em 1 a 2 dias após o aumento dos níveis de eritropoietina no sangue, o hormônio deve atuar em células que estão muito próximas dos precursores de eritrócitos maduros.

As células que respondem à eritropoietina podem ser identificadas pelo cultivo de células de medula óssea em matriz semissólida na presença de eritropoietina. Em poucos dias, apare-cem colônias de cerca de 60 eritrócitos, cada uma estabelecida por a uma única célula proge-nitora eritroide comprometida. Esta progenitora depende de eritropoietina para sua sobrevi-vência, assim como para sua proliferação. Ela ainda não contém hemoglobina, e é derivada de um tipo precoce de progenitora eritroide comprometida que não depende de eritropoietina.

Figura 23-44 Célula vermelha do sangue em desenvolvimento (eritroblas-to). A célula é mostrada expelindo seu núcleo para tornar-se um eritrócito imaturo (um reticulócito), que, então, deixa a medula óssea e passa para a corrente sanguínea. O reticulócito perderá suas mitocôndrias e ribossomos dentro de um ou dois dias, tornando-se um eritrócito maduro. Os clones de eritrócitos se desenvolvem na medula óssea sobre a superfície de um macró-fago, que fagocita e digere os núcleos descartados pelos eritroblastos.

5 �m

Eritroblasto

Reticulócito

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Um segundo CSF, chamado de interleucina-3 (IL3), promove a sobrevivência e a pro-liferação das células progenitoras eritroides precoces. Em sua presença, desenvolvem-se colônias eritroides muito grandes, contendo acima de 5 mil eritrócitos cada uma, desen-volvidas a partir de células de medula óssea cultivadas em um processo que requer uma semana ou 10 dias. Evidentemente, as descendentes das células-tronco hemopoiéticas, após tornarem-se comprometidas com o destino eritroide, têm que seguir seu caminho através de mais um programa longo de divisões celulares, alterando sua característica e sua dependên-cia de sinais do ambiente enquanto avançam na direção do estado final de diferenciação.

Múltiplos CSFs influenciam a produção de neutrófilos e macrófagosAs duas classes de células especializadas em fagocitose, os neutrófilos e os macrófagos, de-senvolvem-se a partir de uma célula progenitora comum chamada de célula progenitora de granulócito/macrófago (célula progenitora GM). Como os outros granulócitos (eosinófilos e basófilos), os neutrófilos circulam no sangue apenas por poucas horas antes de migrarem para fora dos capilares dentro dos tecidos conectivos ou de outros locais específicos, onde sobrevivem somente por alguns dias. Então, eles morrem por apoptose e são fagocitados por macrófagos. Em contraste, os macrófagos podem permanecer durante meses ou talvez mesmo anos fora da corrente sanguínea, onde podem ser ativados por sinais locais para re-começar a proliferação.

Pelo menos sete CSFs diferentes que estimulam a formação de colônias de neutrófilo e macrófago em cultivo foram definidos, e acredita-se que alguns ou todos esses atuem em combinações diferentes para regular a produção seletiva destas células in vivo. Esses CSFs são sintetizados por vários tipos celulares – incluindo as células endoteliais, os fibroblastos, os macrófagos e os linfócitos – e, de forma típica, sua concentração no sangue aumenta ra-pidamente em resposta à infecção bacteriana em um tecido, aumentando, assim, o número de células fagocitárias liberadas da medula óssea para a corrente sanguínea. A IL3 é um dos fatores menos específicos, atuando sobre células-tronco multipotentes bem como sobre a maioria dos tipos de células progenitoras comprometidas, incluindo as células progenitoras GM. Vários outros fatores agem de forma mais seletiva sobre as células progenitoras GM comprometidas e a sua progênie diferenciada (Tabela 23-2), embora em muitos casos eles também atuem sobre certos outros ramos da árvore genealógica hemopoiética.

Todos esses CSFs, como a eritropoietina, são glicoproteínas que atuam em baixas con-centrações (cerca de 10–12 M) por ligação a receptores de superfície celular específicos, como discutido no Capítulo 15. Poucos desses receptores são tirosina-cinases transmembrana, mas a maioria pertence à grande família de receptores citocina, cujos membros normalmen-te são compostos de duas ou mais subunidades, uma das quais frequentemente é comparti-lhada entre vários tipos de receptores (Figura 23-45). Os CSFs não funcionam apenas sobre as células precursoras para promover a produção de progênie diferenciada, eles também ativam as funções especializadas (como a fagocitose e as células-alvo de morte) das célu-las definitivamente diferenciadas. As proteínas produzidas artificialmente a partir de genes clonados para estes fatores são potentes estimuladores de hemopoiese em animais de labo-ratório. Atualmente são utilizadas amplamente em pacientes humanos para estimular a re-generação do tecido hemopoiético e desenvolver resistência a infecções – uma demonstra-

Tabela 23-2 Alguns fatores estimuladores de colônia (CSFs) que influenciam a formação de célula sanguínea

FATOR CÉLULAS-ALVO CÉLULAS QUE OS PRODUZEM RECEPTORES

Eritropoietina CFC-E Células do rim Família citocinaInterleucina 3 (IL3) Célula-tronco multipotente, a maioria

das células progenitoras, muitas células diferenciadas definitivamente

Linfócitos T, células da epiderme

Família citocina

CSF de granulócito/ macrófago (GMCSF)

Células progenitoras GM Linfócitos T, células endoteliais, fibroblastos

Família citocina

CSF de granulócito (GCSF) Células progenitoras GM e neutrófilos Macrófagos, fibroblastos Família citocina

CSF de macrófago (MCSF) Células progenitoras GM e macrófagos Fibroblastos, macrófagos, células endoteliais

Família receptor tirosina-cinase

Ligante Kit Células-tronco hemopoiéticas Células do estroma na medula óssea e muitas outras células

Família receptor tirosina-cinase

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ção impressionante de como a pesquisa básica em biologia celular e os experimentos com animais podem levar a um melhor tratamento médico.

O comportamento de uma célula hemopoiética dependeem parte do acasoOs CSFs são definidos como fatores que promovem a produção de colônias de células sanguí-neas diferenciadas. Contudo, que efeito, precisamente, um CSF tem sobre uma célula hemo-poiética individual? O fator pode controlar a taxa de divisão celular ou o número de ciclos de divisão que a célula progenitora sofre antes de se diferenciar; pode atuar mais tarde na linha-gem hemopoiética para facilitar a diferenciação; pode agir de forma precoce para influenciar o comprometimento; ou pode simplesmente aumentar a probabilidade de sobrevivência ce-lular (Figura 23-46). Pelo monitoramento do destino de células hemopoiéticas individuais isoladas em cultivo, é possível demonstrar que um único CSF, como o GMCSF, pode exercer todos esses efeitos, embora ainda não esteja claro qual é o mais importante in vivo.

Figura 23-45 Compartilhamento de subunidades entre receptores de CSF. Os receptores de IL3 e os recep-tores de GMCSF humano têm subuni-dades a diferentes e uma subunidade b comum. Acredita-se que seus ligantes se unam com baixa afinidade à subuni-dade a livre, desencadeando a junção do heterodímero que se une com alta afinidade ao ligante.

Figura 23-46 Alguns dos parâmetros por meio dos quais a produção de células sanguíneas de um tipo especí-fico poderia ser regulada. Estudos em cultivo sugerem que os fatores estimu-ladores de colônia (CSFs) podem afetar todos estes aspectos da hemopoiese.

Sinal

+Subunidade � doreceptor de IL3

IL3

Sinal

Subunidade� comum

+Subunidade � doreceptor de GMCSF

GMCSF

Receptor debaixa afinidade

Receptor dealta afinidade

Célula--tronco 1. Frequência de divisão da célula-tronco

2. Probabilidade de morte da célula-tronco3. Probabilidade de que a célula-tronco filha se torne uma célula progenitora comprometida de um certo tipo

4. Tempo do ciclo de divisão da célula progenitora comprometida

6. Número de divisões da célula progenitora comprometida antes da diferenciação definitiva

7. Tempo de vida das células diferenciadas

Célula sanguíneadiferenciadadefinitivamente

Célula progenitoracomprometida

PARÂMETRO CONTROLÁVEL

5. Probabilidade de morte da célula progenitora

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Além disso, os estudos in vitro indicam que a maneira como uma célula hemopoiética se comporta se deve, em grande parte, ao acaso – provavelmente, uma reflexão do “baru-lho” no sistema de controle genético, discutido no Capítulo 7. Ao menos alguns dos CSFs parecem atuar regulando probabilidades, e não ditando diretamente o que a célula fará. Em cultivos de células hemopoiéticas, mesmo que as células sejam selecionadas para ser uma população o mais homogênea possível, há uma variação considerável nos tamanhos e, fre-quentemente, nas características das colônias que se desenvolvem. E, se duas células-irmãs são retiradas imediatamente após a divisão celular e cultivadas separadamente sob condi-ções idênticas, elas com frequência dão origem a colônias que contêm tipos diferentes de células sanguíneas, ou aos mesmos tipos de células sanguíneas em número diferente. Assim, tanto a programação da divisão celular quanto o processo de comprometimento a uma via particular de diferenciação parecem envolver acontecimentos ao acaso no nível de uma cé-lula individual, mesmo que o comportamento de um sistema multicelular como um todo seja regulado de uma maneira segura. A sequência de restrições ao destino celular apresen-tada na Figura 23-42 exprime a impressão de um programa executado com a mesma lógica e precisão do computador. Células individuais podem ser mais peculiares e inconstantes, e algumas vezes podem avançar por outra via de decisão a partir da célula-tronco em direção à diferenciação definitiva.

A regulação da sobrevivência celular é tão importante quantoa regulação da proliferação celularO comportamento-padrão das células hemopoiéticas na ausência de CSFs é a morte por apoptose (discutido no Capítulo 18). Assim, em princípio, os CSFs poderiam regular o núme-ro de vários tipos de células sanguíneas inteiramente pelo controle seletivo da sobrevivência celular dessa via. Há evidências de que o controle da sobrevivência celular, na verdade, repre-senta uma parte central na regulação do número de células sanguíneas, assim como ocorre para hepatócitos e muitos outros tipos de células, como vimos anteriormente. A intensidade de apoptose no sistema hemopoiético dos vertebrados é enorme: por exemplo, bilhões de neutrófilos morrem dessa maneira a cada dia em um humano adulto. Na verdade, a maioria de neutrófilos produzidos na medula óssea morre ali, sem jamais exercer sua função. Este ciclo inútil de produção e de destruição serve, provavelmente, para manter um suprimen-to-reserva de células que pode ser imediatamente mobilizado para combater uma infecção sempre que ela surgir, ou para ser fagocitado e digerido para reciclagem, quando tudo está em ordem. Comparada à vida do organismo, a vida das células tem pouca importância.

Pouca morte celular pode ser tão perigosa para a saúde de um organismo multicelu-lar quanto a proliferação demasiada. No sistema hemopoiético, as mutações que inibem a morte celular por causarem a produção excessiva do inibidor intracelular de apoptose Bcl2 promovem o desenvolvimento de câncer em linfócitos B. Na verdade, a capacidade para au-torrenovação ilimitada é uma característica perigosa para qualquer célula, e muitos casos de leucemia surgem por mutações que conferem esta capacidade a células precursoras hemo-poiéticas comprometidas que normalmente estariam destinadas a se diferenciar e morrer, após um número limitado de ciclos de divisão.

ResumoOs muitos tipos de células sanguíneas, incluindo os eritrócitos, os linfócitos, os granulócitos e os macrófagos, derivam todos de uma célula-tronco multipotente comum. No adulto, as células-tronco hemopoiéticas são encontradas principalmente na medula óssea e dependem de sinais de células do estroma da medula (tecido conectivo), especialmente osteoblastos, para manter sua característica de célula-tronco. Como em alguns outros sistemas de célula-tronco, a via de sinalização Wnt parece ser crítica para a manutenção de célula-tronco, embora não seja a única envolvida. Normalmente, as células-tronco se dividem de forma pouco frequente para produzir mais células-tronco (autorre-novação) e várias células progenitoras comprometidas (células amplificadoras transitórias), cada uma capaz de dar origem a apenas um ou uns poucos tipos de células sanguíneas. As células proge-nitoras comprometidas se dividem sob a influência de várias moléculas de proteínas sinalizadoras (fatores estimuladores de colônia, ou CSFs) e, então, se diferenciam definitivamente em células san-guíneas maduras, que geralmente morrem após vários dias ou semanas.

Os estudos de hemopoiese têm sido bastante auxiliados por análises in vitro nas quais as célu-las-tronco ou as células progenitoras comprometidas formam colônias clonais, quando cultivadas em uma matriz semissólida. A progênie de células-tronco parece fazer suas escolhas entre vias alter-

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nativas de desenvolvimento de uma maneira parcialmente ao acaso. A morte celular por apoptose, controlada pela disponibilidade de CSFs, também desempenha um papel central na regulação do número de células sanguíneas diferenciadas maduras.

ORIGEM, MODULAÇÃO E REGENERAÇÃODO MÚSCULO ESQUELÉTICOO termo “músculo” inclui muitos tipos celulares, todos especializados em contração, mas diferentes em outros aspectos. Como observado no Capítulo 16, todas as células de eucario-tos possuem um sistema contrátil envolvendo actina e miosina, mas as células musculares desenvolveram este mecanismo em um nível elevado. Os mamíferos possuem quatro tipos principais de células especializadas para contração: as células do músculo esquelético, as células do músculo cardíaco (coração), as células do músculo liso e as células mioepiteliais (Figura 23-47). Elas diferem em função, em estrutura e desenvolvimento. Embora todas pro-duzam forças contráteis pelo uso de sistemas de filamentos organizados com base em actina e em miosina, as moléculas de actina e de miosina utilizadas são um pouco diferentes na se-quência de aminoácidos, estão arranjadas de forma diferente nas células e estão associadas a grupos diferentes de proteínas para controlar a contração.

As células do músculo esquelético são responsáveis por praticamente todos os mo-vimentos que estão sob controle voluntário. Essas células podem ser muito grandes (2 a 3

(A)

Fibra muscular esquelética

Célula muscular cardíaca Célula muscular lisa Célula mioepitelial

(C)(B)

(D) (E)

50 �m

Célulasmuscularescardíacas

10 �m

10 �m50 �m

10 �m

Célula mioepitelial

Célulasecretorade leite

Fibrasmuscularesesqueléticas

Fibrasnervosas

Feixesde célulasmusculareslisas

Figura 23-47 Os quatro tipos de célu-las musculares de um mamífero. (A) Desenhos esquemáticos (em escala). (B-E) Eletromicrografias de varredura mostrando (B) músculo esquelético do pescoço de um hamster, (C) músculo cardíaco de um rato, (D) músculo liso da bexiga de uma cobaia e (E) células mioepiteliais em um alvéolo secretor de uma glândula mamária de rata em lac-tação. As setas em (C) apontam para os discos intercalares – junções entre as ex-tremidades de duas células musculares cardíacas; as células musculares esque-léticas dos músculos longos são unidas nas extremidades de forma semelhante. Observar que o músculo liso é mostrado em aumento menor que os outros. (B, cortesia de Junzo Desaki; C, de T. Fujiwa-ra, in Cardiac Muscle in Handbook of Microscopic Anatomy [E. D. Canal, ed.]. Berlin: Springer-Verlag, 1986; D, cortesia de Satoshi Nakasiro; E, de T. Nagato et al., Cell Tiss. Res. 209:1-10, 1980. Com permissão de Springer-Verlag.)

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cm de comprimento e 100 �m de diâmetro em um humano adulto) e muitas vezes são cha-madas de fibras musculares, por causa de sua forma altamente alongada. Cada uma é um sincício, contendo muitos núcleos dentro de um citoplasma comum. Os outros tipos de célu-las musculares são mais convencionais, geralmente tendo apenas um núcleo. As células do músculo cardíaco se parecem com fibras musculares esqueléticas, porque seus filamentos de actina e de miosina estão alinhados em arranjos muito ordenados para formar uma série de unidades contráteis chamadas de sarcômeros, de maneira que as células têm uma aparên-cia estriada (listrada). As células do músculo liso são assim chamadas porque não parecem estriadas. As funções do músculo liso variam muito, desde impulsionar o alimento ao longo do trato digestivo até eriçar os pelos em resposta ao frio ou ao medo. As células mioepite-liais também não têm estriações, mas, ao contrário de todas as outras células musculares, elas estão situadas em epitélios e derivam do ectoderma. Elas formam o músculo dilatador da íris do olho e servem para expelir a saliva, o suor e o leite das glândulas correspondentes, como discutido anteriormente (ver Figura 23-11). As quatro categorias principais de células musculares podem ser divididas ainda em subtipos distintos, cada um com seus próprios aspectos característicos.

Os mecanismos de contração muscular são discutidos no Capítulo 16. Aqui será levado em consideração como o tecido muscular é originado e mantido. O enfoque será a fibra mus-cular esquelética, a qual tem uma forma curiosa de desenvolvimento, uma capacidade im-pressionante para modular seu caráter diferenciado e uma estratégia incomum para reparo.

Os mioblastos fundem-se para formar novas fibras musculares esqueléticasO Capítulo 22 descreveu como certas células, originadas dos somitos de um embrião de ver-tebrado em um estágio muito precoce, são destinadas a diferenciar-se como mioblastos, os precursores das fibras musculares esqueléticas. O comprometimento para ser um mioblasto depende de proteínas reguladoras de genes de pelo menos duas famílias – um par de pro-teínas homeodomínio chamadas de Pax3 e Pax7 e a família MyoD de proteínas hélice-volta--hélice (discutido no Capítulo 7). Estas atuam de forma combinada para dar ao mioblasto uma memória de seu estado comprometido e, eventualmente, para regular a expressão de outros genes que dão à célula muscular madura sua característica especializada (ver Figu-ra 7-75). Após um período de proliferação, o mioblasto sofre uma mudança dramática de estado: ele para de se dividir, ativa a expressão de uma bateria inteira de genes músculo-específicos necessária à diferenciação definitiva e fundem-se uns com os outros para formar fibras musculares esqueléticas multinucleadas (Figura 23-48). A fusão envolve moléculas de adesão célula-célula específicas que medeiam o reconhecimento entre os mioblastos

(A)100 �m

(B)100 �m

(C)25 �m

Figura 23-48 Fusão de mioblastos em cultivo. O cultivo está corado com anticorpo fluorescente (verde) contra a miosina do músculo esquelético, que marca as células musculares diferencia-das, e com um corante DNA-específico (azul) para mostrar os núcleos celulares. (A) Pouco tempo após a troca para um meio de cultivo que favorece a diferen-ciação, apenas dois dos muitos mio-blastos no campo visual interromperam a produção de miosina e se fundiram para formar uma célula muscular com dois núcleos (em cima à direita). (B) Um pouco mais tarde, quase todas as célu-las tinham se diferenciado e fundido. (C) Observação em maior magnitude, mostrando as estriações características (listras transversais finas) em duas das células musculares multinucleadas. (Cortesia de Jacqueline Gross e Terence Partridge.)

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recém-diferenciados e as fibras. Uma vez que tenha ocorrido a diferenciação, as células não se dividem, e os núcleos jamais replicam seu DNA novamente.

Os mioblastos que são mantidos proliferando em cultivo por períodos longos de até dois anos ainda mantêm a capacidade de se diferenciar e podem se fundir para formar células musculares em resposta a uma mudança adequada nas condições de cultivo. Os sinais pro-teicos apropriados no meio de cultivo, como o fator de crescimento de fibroblasto ou de he-patócito (FGF ou HGF), podem manter os mioblastos no estado proliferativo indiferenciado: se esses fatores solúveis são removidos, as células param rapidamente de se dividir, diferen-ciar e fundir. No entanto, o sistema de controles é complexo, e a ligação à matriz extracelular também é importante para a diferenciação do mioblasto. Além disso, o processo de diferen-ciação é cooperativo: os mioblastos em diferenciação secretam fatores que aparentemente estimulam outros mioblastos a se diferenciar.

As células musculares podem variar suas propriedades mudandoas isoformas das proteínas que contêmUma vez formada, a fibra muscular esquelética cresce, amadurece e modula suas caracte-rísticas. O genoma contém múltiplas cópias diferentes dos genes que codificam muitas das proteínas características da célula muscular esquelética, e os transcritos de RNA de muitos desses genes podem ser submetidos ao splicing de diversas maneiras. Como resultado, as fibras musculares produzem muitas formas variantes (isoformas) das proteínas do sistema contrátil. À medida que a fibra muscular amadurece, ela sintetiza isoformas diferentes, para satisfazer as demandas de mudanças na rapidez, na força e na resistência pelo feto, recém--nascido e adulto. Em um único músculo adulto, diversos tipos diferentes de fibras mus-culares esqueléticas, cada uma com tipos diferentes de isoformas proteicas e propriedades funcionais distintas, podem ser encontrados lado a lado (Figura 23-49). As características dos diferentes tipos de fibra são determinadas em parte antes do nascimento pelo programa genético de desenvolvimento em parte na vida pós-parto por meio de atividade e treinamen-to. Diferentes tipos de neurônios motores inervam fibras musculares lentas (para contração contínua) e fibras musculares rápidas (para contração rápida), e a inervação pode regular a expressão dos genes e o tamanho da fibra muscular, por meio dos padrões diferentes de estímulo elétrico liberados por esses neurônios.

As fibras musculares esqueléticas secretam miostatinapara limitar o seu próprio crescimentoUm músculo pode crescer de três maneiras: suas fibras podem aumentar em número, em comprimento ou em diâmetro. Como as fibras musculares esqueléticas não são capazes de se dividir, novas fibras só podem ser produzidas pela fusão de mioblastos e, na verdade, o número de fibras musculares esqueléticas multinucleadas do adulto é adquirido cedo – antes do nascimento, nos humanos. Uma vez formada, geralmente, uma fibra muscular esquelética sobrevive durante toda a vida do animal. No entanto, os núcleos musculares individuais po-dem ser adicionados ou perdidos. O grande aumento no volume muscular após o nascimento ocorre por aumento celular. O crescimento em comprimento depende do recrutamento de mais mioblastos para dentro das fibras multinucleadas existentes, o que aumenta o número de núcleos em cada célula. O crescimento em diâmetro, como ocorre nos músculos dos halte-rofilistas, envolve tanto o recrutamento de mioblastos quanto um aumento no tamanho e no número de miofibrilas contráteis que cada núcleo de fibra muscular sustenta.

Figura 23-49 Fibras musculares rápidas e lentas. Duas secções transversais consecutivas do mesmo pedaço de músculo da perna de camundongo adulto foram coradas com anticorpos distintos, cada um específico para uma isoforma diferente da cadeia pesada da proteína miosina, e as imagens das duas secções foram sobrepostas para mostrar o padrão dos tipos de fibra muscular. As fibras coradas com anticorpo contra miosina “rápida” (cinza) são especializadas em produzir contrações rápidas; as fibras coradas com anticorpo contra miosina “lenta” (rosa) são especializadas em produzir contrações lentas e contínuas. As fibras de contração rápida são conhecidas como fibras musculares brancas, por-que contêm relativamente pouca coloração pela proteína ligadora de oxigênio mioglobina. As fibras musculares lentas são chamadas de fibras musculares ver-melhas, porque contêm muito mais mioglobina. (Cortesia de Simon Hughes.)

20 �m

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Portanto, quais são os mecanismos que controlam o número de células musculares e o tamanho da célula muscular? Uma parte da resposta encontra-se em uma proteína-sinal ex-tracelular chamada de miostatina. Os camundongos com uma mutação de perda de função no gene da miostatina têm músculos enormes – duas ou três vezes maiores que o normal (Figura 23-50). Tanto o número como o tamanho das células musculares parecem estar au-mentados. Mutações no mesmo gene estão presentes nas raças de bovinos ditos de “mus-culatura dupla” (ver Figura 17-69): ao selecionarem para músculos maiores, os criadores de bovinos selecionam, sem querer, para deficiência de miostatina. A miostatina pertence à superfamília de proteínas-sinal TGF�. Normalmente, ela é produzida e secretada por cé-lulas musculares esqueléticas, e atua de maneira eficaz sobre mioblastos, inibindo tanto a proliferação quanto a diferenciação. Evidentemente, sua função é providenciar a regulação inibidora (feedback negativo) para limitar o crescimento muscular, na vida adulta e durante o desenvolvimento. O crescimento de alguns outros órgãos é controlado de forma semelhan-te pela ação de feedback negativo de um fator que eles próprios produzem. Encontraremos outro exemplo em uma seção posterior.

Alguns mioblastos continuam como células-tronco quiescentes (inativas) no adultoMesmo que, normalmente, os humanos não produzam novas fibras musculares esquelé-ticas na vida adulta, eles ainda têm a capacidade para produzi-las, e as fibras musculares existentes podem retomar o crescimento quando surge a necessidade. Células com capaci-dade de atuar como mioblastos são conservadas na forma de células pequenas, achatadas e inativas, situadas em contato íntimo com as células musculares maduras e estando contidas dentro da sua bainha de lâmina basal (Figura 23-51). Se o músculo é lesado ou estimulado a crescer, estas células satélite são ativadas a proliferar, e sua progênie pode se fundir para re-parar o músculo lesado ou para permitir o crescimento muscular. Como os mioblastos, elas são reguladas pela miostatina. Portanto, as células satélite, ou algum subgrupo de células satélite, são as células-tronco do músculo esquelético adulto, normalmente mantidas como reserva em um estado quiescente, mas disponíveis quando necessárias como fonte autorre-novável de células diferenciadas definitivas. Estudos destas células têm fornecido a mais cla-ra evidência para a hipótese da “fita imortal” de divisão assimétrica de célula-tronco, como ilustrado anteriormente na Figura 23-10.

No entanto, o processo de reparo muscular por meio de células satélite é limitado no que ele pode obter. Em uma forma de distrofia muscular, por exemplo, um defeito genético na proteína de citoesqueleto distrofina causa lesão nas células musculares esqueléticas di-ferenciadas. Como resultado, as células satélite proliferam para reparar as fibras musculares lesadas. Contudo, esta resposta regenerativa é incapaz de acompanhar a lesão e, por fim, o tecido conectivo substitui as células musculares, impedindo qualquer possibilidade remota de regeneração. Uma perda semelhante de capacidade para regeneração parece contribuir para o enfraquecimento do músculo nos idosos.

Na distrofia muscular, em que as células satélite são constantemente recrutadas para proliferar, sua capacidade de divisão pode sofrer esgotamento em consequência do encur-tamento progressivo de seus telômeros durante cada ciclo celular (discutido no Capítulo 17). As células-tronco de outros tecidos parecem ser limitadas da mesma maneira, como observa-mos anteriormente no caso de células-tronco hemopoiéticas: normalmente elas dividem-se

Célula satélite

(A)

(B) (C)

Camundongonormal

Mutante paramiostatina

Figura 23-50 Regulação do tamanho do músculo pela miostatina. (A) Um camundongo normal comparado com um camundongo mutante deficiente em miostatina. (B) Perna de um camun-dongo normal e (C) de um deficiente em miostatina, com a pele removida para mostrar o grande aumento da musculatura no mutante. (De S. J. Lee e A. C. McPherron, Curr. Opin. Genet. Devel. 9:604-607, 1999. Com permissão de Elsevier.)

Figura 23-51 Uma célula satélite sobre uma fibra muscular esquelética. A amostra está corada com um anticorpo (vermelho) contra uma caderina muscu-lar, M-caderina, que está presente tanto na célula satélite como na fibra muscu-lar e está concentrada no local em que suas membranas estão em contato. Os núcleos da fibra muscular estão corados de verde, e o núcleo da célula satélite está corado em azul. (Cortesia de Teren-ce Partridge.)

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apenas a uma taxa lenta, e mutações ou circunstâncias excepcionais que causem uma divisão mais rápida podem levar à exaustão prematura do suprimento de células-tronco.

ResumoAs fibras musculares esqueléticas são uma das quatro categorias principais de células de vertebrados especializadas em contração e são responsáveis por todos os movimentos voluntários. Cada fibra mus-cular esquelética é um sincício e se desenvolve pela fusão de muitos mioblastos. Os mioblastos prolife-ram muito, mas uma vez que tenham se fundido, não podem mais se dividir. A fusão geralmente resulta do começo da diferenciação do mioblasto, na qual muitos genes que codificam proteínas musculares específicas estão ligados coordenadamente. Alguns mioblastos persistem em um estado quiescente na forma de células satélite no músculo adulto; quando um músculo é lesado, essas células são reativadas a proliferar e se fundem para substituir as células musculares que foram perdidas. O volume muscular é regulado homeostaticamente por um mecanismo de feedback negativo (regulação inibidora), no qual o músculo existente secreta miostatina, que inibe o crescimento muscular adicional.

FIBROBLASTOS E SUAS TRANSFORMAÇÕES:A FAMÍLIA DE CÉLULAS DO TECIDO CONECTIVOMuitas das células diferenciadas no corpo adulto podem ser agrupadas em famílias cujos membros estão intimamente relacionados quanto as suas origens e características. Um exemplo importante é a família de células do tecido conectivo, cujos membros não estão apenas relacionados, mas também, geralmente, são conversíveis entre si. A família inclui os fibroblastos, as células cartilaginosas e as células ósseas, os quais são todos especializados na secreção de matriz extracelular rica em colágeno e são, em conjunto, responsáveis pela arqui-tetura estrutural do corpo. A família do tecido conectivo inclui também as células adiposas e as células musculares lisas. Esses tipos celulares e as interconversões que se acredita que ocorram entre eles são ilustradas na Figura 23-52. As células do tecido conectivo contribuem para o suporte e o reparo de quase todo tecido e órgão, e a capacidade de adaptação de seu estado diferenciado é uma característica importante das respostas a muitos tipos de lesão.

Os fibroblastos mudam suas características em respostaaos sinais químicosOs fibroblastos parecem ser as células menos especializadas na família do tecido conectivo. Eles estão dispersos no tecido conectivo de todo o corpo e secretam uma matriz extracelu-lar não-rígida que é rica em colágeno do tipo I ou tipo III, ou ambos, como foi discutido no Capítulo 19. Quando um tecido é lesado, os fibroblastos próximos proliferam, migram para a ferida e produzem grandes quantidades de matriz rica em colágeno, que ajuda a isolar e a reparar o tecido lesado. Sua capacidade de proliferação em caso de lesão, juntamente com seu estilo de vida solitário, pode explicar por que os fibroblastos são as células mais fáceis de crescer em cultivo – uma característica que tem feito delas o assunto preferido para estudos de biologia celular (Figura 23-53).

Célula óssea(osteoblasto/osteócito)

Fibroblasto

Célula da cartilagem(condroblasto/condrócito)

Célula muscular lisa

Célula adiposa(adipócito)

Figura 23-52 A família das células do tecido conectivo. As setas mostram as interconversões que se acredita que ocorram dentro da família. Para simpli-ficar, o fibroblasto é mostrado como um tipo celular único, mas de fato é incerto quantos tipos de fibroblasto existem e se a diferenciação potencial de tipos di-ferentes é limitada de formas diferentes.

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Como indicado na Figura 23-52, os fibroblastos também parecem ser as células mais versáteis do tecido conectivo, mostrando uma capacidade notável de diferenciar-se em ou-tros membros da família. No entanto, há incertezas a respeito de suas interconversões. Os fibroblastos em diferentes partes do corpo são intrinsecamente diferentes, e pode haver dife-renças entre eles mesmo em uma mesma região. Os fibroblastos “maduros” com uma menor capacidade de transformação podem, por exemplo, coexistir lado a lado com os fibroblastos “imaturos” (frequentemente chamados de células mesenquimais), que podem se desenvol-ver em uma grande variedade de tipos celulares maduros.

As células do estroma da medula óssea, mencionadas anteriormente, proporcionam um bom exemplo de versatilidade do tecido conectivo. Estas células, que podem ser conside-radas um tipo de fibroblasto, podem ser isoladas da medula óssea e propagadas em culti-vo. Grandes clones de progênie podem ser produzidos dessa maneira, a partir de um único ancestral de células do estroma. De acordo com as proteínas-sinal que são adicionadas ao meio de cultivo, os membros de um determinado clone podem continuar proliferando para produzir mais células do mesmo tipo, ou podem se diferenciar como células adiposas, célu-las de cartilagem ou células ósseas. Por causa de sua característica multipotente de autorre-novação, são referidas como células-tronco mesenquimais.

Os fibroblastos da camada dérmica da pele são diferentes. Quando colocados nas mes-mas condições de cultivo, eles não apresentam a mesma plasticidade. Além disso, eles tam-bém podem ser induzidos a modificar suas características. Por exemplo, na cicatrização da ferida, eles alteram sua expressão do gene de actina e adquirem algumas das propriedades contráteis das células musculares lisas, auxiliando, desse modo, a aproximar as margens do ferimento; tais células são chamadas de miofibroblastos. De forma mais drástica, se uma preparação de matriz óssea, obtida após moer o osso em um pó fino e dissolver o compo-nente mineral rígido, é implantada na camada dérmica da pele, algumas das células (prova-velmente fibroblastos) se transformarão em células cartilaginosas e, um pouco mais tarde, serão modificadas em células ósseas, criando, assim, uma pequena protuberância de osso. Esses experimentos sugerem que os componentes da matriz extracelular podem influenciar drasticamente a diferenciação de células do tecido conectivo.

Veremos que transformações celulares semelhantes ocorrem no reparo natural de fratu-ras ósseas. Na verdade, a matriz óssea contém altas concentrações de várias proteínas-sinal que podem afetar o comportamento de células do tecido conectivo. Estas incluem membros da superfamília TGF�, inclusive BMPs e o próprio TGF�. Estes fatores regulam o crescimen-to, a diferenciação e a síntese de matriz pelas células do tecido conectivo, exercendo uma variedade de ações, dependendo do tipo de célula-alvo e da combinação de outros fatores e componentes da matriz que estejam presentes. Quando injetados em um animal vivo, eles podem induzir a formação de matriz cartilaginosa, óssea ou fibrosa, de acordo com o local e as circunstâncias da injeção. O TGF� é especialmente importante na cicatrização da ferida, onde estimula a conversão de fibroblastos em miofibroblastos e promove a formação de um tecido cicatricial rico em colágeno que dá resistência à ferida cicatrizada.

A matriz extracelular pode influenciar a diferenciação das células do tecido conectivo por influenciar na forma e na ligação celularA matriz extracelular pode influenciar o estado diferenciado das células do tecido conectivo por meio de efeitos físicos e químicos. Isto tem sido demonstrado em estudos com cultivo de células de cartilagem, ou condrócitos. Sob condições de cultivo adequadas, essas célu-las proliferam e mantêm sua característica diferenciada, continuando a sintetizar, duran-te muitas gerações celulares, grandes quantidades de uma matriz cartilaginosa muito ca-racterística, com a qual elas mesmas se cercam. No entanto, se as células são mantidas em uma densidade relativamente baixa e permanecem como uma monocamada sobre a placa

Figura 23-53 O fibroblasto. (A) Uma fotomicrografia em contraste de fase de fibroblastos em cultivo. (B) Estes desenhos de uma célula viva semelhante a fibroblasto, na cauda transparente de um girino, mostram as mudanças em sua forma e em sua posição em dias sucessivos. Note que apesar de os fibroblastos se tornarem achatados em cultivo, eles podem ter uma morfologia mais com-plexa, com muitos processos celulares, nos tecidos. Ver também Figura 19-54. (A, de E. Pokorna et al., Cell Motil. Cytoskeleton. 28:25-33, 1994; B, redesenhado de E. Clark, Am. J. Anat. 13:351-379, 1912. Ambos com permissão de Willey-Liss.)

Dia 1

Dia 2

Dia 3

Dia 4(B)

(A) 10 �m

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de cultivo, ocorre uma transformação. Elas perdem sua forma arredondada característica, tornam-se achatadas sobre o substrato e param de produzir matriz cartilaginosa: cessam a produção de colágeno tipo II, característico da cartilagem, e começam a produzir o colágeno tipo I, característico dos fibroblastos. Ao final de um mês em cultivo, quase todas as células cartilaginosas interrompem sua expressão gênica de colágeno e adquirem a aparência de fibroblastos. A modificação bioquímica deve ocorrer bruscamente, uma vez que poucas cé-lulas são observadas produzindo ambos os tipos de colágeno simultaneamente.

A alteração bioquímica parece ser induzida, ao menos em parte, pela modificação na forma e na ligação celular. Por exemplo, as células cartilaginosas que fizeram a transição para uma característica semelhante a do fibroblasto podem ser suavemente separadas da placa de cultivo e transferidas para uma placa de agarose. Por formar um gel em torno delas, a agarose mantém as células suspensas sem nenhuma fixação a um substrato, forçando-as a adotar uma forma arredondada. Nestas circunstâncias, as células prontamente revertem à característica de condrócitos e começam a produzir novamente colágeno tipo II. A for-ma e a fixação celular podem controlar a expressão de genes através de sinais intracelulares produzidos em contatos focais por integrinas que atuam como receptores da matriz, como discutido no Capítulo 19.

Para muitos tipos de células, e especialmente para uma célula do tecido conectivo, as possibilidades para ligação e fixação dependem da matriz circundante, que normalmente é produzida pela própria célula. Assim, uma célula pode criar um ambiente que atua de volta sobre ela própria, reforçando seu estado diferenciado. Além disso, a matriz extracelular que uma célula secreta faz parte do ambiente para as suas vizinhas, assim como do ambiente da própria célula, e tende, dessa forma, a fazer as células da vizinhança se diferenciarem da mesma maneira. Um grupo de condrócitos que formam um nódulo de cartilagem, por exemplo, tanto no corpo em desenvolvimento quanto em uma placa de cultivo, pode ser visto aumentando de tamanho pela conversão de fibroblastos vizinhos em condrócitos.

Os osteoblastos produzem matriz ósseaA cartilagem e o osso são tecidos de características muito diferentes; contudo, eles estão estreitamente relacionados na origem, e a formação do esqueleto depende de uma íntima associação entre eles.

A cartilagem é um tecido estruturalmente simples, composto de células de um tipo – os condrócitos – embebidas em uma matriz mais ou menos uniforme altamente hidratada, que consiste em proteoglicanos e colágeno tipo II, cujas propriedades notáveis já discutimos anteriormente no Capítulo 19. A matriz cartilaginosa pode alterar sua forma, e o tecido cres-ce por expansão à medida que os condrócitos se dividem e produzem mais matriz (Figura 23-54). O osso, ao contrário, é denso e rígido; ele cresce por aposição – isto é, por deposição de matriz adicional sobre as superfícies livres. Como o concreto armado, a matriz óssea é predominantemente uma mistura de fibras rígidas (fibrilas de colágeno tipo I), que resis-tem às forças de distensão, e de partículas sólidas (fosfato de cálcio na forma de cristais de hidroxiapatita), que resistem à compressão. As fibrilas de colágeno no osso adulto estão ar-ranjadas em camadas regulares semelhantes à madeira compensada, com as fibrilas de cada camada dispostas paralelamente umas em relação às outras, mas em ângulos retos em rela-ção às fibrilas nas camadas de ambos os lados adjacentes. O volume ocupado pelas fibrilas de colágeno é aproximadamente igual àquele ocupado pelo fosfato de cálcio. A matriz óssea é secretada por osteoblastos que se localizam na superfície da matriz existente e depositam camadas frescas de osso sobre ela. Alguns dos osteoblastos permanecem livres na superfície, enquanto outros tornam-se gradativamente embebidos em sua própria secreção. Este mate-rial recém-produzido (constituído basicamente de colágeno tipo I) é chamado de osteoide. Ele é rapidamente convertido em matriz óssea dura pela deposição de cristais de fosfato de

Figura 23-54 O crescimento da car-tilagem. O tecido expande enquanto os condrócitos se dividem e produzem mais matriz. A matriz recém-sintetizada com a qual cada célula cerca a si pró-pria é sombreada em verde-escuro. A cartilagem também pode crescer pelo recrutamento de fibroblastos do tecido que a envolve e pela conversão destes em condrócitos.

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cálcio dentro dele. Uma vez aprisionada na matriz dura, a célula formadora de osso original, agora chamada de osteócito, não tem oportunidade de se dividir, embora continue a secre-tar mais matriz, em pequenas quantidades, em torno de si mesma. O osteócito, da mesma forma que o condrócito, ocupa uma pequena cavidade, ou lacuna, na matriz, mas, ao con-trário do condrócito, ele não está isolado de seus companheiros. Canais muito pequenos, ou canalículos, irradiam de cada lacuna e contêm processos celulares do osteócito que está nesta lacuna, permitindo-lhe formar junções comunicantes com osteócitos vizinhos (Figura 23-55). Embora as próprias redes de osteócitos não realizem a secreção ou a erosão de quan-tidades substanciais de matriz, eles provavelmente são responsáveis por parte do controle das atividades das células que as fazem. Vasos sanguíneos e nervos passam através do teci-do, mantendo as células ósseas vivas e reagindo quando o osso é lesionado.

Um osso maduro tem uma arquitetura complexa e bela, na qual placas densas de teci-do de osso compacto circundam espaços atravessados por estruturas leves de osso trabecular – uma filigrana de hastes entrelaçadas de tecido ósseo, com medula mole nos interstícios (Figura 23-56). A produção, a manutenção e o reparo desta estrutura não dependem apenas das células da família do tecido conectivo que sintetizam matriz, mas também de uma classe separada de células chamadas de osteoclastos, que a degradam, como discutiremos a seguir.

A maioria dos ossos é construída em torno de modelos cartilaginososA maioria dos ossos, e particularmente os ossos longos dos membros e do tronco, origina-se a partir de pequenos “modelos em escala” formados primeiramente de cartilagem no embrião. Cada modelo cresce e, enquanto nova cartilagem é formada, a cartilagem antiga é substituída por osso. O processo é conhecido como formação óssea endocondral (ou ossificação endocon-dral). O crescimento e a erosão da cartilagem e a deposição de osso são tão engenhosamente co-ordenados que o osso adulto, embora possa ter meio metro de comprimento, tem quase a mes-ma forma que o modelo cartilaginoso inicial, que não tinha mais que uns poucos milímetros.

Figura 23-55 Deposição de matriz óssea por osteoblastos. Os osteoblas-tos que revestem a superfície do osso secretam a matriz orgânica do osso (os-teoide) e são convertidos em osteócitos quando eles se tornam embebidos nes-ta matriz. A matriz calcifica logo após ter sido depositada. Acredita-se que os próprios osteoblastos sejam derivados de células-tronco osteogênicas que estão intimamente relacionadas aos fibroblastos.

Figura 23-56 Osso trabecular e compacto. (A) Eletromicrografia de varredura em baixa magnitude de osso trabecular na vértebra de um homem adulto. O tecido mole da medula foi dissolvido e retirado. (B) Um corte sa-gital através da cabeça do fêmur, com a medula óssea e outros tecidos moles igualmente dissolvidos e retirados, re-vela o osso compacto do tubo ósseo e o osso trabecular no interior. Em função da maneira pela qual o tecido ósseo remodela a si próprio em resposta à car-ga mecânica, as trabéculas tornam-se orientadas ao longo do eixo principal de tensão dentro do osso. (A, cortesia de Alan Boyde; B, de J. B. Kerr, Atlas of Functional Histology. Mosby, 1999.)

10 �m

Processo celulardentro do canalículo

Osteócito

Matriz ósseacalcificada

Osteoide(matriz ósseanão-calcificada)

Osteoblasto

Célula osteogênica(precursor deosteoblasto)

(A) (B)

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O processo começa no embrião com o aparecimento de “condensações” indistintamen-te definidas – grupos de células de tecido conectivo embrionário que se tornam mais intima-mente unidas que suas vizinhas e começam a expressar um grupo característico de genes – incluindo, em especial, Sox9 e, após um ligeiro intervalo, Runx2. Estes dois genes codifi-cam proteínas reguladoras de genes que são críticas para o desenvolvimento de cartilagem e osso, respectivamente. Células mutantes que não têm Sox9 são incapazes de se diferenciar como cartilagem, mas podem formar osso (e em algumas partes do corpo formarão osso onde deveria haver cartilagem). Ao contrário, animais sem Runx2 funcional não produzem osso e nascem com um esqueleto composto unicamente de cartilagem.

Logo após a expressão de Sox9 ter iniciado, as células no centro da condensação come-çam a secretar matriz cartilaginosa, dividindo-se e se expandindo individualmente à medi-da que fazem isso. Desse modo, elas formam uma haste de cartilagem cercada por células não-cartilaginosas mais densamente unidas. As células cartilaginosas no segmento central da haste tornam-se hipertrofiadas (bastante expandidas) e cessam a divisão; e, ao mesmo tempo, elas começam a secretar Indian Hedgehog – uma molécula-sinal da família Hed-gehog. Isto, por sua vez, provoca aumento da produção de certas proteínas Wnt, que ativam a via Wnt em células que circundam a haste de cartilagem. Como resultado, elas desligam a expressão de Sox9, mantêm a expressão de Runx2 e começam a se diferenciar em osteoblas-tos, criando um colar de osso em torno da haste do modelo de cartilagem. A superativação artificial da via Wnt induz uma proporção maior de células a produzir osso ao invés de car-tilagem; um bloqueio artificial da via de sinalização Wnt faz o oposto. Portanto, neste siste-ma a sinalização Wnt controla a opção entre caminhos alternativos de diferenciação, com a expressão de Sox9 levando a via em direção à cartilagem, e a expressão de Runx2 levando a via em direção ao osso.

As células cartilaginosas hipertrofiadas na haste do modelo de cartilagem logo morrem, deixando cavidades grandes na matriz, e a própria matriz torna-se mineralizada, como osso, pela deposição de cristais de fosfato de cálcio. Osteoclastos e vasos sanguíneos invadem as cavidades e coroem a matriz cartilaginosa residual, criando um espaço para a medula óssea, e osteoblastos, seguindo no seu rastro, começam a depositar osso trabecular em partes da cavidade onde fragmentos de matriz cartilaginosa permanecem como um molde. O tecido cartilaginoso nas extremidades do osso é substituído por tecido ósseo em um estágio muito posterior, por um processo um pouco semelhante, como mostrado na Figura 23-57. O alon-gamento contínuo do osso, até o momento da puberdade, depende de uma cartilagem da placa de crescimento (disco ou placa epifisária) entre a haste (diáfise) e a cabeça (epífise) do osso. O crescimento defeituoso de cartilagem desta placa, como resultado de uma mutação dominante no gene que codifica para um receptor FGF (FGFR3), é responsável pela forma mais comum de nanismo, conhecida como acondroplasia (Figura 23-58).

A cartilagem da placa de crescimento finalmente é substituída por osso e desaparece. O único remanescente vivo de cartilagem no osso longo adulto é uma camada fina, porém

Figura 23-57 O desenvolvimento de um osso longo. Os ossos longos, como o fêmur ou o úmero, desenvolvem-se a partir de um modelo de cartilagem em miniatura. A cartilagem não-calcificada é mostrada em verde-claro; a cartila-gem calcificada, em verde-escuro; o osso, em preto, e os vasos sanguíneos, em vermelho. A cartilagem não é transformada em osso, mas é gradati-vamente substituída por ele pela ação de osteoclastos e de osteoblastos, que invadem a cartilagem em associação com vasos sanguíneos. Os osteoclas-tos promovem a erosão da matriz da cartilagem e do osso, enquanto os osteoblastos secretam matriz óssea. O processo de ossificação inicia no em-brião e não é completado até o fim da puberdade. O osso resultante consiste em um cilindro de osso compacto oco com parede espessa, que cerca uma cavidade central grande ocupada pela medula óssea. Notar que nem todos os ossos se desenvolvem desta maneira. Os ossos membranosos do crânio, por exemplo, são formados diretamente como placas ósseas, não a partir de um modelo prévio de cartilagem. (Adap-tada de D. W. Fawcett, A Textbook of Histology, 12th ed. New York: Chapman and Hall, 1994.)

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importante, que forma uma cobertura lisa e escorregadia nas superfícies ósseas de junções, onde um osso se articula com outro (ver Figura 23-57). A erosão desta camada de cartilagem, durante o envelhecimento, lesão mecânica ou doença autoimune, leva à artrite, um dos mais comuns e mais dolorosos sofrimentos da velhice.

O osso é remodelado constantemente pelas células em seu interior

Apesar de toda sua rigidez, o osso não é de modo algum um tecido permanente e imutável. Passando através da matriz extracelular rígida há canais e cavidades ocupados por células vivas, que correspondem a cerca de 15% do peso do osso compacto. Essas células estão en-volvidas em um processo incessante de remodelação: enquanto os osteoblastos depositam matriz óssea nova, os osteoclastos destroem a matriz óssea velha. Esse mecanismo propor-ciona a contínua renovação e substituição de matriz no interior do osso.

Os osteoclastos (Figura 23-59) são células multinucleadas grandes que se originam, como os macrófagos, de células-tronco hemopoiéticas na medula óssea. As células precur-soras são liberadas como monócitos na corrente sanguínea e juntam-se em locais de reab-sorção óssea, onde se fundem para formar os osteoclastos multinucleados, que se aderem às superfícies da matriz óssea e a corroem. Os osteoclastos são capazes de abrir um túnel profundo na substância-matriz do osso compacto, formando cavidades que são invadidas por outras células. Um capilar sanguíneo cresce em direção ao centro de um desses túneis, e

Figura 23-58 Acondroplasia. Este tipo de nanismo ocorre em um a cada 10.000-100.000 nascimentos; em mais de 99% dos casos, resulta de uma mu-tação em um local idêntico do genoma, que corresponde ao aminoácido 380 (uma glicina no domínio transmembrana) do FGFR3, um receptor de FGF. A mutação é dominante, e quase todos os casos se devem a novas mutações que ocorrem de forma independente, sugerindo uma taxa extraordinaria-mente alta de mutação neste local particular do genoma. O defeito na sinali-zação FGF causa nanismo por interferir com o crescimento da cartilagem em ossos longos em desenvolvimento. (Da pintura de Velasquez, de Sebastian de Morra. © Museo del Prado, Madrid.)

Justaposição íntimacom a matriz

Matriz óssea Borda estriadado osteoclasto

10 �m

Lisossomos

Núcleosmúltiplos

Osteoclasto Matriz óssea

(A)

(B)

Figura 23-59 Osteoclastos. (A) Esquema de um osteoclasto em corte transversal. Esta célula gigante, multinucleada, promove erosão da matriz óssea. A “borda estriada” é um local de secreção de ácidos (para dissolver os minerais do osso) e de hidrolases (para digerir os componentes orgânicos da matriz). Os osteoclastos variam em forma, são móveis e frequentemente emitem processos para reabsorver osso em vários locais. Eles se desenvolvem a partir de monócitos e podem ser vistos como macrófa-gos especializados. (B) Um osteoclasto na matriz óssea, visto por microscopia eletrônica de varredura. O osteoclasto se arrasta lentamente sobre a matriz, promovendo sua erosão e deixando uma trilha de crateras onde ele causou erosão. (A, de R. V. Krstić, Ultrastructure of the Mammalian Cell: An Atlas. Berlin: Springer-Verlag, 1979; B, cortesia de Alan Boyde.)

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as paredes do túnel tornam-se revestidas com uma camada de osteoblastos (Figura 23-60). Para produzir a estrutura semelhante à madeira compensada do osso compacto, estes os-teoblastos depõem camadas concêntricas de matriz nova, que gradualmente preenchem a cavidade, deixando somente um canal estreito em torno do novo vaso sanguíneo. Muitos dos osteoblastos são capturados pela matriz óssea e sobrevivem como anéis concêntricos de osteócitos. Ao mesmo tempo que alguns túneis são preenchidos totalmente com osso, ou-tros estão sendo perfurados por osteoclastos, que cortam através de sistemas concêntricos mais velhos. As consequências deste remodelamento perpétuo são mostradas no padrão de camadas sobrepostas de matriz observado no osso compacto (Figura 23-61).

Os osteoclastos são controlados por sinais de osteoblastosOs osteoblastos que produzem a matriz também produzem os sinais que recrutam e ati-vam os osteoclastos para degradá-la. Duas proteínas parecem ter este papel: uma é o CSF

Figura 23-60 O remodelamento do osso compacto. Os osteoclastos atuando juntos em um pequeno gru-po escavam um túnel no osso antigo, avançando em uma taxa de cerca de 50 mm por dia. Os osteoblastos entram no túnel atrás deles, revestem suas paredes e começam a formar osso novo, depo-sitando camadas de matriz a uma taxa de 1 a 2 mm por dia. Ao mesmo tempo, um capilar brota em direção ao centro do túnel. O túnel finalmente torna-se preenchido com camadas concêntricas de osso novo, apenas com um canal central estreito remanescente. Cada um desses canais, além de proporcionar um caminho de acesso para os osteoclastos e osteoblastos, contém um ou mais vasos sanguíneos que transportam os nutrientes que as células ósseas necessitam para sobreviver. Caracteris-ticamente, cerca de 5 a 10% do osso em um mamífero adulto saudável são subs-tituídos desta maneira a cada ano. (Com base em Z. F. G. Jaworski, B. Duck e G. Sekaly, J. Anat. 133:397-405, 1981. Com permissão de Blackwell Publishing.)

100 �m

Osso novo

Matriz óssea novaainda não calcificada

Osso antigo

Tecido conectivofrouxo

Broto capilar crescendopara o interior

Osteoclasto escavandotúnel através do osso antigo

Osteoblasto (célulaque reveste o osso)quiescente

Pequeno vaso sanguíneo

Célula endotelial

Fibroblasto

Osteócito

Osteoblastos prestes adepositar osso novopara preencher otúnel escavado

Canal antigo

Canal novo

Lacunas

100 �m

Figura 23-61 Um corte transversal de uma porção externa compacta de um osso longo. A micrografia mostra os contornos de túneis formados por osteoclastos e depois preenchidos por osteoblastos durante sucessivas rodadas de remodelamento ósseo. O corte foi preparado por desgaste. A matriz dura foi preservada, mas não as células. No entanto, as lacunas e os canalículos que foram ocupados por osteócitos são cla-ramente visíveis. Os anéis concêntricos claros e escuros que se sucedem corres-pondem a uma orientação alternada das fibras de colágeno em camadas suces-sivas de matriz óssea depositada pelos osteoblastos que revestiam a parede do canal em vida. (Este padrão é revelado aqui pela visualização da amostra entre filtros que polarizam o corte parcialmen-te.) Notar como os sistemas mais antigos de camadas concêntricas de osso foram parcialmente cortados e substituídos por sistemas mais novos.

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de macrófago (MCSF), que encontramos anteriormente em nosso relato de hemopoiese (ver Tabela 23-2); a outra é TNF11, um membro da família TNF (também chamado de RANKL). O comportamento dos osteoblastos na atração de seus oponentes pode parecer contraproducente, mas tem uma função útil na localização de osteoclastos no tecido onde são necessários.

Para evitar a degradação excessiva de matriz, os osteoblastos secretam, juntamente com MCSF e TNF11, outra proteína, a osteoprotegerina, que tende a bloquear a ação de TNF11. Quanto mais alto o nível de ativação Wnt nos osteoblastos, mais osteoprotegerina eles se-cretam e, consequentemente, menor o nível de ativação de osteoclastos e menor a taxa de degradação de matriz óssea. Assim, a via de sinalização Wnt parece ter duas funções distin-tas na formação óssea: nos estágios precoces, ela controla o comprometimento inicial de células com um destino para osteoblasto; mais tarde, ela atua nos osteoblastos diferenciados para ajudar a dirigir o balanço entre a deposição e a erosão da matriz.

Distúrbios deste balanço podem levar à osteoporose, na qual há excessiva erosão da ma-triz óssea e enfraquecimento do osso, ou à condição oposta, osteopetrose, na qual o osso se torna excessivamente espesso e denso. Sinais hormonais, incluindo estrógenos, andrógenos e o hormônio peptídico leptina, famoso por seu papel no controle do apetite (discutido a seguir), têm efeitos potentes neste balanço. Pelo menos alguns destes efeitos são mediados por influências sobre a produção de TNF11 e osteoprotegerina dos osteoblastos.

Os hormônios circulantes afetam os ossos por todo o corpo. Não menos importantes são os controles locais que permitem ao osso ser depositado em um local enquanto é reabsorvido em outro. Por estes controles sobre o processo de remodelamento, os ossos são dotados de uma habilidade notável para adaptar sua estrutura em resposta a varia-ções de longa duração na carga imposta a eles. É isso que torna possível, por exemplo, a ortodontia: uma força constante aplicada a um dente com um grampo fará com que ele se mova gradativamente, durante muitos meses, pelo osso da mandíbula, através do remodelamento do tecido ósseo na frente e atrás dele. O comportamento adaptativo do osso sugere que a deposição e a erosão da matriz são controladas de alguma maneira pelo estresse mecânico local (ver Figura 23-56). Algumas evidências sugerem que isso ocorre porque o estresse mecânico sobre o tecido ósseo ativa a via Wnt nos osteoblastos ou nos osteócitos, regulando, dessa maneira, sua produção de sinais que regulam a ativi-dade dos osteoclastos.

O osso também pode sofrer uma reconstrução muito mais rápida e dramática quando surge a necessidade. Algumas células capazes de formar cartilagem nova persistem no teci-do conectivo que cerca um osso. Se o osso é quebrado, as células na vizinhança da fratura o reparam por meio de uma espécie de retomada do processo embrionário original: primeiro é depositada cartilagem para preencher a fenda e depois é substituída por osso. A capacida-de para autorreparo, tão impressionantemente ilustrada pelos tecidos do esqueleto, é uma propriedade das estruturas vivas que não tem paralelo entre os objetos feitos atualmente pelo homem.

As células adiposas podem desenvolver-se a partir de fibroblastosAs células adiposas, ou adipócitos, também derivam de células semelhantes a fibroblasto, tanto durante o desenvolvimento normal dos mamíferos como em várias circunstâncias pa-tológicas. Na distrofia muscular, por exemplo, na qual as células musculares morrem, elas são gradativamente substituídas por tecido conectivo adiposo, provavelmente pela conver-são de fibroblastos locais. A diferenciação (normal ou patológica) de células adiposas co-meça com a expressão de duas famílias de proteínas reguladoras de genes: a família CEBP (de CCAAT/enhancer binding protein) e a família PPAR (de peroxisome proliferator-activated receptor), especialmente PPAR�. Como as famílias MyoD e MEF2 no desenvolvimento do músculo esquelético, as proteínas CEBP e PPAR� regulam e mantêm a expressão uma da outra, por meio de várias vias de controle de regulação cruzada e de autorregulação. Elas funcionam juntas para controlar a expressão dos outros genes característicos de adipócitos.

A produção de enzimas para importação de ácidos graxos e glicose e para síntese de gordura leva ao acúmulo de gotículas de gordura, que consistem principalmente em triacil-glicerol (ver Figura 2-81). Estas, então, se fundem e aumentam de volume até que a célula seja bastante distendida (acima de 120 �m de diâmetro), com apenas uma borda estreita de citoplasma em torno da massa de lipídeo (Figura 23-62 e Figura 23-63). As lipases tam-bém são produzidas em células adiposas, dando-lhes a capacidade de reverter o processo de acúmulo de lipídeo, pela degradação de triacilglicerol em ácidos graxos que podem ser

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secretados para consumo por outras células. A célula adiposa altera seu volume cerca de mil vezes quando acumula e libera lipídeo.

A leptina secretada por células adiposas promove o feedbackpara regular o consumo de alimentoQuase todos os animais sob circunstâncias naturais têm que competir pelos suprimentos de alimentos que são variáveis e imprevisíveis. As células adiposas têm o papel vital de armaze-namento de reservas de alimento em momentos de fartura e de sua liberação em momentos de escassez. Por isso, é essencial para a função do tecido adiposo que sua quantidade seja ajustada durante toda a vida, de acordo com a oferta de nutrientes. Para nossos antepassa-dos, isso foi uma benção; na metade bem-alimentada do mundo moderno, tornou-se uma maldição. Nos Estados Unidos, por exemplo, aproximadamente 30% da população sofre de obesidade, definida como um índice de massa corporal (peso/altura2) maior que 30 kg/m2, o que equivale a cerca de 30% acima do peso ideal.

Não é fácil determinar até que ponto as alterações na quantidade de tecido adiposo dependem de alterações no número de células adiposas, ou de alterações no tamanho das células de gordura. As mudanças no tamanho celular provavelmente são o principal fator em adultos normais não-obesos, mas, pelo menos na obesidade grave, o número de células adi-posas também aumenta. Os fatores que controlam o recrutamento de novas células adiposas não são bem-compreendidos, embora se acredite que entre eles se incluam o hormônio do crescimento e o IGF1 (fator de crescimento 1 semelhante à insulina, de insulinlike growth factor-1). No entanto, é evidente que o aumento ou a diminuição do tamanho da célula adi-posa é regulado diretamente pelos níveis de nutrientes circulantes e por hormônios, como a insulina, que refletem os níveis de nutrientes. Dessa forma, o excesso de alimento ingerido acima das necessidades energéticas controla diretamente o acúmulo de tecido adiposo.

Contudo, como são reguladas a ingestão de alimento e a energia gasta? Fatores tais como a colecistoquinina, secretada pelas células intestinais em resposta à presença de alimento no lúmen intestinal, como discutido anteriormente, são responsáveis pelo controle a curto prazo, pelo período de uma refeição ou de um dia. Mas também necessitamos de controles a longo prazo, para não nos tornamos irremediavelmente gordos ou magros ao longo de toda a vida. O mais importante, de um ponto de vista evolutivo e por nossos antepassados terem competido por fontes de alimento que muitas vezes eram escassas e incertas, a fome deve provocar o apetite e obrigar a procura de alimento. Aqueles que têm real conhecimento de fome prolongada testemunharam a irresistível força desta compulsão. O sinal-chave parece ser um hormônio proteico chamado de leptina, que circula na corrente sanguínea quando as reservas de gordura são adequadas, e desaparece, produzindo fome crônica, quando não são. Camundongos mutantes que carecem de leptina ou do receptor apropriado para leptina são extremamente gordos (Figura 23-64). As mutações nos mesmos genes algumas vezes ocorrem em humanos, embora de forma muito rara. As consequências são semelhantes: fome constante, ingestão em excesso e obesidade mórbida.

A leptina normalmente é produzida por células adiposas; quanto maiores elas são, mais elas produzem. A leptina atua em muitos tecidos e, em especial, no cérebro, em células das regiões do hipotálamo que regulam o comportamento de ingestão. A ausência de leptina é um sinal de fome, conduzindo ao comportamento que irá restaurar as reservas de gordura ao seu nível apropriado. Assim, a leptina, como a miostatina liberada pelas células muscu-lares, proporciona um mecanismo de feedback negativo (regulação inibidora) para regular o crescimento do tecido que a secreta.

Núcleo

Célula adiposa

Gotículas de lipídeo

Célula precursorasemelhante a fibroblasto

Figura 23-62 Desenvolvimento de uma célula adiposa. Uma célula pre-cursora semelhante a fibroblasto é con-vertida em uma célula adiposa madura pelo acúmulo e pela fusão de gotículas de lipídeo. O processo é pelo menos em parte reversível, como indicado pelas setas; a seta tracejada indica a incerteza quanto à possibilidade de uma célula adiposa diferenciada poder sempre re-verter a um estado de fibroblasto pluri-potente. As células nos estágios iniciais e intermediários podem se dividir, mas a célula adiposa madura não pode.

Célula adiposa Célula adiposa

Parte de umagotículagigante degordura

Borda decitoplasma

Colágeno

Neutrófilo

10 �m

Figura 23-63 Células adiposas. Esta eletromicrografia de baixa magnitude mostra partes de duas células adiposas. Um neutrófilo que casualmente está presente no tecido conectivo adjacente dá uma noção de escala; cada uma das células adiposas é mais de 10 vezes maior que o neutrófilo em diâmetro e está quase inteiramente cheia com uma única gotícula grande de gordura. As pequenas gotículas de gordura (formas ovais claras) na borda de citoplasma remanescente estão destinadas a fun-dir-se com a gotícula central. O núcleo não é visível em nenhuma das células adiposas na imagem. (Cortesia de Don Fawcett, de D. W. Fawcett, A Textbook of Histology, 12th ed. New York: Chapman and Hall, 1994.)

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Na maioria das pessoas obesas, os níveis de leptina na corrente sanguínea são constante-mente altos, e mesmo assim o apetite não é suprimido, embora os receptores de leptina tam-bém estejam presentes e funcionais. O controle envolvido no feedback da leptina parece nos salvar da morte pela fome ao invés da obesidade pelo excesso de ingestão de alimentos. Nas regiões bem-alimentadas do mundo, dependemos de um complexo de outros mecanismos, muitos deles ainda pouco compreendidos, para manter-nos produzindo mais gordura.

ResumoA família de células do tecido conectivo inclui fibroblastos, células cartilaginosas, células ósseas, células adiposas e células musculares lisas. Alguns tipos de fibroblastos, como as células-tronco mesenquimais da medula óssea, parecem ser capazes de se transformar em qualquer dos outros membros desta família. Essas transformações de tipos celulares de tecido conectivo são reguladas pela composição da matriz extracelular circundante, pela forma celular e por hormônios e fatores de crescimento.

Tanto a cartilagem como o osso consistem em células e matriz sólida que as células secretam em torno delas mesmas – condrócitos na cartilagem, osteoblastos no osso (osteócitos são osteoblastos que tornaram-se aprisionados dentro da matriz óssea). A matriz da cartilagem é capaz de alterar sua forma de modo que o tecido possa crescer por expansão, enquanto o osso é rígido e pode crescer apenas por aposição. Os dois tecidos têm origens relacionadas e colaboram intimamente. Dessa for-ma, a maioria dos ossos longos se desenvolve a partir de “modelos” de cartilagem em miniatura, os quais, à medida que crescem, servem como molde para a deposição de osso. A sinalização Wnt regula a escolha entre os dois caminhos de diferenciação – como condrócito (necessitando da expressão de Sox9) ou como osteoblasto (necessitando da expressão de Runx2). Enquanto os osteoblastos secretam matriz óssea, eles também produzem sinais que recrutam monócitos da circulação para tornarem-se osteoclastos, os quais degradam a matriz óssea. Os osteoblastos e os osteócitos controlam o balanço de deposição e degradação de matriz ajustando os sinais que eles enviam para os osteoclastos. Pela atividade destas classes de células antagonistas, o osso é submetido à remodelação perpétua pela qual ele pode se adaptar à carga que pode suportar e alterar sua densidade em resposta aos sinais hormonais. Além disso, o osso adulto conserva uma capacidade de reparar a si próprio se sofre uma fratura, por reativação dos mecanismos que controlam seu desenvolvimento embrionário; as células na vizinhança da fratura convertem o tecido em cartilagem, que, depois, é substituída por osso.

Enquanto a principal função da maioria dos membros da família do tecido conectivo é secretar a matriz extracelular, as células adiposas servem como locais de armazenamento de gordura. O controle por feedback mantém a quantidade de tecido adiposo baixa: as células adiposas liberam um hormônio, a leptina, que atua no cérebro, e o desaparecimento de leptina atua como um sinal de perigo de fome, conduzindo ao comportamento que irá restaurar as reservas de gordura ao seu nível apropriado.

MODIFICAÇÃO DAS CÉLULASTRONCOComo temos observado, muitos dos tecidos do corpo não estão apenas se autorrenovando, mas também se autorreparando, e isso graças às células-tronco e aos controles de feedback

Figura 23-64 Efeitos da deficiência de leptina. Um camundongo normal (à direita) comparado com um camun-dongo que tem uma mutação no gene da obesidade, que codifica para leptina (à esquerda). O mutante deficiente em leptina deixa de limitar sua ingestão e torna-se grotescamente gordo (três ve-zes o peso de um camundongo normal). (Cortesia de Jeffrey M. Friedman.)

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que regulam seu comportamento. Contudo, onde os mecanismos da própria Natureza fa-lham podemos intervir e fazer melhor? Podemos encontrar maneiras de obter células para reconstruir tecidos vivos que tenham sido perdidos ou feridos por doenças ou lesões e que são incapazes de reparo espontâneo? Uma estratégia óbvia é explorar as capacidades de de-senvolvimento especial das células-tronco ou progenitoras das quais derivam normalmente os componentes do tecido perdido. Contudo, como tais células são obtidas, e como pode-mos colocá-las em uso? Este é o tópico desta seção final.

Células-tronco hemopoiéticas podem ser usadas para substituir células sanguíneas doentes por outras saudáveisAnteriormente neste capítulo, vimos como camundongos podem ser submetidos a ra-diação para matar suas células hemopoiéticas e, então, ser salvos por uma transfusão de células-tronco novas, as quais repovoam a medula óssea e restabelecem a produção de células sanguíneas. Da mesma maneira, pacientes com leucemia, por exemplo, podem ser submetidos a radiação ou tratados quimicamente para destruir suas células cancero-sas juntamente com o restante de seu tecido hemopoiético e, então, podem ser salvos por uma transfusão de células-tronco hemopoiéticas saudáveis, não-cancerosas, que podem ser colhidas da medula óssea de um doador adequado. Isto cria problemas de rejeição imunológica se a medula óssea do doador e do receptor diferirem geneticamente, mas a comparação cuidadosa do tecido e o uso de fármacos imunossupressores podem reduzir estas dificuldades para um nível tolerável. Em alguns casos, onde a leucemia surge de uma mutação em um tipo especializado de célula sanguínea progenitora ao invés de nas próprias células-tronco hemopoiéticas, é possível tratar o paciente com suas próprias células. Uma amostra de medula óssea é colhida antes da realização da radiação e sele-cionada para obter uma preparação de células-tronco hemopoiéticas livre de células leu-cêmicas. Esta preparação purificada então é transfundida de volta para o paciente após ele sofrer a radiação.

A princípio, a mesma tecnologia também abre outro caminho para uma forma de te-rapia gênica: células-tronco hemopoiéticas podem ser isoladas em cultivo, modificadas geneticamente por transfecção de DNA ou alguma outra técnica para introduzir um gene desejado e, então, transfundidas de volta em um paciente no qual o gene está ausente, para suprir uma fonte autorrenovável do componente genético perdido. Uma versão desta abor-dagem está sendo testada para o tratamento da AIDS. Células-tronco hemopoiéticas podem ser coletadas do paciente infectado com HIV, modificadas geneticamente por transfecção com material genético que torne as células-tronco e sua progênie resistentes à infecção pelo HIV e transfundidas de volta no mesmo paciente.

Populações de células-tronco epidérmicas podem ser expandidas em cultivo para o reparo de tecidoOutro exemplo simples de uso de células-tronco é no reparo da pele após queimaduras extensas. Por meio do cultivo de células de regiões não-lesionadas da pele de um pacien-te queimado, é possível obter células-tronco epidérmicas rapidamente e em grande nú-mero. Estas podem ser utilizadas, então, para repovoar a superfície lesionada do corpo. No entanto, para bons resultados após uma queimadura de terceiro grau é fundamental providenciar primeiramente uma substituição imediata da derme perdida. Para isso, pode ser utilizada a derme retirada de um cadáver humano, ou uma derme artificial substituta. Essa ainda é uma área de ativa experimentação. Em uma técnica, uma matriz artificial de colágeno misturada a um glicosaminoglicano é produzida em uma placa, com uma mem-brana fina de borracha de silicone cobrindo sua superfície externa como uma barreira à perda de água, e esta pele substituta (chamada de Integra) é colocada sobre a superfície queimada do corpo após o tecido lesionado ter sido retirado. Os fibroblastos e os capilares sanguíneos dos tecidos vivos mais profundos do paciente migram para a matriz artificial e a substituem gradativamente com novo tecido conectivo. Ao mesmo tempo, as células epidérmicas são cultivadas até haver o suficiente para formar uma camada fina de exten-são adequada. Duas ou mais semanas após a operação inicial, a membrana de borracha de silicone é removida cuidadosamente e substituída por esta epiderme cultivada, de modo a reconstruir uma pele completa.

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As células-tronco neurais podem ser manipuladas em cultivoEnquanto a epiderme é um dos tecidos mais simples e mais facilmente regenerados, o siste-ma nervoso central (o SNC) é o mais complexo e parece ser o mais difícil de ser reconstruído na vida adulta. O cérebro e a medula espinal do mamífero adulto têm capacidade muito pe-quena para autorreparo. As células-tronco capazes de originar neurônios novos são difíceis de encontrar nos mamíferos adultos – realmente tão difíceis de encontrar que até recente-mente pensava-se que elas estavam ausentes.

No entanto, agora sabemos que as células-tronco neurais do SNC capazes de dar origem tanto a neurônios como a células da glia persistem no cérebro mamífero adulto. Além disso, em certas partes do cérebro elas produzem continuamente neurônios novos para substi-tuir aqueles que morrem (Figura 23-65). A renovação neuronal ocorre em uma escala mais dramática em certos pássaros, nos quais muitos neurônios morrem a cada ano e são substi-tuídos por neurônios recém-nascidos como parte do processo pelo qual o pássaro aprende uma nova canção em cada estação reprodutiva.

A prova de que o cérebro mamífero adulto contém células-tronco neurais resultou de experimentos nos quais pedaços do tecido cerebral foram dissociados e usados para esta-belecer cultivos celulares. Em condições de cultivo adequadas, células derivadas de uma região apropriada do cérebro formarão “neurosferas” flutuantes – grupos que consistem em uma mistura de células-tronco neurais, com neurônios e células da glia, derivadas das células-tronco. Estas neurosferas podem ser propagadas por muitas gerações celulares, ou suas células podem ser coletadas a qualquer tempo e implantadas de volta no cérebro de um animal normal. Aí elas produzirão uma progênie diferenciada, na forma de neurônios e células da glia.

Utilizando condições de cultivo levemente diferentes, com as combinações adequadas de fatores de crescimento no meio, as células-tronco neurais podem ser cultivadas como uma monocamada e induzidas a proliferar como uma população quase pura de células--tronco sem uma progênie diferenciada concomitante. Por meio de uma modificação adi-cional nas condições de cultivo, estas células podem ser induzidas a qualquer momento a diferenciar para originar uma mistura de neurônios e células da glia (Figura 23-66), ou ape-nas um destes dois tipos celulares, de acordo com a composição do meio de cultivo.

Os cultivos puros de células-tronco neurais, que se dividem para formar mais células--tronco neurais, são mais valiosos do que apenas uma fonte de células para transplante. Eles devem ajudar na análise dos fatores que definem o estado de célula-tronco e controlam a ativação para diferenciação. Uma vez que as células podem ser manipuladas geneticamente por transfecção de DNA e outras formas, eles abrem caminhos para novas maneiras de in-vestigar o papel de genes específicos nestes processos e nas doenças genéticas do sistema nervoso, como as doenças neurodegenerativas. Eles também criam oportunidades, ao me-nos a princípio, para a manipulação genética de células neurais para tratar doenças.

As células-tronco neurais podem repovoar o sistema nervoso centralAs células-tronco neurais enxertadas em um cérebro adulto apresentam uma extraordinária capacidade de ajustar seu comportamento a sua nova localização. Por exemplo, as células--tronco do hipocampo do camundongo implantadas no caminho precursor do bulbo olfa-tório (ver Figura 23-65) originam neurônios que se tornam incorporados corretamente ao bulbo olfatório. Esta capacidade das células-tronco neurais e sua progênie de se adaptar a

Células-tronconeurais

Neurônios imaturos migrando

Bulboolfatório

Ventrículo

Hemisférios cerebrais

Figura 23-65 A produção continuada de neurônios em um cérebro de camundongo adulto. O cérebro é visto de cima, em um corte transversal, para mostrar a região que reveste os ventrículos do prosencéfalo, onde são encontradas as células-tronco neurais. Estas células continuamente produ-zem progênie que migra para o bulbo olfatório, onde elas se diferenciam como neurônios. A constante renovação de neurônios no bulbo olfatório provavelmente está ligada, de alguma maneira, à renovação dos receptores olfatórios dos neurônios que se projetam para ele a partir do epitélio olfató-rio, como foi discutido anteriormente. Há também uma contínua renovação de neurônios no hipocampo adulto, uma região relacionada especialmente com o aprendizado e a memória, na qual a plasticidade de função adulta parece estar associada à renovação de um subgrupo específico de neurônios. (Adaptada de B. Barres, Cell 97:667-670, 1999. Com permissão de Elsevier.)

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um ambiente novo promete ter aplicações clínicas importantes no tratamento de doenças nas quais os neurônios degeneram ou perdem sua bainha de mielina, assim como em lesões do sistema nervoso central. Deste modo, células-tronco neurais (derivadas de tecido fetal humano) têm sido enxertadas em medula espinal de camundongos que foram paralisados por lesões da medula espinal ou por mutação que leve à mielinização defeituosa; os camun-dongos escolhidos eram de uma cepa imunodeficiente e assim não rejeitaram as células en-xertadas. Então, as células enxertadas deram origem tanto a neurônios que se conectaram com os neurônios do hospedeiro, quanto a oligodendrócitos que formaram novas bainhas de mielina em torno dos axônios desmielinizados do hospedeiro. Como resultado, os ca-mundongos hospedeiros recuperaram parte de seu controle sobre seus membros.

Tais achados trazem a esperança de que, apesar da extraordinária complexidade dos tipos de células nervosas e de conexões neuronais, possa ser possível utilizar células-tronco neurais para reparar ao menos alguns tipos de lesões e de doenças no sistema nervoso central.

No organismo adulto, as células-tronco são específicaspara o tecidoQuando as células são removidas do corpo e mantidas em cultivo ou são transplantadas de um local do corpo para outro, como nos procedimentos que acabamos de descrever, elas geralmente se conservam plenamente fiéis a suas origens. Os queratinócitos continuam a comportar-se como queratinócitos, as células hemopoiéticas como células hemopoiéticas, as células neurais como células neurais, e assim por diante. É verdade que, se colocadas em um ambiente anormal, as células diferenciadas podem parar de apresentar a série normal inteira de características diferenciadas, e as células-tronco podem perder sua característica de célula-tronco e se diferenciar; porém, elas não mudam tanto a ponto de expressar as ca-racterísticas de outro tipo celular radicalmente diferente. Assim, cada tipo de célula especia-lizada tem uma memória de sua história de desenvolvimento e parece fixada em seu destino especializado. Certamente, algumas transformações limitadas podem ocorrer, como vimos em nossa descrição da família de células do tecido conectivo, e algumas células-tronco po-dem produzir uma variedade de tipos celulares diferenciados, mas as possibilidades são res-tritas. Cada tipo de célula-tronco serve para a renovação de um tipo particular de tecido.

Obviamente, as oportunidades práticas seriam muito maiores se as células-tronco fos-sem mais versáteis e não tão especializadas – se pudéssemos tirá-las de um tipo de tecido onde elas estão facilmente disponíveis e usá-las para reparar um tecido diferente, onde elas são necessárias. Deste modo, houve grande alvoroço na década passada em função dos rela-

(A) (B) (C)

Cérebro fetal ou células ES Neurosferas (A) Cultivo puro de células-tronco neurais (B) Mistura (C) de neurônios diferenciados(vermelho) e células da glia (verde);os núcleos celulares estão em azul

Dissociação dascélulas e cultivo em

suspensão no meio A

Dissociação ecultivo como mono-camada no meio B

Transferênciapara o meio C

Figura 23-66 Células-tronco neurais. As fotografias mostram as etapas que levam do tecido cerebral fetal, por neurosferas (A), até um cultivo puro de células-tronco neurais (B). Estas células-tronco podem ser mantidas em proliferação desta forma, indefinida-mente, ou, através de uma alteração do meio, podem ser levadas a diferenciarem-se (C) em neurônios (vermelho) e células da glia (verde). As células-tronco neurais com as mesmas propriedades também podem ser derivadas, através de uma série de etapas se-melhantes, de células ES. (Fotomicrografias de L. Conti et al., PLoS 3:1594-1606, 2005. Com permissão de Public Library of Science.)

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tos de que as células-tronco de vários tecidos especializados podem, em certas circunstân-cias, mostrar espantosa plasticidade de desenvolvimento, dando origem a células de tipos radicalmente diferentes – células-tronco hemopoiéticas a neurônios, por exemplo, ou célu-las-tronco neurais a músculo. Contudo, a validade destes achados é debatida calorosamente, e têm sido encontradas falhas em algumas das evidências-chave. Por exemplo, agora se acre-dita que muitos casos aparentes de trocas de destino celular sejam, realmente, o resultado de eventos de fusão celular, através dos quais os núcleos de um tipo de célula especializada são expostos ao citoplasma de um outro tipo celular e, consequentemente, ativam um grupo de genes modificado. Em todo caso, a maioria dos relatos de interconversão entre linhagens celulares adultas radicalmente diferentes concorda que estes são eventos raros. Enquanto a pesquisa sobre estas formas extremas de plasticidade de células-tronco continua, não sabe-mos ainda como fazer tais interconversões diretas acontecerem em escala suficientemente, ou totalmente, larga ou segura para aplicação na prática médica.

Isto não quer dizer que a transformação radical de células de uma característica diferen-ciada para outra é um sonho impossível ou que nunca serão descobertas maneiras eficientes de fazê-lo. De fato, algumas espécies não-mamíferas podem regenerar tecidos e órgãos per-didos justamente por meio destas interconversões. Por exemplo, uma lagartixa pode regene-rar um membro amputado por um processo no qual células diferenciadas parecem reverter a uma característica embrionária e retomar o desenvolvimento embrionário. Células mus-culares multinucleadas diferenciadas na ponta remanescente do membro voltam a entrar no ciclo celular, voltando a um estado não-diferenciado e se dispersando como células mono-nucleadas; estas, então, proliferam para formar um broto semelhante ao broto do membro de um embrião e, finalmente, voltam a se diferenciar nos vários tipos celulares necessários para reconstruir a parte perdida do membro (Figura 23-67). Por que uma lagartixa pode manipular isso – assim como muitas outras façanhas extraordinárias de regeneração – mas um mamífero não pode, ainda é um profundo mistério.

As células-tronco embrionárias podem produzir qualquerparte do corpoEnquanto as células-tronco dos tecidos mamíferos adultos parecem estar inteiramente restri-tas àquilo que podem fazer, um outro tipo de células-tronco de mamíferos é extraordinaria-mente versátil. Como descrito nos Capítulos 8 e 22, é possível coletar um embrião precoce de camundongo no estágio de blastocisto e, através de cultivo celular, originar a partir dele uma classe de células-tronco chamadas de células-tronco embrionárias, ou células ES (de em-bryonic stem cells). As células ES podem ser mantidas proliferando em cultivo indefinidamente e ainda conservar um potencial de desenvolvimento ilimitado. Se as células ES são recolocadas em um blastocisto, elas tornam-se incorporadas ao embrião e podem originar todos os tecidos e tipos celulares do corpo, incluindo as células germinativas, integrando-se perfeitamente em qualquer lugar que possam vir a ocupar e adotando a característica e o comportamento que a células normais apresentariam neste local. Pode-se pensar no desenvolvimento em termos de uma série de escolhas apresentadas às células enquanto elas seguem um caminho que leva desde o ovo fecundado até a diferenciação definitiva. Após sua longa temporada em cultivo, as células ES e sua progênie evidentemente ainda podem interpretar os sinais em cada bifur-cação no caminho e responder como as células embrionárias normais o fariam. Porém, se células ES são implantadas diretamente em um embrião em um estágio mais tardio ou em um tecido adulto, elas deixam de receber uma sequência adequada de sinais; logo, sua diferencia-ção não é controlada de forma apropriada e elas muitas vezes darão origem a um tumor.

REGENERAÇÃO

0 dia 25 dias

AMPUTAÇÃOFigura 23-67 Regeneração do mem-bro da lagartixa. Uma sequência do intervalo de tempo mostrando o pro-gresso da regeneração do membro em uma salamandra a partir da amputação ao nível do úmero. A sequência mostra os estágios de cicatrização da ferida, volta a um estado não-diferenciado, fase de blastema (dispersão na forma de células mononucleadas) e volta ao estado de diferenciação, envolvidos no processo de regeneração. O tempo total mostrado é de aproximadamente 20 a 30 dias. (Cortesia de Susan Bryant e David Gardiner.)

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Células com propriedades semelhantes àquelas de células ES de camundongo agora podem ser produzidas a partir de embriões humanos precoces e de células germinativas fetais humanas, criando um suprimento potencialmente inesgotável de células que podem ser usadas para a substituição e o reparo de tecidos humanos maduros que estão lesados. Embora possa haver objeções éticas para tal uso de embriões humanos, vale a pena levar em consideração as possibilidades que estão surgindo. Colocando de lado o sonho de produzir órgãos inteiros a partir de células ES pela retomada do desenvolvimento embrionário, os experimentos em camundongos sugerem que seria possível, no futuro, usar células ES para repor as fibras musculares esqueléticas que degeneram em vítimas de distrofia muscular, as células nervosas que morrem em pacientes com doença de Parkinson, as células secretoras de insulina que estão faltando em diabéticos do tipo I, as células musculares cardíacas que morrem em um ataque cardíaco, e assim por diante.

Se as células ES vão ser utilizadas para este tipo de reparo de tecido, primeiro elas têm de ser induzidas ao longo da via de desenvolvimento desejada. Na verdade, as células ES podem ser induzidas a se diferenciar em uma grande variedade de tipos celulares em cultivo (Figura 23-68), pelo tratamento com combinações apropriadas de proteínas-sinal e fato-res de crescimento. Por exemplo, elas podem ser usadas para produzir neurosferas e célu-las-tronco neurais. Células-tronco neurais derivadas de células ES de camundongo, como aquelas derivadas de tecido cerebral, podem ser enxertadas no cérebro de um camundongo hospedeiro adulto, onde elas se diferenciarão para produzir neurônios e células da glia. Se o hospedeiro é deficiente em oligodendrócitos que formam a mielina, um enxerto de pre-cursores de oligodendrócitos derivados de células ES pode corrigir a deficiência e produzir bainhas de mielina para os axônios que carecem delas.

Células-tronco embrionárias específicas para o paciente poderiam resolver o problema da rejeição imunológicaHá muitos problemas para serem resolvidos antes que as células ES possam ser utilizadas de forma eficaz para o reparo de tecido em pacientes humanos. Um dos mais graves, que tam-

Fator decrescimentode fibroblasto

Fator 2 de crescimentode fibroblasto,fator de crescimentoepidérmico

Fator 2 de crescimentode fibroblasto, fator decrescimento derivadode plaquetas

cAMP dibutiril,ácido retinoico

Ácido retinoico

Ácido retinoico

Fator estimulante decolônia de macrofago

Interleucina-3,interleucina-1

Insulina, hormônio tireoidiano

Adipócito

Neurônio

Macrófago

Célula muscular lisa

Astrócitos e oligodendrócitos

Células da massa celular interna

Embrião precoce(blastocisto)

Células-troncoembrionárias cultivadas

Figura 23-68 Produção de células diferenciadas em cultivo a partir de células ES de camundongo. As células ES derivadas de um embrião precoce de camundongo podem ser cultivadas indefinidamente como uma monocamada ou deixadas para formar agregados chamados de corpos embrioides, nos quais as células começam a se especializar. As células dos corpos embrioides, cultivadas em meios adicionados com diferentes fatores, podem depois ser direcionadas para se diferenciar em várias vias. (Com base em E. Fuchs e J. A. Segre, Cell 100:143-155, 2000. Com permissão de Elsevier.)

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bém limita o uso de células-tronco adultas, é a rejeição imunológica. Se as células derivadas de células ES de um determinado genótipo são enxertadas em um indivíduo geneticamente diferente, as células enxertadas provavelmente são rejeitadas pelo sistema imune como es-tranhas. Formas de resolver este problema usando fármacos imunossupressores têm sido de-senvolvidas para o transplante de órgãos, como rins e coração, mas estão longe da perfeição.

Para evitar completamente os problemas imunológicos, é necessário enxertar células que são geneticamente idênticas àquelas do hospedeiro. Então, como podem ser produzidas células ES por encomenda, com o mesmo genótipo de determinado paciente humano adulto que necessita de um transplante? Como discutido no Capítulo 8, um caminho possível é via transferência nuclear de células somáticas. Neste método – ainda não realizado com células humanas, apesar de algumas falsas esperanças – o núcleo seria retirado de uma célula somá-tica do paciente e injetado em um oócito fornecido por uma doadora (em geral, uma mulher que não seja paciente), substituindo o núcleo original do oócito. A partir deste oócito híbrido, um blastocisto poderia ser obtido, e a partir do blastocisto, células ES. Estas células e sua pro-gênie conteriam o genoma nuclear do paciente e, a princípio, deveriam ser transplantadas sem risco de rejeição imunológica. Contudo, o procedimento completo envolve muitas difi-culdades e está muito longe do estágio em que poderia ser utilizado para tratamento.

Seria preferível se pudéssemos coletar células de um paciente adulto e convertê-las a uma característica semelhante à de células ES, de forma mais direta, por manipulação da ex-pressão gênica. Uma primeira etapa ao longo deste caminho é identificar os determinantes--chave da característica de células ES – as principais proteínas reguladoras que especificam esta característica, se existirem. Comparações bioquímicas de células ES com outros tipos celulares sugerem um grupo de candidatos para este papel. Estes candidatos podem ser tes-tados pela introdução de construções apropriadas de expressão de DNA em células diferen-ciadas que podem se desenvolver em cultivo, como fibroblastos. Uma combinação destes transgenes, que codificam para um grupo de quatro proteínas reguladoras de genes (Oct3/4, Sox2, Myc e Klf4), na verdade parece ser capaz de converter fibroblastos em células com características semelhantes às de células ES, incluindo a capacidade de se diferenciar de diversas maneiras. A taxa de conversão é baixa – apenas uma proporção pequena de fibro-blastos contendo os transgenes sofre a modificação – e as células convertidas são diferentes das células ES verdadeiras em aspectos importantes. Contudo, estes experimentos mostram um caminho possível para a produção de células com versatilidade semelhante às células ES a partir de células somáticas adultas.

Células-tronco embrionárias são úteis para a descoberta de fármacos e a análise de doençasEmbora o transplante de células derivadas de células ES para o tratamento de doenças huma-nas ainda pareça estar em um futuro distante, há outras vias em que as células ES prometem ter valor de forma mais imediata. Elas podem ser usadas para gerar grandes populações ho-mogêneas de células diferenciadas de um tipo específico em cultivo; e estas podem servir para testar os efeitos de um grande número de compostos químicos na busca de novos fármacos com ações úteis sobre um determinado tipo celular humano. Além disso, por meio de técnicas como aquelas recém-descritas, pode ser possível produzir células semelhantes a células ES que contêm os genomas dos pacientes que sofrem de uma determinada doença genética, e usar estas células-tronco específicas do paciente para a descoberta de fármacos úteis no trata-mento dessa doença. Tais células seriam valiosas também para a análise dos mecanismos de doenças. E, em um nível mais básico, a manipulação de células ES em cultivo nos ajudaria a compreender alguns dos muitos mistérios inexplicáveis da biologia das células-tronco.

Questões éticas sérias precisam ser resolvidas, e problemas técnicos enormes devem ser superados antes que a tecnologia de células-tronco possa produzir todos os benefícios com os quais sonhamos. Contudo, por uma via ou outra, parece que a biologia celular está come-çando a fornecer novas oportunidades para aperfeiçoar os mecanismos naturais de reparo de tecidos, tão notáveis quanto estes próprios mecanismos.

ResumoAs células-tronco podem ser manipuladas artificialmente e utilizadas tanto para o tratamento de doenças quanto para outros propósitos, como a descoberta de fármacos. Por exemplo, as células--tronco hemopoiéticas podem ser transfundidas em pacientes com leucemia para restabelecer um

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sistema hemopoiético doente, e as células-tronco epidérmicas coletadas da pele não-lesada de um paciente severamente queimado podem ser rapidamente produzidas em grande número em cultivo e enxertadas de volta com o objetivo de reconstruir uma epiderme para cobrir as queimaduras. Células-tronco neurais podem ser derivadas de algumas regiões do cérebro fetal ou adulto e, quan-do enxertadas em um cérebro que está lesado, podem se diferenciar em neurônios e células da glia que tornam-se integrados ao tecido hospedeiro e podem ajudar a ocasionar um reparo parcial, ao menos em estudos experimentais com animais.

No corpo adulto normal, cada tipo de célula-tronco dá origem a um grupo restrito de tipos ce-lulares diferenciados. Embora haja muitos relatos sobre a plasticidade da célula-tronco que quebra estas restrições, a evidência ainda é controversa. Porém, as células-tronco embrionárias (células ES) são capazes de se diferenciar em qualquer tipo celular no organismo e podem ser induzidas a se diferenciar em muitos tipos celulares diferentes em cultivo. A partir de células ES é possível, por exemplo, gerar linhas de células-tronco neurais que proliferarão indefinidamente como culturas puras de células-tronco, mas que podem responder a uma mudança apropriada das condições de cultivo a qualquer momento para que se diferenciem em neurônios e glia. Métodos para produzir células semelhantes às células ES a partir de células de tecidos adultos estão em desenvolvimento. Em princípio, tais células semelhantes às células ES, carregando o genoma de um paciente específi-co, poderiam ser utilizadas para o reparo de tecido, evitando os problemas de rejeição imunológica. De forma mais imediata, elas fornecem um terreno para testes in vitro na investigação da fisiologia e farmacologia de células de qualquer genótipo normal ou patológico, assim como para a descober-ta de fármacos com efeitos úteis sobre estas células.

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