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    Igreja Reformada e os DesafiosTeolgicos e Litrgicos na Ps Modernidade1

    Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa

    INTRODUO:

    No h estupidez mais brutal do queconscientemente ignorar a DeusJooCalvino, O Livro de Salmos,So Paulo: Pa-racletos, 1999, Vol. 1, (Sl 14.1), p. 272.

    Pudssemos imaginar os homensvindo ao mundo no pleno exerccio da

    razo e juzo, seu primeiro ato de sacrif-cio espiritual seria o de ao de graas Joo Calvino, O Livro de Salmos, SoPaulo: Paracletos, 1999, Vol. 2, (Sl 50.14),p. 409.

    a) Escolhidos para Adorar:

    Paulo em sua maravilhosa doxologia (Ef 1.3-14), declara que Deus nos temabenoado continuamente em Cristo. Ele bendiz a Deus com uma expresso de a-o de graas, considerando as bnos de Deus que recebemos por Cristo: quenos tem abenoado (eu)logh/saj)(3). O particpio aoristo (eu)logh/saj), indica den-tro deste contexto, um fato consumado e a ao continuada de Deus. Podemos in-terpretar que Deus na eternidade j nos abenoou definitivamente; a sua bno completa; todavia, ela -nos comunicada constantemente atravs da histria. Essasbnos so multifacetadas: toda sorte(pa/sh), na realidade, todase cadabn-o que temos, sem exceo, provm do Senhor. As regies celestiais (e)n toi=je)pourani/oij = lit. dos cus, celestiais)2indicam a procedncia das bnos. E-las provm de Deus, o Pai que habita os cus (Mt 6.9) e, para onde Ele mesmo noslevar (2Tm 4.18). Devemos estar atentos ao fato de que tudo que temos provm deDeus, atravs de Cristo, sendo comunicado pelo Esprito. De modo especial o textodestaca algumas dessas bnos: a eleio (4-5), a redeno (7), o selo do Esprito(13-14). Portanto, uma tentao muito grave, ou seja, avaliar algum oamor e o favor divinos segundo a medida da prosperidade terrena que elealcana.3 As bnos so espirituais porque se originam em Deus, sendo-nos

    1Conferncias ministradas na 23 Conferncia Fiel para Pastores e Lderes emguas de Lindia no

    perodo de 1 a 5 de outubro de 2007.2E)poura/nioj: Mt 18.35 (variante textual); Jo 3.12; 1Co 15.40,48,49; Ef 1.3,20; 2.6; 3.10; 6.12; Fp

    2.10; 2Tm 4.18; Hb 3.1; 6.4; 8.5; 9.23; 11.16; 12.22.3Joo Calvino, O Livro dos Salmos, So Paulo: Paracletos, 1999, Vol. 1, (Sl 17.14), p. 346.

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    comunicadas pelo Esprito. Essas bnos relacionam-se diretamente ao ministriode Cristo, que celestial (2Tm 4.18), tendo um alcance csmico (Ef 3.10). Issotambm denota a nossa nova condio: Deus nos fez assentar nos lugares celesti-ais (e)pourani/oij) (Ef 2.6) juntamente com Cristo (Ef 1.20). Essa realidade alta-mente estimulante: cada bno de Deus, o Seu cuidado mantenedor e preservador

    constitui-se na administrao de Sua graa, concedida em Cristo Jesus desde a e-ternidade. Devemos ento, considerar que, se desejamos refrear nossas paixes,devemos recordar que todas as coisas nos tm sido dadas com o propsitode que possamos conhecer e reconhecer o seu autor.4

    Considerando essas bnos, que ultrapassam em muito a nossa capacidade depensar, sentir ou imaginar (Ef 3.20), devemos buscar o reino de Deus (Mt 6.33); ascoisas l do altoonde Cristo est direita de Deus (Cl 3.1).

    Tudo que temos em Cristo. V-se ento que a f nos ensina que todo obem que nos necessrio e que em ns mesmos no existe est em Deus e

    em Seu Filho, nosso Senhor Jesus Cristo, em quem o Senhor constituiu toda aplenitude das Suas bnos e da Sua liberalidade.5Neste texto, Ef 1.3-14, hpelo menos doze referncias direta a Cristo, indicando a verdade de que, fora deCristo nada somos e nada temos; Ele o fundamento da Igreja. Juntamente com osdons celestiais, Cristo d-se a Si mesmo por ns (Rm 8.32). A eleio tem um senti-do escatolgico: da eternidade para a eternidade em santificao: at que a nossasalvao seja consumada na glorificao.6

    Paulo inicia a doxologia bendizendo a Deus, demonstrando que Deus digno deser bendito. A palavra bendito, (Eu)loghto\j= louvado, bem-aventurado) (Hebrai-co: Baruk; Latim: Benedictus) ocorre 8 vezes no Novo Testamento e sempre usadapara Deus (Mc 14.61; Lc 1.68; Rm 1.25; 9.5; 2Co 1.3; 11.31; Ef 1.3; 1Pe 1.3).

    7A fra-

    seologia desta saudao,tambm empregada em 2Co 1.3, assemelha-se de Pe-dro em 1Pe 1.3. Na Epstola aos Corntios, Paulo bendiz a Deus considerando o fa-to de que Ele quem nos conforta em toda a nossa tribulao; Pedro, bendiz a Deustendo em vista a nossa regenerao efetuada pela misericrdia de Deus, para quetenhamos uma viva esperana atravs da ressurreio de Cristo. Em Efsios, Paulo,contemplando a extenso da obra do Deus Trino de eternidade eternidade efetu-ando a nossa eleio, d graas a Deus. (Ver o Salmo 103).8

    Paulo diz que Deus, o pai, tem, atravs da histria, manifestado as suas bnoseternas para conosco Paulo, os efsios e todos os santos em todos os tempos nas regies celestiais em Cristo Jesus. Notemos aqui, que Deus Pai do nosso

    Senhor Jesus Cristo(path\r tou= kuri/ou h)mw=n )Ihsou= Xristou=).

    4Joo Calvino,A Verdadeira Vida Crist,So Paulo: Novo Sculo, 2000, p. 72.

    5Joo Calvino,As Institutas,(1541), III.9.

    6Vd. J. Calvino,As Institutas,III.22.10.

    7Na Septuaginta, a nica vez que a palavra usada para referir-se ao homem em Gnesis 24.31.

    8Ver: R.C.H. Lenski, The Interpretation of St. Pauls Epistles to the Ephesians,Peabody, Massachu-

    setts: Hendrickson Publishers, 1998, (Ef 1.3), p. 349.

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    Paulo d graas a Deus considerando ento as bnos de Deus derramadassobre o sue povo: No passado: (Eleio) (Ef 1.3,4); No presente: (Redeno) (Ef1.7); No futuro: (Posse definitiva da vida eterna) (Ef 1.12-14).

    O mesmo Esprito que nos abenoa, orienta-nos em nossa adorao, a fim de

    que ofereamos a Deus hinos e cnticos espirituais(Ef 5.19), conforme acentuouOld: Os hinos e salmos que so cantados na adorao sos msicas espiri-tuais, isto , elas so as msicas do Santo Esprito (Atos 4.25; Ef 5.19).9(Ver: Cl3.16).

    Os eleitos bendizem a Deus pelo que Ele e pelo que Ele fez por ns. A gratidodeve nortear o nosso relacionamento com Deus.No h um caminho mais dire-to ( gratido), do que o de tirarmos nossos olhos da vida presente e meditarna imortalidade do cu.10

    Deus deve ser sempre o alvo de nossa adorao sincera, resultante de um cora-o consciente e agradecido, que reconhece a Sua Glria e os Seus atos salvado-res e abenoadores. (2Ts 2.13/Ef 5.20). Comentando o Salmo 6, Calvino assim seexpressa: Depois de Deus nos conceder gratuitamente todas as coisas, elenada requer em troca seno uma grata lembrana de seus benefcios.11

    Fomos eleitos por Deus na eternidade para que O adoremos. Portanto, no culto aigreja vivencia o propsito de sua eleio: o fim principal do homem glorificar aDeus! A igreja a comunidade de adoradores que se congrega para testemunharpublicamente os atos graciosos de Deus.

    b) O Homem perante Deus:

    Com que me apresentarei ao Senhor?(Mq 6.6). Esta certamente a grandepergunta com a qual todo o ser humano se deparar um dia. O homem foi criadopara se relacionar com o Seu Criador. Deus ao criar o homem conferiu-lhe uma iden-tidade prpria que o distinguiria de toda a criao. Enquanto os outros seres cria-dos (peixes, aves, animais domsticos, animais selvticos, etc.) o foram conforme assuas respectivas espcies. O homem, diferentemente, teve o seu modelo no prprioDeus Criador Tambm disse Deus: Faamos o homem nossa imagem, confor-me a nossa semelhana.... (Gn 1.26); e vos revistais do novo homem, criado se-gundo Deus....(Ef 4.24) sendo distinto assim, de toda a demais criao, partilhan-do com Deus de uma identidade desconhecida por todas as outras criaturas, vistoque somente o homem foi criado imagem e semelhana de Deus. Somente ohomem pode partilhar de um relacionamento pessoal, voluntrio e consciente comDeus. Por isso, quando se trata de encontrar uma companheira para o homem com

    9Hughes Oliphant Old, Worship: That Is Reformed According to Scripture, Atlanta: John Knox Press,

    1984, p. 6.10

    Joo Calvino,A Verdadeira Vida Crist,p. 73.11

    Joo Calvino, O Livro dos Salmos,Vol. 1, (Sl 6.5), p. 129. Por sua vez, os mpios e hipcritascorrem para Deus quando se vem submersos em suas dificuldades; mas assim que se vemlivres delas, olvidando seu libertador, se regozijam com frentica hilaridade[Joo Calvino,OLivro dos Salmos,Vol. 1, (Sl 28.7), p. 608].

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    a qual ele possa se relacionar de forma pessoal j que no se encontra em todo oresto da criao , a soluo uma nova criao, tirada da costela de Ado e, trans-formada por Deus em uma auxiliadora idnea, com a qual Ado se completar,12passando a haver uma fuso interpessoal, unidade essencial, constituindo-se osdois uma s carne(Gn 2.20-24; Mc 10.8),13unidos por Deus (Mt 19.6).14

    Mas se o homem e a mulher se completam f sica, psquica e afetivamente,consti-tuindo assim a vida social o que de fato est longe de ser isso irrelevante ,15 am-bos tm uma matriz metafsica, transcendente: ambos procedem de Deus para vive-rem com e para Deus. Por isso, a questo que permanece na tela das atenes dohomem, ainda que costumeiramente ele no saiba defini-la, o seu encontro comDeus. Pela perda da dimenso do eterno o homem trilha por atalhos que, quandomuito, servem como paliativos para as suas angstias, mas, que ao final, aumentamainda mais a sua dor e desiluso. Assim, o homem procura alento na filosofia, na ar-te, na filantropia, na religio, na diverso, no consumo, no sexo, no trabalho e nasdrogas. Ainda que algumas dessas fugas possam ser teis intelectual e socialmen-te, elas, por si s no resolvem a questo fundamental do ser humano: Com queme apresentarei ao Senhor?(Mq 6.6).

    Sem a dimenso metafsica da existncia todo o nosso labor carece de sentido,pois o sentido no conferido intrinsecamente pelo que pensamos por ns mesmosou fazemos, mas em Deus, Aquele que confere significado ao nosso real. O homem

    como uma sntese de infinito e de finito16carece de um referencial que v almde si mesmo. Em outras palavras, como ser finito que , ele no representa umponto de integrao suficiente para si mesmo.17Sem esse pontoo homembuscar referncia apenas em tendncias, moda, estatsticas ou no seu bom sen-so; ou seja: carecer de absolutos. Sem absolutos a vida transforma-se em uma

    12Ver: O. Palmer Robertson, Cristo dos Pactos, Campinas, SP.: Luz para o Caminho, 1997, p. 69.

    1320Deu nome o homem a todos os animais domsticos, s aves dos cus e a todos os animais sel-

    vticos; para o homem, todavia, no se achava uma auxiliadora que lhe fosse idnea. 21Ento, oSENHOR Deus fez cair pesado sono sobre o homem, e este adormeceu; tomou uma das suas coste-las e fechou o lugar com carne. 22E a costela que o SENHOR Deus tomara ao homem, transformou-a numa mulher e lha trouxe. 23E disse o homem: Esta, afinal, osso dos meus ossos e carne da mi-nha carne; chamar-se- varoa, porquanto do varo foi tomada. 24Por isso, deixa o homem pai e mee se une sua mulher, tornando-se os dois uma s carne (Gn 2.20-24).

    Por isso, deixar o homem a seu pai e me e unir-se- a sua mulher, e, com sua mulher, seroos dois uma s carne. De modo que j no so dois, mas uma s carne(Mc 10.7-8).14

    .... o que Deus ajuntou no separe o homem(Mc 10.9).15

    O objetivo do reino temporal fazer que possamos adaptar-nos companhia dos ho-mens durante o tempo que nos cabe viver entre eles; estabelecer os nossos costumes emtermos de uma justia civil; viver em harmonia uns com os outros; e promover e manter paz etranqilidade comum. Reconheo que todas estas coisas seriam suprfluas, se o reino deDeus, que ora se mantm em ns, anulasse a presente existncia. Mas se da vontade deDeus que caminhemos na terra enquanto aspiramos nossa verdadeira ptria, e se, ade-mais, tais acessrios so necessrios nessa viagem para l, os que querem separ-los dohomem vo contra a sua natureza humana[Joo Calvino,As Institutas,(1541), IV.16].16

    S.A. Kierkegaard Desespero Humano, Doena At Morte,So Paulo: Abril Cultural (Os Pensado-res, Vol. XXXI), 1974, p. 337.17

    F.A. Schaeffer, O Deus que Se Revela, So Paulo: Cultura Crist, 2002, p. 39-40.

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    novela das oito: Tudo permitido dentro do consenso do produtor, diretor e dogrande pblico...

    No entanto Deus existe e o homem foi criado sua imagem e semelhana. No re-lato histrico da criao do homem, encontramos o registro inspirado: "Tambm dis-

    se Deus: Faamos o homem nossa imagem, conforme a nossa semelhana....(Gn 1.26). Deus Se aconselha consigo mesmo e delibera. Aqui podemos ver a sin-

    gularidade da criao do homem; em nenhum outro relato encontramos esta formarelacional.

    18 Conforme acentua Bavinck (1854-1921), Ao chamar existncia

    as outras criaturas, ns lemos simplesmente que Deus falou e essa fala deDeus trouxe-as existncia. Mas quando Deus est prestes a criar o homemEle primeiro conferencia consigo mesmo e decide fazer o homem Sua i-magem e semelhana. Isso indica que especialmente a criao do homemrepousa sobre a deliberao, sobre a sabedoria, bondade e onipotncia deDeus. (...) O conselho e a deciso de Deus so mais claramente manifestosna criao do homem do que na criao de todas as outras criaturas.19

    Aqui temos o decreto Trinitrio que antecede o tempo e, que agora, se executa his-toricamente conforme o eternamente planejado.

    O Faamos de Deus, conforme usado em Gnesis 1.26,20indica que o homemfoi criado aps deliberao ou consulta, como explica Calvino: "At aqui Deus temse apresentado simplesmente como comandante; agora, quando ele se a-proxima do mais excelente de todas as suas obras, ele entra em consulta".21

    O fato de Deus ter criado o homem aps deliberao, tem dois objetivos na con-cepo de Calvino (1509-1564): 1)nos ensinar que o prprio Deus se encarregou defazer algo grande e maravilhoso; 2)dirigir a nossa ateno para a dignidade de nos-sa natureza.

    22Assim, conclui ele: "Verdadeiramente existem muitas coisas nesta

    natureza corrupta que pode induzir ao desprezo; mas se voc corretamentepesa todas as circunstncias, o homem , entre outras criaturas, uma certapreeminente espcie da Divina sabedoria, justia, e bondade, o qual me-recidamente chamado pelos antigos de microcosmos 'um mundo em minia-tura.23

    18Vd. Anthony A. Hoekema, Criados Imagem de Deus,So Paulo: Editora Cultura Crist, 1999, p.

    24.19

    Herman Bavinck, Our Reasonable Faith,4 ed. Grand Rapids, Michigan: Baker Book House, 1984,p. 184.20he&A(an(naaseh), qal, imperfeito.21

    John Calvin, Commentaries on The First Book of Moses Called Genesis,Grand Rapids, Michigan:Eerdamans Publishing Co., 1996 (Reprinted), Vol. 1, p. 91.22

    Cf. John Calvin, Commentaries on The First Book of Moses Called Genesis,Vol. 1, p. 92. Cf. JooCalvino,As Institutas,So Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1985, I.15.3.23

    John Calvin, Commentaries on The First Book of Moses Called Genesis,Vol. 1, p. 92. ComentandoGnesis 5.1, Calvinodiz que Moiss repetiu o que ele havia dito antes, porquea excelncia e adignidade desse favor no poderia ser suficientemente celebrada. Foi sempre uma grandecoisa, que o principal lugar entre as criaturas foi dado ao homem.[John Calvin, Commentar-ies on The First Book of Moses Called Genesis,Vol. 1, p. 227. Vd. J. Calvino,As Institutas,II.1.1].

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    Davi, contemplando a majestosa criao de Deus, escreveu: Graas te dou, vis-to que por modo assombrosamente maravilhoso me formaste; as suas obras soadmirveis, e a minha alma o sabe muito bem(Sl 139.14).

    justamente pelo fato dohomem ter a impresso pessoal de Deus no mais alto

    grau que ele necessita voltar-se para Deus. A nossa fome espiritual nada mais do que o revelar o nosso vazio e a necessidade de que ele seja preenchido com al-go que ultrapassa as nossas possibilidades. Da o vazio ser o tema recorrente dahumanidade.

    24Algo nos falta, somos como que um recipiente rachado que no con-

    segue se completar; por isso, de certa forma podemos dizer que "o desejo aprpria essncia do homem".25Mas, o trgico que o que buscamos para nossatisfazer nos escapa, a felicidade que procuramos torna-nos vezes sem conta ainda

    mais frustrados. Aqui est algo desalentador: Parte da cruel ironia da existnciahumana parece ser que as coisas que, em nossa opinio, iriam nos fazer feli-zes, deixam de faz-lo.26 "Tudo fez Deus formoso no seu devido tempo; tambmps a eternidade no corao do homem, sem que este possa descobrir as obras que

    Deus fez desde o princpio at o fim"(Ec 3.11).

    Com que me apresentarei ao Senhor?(Mq 6.6). Este texto se prope a respon-der esta e outras questes concernentes ao culto a Deus.

    1. A RELIGIO COMO FENMENO UNIVERSAL:

    A Religio um fenmeno universal. A Antropologia, a Sociologia, a Filosofia, aArqueologia e a Histria, entre outras cincias, tm demonstrado de forma convin-cente que a religio est presente em todas as culturas antigas e modernas. Por is-so, podemos falar do homem como sendo um ser religioso.

    27O homem procura de-

    sesperadamente um significado para a sua vida, tentando encontrar um equilbrioentre os seus extremos existenciais: a vida e a morte, o ser e o nada, a ordem e ocaos. Dentro desta perspectiva, o caminho religioso , quase que invariavelmenteseguido pelo homem na busca de significado para o seu existir. A experincia religi-

    24

    Ver: Alister McGrath, O Deus Desconhecido: Em Busca da Realizao Espiritual,So Paulo: Loyo-la, 2001, p. 7.25

    B. Espinosa, tica,So Paulo: Abril Cultural, (Os Pensadores, Vol. XVII), 1973, IV.18. p. 244. Pordesejo sempre se quer significar a ausncia do objeto [Thomas Hobbes,Leviat, So Paulo:Abril Cultural, (Os Pensadores, Vol. XIV), 1974, I.6. p. 37].26

    Alister McGrath, O Deus Desconhecido: Em Busca da Realizao Espiritual,p. 9. Calvino (1509-1564) comenta que .... enquanto todos os homens naturalmente desejam e correm aps a fe-licidade, vemos quo quanta determinao se entregam a seus pecados; sim, todos aque-les que se afastam ao mximo da justia, procurando satisfazer suas imundas concupiscn-cias, se julgam felizes em virtude de alcanarem os desejos de seu corao.[Joo Calvino, OLivro dos Salmos,So Paulo: Paracletos, 1999, Vol. 1 (Sl. 1.1), p. 51].27

    uma verdade indiscutvel que o sentimento religioso conatural ao ser humano, poisno existe nenhuma sociedade primitiva ou civilizada, que no acredite em seres sobrenatu-rais ou que no pratique alguma forma de culto(Salvatore DOnofrio, Metodologia do TrabalhoIntelectual,So Paulo: Atlas, 1999, p. 13). Geisler e Feinberg dizem que o o homem incuravelmen-te religioso. (Norman L. Geisler & Paul D. Feinberg, Introduo Filosofia: uma perspectiva crist,So Paulo: Vida Nova, 1983, p. 269, 278).

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    osa universal, assumindo caractersticas pessoais e, ao mesmo tempo universais.Do mesmo modo que minha experincia particular e pessoal, ela tem em si osmesmos ingredientes da experincia do outro: todos desejam o mesmo equilbrio,ainda que no pelos mesmos caminhos e com nomes diferentes. A religio um a-pangio do ser humano.

    O grande etnlogo Bronislaw Malinowski (1884-1942), inicia o seu livro Magia, Ci-ncia e Religio, com esta afirmao: No existem povos, por mais primitivosque sejam, sem religio nem magia.28

    Na Antigidade, Ccero (106-43 a.C.), Plutarco (50-125 AD) e outros, constatarameste fato. Ccero observou que noh povo to brbaro, no h gente to brutal eselvagem, que no tenha em si a convico de que h Deus.29Calvino (1509-1564)acentua que, A aparncia do cu e da terra compele at mesmo os mpios areconhecerem que algum criador existe. (...) Certamente que a religio nemsempre teria florescido entre todos os povos, se porventura as mentes huma-

    nas no se persuadissem de que Deus o Criador do mundo.

    30

    Portanto,at os prprios mpios so para exemplo de que vige sempre na alma de to-

    dos os homens alguma noo de Deus31

    Mas, o que significa religio? Ainda que no possamos responder a questo a-penas pela simples explicao da palavra, acreditamos que esta pode fornecer-nosalgumas pistas. A palavra religio de origem incerta. Ccero (106-43 a.C.), asso-cia a palavra ao verbo latino relegere (reler, ler com cuidado).

    32 Ccero, assim ex-

    plicou: Aqueles que cumpriam cuidadosamente com todos os atos do cultodivino e por assim dizer os reliam atentamente foram chamados de religiososde relegere, como elegantes de eligere, diligentes de diligere, e inteligentes

    de intellegere; de fato, nota-se em todas estas palavras o mesmo valor delegere que est presente em religio.33Deste modo, a religio seria o estudo di-ligente acompanhado da observncia das coisas que pertencem aos deuses.34

    No entanto, a explicao mais famosa, relaciona a origem da palavra religioereligare(religar) trazendo a idia embutida de religar-se com Deus. Essa explica-

    28

    Bronislaw Malinowski, Magia, Cincia e Religio,Lisboa: Edies Setenta, (s.d.), p. 19.29

    Vd. Cicero, The Nature of the Gods,England: Pinguin Books, 1972, I.17; II.430Joo Calvino, Exposio de Hebreus,So Paulo: Paracletos, 1997, (Hb 11.3), p. 299. Em outro lu-

    gar: .... to belo seu arranjo [dos cus], e to excelente sua estrutura, que todo seu arca-bouo declarado como o produto das mos de Deus. [Joo Calvino, O Livro dos Salmos,So Paulo: Parakletos, 2002, Vol. 3, (Sl 102.25), p. 585].31

    Joo Calvino,As Institutas,I.3.2.32

    Cicero, The Nature of the Gods, II.72-74. p. 152-153.33

    Cicero, The Nature of the Gods, II.28.34

    Cf. Religio: In: Richard A. Muller, Dictionary of Latin and Greek Theological Terms,Grand Rapids,Michigan: Baker Book House, 1985, p. 262.

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    o encontra-se em Lactncio (c. 240-c. 320) Divinae Institutiones, (c. 304-313) eAgostinho (354-430) De Civitate Dei

    35 e De Vera Religione.

    Lactncio que discorda da explicao de Ccero, diz: Ns dissemos que onome religio (religionis) derivado do vnculo de devoo, porque Deus li-

    gou o homem a Ele, e o prende por devoo; porque ns O temos que servircomo um mestre, e ser-Lhe obediente como a um pai.36

    Agostinho, aps falar do que no devemos adorar, afirma: Que a nossa religi-o nos ligue, pois, ao Deus nico e onipotente.37

    Thomas Hobbes (1588-1679) em 1651, vai um pouco alm, concluindo que a reli-gio exclusividade do ser humano: Verificando que s no homem encontra-mos sinais, ou frutos da religio, no h motivo para duvidar que a sementedareligio38se encontra tambm apenas no homem, e consiste em algumaqualidade peculiar, ou pelo menos em algum grau eminente dessa qualida-

    de, que no se encontra em outras criaturas vivas.39

    35Agostinho,A Cidade de Deus,2 ed. Petrpolis, RJ./So Paulo: Vozes/Federao Agostiniana Bra-

    sileira, 1990, (parte I), X.3. p. 373. Vd. tambm, Ibidem.,X.32. p. 410-414.36

    Lactantius, The Divine Institutes, IV.28. In: Alexander Roberts & James Donaldson, eds. Ante-Nicene Fathers,Peabody, Massachusetts: Hendrickson publishers, 1994, Vol. VII, p. 131.37

    Santo Agostinho,A Verdadeira Religio,So Paulo: Paulinas, 1987, 55. p. 145.38

    Expresso j utilizada por Calvino (Ver:As Institutas,I.5.1).39

    Thomas Hobbes, Leviat,So Paulo: Abril Cultural, (Os Pensadores, Vol. XIV), 1974, p. 69.

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    2. O HOMEM COMO CENTRO DE TODAS AS COISAS?!:

    perigoso fazer ver demais ao ho-mem quanto ele igual aos animais,sem lhe mostrar a sua grandeza. aindaperigoso fazer-lhe ver demais a suagrandeza sem a sua baixeza. aindamais perigoso deix-lo ignorar uma eoutra. Mas muito vantajoso represen-

    tar-lhe ambasPascal.40

    Uma das caractersticas do homem ps-moderno a falta de referenciais. Atra-vs dos sculos ele tem destrudo tudo o que foi apontado como modelo de orienta-o e padro de avaliao. Ele destruiu suas tradies e dogmas, esqueceu-se deDeus, alijando todas as suas referncias... Assim, sem orientao, paradoxalmente,sente-se livre e ao mesmo tempo inseguro diante das incertezas resultantes de suasescolhas. Aniquilou o que tinha e no sabe como recomear. Mondin resume:

    Perdeu a referncia que lhe servia de orientao e no consegue maisencontrar parmetros vlidos sobre os quais fundar seus juzos. No sabemais distinguir entre o bem e o mal, entre o verdadeiro e o falso, entre obelo e o feio, entre o justo e o injusto, entre o til e o prejudicial, entre o lci-to e o ilcito, entre o decente e o inconveniente etc. (...) As antigas certe-zas culturais e morais jazem por terra; os valores sobre os quais se fundavaa nossa civilizao foram como que esmagados e dissolvidos; os pontosde referncia do progresso e da ao perderam sua consistncia.41

    A nossa poca atingiu o clmax do humanismo que gerou algo tragicamente de-sumano. Vejamos algumas pinceladas de como isso se deu.

    A) O Humanismo Renascentista:

    Se a Idade Mdia foi o tempo de Deus; a Renascena foi o tempodo ho-mem. Este conceito pode ser elaborado de muitos modos mas, esta perspectiva difi-cilmente pode ser questionada, exceto por dois aspectos: Na Idade Mdia o Deusbuscado, em muitos sentidos no era o Deus da revelao bblica e, o Humanismo-Renascentista, graas Reforma, no limitou o seu olhar ao homem como o fim detodas as coisas. Alis, a Reforma sob muitos aspectos uma correo ao Huma-nismo-Renascentista, to dominado pela viso grega. Creio que neste sentido a Re-

    forma foi mais revolucionria do que os historiadores, filsofos e socilogos estodispostos a admitir.42No entanto, acreditamos que essas duas perspectivas no in-

    40

    Blaise Pascal, Pensamentos,VI.418, p. 139.41

    Battista Mondin, Curso de Filosofia,So Paulo: Paulinas, 1983, Vol. III, p. 7.42

    Schaeffer (1912-1984) percebe isso ao dizer: "A Reforma foi revolucionria porquanto se apar-tou tanto do humanismo catlico-romano como do secular"(Francis A. Schaeffer,A Fe de losHumanistas, 2 ed. Madrid: Felire, 1982, p. 10). digna de nota a observao do filsofo catlicomile Brhier (1876-1952): "A Reforma ope-se tanto teologia escolstica, quanto ao hu-manismo. Nega a teologia escolstica, porque nega, com Ockham, que nossas faculdades

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    validam o princpio predominante enunciado: Se a Idade Mdia foi o tempo deDeus; a Renascena foi o tempodo homem.

    No quinto sculo antes de Cristo, o filsofo sofista grego Protgoras (c. 480-410a.C.) na sua obra, hoje perdida,A Verdade(A)lh/qeia) disse: Homo Mensura, ou na

    forma completa: "O homem a medida de todas as coisas, da existncia dasque existem e da no existncia das que no existem".43A Renascena se ca-racteriza pela tentativa de vivenciar este conceito. Neste perodo houve uma "vira-da antropolgica". Deus cedeu lugar ao homem, deixando de ser o centro das aten-es; o "homem virtuoso" passou a ocupar o trono da histria. "O homem pelohomem para o homem"; este , de certa forma, o lema implcito do HumanismoRenascentista. Este "antropocentrismo refletido", se retrata no homem renascentis-ta, profundamente otimista no que se refere sua capacidade; ele se julga emplenas condies de planejar o seu prprio futuro, sua existncia individual, apro-ximar-se da perfeio; tudo est em suas mos, nada lhe escapa. Marclio Ficino(1433-1499), considerava o homem como uma "sntese de todas as maravilhas douniverso"; ou, na sua expresso, "copula mundi" ("Nexo do mundo").44O homempassou a ser considerado como o centro do mundo, a imagem completa de todas

    as coisas; o livro da natureza.45

    Pico della Mirandola (1463-1496), em seu panegri-co sobre o homem, j no primeiro pargrafo, cita Hermes: Grande milagre, As-clpio, o homem.46

    Schaeffer depois de interpretar o Davi(1504) de Miguelngelo (1475-1564) comouma declarao humanista,47conclui: Os humanistas tinham certeza de que o

    racionais possam conduzir-nos da natureza ao seio de Deus. Renega o humanismo, menospor seus erros do que por seus perigos, posto que as foras naturais no podem comunicar

    qualquer sentido religioso"(. Brhier, Histria da Filosofia,So Paulo: Mestre Jou, 1977-1978, I/3,p. 209). Semelhantemente, afirma o historiador francs Boisset: A preocupao do humanista,em suma, afirmar e demonstrar a grandeza do homem; a do reformador, segundo a ex-presso de Calvino, dar testemunho da honra de Deus [Jean Boisset, Histria do Protes-tantismo,So Paulo: Difuso Europia do Livro, 1971, (Coleo Saber Atual), p. 17].43

    Apud Plato, Teeteto, 152a: In: Teeteto-Crtilo,2 ed. Belm: Universidade Federal do Par, 1988,p 15. Citado tambm em Plato, Crtilo,385e. Aristteles, diz: "O princpio (...) expresso por Prot-goras, que afirmava ser o homem a medida de todas as coisas (...) outra coisa no senoque aquilo que parece a cada um tambm o certamente. Mas, se isto verdade, con-clui-se que a mesma cousa e no ao mesmo tempo e que boa e m ao mesmo tem-po, e, assim, desta maneira, rene em si todos os opostos, porque amide uma cousa pare-ce bela a uns e feia a outros, e deve valer como medida o que parece a cada um" (Metaf-sica, XI, 6. 1 062. Vd. tambm, Plato, Eutidemo,286). Plato diferentemente de Protgoras, enten-

    dia que a medida de todas as coisas estava em Deus.

    Aos nossos olhos a divindade ser

    a me-dida de todas as coisasno mais alto grau(Plato,As Leis,Bauru,SP.: EDIPRO, 1999, IV, 716c.p. 189).44

    Cf. Battista Mondin, Curso de Filosofia,So Paulo: Paulinas, 1981, Vol. II, p. 14. Expresso seme-lhante usada por Pico della Mirandola: mundi copulam. [Giovanni Pico Della Mirandola, DiscursoSobre a Dignidade do Homem, (Edio Bilnge), Lisboa: Edies 70, (2001), p. 48 e 49]. Ele foigrandemente influenciado por Marclio Ficino (1433-1499), a quem conheceu em Florena (1484).45

    Vd. Ren Descartes, Discurso do Mtodo, So Paulo: Abril Cultural, (Os Pensadores, Vol. XV),1973, I, p. 41.46

    Giovanni Pico Della Mirandola, Discurso Sobre a Dignidade do Homem, p. 49.47

    Francis A. Schaeffer, Como Viveremos?, So Paulo: Cultura Crist, 2003, p. 42-43.

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    homem, partindo de si mesmo, seria capaz de resolver qualquer problema. Af no homem era total. O homem que, partindo de si mesmo, era capaz dese esculpir a si mesmo na rocha, diretamente na natureza, poderia resolvertudo. O brado humanista era eu posso fazer o que bem quiser; espere s atamanh. Mas Da Vinci, em seu brilhantismo, acabou, no final de sua vida,

    vendo que o humanismo seria derrotado.48

    Assim, o homem no deve ficar olhando para as alturas mas, para dentro desi mesmo; h uma mudana de tica e perspectiva49e, conseqentemente de valo-res. Deste modo, a metafsica substituda pela introspeco, os olhares baixam docu para o homem em sua concretude e beleza. Esta mudana refletiu -se em todasas reas do conhecimento humano; o homem tornou-se o tema geral e central dosaber: o corpo humano passou a ser reproduzido em telas; alguns artistas visandoconhecer mais exatamente os rgos do corpo humano, para poder retrat-losmelhor em suas obras [O luterano

    50Albrecht Drer (1471-1528), alm de geme-

    tra,51

    tornou-se um especialista nesta arte]52

    , praticaram a dissecao de cadve-

    48

    Francis A. Schaeffer, Como Viveremos?, p. 45. Alis, o prprio trabalho de Miguel ngelo na Ca-pela Sistina (Vaticano) (1512) revela uma obra de tal monta tanto no aspecto fsico como intelectualque seria difcil conceber que um homem sozinho a pudesse realizar no espao de 4 anos: mui-to difcil a um mortal comum imaginar como foi possvel a um ser humano realizar o que Mi-guel ngelo realizou em quatro anos de trabalho solitrio nos andaimes da capela papal. Omero esforo fsico de pintar esse gigantesco afresco no teto da capela, de preparar e es-boar as cenas em detalhe, e de transferi-las para o teto, j era suficientemente fantstico.Miguel ngelo tinha de deitar-se de costas e pintar olhando para cima. De fato, habituou-sede tal modo a essa posio acanhada que at quando recebia uma carta durante esseperodo tinha que l-la assumindo a mesma posio. Entretanto, a proeza fsica de um ho-mem para cobrir esse vasto espao sem ajuda nenhuma pouco representa em compara-o com a faanha intelectual e artstica. A riqueza de novas invenes, a metria infalvelde execuo em todos os detalhes e, sobretudo, a grandeza das vises que Miguel ngelorevelou aos psteros proporcionaram humanidade uma nova idia de poder do gnio(E.H. Gombrich,A Histria da Arte, 16 ed. So Paulo: Livros Tcnicos e Cientficos Editora, 1995, p.307-308).49

    Vd. Ruy A. da Costa Nunes, Histria da Educao no Renascimento,p. 27.50

    Cf. N.V. Hope, Albrecht Drer: In: J.D. Douglas & Philip W. Comfort, eds. Whos Who in ChristianHistory, Wheaton, Illinois: Tyndale House Publishers, Inc. 1992, p. 217. Vejam-se extratos de seu di-rio (1521) e uma de suas cartas (1520) citados por Francis A. Schaeffer, Como Viveremos?, So Pau-lo: Cultura Crist, 2003, p. 58-60. Do mesmo modo, Paul Romane Musculus, La Prire des Mains:Lglise Rforme et LArt,Paris: Editions Je Sers, 1938, p. 119-121.51

    Cf. John Hale,A Civilizao Europia no Renascimento, Lisboa: Editorial Presena, 2000, p. 508.52 emocionante observar Drer experimentando vrias regras de propores, v-lo distor-

    cendo deliberadamente a compleio humana ao desenhar corpos demasiado longos oudemasiado largos, a fim de descobrir o equilbrio adequado e a harmonia perfeita (E.H.Gombrich,A Histria da Arte, 16 ed. So Paulo: Livros Tcnicos e Cientficos Editora, 1995, p. 347).Drer pintou um quadro de Erasmo que se tornou famoso. Nele Drer apresenta Erasmo como umeditor competente e criterioso. Quando Drer morreu, Erasmo o homenageou em uma de suas obrasrealando o seu brilho que, conforme declara Erasmo, faria com que Apeles, se ainda vivo o apla u-disse. (Ver. Roland H. Bainton, Erasmo da Cristandade, Lisboa: Fundao Calouste Gulbenkian,(1988), p. 295-298). No demais lembrar que as contribuies artsticas na Renascena no estive-ram restritas Itlia [Ver: Peter Burke,As Fortunas dO Corteso: a recepo europia a O cortesode Castiglione, So Paulo: Editora da UNESP., 1997, p. 13].

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    res [Antnio Pollaiolo,53 Leonardo da Vinci (1452-1519)54 e Miguel ngelo (1475-1564)].

    55 No campo educacional, surgem grandes mestres, preocupados com a

    formao do homem; originando-se da, obras sobre o comportamento humano;"aescritura de tratados acerca da educao dos prncipes, outrora tarefa dostelogos, agora passa tambm a ser, naturalmente, assunto dos humanis-tas".56 No sem razo, que Delumeau diz que o Renascimento foi tambmdescoberta da criana, da famlia, no sentido estrito da palavra, do casa-mento e da esposa. A civilizao ocidental fez-se ento menos antifeminista,menos hostil ao amor no lar, mais sensvel fragilidade e delicadeza dacriana.57

    O prazer "carnal" por sua vez, passa a ser apreciado em detrimento do propaga-

    do "ascetismo" medieval: O Renascimento foi, sem dvida, sensual.....58En-fim, o homem o tema e senhor da histria; j no espera favores divinos; antes,pelo contrrio, emprega seu talento pessoal para conseguir realizar os seus dese-jos; j no meroespectador passivo do universo, mas seu agente, lutando para omodificar, melhorar e recriar. O humanismo renascentista eminentemente ativista.

    Este otimismo no era gratuito; ele estava acompanhado pela nova forma de ler,entender e criticar a literatura e a arte antigas; as lnguas da Europa tornam-se aospoucos, no grande veculo de comunicao das idias, a imprensa floresce, a nave-gao conhece seu sucesso atravs das descobertas de novos continentes. Copr-nico (1473-1543)

    59 e Galileu Galilei (1564-1642) revolucionam a astronomia com

    uma nova compreenso do sistema solar,60assinalando um marco importante dentrode uma transformao intelectual, causando uma revoluo no retrato do mundo emrelao compreenso medieval;61 enfim, tudo aponta para a capacidade do ho-

    53

    Cf. Pedro D. Nogare,Humanismos e Anti-Humanismos,p. 68.54

    Ele dissecou mais de trinta cadveres (Cf. E.H. Gombrich,A Histria da Arte,p. 294). Ver tambm:Daniel-Rops,A Igreja da Renascena e da Reforma: I. A reforma protestante,p. 195.55

    Cf. E.H. Gombrich,A Histria da Arte, p. 304-305.56

    J. Burckhardt,A Cultura do Renascimento na Itlia: Um Ensaio,So Paulo: Companhia das Letras,1991, p. 163-164.57

    Jean Delumeau,A Civilizao do Renascimento,Lisboa: Editorial Estampa, 1984, Vol. I, p. 23.58

    Jean Delumeau,A Civilizao do Renascimento,Vol. I, p. 23.

    59Vd. Jean Delumeau,A Civilizao do Renascimento, Vol. II, p. 144-146; Paolo Rossi, O Nascimen-to da Cincia Moderna na Europa, Bauru, SP.: EDUSC, 2001, p. 115.60

    Vd. Philip Schaff & David S. Schaff, History of the Christian Church, Peabody, Massachusetts:Hendrickson Publishers, 1996, Vol. VI, p. 561.61

    Referindo-se teoria de Coprnico, escreve Hawking: A ruptura que ela representou marcouuma das maiores mudanas de paradigma da histria mundial, abrindo caminho para a as-tronomia moderna e afetando a cincia, a filosofia e a religio(Stephen Hawking, Os Gniosda Cincia: Sobre os ombros do Gigante: as mais importantes idias e descobertas da fsica e da as-tronomia, Rio de Janeiro: Elsevier Editora, 2005, p. 2-3). Ver tambm: Eugenio Garin, Cincia e VidaCivil no Renascimento Italiano, So Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista, 1996, p. 151-154.

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    mem em seus avanos vitoriosos; aparentemente, para este no h limites; ele ocentro de todas as coisas.

    62

    Creio que Francis A. Schaeffer (1912-1984), resume bem o antropocentrismo do

    Humanismo, dizendo que o "Humanismo a colocao do homem como

    centro de todas as coisas, fazendo-o a medida de todas as coisas".63O hu-manismo fruto do orgulho de ser homem; de uma f entusiasta em suas potenciali-dades.

    Berdiaeff (1874-1948) em sua obra datada, verdade , propondo uma "NovaIdade Mdia", declara de forma pattica, que o humanismo no alcanou o que de-sejava; por isso, a situao do homem moderno, a pior de todas. Diz ele:

    "A histria moderna uma empreitada que no resultou bem, que noglorificou o homem, como o fizera esperar. As promessas do humanismo noforam cumpridas. O homem experimenta uma fadiga imensa e est pronto

    a apoiar-se sobre qualquer gnero que seja de coletivismo, em que definiti-vamente desaparecesse a individualidade humana. O homem no podesuportar seu abandono, sua solido".64

    B) O Iluminismo:

    As respostas que buscamos ainda hoje, esto relacionadas s questes levan-tadas direta ou indiretamente pelos iluministas. A teologia ocorre dentro da histria,no tempo, com todos os seus conflitos, angstias e necessidades vitais de resposta.Realando a atualidade das questes levantadas pelos iluministas, Tillich (1886-1965), conclui: A maior parte de nossa vida acadmica se baseia neles.65

    Os cristos colocam a teologia em risco quando ignoram o iluminismo,enfatizam Grenz e Olson.

    66O iluminismo , de certo modo, um filho tardio do huma-

    nismo renascentista. As concepes da Filosofia e da Cincia Moderna dentro deum processo de evoluo intelectual contriburam para que surgisse um novo espri-to, caracterizado pela autonomia da razo em detrimento da tradio ou de qualqueroutro padro externo. A razo aqui pretendeu estender os seus limites para todos osramos do saber, negando-se a reconhecer limites fora de si mesma; deste modo, elanum gesto sem-cerimnia, invade os domniosda tica, da epistemologia, da polti-

    62

    Ver: Bertrand Russell, Histria da Filosofia Ocidental, 2 ed. So Paulo: Companhia Editora Nacio-nal, 1967, Vol. 3, p. 58-60.63

    F.A. Schaeffer,Manifesto Cristo, Braslia, DF.: Editora Refgio, 1985, p. 27.64

    N. Berdiaeff, Uma Nova Idade Mdia,Rio de Janeiro: Jos Olympio, 1936, p. 12-13.65

    Paul Tillich, Perspectivas da Teologia Protestante nos Sculos XIX e XX,So Paulo: ASTE, 1986,p. 47.66

    Stanley J. Grenz & Roger E. Olson, A Teologia do Sculo XX,So Paulo: Editora Cultura Crist,2003, p. 13.

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    ca e da religio,67 tendo como elemento aferidor de toda a realidade a razo aut-noma.

    68Para isso, o Iluminismo rejeita qualquer ajuda transcendente; ele deseja

    somente o que pode conseguir com a sua razo, com seus prprios esforos: osseus recursos so suficientes para entender e explicar o mundo ou o que quer queseja que se lhe apresente como carente de explicao.69 O Iluminismo que duroucerca de 150 anos (1650-1800),70tem como uma de suas caractersticas fundamen-tais o retorno constante razo, no mais revelao; o homem racional o centrodo universo... A razo substituiu a revelao como rbitro da verdade.71Ohomem a medida de todas as coisas e a razo o seu instrumento de medio; o cnon da verdade.72

    O sculo XVIII, o sculo do iluminismo, conserva intacta a confiana narazo e caracterizado pela deciso de se servir dela livremente.73A razono se ope experincia j que ela que organiza esta, conforme a concepokantiana.

    . Este movimento originou-se na Inglaterra, expandindo-se pela Frana e Alema-nha, sendo ento apelidado de Aufklrung (Iluminismo), justamente devido suapretenso de iluminar o obscurantismo da tradio.74

    67Mackintosh diz que o Iluminismo, .... deixou sua marca profunda no s na religio, seno

    tambm na cincia, na filosofia e na filantropia....(Hugh R. Mackintosh, Corrientes TeolgicasContemporneas,Buenos Aires: Methopress Editorial y Grfica, 1964, p. 23).68

    Para uma interpretao da autonomiada razo iluminista, Vd. Paul Tillich, Perspectivas da Teolo-gia Protestante nos Sculos XIX e XX,p. 48ss; Idem.,Histria do Pensamento Cristo,So Paulo:ASTE., 1988, p. 262-263.69

    Vd. E. Cassirer,A Filosofia do Iluminismo,Campinas, SP.: Editora da UNICAMP., 1992, p. 191.70

    Vd. Stanley J. Grenz, Ps-Modernismo: Um guia para entender a filosofia do nosso tempo, SoPaulo: Vida Nova, 1997, p. 97.71

    S.J. Grenz, Ps-Modernismo: Um guia para entender a fi losofia do nosso tempo, p. 106-107.72

    Na Antigidade, Aristteles (384-322 a.C.), comentando a agudez do homem bomem discernir averdade, disse ser este a norma (Kanw/n) e a medida (M//e/tron) da verdade. (Aristteles, tica a Ni-cmaco,III.4. 1113a 33). Protgoras (c. 480-410 a.C.), o filsofo sofista, j havia empregado o con-ceito de medida, aplicando-o ao homem, dizendo ser este, a medida de todas as coisas. (Cf.Plato, Teeteto,152a; Aristteles, Metafsica,XI.6.1 062. Vd. tambm, Plato, Eutidemo, 286). Con-forme j indicamos, Plato diferentemente de Protgoras, entendia que a medida de todas as coisasestava em Deus. Aos nossos olhos a divindade ser a medida de todas as coisasno mais al-

    to grau(Plato,As Leis,Bauru, SP.: EDIPRO, 1999, IV, 716c. p. 189).73

    Nicola Abbagnano, Histria da Filosofia,3 ed. Lisboa: Presena, [1982], Vol. VII, 476, p. 131.74

    Cf. U. Padovani, Histria da Filosofia,13 ed. So Paulo: Melhoramentos, 1981, p. 337;Idem., Filo-sofia da Religio,So Paulo: Melhoramentos/EDUSP.: 1968, p. 109 e Michele F. Sciacca, Histria daFilosofia,3 ed. So Paulo: Mestre Jou, 1968, Vol. II, p. 149. Alis, este foi o grande objetivo de Chris-tian Wolff (1679-1723) em sua filosofia: Iluminaro esprito humano de modo a tornar possvelao homem o seu uso da atividade intelectual na qual consiste a sua felicidade. (...) Tal obje-tivo no poder ser atingido se no existir a liberdade filosficaque consiste na possibilida-de de manifestar publicamente o que se pensa sobre as questes filosficas(Cf. Nicola Ab-bagnano, Histria da Filosofia,4 ed. Lisboa: Presena, 1994, Vol. VIII, 504, p. 20-21). Alis, esteideal estaria bem prximo do que Kant chamaria posteriormente de autonomia da razo.

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    O Iluminismo, mais do que um sistema filosfico, um movimento espiri-tual, tpico do sculo XVIII e caracterizado por uma ilimitada confiana narazo humana, considerada capaz de dissipar nvoas do ignoto e do mis-trio, que obstruem e obscurecem o esprito humano, de tornar os homensmelhores e felizes, iluminando-os e instruindo-os. O Iluminismo , em essn-

    cia, um antropocentrismo, um ato de f apaixonado na natureza humana,considerada com seus caracteres universais e comuns a todos os homens,e no na natureza individual e original de cada um. Os olhares so dirigi-dos para o futuro; um novo evangelho, uma nova era na qual o homem,vivendo em conformidade com a natureza, ser perfeitamente feliz.75(gri-fos meus).

    Bengt Hgglund resume tudo isto dizendo que o Iluminismo caracterizou-sepor uma f ingnua no homem e em suas potencialidades.76

    Kant (1724-1804), um dos maiores expoentes deste movimento, ilustrou bem o

    esprito da sua poca, na sua famosa definio de Iluminismo. Em 1784, num artigopara uma revista, Kant se perguntou: "O Que o Iluminismo?".Ele respondeu:

    "O Iluminismo a emancipao de uma menoridade que s aos ho-mens se devia. Menoridade a incapacidade de se servir do seu prpriointelecto sem a orientao de um outro. S a eles prprios se deve tal me-noridade se a causa dela no for um defeito no intelecto mas a falta dedeciso e de coragem de se servir dele sem guia. 'Sapere aude! Tem a co-ragem de te servires do teu prprio intelecto!' o lema do Iluminismo".77

    Essa "maioridade" foi saudada jubilosamente por Nietzsche (1844-1900), que

    em 1882 escreveu:

    "O mais importante dos eventos mais recentes que 'Deus morreu',que a crena no Deus cristo se tornou indigna de crdito j comeaa lanar suas primeiras sombras sobre a Europa... Na realidade, ns, os fi-lsofos e 'espritos livres' sentimo-nos irradiados como por uma nova au-rora pelo relatrio de que o 'velho Deus est morto'; nossos coraestransbordam de gratido, de assombro, de pressentimento e de expecta-tiva. Finalmente, parece que o horizonte est aberto de novo, ainda quereconheamos que no est brilhante; nossos navios podem finalmentesair para o mar aberto, enfrentando todo o perigo; todo risco permitido

    outra vez para quem tiver discernimento; o mar, o nosso mar, mais uma

    75Battista Mondin, Curso de Filosofia,So Paulo: Paulinas, 1981, Vol. II, p. 153.

    76B. Hgglund,Histria da Teologia,Porto Alegre, RS.: Concrdia, 1973, p. 293.

    77E. Kant, Que es la Ilustracion?: In: E. Kant, Filosofa de la Historia,3 reimpresin, Mxico: Fondo

    de Cultura Econmica, 1987, p. 25. Tillich interpretando esta concepo de Kant, diz: Kant achavaque as pessoas vivem mais despreocupadas quando se deixam guiar por lderes religiosos,chefes polticos ou orientadores educacionais. Queria, porm, acabar com essa segurana.Achava que essa dependncia contradizia a verdadeira natureza humana (Paul Tillich,Perspectivas da Teologia Protestante nos Sculos XIX e XX,p. 47).

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    vez fica aberto diante de ns, talvez nunca existisse antes semelhante'mar aberto'.78

    Zilles comenta:

    A partir da morte de Deus tudo reavaliado. A terra ocupa lugar dedeus. Convencendo-se de que Deus morreu, o homem se abre livrementepara suas possibilidades. No lugar do Deus cristo e do reino das idiasplatnicas pe a terra. Aps a morte de Deus, o homem fala para o ho-mem, invocando sua possibilidade suprema: o super-homem.79

    Prevalece a compreenso de que o homem, por meio de sua razo, a lei para simesmo; ele quem se governa no um outro (heteronomia).80 Kant (1724-1804),assim escreveu: Autonomia da vontade aquela sua propriedade graas aqual ela para si mesma a sua lei.... Pela simples anlise dos conceitos damoralidade pode-se, porm, mostrar muito bem que o citado princpio da

    autonomia o nico princpio da moral.81Neste caso, ser autnomo ser re-gido nica e exclusivamente pelas suas prprias leis.

    Tillich (1886-1965), assim define este conceito: Representa a vida humana vi-vida segundo a lei da razo em todos os aspectos da atividade espiritual (...).Para os indivduos, autonomia a coragem de pensar; coragem de se valerdos prprios poderes racionais.82

    Dentro deste esprito, a tradio rejeitada. Na tradio, o Iluminismo v umafora hostil que mantm vivas crenas e preconceitos que sua obrigaodestruir.83 Na realidade, prevalece a compreenso de que tradio e erro coinci-

    dem.

    O ttulo de uma obra de Kant, escrita em 1793 ainda que seja simples abstra-o84, retrata bem este perodo: A Religio Dentro dos Limites da Simples Ra-

    78

    Friedrich Nietzsche, The Joyful Wisdom,p. 275,Apud Colin Brown, Filosofia e F Crist,So Pau-lo: Vida Nova, 1983, p. 94. Vd. Hermisten M.P. Costa, Deus em Nietzsche,So Paulo: 1996, 12p.79

    Urbano Zilles,Filosofia da Religio,So Paulo: Paulinas, 1981, p. 171.80

    Vd. Paul Tillich, Perspectivas da Teologia Protestante nos Sculos XIX e XX,p. 47ss.; Idem.,His-tria do Pensamento Cristo,p. 262-263; Laurence Thomas, Autonomia da Pessoa: In: Monique Can-to-Sperber, org. Dicionrio de tica e Filosofia Moral, So Leopoldo, RS.: Editora Unisinos, 2003, Vol.1, especialmente, p. 142-143.81

    I. Kant, Fundamentao da Metafsica dos Costumes,So Paulo: Abril Cultural (Os Pensadores,Vol. XXV), 1974, p. 238.82

    Paul Tillich, Perspectivas da Teologia Protestante nos Sculos XIX e XX,p. 48.83

    Iluminismo: In: Nicola Abbagnano, Dicionrio de Filosofia,2 ed. So Paulo: Mestre Jou, 1982, p.510b. Tillich observa: Para o iluminismo o passado se mantinha, at certo ponto, submersoem superstio(Paul Tillich, Perspectivas da Teologia Protestante nos Sculos XIX e XX,p. 95).84

    Ernst Cassirer observa que esta obra transmite apenas a configurao ideal, a sombra deuma genuna e concreta vida religiosa(Ernst Cassirer,Antropologia Filosfica,2 ed. So Paulo:Editora Mestre Jou, 1977, p. 51).

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    zo.Ela se tornou, conforme expresso de Braaten, o manifesto religioso para oiluminismo.85

    No entanto, deve ser dito que o Iluminismo carrega em seu bojo o germe de suaprpria destruio. O escocs David Hume (1711-1776), embalado nestes conceitos,

    aplicou o ceticismo religio e capacidade da mente humana poder conhecer omundo externo; ele empregava a razo at aos limites para mostrar as limita-es da razo.86 Lembremo-nos, de que foi justamente Hume quem despertouKant do sono dogmticoe que este, mesmo fazendo da razo o nico guia seguropara se chegar verdade, impunha razo limites rigorosos a fim de no cair noprecipcio do naturalismo que exclui a idia do absoluto: a razo finita; ela no p o-de conceber sozinha o infinito.

    87

    Do Iluminismo confiante na razo, surge a crtica mais mordaz concernente ca-pacidade da razo. Todavia, necessrio que no nos iludamos; em Kant, a razoseria sempre o aferidor final e decisrio. Num de seus escritos, enfatiza:

    Amigos da humanidade e do que h de mais santo para ela, aceitaitambm o que vos parecer mais digno de f aps um exame atento esincero, quer se trate de fato, quer se trate de princpios racionais, mas norecuseis razo o que a torna o bem mais alto sobre a terra: o privilgiode ser a ltima pedra de toque da verdade.88

    De fato, a centralizao do homem, a busca de sua essncia como fim ltimode todas as coisas, no poderia nem pode gerar valores permanentes. Ainda hoje,curiosamente, somos muitas vezes levados a pensar no homem "como a medidade todas as coisas": como se a soluo de todos os seus problemas estivessesimplesmente na capacidade de olhar para dentro de si. Ora, no estamos dizendoque a reflexo e a auto-anlise no sejam relevantes, antes, o que estamos pro-pondo, que a essncia do homem no pode ser simplesmente determinada em sie por si; preciso uma dimenso verdadeiramente teolgica para que possamosentender melhor o que somos. A genuna antropologia deve ser sempre e incondi-cionalmente teocntrica!89Toda afirmao teolgica tem implicaes antropolgicas,quer explcitas, quer implcitas.90

    85Carl E. Braaten, Prolegmenos Dogmtica Crist: In: Carl E. Braaten & Robert W. Jenson, eds.,

    Dogmtica Crist,So Leopoldo, RS.: Sinodal, Vol. I, 1990, p. 59. Tillich diz que a obra de Kant pode-ria ser tambm chamada de pequena teologia sistemtica(Paul Tillich, Perspectivas da Teolo-gia Protestante nos Sculos XIX e XX,p. 81).86

    Colin Brown, Filosofia e F Crist, So Paulo: Vida Nova, 1983, p. 48. Vd. tambm, C. Brown, Ilu-minismo: In: Walter A. Elwell, ed. Enciclopdia Histrico-Teolgica da Igreja Crist,So Paulo: VidaNova, 1988-1990, Vol. II, p. 308; Paul Tillich, Perspectivas da Teologia Protestante nos Sculos XIX eXX,p. 78,83.87

    Cf. Nicola Abbagnano, Histria da Filosofia,Vol. VIII, 531, 534, p. 129-131,144; P. Tillich, Pers-pectivas da Teologia Protestante nos Sculos XIX e XX,p. 78-79.88

    Kant, Was heisst: Sich im denken orientieren?,A 329Apud Nicola Abbagnano, Histria da Filosofi-a,Vol. VIII, 531, p. 131.89

    Segundo me parece, uma compreenso semelhante pode ser encontrada em Wrigth, quando as-severa: Como cristos informados pela Palavra de Deus, percebemos que o mundo nopode interpretar-se a si prprio. O verdadeiro conhecimento do euenvolve primeiro o ouvir

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    sofia, que depois de um perodo de decadncia entra em perodo de forta-lecimento, sempre cria uma expectativa extraordinria e exagerada. Nessaspocas ela vive a esperana de que atravs de uma sria investigao elaresolver o enigma do mundo. Mas sempre depois dessa fervente expectati-va chega a velha desiluso. Em vez de diminuir, os problemas aumentam

    com os estudos. O que parece estar resolvido vem a ser um novo mistrio, eo fim de todo o conhecimento ento novamente a triste e s vezes deses-peradora confisso de que o homem caminha sobre a terra em meio a e-nigmas, e que a vida e o destino so um mistrio.95

    Calvino (1509-1564), comentando o desejo humano por lisonjas, acrescenta que,quando o homem se detm em si mesmo, no prosseguindo em suas investiga-es, permanece absorto na sua ignorncia.

    "...Nada h que a natureza humana mais cobice que ser afagada delisonjas. E, por isso, onde ouve seus predicados revestir-se de grande

    realce, para esse rumo propende com demasiada credulidade. Portan-to, no de admirar que, neste ponto, se haja transviado, de maneiraprofundamente danosa, a maioria esmagadora dos homens. Ora, umavez que ingnito a todos os mortais mais do que cego amor de si mes-mos, de muito bom grado se persuadem de que nada neles existe que,com justia, deva ser abominado. Destarte, mesmo sem influncia de fo-ra, por toda parte obtm crdito esta opinio de todo v: que o ho-mem a si amplamente suficiente para viver bem e venturosamente (...).Da, porque tem sido, destarte, acolhido com o grande aplauso de quasetodos os sculos cada um que, com seu encmio, haja mui favoravel-mente exaltado a excelncia da natureza humana (...). Portanto, se al-

    gum d ouvidos a tais mestres que nos detm em somente mirarmosnossas boas qualidades, no avanar no conhecimento de si prprio, aocontrrio, precipitar-se- na mais ruinosa ignorncia".96

    O Humanismo renascentista veio na esteira do pensamento grego cujos valoresforam herdados pelo iluminismo e tem o seu clmax nos humanistas seculares mo-dernos.

    97O trgico de tudo isso que se a Idade Mdia foi pretensamente o tempo

    95Herman Bavinck, Our Reasonable Faith,4 ed. Grand Rapids, Michigan: Baker Book House, 1984,

    p. 20.96

    J. Calvino,As Institutas,II.1.2. Ele contrape esta prtica real necessidade que temos de meditarna providncia de Deus:Por mais diligentemente uma pessoa se pe a meditar sobre as o-bras de Deus, ela s pode alcanar as superfcies ou as bordas delas. Embora sendo assimde to grande altitude, muito acima de nosso alcance, devemos, no obstante, diligenciar-nos, o quanto nos for possvel, por aproximar-nos dela mais e mais em contnuo progresso; aovermos tambm a mo divina estendida para descortinar-nos, o quanto nos oportuno,aquelas maravilhas que por ns mesmos somos incapazes de descobrir[Joo Calvino, O Livrodos Salmos,Vol. 2, So Paulo: Paracletos, 1999, (Sl 40.5), p. 223].97

    Cf. Gene Edward Veith, Jr., Tempos Ps-Modernos: uma avaliao crist do pensamento e da cul-tura da nossa poca,So Paulo: Cultura Crist, 1999, p. 65. Veja-se exemplo disso em Erich Fromm,que sustenta que o homem capaz de saber o que bom e de agir em conformidade, a-poiado no vigor de suas potencialidades naturais e de sua razo. Continua: Seria insusten-

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    mentozinho da criao,102que aos olhos humanos incompreensvel103eum abismo,104 uma sntese de infinito e de finito.105

    O grande filsofo Cassirer (1874-1945), inicia o captulo de uma de suas obras,com a seguinte afirmao: Parece ser universalmente admitido que a meta

    mais elevada da indagao filosfica o conhecimento de si prprio.106Nocampo filosfico, apesar da variedade e evoluo de pesquisas neste assunto, hevidente confisso da ignorncia a respeito do homem. Max Scheller (1874-1928),admite: Em nenhum tempo da histria o homem se tornou to problemticocomo na atualidade.107Martin Heidegger (1889-1976), figura proeminente do e-xistencialismo, por exemplo, escrevendo em 1950 sobre Kant e o Problema da Meta-fsica,assim se expressou:

    Nenhuma poca acumulou sobre o homem conhecimentos to nume-rosos e diversos quanto a nossa. Nenhuma poca apresentou to bem esob forma mais tocante seu saber sobre o homem. Nenhuma poca con-

    seguiu tornar este saber to pronta e facilmente acessvel. Mas nenhumapoca tambm soube menos o que o homem. Em nenhuma outra ohomem apareceu to misterioso.108

    Braudel (1902-1985) conta-nos que quando o socilogo Edgar Morin se despediudo Partido Comunista, logo depois, disse: O marxismo, meu velho, estudou aeconomia, as classes sociais; maravilhoso, meu velho, mas ele se esqueceude estudar o homem.109

    102Agostinho, Confisses,9 ed. Porto: Livraria Apostolado da Imprensa, 1977, I.1. p. 27.

    103E. Young, Pensamentos Noturnos,p. 6231.104

    Agostinho, Confisses,IV.14. p. 102.105

    Soren A. Kierkegaard, O Desespero Humano, Doena At Morte, So Paulo: Abril Cultural,1974. (Os Pensadores, Vol. XXXI), p. 337.106

    Ernst Cassirer,Antropologia Filosfica,2 ed. So Paulo: Editora Mestre Jou, 1977, p. 15. Na se-qncia, o autor mostra a limitao em alcanar tal objetivo (p. 16). Na realidade, para Cassirer o c o-nhecimento do homem o primeiro passo para o conhecimento do universo. Ele demonstra isso emoutro de seus textos: Um dos traos caractersticos do sculo XVIII a estreita relao, pode-ramos at dizer o vnculo indissolvel que existe, no mbito do seu pensamento, entre oproblema da natureza e o problema do conhecimento. O pensamento no pode dirigir-seao mundo dos objetos exteriores sem voltar-se simultaneamente para si mesmo, procurandoassim assegurar-se, num s e mesmo ato, da verdade da natureza e da sua prpria verda-

    de. Ao invs de o conhecimento ser simplesmente tratado como um instrumento e utilizadode modo singelo como tal, vemos ser continuamente colocada, em termos mais prementes,a questo da legitimidade desse uso e da estrutura desse instrumento.(E. Cassirer,A Filoso-fia do Iluminismo,Campinas, SP.: Editora da UNICAMP, 1992, p. 135). Contudo o seu mtodo ex-posto a partir da p. 116ss.107

    Max Scheller, Die Stellung des Menschen im Kosmos,p. 10.ApudEdvino A. Rabuske,Antropolo-gia Filosfica: um estudo sistemtico,8 ed. Petrpolis, RJ.: , Vozes, 2001, p.13.108

    Martin Heidegger, Kant und das Problem der Metaphysik,Frankfurt: 1950, n 37, p. 189.ApudJ.Y.Jolif, Compreender o Homem,So Paulo: Editora Herder, 1970, p. 15. Do mesmo modo, citado por:R. Vancourt,A Estrutura da Filosofia: As Origens do Homem,So Paulo: Duas Cidades, 1964, p. 7.109

    Fernand Braudel, Gramtica das Civilizaes, 3 ed. So Paulo: Martins Fontes, 2004, p. 315.

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    Carl G. Jung (1875-1961), do mesmo modo, disse: O homem ainda umdesconhecido, tanto para si mesmo como para os outros.110

    No mesmo diapaso, mais recentemente, escreveu Thomas Giles: Nenhumapoca soube menos o que o homem do que a nossa.111 O grande prega-dor Reformado, Lloyd-Jones (1899-1981), pregando no incio dos anos 60, disse:Oproblema principal de homens e mulheres ainda que eles so tremenda-mente ignorantes quanto a si mesmos.112 Curiosamente, esta inquietao no apenas nossa; na Antigidade, Digenes de Sinope (c. 413-323 a.C.) da EscolaCnica,113com a sua proverbial sutileza, foi visto em Atenas em pleno dia com umalanterna acesa e dizendo: Procuro um homem.114

    4. VALORES CONTEMPORNEOS:

    Com as descobertas de novas culturas e suas religies (a partir do sculo XVII),tentou-se fazer do cristianismo apenas mais uma religio, sendo um produto do g-nio inventivo do homem. Agora, fala-se das grandes religies do mundo, surgindoento, uma nova disciplina; a das religies comparadas, objetivando fazer melhoresestudos das religies no-crists, analisando os seus pontos de contato com o cristi-anismo e suas distines.

    A concluso chegada destes estudos por parte dos iluministas, que nenhumareligio por si s pode reivindicar a verdade total na presena doutras religies. Nes-te particular, a parbola dos trs anis contada por G.E. Lessing (1729-1781) nasua obra Nat, o Sbio(1779), reveladora; diz ele:

    Havia, certa vez, um anel antigo que tinha o poder de transmitir ao seu

    dono a ddiva de ser amado por Deus e pelos homens. O anel foi passa-do de gerao em gerao por muito tempo, at vir a pertencer a umpai que tinha trs filhos igualmente queridos a ele. Para resolver este dile-ma, mandou fazer duas rplicas, e deu um anel para cada filho. Depoisda sua morte, todos os trs alegavam ser possuidores do anel verdadeiro.Mas, como no caso da religio, o original no pode ser descoberto. A in-vestigao histrica de nada adianta. Um juiz sbio, no entanto, aconse-lha cada filho a comportar-se como se tivesse o anel verdadeiro, e a

    110Carl G. Jung, Psicologia e Religio,Petrpolis, RJ.: Vozes, 1978, 140, p. 87.

    111Thomas R. Giles, Introduo Filosofia,So Paulo: EPU/EDUSP., 1979, p. 101. Vd. tambm: J.Y.

    Jolif, Compreender o Homem,p. 15ss.; Battista Mondin, O Homem, Que Ele?,So Paulo: Paulinas,1980, p. 7ss; H.W. Wolff,Antropologia do Antigo Testamento,So Paulo: Loyola, 1975, p. 9ss. DavidM. Lloyd-Jones, Estudos no Sermo do Monte,So Paulo: Fiel, 1984, p. 149-151.112

    .David Martyn Lloyd-Jones, Uma Nao sob a Ira de Deus: estudos em Isaas 5, 2 ed. Rio de Ja-neiro: Textus, 2004, p. 15.113

    A Escola Cnica bem como as Escolas Cirenaica e Megrica, so as chamadas Escolas Socrti-cas Menores, em oposio Escola de Plato, que fundou a sua Academiaem 387 a.C., sendo es-ta considerada a primeira universidadedo mundo. (Cf. Battista Mondin, Curso de Filosofia,So Pau-lo: Paulinas, 1983, Vol. 1, p. 56).114

    Cf. Hermisten M.P. Costa, Reflexes Antropolgicas,Campinas, SP., 1979, p. 13.

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    comprov-lo mediante atos de amor. Destarte no importar, afinal dascontas, quem tinha o original. Os trs filhos representam o judasmo, o cris-tianismo e o islamismo. Um dia, transcendero a si mesmos e se uniro nu-ma nica religio universal de amor.115

    Portanto, em questes de religio, a tolerncia a virtude suprema e, o dogma-tismo, a atitude mais repreensvel.

    A implicao destas concepes nos conduz ao ecumenismo de todas as religi-es, procurando o que cada uma tem de bom.

    Este tipo de aproximao metodolgica acarretava o fim de uma teologia vigorosae forte, caracterizando-se por um desvio do estudo bblico e teolgico para uma a-bordagem apenas histrica; o ecumenismo decreta, de forma explcita ou no, o fimda voz proftica de uma Igreja, tendo como critrio avaliativo apenas o que promovea unidade, ainda que em detrimento daverdade. Esquecendo-se de que a genunaunidade produzida pelo Esprito! (Ef 4.3).116

    No sculo XVI, Calvino (1509-1564), aps argumentar contra aqueles que cha-mavam os reformados de hereges, ressalta que a unidade crist deve ser na Pala-vra:

    Com efeito, tambm isto de notar-se: que esta conjuno de amorassim depende da unidade de f que lhe deva ser esta o incio, fim, a re-gra nica, afinal. Lembremo-nos, portanto, quantas vezes se nos reco-menda a unidade eclesistica, isto ser requerido: que, enquanto nossasmentes tm o mesmo sentir em Cristo, tambm entre si conjungidas noshajam sido as vontades em mtua benevolncia em Cristo. E, assim, Paulo,

    quando para com ela nos exorta, por fundamento assume haver um sDeus, uma s f e um s batismo [Ef 4.5]. De fato, onde quer que nos ensi-na o Apstolo a sentir o mesmo e a querer o mesmo, acrescenta imedia-tamente; em Cristo [Fp 2.1,5] ou: segundo Cristo [Rm 15.5], significando serconluio de mpios no acordo de fiis a unidade que se processa parteda Palavra do Senhor.117(grifos meus)

    Vejamos agora algumas das implicaes desse pensamento na cosmoviso con-tempornea:

    A) Antidogmatismo:A palavra "Dogmatismo" vem do grego do/gma("dgma"), que comporta as se-

    guintes tradues: opinio, certeza, proposio, enunciao, doutrina, verdade, de-

    115

    Lessing, Nat, o Sbio, Ato III. Cena 7.Apud Colin Brown, Filosofia e F Crist, p. 60. Esta par-bola encontra-se tambm reproduzida in Colin Chapman, O Cristianismo no Banco dos Rus, p. 67.116

    Sobre a Unidade Crist, Vd. Hermisten M.P. Costa, A Pessoa e Obra do Esprito Santo, SoPaulo: 2006.117

    J. Calvino,As Institutas, IV.2.5.

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    Nesta acepo, o dogmatismo assume um carter ideolgico e poltico, atravsda imposio de uma idia, que deve ser aceita sem maiores investigaes. Destemodo, podemos observar que ningum est livre do dogmatismo. Por isso, pode-sefalar do dogmatismo do Estado, da Religio, do grupo social, etc., os quais podemse valer do estabelecimento de um aparelho ideolgico para perpetuar os seus

    dogmas e para punir os seus infratores.

    Na Epistemologia, considera-se dogmatismo dogmatismo gnoseolgico , aque-la posio que afirma, queno contato entre o sujeito e o objeto temos um conheci-mento exato e verdadeiro, no pairando nenhuma dvida sobre o mesmo.

    Neste caso, julga-se a razo humana como sendo capaz de atingir a verdade ab-soluta, no havendo de fato o problema do conhecimento.

    Normalmente quando definimos o dogmatismo, nos referimos ao "dogmatismo in-gnuo", que consiste em no duvidar do valor de seus conhecimentos. Esta psico-lgica e historicamente a primeira posio do homem. O primeiro momento do ho-

    mem de certeza; a dvida s aparece quando ele comea a questionar a sua per-cepo dos fatos. Historicamente, foram os sofistas, os primeiros a identificarem oproblema do conhecimento. Desde ento, a reflexo sobre esta questo se tornouuma constante no pensamento filosfico.

    O dogmatismo tem por supostas a possibilidade e a realidade de contatos entre osujeito e o objeto. para ele evidente que o sujeito, a conscincia cognoscente, a-preenda o objeto. Tal posio parte de uma confiana (ainda no enfraquecida peladvida) firme na razo humana.

    Para o dogmatismo, aquilo que percebemos corresponde de fato essncia doobjeto percebido. Deste modo, ele confia em suas faculdades intelectuais, na reali-

    dade objetiva dos seus conhecimentos e em sua inteligncia, como meio eficaz dese atingir as verdades relativas ao homem, ao universo e a Deus.

    O dogmatismo sustenta que os objetos do conhecimento nos so dados absolu-tamente e no meramente por obra da funo intermediria do conhecimento.

    Pelo que ficou exposto, vimos que o dogmatismo no entende o fenmeno do co-nhecimento como que consistindo numa relao entre sujeito e objeto; contando, nocaso, apenas o intelecto.

    O fato de que todos os valores pressupem uma conscincia avaliadora, perma-nece to desconhecido para o dogmatismo, como o de que todos os objetos do co-nhecimento implicam a existncia de uma conscincia cognoscente. O dogmticopassa por cima destas consideraes, ignorando a subjetividade do sujeito e o "ru-do" de sua percepo. Por isso, nesta confiana cega na razo humana, ele aceitadespreocupadamente, por assim dizer, todas as afirmaes da razo, ignorando osseus limites. Nenhuma filosofia humana pode ser a completa verdade divi-na.126

    126E.S. Brightman, Introduo Filosofia,p. 306.

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    Sem dvida, o dogmatismo peca por sua exagerada confiana na razo. Todavia,perguntamos: No seria possvel um dogmatismo, fruto de pesquisa e de observa-o, que acredite nas suas concluses, mas, que ao mesmo tempo, esteja dispostoa mudar de opinio se for convencido? Propomos um dogmatismo crticoque, embo-ra no alegue ser o proprietrio da verdade, crna verdade absoluta e na possibili-

    dade de alcan-la.127

    A atitude simplesmente antidogmtica peca pela sua percepo, julgada correta,de que no podemos ter certeza de nada. Camos assim num tipo de dogmatismonegativo. Desta forma, qualquer posicionamento tido como certo e verdadeiro rotu-lado desde modo. Obviamente, este tipo de raciocnio por si s mostra a sua fragili-dade visto que para eu chegar a uma concluso antidogmtica preciso ter algumacerteza. Numa sociedade que preza imensamente a liberdade para fazer o que bementender em cada circunstncia sem maiores compromissos com o antes e o depois,sem nenhuma preocupao com a coerncia de seus atos, a certeza por si s soarcomo algo estranho e inibidor de seu comportamento. Deste modo qualquer atitudeque sustente princpios e regras como verdadeiros ser tido como dogmtica e por

    isso mesmo retrgrada ou reacionria. A certeza que contradiz o que desejo sersempre dogmtica! Portanto, no h espao para os absolutos da Palavra que nosmostrem o que correto e o que errado. Falar desse modo, ser fundamentalista.

    B) Relativismo, Subjetivismo, Pragmatismo e Utilitarismo:

    Essa a sua verdade, no a minha...; tudo relativo; para aquela pocae cultura isso era verdadeiro.... Quantos de ns j no nos deparamos com afirma-es assim? Talvez j at tenhamos falado desse modo. Por trs dessas afirma-es, via de regra, esto um ou mais destes quatro conceitos: o relativismo, o subje-tivismo,opragmatismo e o utilitarismo.

    a) Subjetivismo: Ainda que este nome seja moderno (sculo XIX), a sua per-cepo bem antiga, sendo encontrada j nos Sofistas no 5 sculo a.C.128Parao subjetivismo, a validade da verdade est limitada ao sujeito que conhece e jul-ga. Desta forma, no podemos falar de uma realidade idntica para todo o serhumano. Toda certeza pessoal, visto que toda a verdade subjetiva.Os confli-tos nada mais so do que interesses e desejos diferentes.O bem e o mal aquiloque desejo que seja, conforme resumiu Thomas Hobbes (1588-1679): Seja qualfor o objeto do apetite ou desejo de qualquer homem, esse objeto a-quele a que cada um chama bom; ao objeto de seu dio e aversochama mau, e ao de seu desprezo chama vil e indigno. Pois as palavras

    127Recusamos igualmente o ceticismo frvolo e o dogmatismo escolstico; somos dogmti-

    cos crticos. Cremos na verdade, embora no pretendamos possuir a verdade absoluta(Er-nest Renan, O Futuro da Cincia, Salvador: Imprensa Oficial da Bahia, 1950, p. 433-434).128

    com o declnio da crena religiosa nos sculos XVIII e XIX que o subjetivismo tornou-semais que uma simples curiosidade. A fraqueza do fundamento religioso da tica , no en-tanto, notria. (...) (...) com o declnio da crena religiosa que o subjetivismo tornou-se umafora real no pensamento europeu (Simon Blackburn, Subjetivismo Moral: In: Monique Canto-Sperber, org. Dicionrio de tica e Filosofia Moral, So Leopoldo, RS.: Editora Unisinos, 2003, Vol. 2,p. 645).

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    bom, maue desprezvelso sempre usadas em relao pessoa queas usa. No h nada que o seja simples e absolutamente, nem h qual-quer regra comum do bem e do mal, que possa ser extrada da naturezados prprios objetos.129

    O subjetivismo privilegia o fato de que os seres humanos so diferentes e com

    compreenses dspares. Assim, toda a verdade encontra um mbito limitado: In-dividual, quando a verdade est restrita ao indivduo; Geral, quando ela se res-tringe a um grupo ou povo.

    b) Relativismo: Para o relativismo, os conceitos considerados verdadeiros,so produto dos valores de uma poca, de uma cultura, de um povo. Assim, todaverdade relativa a uma sociedade, poca, grupo ou cultura. Deste modo, noexiste um cdigo moral universalmente vlido, antes, h uma infinidade de cdi-gos com reivindicaes semelhantes.Este conceito j encontramos nos Sofistasno 5 sculo a.C.130

    A nossa capacidade cognitiva est limitada pelas nossas condies histricase, tambm, pelo nosso nvel de desenvolvimento filosfico, tecnolgico, econmi-co e social. Desta forma, no podemos conhecer a essncia das coisas, mas,sim, como elas se nos apresentam em determinados contextos. Logo, no h umpadro tico universal. Desta forma, qualquer juzo de valor baseia-se em nossaprpria moral.Deste modo, de uma forma ou de outra, o relativismo moral contri-bui para um tipo de ambigidade moral.

    O subjetivismo e o relativismo se forem absolutos negam a sua prpria tesevisto que afirmam categoricamente a realidade como sendo subjetiva. Por outrolado se suas afirmaes foram relativas, naturalmente perdem a sua pretenso universalidade visto que se constituem em apenas mais uma concepo particular

    da realidade.

    c) Pragmatismo: A palavra Pragmatismo proveniente do grego Pra=gma,131que significa, entre outras coisas, negcio, ato, ao, evento. O termo

    pragmatismo foi introduzido pela primeira vez em filosofia por Charles

    129Thomas Hobbes,Leviat, So Paulo: Abril Cultural, (Os Pensadores, Vol. XIV), 1974, I.6. p. 37.

    130Veja-se Plato, Teeteto,Belm: Universidade Federal do Par,1988, 172a-b p. 43-44. Tucdides

    (c. 465-395 a.C.) observou em sua monumental obra, Histria da Guerra do Peloponeso, que: A sig-

    nificao normal das palavras em relao aos atos muda segundo os caprichos dos ho-mens. A audcia irracional passa a ser considerada lealdade corajosa em relao ao parti-do; a hesitao prudente se torna covardia dissimulada; a moderao passa a ser umamscara para a fraqueza covarde, e agir inteligentemente equivale inrcia total. Os im-pulsos precipitados so vistos como uma virtude viril, mas a prudncia no deliberar um pre-texto para a omisso....(Tucdides, Histria da Guerra do Peloponeso,Braslia, DF.: Editora Uni-versidade de Braslia, 1982, II.82. p. 167).131

    NT.: * Mt 18.19; Lc 1.1; At 5.4; Rm 16.2; 1Co 6.1; 2Co 7.11; 1Ts 4.6; Hb 6.18; 10.1; 11.1; Tg 3.16.

    Pra=gma, por sua vez vem da palavra Pra/ssw, fazer, realizar, observar(Lc 3.13; 19.23; 22.23;Jo 3.20; At 3.17; 5.35; 16.28; Rm 1.32; 2.1,2,3; 1Co 5.2. etc.). desta mesma palavra que vemPra=cij, ato, ao, atividade, negcio.(* Mt 16.27; Lc 23.51; At 19.18; Rm 8.13; 12.4; Cl 3.9).

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    derivamos toda a escolha ou recusa e chegamos a ele valorizando todobem com critrio do efeito que nos produz.141

    Assim, Bentham escreve:

    A natureza colocou o gnero humano sob o domnio de dois senho-

    res soberanos: a dor e o prazer. Somente a eles compete apontar o quedevemos fazer, bem como determinar o que na realidade faremos.142

    Por princpio de utilidade entende-se aquele princpio que aprovaou desaprova qualquer ao, segundo a tendncia que tem a aumen-tar ou a diminuir a felicidade da pessoa cujo interesse est em jogo, ou,o que a mesma coisa em outros termos, segundo a tendncia a pro-mover ou a comprometer a referida felicidade.143

    E o bem da comunidade, onde fica? A isto, Bentham responde:

    A comunidade constitui um corpo fictcio, composto de pessoas in-dividuais que se consideram como constituindo os seus membros. Qual

    , neste caso, o interesse da comunidade? A soma dos interesses dosdiversos membros que integram a referida comunidade. intil falar do interesse da comunidade, se no se compreender

    qual o interesse do indivduo.144

    Analisando o primeiro aspecto do Utilitarismo(expresso por J.S. Mill), pergun-tamos: Como o homem com as suas limitaes prprias, poder determinar aquiloque resultar das suas aes? H atitudes que a princpio parecem funcionarbem; todavia, depois de um certo tempo, constatamos que fomos enganados pelonosso imediatismo (Pv 14.12).

    Quanto ao hedonismo, observamos que esta a atitude natural do homem en-tregue aos seus pecados. Surgem da, algumas perguntas: Todos os prazeresso bons? O prazer sdico mau. Toda a dor m? A dor resultante do trabalhoou estudo prolongado, pode ser boa.

    O princpio bblico totalmente oposto ao do utilitarismo(Mt 22.39; Rm 14.19;1Co 10.23-24; 13.5).

    145Jesus Cristo o nosso modelo perfeito (1Jo 3.16; Fp 2.5-

    11). Veith resume: O utilitarismo um modo de enfrentar questes moraissem Deus.146

    Finalizando este tpico, observamos que, levados s ltimasconseqncias, o re-lativismo, o pragmatismo, o subjetivismoe o utilitarismo se confundem com o ceti-

    141

    Epicuro,Antologia de Textos,So Paulo: Abril Cultural, (Os Pensadores, Vol. V), 1973, p. 25.

    142Jeremy Bentham, Princpios da Moral e da Legislao,So Paulo: Abril Cultural, (Os Pensadores,Vol. XXXIV), 1974, I.1. p. 9.143

    Jeremy Bentham, Princpios da Moral e da Legislao,I.2. p. 10.144

    Jeremy Bentham, Princpios da Moral e da Legislao,I.4. p. 10.145

    . Amars o teu prximo como a ti mesmo(Mt 22.39). Assim, pois, seguimos as coisas da paze tambm as da edificao de uns para com os outros(Rm 14.19). Todas as coisas so lcitas, masnem todas convm; todas so lcitas, mas nem todas edificam. Ningum busque o seu prprio inte-resse, e sim o de outrem(1Co 10.23-24). O amor () no se conduz inconveniente-mente, no pro-cura os seus interesses, no se exaspera, no se ressente do mal(1Co 13.4-5).146

    Gene Edward Veith, Jr., Tempos Ps-Modernos,p. 27.

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    Esta perspectiva coloca o homem como senhor da Histria e do seu destino, es-quecendo-se de que a liberdade do homem liberdade finita;165 ignorandotambm, o pecado e a conseqente escravido da vontade aos deuses destemundo.

    166(Rm 3.23; 6.23; Ef 2.1).

    Lloyd-Jones (1899-1981) observa com perspiccia que,

    "O homem do mundose jacta da sua liberdade e fala sobre 'livre pensamento'. A suprema realiza-o do diabo consiste em persuadir o homem de que, justamente naquiloem que ele est mais estonteado e escravizado, mais livre.167

    Quanto ao pressuposto da anomia, h a ignorncia dos preceitos eternos de Deusregistrados na Sua Palavra que permanecem e, que nos mostram que a Palavra suficiente para todas as nossas necessidades, no havendo rea em nossa vida pa-ra qual as Escrituras no tenham normas e princpios orientadores (Mt 5.17-19;22.29; 2Tm 3.16; 2Pe 1.20-21).

    D) Pluralismo:

    Se no existe verdade, tambmno existe heresiaJohn Sittema, Cora-o de Pastor, So Paulo: Cultura Crist,2004, p. 76.

    Como a verdade, caso exista, plural, todas as coisas so possveis dentro dadiversidade do real ou mesmo na falta de seu sentido. H coisas diferentes, mas noexcludentes. Deste modo, alguns princpios da Lgica Formal so meramente igno-rados, tais como:

    a) O Princpio de Identidade, que afirma que o que , ou, tudo que idnticoao que j se pensou necessariamente verdadeiro, toda proposio equivalentea ela mesma ou, ainda, todo objeto idntico a si mesmo. Este princpio podetambm ser resumido na frmula: A A, o que quer dizer que uma idia ou con-ceito igual a ele mesmo pelo menos no momento em que se est realizando opensamento. O sentido fundamental, que o predicado expressa alguma qualidadedo sujeito todo sujeito predicado de si mesmo, caso contrrio, teramos umatautologia, como se dissssemos que So Paulo So Paulo. Ao afirmarmos pelocontrrio, que Lutero foi o marco fundamental da Reforma Protestante, expressamosque o atribudo a Lutero lhe cabe totalmente, havendo ento uma identidade.

    Este princpio que j era bem conhecido de Locke (1632-1704),168 foi colocadopor Leibniz (1646-1716) da seguinte maneira:

    165Paul Tillich, Teologia Sistemtica,So Paulo: Paulinas/Sinodal, (1984), II, p. 268.

    166Vd. L. De Koster, Liberdade Crist: In: Walter A. Elwell, ed. Enciclopdia Histrico-Teolgica da I-

    greja Crista,So Paulo: Vida Nova, 1990, Vol. II, p. 429-431.167

    D.M. Lloyd-Jones, O Combate Cristo,So Paulo: PES., 1991, p. 76.168

    John Locke, Ensaio Acerca do Entendimento Humano,So Paulo: Abril Cultural, (Os Pensadores,Vol. XVIII), 1973, I.1.4. p. 151.

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    naquele momento. No campo poltico e religioso, esta prtica , talvez, uma dasmais visveis em nosso pas: no existe incompatibilidade real, apenas circunstanc i-al.

    O pressuposto bsico deste princpio a falta de absolutos. Deste modo, cada um

    deve viver como se aquele momento fosse o momento e que os conceitos no seexcluem; a diferena a verdade; logo, no h princpios absolutos que possamnos orientar em nossa vida e escolhas, exceto as minhas circunstncias: no tenhocompromissos como minhas escolhas anteriores. Uma sociedade sem absolutoscaminha para o caos moral.

    No entanto, os Mandamentos de Deus permanecem como norma absoluta de to-do o nosso pensar, crer e viver. Seremos avaliados por Deus no pelos nossos con-ceitos circunstancias, mas, pela Sua Palavra, que viva e eficaz. (Rm 2.16).

    E) O Marxismo:

    Para Karl Marx (1818-1883), toda a realidade (= histria) deve ser interpreta-da atravs do materialismo dialtico(as leis superiores que regem toda a realidade)e do materialismo histrico (leis particulares que governam as transformaes eco-nmicas ao longo do curso da histria: Os fenmenos histricos e sociais tem a suacausa determinante em fatos econmicos).

    Para Marx, o fator fundamental na existncia humana o econmico. atravsda economia que se realiza a evoluo social; e, atravs desta, a poltica. Assimconsiderando, Marx tentou explicar toda a realidade dentro de um quadro de refe-rncia no qual a economia detinha a primazia.

    Aplicando este referencial religio, Marx concluiu que a religio um produto dohomem, mas, que tem dominado o mesmo homem que a criou. Em 1846, Marx e F.Engels escreveram:

    At o presente os homens sempre fizeram falsas representaes sobresi mesmos, sobre o que so ou deveriam ser. Organizaram suas relaesem funo de representaes que faziam de Deus, do homem naturaletc. Os produtos de sua cabea acabaram por se impor sua prpriacabea. Eles, os criadores, renderam-se s suas prprias criaes. Liberte-mo-los, pois, das quimeras, das idias, dos dogmas, dos seres imaginrios,sob o jugo dos quais definham. Revoltemo-nos contra este predomnio dos

    pensamentos.181

    A concluso de Marx, que a religio deve ser suprimida. Na sua tese de douto-rado, procurou provar que no pas da razo, no h lugar para Deus.

    Levai papel-moeda a um pas no qual este uso do papel desconhe-cido, e todos riro de vossa representao subjetiva. Ide com os vossos

    181Karl Marx & Friderich Engels,A Ideologia Alem,3 ed. So Paulo: Livraria Editora Cincias Hu-

    manas, 1982, p. 17.

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    deuses a um pas no qual so adorados outros deuses, e l vos demonstra-ro que sois vtimas de imaginaes e abstraes. E com razo. Se algumtivesse levado aos gregos antigos um deus migrador, teria tido a prova dano existncia deste deus, porque para os gregos ele no existia. O queem um determinado pas se d com os deuses estrangeiros acontece no

    pas da razo com Deus em geral: ele uma regio na qual a existnciade Deus cessa.182

    Seguindo a lgica de seu argumento, Marx conclui que a religio ir desaparecerconforme o homem for progredindo. Todavia, hoje ela funciona como pio do povo:

    O sofrimento religioso ao mesmo tempo uma expresso do sofrimentoreal e um protesto contra o sofrimento real. A religio o suspiro da criatu-ra oprimida, o sentimento de um mundo sem corao, e a alma de con-dies desalmadas. o pio do povo. A abolio da religio, como a feli-cidade ilusria dos homens, uma exigncia que visa sua felicidade ver-

    dadeira.183

    Portanto, lutar contra a religio significa lutar contra a escrav