“ainda sim, se parte”: performance, gÊnero e anima · vestimenta/composição da noiva, onde o...

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1 Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13 th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X “AINDA SIM, SE PARTE”: PERFORMANCE, GÊNERO E ANIMA João Vítor Ferreira Nunes 1 Resumo: A performance “Ainda Sim, Se Parte” foi realizada em 2014, como parte da avaliação da disciplina Indumentária e Maquiagem, do curso de licenciatura em Teatro, vinculado à Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Sua pesquisa investigativa foi iniciada no ano de 2013 e foi concebida a partir de influxos da mitologia pessoal do pesquisador João Vitor Ferreira Nunes. A performance desvela-se sob arquétipo da noiva, dinamizado pelo imaginário proposto pelas obras de Nelson Rodrigues e Tim Burton. Esta comunicação visa discutir, justamente, as questões de gênero implicadas nesta performance e as possíveis relações entre anima junguiana. Faz-se mister explicitar que esta performance é uma das motrizes para o desenvolvimento da atual investigação teórico-prática do pesquisador, no Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas da UFRN. O que se aponta no horizonte da pesquisa é o aprofundamento de um tripé de interlocução entre teorias de gênero e abordagens simbólicas, tendo como terceiro, vértice a cena performática. Palavras-chave: Performance. Consciência. Gênero. Anima. No ano de 2013, como graduando do curso de Licenciatura em Teatro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), tomei ciência que criar implica profundamente no ato de lembrar, e que o reflexo da teoria artística, é à prática. Está pesquisa, teórico-prática, se deu através do processo investigativo de si, resgatando memórias e registros corporais, onde durante a minha infância fui reprimido, por algumas pessoas, especificamente pelo meu pai, acerca da grande afinidade com o dito “universo feminino”, no interno e no externo. Ao notar que eu me relacionada diretamente com objetos pessoais das mulheres de minha família: bonecas, roupas, espelhos e pentes, além da identificação com personagens infantis, meu pai passou a me observar e me refutar em determinadas ações. Raspando minha cabeça com frequência, o mesmo dizia que homens não tinha cabelos grandes. Tomando de minhas mãos os lápis de cor, tendo por cores amarela, cor-de-rosa, roxa, azul-claro, ele informava que homens não fazia uso daquelas cores em nenhuma circunstância. Ele encontrava pequenas brechas em minhas atitudes para me limitar, me podar ou punir, no entanto, não sabia ele que todas aquelas repressões 1 Ator, performer e bailarino. Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, (UFRN), formado no Curso de Licenciatura em Teatro (UFRN) e no Curso de Licenciatura em Pedagogia (Faculdade Maurício de Nassau), Natal/RN, Brasil.

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Page 1: “AINDA SIM, SE PARTE”: PERFORMANCE, GÊNERO E ANIMA · vestimenta/composição da noiva, onde o público encontrando-me despido no Teatro Josiel Figueiredo, do Departamento de

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Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),

Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X

“AINDA SIM, SE PARTE”: PERFORMANCE, GÊNERO E ANIMA

João Vítor Ferreira Nunes 1

Resumo: A performance “Ainda Sim, Se Parte” foi realizada em 2014, como parte da avaliação da

disciplina Indumentária e Maquiagem, do curso de licenciatura em Teatro, vinculado à

Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Sua pesquisa investigativa foi iniciada no ano de

2013 e foi concebida a partir de influxos da mitologia pessoal do pesquisador João Vitor Ferreira

Nunes. A performance desvela-se sob arquétipo da noiva, dinamizado pelo imaginário proposto

pelas obras de Nelson Rodrigues e Tim Burton. Esta comunicação visa discutir, justamente, as

questões de gênero implicadas nesta performance e as possíveis relações entre anima junguiana.

Faz-se mister explicitar que esta performance é uma das motrizes para o desenvolvimento da atual

investigação teórico-prática do pesquisador, no Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas da

UFRN. O que se aponta no horizonte da pesquisa é o aprofundamento de um tripé de interlocução

entre teorias de gênero e abordagens simbólicas, tendo como terceiro, vértice a cena performática.

Palavras-chave: Performance. Consciência. Gênero. Anima.

No ano de 2013, como graduando do curso de Licenciatura em Teatro da Universidade

Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), tomei ciência que criar implica profundamente no ato de

lembrar, e que o reflexo da teoria artística, é à prática. Está pesquisa, teórico-prática, se deu através

do processo investigativo de si, resgatando memórias e registros corporais, onde durante a minha

infância fui reprimido, por algumas pessoas, especificamente pelo meu pai, acerca da grande

afinidade com o dito “universo feminino”, no interno e no externo.

Ao notar que eu me relacionada diretamente com objetos pessoais das mulheres de minha

família: bonecas, roupas, espelhos e pentes, além da identificação com personagens infantis, meu

pai passou a me observar e me refutar em determinadas ações. Raspando minha cabeça com

frequência, o mesmo dizia que homens não tinha cabelos grandes. Tomando de minhas mãos os

lápis de cor, tendo por cores amarela, cor-de-rosa, roxa, azul-claro, ele informava que homens não

fazia uso daquelas cores em nenhuma circunstância. Ele encontrava pequenas brechas em minhas

atitudes para me limitar, me podar ou punir, no entanto, não sabia ele que todas aquelas repressões

1 Ator, performer e bailarino. Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas na Universidade Federal do

Rio Grande do Norte, (UFRN), formado no Curso de Licenciatura em Teatro (UFRN) e no Curso de Licenciatura em

Pedagogia (Faculdade Maurício de Nassau), Natal/RN, Brasil.

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despertavam uma enorme curiosidade em mim sobre todas as coisas, principalmente naquelas que

ele dizia ser proibidas.

No corrente momento, tendo discernimento para refletir e dialogar sobre estas memórias,

tenho consciência que o mesmo buscava me encaixar em um padrão que ele foi inserido. Uma

educação “heteronormativa”, onde o gênero masculino e suas identificações sentem-se superiores a

algumas coisas que são ditas femininas. Portanto, a gênese desta pesquisa iniciou-se durante minha

infância e o mote investigativo vem desta minha relação com o feminino, onde revisito o passado,

tornando-os presente, no intuito de fazer um trajeto de rememoração.

Fazendo uso destas recordações físicas e latentes em meu corpo, passo a utilizá-las enquanto

repertório cênico, que logo chego a aceitação e o descortinamento deste feminino na relação com as

artes da cena. Consigo fitar que essa afinidade com o feminino, além de falar de mim mesmo, faz

elo entre eu e um interior tão povoado; visto que passei a me expressar com tudo aquilo que eu

carregava. Em decorrência a isto, senti que havia uma grande necessidade vital de compreender

para que zona eu seria guiado por meio destas relações/identificações com o feminino, onde o

campo investigativo sempre foi por meio das artes da cena, de modo geral: dança, teatro,

performance.

Por meio deste translado, foi que tomei noção sobre a nomenclatura fomentada pelo

Psiquiatra Carl Gustav Jung, onde o mesmo, em sua obra literária, “Os arquétipos e o inconsciente

coletivo” (2000), nos aponta alguns conhecimentos sobre o entendimento da energia Anima, “que

são as imagens arquetípicas do eterno feminino na consciente de um homem” (Stein, 2006, 205), e

está energia potente, faz com que o indivíduo possa conhecer a si mesmo, considerando que as

descobertas de si atenua as zonas incomunicáveis da mente, tornando algumas memórias ativas nas

relações.

A energia Anima é grande influenciadora, em determinadas circunstâncias; ela nos rege,

condiciona nas relações, possuindo também sua equivalência, na teoria junguiana, com a expressão

masculina Animus, sendo sua base a mesma. Portanto, Jung encontrou esta maneira para diferenciar

ambas energias: masculina e feminina. Assim, Anima é a energia feminina no inconsciente de todos

os homens e Animus é a energia masculina no inconsciente de todas as mulheres.

Concomitantemente, neste estudo fui regido pela minha energia Anima, onde me levou a

crer nestes arquétipos residentes dentro de mim, fazendo com que eu fosse de encontro com a

minha interioridade, e a posteriori, pudesse emancipar estas energias, falando de mim mesmo. O

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autor Jerzy Grotowski (2011), trás um pensamento relevante sobre esta consciência de si, afirmando

que:

O homem que faz um ato de autorrevelação é, digamos assim, aquele que estabelece

contato com ele mesmo. Isto é, uma confrontação extrema, sincera, disciplinada, exata e

total – não simplesmente uma confrontação com seus pensamentos, mas a que envolve todo

o seu ser, desde seus instintos e seu inconsciente até seu estado mais lúcido.

(GROTOWSKI, 2011, 44).

Visualizo as palavras do teórico acima como um sujeito aberto ao processo de individuação,

de coletividade, totalidade, assim não há como a gente fugir do que somos, pois em dado momento

aquilo que tanto negamos, vai encontrar uma forma de desancorar devido à crença nos fatos. Somos

influenciados, corriqueiramente, e é assim que nos formamos artistas e nos desenvolvemos

humanamente: aceitando aquilo que somos, desnudando-os. Logo, com muita cautela e atenção,

passei a realizar um mapeamento interno deste feminino, através da Anima, que resultou no

processo cênico intitulado “Ainda Sim, Se Parte”, no ano de 2014.

Através desta comunicação, busquei silenciar as memórias movediças que me aprisionavam,

do interno ao externo. “Ainda Sim, Se Parte” trás em sua emancipação uma autorrevelação; onde

estabeleci contato primário comigo mesmo em processos de aceitação, assunção e descortinamento

deste feminino. Seguindo o fluxo para tomar consciência deste interior tão povoado, fui galgando,

pouco a pouco, de encontro a minha mitologia pessoal. No campo teórico dei de cara com os

autores Dayvid Feinstein e Stanley Krippner, para tomar conhecimento deste conceito e em sua obra

literária, “Mitologia Pessoal” (1992), ambos afirmam que os mitos não são irreais; não são

fantasiosos,

[…] não são lendas ou falsidades, mas modelos através dos quais os seres humanos

organizam e codificam suas percepções, sentimentos, pensamentos e atitudes. Sua

mitologia pessoal origina-se dos fundamentos do seu ser, sendo também o reflexo da

mitologia produzida pela cultura na qual você vive. Todos criamos mitos baseados em

fontes que se encontram dentro e fora de nós e nós vivemos segundo esses mitos.

(FEINSTEIN & STANLEY, 1992, 16).

No campo prático dei de cara com o arquétipo da noiva, e assim nasceu a comunicação. A

partir do desnudamento deste arquétipo, trabalhei em cima da tradição acerca da

vestimenta/composição da noiva, onde o público encontrando-me despido no Teatro Josiel

Figueiredo, do Departamento de Artes da UFRN, dirigiam-se até a instalação e compunha com a

indumentária. Essa foi uma das maneiras que encontrei para incluir o público presente, ativamente,

no ato performativo, fazendo relação com a pesquisadora e performer, Maria Beatriz de Medeiros,

vinculada a UnB. A autora dialoga sobre a inserção do público no ato cênico, mostrando que é

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imprescindível que os mesmos estejam presentes, pois ela busca na prática em performance a

iteração. Em, “Performance: uma aula” (2013), Medeiros trata:

O público participante do ato cênico como iterator. Este se relaciona com o itinerante, com

o errante, com o sujeito transeunte que se permite descobrir os espaços, errar. O iterator é

nômade, ora participante, ora expectador (expectador: aquele que está na expectativa;

diferente do espectador: aquele que espera), ora performer. Mobilidade e fluxo entre aquele

que realiza o acontecimento e aquele que atualiza o acontecimento, isto é, o iterator

(MEDEIROS, 2013, 1630).

Arquivo pessoal do pesquisador / / Registro: Byanca Soares / / “Ainda Sim, Se Parte” - 2014

A possibilidade de integrar o público, de tal modo que os mesmos se sentissem parte

importante para o ato, foi uma maneira que encontrei para que tanto eu, enquanto performer, como

eles, enquanto iteratores: aqueles que interagem, pudessem entrar numa relação direta e se

relacionar com está comunicação, havendo uma troca constante e diretiva.

Por meio da presença do público na composição da indumentária e da maquiagem visualizei,

ainda mais, a arte como uma geradora de inquietações, onde sujeitei, plenamente, o meu corpo a

esta performance. Entregando-me ao ato, ao público. Despido, sem resistências, com diversos

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elementos que faziam parte da composição da noiva, como brincos sobre a mesa, sem que eu

estivesse com as orelhas furadas. Assim, o público foi participante ativo na encenação.

Dê início, lidar com o feminino, com toda a energia e herança que dele vem, foi complexo,

no entanto, ao perceber que essa relação vêm desde a minha infância, galguei em direção a está

descoberta. Percebendo que tais inquietações ebuliam por intermédios de minha disponibilidade

para as artes da cena; onde percebi que meu corpo pulsava – e ainda pulsa – em zonas que

desconheço, de modo que não conseguia dominar e/ou entender alguns complexos, cujo

entendimento de complexos vem dos conteúdos autônomos do inconsciente pessoal e sua expressão

é usualmente formada através de lesões ou traumas (Stein, 2006).

Passando a olhar esse processo de modo sinuoso, onde tive que lidar, de fato, com as forças

pessoais, de dentro para fora (Lyra, 2011), percebendo que este processo corresponde ao percurso

natural de uma vida, em que o indivíduo se torna o que sempre foi, uma vez que quando o homem

toma conhecimento e faz suscitar de sua anima e, consequentemente, à assume, depara-se com

diversas forças desconhecidas e passam a sofrer influências da mesma. É um caminho que leva o

ser a possuir ato de coragem (Jung, 2000), é uma constante relação par.

O objetivo da corrente pesquisa investigativa de individuação, era a busca paulatina por

respostas concretas acerca deste descortinamento do feminino, cujo encontro primário foi com meu

interior já povoado, e de modo geral, estabeleço elos entre os fatos que vivi no cotidiano, ao campo

das artes da cena. Somente agora, tomando noção do campo epistêmico que envolve o feminino no

homem, de modo consciente, me familiarizo com o enfeixe estabelecido anos atrás.

Esta é a primeira prova de coragem no caminho interior, uma prova que basta para

afugentar a maioria, pois o encontro consigo mesmo pertence às coisas desagradáveis que

evitamos (JUNG, 2000, 30-31).

“Ainda Sim, Se Parte” mergulha em águas profundas sobre o descortinamento do feminino

que há em mim, de modo que trata sobre o que eu havia passado na infância acerca de uma

imposição da cultura que eu não me identificava: a construção de uma família.

De modo oportuno, para poder me entregar e me aperfeiçoar ao tema pesquisado, me vi

diante da grande necessidade, enquanto homem cisgênero – indivíduo que se identifica com seu

gênero de nascença –, de descer do enorme pedestal em que me encontrava. Realizo levantamentos

bibliográficos de alguns pensamentos da pesquisadora Emma Jung (2006), onde a mesma trata de

explanar em sua obra literária “Animus e Anima”, acerca de algumas manifestações que acontecem

por intermédio destas energias, afirmando que:

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Quando um homem descobre sua anima e tem de brigar com ela, ele precisa aceitar algo

que para ele até então tinha pouco valor – neste caso, não faz muita diferença que a figura

da anima, seja ela imagem ou pessoa, aja de maneira fascinante, atraente, e portanto

valiosa. Muitas vezes o feminino em si teve até agora em nosso mundo, quando comparado

ao masculino, o valor de algo inferior, e somente agora começa-se a se fazer justiça a ele

(JUNG, 2006, 36).

Consequentemente, houve um tempo em que cheguei a pensar que tudo que era remetido ao

universo feminino era ruim ou pior. Nunca era bom, era sempre menor, onde por vezes, colocava-

me, automaticamente, num traço de inferioridade. Por um longo período eu me encontrei numa

zona de passividade constante, muitas vezes sem saber como agir diante de determinadas pessoas,

no entanto, saliento que nunca me sujeitei a mudar pensamentos, comportamentos ou atitudes em

relação a essas essências femininas que partiam do interno para o externo, para ser aceito por algum

grupo ou alguém.

Sobretudo, pensando neste lugar, que por vezes ocupei, rememorei estes fatos e fiz com que

o persona na performance permanecesse nesse lugar durante todo o ato cênico e ao final, onde o

mesmo se mostra numa relação aceitável com esse feminino que parte de si, e vendo que não havia

possibilidades de ser respeitado na família e na meio que ele pertencia, ele ceifa sua própria vida.

Faço relação também a um outro caso presente em nossa sociedade, contudo, não desejo que

este estudo se torne um relato de caráter quantitativo, mas sim qualitativo, todavia, extraio uma

fonte2 atualizada de assassinatos de pessoas que tinham a energia Anima em predominância e

tiveram seus sonhos corrompidos. Quando um jovem tem sua energia Anima em predominância e o

mesmo sofre algum tipo de repressão, o que pode chegar a acontecer é que o mesmo chegue a ceifar

sua própria vida, ou encontrar em seu caminho um algoz; alguém que tire sua vida.

Pensando nas histórias reais é que a performance finaliza com a imagem a seguir, onde o

jovem tira sua própria vida por não suportar a condição desprezível de não ser aceito pelo meio, por

não seguir o padrão de vida que lhe foi imposto.

O breve diálogo tecido acerca das imposições sobre uma ‘suposta’ cultura superior, é para

quebrar as questões que estão explícitas, em nossa sociedade, sobre ser refém das próprias

essências. Por muito tempo, o gênero e as essências femininas foram vistas como algo frágil ou

submisso, uma vez que por trás disso há o preconceito. Essa concepção ideológica de que o gênero

masculino é superior a tudo que é feminino, é um pensamento que deve ser quebrado por meio dos

diálogos, assim, busquei falar sobre este feminino e sua força em minha vida: a Anima.

2 Índice atualizado de jovens assassinados no Brasil até 2016:

<http://blogs.correio24horas.com.br/mesalte/numero-de-mortes-de-lgbts-bate-recorde-em-2016-bahia-teve-32-

homicidios/> Acessado em 15 de agosto de 2017.

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Indo além deste resgate ligado as minhas memórias, enfeixei tais conhecimentos ao que já

havia adquirido deleitando-me no campo bibliográfico, como com as obras do cineasta Tim Burton

e do autor Nelson Rodrigues, visto que ambos exercem/exerceram trabalhos voltados a estas

memórias de vida; sobretudo, tornou-se uma pesquisa do pré-consciente para o consciente em seu

domínio: (re)conhecendo, identificando, aceitando e, por conseguinte, descortinando o feminino.

Dialogar sobre a energia Anima é falar de um conteúdo psíquico que acompanha o homem

de maneira oposta a sua natureza masculina que lhe foi pregado. Jung, clarifica que para o homem

desenvolver sua energia feminina ele deve vencer suas resistências e superar seus orgulhos, e isto

não carrega em si apenas um legado com a quebra da cultura machista, mas também mexe com o

processo de aceitação das próprias descobertas e mudanças interiores. Portanto, através deste

processo escrito, desejo apresentar que o campo epistemológico da energia feminina no homem não

advém dos conhecimentos empíricos, mas sim do inconsciente coletivo/pessoal dos indivíduos; da

relação constante consigo mesmo; com as forças internas em retroalimentação (Lyra, 2011).

Enquanto suporte, deleitei-me nos autores Carl Gustav Jung “Os arquétipos e o inconsciente

coletivo” (2000), Emma Jung “Animus e Anima” (2006) e Murray Stein “Jung: o mapa da alma”

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(2006), para poder apresentar ao leitor sobre o alinhavar que necessitei realizar, a fim de dialogar

entre as descobertas de novos eus.

Só conseguiremos dar voz a nosso interior quando a gente conseguir ter consciência de que

temos que deixar de pensar que somos ímpar e pensar que somos par. Somos um coletivo de

identidades, e segundo Emma Jung (2006), há diversos tipos de manifestações, e não podemos ver

as manifestações como algo negativo, mas sim, pensar que a partir destas manifestações a/o

anima/us, estão em busca de que se tenha consciência delas, pois isso nos levam a movimentar a

roda do pensamento, podendo transformar-se em repertórios.

As descobertas partem da necessidade de cada experiência a ser passada e de cada pilar a ser

erguido, uma vez que cada um têm suas formas peculiares e particulares de se manifestar, enxergar,

ser e agir.

Oportunizar meu lado feminino a se manifestar do modo que o mesmo desejasse, descobri

que o feminino, por sua vez, possui uma força única, que comparada ao masculino, oscila num curto

tempo e as essências se esvai, pairando no ar diversas possibilidades de execução; muitas vezes,

tendo esta uma energia mutável a partir do processo investigativo, onde suas influências também

partem de tantos outros arquétipos.

A descoberta de novas identidades, partindo da identificação, arquetípicas, o entusiasmo

criativo e o repertório do senso cênico, me fizeram vislumbrar uma suposta possibilidade de me

envolver, mas não de resolver, este conflito, pois as descobertas e as probabilidades de novas

alternâncias são constantes no universo das artes.

Apoiado nestes materiais bibliográficos e no entorno do ato, originou-se o processo cênico

que clarificou em mim a real natureza e sentido do que o teórico Jerzy Grotowski (2011) afirma

acerca da essência do teatro, que são os encontros. Neste sentido, posso considerar que os encontros

realizados foram essenciais: com o público, com o espaço, com o ato, com os conhecimentos, e,

mais do que tudo, com um imenso interno feminino tão presente em mim.

Ao chegar num resultado como o “Ainda Sim, Se Parte”, no qual realizo nexo entre a vida e

a arte, é extremamente gratificante, pois é neste momento em que saliento a importância de falar de

algo que foi vivido. No ano de 2013/14 pude descobrir, e enfim tratar a energia anima e suas

manifestações como algo peculiar, dando um aporte teórico sobre a descoberta acerca do feminino

interior, “onde vivencio o outro em mim, e o outro que não sou, me vivência” (Jung, 2000, 32).

A força que a Anima possui é imensurável e a manipulação da mesma, muitas vezes, é

inevitável, pois ela assinala que somos escravos das nossas estruturas de caráter interior. Com isso,

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é estabelecido uma relação direta com um foco de consciência e, a liberdade passa a ser limitada,

aguçando um centro de percepção mais sensível. As relações estabelecidas com novos eus,

consistem em inserir novas ampliações acerca das percepções em faculdade. É como Jung diz: é um

caminho que leva o ser a possuir ato de coragem. É descortinar-se.

Este processo corresponde ao decorrer natural de uma vida, em que o indivíduo se torna o

que sempre foi. Ε porque o homem tem consciência, um desenvolvimento desta espécie não

decorre sem dificuldades; muitas vezes ele é [...] perturbado, porque a consciência se desvia

sempre de novo da base, pondo-se em oposição a ela (JUNG, 2000, 48).

Penso que foi essencial eu ter vivenciado tudo aquilo para hoje possuir memórias corporais,

utilizando-as como repertórios/registros, pois só assim consigo dialogar sobre minhas histórias.

Aqui, inauguro e estabeleço diálogos concretos sobre o que de fato passei, pois sempre tive ciência

de que não conseguiria ou poderia manipular algo que jamais tivesse experienciado, sentido na pele.

O legado que meu pai buscava passar para mim vinha de uma norma educativa própria: aquilo que

era bom para ele, e assim buscou passar adiante esta identificação que tinha com aquilo que, a

priori, julgava certo.

Meninos e meninas crescem sob a crença de que mulher e homem são o que são por

natureza. No modelo de masculinidade a ser seguido, ressaltam-se as idéias de que o

homem de verdade é solitário e reservado no que se refere às suas experiências pessoais,

ou, quando muito superficial e prático, direcionado para agir e realizar atividades. (SILVA

& BARBOSA, 2014, 390, apud GOMES, 2003).

Enquanto pesquisador, o trajeto percorrido foi árduo; pude perceber que o processo que me

fez adquirir maturidade enquanto artista e pesquisador, além aguçar o lado humano ao que de fato

carrego, não estava registrado em nenhum lugar senão em meu próprio caminhar. Mediante a isto,

fui tecendo minhas próprias histórias; tudo aquilo que me marcou em pele e fez ebulir novas

histórias. Assim, percebi que o nosso corpo possui o dom de registrar boa parte daquilo que ele

vivencia, seja o odor de uma essência à dores emocionais e físicas.

Entre os anos de 2013 a 2017 houve diversos processos ligados as artes da cena que me

levaram a empoderar o feminino residente em meu interior povoado, onde contribuíram

imensamente para que eu pudesse dialogar acerca do tema da energia Anima. Em busca de adquirir

novos conhecimentos e, posteriormente lapidá-los, tomei noção sobre a nomenclatura ligada ao

feminino, sendo originária da língua latina e tem sentido de alma. Sendo assim, Anima é a energia

feminina residente no inconsciente de todos os homens. A partir de todo o relato pessoal acima,

onde me expresso por meio das artes da cena e coaduno com os autores que fomentam acerca da

Anima, é que tomei noção que algo feminino em mim gostaria de mais atenção.

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Saliento que a comunicação “Ainda Sim, Se Parte” é uma das motrizes no qual analiso

enquanto manifesto da energia Anima em meu corpo masculino, uma vez que possibilitou que eu

visualizasse um leque de possibilidades de fomento desta energia estudada.

Afirmo que tudo aquilo que pertencia a meu inconsciente, por meio da relação com o

feminino, estão se tornando conscientes, criando suas próprias fluências no corpo e no espaço.

Resisto contando histórias sobre as mulheres que sou, e também as que me torno por meio destas

descobertas. O ato de coragem de desancorar a energia Anima e os arquétipos femininos vieram

como algo inesperado, que no entanto, tomou conta de meu ser e me ampliou a visão sobre o

feminino.

Atualmente, este estudo de caráter qualitativo descritivo, ligado ao descortinamento do

feminino, encontra-se em desenvolvimento no Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas

(PPGArC), da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), sob orientação da Artista e

Pesquisadora PhD. Luciana de Fátima Rocha Pereira de Lyra (UERJ / UFRN).

Arquivo pessoal do pesquisador / / Registro: Byanca Soares / / “Ainda Sim, Se Parte” - 2014

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Referências

BURTON, Tim. O triste fim do pequeno menino ostra e outras histórias / 1º ed. São Paulo: Editora

Girafinha, 2007.

BURTON, Tim. A morte melancólica do rapaz ostra / 1º ed. São Paulo: Editora Girafinha, 2007.

BURTON, Tim. A noiva cadáver. <filme DVD assistido em: 09.04.2017>, 2005.

COHEN, Renato. Performance como linguagem / 1º reimpressão da 3º ed. – São Paulo:

Perspectiva, 2013.

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Page 12: “AINDA SIM, SE PARTE”: PERFORMANCE, GÊNERO E ANIMA · vestimenta/composição da noiva, onde o público encontrando-me despido no Teatro Josiel Figueiredo, do Departamento de

12

Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),

Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X

“Still Brokenhearted”: performance, gender and anima

Astract: The performance entitled “Still Brokenhearted” was first presented in 2014 as part of the

evaluation in the “Costume and Make-up” module in the undergraduate Theater Course at UFRN

(Rio Grande do Norte Federal University). Its investigative research began in 2013 and originated

from an influx of researcher João Vítor Ferreira Nunes’ personal mythology. The performance

unveils under the archetype of the bride, streamlined by the imaginary proposed in the works of

Nelson Rodrigues and Tim Burton. This communication aims at discussing exactly the gender

issued implied in this performance and the possible relations between gender and the Jungian

anima. It is important to highlight that this performance is one of the most relevant elements in the

development of the researcher’s current theoretical/practical investigation in his Post Graduate

studies in Performing Arts at UFRN. What look to be on the rise in this research is deepening the

tripod of interlocution among gender theories, symbolic approaches and the performance scene.

Keywords: Performance. Consciousness. Gende. Anima.

Keywords: Performance, Consciousness, Gender, Anima.